curriculo - gimeno sacristan (1)

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  • 3' edio

    ,

    'I Gimeno Sacristn"" ,

    UMA REFLEXAO SOBRE APRAllCA

    ocurrculo: uma reflexo sobre apratica apresenta umadescrio reflexiva dos processos por meio dos quais o currculose transforma em prtica pedaggica contextualizada.

    Aimportncia da cultura edo momento histrico em quese cria e se aplica o currculo, a necessidade de conscienlizaoda filosofia e das crenas que embasam a poltica curricular edeterminam as prticas no cotidiano escolar, bem como a relaoestreita entre formao docente. cultura escolar e procedimentosaserem utilIZados com os alunos so alguns dos tpicos de crucialImportncia debatidos por J. Gimeno Sacnsln.

    A idia generalizada da falta de qualidade dos sistemaseducaclonais encootra neste texto alguns _ para tJIrapassarseu impacto imobilizante: fazer refonnas cumculares hgadas aoaperleioamenlo do profeS5O(ado eao contexto soOocultural eacooscientizao do amiculo oculto so tarefas criativas propostaspelo autor.

    ristn

    5SN 15-'31'-115-.

    L.__.hVii,s;;;;,ilel.;;n.;.;:os;.;;sa.;;;h0;;jm:e~pa;;,;ge:..-__~ I~IIII lllllm

  • ,oCURRICULOUMA REFLEXO SOBRE APRTICA

    J. Gimeno SacristnCatedrtico de Didctico, Universidod de ValenciCl

    SL23c SlICrist4n. J. Gimenoo culT1culo: uma renexlo sobre a prtica f J. Gimcno Sacristo;

    lrad. Emani F. da F. Rosa _ 3. cd. ~ Pono Alegre: AnMcd, 2000.

    L. Educallo - CulT1culo. I. Tmlo.

    CDU 371.214

    Calalogalo na publlca!o: Mnica Ballejo Canto - CRB 1011023

    ISBN &$-7307-3764

    Tr-aduo:Ernani F. da Fonseca Rosa

    Consultoria, superviso e reviso tcnica desta edio:Maria da Graa Souza Horn

    Ptdogogo. Mtstrt tm Educao.

    ~AR"I'ta>E I) I T o a A

    PORTO ALEGRE, 2000

    S~TU ~AL

  • Obra origmalmente publiada sob o tituloEJ eUTneu/um ulla rtfltxiII sobrt la preliea

    C &illones Morata, S.A., 1991ISBN 84-1112-326-6

    c..,.M6rio Rhlll!lt

    Preparaio do origmalSupervisio editorial

    Projeto grfiroEdilorao elelr6nica

    ARfM:Deditogrfica

    Reservados todos os direitos de publicao em lngua portuguesa EDITORA ARTES MDICAS SUL LTOA.

    Av. Jernimo de Ornellas, 670 - Fone (051) 330-3444 FAX 330-237890040-340 Porto Alegre, RS, Brasil

    SO PAULORua Francisco Leito, 146 - Pinheiros

    Fone (011) 883-616005414-020 So Paulo, SP, Brasil

    IMPRESSO NO BRASILPRINTED lN BRAZJL

    Eva, que tanto me ajuda a lembrara reproduo histrica

    da prtia escolar.

  • Sumrio

    IntroduAo . . 09

    PRIMEIRA PARTE: A Cultura, o Currfcul0 e a Prtica Escolar

    CAPITULO I: Aproximao ao Conceito de Currfculo 13O currculo: cruzamento de prticas diversas . 20Toda a prtica pedaggica gravita em tomo do cumeulo o.. ................ 26As razOes de um aparente desinteresse 32Um primeiro esquema de explicalio "................................................... .. 34As teorias sobre o cumeulo: elabonte;6es parciais

    para uma pI1I.tic;:a complexa _............... 37

    CAPITuLO 2; A SeJ~o Cultural do Currkulo ... 55Caractersticas da aprendizagem pedaggica

    motivada pelo currculo: a complexidade da aprendizagem escolar 55Os cdigos ou o formato do curriculo . '..... 75

    CAPtn.1LQ 3: As Condiks lruititucionais da Aprt.ndiugemMotivada pejo Currieulo...... 89

    A complexidade da aprendizagem escolar: expresslo dacomplexidade da escola , ,. .......... 90

    Algumas eonseqfncilS.................................................................................. 95

    SEGUNDA PARTE: O Currculo atrav6s de sua Prxis

    CAPITuLo 4: O Curriculo como ConnuEnda de Prticas .

    CAPITuLO 5: A Poltica Curricular e o Currculo Prt'SCrito .O currculo prescrito como instrumento da polftica curricular ....Funes das prescries e regulaes curriculares ....... ""....A concretiz.aio histrica de um esquema de

    intervenio na Espanha " .Esquema da distribuiio de compelencias no

    sistema educativo espanhol " .."" .

    CAPITuLo 6: O Currieulo Apresentado a05 Pro(essofUEconomia. cultura e pedagogia nos matenais didllCOSPautas bicas para a anlise de matenais curriculares

    101

    107107110

    123

    145

    147147160

  • 8 Sumrio

    .. 201................... ...207

    .................. 223

    o trabalho que desenvolvemos aqui uma perspectiva sobre o currculo, enten-dido como algo que adquire forma e significado educativo medida que sofre umasrie de processos de transformao dentro das ath'idades prticas que o tem maisdiretamente por objeto. As condies de desenvolvimento e realidade curricular nopodem ser entendidas seno em conjunto.

    Nossa inteno foi a de ir repassando as fases ou processos fundamentais pormeio dos quais o currculo se conforma como prtica realizada num contexto, uma vezque deixamos claro seu significado cultural. A qualidade da educao e do ensino temmuito a ver com o tipo de cultura que nela se desenvolve, que obviamente ganhasignificado educativo atravs das prticas e dos cdigos que a traduzem em proces-sos de aprendizagem para os alunos. No tem sentido renovaes de contedos semmudanas de procedimentos e tampouco uma fixao em processos educativos semcontedos de cultura. A pedagogia deve resgatar em seu discurso os contedos decultura para relativizar as formas, uma vez que tambm se faz o mesmo com os con-tedos escolares. Para isso nos pareceu importante observar, na medida de nossaspossibilidades, as peculiaridades de nosso pr6prio meio, rastreando algumas tradi-es que so definidoras neste sentido.

    A prtica escolar que podemos observar num momento histrico tem muilO aver com os usos, as tradies, as tcnicas e as perspectivas dominantes em tomo darealidade do currculo num sistema educativo determinado. Quando os sistemas es-colares esto desenvolvidos e sua estrutura bem-estabilizada, existe uma tendncia acentrar no currculo as possibilidades de reformas qualitativas em educao. Em pri-meiro lugar, porque a qualidade do ensino est estreitamente relacionada aos seuscontedos e formas, como natural; em segundo lugar, porque, ta!vez impotentes oudescrentes diante da possibilidade de mudanas em profundidade dos sistemaseducativos, descobrimos a importncia de mecanismos mais sutis de ao que confi-guram a prtica. difcil mudar a estrutura, e intil faz-lo sem alterar profunda-mente seus contedos e seus ritos internos.

    Para n6s, tais temas tm uma certa transcendncia, principalmente quando emnossa tradio, pela histria de controle sobre a educao e a cultura que nela sedistribui, as decises sobre o currculo tm sido patrimnio de instncias administrati-vas que monopolizaram um campo que, nesta sociedade, sob a democracia, deveria serpr.oposto e gestionado de forma bem diferente da qual se tem conhecimento.

    O sistema educativo espanhol se expandiu num ritmo muito importante nas l-timas duas dcadas. Como conseqncia disso, os temas relevantes a serem observa-dos estiveram relacionados ao desenvolvimento quantitativo e s demandas que issoimplica. No entanto, aceita-se bastante a crena de que falta qualidade a esse sistema.

    Introduo194

    165176181187

    .... 335... 345

    .... 349

    .... 311............ 311

    ........ 313

    .....................................................

    CAPfTULO 7: O Currculo Moldado pelos I'rofessoresSignificados, dilemas e prxis ._ .._ " .Concepes epistemolgicas do professor __ __ .DImenses d? conhecimcnto nas perspectivas dos professoresEstrutura social do trabalho profissional e seu poder de

    mediao no currfculo .

    CAPiTULO 8: O Currculo na Ao: a Arquitetura da PrticaAs tarcfas escolares: contedo da prtica .A estrutura de tarefas como matriz de socializao

    CAPfllJL? 9: .Um Esquema para o Planejamento da PrticaEq

    "

    d . 281ulluno e compelenclas repartidas .

    O plano a ser realizado pelos professores . 28 IElementos a serem considerados na configurao contextuaI do ensino 296

    ........ 297CAPfTULO 10: O Currculo Avaliado.

    A avaliao: uma nfase no currfeuloA avaliao como expresso de juzos~d~~i~;;~d~~~~~f~~~~~~

    Referncias Bibliogrficasfndice Onomstico .Indice Remissivo

  • 10 J. Gimeno Sacnsln

    Os velhos usos se apoderaram de novos temtrios e lm sIdo refratrios a multas d~mudanas culturais e sociais da realidade espanhola. Se esle polissmico tenno daqualidade significa algo. esta, precisamente. relacionado aos professores e culluraescolar. Enlo. n50 ser fcil melhorar a qualidade do ensino se nlio se mudam oscontedos, os proce

  • CAPTULO

    Aproximao ao Conceitode Currculo

    o currculo: cruzamento de prticas diversasToda li prtica pedaggica gravita em torno do currculoAs razes de um aparente desinteresseUm primeiro esquema de explicalioAs teorias sobre o currculo: elaboraes parciais para uma prtica complexa

    oCUITfculo um conceito de uso relativamente recente entre n6s, se considerar-mos a significao que tem em outros contextos culturais e pedaggicos nos quaisconta com uma maior tradio. O seu uso no normal em nossa linguagem comum,e nem o Diccionario de la leflgua espano/a, da Real Academia Espaiola, nem oDicciOlzario de usos de! espanol, de Maria Moliner, adotam-no em sua acepo peda~ggica. Outros dicionrios especializados tomaram-no apenas como conceito peda-ggico muito recentemente. Ele comea a ser utilizado em nfvel de linguagem espe-cializada, mas tambm no sequer de uso corrente entre o professorado. Nossacultura pedaggica tratou o problema dos programas escolares, o trabalho escolar,etc. como capitulas didticos, mas sem a amplitude nem ordenao de significadosque quer sistematizar o tratamento sobre os curriculos.

    A prtica a que se refere o currculo, no entanto, uma realidade p~via muitobem estabelecida atravs de comportamentos didticos, polticos, administrativos,econ6micos, etc., atrs dos quais se encobrem muitos pressupostos, teorias parciais,esquemas de racionalidade, crenas, valores, etc., que condicionam a teorizao s0-bre o currfcu\o. ~ necessria uma certa prudncia inicial frente a qualquer colocaoingnua de ndole pedaggica que se apresente como capaz de reger a prtica curricu larou, simplesmente, de racionaliz-la.

    A partir desta primeira constatao, no ser difcil explicarmos as razes pelasquais a teorizao sobre o curriculo no se encontra adequadamente sistematizada eaparea em muitos casos sob as vestes da linguagem e dos conceitos tcnicos comouma legitimao a posteriori das prticas vigentes e tambm por qu, em outroscasos, em menor nmero, aparece como um discurso crlico que trata de esclarecer ospressupostos e o significado de ditas prticas. Comentaremos primeiro algumas dascaractersticas mais evidentes das prticas vigentes que se desenvolvem em tomo darealizao prtica dos curriculos, para posteriormente tratar do discurso que ordena aprpria teorizao sobre eles.

