dantas mota - um banquete nos trópicos (1 - pensamento social brasileiro)

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1) PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO DANTAS MOTA, Lourenço (org). Introdução ao Brasil. Um banquete no trópico. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 1999. Gilberto Freyre – Casa-grande & Senzala (pp. 215-234) (Elide Rugai Bastos) Nascido em 1900, estudou nos Estados Unidos e depois na Europa. Sua formação sociológica incorporou instrumentos novos trazidos por pensadores como Simmel e Boas, além de ter se deixado influenciar por autores espanhóis diversos. Com isso conseguiu inovar metodologicamente com sua obra, utilizando, em comparação com os grandes pensadores anteriores, base documental diferentes, procurando na vida íntima componentes da sociedade patriarcal, por via do cotidiano vivido no complexo agrário-industrial do açúcar. As três grandes obras de Gilberto Freyre são: Casa- grande & senzala, Sobrados e mucambos, e Ordem & Progresso. Estas obras tentam pensar a história da sociedade patriarcal no Brasil, desde sua formação no período colonial até a sua desintegração com o fim do trabalho escravo. Casa-grande & senzala estabelece uma polêmica a respeito da questão racial, do determinismo geográfico e do papel desempenhado pelo patriarcado na configuração nacional, discutindo com autores da década anterior, como Oliveira Viana e Paulo Prado. A concepção desta obra sobre a sociedade brasileira se funda sobre três elementos: o

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Page 1: Dantas Mota - Um banquete nos trópicos (1 - Pensamento social brasileiro)

1) PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO

DANTAS MOTA, Lourenço (org). Introdução ao Brasil. Um banquete no trópico. São

Paulo: Editora SENAC São Paulo, 1999.

Gilberto Freyre – Casa-grande & Senzala (pp. 215-234) (Elide Rugai Bastos)

Nascido em 1900, estudou nos Estados Unidos e depois na Europa. Sua

formação sociológica incorporou instrumentos novos trazidos por pensadores como

Simmel e Boas, além de ter se deixado influenciar por autores espanhóis diversos. Com

isso conseguiu inovar metodologicamente com sua obra, utilizando, em comparação

com os grandes pensadores anteriores, base documental diferentes, procurando na vida

íntima componentes da sociedade patriarcal, por via do cotidiano vivido no complexo

agrário-industrial do açúcar.

As três grandes obras de Gilberto Freyre são: Casa-grande & senzala, Sobrados

e mucambos, e Ordem & Progresso. Estas obras tentam pensar a história da sociedade

patriarcal no Brasil, desde sua formação no período colonial até a sua desintegração

com o fim do trabalho escravo.

Casa-grande & senzala estabelece uma polêmica a respeito da questão racial, do

determinismo geográfico e do papel desempenhado pelo patriarcado na configuração

nacional, discutindo com autores da década anterior, como Oliveira Viana e Paulo

Prado. A concepção desta obra sobre a sociedade brasileira se funda sobre três

elementos: o patriarcado, a interpenetração de etnias e culturas e o trópico.

Dois eixos explicativos se definem: a discriminação entre os efeitos da herança

racial e os de influência social, cultural e de meio; e o peso do sistema de produção

econômica sobre a estrutura da sociedade. A partir disso, conclui serem a monocultura

latifundiária e a escassez de mulheres brancas condicionantes fundamentais das relações

existentes entre brancos e não-brancos. Pela estrutura econômica, resulta uma

dominação patriarcal; pela escassez das mulheres brancas, surge a possibilidade de

confraternização entre vencedores e vencidos, gerando a miscigenação como corretor da

distância social. Disto resulta uma espécie de “democratização social” no Brasil.

A casa-grande funciona como o centro de coesão social, e representa todo um

sistema complexo, que muitas vezes suplantou a Igreja e mesmo o Estado. É nela que

Gilberto Freyre enxerga o caráter brasileiro. Casa-grande é o símbolo de um status –

senzala, o de uma subordinação. O “&” marca a interpenetração.

