da escola pÚblica paranaense 2009 · criticamente ao contrapô-las à nossa realidade escolar com...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL
UNIDADE PEDAGÓGICA
PROFESSOR PEDAGOGO: UMA REFLEXÃO
SOBRE SUA PRÁXIS
ÁREA: PEDAGOGIA
PROFESSORA PDE: MARIA INÊS DOS SANTOS AGULHAS
PROFESSORA ORIENTADORA: REGINA TAAM
MARINGÁ – PARANÁ
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................... 03.
DESENVOLVIMENTO:
I - O PAPEL DO PEDAGOGO NO CONTEXTO ESCOLAR....... 04.
II - CONTEXTO HISTÓRICO....................................................... 05.
III - NOVAS PERSPECTIVAS...................................................... 09.
IV - PAPEL DA ESCOLA............................................................. 15.
V - O PAPEL DO PEDAGOGO SEGUNDO A ÓTICA DO
PROFESSOR.............................................................................. 18.
REFERÊNCIAS...................................................................... 21.
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo discutir a prática pedagógica,
formação e papel do pedagogo na organização do trabalho escolar, proporcionando
momentos de reflexões, a fim de compreender através de análises de situações
concretas as reais possibilidades de sua função e como este pedagogo pode
redimensionar sua prática pedagógica, contribuindo desta forma para a organização
do corpo docente e discente de forma democrática e produtiva.
A intenção é buscar juntos com outros pedagogos possibilidades que
avancem na constituição de uma nova síntese que reflita as exigências do momento
presente e leve em conta a formação do pedagogo e tudo o que ele é capaz de
realizar, em benefício da escola pública.
Inicialmente a proposta é fazer uma revisão da literatura, para uma
compreensão histórica do problema, levantar aspectos dos especialistas da
educação de ontem a fim de realizar uma nova síntese com que é exigido do
pedagogo hoje.
O estudo aborda então o significado específico da Orientação Educacional,
área em que atuo na escola, sendo formada em Pedagogia com habilitação em
Orientação Educacional.
Sempre me inquietou a atuação do profissional da orientação pedagógica na
escola, razão pela qual buscarei através deste trabalho, se não solucionar os
problemas existentes, ao menos contribuir para a uma discussão com meus pares e
demais profissionais da educação, na busca por uma melhor qualidade na educação
pública, defendendo como principal idéia a necessidade da participação de todos os
envolvidos no processo educacional, escola e sociedade.
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I - O PAPEL DO PEDAGOGO NO CONTEXTO ESCOLAR
Em uma sociedade competitiva como a que vivemos, muitas vezes podem
ocorrer situações que nos levam a fazer escolhas que não contemplam todo o nosso
potencial. Desta forma, nossas aptidões não são desenvolvidas plenamente,
impossibilitando-nos de alcançar um grau maior de sucesso profissional.
Diante destas escolhas, muitas vezes relacionadas a questões familiares,
somos induzidos a aceitar situações que mudam ou determinam nossa vida pessoal
e principalmente profissional. O desejo de subir os degraus sociais e também ideais
relacionados às possibilidades de contribuir para melhorar o mundo em que vivemos
nos levam à necessidade de realizar vôos mais altos e um dos caminhos é o ensino
superior. Muitas vezes, porém, não temos a consciência da sua importância para um
futuro profissional. O curso superior gera conflitos e desafios, geralmente superando
o que se esperava dele. Novas possibilidades e algumas impossibilidades são
conhecidas.
Quanto aos desafios, um deles é compreender porque o pedagogo, no
exercício da profissão, realiza bem menos do é capaz de realizar, o que resulta em
frustração e desânimo, como constatamos em X anos de exercício da profissão. O
que imprime tanta distância entre o que se aprende no curso superior, no que se
refere ao papel do pedagogo, e o que realmente se faz na escola?
A falta de identidade do pedagogo faz com que a sua atuação seja
descaracterizada, ou seja, a realidade de sua atuação na escola não condiz com o
papel que, segundo o que aprendeu na universidade, deveria desempenhar e ele se
perde em um ativismo que o deixa insatisfeito e decepcionado. Qual seu verdadeiro
campo de atuação? Aplacar conflitos ou apontar caminhos que aproximem o
professor de uma prática que propicie aos alunos um bom relacionamento e uma
prática didaticamente produtiva?
Assim, a partir destas constatações, entendemos que as práticas dos
pedagogos precisam, com base na teoria, no diálogo com profissionais da área e
muita reflexão, serem estudadas para que juntos, os pedagogos possam encontrar
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os caminhos para uma realização profissional que responda às exigências da escola
pública que temos.