    Grundy (1987) assegura que:

  • 14 J Glmeno Sacri'ln

    "0 cUlTlculo nlio ~ um conceito, mas uma construliocultural Isto~, n30 se traia de umconcellO abstraio que lenha algum lipo de existncia fora e previamente.li experienciahumana. ~,anles, um modo de organizar uma srie de pr.lticas educativas" (p. S).

    Sendo uma prtica to complexa, no estranho encontrar-se com perspectivasdiversas que selecionam pontos de vista, aspectos parciais, enfoques alternativos comdiferente amplitude que detenninam a viso "mais pedaggica" do currculo. Reco-lheremos uma amostra panormica de significados atribudos a um campo vasto epouco anlculado.

    Rule (1973), num exame histrico da literarura especializada norte-americana, apartir de mais de uma centena de definies, encontra os seguintes grupos de significa-dos: a) um grande grupo delas relacionado com a concepo do currculo como experi-ncia, o currfculo como guia da experincia que o aluno obtm na escola, como conjun.to de rrspollSiJi/itiadu da escola para promover uma srie de experincias, sejamestas as que propofCiona consciente e intencionalmente, ou experincias de aprendiza-gem plaMjadas, dirigidas ou sob superviso da escola, ideadas e executadas ou oferr.cidas pela escola para obter determinadas mudanas nos alunos, ou ainda, experinciasque a escola utiliza com a finalidade de alcanar determinados objetivos; b) outrasconcepes: o curTfculo como definio de conudos da educao, como p/alIOS oupropostas, especifICao de obJetivos, reflexo da herana cuhural, como mudana deconduta, programa da escola que contm contedos e alividades, soma de aprendiza-gens ou resullados, ou todas as experincias que a criana pode obter.

    Schubert (1986, p. 26 e ss.) apontou algumas das "impresses" globais que, talcomo imagens, nos trazem mente o cooceito de curriculo. So significados delTWCadOSno pensamento especializado mais desenvolvido e nos tratados sobre esta matma. Tra-tam-se de acepes, s vezes, parciais, inclusive contraditrias entre si, sucessivas e si-multneas desde um ponto de vista histrico, dirigidas por um determinado contextopoltico, cientfico, filosfico e cultural. Algumas dessas imagens so as seguintes: ocurriculo como conjunto de conhecimentos ou malrias a serem superadas pelo alunodentro de um ciclo - nevel educativo ou modalidade de ensino a acepo maisclssicae desenvolvida; o currlculo como programa de atividades planejadas, devidamenteseqencializadas, ordenadas metodologicamente tal como se mostmm, por exemplo, nummanual ou num guia do professor; o currculo tambm foi entendido, s vezes, comoresultados pretendidos de aprendizagem; o currlculo como concretizaiio do planorepnxlutor para a escola de detenninada sociedade, contendo conhecimentos, valores eatitudes: o currculo como experincia recriada nos alunos por meio da qual podem de-senvolverse; o currculo como tarefa e habilidades a serem dominadas -como o casoda formao profissional; o currculo como programa que proporciona contedos e valo-res para que os alunos melhorem a sociedade em relao reconstruo social da mesma.

    Organizando as diversas definies, acepes e perspectivas, o currfculo podeser analisado a partir de cinco mbitos formalmente diferenciados:

    O ponto de vista sobre sua funo social como ponte entre a sociedade e aescola,Projeto ou plano educativo, pretenso ou real, composto de diferentes aspec.tos, experincias, contedos, etc.Fala-se do currculo como a expresso formal e material desse projeto quedeve apresentar, sob determinado formato, seus contedos, suas orientaese suas seqncias para abord-lo, etc.Referem-se ao currfculo os que o entendem como um campo prtico. Entend-lo assim supe a possibilidade de: I) analisar os processos instrutivos e a

    o Curnculo 15

    realidade da prtica a partir de uma per.;pectiva que lhes dota de contedo;2) estud-lo como territrio de interseco de prticas diversas que no sereferem apenas aos processos de tipo pedaggico, interaes c comunica-es educativas; 3) ~ustentar o discurso sobre a mterao enlre a teoria e aprtica em educao.Referem-sea ele osque exercem um tipo de atividacie discursiva acadmica epesquisadora sobre todos estes temas.

    Disso resulta um conceito essencial para compreender a prtica educativainstitucionalizada e as funes sociais da escola. No podemos esquecer que o curTf-culo supe a concretizao dos fins sociais e culturais, de socializao, que se atribui educao escolarizada, ou de ajuda ao desenvolvimento, de estmulo c cenrio domesmo, o reflexo de um modelo educativo detenninado, pelo que necessariamentetem de ser um tema controvertido e ideolgico, de difcil concretizao num modeloou proposio simples. Pretender reduziras problemas-chave de que se ocupa a teoriae prticas relacionadas com o currculo a problemas de ndole tcnica que precisoresolver , no mnimo, uma ignorncia culpvel. O currculo relaciona-se com ainstrumentalizao concreta que faz da escola um detenninado sislema social, pois latravs dele que lhe dota de contedo, misso que se expressa por meio de usos quaseuniversais em lodos os sistemas educativos, embora porcond.icionamenlos histricos epela peculiaridade de cada contexto, se expresse em ritos, mecanismos, ele., que ad-quirem cena especificidade em cada sistema educativo. f.difcil ordenar num esquemae num nico discurso coerente todas as funes e formas que parcialmente ocurrculoadota, segundo as tradies de cada sistema educativo, de cada nvel ou modalidadeescolar, decada orientao filosfica, social e pedaggica, pois so mltiplas e contra-dilrias as tradies que se sucederam e se misturaram nos fenmenos educallvos_No devemos esquecer que o currculo no uma realidade abstrata margem dosiSlema educativo em que se desenvolve e para o qual se planeja.

    Quando definimos o currculo estamos descrevendo aconcretizao das funesda prpria escola e a forma particular de enfoc-Ias num momento histrico e socialdetenninado, para um nfvel ou modalidade de educao, numa trama institucional, elc.O currculo do ensino obrigatrio' no tem a mesma funo que o de uma especialida-de universitria, ou o de uma modalidade de ensino profissional, e isso se traduz emcontedos, fonnas e esquemas de racionalizao interna diferentes, porque diferentea funo social de cada nfvel e peculiar a realidade social e pedaggica que se criouhistoricamente em tomo dos mesmos. Como acertadamente assinala Heubner (citadopor McNeil, 1983), Ocurrfculo a forma de ter acesso ao conhecimento, no podendoesgotar seu significado em algo esttico, mas atravs das condies em que se realizae se converte numa forma particular de entrar em contato com a cultura.

    O currculo uma prxis antes que um objeto esttico emanado de um modelocoerente de pensar a educao ou as aprendizagens necessrias das crianas e dosjovens, que tampouco se esgota na parte explfcita do projeto de socializao culturalnas escolas. uma prtica, expresso, da funo socializadora e cultural que deter-minada instituio tem, que reagrupa em tomo dele uma srie de subsistemas ou

    N de R.T.: A organiz.ao do ensino na Espanlla atualmenle inclUI na Educao Bsica Obrigatria a EducaloPril1.ria (ciclo inicial. intermedirio e superior) e a Educalo Stcundria (primeiro e segundo ciclos). No sistemade ensino anterior ~ Reforma de 1990, a Educalo Prim'ria era denominada Educao Geral Bsica e se constitufada primeira e segunda etapas. Este CTlII o grau de Ensino Obrigatrio_

  • 16 J. Gnneno Socnsln

    prt.icas diversas, entre as quais se encontra a prtica pedaJ:gica desenvolvida emmstltules escolares que comumente chamamos ensino. E uma prtica que se ex-pressa em comportamentos prticos diversos. O currculo, como projeto baseado numplano construfdo e ordenado, relaciona a conexo entre determinados princfpios euma realizao dos mesmos, algo que se h de comprovar e que nessa expressopr~ica ~oncretiza seu valor. ~ ~ma prtica na qual se estabelece um dilogo, porassim dizer, entre agenles SOCIaIS, elementos lcnicos, alunos que reagem frente aele, professores que o modelam, etc. Desenvolver esta acepo do currculo comombito prtico tem o atrativo de poder ordenar em tomo deste discurso as funesque cumpre e o modo como as realiza, estudando-o processualmente: se expressanuma prtica e ganha significado dentro de uma prtica de algum modo prvio e queno funo apenas do currculo, mas de outros determinantes. : o conlexto daprtica, ao mesmo tempo que contextualizado por ela.

    A teorizao sobre o currculo deve ocupar-se necessariamente das condiesde realizao do mesmo, da reflexo sobre a ao educativa nas instituies escola-res, em funo da complexidade que se deriva do desenvolvimento e realizao domesmo. Apenas dessa maneira a teoria curricular pode contribuir para o processo deautocrftica e auto-renovao que deve ter (GirOUII, 1981, p. I I3 e ss.) - pretensoque no fcil de ordenar e de traduzir em esquemas simples. Por isso, a importnciada anlise do currculo, tanto de seus contedos como de suas formas, bsica paraentender a misso da instituio escolar em seus diferentes nveis e modalidades. Asfunes que o currculo cumpre como ellpresso do projeto de cultura e socializaoso realizadas atravs de seus contedos, de seu formato e das prticas que cria emtorno de si. Tudo isso se produz ao mesmo tempo: contedos (culturais ou intelectu-ais e formativos), cdigos pedaggicos e aes prticas atravs dos quais se expres-sam e modelam contedos e fonnas.

    Nossa anlise centrar-se- basicamente nos cdigos e nas prticas atravs dosquais os contedos ganham valor, com alguns comentrios prvios em tomo do quehoje se entende por contedos curriculares.

    Analisar currculos concretos significa estud-los no contellto em que se confi-guram e atravs do qual se ellpressam em prticas educativas e em resultados.

    Os currculos, de fato, desempenham distintas misses em diferentes nveiseducativos, de acordo com as caracterfsticas destes, medida que refletem diversas fina-lidades desses nveis. Isto uma dificuldade incorporada na pretenso de obter um esque-ma claro e uma teorizao ordenada sobre o currfculo. Ao mesmo tempo, uma chamadade ateno contra as pretenses de universalizar esquemas simplistas de anlises.

    Ao enfocar o tema curricular, se entrecruzam de forma inevitvel no discurso asimagens do que essencialmente prprio no sistema escolar, se incorporam tradiesprticas e tericas de outros sistemas, se consideram modelos alternativos do quedeveria ser a educao, a escolarizao e o ensino.

    O currculo - diz Lundgren (1981, p. 40) - o que tem atrs toda educao,transfonnando suas metas bsicas em estratgias de ensino. Trat-lo como algo dadoou uma realidade objetiva e no como um processo no qual podemos realizar cortestransversais e ver como est configurado num dado momento no seria mais quelegitimar de antemo a opo estabelecida nos currculos vigentes, fixando-a comoindiscutfvel. O relativismo e a provisionalidade histrica devem ser uma perspectivanestas afirmaes. Apple (1986) afirma que:

    "". o conhecimento aberto e encoberto que se cncontra nas situaes escolares c osprincpios de seleo, organizao e avaliao desle conhecimenlo so uma seleo,

    O Currculo 17

    regida pelo valor, de um universo muito mais amplo de conhecimenlOs e princfpios deselello passfveis" (p. 66).