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A argumentação de Freyre sobre o caráter do povo brasileiro se dá sobre as

seguintes fundamentações: a adaptabilidade do povo português o colocou em situação

possível de colonização, e não apenas de extração de recursos, com relação à terra

recém descoberta; essa adaptabilidade irá engendrar a família, que, no lugar do

indivíduo, do Estado ou das companhias de comércio, seria o lugar das funções sociais,

políticas e econômicas, garantindo unidade política e evitando o separatismo; e a

monocultura canavieira irá operar positivamente na constituição da sociedade, mas

negativamente no desenvolvimento físico dos habitantes provocando a subnutrição e

intervindo no desenvolvimento da produção; e, por último, a organização política

brasileira se daria por um forte autoritarismo, de origem cultural (e não política), entre o

sadismo dos dominadores e o sado-masoquismo dos dominados (o gosto pela

dominação de qualquer “sinhozinho”, e o gosto por ser dominado, por qualquer

escravo).

As teses de Freyre apontam para uma interpenetração cultural (a cultura é a via

de explicação principal neste pensador) que resulta em um processo de formação

nacional menos violento entre dominadores e dominados, quando as tensões sociais são

sublimadas em outros parâmetros. Além disso, resultam as interpenetrações raciais que

causam sobrevivências culturais verdadeiramente novas, modificando desde os hábitos

de higiene até os religiosos ou sexuais.

Com relação ao índio, o português não encontrou um sistema vigoroso quando

chegou ao Brasil, mas uma população culturalmente inferior à maior parte das áreas

africanas. O português, tolerando ou assimilando os costumes indígenas dissolveu as

culturas nativas, salvando algumas de suas formas, mas fazendo perder o seu potencial,

a sua capacidade construtora. Principalmente a ação dos jesuítas destruiu o potencial

construtivo da cultura indígena.

Como povo, o Brasil seria extensão da população ibérica (já miscigenada entre

árabes, judeus e portugueses) e os elementos indígenas e africanos. O portugues seria

um povo ainda com características feudais, mas dotado de um burguesismo precoce, que

lhe garantiu a plasticidade exigida pelo mundo moderno. Sua população estaria entre o

feudal e o burguês, entre a Europa e a Africa. Graças a essa rusticidade portuguesa, este

povo esteve mais suscetível a assimilar em sua família os seus escravos. A rusticidade

que faz o português é uma marca de seu bom senso, levando-o a ter uma visão prática e

não teórica do mundo, transferida para os seus empreendimentos colonizadores.

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Para Freyre, em Portugal o escravo mouro desempenha um papel de civilizador.

Com esses escravos, os portugueses têm um aprendizado técnico que possibilita a

instalação de engenhos. O escravo mouro modificou diversos aspectos culturais do povo

português, e alterou também o ethos do trabalho. Acostumados à escravidão, os

portugueses, um século antes da colonização da América, tinham transformado o verbo

trabalhar em mourejar, antecipando a visão no Brasil dos séculos seguintes, de que

trabalho seria coisa só pra negro.

Com relação ao negro, houve uma seleção mais criteriosa dos escravos trazidos

para o Brasil. O objetivo não era apenas conseguir mão de obra, mas solucionar a falta

de mulheres brancas e resolver a necessidade de técnicos em metal para os engenhos e

para as minas. Disso resulta que os negros que convivem com os brancos não são os

degradados pelo serviço da lavoura e sim os escravos domésticos, o que ampliou a

miscigenação e a interpenetração cultural entre as raças. Dos negros teríamos herdado a

sensibilidade, a imaginação e uma doce e doméstica religiosidade, além de hábitos de

higiene, vestimenta e alimentação.

Ideias-chave:

- Miscigenação como corretor da distância social;

- Democracia racial;

- A cultura como elemento de explicação psicossocial;

- As relações sadistas por parte do senhor e masoquistas pelo escravo;

- A interpenetração cultural das três raças;

- Dialogava contra as teorias racistas, principalmente as de Oliveira Viana;

- O regimento familiar da Casa-grande como explicação ao invés do Estado;

- Escreveu principalmente no contexto das transformações de 1930.

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Sérgio Buarque de Holanda – Raízes do Brasil (pp. 235-256) (Brasílio Sallim Jr.)

Sérgio Buarque nasceu em 1902, e se formou na Faculdade de Direito. Exerceu

também as atividades de jornalista e crítico literário, e participou como um dos

fundadores do movimento modernista. Mais tarde, torna-se professor da USP na cadeira

de História da Civilização Brasileira. Seus estudos foram influenciados, na alemanha,

pelo historismo.