Nosso objetivo é não só discutir os motivos que levaram à desvalorização
deste profissional, deturpando seu campo de atuação, mas principalmente refletir
sobre o seu papel de articulação no processo cultural que se dá no interior da
escola.
Desta forma, ampliaremos nossa discussão para o campo da prática desse
profissional na atualidade e no cotidiano escolar, pois atualmente ele se depara com
dificuldades em realizar seu trabalho (uma vez que seu tempo está sendo
concentrado em atividades secundárias ou complementares que não são o foco de
sua formação). Situações como estas, que possam vir a interferir no trabalho,
inviabilizando possíveis projetos práticos ligados à sua função, serão refletidas
criticamente ao contrapô-las à nossa realidade escolar com as teorias sobre o
trabalho pedagógico.
Diante das indefinições do profissional de pedagogia e diante da prática
cotidiana vivenciada pelo pedagogo, procuraremos definir até que ponto o pedagogo
vem atuando dentro de suas características profissionais.
Um dos fatores que contribuíram para este desvio das atividades educacionais
é a sobrecarga que foi jogada para a escola, a qual se tornou um depósito dos
problemas sociais e familiares. A própria escola perdeu a sua função, a
transmissão/assimilação ativa do saber elaborado.
II - CONTEXTO HISTÓRICO
A Orientação Educacional no Brasil surge no período em que se manifestava a
crise econômica do país, reflexo das contradições do capitalismo.
O Orientador Educacional apareceu no momento em que o modo de
organização sócio-econômico começava a refletir suas contradições. Neste contexto
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ele teve como papel camuflar esses problemas sociais, retirando os problemas da
sociedade e atribuindo-os aos indivíduos isoladamente.
Para entendermos o contexto que surge nas discussões sobre a orientação
educacional, devemos antes analisar as questões políticas e econômicas pelas
quais o Brasil passava. Na década de 20 a economia do Brasil estava baseada na
exportação do café e os grupos que detinham o poder político no Brasil estavam
ligados à economia agrária, impedindo que outros segmentos da sociedade
participassem das decisões políticas do país. Diante deste quadro que excluía até
mesmo as classes urbanas mais favorecidas, industriais e comerciantes de grande
porte, havia ainda as classes populares formadas pelos proletários urbanos e
trabalhadores rurais principalmente de São Paulo e Rio de Janeiro que, excluídas
totalmente das decisões políticas, acabam optando por movimentos grevistas e
levantes armados. Neste contexto, as classes dirigentes sentem a necessidade de
aplacar estas agitações e vêem na reforma educacional uma aliada para conter as
agitações sociais e, seguindo as idéias liberais, passam a apoiar a idéia de uma
negociação que objetive a melhoria da educação popular.
A lei 5.540/68 legisla sobre o terceiro grau e surge como resposta às
manifestações de protestos de estudantes e professores e através de seus “decretos
464 e 477 de 69 faz a ruptura política na educação, dando ao MEC e às autoridades
universitárias o poder de suspender atividades consideradas subversivas, afastar
estudantes e professores, demitir quem fosse considerado subversivo”. p. 23.
A lei 5.692/71 tinha e tem como meta a qualificação para o trabalho, dando ao
segundo grau o papel de formar mão-de-obra qualificada para o trabalho, e
sondagem de aptidões no primeiro grau, colocando a orientação educacional em
todas as escolas, cabendo a este orientador realizar a orientação vocacional em
ação conjunta com a família e a comunidade. Desta forma se daria, graças a um
segundo grau profissionalizante, a contenção da entrada das classes populares ao
ensino superior encaminhando estes indivíduos para a formação da mão-de-obra
necessária para a indústria e demais setores econômicos do país, ou seja, manteria
a reprodução das relações de classes.
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Estas leis, além de enfatizar as potencialidades do aluno, a auto-realização,
qualificação para o trabalho e o exercício da cidadania, ainda dão ênfase às
particularidades regionais (locais) que capacitariam o aluno para as necessidades do
mercado de trabalho.
A “orientação educacional desde que surgiu sempre esteve interessada em
„formar o homem que interessava formar‟, protegendo assim os interesses da classe
dominante”. (GARCIA, Regina Leite. 1986).1
Desta forma, o orientador acaba por contribuir para a legitimidade dos padrões
de uma sociedade competitiva que valoriza as capacidades individuais com um
discurso de organização e do progresso da ordem social econômica, escondendo as
diferenças de classes e os verdadeiros motivos destas diferenças sociais.