    Os currculos so a expresso do equilbrio de interesses e foras que gravitamsobre o sistema educativo num dado momento, enquanto que atravs deles se reali-zam os fins da educao no ensino escolarizado. Por isso, querer reduzi r os proble-mas relevantes do ensino problemtica tcnica de instrumentar o currculo supeuma reduo que desconsidera os conflitos de interesses que esto presentes no mes-mo. O currfculo, em seu contedo e nas formas atravs das quais se nos apresenta e seapresenta aos professores e aos alunos, uma opo historicamente configurada, quese sedimentou dentro de uma detenninada trama cultural, polftica, social e escolar;est carregado, portanto, de valores e pressupostos que preciso decifrar. Tarefa acumprir tanto a partir de um nvel de anlise poltico-social quanto a partir do pontode vista de sua instrumentao "mais tcnica", descobrindo os mecanismos que ope-ram em seu desenvolvimento dentro dos campos escolares.

    A assepsia cientfica no cabe neste tema, pois no mundo educativo, o projetocultural e de socializao que a escola tem para seus alunos no neutro. De algumaforma, o currculo reflele o conflito entre interesses dentro de uma sociedade e osvalores dominantes que regem os processos educativos. Isso explica o interesse dasociologia modema e dos estudos sobre educao por um tema que o campo deoperaes de diferentes foras sociais, grupos profissionais, filosofias, perspectivaspretensamente cientficas, etc. Da tambm que este tema no admita o reducionismode nenhuma das disciplinas que tradicionalmente agrupam o conhecimento sobre osfatos educativos.

    A escola em geral, ou um detenninado nvel educativo ou tipo de instituio, sobqualquer modelo de educao, adota uma posio e uma orientao seletiva frente cultura, que seconcreliza, precisamente, no currfculo que transmite. O sistema educativoserve a certos interesses concretos e eles se refletem no curriculo. Esse sistema secompe de nveis com finalidades diversas e isso se modela em seus currculos diferen-ciados. As modalidades de educao num mesmo intervalo de idade acolhem diferen-tes tipos de alunos com diferentes origens e fim social e isso se reflete nos contedos aserem cursados em um tipo ou outro de educao. A formao profissional paralela aoensino secundrio segrega a coletividade de alunos de diferentes capacidades e proce-dncia social e tambm com diferente destino social, e tais determinaes podem servistas nos curriculos que se distribuem num e noutro tipo de educao.

    Todas as finalidades que se atribuem e so destinadas implfcita ou explicita-mente instituio escolar, de socializao, de fonnao, de segregao ou deintegrao social, etc., acabam necessariamente tendo um reflexo nos objetivos queorientam todo o cuniculo, na seleo de componentes do mesmo, desembocam numadiviso especialmente ponderada entre diferentes parcelas curriculares e nas prpriasatividades metodolgicas s quais d lugar. Por isso, o interesse pelos problemas rela-cionados com o currIculo no seno uma conseqncia da conscincia de que pormeio dele que se realizam basicamente as funes da escola como instituio.

    A prpria complexidade dos currculos modernos do ensino obrigatrio refle-xo da multiplicidade de fins aos quais a escolarizao se refere. Isso um fatoconsubstancial prpria ellistncia da instituio escolar; conseqentemente, a anli-se do currfculo uma condio para conhecer e analisar o que a escola como insti-tuio cultural e de socializao em termos reais e concretos. O valor da escola semanifesta fundamentalmente pelo que faz ao desenvolver um determinado currIculo,independentemente de qualquer retrica e declarao grandiloqente de finalidades.

  • 18 1. Gimeno Sacristn

    Nessa mesma medida, o currculo um elemento nuclear de referncia para analisaro que a escola de fato como instituio cultural e na hora de elaborar um projetoalternativo de instituio.

    As reformas curriculares nos sistemas educativos desenvolvidos obedecempretensamente lgica de que atravs delas se realiza uma melhor adequao entreos currculos e as finalidades da instituio escolar, ou a de que com elas se pode daruma resposta mais adequada melhora das oportunidades dos alunos e dos grupossociais. Mas as inovaes sero analisadas dentro da estrutura social e no contextohistrico que se produzem, que proporcionam um campo socialmente definido e to-talmente limitado (Papagiannis, 1986). Empreendem-se as reformas curriculares, namaioria dos casos, para melhor ajustar o sistema escolar s necessidades sociais e, emmuito menor medida, para mud-lo, embora possam estimular contradies que pro-voquem movimentos para um novo equilbrio.

    Quando se fala de currculo como seleo particular de cultura, vem em seguida mente a imagem de uma relao de contedos intelectuais a serem aprendidos,pertencentes a diferentes mbitos da cincia, das humanidades, das cincias sociais,das artes, da tecnologia, etc. - esta a primeira acepo e a mais elementar. Mas afuno educadora e socializadora da escola no se esgota a, embora se faa atravsdela, e, por isso mesmo, nos nveis do ensino obrigatrio, tambm o currculo estabe-lecido vai logicamente alm das finalidades que se circunscrevem a esses mbitosculturais, introduzindo nas orientaes, nos objetivos, em seus contedos, nas ati vi-dades sugeridas, diretrizes e componentes que colaborem para definir um planoeducativo que ajude na consecuo de um projeto global de educao para os alunos.Os currculos, sobretudo nos nveis da educao obrigatria, pretendem refletir oesquema socializador, formativo e cultural que a instituio escolar tem.

    Situando-nos num nvel de anlise mais concreto, observando as prticas esco-lares que preenchem o tempo dos alunos nas escolas, percebemos que fica muitopouco fora das tarefas ou atividades, ritos, etc., relacionados com o currculo ou apreparao das condies para seu desenvolvimento. A escola educa e socializa pormediao da estrutura de atividades que organiza para desenvolver os currculos quetm encomendados - funo que cumpre atravs dos contedos e das formas destese tambm pelas prticas que se realizam dentro dela.

    O ensino no mais do que o processo desenvolvido para cumprir essa finalida-de. Algo que se esquece muitas vezes, quando se quer analisar os processos de ensino-aprendizagem a partir de uma determinada perspectiva cientfica e tcnica, esquecen-do seu verdadeiro encargo.

    Por diversos tipos de condicionamentos, os currculos tendem a recolher toda acomplexa gama de pretenses educativas para os alunos de um detenninado nvel emodalidade de educao. Pode ser que o currculo no esgote em seus contedos estri-tos todos os fins educativos, nem as funes no-manifestas da escola, mas evidenteque existe uma tendncia progressiva para assumi-los no caso dos nveis obrigatriosde ensino. Da que boa parte do que objeto da didtica seja composta pela anlisedos pressupostos, dos mecanismos, das situaes e das condies relacionadas com aconfigurao, o desenvolvimento e a avaliao do currculo.

    O discurso dominante na pedagogia modema, mediatizado pelo individualismoinerente ao crescente predomnio da psicologia no tratamento dos problemas pedag-gicos, ressaltou as funes educativas relacionadas com o desenvolvimento humano,apoiando-se no auge do status da infncia na sociedade modema, que no somenteconseqncia do desenvolvimento dacincia psicolgica. Por isso, se relegou em mui-tos casos a permanente funo cultural da escola como finalidade essencial. Em parte,

    o Currculo 19

    talvez, porque uma fonna de escapar do debate no qual se desmascara e se apreciao verdadeiro significado do ensino; o que resulta coerente com os interesses domi-nantes que subjazem a qualquer projeto educativo: estabelecer seus fins como algodado, que preciso instrumemar, mas no discutir.

    Retomar e ressaltar a relevncia do currculo nos estudos pedaggicos, na dis-cusso sobre a educao e no debate sobre a qualidade do ensino , pois, recuperar aconscincia do valor cultural da escola como instituio facilitadora de cultura, queredama inexoravelmente o descobrir os mecanismos atravs dos quais cumpre talfuno e analisar o contedo e sentido da mesma. O contedo condio lgica doensino, e o currculo , antes de mais nada, a seleo cultural estruturada sob chavespsicopedaggicas dessa cultura que se oferece como projeto para a instituio escolar.Esquecer isto supe introduzir-se por um caminho no qual se perde de vista a funocultural da escola e do ensino. Um ponto fraco de certas teorizaes sobre o currculoreside no esquecimento da ponte que deve estabelecer entre a prtica escalare o mundodo conhecimento (King, 1976, p. J12) ou da cultura em geral.

    - A Nova Sociologia da Educao contribuiu de fonna decisiva para a atualidadedo tema, que centrou seu interesse em analisar como as funes de seleo e de orga-nizao social da escola, que subjazem nos currculos, se realizam atravs das condi-es nas quais seu desenvolvimento ocorre. Em vez de ver o currculo como algo dado,explicando o sucesso e o fracasso escolar como varivel dependente, dentro de umesquema no qual a varivel independente so as condies sociais dos indivduos e dosgrupos, de se levar em conta que tambm os procedimentos de selecionar, organizaro conhecimento, lecion-Io e avali-lo so mecanismos sociais que devero serpesquisados (Young, 1980, p. 25). O currculo - afirma este autor - o mecanismoatravs do qual o conhecimento distribudo socialmente. Com isso, a natureza dosaber distribudo pela escola se situa como um dos problemas centrais a ser colocadoe discutido. O currculo passa a ser considerado como uma inveno social que refleteescolhas sociais conscientes e inconscientes, que concordam com os valores e as cren-as dos grupos dominantes na sociedade (Whitty, 1985, p. 8). Um enfoque puramenteeconomicista para compreender o poder reprodutor da educao no explica como osresultados da escola so criados tambm por ela mesma, enquanto uma instncia demediao cultural (Apple, 1986, p. 12).

    Bernstein (1980), um dos mais genunos representantes desta corrente sociolgi-ca, expressa a importncia desta nova nfase afinnando que:

    "As Connas atravs das quais a sociedade seleciona, classifica, distribui, transmite eavalia o conhecimento educativo considerado pblico refletem a distribuio do podere dos princpios de controle social".

    "O currculo define o que se considera o conhecimento vlido, as Connas pedaggi-cas, o que se pondera corno a transmisso vlida do mesmo, e a avaliao define o quese considera como realizao vlida de tal conhecimento" (p. 47).

    Tais anlises sociolgicas induziram o estabelecimento de programas compen-satrios que abranjam a educao infantil, para fundamentar a existncia de umaeducao compreensiva para todos os alunos de um mesmo patamar de idade, etc.,enquanto os currculos podem atuar como instrumentos de ao social por seu valorde mediao cultural.

    Numa sociedade avanada, o conhecimento tem um papel relevante e progressi-vamente cada vez mais decisivo. Uma escola "sem contedos" culturais uma pro-posta irreal, alm de descomprometida. O conhecimento, e principalmente a legi-

  • 20 1. Gimeno Sacristn

    timao social de sua possesso que as instituies escolares proporcionam, ummeio que possibilita ou no a panicipao dos indivrduos nos processos culturais eeconmicos da sociedade, ou seja, que a facilita num determinado grau e numa dire-o. No indiferente saber ou no escrever, nem dominar melhor ou pior a lingua-gem em geral ou os idiomas. No a mesma coisa orientar-se em nossa sociedadesituando-nos no nfvel universitrio, pelos saberes do Direito, da Medicina ou pelo~estudos das humanidades. O grau e tipo de saber que os indivrduos logram nas insti-luies escolares, sancionado e legitimado por elas, tm conseqncias no nfvel deseu desenvolvimento pessoal, em suas relaes sociais e, mais concretamente, noslatus que esse indivfduo possa conseguir dentro da estrutura profissional de seucontexlo.