Em Raízes do Brasil (1936), Sérgio Buarque quer compreender o processo de

transição sociopolítica vivido pela sociedade brasileira a partir dos anos 1930. Ele

tentava identificar qual era o passado a ser superado, e qual futuro embrionário aquele

presente histórico continha. Neste livro não há uma história da sociedade brasileira

reconstituída cronologicamente: cada capítulo examina formas de sociabilidade que

constituíam o que seria a identidade nacional que Sérgio Buarque acreditava em vias de

superação.

Raízes do Brasil não quer reconstituir a identidade nacional brasileira

simplesmente, mas sim pensar as formas tradicionais e arcaicas como sempre presentes

em devir, em processo de construção. A identidade nacional, para o autor, era fraturada

e problemática. Abaixo um resumo dos capítulos:

Fronteiras da Europa: Sérgio Buarque encontra na península ibérica o pilar da

identidade em construção do Brasil. Em Portugal e na Espanha, o índice de valor de um

homem é inferido de sua independência com relação aos demais. Isso teria surgido de

dois fatos: por um lado, com a ética dos fidalgos, por outro – graças à frouxidão das

estruturas hierárquicas de poder nestes países – uma burguesia que, quando ascendente,

não procurou se separar da nobreza, mas incorporar as suas formas, não seguindo

necessariamente a outra vertente burguesa europeia fria e calculista.

Ao lado dessa frouxidão hierarquica, porém, convivia uma recusa de honras aos

trabalhos mecânicos. A apologia da autonomia da pessoa concebia que a ação sobre as

coisas, sobre objetos exteriores, prejudicaria a dignidade. Isto gerou um culto da

ociosidade, ao contrário das religiões protestantes no resto da Europa. A carência de

uma ética do trabalho dificultaria uma organização social mais rígida, favorecendo

contextos mais familiares e de círculos mais fechados que amplos.

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Trabalho e aventura: Sérgio Buarque criou dois tipos ideais (modelos) para tentar

compreender o empreendimento da colonização e seus desdobramentos no povo

brasileiro. O trabalhador seria movido pelos meios mais que pelos fins, voltado para a

segurança e para o labor do tempo, pela paixão por uma atividade específica, com vistas

de recompensa a longo prazo. O aventureiro seria ligado mais aos fins que aos meios, e

procuraria riqueza não ao custo do trabalho, mas da exploração imediata. Teria sido

deste último tipo o caráter da colonização portuguesa, influenciando diversos aspectos

da vida social, desde as formas de trabalho, até a arquitetura. Graças ao ímpeto

aventureiro é que a colonização portuguesa pode alcançar o seu sucesso, através de um

sistema escravista predatório.

Herança rural: Sérgio Buarque divide a história nacional em duas, tendo o marco na

abolição. Na época colonial teria predominado um modelo rural (predominando a

família patriarcal, com normas do antigo direito romano-canônico), e só após a abolição

o modelo urbano ganharia força. O modelo rural, com seu centramento no poder pátrio,

tendia à autarquia. A família patriarcal foi o elo social através do qual a tradição

personalista e aventureira herdada se aclimatou entre nós. Mesmo após a tendência

evolutiva do modelo urbano, o espaço das cidades seria ocupado pelos velhos patriarcas,

transpondo para ele influências do mundo rural da colônia.

O semeador e o ladrilhador: Sérgio Buarque tenta opor a colônia portuguesa à

espanhola. A primeira teria uma vida mais rural, a segunda mais urbana. A primeira

aproveitaria o ambiente natural encontrado, enquanto a segunda seria antinatural. A

cidade portuguesa não contrariaria o quadro da natureza, não seria mental, e se alinharia

com a paisagem, ao contrário da segunda, que tenta retificar a fantasia sobre a natureza.

São o semeador português e o ladrilhador espanhol. Isto seria derivação, no caso

espanhol, de uma falta de união orgânica no povo espanhol, que teria desenvolvido um

furor artificial de unificação, ao contrário de Portugal, que não teria problemas para

alcançar a sua unidade política. A Espanha buscava realizar uma Nova Espanha,

enquanto Portugal tentaria explorar a sua colônia.

O homem cordial: Existe uma descontinuidade entre a família e o Estado, para Sérgio B.

Só por meio da transgressão da lei familiar e doméstica é que a lei estatal se colocaria.