“Ao omitir os determinantes de ordem social que oferecem os limites estruturais
à realização dessas potencialidades, concorrem os orientadores para que os alunos
percebam tais limitações como fracassos pessoais”. (GARCIA, MAIA, 1986, p. 32).
Ao criar esta “fragmentação social dos indivíduos”, o sistema coloca as
instituições como não representando o coletivo, mas sim o individual; faz com que a
escola apareça como um espaço de “equalização” das oportunidades, criando e
aumentando assim esta diferença social, tornando o aluno um indivíduo que, de
acordo com suas capacidades, aptidões e interesses, independente de sua classe
social, pode se distribuir pelas diferentes classes sociais. Ou seja: este discurso e
prática implantados pela idéia liberal de valorizar não o coletivo, mas sim o indivíduo
(liberdade, igualdade), mata a possibilidade de organização social coletiva e mantém
as diferenças econômicas como sendo um resultado da capacidade de cada um.
“Tal visão distorcida da realidade faz com que os indivíduos entendam a
preservação deste sistema como garantia de perpetuação da liberdade, igualdade e
conseqüentemente, da Democracia”. (GARCIA, MAIA, 1986, p. 32).
1 MAIA, Eny Marisa; GARCIA, Regina Leite. UMA ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NOVA PARA UMA NOVA ESCOLA
São Paulo: LOYOLA, 1986.
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Desta maneira, o orientador acaba por trabalhar em nome de uma
“modernização”, pois com seu trabalho atua na revelação e conscientização das
aptidões de cada um, contribuindo assim para manutenção das diferentes profissões
e que recaem de forma divisória nas diferentes classes social, fazendo com que o
indivíduo se ache transformador e participante desta modernização.
Assim, se explica, também, que os orientadores, embora imbuídos de uma falsa compreensão da realidade, possam se perceber como “agentes de mudanças e conscientização”. Estranha forma de conscientização que, embora apoiadas em propostas “modernizadoras”, aliena o sujeito do seu contexto social... (GARCIA, MAIA 1986, p. 33).
Nossa escola é um filho dos governos autoritários pós 64, onde a prática dos
orientadores acaba confundindo autoridade com autoritarismo, direção com
autocracia, democracia com espontaneísmo. Portanto, o discurso de preparar um
cidadão democrático acaba por esbarrar em uma prática implantada na escola pós
64 e que dificulta o entendimento do próprio orientador em relação à sua atuação
diante dos problemas sociais que se apresentam no seio da escola.
No Brasil, o papel do orientador através de uma prática que se organiza de
forma científica está diretamente ligado aos aspectos que se relacionam com as
inúmeras propostas educacionais as quais estão ligadas a décadas de importação
de teorias e práticas que não condiziam com a realidade brasileira e, portanto, não
condiziam com as necessidades mais prementes (urgentes) da população brasileira
a nível educacional. A grande impregnação ou adesão a correntes psicológicas na
escola, a tentativa de modernização comprometida com a necessidade de
mudanças contaminou todos os especialistas (diretores, supervisores,
administração, altos escalões como o Ministério da Educação, conselhos estaduais
e federais, secretarias municipais etc.). No meio de toda esta importação
teórico/prática de processos educacionais, o orientador se vê obrigado a se engajar
nesta política educacional não condizente com as necessidades educacionais da
sociedade brasileira; a ação pedagógica passa a estar fragmentada onde o
pedagógico e o político se confundem em todas as decisões do ambiente
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educacional. Atividades fundamentais como o planejamento passam a se mecanizar
e obedecer às regras impostas por este modelo educacional importado, que segue a
leis impostas de forma arbitrária e disfarçada pelo modelo de progresso educacional.
Dentro das críticas dos orientadores em relação ao papel dos professores,
reside na verdade esta visão fragmentada, legitimada pela lei de 1969 (parecer
252/69 CFE), que fragmenta a prática pedagógica, mascara o problema e joga a
culpa dos fracassos na prática docente. Neste processo de busca por culpados, o
orientador passa a ser visto como aquele que vai “resolver todos os problemas de
desajuste dos alunos”, aquele que vai ter uma “conversinha com o aluno” e desta
forma sua competência passa a ser vista como aquele que fez o milagre, resolveu o
problema, reorganizou a relação professor X aluno.
[...] então passa a se defrontar no cotidiano com filas de alunos retirados da classe para uma “conversinha redentora”. E, conseqüentemente sua competência passa a ser avaliada em função dos milagres que alcança. [...] se reduz a função abrangente do pedagogo à de particular “conselheiro especializado” Uma vez que se coloca como o profissional mais capacitado para compreender, acaba interferindo na relação professor aluno. (GARCIA, MAIA, 1986, p. 36).