    A obsolescncia das instituies escolares e dos contedos que distribuem podelev~r a ne~ar essa funo, mas no nega tal valor, e sim a possibilidade de que serealize, detxando que operem outros fatores exteriores, ainda que nenhum currculo,por obsoleto que seja, neutro. A ausncia de contedos valiosos outro contedo eas prticas para manter os alunos dentro de currrculos insignificantes para eles sotodo um currfculo oculto.

    .A relao de determinao sociedade-cultura-currculo-prtica explica que aatuahd.ade do currculo se veja estimulada nos momentos de mudanas nos sistemaseducatIVOs, como reflexo da presso que a insti!Uio escolar sofre desde diversasfrentes, para que adapte seus contedos prpria evoluo cultural e econmica dasociedade. Por isso, explicvel que nos momentos de configurar de forma diferente osistema educativo se pensem tambm novas frmulas para estruturar os currculos. Oprprio progresso na formao de esquemas tericos sobre o currculo seu modelo edesenvolvimento, tem lugar no debate das reformas curriculares a que ~ vem subme-tidos os sistema.s escolares nas ltimas dcadas. Os momentos de crise, os perrodos dereforma, os prOJetos de inovao, estimulam a discusso sobre os esquemas de racio-nalizao possrvel que podem guiar as propostas alternativas. A prpria leorizaosobre currfculo e sua concretizao , em muitos casos, o subproduto indirelo dasmudanas curriculares que ocorrem por presses hislricas, sociais e econmicas dediversos lipos nos sistemas escolares.

    . ~a Espanha, pode-se ver que, devido s reformas educativas que se fizeram nahlstna recente, os pressupostos diversos, as formas pedaggicas e os formatoscurricular~s encontram legitimao e confirmao. Isso confirma o fato de que, emnossa tradIo e no campo jurdico administrativo, as reformas curriculares vo liga-das a mudanas na estrutura do sistema mais que a um debate permanente sobre asnecessidades do sistema educativo.

    o CURRtCUlO: CRUZAMENTO DE PRTICAS DIVERSAS

    Panir do conceito de currculo como a construo social que preenche a escola-ridade de contedos e orienlaes nos leva a analisar os contextos concretos que lhevo dando forma e contedo, antes de passar a ter alguma realidade como experinciade aprendizagem para os alunos. preciso continuar a anlise dentro do mbito dosistema educativo com seus determinantes mais imediatos at v-lo convertido oumodelado de uma forma particular na prtica pedaggica.

    Nenhum fenmeno indiferente ao contexto no qual se produz e o currculo sesobrepe em contextos que se dissimulam e se integram uns aos outros, conceitosque do significado s experincias curriculares obtidas por quem delas panicipa

    o CUlTfculo 21

    (King, 1986, p. 37). Se o currrculo, evidentemente, algo que se constri, seus con-tedos e suas formas ltimas no podem ser indiferenles aos contextos nos quais seconfigura.

    Conceber o currfculo como uma prxis significa que muitos tipos de aes in-tervm em sua configurao, que o processo ocorre dentro de cenas condies con-cretas, que se configura dentro de um mundo de interaes culturais e sociais, que um universo construfdo no-natural, que essa construo no independente de quemtem o poder para constituf-Ia (Grundy, 1987, p. 115-116). Isso significa que umaconcepo processual do currculo nos leva a ver seu significado e importncia realcomo o resultado das diversas operaes s quais submetido e no s nos aspectosmateriais que contm, nem sequer quanto s idias que lhe do forma e estruturainterna: enquadramento pO](lico e administrativo, diviso de decises, planejamentoe modelo, traduo em materiais, manejo por parte dos professores, avaliao de seusresultados, tarefas de aprendizagem que os alunos realizam, ele. Significa tambmque sua construo no pode ser entendida separadamente das condies reais de seudesenvolvimento e, por isso mesmo, entender o currculo num sistema educativorequer prestar ateno s prlicas polfticas e administrativas que se expressam emseu desenvolvimento, s condies eSlruturais, organizativas, materiais, dotao deprofessorado, bagagem de idias e significado que lhe do forma e que o modelamem sucessi vos passos de uansformao.

    , enfim, um campo prtico complexo, como reconhecia Walker (1973), quandoafirmava:

    "Os fenmenos curriculares incluem todas aquelas atividades e iniciativas atravs dasquais o cUlT{culo planejado, criado, adotado, apresentado, experimentado, criticado,alacado, defendido e avaliado, assim como lodos aqueles objetos materiais que o con-figuram, como so os livros-texto, os aparelhos e equipamentos, os planos e guias doprofessor, etc." (p. 247).

    O currculo modela-se dentro de um sistema escolar concreto, dirige-se a deter-Jminados professores e alunos, serve-se de detenninados meios, cristaliza, enfim, numcontexto, que o que acaba por lhe dar o significado real. Dar que a nica teoriapossvel que possa dar conta desses processos tenha de ser do tipo crtico, pondo emevidncia as realidades que o condicionam.

    Imediatamente compreendemos as dificuldades de pensar em proposies sim-ples para introduzir mudanas nessa dinmica social. Um obstculo srio para a pes-quisa educativa, como reconhece Walker, que, ao terestado dominada por paradigmasempiristas, no pde organizar esta complexidade, que necessita explicao de aesnas quais se projetam prticas, crenas e valores muito diversos.

    Assim, a prtica tem uma existncia real que uma teorizao deve explicar eesclarecer - tarefa pouco simples quando se trata de um territrio de interseco desubsistemas diversos. Essa realidade prtica complexa se subslancia ou se concretizaem realidades e processos diversos, analisveis por si mesmos de diferentes pontosde vista, mas coneclados mais ou menos estreitamente entre si: o currrculo comoexpresso de uma srie de delenninaes polticas para a prtica escolar, o currculocomo contedos seqenciaJizados em determinados materiais, como saberes distri-budos pelos professores nas aulas, como campo das interaes e dos intercmbiosentre professores e alunos, como "partitura" da prtica, etc.

    Trata-se de um complexo processo social com mltiplas expresses, mas comuma determinada dinmica,j que algo que se constri no tempo e dentro de cenas

  • 22 J. Gimeno Sacristn

    condies. . uma realidade difcil de aprisionar em conceitos simples, esquemticose esclarecedores por sua prpria complexidade e pelo fato de que tenha sido umcampo de pensamento de abordagem recente dentro das disciplinas pedaggicas, almde controvertido, ao ser objeto de enfoques contraditrios e reflexo de interessesconflitantes. No estranho, tampouco, que as autodenominadas teorias do currculosejam enfoques parciais e fragmentrios.

    Importa, pois, esclarecer o contedo e dinmica dessa prtica e cercar, em algu-ma medida, os significados que este conceito pretende sistematizar, mais do que sim-plificar ao mesmo tempo o complexo e difuso numa determinada concepo de par-tida.

    Schubert (1986) considera:

    "Representar o currculo como um campo de pesquisa e de prlica necessita conceb-lo como algo que mantm cenas interdependncias com outros campos da educao. oque exige uma perSpectiva ecolgica na qual o significado de qualquer elemento dcveser visto como algo em Conslanle configurao pelas inlerdependncias com as forascom as quais est relacionado" (p. 34-35).

    Por isso argumentamos que o currculo faz parte, na realidade, de mltiplostipos de prticas que no podem reduzir-se unicamente prtica pedaggica de ensi-no; aes que so de ordem poltica, administrativa, de superviso, de produo demeios, de criao intelectual, de avaliao, etc., e que, enquanto so subsistemas emparte autnomos e em parte interdependentes, geram foras diversas que incidem naao pedaggica. mbitos que evoluem historicamente, de um sistema poltico esocial a outro, de um sistema educativo a outro diferente. Todos esses usos gerammecanismos de deciso, tradies, crenas, conceitualizaes, etc. que, de uma for-ma mais ou menos coerente, vo penetrando nos usos pedaggicos e podem ser aprecia-dos com maior clareza em momentos de mudana,

    Se aceitamos oque King sugere (1986, p. 37), o significado ltimo do currculo dado pelos prprios contextos em que se insere: a) um contexto de aula, no qualencontramos uma srie de elementos como livros, professores, contedos, crianas; b)OUtro contexto pessoal e social, modelado pelas experincias que cada pessoa tem etraz para a vida escolar, renetidas em aptides, interesses, habilidades, etc., alm doclima social que se produz no contexto de classe; c) existe, alm disso, outro contextohistrico escolar criado pelas formas passadas de realizar a experincia educativa,que deram lugar a tradies introjetadas em forma de crenas, reflexos institucionais epessoais, etc., porque cada prtica curricular cria, de alguma forma, incidncias nasque a sucedero; d) finalmente, se pode falar de um contexto poltico, medida queas relaes dentro de classe renetem padres de autoridade e poder, expresso derdaes do mesmo tipo na sociedade exterior. As foras polticas e econmicas de-senvolvem presses que recaem na configurao dos currculos, em seus contedos enos mtodos de desenvolv-los.

    Uma viso tecnicista, ou que apenas pretenda simplificar o currculo, nuncapoder explicar a realidade dos fenmenos curriculares e dificilmente pode contri-buir para mud-los, porque ignora que o valor real do mesmo depende dos contextosnos quais se desenvolve e ganha significado. Trata-se de um fenmeno escolar queexpressa determinaes no estritamente escolares, algo que se situa entre as experi-ncias pessoais e culturais dos sujeitos, por um lado, prvias e paralelas s escolares,realizando_se num campo escolar, mas sobre o qual incidem, por outro lado,subsistemas exteriores muito importantes que obedecem a determinaes variadas.

    o Currculo 23

    Para realizar uma anlise esclarecedora de nosso sistema ed.ucativo, ~onvmdistinguir oilo subsistemas ou mbitos nos quai~ se expres~am ~rt.lcas relacll~na~ascom o currfculo, nos quais se decide ou nos quaIs se cnam mfluenclaS para o slgmfi-cada pedaggico do mesmo. .. ~ ,

    1 - O mbito da atividade poltico-administrativa. A admmlstraao edu.catlvaregula o currculo como faz com outro~aspectos.: profes.sores, escolas, etc, do Slslemaducativo sob diferentes esquemas de mtervenao l?Oltlca e dentro de um campo com~aioreso~ mais reduzidas margens de autonomia. A.s veze,s, chegamos,a entenderpor

    currculo o que a administrao prescreve como obrlgatno para um n.lvel~ed~catlvo,etc., por ter muito presente o alto poder de interveno que te~ e~sta msta~cta nestetema dentro de nosso contexto, com o conseqente poder dede~nJa~ ~a reahdade e d.anegao ou esquecimento do papel de outros .agentes talv~z maIs decIS~VOS. Es.te mbI-to de decises deixa bem evidente os determmantes exteriores do c~mculo,amda queestejam legitimadas por serem provenientes de poderes democratIcamente estabele-

    cid~. od. _ .2-0 subsistema de participao e de controle. Em t o sIstema ~uC~tIVO.: a

    elaborao e a concretizao do currculo, assim como. o ~ontrol~ de sua reahza~a~,eslo a cargo de determinadas instncias com competenc13s m.als ou m~n.os d~fJmdas que variam de acordo com o campo jurdico, com a tradIo adml~lst~atlva ede~ocrtica de cada contexto. A administrao sempre tem a.lguma competencl.a ?estesentido. Todas essas funes so desempenhadas pela pr~pna b~rocrac13adm~mstraliva, corpos especializados da mesma, como. o ca~o da lfispeao, mas medIda queum sistema se democratiza e se descentrallza, deIxa para outros agentes algumasdecises relativas a certos aspectos ou componentes, As ~u~~e~ sobre ~ configuraodos currculos, sua concretizao, sua modificao, sua vlgllancla, anlises de resul~a-d t t bm ""dem estar nas mos de rgos do governo, das escolas, assocla-oS,ec.am y- . d'~-' '1" des e sindicatos de professores, pais de alunos, rgos mterme 1i1110S especJa lza os,

    SISTEMA SOCIAL

    "--Subsislema de~ participaao social~e controleSubsistema Subsistema de~ / especialislas epolitico- de pesquisaadministrativo1 s"..'''.m.~ 1prtico-

    pedaggico SubsistemaSubsislema de produaode inovaao / ~ de meios'"

    ./Ordenaao Subsistemado sislema de criaaoeducativo de contedos

    FIGURA 1. Sistema curricular.

