contaÇÃo de histÓrias: um recurso alfabetizador para a educação de jovens e adultos

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JUREMA FRANCISCA FERREIRA DE SOUSA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS: Um recurso alfabetizador para a Educação de Jovens e Adultos Piraí 2016

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Page 1: CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS: Um recurso alfabetizador para a Educação de Jovens e Adultos

JUREMA FRANCISCA FERREIRA DE SOUSA

CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS:

Um recurso alfabetizador para a Educação de

Jovens e Adultos

Piraí 2016

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JUREMA FRANCISCA FERREIRA DE SOUSA

CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS:

Um recurso alfabetizador para a Educação de Jovens e Adultos

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Pedagogia do Centro de Ciências Humanas da UNIRIO, como requisito para obtenção do grau de Pedagogo. Orientador: Marcelo Chilingue

Piraí 2016

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JUREMA FRANCISCA FERREIRA DE SOUSA

CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS:

Um recurso alfabetizador para a Educação de Jovens e Adultos

Avaliado por:

__________________________________

Orientador(a)

__________________________________

Segundo(a) leitor(a)

Data da apresentação ___ / ____ / _____

Piraí 2016

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CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS:

Um recurso alfabetizador para a Educação de Jovens e Adultos

JUREMA FRANCISCA FERREIRA DE SOUSA

RESUMO

No cerne deste artigo busca-se apresentar benefícios propostos pela contação de

histórias como uma das ferramentas eficazes na alfabetização, enquanto

cooperadora na construção do sujeito que se encontra na Educação de Jovens e

Adultos. A contação de histórias surge como coadjuvante na elaboração de uma

educação libertadora, por proporcionar diante de seus temas conteúdos relevantes

no processo dialógico-reflexológico quando retrata as dificuldades vividas numa

cultura, gerando soluções voltadas para os comportamentos e decisões que

conduzem o ser humano a (re)pensar em si e/ou nos outros colaborando com eles

em parte ou num todo. Por ser antagônica ao silêncio, a contação de histórias

revela-se como um recurso pertinente ao processo da alfabetização já que conduz o

indivíduo a falar, seja para repeti-la seja para recriá-la, ainda que a critique ou a

elogie por ser um momento que (re)lembre a história de pessoas e de situações que,

muitas vezes, (re)produz na memória humana a experiência vivida por quem a conta

ou por quem a ouve. Mediante estas afirmações, além de serem citados(as)

alguns(mas) autores(as), menciona-se no escopo deste artigo o educador Paulo

Freire que foi uma das pessoas que mais argumentou, direcionou e construiu

estradas viáveis para a formação dos jovens e adultos no Brasil, acreditando na

capacidade humana em se (re)construir pela pedagogia da autonomia,

reconhecendo-se que o oprimido pode sofrer mudanças através da educação

quando a educação se conscientiza do valor que cada pessoa possui.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Contação de Histórias. Recurso Alfabetizador. Paulo Freire.

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INTRODUÇÃO

Para que esse tema fosse escolhido, fui buscar do fundo do meu coração,

em minhas lembranças infantis, a experiência que marcou positivamente minha vida

até o dia de hoje. Conheci a alfabetização através de meu falecido pai, que mesmo

sendo um homem cuja alfabetização se deu fora da escola, prontificou-se em me

alfabetizar antes que eu adentrasse por uma sala de aula.

Expor este tema é vivenciar a expectativa que foi gerada em mim, a partir

dos seis anos de idade, vendo e ouvindo meu pai a me ensinar a degustar cada

página que havia em sua estante, tanto nas literaturas estrangeiras quanto nas

brasileiras, ele amava me contar histórias sobre sua vida pessoal e de sua geração

familiar, também sentava ao meu lado por horas para me falar sobre os contos

infanto-juvenis e nunca deixava que eu ficasse um dia sequer sem tocar num livro.

Eu tive a oportunidade, mesmo morando em uma comunidade carente,

naquele momento, de ter diante de mim, uma parede repleta de livros, onde pude

viajar, sonhar, chorar, sorrir e escapar de tantas dores causadas pelo mesmo

homem que me levou a conviver entre dois mundos, o real e o imaginário.