III - NOVAS PERSPECTIVAS
Segundo as autoras Garcia e Maia, a orientação educacional, desde a sua
criação, foi criada para servir ao sistema. Exerce um papel conservador na medida
em que prepara o aluno para a sociedade de forma a se encaixar e não a provocar
conflitos sociais. Qualquer conflito é colocado como uma disfunção social; a escola é
o espaço em que todos se harmonizam, preparam o aluno para o sucesso, mesmo
os alunos mais pobres. A estes é dado o direito de se adequar às suas
características, ou seja, não devem aspirar a serem doutores, mas sim a se
manterem dentro de sua realidade, tendo assim algum avanço como trabalhadores
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qualificados, uma vez que todas as profissões são dignas e valorizadas; desta
forma, o que importa é a felicidade, seja o indivíduo um lixeiro ou um advogado.
A visão da qualificação para o trabalho é trabalhada pela escola ao atribuir as
capacidades individuais aos alunos: a escola assegura a igualdade, portanto o
fracasso ou o sucesso é responsabilidade de cada indivíduo.
Há momentos em que o papel da orientação educacional é modernizador,
quando a sociedade se desenvolve em busca de uma meta a ser atingida
industrialmente, e para isto é preciso formar a mão-de-obra qualificada para que
haja este desenvolvimento da sociedade. Quanto ao segundo grau, à educação se
volta mais para a profissionalização, levando em conta as capacidades individuais e,
ao mesmo tempo, serve como um freio para o ingresso das classes mais populares
ao ensino superior.
Diante desta dicotomia do papel do orientador, onde de um lado a orientação
educacional passou a legitimar uma estrutura social em que o indivíduo era
preparado para atender às necessidades de trabalho do capital, por outro lado
temos a dialética, onde se depreende que toda necessidade traz junto sua
superação ou, melhor dizendo, que o velho (sociedade do capital) traz junto o novo
(superação, transformação), podemos ver o papel do orientador como aquele que
aprenderá com sua prática e procurará modificá-la em busca de uma transformação
social.
Estas contradições são da própria lógica do capitalismo: é na escola que
aparecem as lutas de classe, onde as forças conservadoras e transformadoras
(progressistas) se enfrentam. No meio desta dialética de confronto, o orientador
passa a ver com outros olhos, percebe que estas contradições constituem a
possibilidade de surgimento de um novo papel para ele, deixando de ser um simples
psicólogo, aconselhador e se torna de fato um profissional da educação. Agora, ele
não cria simples trabalhador, mas os transforma, os constrói de forma crítica através
de uma prática coletiva com seus pares educacionais, reflete e cria a reflexão nos
alunos sobre as contradições e os motivos destas na sociedade. Em outras
palavras, ao explorar (conhecer), a realidade de outros trabalhadores dentro das
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contradições do capital trabalho, ele passa a se compreender como trabalhador e
descobre seu papel: o de transformar a sociedade através de seus alunos.
A questão do trabalho se diferencia de acordo com a classe social dos
alunos; os de capacidade econômica mais elevada chegavam ao terceiro grau
(ensino superior) e daí partiam para uma profissionalização, tinham ainda a
possibilidade de rever suas escolhas, mudar de cursos, e assim escolher uma
profissão mais condizente com suas necessidades. Já os alunos oriundos das
classes populares, estes chegavam à condição de trabalhadores no andamento do
segundo grau, quando isso não acontecia já no primeiro grau, e sua própria
realidade já os incluía neste mercado de trabalho; para eles não havia a
possibilidade de escolher uma profissão melhor. Na escola, o que ele ouve ou
apreende não condiz com sua realidade social, não faz parte do seu mundo, a
escola passa a ser para o aluno um faz de conta. A partir do momento que o
orientador se entende como membro transformador de uma sociedade, seu papel de
trabalhador passa a fazer desta escola de faz de conta uma escola comprometida
com o conhecimento científico, com transformar alunos em mentes críticas e
capazes de atuar na sociedade não apenas pelo trabalho braçal, ma sim pelo
trabalho intelectual, auto-avaliativo e conseqüentemente transformador de sua
realidade.