  • 24 J.GlmenoSacrisln

    associaes e agentes cient(ficos e culrurais. etc. Todo currculo se msere num deter-minado equillbrio de diviso de poderes de deciso e determinao de seus conte-dos e formas.

    A importncia destes dOIs subsistemas nos esclarece as razes para entenderestecampo como um terreno poltico e no meramenle pedag6gico e cultural

    3 _ A ordenao do sistema educativo. A pr6pria estrutura de nveis, cicloseducalvos. modalidades ou especialidades paralelas ordenam O sistema educativo.marcando. em linhas gerais, de forma muito precisa. as mudanas de progresso dosalunos pelo mesmo.

    Regulam as entradas, o trnsito e a sada do sistema, servindo-se, em gemi, daordenao do cuniculo, e expressam atrav6 do mesmo as finalidades essenciais decada perodo de escolaridade. A distribuio da culrura entre distintos grupos sociais6 determinada, em boa medida, com base na diferenciao dos currculos de cadaciclo. nvel ou especialidade do sistema. i:: um dos caminhos de inlerveno ou parcelaprtica em mos da estrutum polftico-adminislnl.tiva que rege o sistema. Os nveiseducativos e modalidades de educaio cumprem funes sociais, seletivas. profissio-nais e culturais diferenciadas, e isso se reflete na seleio curricular que tm comocontedo expresso e nas prticas que secriam em cada caso. medida que tenha umadescentralizao de decises, ou quando existe oputividade curricular no nfvel deescolas, a ordenao pode ficar em nveis de deciso mais prximos dos usurios.

    4 _ O sistema de produo de meios. Os cuniculos se baseiam em materiaisdidticos diversos, entre ns quase que exclusivamente nos livros-texto. que so osverdadeiros agenles de elaboral0 e concretizao do currculo. Como prticaobservvel, o cuniculo por anlonomsia' 6 o que fica interpretado por esses materiaisque o professore os alunos utilizam. Prticas econmicas. de produo e de diSlribui-o de meios. criam dinmicas com uma forte incidncia na prtica pedag6gica: cri-am inleresses. passam a ser agenles formadores do professorado. constituindo umcampo de fora muito importante que no costuma receber a ateno que merece.Esta prtica costuma estar ligada a uma forma de ordenar O progresso curricular: porciclos, nveis, cursos, disciplinas ou reas, etc. Os meios no so meros agenles ins-trumenlais neutros, pois tm um papel de determinao muito ativo, sobretudo emnosso sistema, ligado a uma forma de exercer o conlrole sobre a prtica, as estreitasmargens de deciso de que disps o professorado, a baixa formao do mesmo e ascondies de trabalho desfavorveis.

    5 - Os inlbitos de criao culturais, cientficos, etc. Na medida em que ocurrfculo 6 uma seleo de cuhura, os fenmenos que afetam as instncias de criaoe difuso do saber tm uma incidncia na seleo curricular. Tratase de uma influn-cia que se exerce mais ou menos direlamente, com mais ou menos rapidez e eficcia, eque se divide de modo desigual entre diversas coletividades acadmicas e culturais. Aimportncia desse subsistema e sua comunicao com o currfculo evidente por umduplo mOlivo: porque as instituies onde se localiza a criao cientffica e culturalacabam recebendo os alunos formados pelo sistema educalivo, o que gera necessaria-mente uma certa sensibilidade e presso para os currfculos escolares, por um lado,pela influncia ativa que exercem sobre os mesmos, e, por outro, selecionando con-

    N. de R,T AnlOnOmia: Segundo o NOII(} DiciOMno A.urilio da Ullguo Porrugutla. slgmfica I Ret Substitui-llo de um IlOme prprio por um comum 011 uma perffrase Ex. o cisne de MAnlua (Virg1lI0): a 'guia de Ilaia (RUIBarbos.ll) ou vice-versa: um Nero (homem cNel) 2. V cognome.

    o Currlcul0 2S

    tedos, ponderando-os, impondo formas de organi~o,paradigmas metodol~~icos.produzindo escritos, textos. etc.Os grupos de~peclahstasna,cultura formam famflias" que tm continuidade ecnam dependncIas nas. co.letlVldades de docentes, e.pecialmente dos nveis mais Imediatos c.n~~, e pnnclpalmente quando professo-res so especialistas em alguma rea ou dlsclphna. .

    A dinmica curricular, seus contet1dos e suas fonnas se explicam em algunsaspectos pela influncia deste subsistema de criao do con~ecime_ntoe ~a cultura,Boa parte do dinamismo dos estudos 5O~re o c~",!culo e da movaa? ~umcular. s0-bretudo nas reas cientrficas. nos pases mdustnahzados durante as ultll'nas d&adas,se explica pela presso sobre o sistema educativo das inst~ias d~ pesquisa. influen-ciadas por sua vez pelos interesses tecnol6gic~ ~ econmlc.os 1.lg~os a elas. Entren6s existe, em gel1l.l. uma clara desconexo expliCitaen~ as mstl~les nas qU~ls secriam e recriam os saberes _ a universidade - e os nveiS educativos que depoiS osreproduzem _ o que no significa que no exista uma influncia, press~o, c.analizaoatl1l.v6 de textos, etc. Talvez socialmente no se tenha tomado conSCincia do papeldos nveis inferiores de educao na hora de criar uma ampla base cultural da qualpodero sair melhores candidatos aos nfveis superiores. .. .

    6- Subsiste.ma tknlco-pedag6gico: formadores. espectalistas e pesqul$ado-res em educao. Os sistemas de formao de professom~. os grupos de espec!a-listas relacionados com essa atividade, pesquisadores e pentos em dIVersas especia-lidades e temas de educao, etc. criam linguagens. tmdies, prod~zem conceltua-lizaes. sistematizam informaes e conhecimentos sobre a reah~e educ~uva,propem modelos de entend-Ia, sugerem esquemas de 0m:nar a prtica ~1~I?nados com o cuniculo, que t!m certa importncia na ~nstru~o da mesma, .lOcldmdona polftica, na administrao, nos professores, etc. ~na-se, digamos. uma I mguagemeconhecimentoespecializados que atuam como cdigo modelado~,~ ao menos comoracionalizao e legitimal0 da experi!ncia culrural a ser transmitida atl1l.vs do cur-rculo e das formas de realizar tal funo. Costuma expressar-se no apenas na sele-o dos contedos culrurais e em sua ordenao, mas tambm na delimitao de obje-tivos especficos de fodole pedag6gica e em cdigos que ~lniluram todo o cu"'!culo eseu desenvolvimento. A incidncia deste subsistema t&Olcocostuma seroperallva emaspectos mais periflricos, cuja influn~ia depende d~ sua prpria capacidade de resposta s necessidades dominantes do sistema educatlv~ e de seu ~endente. sobre osmecanismos de deciso. Um peso que varia de detennmados nfvels educativos paraoutros. Em menor medida, seu papel tem sido e 6 crlico.

    7 _ O subsistema de inovao. Nos sistemas educativos complexos, dentro desociedades desenvolvidas, a sensibilidade sobre a qualidade dos mesmos aumenta, suarenovao qualitativa ganha importncia, os interesses d~ acomodao con~ta~te doscurrculos s necessidades sociais tambm se tomam mamfestos - funes difiCilmen-te cumpridas por outros agentes que no.aquele~ espe~ificamente dedicados a .reno-var o sistema curricular. Entre n6s, esta mstnc18 mediadora, de frente para a mter-veno em todo o sistema, no existe, o que se explica pelo ~od~lo de intervenoadministrativa existente sobre o currculo e pela falta de conSCincIa sobre sua neces-sidade. Mas tratase de um aspecto que, com um campo de ao limit.ado, aparec.euatrav6s de grupos de professores e movimentos de renovao ~d~g6glca. I~so 6 sm-toma de uma necessidade. i:: evidente que uma renovao quahtatlva da prtica eXigeproduo alternativa de materiais didticos e s~stem":5 de apoio direto aos professo-res em sua prtica que grupos isolados e bem-mtenelOnados de profes~res n~o p0-dem resolver massivamente. Em outros sistemas educativos. as estratgias de mova-

  • 26 J. Gimeno Sacristn

    o curricular e os projetas relacionando inovaes de currfculos e aperfeioamentode professores tm sido uma forma freqUente eeficaz de fazer as reformas curriculares.

    8.- O subsistema prtic.,.pedag6gico, a prtica por antonomsia, configura-da basicamente por profe.ssores e alunos e circunscrita s instituies escolares, em-bora se coloque a necesSidade de ultrapassar esse campo muitas vezes isolado. oque comumente chamamos ensino como processo no qual se comunicam e se fazem

    rea!ida~e as. propostas ~urriculares, condicionadas pelo campo institucional organi-zatIvo Imediato e pelas mfluncias dos subsistemas anteriores. bvio que o currfcu-lo faz referncia interao e ao intercmbio emre professores e alunos, expressan-do-se em prticas de ensino-aprendizagem sob enfoques metodol6gicos muito diver-sos, atravs de tarefas acadmicas determinadas, configurando de uma forma concre-ta o posto de trabalho do professor e o de aprendiz dos alunos.

    Naturalmente, atravs de todos estes subsistemas, e em cada um deles, se expres-sam .determinaes sociais mais amplas, sendo o currculo um teatro de operaesmltiplas, d~ foras e determinaes diversas, ao mesmo tempo que ele tambm, emalguma medida, pode converter-se em determinador das demais. Se o sistema escolar

    ~antm p~rticularesdepend.ncias e interaes com o sistema social em que surge,nao pode~la ocorrer o contrno ao contedo fundamental da escolarizao.

    Por ISSO, a compreenso da realidade do currfculo deve ser colocada como re-sultante de intera~esdiversas. O currfculo, que num momento se configura e objeti-va como um projeto coerente, j por si o resultado de decises que obedecem afato.res detennin~ntes diversos: culturais, econmicos, polticos e pedaggicos. Suareall~o~stenoroco.rre em u':'l contexto prtico no qual se realizam tipos de prti-cas mUito dIversas. ASSim, o projeto configura em grande parte a prtica pedaggica,mas , por sua vez, delimitado e limitado em seus significados concretos por essamesma prtica que existe previamente a qualquer projeto curricular. Todos ossubsistemas rapidamente analisados, incluindo o pedaggico, existem de antemo,quando se quer implantar um projeto curricular novo.

    Esses subsistemas apontados mantm relaes de determinao redproca emres~, de fora ~istinta, segundo os casos. O conjunto dessas imer-relaes constitui osIstema curncular, compreensvel apenas demro de um determinado sistema socialgeral, que se traduz em processos sociais que se expressam atravs do currfculo.Nesse conjunto de interaes se configura como objeto, e atravs das prticas con-cretas dentro do sistema geral e dos subsistemas parciais que podemos observar asfunes que cumpre e os significados reais que adota.