Meu pai, registrado a princípio como “José”1, sem sobrenome, com um nome

comum, sem identidade, veio morar no Rio de Janeiro, saindo de sua terra natal,

Ubá, Minas Gerais; ao chegar aqui, precisou escolher um sobrenome, sendo

denominado, então, de José Ferreira. Nascido em 27 de janeiro de 1928, era

descendente de negros que se tornaram escravos pelas mãos dos europeus, seu

pai se chamava José Epifânio e sua mãe possuía o nome de Maria Barbara de

Jesus.

Ao completar sete anos de idade, fui levada pelos meus pais à Escola

Municipal José Pancetti, em 1973, em Realengo, RJ, chegando lá, só se podia

ingressar como aluna se fosse aprovada num teste oral. Contudo, eu possuía

gagueira2 e, ao tentar ler, minha voz embolou como se eu estivesse com um rolo de

1Colocado entre aspas, porque quando vi seu primeiro registro, o nome dele estava escrito assim:

“José”, que foi modificado por José Ferreira, sua segunda certidão de nascimento. 2Transtorno de comunicação. A gagueira é caracterizada por repetições ou prolongamentos

frequentes de sons, sílabas ou de palavras, ou por hesitações ou pausas frequentes que perturbam a fluência verbal. Só se considera como transtorno caso a intensidade de perturbação incapacite de modo marcante a fluidez da fala. http://cid10.bancodesaude.com.br/cid-10-f/f985/gagueira-tartamudez

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papel na boca, causando, deste modo, o desconforto de falar, lendo somente em

meu interior, enquanto no exterior só saíam sons inexplicáveis.

A diretora me reprovou, dizendo que eu não podia participar das aulas já que

não sabia ler e nem tampouco falar, sendo assim, fiquei um ano fora da escola.

Porém, no ano de 1974, voltamos à mesma escola e, ao realizar um novo teste de

leitura, fui novamente reprovada, ficando na antiga classe de alfabetização aos oito

anos de idade, diante disso, uma professora que se chamava Alba Regina, pediu à

diretora que me desse à oportunidade de ir para a primeira série primária.

Ao se passarem uns dois meses, minha querida professora falou que eu não

poderia ficar naquela turma, pois eu estava bem preparada tanto na leitura como na

escrita e devia ser encaminhada para uma turma de segunda série. A professora

Alba Regina levou meu caso à diretoria e fui transferida para uma nova turma.

Até os meus doze anos, li muitos livros como, por exemplo, Moby Dick, a

baleia branca; O Pequeno Polegar; Marco Polo; As Viagens de Gulliver; Os Três

Mosqueteiros; O Conde de Monte Cristo; A Moreninha; Senhora; Escrava Isaura;

Dom Casmurro; O Cortiço, entre outros. Li também um livro chamado Êxodo, da

editora Record, de Leon Uris, quando ainda era separado por dois volumes.

Tendo em vista que os livros são meus amigos, resolvi me formar em

Bacharel em Teologia; Licenciatura em Filosofia e Pedagogia; especializei-me nas

áreas de Psicanálise, Ciência da Religião e Gestão Educacional Integrada; além de

me formar, também, em Contação de Histórias. Atualmente, escrevo contos para

crianças, jovens e adultos, além de contar histórias por onde passo, nas escolas,

igrejas ou reuniões familiares, porque ao escrever sobre a Contação de Histórias é

realmente um prazer.

Ante tais afirmações, pode-se dizer que, a contação de histórias é um dos

melhores recursos alfabetizadores, principalmente para os adultos em fase de

adaptação as leituras em sala de aula, na modalidade da Educação de Jovens e

Adultos, além de contribuir para a Licenciatura em Pedagogia, por se destacar pelos

diversos gêneros literários da Língua Portuguesa Brasileira e ampliar os

conhecimentos humanos e científicos com a inserção dos valores interdisciplinares,

de diversas disciplinas, já estabelecidos no campo da Educação.

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Considerando o mínimo3 de artigos científicos publicados sobre o tema

proposto, faz-se relevante ampliar este assunto como recurso de apoio às disciplinas

que compõem a Educação de Jovens e Adultos, por ser a contação de histórias um

objeto político-social-educacional, além de uma ferramenta eficaz pluridisciplinar,

tecendo palavras, realidades e imaginações humanas. O diálogo deste artigo está

baseado numa pesquisa bibliográfica, levando-se em conta a análise das diversas

possibilidades que ocorrem entre a contação de histórias e a modalidade da

Educação de Jovens e Adultos.