Segundo a autora, o pensamento de escolarização já deve ser vida, e não
preparação para a vida. Ou seja, ao partir da realidade do aluno, pode-se chegar ao
conhecimento através de uma abordagem teórico-prática, e isto só será alcançado
com o comprometimento do orientador em valorizar e acreditar que através da
realidade deste aluno ele encontrará o caminho para superar suas dificuldades. Os
conteúdos têm seu valor, porém maior valor deve o orientador dar à realidade do
aluno e assim adaptar o conteúdo sem, contudo, perder o conhecimento científico do
mesmo. Para isto, é necessário discutir que conteúdo e como ele será ministrado,
pois ele é a essência do pensamento, pode tanto estar mantendo como criando uma
nova forma de poder social econômico e assim influenciar o conceito de dominação
de uma classes, ou subordinação de outra.
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Do mesmo modo que a escola é o meio mais eficaz para assegurar a tradição e consolidar a hegemonia de uma classe, ela traz em si a própria contradição, na medida em que é fator essencial do processo de elevação do povo e criação de uma nova cultura (...), do mesmo modo que na escola são veiculados carregados de valores de classe, é através dos conteúdos que os alunos pobres adquirem uma compreensão mais clara da sociedade em que vivem (...) do mesmo modo que na escola se forma o homem conformista, é também na escola que se forma o homem contestador. (GARCIA, MAIA, 1986, p. 43).
Esta passagem mostra que é na escola que se apresentam os conflitos
gerados em uma sociedade de classes, mostra também que é na escola que este
conhecimento se apresenta como a bagagem cultural que proporcionara a libertação
das classes oprimidas; o acesso à cultura possibilita a transformação de uma
sociedade, mesmo que na escola esta cultura ainda não esteja clara quanto à sua
identidade, se é a busca pela profissionalização e manutenção de uma ordem social
ou se possibilita uma maior participação na sociedade em termos profissionais,
culturais, políticos e conseqüentemente econômicos, o que fica claro é que “não ter
acesso ao saber é estar condenado ao subemprego, e não ter direito de expressar
os seus interesses em termos mais amplos”. p, 44.
A luta pelo direito à escolarização é a luta pelo acesso ao conhecimento e faz parte de uma estratégia global da luta de classes e da construção de uma nova sociedade Mas não é suficiente, nesta luta, que a classe trabalhadora tenha acesso à escola. É necessário introduzir na escola a possibilidade de renovação dos conteúdos e métodos que permitam a apropriação do verdadeiro conhecimento. (GARCIA, MAIA, 1986, p. 44).
Uma educação que pretende ser transformadora deve sim se apossar do
conhecimento e levá-lo até as classes sociais menos favorecidas. Desta forma, o
conhecimento passa a ser um agente de transformação à medida que estas classes
subalternas se veem como parte do desenvolvimento social e passem a exigir por lei
uma igualdade com as classes dominantes, uma vez que esta sociedade tem sua
herança cultural e, consequentemente, poderá criar uma nova sociedade mais justa
à medida que discutir os caminhos percorridos por todos os membros desta
sociedade sejam da classe dominante ou da classe trabalhadora, até então
submissa a leis que os desprestigiavam socialmente.
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Ao vir à escola, o aluno busca um saber social, aquele que lhe permitirá
adaptar-se à sociedade do trabalho, desta forma é preciso que a escola transforme
este senso comum em busca pelo conhecimento elaborado, científico capaz de lhe
oferecer uma formação de acordo com uma mentalidade crítica de busca pelo
conhecimento científico.
O pedagogo e, em geral, a escola não devem olhar o aluno pelo conceito de
aptidão, pois esta é uma construção irreal de uma sociedade que justifica os
privilégios e valoriza os que podem ter o acesso a melhores formas de aprendizado
e aqueles das classes subalternas que não podem e dependem apenas de sua
“aptidão”, que na verdade é criada para justificar a submissão e diferenças de níveis
educacionais e de conhecimento. Portanto, o ponto de partida da prática pedagógica
deve ser a realidade vivenciada do aluno, sua experiência de vida e de trabalho, e
não o conceito de aptidão no sentido de ser capaz ou não.
A ideologia das aptidões desemboca, também “naturalmente”, na discriminação de sexo, raça, idade, classe social. A diferença colocada de forma absoluta antecipa e justifica o sucesso e o fracasso. Assim, as classes populares por terem aptidões menos “complexas”, mais “práticas”, terão suas oportunidades educacionais diminuídas e, por conseqüência, suas possibilidades profissionais futuras definidas prematuramente. (GARCIA, MAIA, 1986, p. 45).