    TODA A PRTICA PEDAGGICA GRAVITA EM TORNO DO CURRCULO

    o currfculo acaba numa prtica pedaggica, como j explicamos. Sendo acondensao ou expresso da funo social e cultural da instituio escolar, lgicoque, por sua vez, impregne todo tipo de prtica escolar. O currfculo o cruzamento deprticas diferentes e se converte em configurador, por sua vez, de tudo o que podemosdenominar como prtica pedaggica nas aulas e nas escolas.

    Vejamos um exemplo de prtica pedaggica. Trata-se de uma alividade relacio-nada com o objetivo de cultivar o gosto pew leitura, dando cumprimento facetacurricular oral dentro da rea de linguagem.

    . O fato de. que todos contribuam com alguma sugesto e material para a aulacultiva, alm dISSO, certas atirudes e hbitos de colaborao, embora seja quase certoque o professor opte por essa prtica frente carncia de recursos na escola e nas

    o Currculo 27

    salas de aula. Essa atividade se realiza com hvros nem sempre adequados, visto queos alunos certamente no levaro seus melhores livros para a aula. O professor seconscientizou do clima de avaliao desfavorvel cm que tal tarefa se real iza, c certa-mente tambm no pensa em que a pobreza de recursos dentro da sala de aula secorrigiria mudando o sistema de todos os alunos comprarem os mesmos livros-texto,pois h textos inditos "para estudar", mas no h livros variados, suficientes e ade-quados "para ler". Certamente, essa prtica de aula est relacionada com u ma falia depropostas coerentes em nvel de escola, porque cada professor decide sua atividadeindividualmente. No existe na escola uma biblioteca de uso acessfvel aos alunos. Oclima de controle ou de avaliao tem repercusses morais no aluno, no momento de sepropor a resoluo da situao desagradvel que , para ele, uma leitura noadequa-d,.

    PRTICA PEDAGGICAAluno do quinlo curso de EGB"

    Em linguagem. alm de outras larcfas, cada aluno deve escolher um livro de leilUrada biblioteca da sala de aula. Esta se fonna graas i'1.S conlribuies voluntriasque os alunos realizam. Ao final do curso, eles as recuperam outra vez.Os livros so variados, uns atrativos e outros no. Os alunos os escolhem para sualeitura segundo sua disponibilidade no momento da escolha, quando vo ficandolivres. So distribudos por ordem de lista ou de mesas. Em outros casos, o profesSOl' os distribui diretamente aos alunos.No se estabelece tempo limitado para sua leilura.Um aluno mantm o conlfole das entradas e sadas de exemplares com a supervisodo professor.O aluno "X" escolheu livremenle A ilha do tesouro, de Slevenson.Uma vez lido, ter que narrar para Ioda a aula o contedo da leitura se o professorlhe pede. O aluno scnle que necessrio estar preparado para esse momento. Sabeque ser avaliado em "linguagem oral". O professor lhe infonnou a respeito.O lamanho de letra deste livro bastante reduzido, e o aluno, para seguir sualeilura, deve marcar com o dedo linha por linha. A larefa se loma cansativa.Dever ler o livro em momentos livres dentro do horrio de aula e em casa, sendouma atividade do tipo "passalempo".No pode se mudar de livro, uma vez escolhido, at que no conclua sua leitura.mesmo que no lhe agrade o que escolheu ou o que lhe deram.O entrevistador, frente 11. dificuldade da criana, lhe sugere que escolha oulro livrodiferente, menos cansativo pela eXlenso e pelo lipe de letra, e que faa o resumocomo se estabeleceu em sala de aula, mesmo que se lrate de um livro que nopertena biblioteca da aula.O aluno no se sente livre para propor a mudana ao professor.O entrevistador sugere a possibilidade de se pular lrechos para se ter uma idiageral e poder realizar o resumo, mas o aluno teme que o professor descubra a"trapaa", pois j aconteceu com oUlros colegas e foram advertidos de que nodeveria voltar a acontecer lal coisa.

    'N. de R.T.: EGB: Significa Educa1l.o Geral Bsica, que se constitufa no grau de ensino hoje denominado nosislema de ensino espanhol Educao Primria.

  • 28 J. GimenoSacri~ln

    Podemos ver uma atividade pr.ilica de carter pedag6gico que manifesla umaforma de desenvolver um aspecto eoncrelo do currfculo, na qual se expressa a locali-zao de um obJCIIVO cum~lar em uma elapa educaliva, que no seria to provvelde encontrar no bachlllerato Vemos como, em lomo dela, se loma evidente lam~mum certo Ilpo de compelncia profissional, a exislncia de certos meios na aula osusos ~a aquisio de materiais, a organizao da escola, o clima de avaliao, ce~asrelaoes professor-aluno pouco fluidas, etc. Sendo uma prtica curricular circunscritaao c.ontexlo d~ sa~a de aula e dentro de um clima social determinado, se vincula s

    ~rtlCas o.rg.am~tlvas, de consumo de materiais, relacionadas, por sua vez, com pr-ticas admlOlstratlvas de regular o currfculo e com prticas de controle assumidas peloprofess?r em seu com~rtamento pedaggico e pessoal com seus alunos. O significadodo cumcu~o se con~retlzae se conSlri em funo de lodos esses contextos e se expres-sa em prtiCas de slgni~caesmltiplas. Ao manifeslar-se atravs deles, se sobrepeem processos e mecanismos complexos que traduzem seu significado.

    O exem.plo que acabamos~ dar uma prtica pedag6gica relacionada com umas~to parcial ~o currfculo de lInguagem ancorada em contextos diversos, islo ,mulllcontextuallzada. Some.nte.asslm podemos explic-Ia em lodos os seus significa-dos: e m.ud-Ia certamente s~gmfi7ar no apenas remover crenas e habilidades pro-

    fiSSIO~~Sdo professor, mas mtervlrno nvel do COnteXIO organizativo, de produo demalenalS, elc.

    A maioria das prticas pedag6gicas tem a caraclerfstica de estar multicon-lextualizada. As atividades prlicas que servem para desenvolver os currfculos estosobreposlas em contextos aninhados uns dentro de outros ou dissimulados entre si. Ocurrculo se traduz em atividades e adquire significados concretos atravs delas. Es-ses contextos so produtos de tradies, valores e crenas muito assentadas que

    mostra~ sua presen~a e obstinao ti mudana quando uma proposta metodol6gicaalternallva pretende Instalar-se em cenas condies j dadas.

    Out~ prtica multicontextualizada tudo o que se refere avaliao. AvalIam-se e se decl~em ta~fas, inclus!ve pel~ fato de seu.s resultados ou produtos previsfveisserem ou nao fceiS de se avaliar; o c1una de avaliao serve para manter um controlesobre os alunos e, ao~mo !empo, expressa a ~ntalidad~ de c~ntroleque impreg-na tudo o.q~e escolar, II1Cluslve dentro da escolandade obngal6na, que, a priori, notem explicitamente a misso de selecionar e graduar os sujeitos.

    A De al~ma mane~ pois, esto implicados com o currculo lodos os temas quetem alguma Imponnc18 para compreen.der o funcion~mento da realidade e da prtica~olarno nvel de aula, d~ escola e de sIstema ~UcatIVO. Atrever-me-ia a afirmar quesao poucos os fato~da realIdade escolar e educativa que no tm "contaminaes" poralguma caracterfstlca do currculo das instituies escolares.

    Esta cireunstncia tem uma primeira conseqncia de ordem metaterica: o estu-do do currlculo serve de centro de condensao e inter-relno de muitos outros concei-tos e teorias pedaggicas, porque no existem muitos temas e problemas educativosque n~o tenham algo a ver com ele. A organizao do sistema escolar por nfveis e

    mod~l.dades, se:u controle, a fonnao, a seleo e a nomeao do professorado, aseletlVldade SOCial atrav~ do sistema, a igualdade de oportunidades, a avaliao esco-lar, a renovao pedaggl~ do mesmo, os mt~os pedaggicos. a profissionalizaodos professores, etc. relaclonam-se com a orgamzao e desenvolvimento curricular.

    -N de R.T.. Bat:1tilkt'rlM: O sistema educacional espanhol inclUI o BadUllmllo ImO uma etapa do enslllO que sesllua entre. EWcaIo Secundina e a UnIversidade

    o Currculo 29

    A relevncia que tem o problema da prtica no conhecimento e na pesquisapedaggica e, mais concretamente, a relao teoria-prlica, ouU'a razo a mais paraa atualizao da discusso em tomo dos problemas curriculares, medida que soagentes na configurao das prticas de ensino. Se a prtica impensvel sem serconcebida como expresso de mltiplos usos, mecanismos e componamentos relacio-nados com o desenvolvimento de um detenninado currculo, a comunicao teoria-prtica no pode desconsiderar a mediatizao curricular como canal privilegiado.

    Estamos frente a um ncleo temtico-estratgico para analisar a comunicaoentre as idias e os valores, por um lado, e a prtica, por outro. Uma parte imponanteda teoria modema do currculo versa sobre a separao desses extremos e sobre asrazes que a produzem. O prprio discurso sobre a relao teoria-prtica se nutre dateoria e das prticas curriculares. Um discurso que deve ultrapassar os estreitos limi-tes da aula. Na configurao e desenvolvimento do currculo, podemos ver se entre-laarem prticas polfticas, administrativas, econmicas, organizativas e institucionais,junto a prticas estritamente didticas; dentro de todas elas agem pressupostos muitodiferentes, teorias, perspeclivas e interesses muito diversos, aspiraes e gesto derealidades existentes, utopia e realidade. A compreenso do currfculo, a renovaoda prtica, a melhora da qualidade do ensino aU'avs do currfculo no devem esque-cer todas essas inter-relaes.

    As idias pedaggicas mais aceitveis e potencialmente renovadoras podemcoexistir, e de falo coexistem, com uma prtica escolar obsoleta. Tal incongruncia eimpotncia para a transformao da realidade OCOITC, em boa parte, porque tal prticaest muito ligada ao tipo de currculo contextualizado em subsistemas diversos e aosusos criados por seu desenvolvimento, ou que se expressam atravs dele, que penna-necem muito estveis. Por isso, a renovao do currculo, como plano estruturado porsi s, no suficiente para provocar mudanas substanciais na realidade. O discursopedaggico. se no totaliza toda essa trama de prticas diversas, no incide rigorosa-mente em sua anlise e ser incapaz de proporcionar verdadeiras alternativas de mu-dana nas aulas.

    Nos momentos em que se toma conscincia da falla de qualidade no sistemaeducativo, a ateno se dirige para a renovao curricular como um dos instrumentospara sua melhora. Isso leva a se fixar imediatamente em dois aspectos bsicos: oscontedos do currfculo e a metodologia nas aulas. Mas a prtica escolar uma prticainstitucionalizada, cuja mudana necessita remover as condies que a mediatizam,atuando sobre todos os mbitos prticos que a condicionam, que ultrapassam muitoclaramente as prticas do ensino-aprendizagem nas aulas. No basta estabelecer edifundir um detenninado discurso ideolgico e tcnico-pedaggico para que mude,embora se materialize inclusive num plano estruturado, embora seja condio prvianecessria.