De qualquer modo, a predominância da mentalidade patriarcal geraria uma confusão

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entre as esferas do público e do privado na transição dos indivíduos de seu círculo

familiar para o estatal, ou público. Os laços institucionais sofreriam, portanto, grande

influência do modo de funcionamento do patriarcado: os laços de afeto, de parentesco,

enfim, de particularismo. O outro lado desta moeda é o que seria a contribuição

brasileira para a civilização: a cordialidade. O homem cordial preza o trato, a

hospitalidade, a generosidade, mas também a inimizade, ou qualquer outro sentimento

nascido do coração, fazendo predominar o eu sobre a frieza do social civilizado.

Novos tempos: Novos tempos busca entender as mudanças recentes no Brasil do

séculoXX e o legado patriarcal sobre estes mesmos tempos. Um dos legados é que a

separação entre trabalho intelectual e trabalho manual teriam se acentuado, com a

valorização nobre daquele e a desvalorização deste, apartando o trabalho intelectual de

qualquer pretensão de modificação do mundo.

Nossa revolução: Análise das tensões dos antigos fundamentos com a chamada “grande

revolução brasileira” – o deslocamento dos centros rurais para o urbano. Aqui Sérgio

Buarque tenta resolver impasses políticos das tensões do velho com o novo.

- Fronteiras da Europa: personalismo: prestígio e ócio;

- Trabalho e aventura: dois modelos explicativos – colonização aventureira;

- Herança rural: a família patriarcal;

- O semeador e o ladrilhador: colônicas portuguesa rural/descentrada e espanhola

urbana/centralizadora;

- O homem cordial: confusão do público e privado no homem cordial;

- Novos tempos: novos tempos e patriarcado;

- Nossa revolução: impasses do velho com o novo.

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Caio Prado Júnior – Formação do Brasil contemporâneo (pp. 257-272) (José Roberto

do Amaral Lapa)

Caio Prado Júnior, nascido em 1907, foi político militante, exerceu mandato

eletivo, cursou faculdade de Direito, e se projetou como intelectual ao lançar seu

primeiro livro em 1933. Foi também fundador da Editora Brasiliense e da Revista

Brasiliense. Destacou-se principalmente na produção historiográfica, de cunho

econômico e social.

Formação do Brasil contemporâneo tem suas interpretações apoiadas no

marxismo dialético. É estruturado em três grandes partes, com os títulos de

“Povoamento”, “Vida material” e “Vida social”.

O livro trata do período colonial brasileiro, concedendo grande importância ao

primeiro quartel do século XIX, considerando-o a chave mestra para a compreensão do

que seria o Brasil contemporâneo.

Caio Prado Junior tem em mente romper com um continuum que enxerga entre a

colônia e a república. Este continuum tem a ver com o sentido que encontrou para a

sociedade colonial: ligada a um modelo exterior de exploração mercantil, a colônia

ficou marcada com a subordinação, sem conseguir desenvolver formas de soberania e

justiça social. O continuum se dá também da vida inter-estatal para a vida infraestrutural

da nação, presa aos moldes coloniais até então. O Brasil é classificado como “feitoria da

Europa”.

Na parte do “Povoamento”, descreve os fluxos de ocupação do território

nacional, e as três raças que povoaram o Brasil. Explica como a colonização extirpou o

as potencialidades das raças, escamoteando a todas. E deixando no negro e no índio

traços indesejáveis de ociosidade, lascívia, e inorganicidade (além disso, o texto possui

algumas passagens preconceituosas).

Em “Vida material”, Caio Prado irá expor os dois lados da agricultura nacional:

a menos importante e menos explorada agricultura de subsistência, e aquela que fazia

parte da economia de exportação da colônia, a agricultura de exportação. Caio Prado

denunciava o caráter predatório desta economia, tanto no que toca ao trabalho, como no

que tange ao desmatamento. Apontava, assim, para contradições no seio da sociedade

que um dia implodiriam o sistema e pediriam por um outro.

Em “Vida social”, expos o que seria a administração da colônia, a organização

social e a vida política.

Page 8: Dantas Mota - Um banquete nos trópicos (1 - Pensamento social brasileiro)

- Continuidade do Brasil colonial;

- Brasil como exportador de produtos tropicais para a Europa;

- Visão pessimista com relação a transformações sociais;

- Mestiçagem negativa – atraso com relação às potencialidades de cada raça para a

revolução;

- Família patriarcal como modelo para a vida pública.