Mediante este aspecto, é que se pretende estabelecer, através de

fundamentações teóricas, a contribuição da contação de histórias como coadjuvante

na vida de jovens e adultos dentro da modalidade da educação proposta nesta

pesquisa, tanto na construção de suas identidades culturais, como na inclusão

sociopolítica e digital, uma vez que o povo brasileiro ainda é visto, como um povo

que não pratica, em seu cotidiano, o hábito da leitura, tornando-se alienado em

vários momentos históricos e sociais, enquanto a globalização o obriga a evoluir

imaturamente.

Partindo da premissa de que a contação de histórias é um atributo cultural,

por existir desde os primórdios, onde famílias (re)passam suas histórias de pais para

filhos, justamente como vínculo memorial no entendimento de sua língua materna e

da construção de sua sociedade, levando-se em conta que uma família sem história

coopera para que um povo cresça sem memória.

Considerando que as experiências com os contos colaboram com a

alfabetização e aperfeiçoamento intelectual, deseja-se contribuir, sucintamente,

neste artigo científico, quanto à importância de se utilizar a contação de histórias

como um recurso inerente ao processo alfabetizador da Educação de Jovens e

Adultos, promovendo ao sujeito uma oratória eloquente, uma produção textual

adequada à norma culta, tornando-se um leitor-autor pelas páginas das referências

bibliográficas que for se apropriando ao longo de sua vida.

Num primeiro momento, dentro deste artigo científico, será apresentada a

contação de histórias e algumas de suas trajetórias consideradas pertinentes neste

diálogo acadêmico, cuja visão é a de relatar as formas como se deu a inserção e a

herança socio-histórica para a sociedade brasileira contemporânea.

3Encontrados aproximadamente seis artigos científicos que colaboram sobre o tema que trata da

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Ademais, será redigido num segundo momento a importância do educador

Paulo Freire e a formação da Educação de Jovens e Adultos que revoluciona, até

hoje, a vida de vários(as) trabalhadores(as) brasileiros(as).

Como também, se explorará uma abordagem bibliográfica relacionada à

construção da ponte que traz a contação de histórias como ferramenta apropriada à

Educação de Jovens e Adultos quanto ao desenvolvimento psicossociocultural, na

voz do(a) contador(a) de histórias ou da possibilidade de se apropriar de bibliotecas

escolares ativas, além de se construir historicamente uma cultura pelas narrações

populares de uma localidade.

1. Contação de Histórias e suas trajetórias

Inicia-se esta caminhada a procura das trajetórias da arte de contar histórias,

pois se percebe que a contação de histórias é como um baú, possuidor de diversos

gêneros literários e segredos culturais que, ao leitor é aberto para transportá-lo do

lugar de onde está para o mundo da imaginação, sem que ele se perca, ainda que

assombre quando a morte sorrateira fizer parte de um conto ou quando a felicidade,

simplesmente, delinear algum ponto.

Em meio às linhas de um texto redigido ou de uma voz que ecoa, encontra-

se o contador, que caminha em dois mundos quando narra, andando sobre uma

ponte mágica que o convida, num abrir e fechar de olhos, para a terra que ninguém

vê, entregando seu coração entre os sorrisos, as lágrimas ou as gargalhadas do

público que o aguarda repleto de emoção.

E, para que tudo isso aconteça, é preciso que a narração das histórias seja o

elo que ligue as duas pessoas mais importantes deste trajeto, pois, para se contar

histórias, não é preciso um lugar específico, mas um local em que a interação delas

aconteça naturalmente, indo e vindo sem que se enfadem os ouvintes, sem que se

esgotem os contadores, sempre pronta para as trocas das vivências tanto do público

como dos próprios autores.

A contação de histórias é uma das atividades mais antigas de que se tem notícia. Essa arte remonta à época do surgimento do homem há milhões

contação de histórias na EJA, após uma procura por várias revistas científica e sites acadêmicos.

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de anos. Contar histórias e declamar versos constituem práticas da cultura humana que antecedem o desenvolvimento da escrita (...)

4. (MATEUS et

al, 2014, p.55).

Mateus et al (2014) relata no texto A Importância da Contação de História

como Prática Educativa na Educação Infantil que a trajetória inicial da contação de

histórias surgiu a partir da existência do próprio homem, quando ele compreendeu

que a fala e a escrita eram os meios mais eficazes para se registrarem suas

vivências na terra, que se podia formar até mesmo uma canção, esclarecendo que

“por meio dela, os homens repassam costumes, tradições e valores capazes de

estimular a formação do cidadão”.