    Quase se pode dizer que o currculo vem a ser um conjumo temtico abordvelinterdisciplinannente, que serve de ncleo de aproximao para outros muitos conhe-cimentos e comribuies sobre a educao. Essa interao de conceitos facilita a com-preenso da prtica escolar, que est to condicionada pelo currfculo que se distribui.Da a relevncia que se h de conceder neste captulo fonnao e ao aperfeioamentodos professores, a considerao que se h de ter na configurao de uma determinadapoltica educativa, seu necessrio questionamento quando se pretende estabelecerprogramas de melhora de qualidade da educao e, enfim, para fazer progredir oconhecimento sobre o que a educao quando se realiza em situaes e contextosconcretos.

  • 30 J GimcllO Sansln

    Pedir uma teoria estruturada do currfculo, que ~, por sua vez, integradora deoutras subteorias, capaz de guiar a prtica, ~ to utpico como pedir uma conjunodos saberes pedaggIcos ~obre a educao que sejam capazes de explicar a ao e degui-Ia quando a escola desenvolve um projeto cultural com os alunos. Mas, ao mes-mo tempo, conv~m ressaltar a necessidade de alcan-Ia por esse duplo carter cen-trai que tem na explicao e na configurao da realidade cotidiana do ensino.

    No existe ensino nem processo de ensino-aprendil.3gem sem contedos de cul-tura, e estes adOlam uma forma determinada em determinado currlculo. Todo modeloou proposta de educao tem e deve tratar explicitamente o referente curricular, por-que todo modelo educatIvo ~ uma opo cultural determinada. Parece necessriotamb":, ~,ue se enfatize cada vez mais este aspecto. porque uma espcie de "pedago-gIa vazia de contedos culturais adonou-se, de alguma forma, do que se reconhececomo pensameOlo pedaggico progressista e cientfico na atualidade, muito marcadopelo domfnio que o psicologismo tem tido sobre o discurso pedaggico contempor-neo. a certo ~ que. por diferentes razes. na teorizao pedaggica dominante exis-tem mais preocupaes pelo como ensinar que pelo qu~ se deve ensinar. Se ~ evidenteque ambas as pe,:&untas devem ser questionadas simultaneamente em educao, apnmelra fica vazIa sem a segunda Um vazio que ~ ainda muito mais evidente emtoda a t~nocracia pseudocientfica que dominou e domina boa pane dos esquemaspedaggIcos. A conseqncia desta critica importante no apenas para reconsideraras linhas de investigao dominantes em educao, mas tambm, e especialmente. aformao de professores.

    A importncia para o professor reside no fato de que ~ um ponto de refernciano qual, de forma paradigmtica. podem se apreciar as relaes entre as orientaesprocedentes da teona e da realidade da prtica. entre os modelos ideais de escola e aescola possvel. entre os fins pretensamente atribudos s instituies escolares e srealidades detivas.

    Se o contedo cultural a condio lgica do ensino. muito importante anali-sar c0',ll0 esse projeto de cultura escolarizada se concretiza nas condies escolares.A realidade. cultural de um pas, sobretudo para os mais desfavorecidos, cuja princi-pal oportUnidade cultural a escolarizao obrigatria, tem muito a ver com a signi-ficao dos contedos e dos usos dos currculos escolares. A cultura geral de umpovo depende da cultura que a escola toma posslvel enquanto se est nela. assimcomo dos condicionamentos positivos e negativos que se desprendem da mesma.

    Mu.itos dos problemas que afelam o sistema educativo e muitas das preocupa-es maIs relevantes em educao tm concomitncias mais ou menos diretas e ex-plfcitas com a problemtica curricular. Atualmente, prtica um dos eixos vertebraisdo pensamento. da pesquisa e dos programas de melhora para as instituies escola-res..0 currfculo U.lll dos conceitos mais potentes, estrategicamente falando. paraanalIsar como n prtIca se sustenta e se expressa de uma forma peculiar dentro de umcontexto escolar.interesse pelo currculo segue paralelo com o interesse por conse-guir um conhecimento mais penetrante sobre a realidade escolar.

    a fracasso escolar. a desmotivao dos alunos, o tipo de relaes entre estes eos professores, a disciplina em aula. a igualdade de oportunidades, etc. so preocupa-es de contedo psicopedaggico e social que tm concomitncias com o currfculoque se oferece aos alunos e com o modo como oferecido. Quando os interesses dosalunos no encontram algum reflexo na cultura escolar, se mostram refratrios a estasob mltiplas reaOes possveis: recusa, confronto, desmotivao, fuga, etc.

    prprio conceito do que os professores consideram aprendizagens essenciaisa que devem dedicar mais tempo. que so as que formaro o objelivo bsico das

    o CUlTculo 31

    avaliaes, produto das prticas curriculares dommantes, que deixaram como sedi-mentO nos professores o esquema do que ~ para eles o "conhecimento valioso"

    Um alto ndice de fracasso escolar pode ser devido a uma exigncia inadequadaque se considera como mfnimo vivel e obrigatrio. Os programas oficiais para o ciclomdio EGB regulados em 1982 (Decreto Rea112-JI) estabelecem, por exemplo. comonvel de referncia na rea de lngua espanhola que os alunos $3lbam:

    "Ler silenciosamente e sem aniculalo labial um texto de aproximadamente 200 pala-vras. ~uado ao seu nlvel, com argumento claramente definido. Explicar ll!; idtill!;essenciais (explfcitll!; e implfcilllS) e ll!; relaes enlte elas. fazendo um resumo e respondendo a um questionArio (onlImente ou por esrito)".

    A ordem ministerial que desenvolvia, no mesmo ano, essa competncia mnimacurricular exigfvel a todas as crianas espanholas de EGO concretizava essa nonnapara o terceiro curso (Objetivo 1.6do Bloco temtico nmero I da reade Linguagemoral) em que estaS deviam saber:

    ~Ler em voz alta um texto de Iproxmtaebmenle 150 palavras com pronncia. ntmo.pausas e entonalo adequadas, a uma velocidade de aproximadamente SOpalavras porminuto".

    Estamos frente a uma exigncia ditada para ordenar o curriculo. que. supomos,teria algum apoio cientfico para ser expressa em termos to precisos, que tem reper-cusses muito amplas e que nos sugere mltiplas perguntas: As. crianas de EGB estonum nvel adequado para responder a essa exigncia? Essa exigncia realista paratodas as crianas, seja qual for seu nfvel cultural de procedncia? Com que probabili-dades de xito OS alunos com diferente situao lingstica em comunidades bilfngesenfrentaro essa forma de rendimento escolar pedido? No se marca um nfvel para, apartir dele. decidir o que ~ ou nlio fracasso escolar em lin~a~em oral? Que nor:rna dequalidade se difunde entre o professorado que deve contnbulf para se conseguir essacompetncia obrigatria a respeito das capacidades Iingsticas do aluno? Essa pecu-liaridade na forma de determinar uma exigncia condiciona muitas outras coisas.

    Pense-se na acusao muito difundida de que os programas escolares esto so-brecarregados, o que obriga a acelerar o ritmo do tratamento dos temas, imprimindo-lhes uma certa superficialidade e memorialismo, sem poder se deter para realizaratividades mais sugestivas, mas que tomariam mais lento o alcance desses mnimosestabelecidos. Uma caracterfstica do currlculo, como o desenvolvimento de seUScomponentes. pode ditar o que qualidade de aprendizagem, provocar uma aceP.omais superficial deste, distanciar a possibilidade de implantar outras metodologIasalternativas, etc.

    Outro exemplo: a relao pedaggica professor-aluno est muito condicionadapelo currfculo, que se converte em exigncia para uns e outros. No se pode entendercomo so as relaes entre alunos e professores sem ver que papis representam am-bos os participantes da relao na comunicao do saber. A relao pessoal se conta-mina da comunicao cultural- nitidamente curricular - e vice-versa. a professoreos alunos estabelecem tal relao como uma conseqncia e no como primeiro obje-tivo. mesmo que depois um discurso humanista e educativo d importncia. a essadimenso, inclusive como mediadora dos processos e resultados da aprendIzagemescolar.

    A atuao profissional dos professores est condicionada pelo papel qu~ lhes atribufdo no desenvolvimento do currlculo. A evoluo dos curriculos. a diferente

  • 32 Gimeno Socristn o Currculo 33

    ponderao de seus componentes e de seus objetivos silo tambtm propostas dereprofissionalizao dos professores. Num n[vel mais SUlil, o papel dos professoresest de alguma forma prefigurado pela margem de atuao que a politica lhe deixa e ocampo no qual se regula administrativamente o currculo, segundo os esquemas dominames na mesma. O contedo da profissionalidade docenleesl em pane decidido pelaestruturao do currculo num determinado nfvel do sistema educativo.

    Seja qual for a lemtica que abordemos., podemos enconlrar nela uma relao deinterdependncia com o currculo. Este se convene num tema no qual se entrecruzammuitos outros, em que se vem implicaes muito diversas que configuram a realidadeescolar.

    Como uma primeira sfmese, poderamos dizer:1) Que o currculo t a expresso da funo socializadora da escola.2) Que um instrumento que cria Ioda uma gama de usos, de modo que

    elemento imprescindvel para compreender o que costumamos chamar deprtica pedag6gica.

    3) Alm disso, est estreitamente relacionado com o contedo da profissio-nalizao dos docentes. O que se entende por oom professor e as funesque se pede que desenvolva dependem da variao nos contedos, final idades e mecanismos de desenvolvimento curricular.

    4) No cuniculo se entrecruzam componentes e detenninaes muito diver-sas: pedag6gicas, polticas, prticas administrativas, produtivas de diver-sos materiais, de controk sobre o sistema escolar, de inovao pedag6gi-ca, etc.

    5) Por tudo O que foi dito, o curriculo, com tudo o que implica quanto a seuscontedos e formas de desenvolv-los, um ponto central de referEncia namelhora da qualidade do ensino, na mudana das condies da prtica, noaperfeioamento dos professores, na renovao da instituio escolar emgeral e nos projetos de inovao dos centros escolares.

    AS RAZOES DE UM APARENTE DESINTERESSE

    Como campo de estudo singularizado, as anlises sobre o cuniculo no surgemcomo problemas definidos para se resolver, com uma metodologia e algumas deriva-es prticas, como ocorn: com outras reas de conhecimento e pesquisa sobre a edu-cao, mas como uma tarefa de gesto administrativa, algo que um administrador tema responsabilidade de organizar e govemar. O campo de estudo no surgiu derivadode uma necessidade intelectual, mas como algo que convinha propor e solucionarpara a administrao do sistema escolar (Pinar e Gromet, 1981). Este comentrioref~rente . orige~ da te~rizao sobre o currculo nos EUA pode se aplicar commUlto maIs propnedade amda a nosso contexto, com a peculiaridade de que a histriado estabelecimento de uma polftica e de um estilo de administrar o currculo ocorreu,em nosso caso, sob um regime poltico que mais dificilmente que em outros contex-tos podia deixar que se discutisse a partir de fora a se1eo e a forma de organizar acultura da escola.