A partir do momento que o orientador educacional passar a ver o seu aluno não
pelas “aptidões pré-definidas”, mas sim pela sua vivência de classe sociocultural, ele
poderá criar meios de trabalhar este aluno de forma a inseri-lo no conhecimento
elaborado, científico, em uma sociedade competitiva e torná-lo capaz de ver com
olhos críticos o meio social em que vive e assim entender que sua posição é a de
classe em uma sociedade que justifica as diferenças a partir de modelos pré--
definidos educacionalmente para manter estas diferenças.
Compreendem também que a sociedade não é tão harmoniosa como lhes ensinaram; que ela é cheia de contradições e que estas contradições
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aparecem também na escola. Avançam em sua reflexão e concluem que os “problemas” da escola não são meramente técnico-pedagógicos ou administrativos, mas, políticos, desde a organização das turmas, à escolha de metodologias, a definição de objetivos, a seleção de conteúdos, aos critérios de avaliação, ao aluno valorizado, à relação com as famílias e a comunidade, tudo é político. (GARCIA, MAIA, 1986, p. 47).
Podemos notar nesta exposição que “se a educação é um ato político, o
orientador educacional, profissional da educação, tem também uma ação política”.
p.48.
A escola pública reproduz a sociedade global, portanto é função dela buscar os
meios para a transformação da sociedade através de adaptar currículo e
metodologia de acordo com as condições das classes populares. Para adaptar o
currículo ao seu aluno ela deve conhecê-lo, o seu mundo, a classe social que define
sua conduta, seus interesses, suas necessidades e não se perder nas teorias
psicológicas educacionais criadas para manter as diferenças de oportunidades
baseadas nas condições socioeconômicas e assim determinavam as “aptidões
futuras” deste aluno na sociedade do trabalho.
Este seria o papel a ser desempenhado pela orientação educacional, ou seja, o
de mobilizar a escola, a família e a comunidade para realizarem uma investigação
social e coletiva da comunidade em que o aluno vive, criando assim a possibilidade
de pôr em prática ações educacional que contribua para educar cientificamente e
criticamente este aluno, inserindo-o de igual para igual em relação às classes mais
favorecidas, seja no mercado de trabalho, seja no desenvolvimento teórico, político,
científico, cultural e econômico desta sociedade de bases predeterminadas por
critérios abstratos às realidades sociais de classes.
Ao agir assim, o orientador estaria desenvolvendo no aluno uma identidade,
aonde ele se veria como parte de uma realidade social e buscaria coletivamente
com a escola a superação dos seus limites, construiria a sua identidade e vendo-se
capaz de qualquer atividade, seja ela teórica ou prática, intelectual ou manual, pois
ele é um ser social e como tal um ser capaz de transformar a si e ao seu meio social.
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A aquisição do conhecimento é uma virtude do homem e ela se dá na sua relação com a natureza, com os outros homens e consigo mesmo. É natural em todo homem explorar a natureza. Desde que a criança nasce, começa a explorar a natureza com os sentidos. Ela vê, toca, ouve, cheira e prova. Conhecer a natureza é resolver a contradição fundamental que qualifica o homem. É na sua ação sobre a natureza que o homem a conhece e a transforma. O conhecimento que ele vai construindo em sua relação com a natureza amplia os limites que o cercam, ampliando, pois as suas possibilidades. O conhecimento que ele tinha da natureza, dos outros homens e de si mesmo se amplia. (GARCIA, MAIA, 1986, p. 50).
IV - PAPEL DA ESCOLA
Desta forma “o papel da escola seria o de ampliar ao máximo os limites do
aluno, a fim de que ele vá penetrando no mundo físico e social que o circunda”. p,
50. Ou seja, isto é o que o orientador educacional deverá considerar o
autoconhecimento (do seu aluno como integrante de uma classe social) e o
conhecimento do mundo (conhecimento elaborado, científico, teórico).
A psicologia existencial de certa forma criou no orientador uma ideia de ver os
problemas na escola como um mergulho na individualidade, no coletivo, no “próprio
eu”. “O máximo a que chegam é a relação eu e tu, em que o conhecimento de si
mesmo vem da relação com o outro”. p, 51. Por outro lado, outros educadores já
começam a compreender que o autoconhecimento humano se relaciona com a
natureza, com o meio físico, político, econômico, cultural, socialmente construído
entre as pessoas no coletivo, ou seja, adquirem a plena consciência de si e de seu
destino histórico.