Para tais autores, a escrita das histórias de cada comunidade pré-histórica

tornou-se crucial, justamente por retratar as figuras através dos rabiscos e das

pinturas rupestres, por poder-se registrar cada espaço explorado e abandonado e

até certas guerras, entre o homem e o animal.

Indubitavelmente, a contação de histórias percorre a trajetória da Arte

Rupreste, transportando-se numa narração a partir da interpretação dos textos

imagéticos que se tornaram uma herança patrimonial para toda humanidade onde o

homem sobrevivente, pode espalhar sua mensagem em família, além de sua

experiência campestre.

Bem como surgiram os contos que personificaram o bem e o mal

distintamente, levando a contação de histórias para várias idades durante séculos,

com seus encantos, desde a infância até a idade adulta, criando-se viagens por

estradas e aldeias, por carruagens e aventuras, também dentro de uma nau.

Os contos para alguns são como um enigma para outros parecem simples

demais, todavia Bettelheim (2002) tece uma crítica analítica diante de tantas

interpretações sobre as histórias narradas, comparando-as com a construção da

personalidade humana, pontuando certas contradições destacando que,

(...) é interessante observar que, por exemplo, alguns vêm no motivo de Chapeuzinho Vermelho sendo engolida pelo lobo o tema da noite devorando o dia, da lua eclipsando o sol, do inverno substituindo as estações quentes, do deus engolindo a vítima sacrificial, e assim por diante (...)

5. (BETTELHEIM, 2002, p.13)

O autor apresenta um novo olhar para os leitores, buscando uma nova

4MATEUS, Ana do Nascimento Biluca et al. A IMPORTÂNCIA DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIA

COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Minas Gerais: PUC, 2014.

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vertente sobre o entendimento concernente a contação de histórias, levando os

leitores a refletirem que os contos dentro da Psicanálise seguem uma nova

trajetória, onde tendem a influenciar a personalidade, principalmente os contos que

surgem nos séculos XVII, que são predispostos numa unilateralidade em suas

personagens no século XVIII e que adquirem novas roupagens a partir do século

XIX, personificando, deste modo, o bem e o mal por serem atitudes distintas,

habilitando-os, em suas totalidades, em apenas uma personagem, onde o

personagem cândido nunca transgrediria e o degenerado nunca se transformaria.

Atualmente, a visão da contação de histórias segue um novo rumo, como um

intenso e largo rio de águas profundas e inesgotáveis desembocando numa

sociedade sedenta de dicotomias sentimentais, onde o bem e o mal muitas vezes se

misturam e depois se apartam, levando todos os personagens a sofrerem pressões

psíquicas derivadas das circunstâncias de seus cotidianos, demonstrando aos

leitores que as surpresas, as dificuldades e o maravilhoso estão intrinsecamente

arraigados as decisões desenvolvidas por cada personagem, revelando suas

qualidades e defeitos, fortalezas e fraquezas, dúvidas e certezas.

2. Educação de Jovens e Adultos na concepção de Paulo Freire

Assim como a contação de histórias experimentou várias trajetórias e,

certamente, ainda vivenciará novos rumos, a Educação de Jovens e Adultos

também vivenciou, ao longo do tempo, mudanças consideráveis que a levou a certas

estradas e continuará a encaminhando até que suas jornadas, perante as

sociedades que virão, sejam transformadas.

Diante deste aspecto é que Freire (1979) afirma que:

Neste sentido, é lícito dizer que o homem se cultiva e cria a cultura no ato de estabelecer relações, no ato de responder aos desafios que lhe apresenta a natureza, como também, ao mesmo tempo, de criticar, de incorporar a seu próprio ser e de traduzir por uma ação criadora a aquisição da experiência humana feita pelos homens que o rodeiam ou que o precederam

6. (FREIRE, 1979, p.21).

5BETTELHEIM, Bruno. A PSICANÁLISE DOS CONTOS DE FADAS. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

6FREIRE, Paulo. CONSCIENTIZAÇÃO: Teoria e Prática da Libertação. São Paulo: Cortez &

Moraes, 1979.