    Em cont~st~ com a importncia deste campo de estudo e de conceitualizao,afirmando a pnondade do currculo na compreenso do ensino e da educao, cons-tata-se uma certa despreocupao de nosso pensamento pedag6gico mais pr6ximo,que lhe re~rva um lugar hoje mais para o vazio, ao mesmo tempo que vimos que se

    reproduziram e se reproduzem modelos e esquemas que provm de outros contextosque obedecem a outros pressupostos, necessidades, etc. Isto pode ter duas explica~es" qu.e, embora nllo .sejam as nlcas,consideramos Importantes: a pedagogia maisacademlca, como conjunto de conheCimentos, prl1cas e interesses, no serviu deferramenta crtica do projeto educativo que as escolas realizavam na realidade en-quan.to es~ funcio.naram e funcionam e.m tomo de um projeto de cultura muito Pou-co discutido. Anallslo e cntlc-Io eXige estabelecer um discurso crtico sobre a

    n:alid~de que.os estudos ~ 8:5 orientaes domi~antesna teoria e na pesquisa pedag6-gl~a n~o seguiram na ma~onados casos. A teonzao expressa sobre o currculo, quepnme.lramente se tradUZIU entre n6s, seguia a orientao administrativista medidaque eram instrumentos para racionalizar, com esquemas tcnicos, a gesto do cum-culo. ~ ~vimentomais significativo foi o da "gesto cientfica" apoiada no modelode objetlvos, que eclode entre n6s nos anos 70, embora viesse se formando antes.

    Em segundo lugar, e coerentemente com o anterior, o curriculo tem sido mais umcampo de decises do paUtico e do administrador, confundidos muitas vezes numa

    mes~ figura, ~ue pouco necessita~am do tcnico e do discurso te6rico para suasgestoes numa pnmelra etapa. As decises sobre o curriculo, sua prpria elaborao ereforma, se realizaram forado sistema escolar e margem dos professores. Unicamen-te, j em data mais recente, a unio do polftico-administrador e do tcnico se feznecessria, quando as fonnas dos curriculos secomplicaram e foi conveniente lhes darcerta forma tcnica, quando preciso tomar decises administrativas que necessitamde uma certa linguagem especializada, guardando delenninados requisitos e respeitan-do alguns fonnatos tcnicos. Mas nessa associao desigual nonnalmente o tcnicoquem adapta suas f6nnulas teis s exigncias do administrador. A soma desses doispapis em nosso sistema, em muitos casos, foi cumprida pela figura da inspeo.

    Quando o cuniculo uma realidade gestionada e decidida a partir da burocraciaque governa os sistemas educativos, principalmente nos casos de tomadas de deci-

    ~ centralizadas, 16gico que os esquemas de racionalizao que essa prlica gerasejam aqueles que melhor podem cumprir com as finalidades do gestor. A dificulda-de de achar uma teorizao critica, reconceitualizadora, iluminadora e coerente sobreo curriculo provm, em pane, de uma hist6ria na qual os esquemas gerados em tomodo mesmo foram instrumentos do gestor ou, para o que gestionava esse campo, ferra-

    ~ntas pragmticas mais que conceitos explicativos de uma realidade. Porque nosslste.mas escolares modernos, principalmente quando se tomou conscincia do poderque ISSO representa, o curriculo um aspecto acrescentado, e dos mais decisivos, naordenao do funcionamento desses sistemas, que cai nas mos da administrao. Noc.urrfculo se intervm como se faz em outros temas e pelo fato de sua regulao estar

    l~gada a todos os demais aspectos gestionados: nfveis educativos, professorados, va-lidaes, promoo dos alunos, etc.

    Os gestores da educao regulam os n(veis educativos, o acesso do professora-do aos mesmos, a nomeao dos professores aos postos de trabalho, os mnimos nosquais se baseia a promoo dos alunos, as validaes escolares que do os nfveis emodalidades do sistema, os controles sobre a qualidade do mesmo, etc. E, nessa medi-da, se vem compelidos a regular o currculo que sustenta a escolarizao, todo oaparato escolar e a distribuio do professorado. Nos sistemas escolares organizados,a interveno da burocracia no aparato curricular inevitvel em alguma medida, poiso currculo parte da estrutura escolar. O problema reside em analisar e contrabalan-ar os diferentes efeitos das diferentes foonas de realizar essa interveno. O legadode uma tradio no-democrtica. que alm disso tem sido fortemente centrnlizac!ora,e o escasso poder do professorado na regulao dos sistema educativo, sua prpria

  • 34 J Glmcno SacnslJ\n

    falia de fonnaAo para faze-lo, fizeram com que as decises bsicas sobre o curr{culo.sejam da competSncill da burocracia administrativa. O prprio profe.ssorado o admitecomo normal: porque esl socializado profissionalmente neste esquema Nilo perderdevlsfa tudo Isto EImportante, quando se centram nas inovaes curriculares expec-tativas de mudana para o sistema escolar.

    De ludo isso, .se deduz de fonna bem evidente que o discurso curricular lenha.sempre uma vertente polft~ca, e que a teorizao lem que ser avaliada em funo dopapel que cumpre no prpnocontexto em que se produz a prlica curricular, aprecian-do~ se desenvolve antes no papel de um discursoadaplativo, refonnisla ou de resis-tncia.

    ~ra qualquer contexlo, ~ evidenle que a complexidade do conceito e o falo dehaver Sido maiS um campo de ao dos adminisuadores e gestores da educao difi-cullaram dispor de uma ordenao coerente de conceitos e princfpios, podendo seafinnar que no possufmos uma leoria do objeto pedag6gico chamado cumculo. Maspara n~s, tem uma es~ial signifi~o, ~evido ao campo hlsl6rico e poUlico em quese ges~lOnou, 05 ~anlsmos adrrumslrallvos de regulao que herdamos, os renexosmentaiS que se acenam como pressupostos geralmente no-discutidos e os inStru-mentos de desenvolvimento curricular que uaduzem as orientaes em recursos dosprofessores.

    A ima~ridade, hi~loricamenle explicvel desde este campo de conhecimentopara n6.s, ~xI~edescobnr as condies bsicas em queessa realidade se produz, comoalgo ~nonl~o d? pomo de vista do compromisso do pensamemo com a ao e coma realidade hlstnca, antes de buscar a extrapolao de leorizaes elaboradas a partirde OUtl'OS comexlos prlicos, que tm o grande valor de nos mostrar o cammho doprogresso~anli~ terica e d~ pesquisa sobre o cumculo, mas que podem despistar_nos .e nos dlSl.anclar das condies de nossa prpria realidade. Conv~m analisar aprll~a educativa.desde a delenninao que o cumculo lem sobre ela, incorporandombitos de pesqUIsa que, sem estarem ordenados sob o rtulo de utudos curriculareslm um valor imponante para iluminar a realidade. '

    UM PRIMEIRO ESQUEMA DE EXPLICAO

    o curr(culo ~ W7lQ opo cullural, o projeto que quer tomar-se na cullura-con-tel1do do sistema educativo para um n{vel escolar ou para uma escola de fonna con-c'7ta. A anlise desse projeto, sua representatividade, descobrir os valores que o

    onema~ e. as opes impl~citas ~o mesmo, esclarecer o campo em que se desenvol-ve, condiCIOnado por rnl1ltlplos tipoS de prticas, etc. exige uma anlise cntica que opensamento pedaggico dominante tem evitado.

    Numa primei~ aproximao e concretizao do significado amplo que nos suge-re, propomos definir o cumculo como o projeto seletivo de cultura cultural socialpo{(tica e ad~inistrativamente condicionado, que preenche a ativid~de escol~r e qu;se torna real~dade de?tro das condies da escola ral como se acha configurada.Esta perspectIva nos .sltua freme a um panorama adequado para analisar em Ioda suacomplexidade a quahd~de da aprendizagem pedaggica que ocorre nas escolas, por-que se nutre dos cont~udos que compem os cumculos; mas a concretizao qualita-

    !L~a do mes~o nAo ~ mdependente dosfort1UItos que o cumculo adota nem das condi.oes nas quaiS se desenvolve. A definio que acabamos de sugerir se refere a essesIres elemenlos.

    o Currfculo 35

    Este conceito de currfculo. referencial para a ordena1l0 terica da problemticacorrespondente, nos sugere que existem tris grandes grupos de problemas ou elementos em inlel1l.o reciproca, que so os que definilivamente concrellzam a realidade curricular como cullura da escola.

    I _ A aprendizagem dos alunos nas instituies escolares est organizada emfuno de um proJetocu\tural para a escola, para um nfvel escolar ou modalidade; islo, o cumculo ~, anles de tudo, uma se/eo de contedos culturais peculiannenteorganizados, que eslo codificados deforma singular. Os contedos em si e a formaou cdigos de sua organizao, lipicamente escolares, so pane integrante do projeto.

    2 - Esse proJelO cultural se realiza dentro de detenninadas condit!s polticas,administrativas e institucionais, porque a escola~ um campo inslitucional organizadoque proporciona uma sirie de regras que ordenam a experincia que os alunos e osprofessores podem obler participando nesse projelo. As condies o modelam e sofonte por si mesmas de um cumculo paralelo ou oculto. O cumculo na prtica nolem valor a no ser em funo das condies reais nas quais se desenvolve, enquantose modela em prticas concrelas de tipo mUllo diverso. Tais condies no soirrelevantes, mas artfices da modelagem real de possibilidades que um currculo temSem notar essa concretizao particular, pouco valor pode ter qualquer proposta ideal

    3 _ Na seqUncia hislrica, esse projelo cultural, origem de todo cumculo, e asprprias condies escolares estio, por sua vez, culturalmente condicionados por umarealidade mais ampla, que vem a ser a estrutura de pressupostos, id~ias e valores queapiam,juslificam e explicam a seleo cultural, a ponderao de cOT?ponentes que serealizou, a estrutura pedag6gica subseqUente, etc. O currculo ~ seleclonado dentro deum campo social, se realiza dentro de um campo escolar e adota uma delerminadaestrutura condicionada por esquemas que so a expresso de uma cultura que pode-mos chamar psicopedag6gica, mesmo que suas razes remontem muito al6m do peda-ggico. Por trs de lodo currculo existe hoje, de forma mais ou menos explclla eimediala, umafilosofia curricufarou uma orientao le6rica que , por sua vez, sfnte-sede uma strie de posies filosficas, epislemol6gicas, cientfficas, pedaggicas e devalores sociais. Este condicionamento cultural das formas de conceber o currfculo temuma importncia delenninante na concepo prpria do que se entende por lal e nasformas de organiz-lo. J:: fonte de cdigos curriculares que se lraduzem em direlriz.espara a prtica e que acabam se renetindo nela.

    As concepes curriculares s1l0 as formas que a racionalidade ordenadora docampo lerico-prtico adota, ou seja, o currfculo. Embora a realidade prtica,medializada pela urgncia em resolver problemas prticos de ordenao do sistemaescolar, seja prvia a qualquer proposio explcila de ordem metaterica, quandodetenninados esquemas de racionaliza!io se fazem explciloS e se difundem, acabamprendendo os que fomam decises sobre o cumculo, e nessa medida se convertem eminstrumentos operativos da forma que adota e depois na prtica. Embora o currculoseja, anfes de mais nada, um problema prtico que exige ser gestionado e resolvido dealguma fonna, os esquemas de racionalidade que utiliza no so tolalmente indepen-dentes de certas orientaes de racionalidade para a ordenao desse campo problem-tico, com todas as incoerncias e contradies que queiramos.

    Assim, por exemplo, o esquema de programar a prtica docente por objelivos ~uma filosofia curricular que condiciona a prtica e pode ler conseqncias na apren-dizagem que ocorra na aula, sendo que ~, basicamente, um esquema para dotar deracionalidade tecnol6gica a prtica de gestores. J:: um cdigo para articular a prticaque atua como elemento condicionante do que se decide previamente como contel1do

  • 36 J. Girncno Sllcrisln

    Currlculoeomo "eultura~~__~d::a &Sco,;'.~"__-,

    SELEO CULTURAL O que se seteciona Como se organlza

    o Currculo 37

    A especificidade do nvel educativo do qual se trate empresta um carter pecu-liar a essas trs dimenses bsicas, que podem ser deslacada