Segundo as autoras Garcia e Maia (1986, p.51):
A Lei 5692 de 1971 caracteriza o conhecimento do mundo na área da orientação, como informação profissional, mas conhecer o mundo pode ter outro sentido, de conhecimento da sociedade na qual o aluno vive, como se organiza esta sociedade, como se apresenta o trabalho nesta sociedade,
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como se dá a relação capital-trabalho, as formas de organização do capital e do trabalho, os caminhos para a construção de uma sociedade democrática. Tematizar a divisão do trabalho manual-trabalho intelectual, fazer, pensar, sentir podemos entender a visão de Gramsci de que todos os homens são intelectuais e de uma sociedade democrática que recupere a multidimensionalidade do homem. O orientador educacional estaria assim ajudando alunos e professores a compreenderem o papel que pode cumprir a educação, preparando homens dóceis e, portanto, facilmente manipuláveis, ou homens críticos e, portanto, questionadores e transformadores.
O esforço da pessoa na educação é fundamental, pois requer desta uma
disciplina intelectual e moral. Ao adquirir esta disciplina, o aluno passa a
compreender a necessidade do estudo pra sua vida profissional futura; neste ponto
é fundamental que o professor se compreenda como principal agente direcionador
para uma formação científica intelectual de seu aluno, portanto uma escola séria é
aquela capaz de colocar disciplina com sabedoria no processo de ensino
aprendizagem, ou seja, cabe ao professor criar uma ponte entre o mundo intelectual
científico e o mundo particular do seu aluno.
É neste momento que se faz necessário que o orientador educacional, com
bases em dados levantados de seu aluno e de sua vivência em sociedade, entre em
contato com o professor preparando-o para uma melhor intervenção e trabalho dos
conteúdos, levando em consideração a vivência cultural de seu aluno.
A escola deve ser um ambiente onde se tem como objetivo transmitir o
conhecimento elaborado e científico; para tanto, ela não pode ser vista apenas como
um local agradável, mas sim, uma instituição que tem como função básica transmitir
a cultura historicamente acumulada e criar novos conhecimentos, aquela que
capacita o aluno a pensar, aquela que se pretende democrático e abre espaço para
as classes populares, para as maiorias excluídas do sistema econômico e
educacional das escolas elitistas, é aquela que dá acesso ao conhecimento, valoriza
o social e o repassam às classes menos favorecidas de uma sociedade desigual.
Os alunos das classes populares só atingirão um nível de coerência na compreensão da realidade se forem ouvidos e respeitados, se forem
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estimulados a exprimir livremente o seu mundo, [...] É deste confronto de mundos e de idéias que se desenvolverá o pensamento crítico. (GARCIA, MAIA, 1986, p. 53).
A partir do momento que a escola e todos nela envolvidos com o processo de
ensino aprendizagem rompam com o individualismo e passem a ver o coletivo em
seus alunos, assim como compreendam as diferentes formas de vivências de seus
alunos como sendo um produto da sociedade e não interno da escola, no momento,
em que a escola se tornar um espaço dialético, ela poderá buscar nas contradições
de seus problemas soluções coletivas que possam abranger o coletivo de seus
alunos.
Desta forma, perde sentido a forma pela qual as escolas herdaram sua forma
de organização em ações isoladas do diretor, da supervisão, da individualidade, e
assim passam a se compreender como coletivo social e, portanto, a agir no coletivo,
ou seja, da totalidade do conjunto se encontram as soluções destas contradições.
[...] não se pode pensar em adequação curricular se não se dá a palavra aos professores, às famílias, às comunidades. Abrir a escola para um diálogo permanente com as famílias. Através de reuniões, promovidas por orientação e supervisão, vão sendo discutidos os temas ligados à educação de seus filhos, desde os mais específicos, aos mais gerais, a partir do interesse e das necessidades evidenciados pelas famílias, e não do que a escola pressupõe que devem ser esses interesses e necessidades. (GARCIA, MAIA, 1986, p. 54).
A escola deve romper com o modelo de hierarquia autoritária e devem sim criar
formas em que todas as estratificações profissionais que compõem o quadro
educacional possam discutir e trabalhar de forma coletiva; deve estar aberta
principalmente à realidade de seus alunos, familiares, problemas do bairro, para
assim buscar organizar uma metodologia que atinja o problema central, e ao mesmo
tempo passe os conteúdos e conhecimento histórico elaborados pela ação prática
dos homens que buscam satisfazer, sejam através do trabalho intelectual ou braçal,
as suas necessidades. Desta forma, esta NOVA ESCOLA, “se identifica pelo
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compromisso político de todos os que nela atuam com os alunos das classes
populares, e pela busca comum de caminhos mais eficientes, que levam a fins mais
eficazes”. (GARCIA, MAIA, 1986, p. 55).
Diante de toda esta gama de possibilidades e busca por um trabalho coletivo,
se coloca ainda a seguinte questão:
... Será o Orientador Educacional um especialista? Haverá de fato uma distinção clara entre a função supervisora e a função orientadora? Ou ambos, profissionais da educação, comprometidos com uma educação de boa qualidade para a maioria da população, se mobilizam, como generalistas, para o atingimento deste objetivo comum, ou seja, para o que é comum a ambos, sem maiores preocupações com o que distingue, se é que este fato isto exista. (GARCIA, MAIA, 1986, p. 55).
V - O PAPEL DO PEDAGOGO SEGUNDO A ÓTICA DO
PROFESSOR
Para que uma instituição pública ou privada possa funcionar a contento, seus
integrantes devem obedecer e respeitar uns aos outros, mesmo tendo diferenças
hierárquicas presentes. Isto não é diferente em uma escola, onde as hierarquias são
muitas, pois é um ambiente onde as diferenças são gritantes sejam entre a
comunidade de alunos, funcionários, equipe pedagógica e professores.
Neste ambiente escolar, todos têm sua função e devem procurar cumpri-las
adequadamente, pois do contrário a “máquina para”. O grau de hierarquia se impõe
de forma democrática, porém nem sempre esta “forma democrática” é aceita. Se de
um lado a pressão vem de cima (diretoria) em relação à entrega de tarefas, por outro
lado a parte sempre mais fraca se vê congestionada e acaba por atrasar sua tarefa,
comprometendo as demais atividades que dela dependem. Os professores são o
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exemplo mais completo desta situação, uma vez que acumulam em um mesmo
espaço de tempo diferentes atividades relacionadas a uma carga horária que lhes
impõe o cumprimento de atividades em sala de aula, notas, correções de provas,
trabalhos, atividades extracurriculares, livros de chamadas a serem preenchidos; o
professor (em relação aos demais membros da escola) tem grandes possibilidades
de atrasar suas inúmeras tarefas, e entre elas as determinadas pelo pedagogo, o
qual também se vê pressionado pelos prazos de entrega. Desta forma cria-se dentro
deste ambiente hierárquico a crítica, o não cumprimento, o desleixo: um acusa o
outro de que “ele não consegue nem fazer a parte dele e empurra para nós o que
ele deveria fazer...”. Esta situação cria algo pior que o atraso das atividades, cria a
individualidade em um local onde o coletivo é fundamental; compromete desta forma
trabalhos que poderiam estar melhorando os problemas vivenciados pela escola
como um todo. Fica a visão em relação ao orientador de que ele é quem impõe a
atividade, de que ele vê o professor como um desleixado que deixa tudo para a
última hora, e por outro lado, o professor acaba incorporando esta ideia e faz sem a
devida qualidade a atividade que lhe é pedida.
Toda a escola só tem a perder com esta individualidade, a qual se propaga
pelos outros setores, onde o pátio passa a ser dividido para a limpeza, a tarefa da
cozinha é dividida, e assim por diante. Esta individualidade se estende aos alunos
(talvez eles ainda sejam os mais unidos).
Se pararmos para observar, a escola passa a reproduzir a sociedade, que foi
alicerçada na divisão de classes, de tarefas, onde as aptidões individuais falam mais
alto do que o coletivo social, ou seja, reforça a manutenção das diferenças criadas
por uma sociedade onde quem está acima na hierarquia submete os que estão
abaixo.
Talvez a solução não seja “destruir esta hierarquia”, nem se considerar inferior
a ela e por isso obrigado a obedecer. Talvez a busca pela solução passe a unir
todos em uma “mesa redonda”, onde as hierarquias se igualam e todos opinam,
todos propõem, todos assumem algumas tarefas que possam ser coletivizadas,
ficando apenas para o desempenho individual aquelas que exigem a presença do
profissional específico. Com isso, muitas decisões administrativas (econômicas,
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cardápios, festas, limpeza do pátio, mutirão de conservação da escola), poderiam
ser tomadas por diferentes profissionais da escola, desde a merendeira até o diretor.
Acredito que desta forma, muitas decisões quem vêm de fora do ambiente escolar
(SEED, Governos) possam ser resolvidas olhando para o problema interno da
escola, do aluno, e de seus funcionários.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo: Cortez, 1980.
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Coleção Espaço.
PIMENTA, Selma Garrido. O pedagogo na escola pública: uma proposta de
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1991.
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Paulo: Loyola, 1984.
SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 3 ed.
São Paulo: Cortez, 1986.
__________Pedagogia Histórico Crítica: primeiras aproximações. 9. ed.
Campinas, SP: Autores Associados, 2005.