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A educação para jovens e adultos, no Brasil, surgiu no momento em que os

jesuítas estiveram com os indígenas, trazendo uma perspectiva de ensino mais

voltada para a elite. Durante sua caminhada, a educação para adultos também

alcançou os(as) negros(as) que conviviam nas casas grandes da senzala, além de,

mais tarde, surgirem os ensinamentos profissionalizantes durante o progresso

social, tanto na herança artesã quanto na transformação industrial e depois foi se

intensificando a passos curtos na estrada chamada “Democracia”.

Nem sempre, infelizmente, muitos de nós, educadoras e educadores que proclamamos uma opção democrática, temos uma prática em coerência com o nosso discurso avançado. Daí que o nosso discurso, incoerente com a nossa prática, vire puro palavreado. Daí que, muitas vezes, as nossas palavras “inflamadas”, porém contraditadas por nossa prática autoritária, entrem por um ouvido e saiam pelo outro - os ouvidos das massas populares, cansadas, neste país, do descaso e do desrespeito com que há quatrocentos e oitenta anos vêm sendo tratadas pelo arbítrio e pela arrogância dos poderosos

7. (FREIRE, 1989, p.16)

Freire (1989) escreve uma análise crítica acerca da forma como os(as)

educadores(as) alfabetizam o alunado, por impetrarem um ensino baseado no que

eles entendem, de acordo com o que aprenderam anteriormente, se esquecendo da

realidade vivida por brasileiros(as) que labutam para sobreviver.

Através da democracia surgiram várias modalidades educacionais que foram

gerando um caos social, por não conseguirem atender a demanda socio-histórica

que estava dominando o lado de fora da escola, com isso, as salas de aulas não

conseguiam sustentar muitos alunos que ingressavam na educação, ocorrendo a

terrível evasão escolar.

As cartilhas, por boas que sejam, do ponto de vista metodológico ou sociológico, não podem escapar, porém, a uma espécie de "pecado original”, enquanto são o instrumento através do qual se vão “depositando” as palavras do educador, como também seus textos, nos alfabetizandos. E por limitar-lhes o poder de expressão, de criatividade, são instrumentos domesticadores

8. (FREIRE, 1981, p.11)

O autor percebe que a deficiência no ensino promove a evasão de todos que

7FREIRE, Paulo. A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER em três artigos que se completam. São

Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989. 8FREIRE, Paulo. AÇÃO CULTURAL PARA A LIBERDADE E OUTROS ESCRITOS. Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 1981.

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se sentem excluídos de uma educação que está longe de suas vivências culturais,

como se esta educação esmagasse seus intelectos.

A evasão escolar infiltrou-se como um mal-estar social, pois, só conseguiam

estudar quem tinha uma família abastecida financeiramente ou aquelas famílias que

sofriam o rigor da miséria para que apenas um dos seus entes queridos pudesse

conquistar um lugar ao sol acadêmico.

Ante tais sofrimentos e dificuldades é que se tornou comum ter jovens e

adultos analfabetos ou semianalfabetos, durante décadas no Brasil, causando

estranheza a quem havia conseguido obter uma educação de qualidade, que

conseguia romper com o silêncio social e decidia lutar para que a nação pudesse ter

o direito a uma educação qualitativa e com acesso para todos.

Nas estradas que a Educação de Jovens e Adultos seguiu, surgiram

pessoas que se dedicaram, ao longo de suas vidas, para que a demanda social

concernente ao analfabetismo fosse suprida e, uma delas foi Paulo Freire.

É preciso insistir: este saber necessário ao professor – que ensinar não é transferir conhecimento – não apenas precisa ser apreendido por ele e pelos educandos nas suas razões de ser – ontológica, política, ética, epistemológica, pedagógica, mas também precisa de ser constantemente testemunhado, vivido

9. (FREIRE, p. 21)

Na visão deste educador, a escola deveria, como sujeito social e cultural, ser

o lugar mais apropriado para converter os sonhos dos desprivilegiados em realidade,

principalmente a modalidade da Educação de Jovens e Adultos, entretanto, sabe-se

que ela ainda está se transformando. Notadamente, Freire (1979) expõe sobre:

Uma educação que procura desenvolver a tomada de consciência e a atitude crítica, graças à qual o homem escolhe e decide, liberta-o em lugar de submetê-lo, de domesticá-lo, de adaptá-lo, como faz com muita freqüência a educação em vigor num grande número de países do mundo, educação que tende a ajustar o indivíduo à sociedade, em lugar de promove-lo em sua própria linha

10. (FREIRE, p.19).

Para inserir a escola na sociedade ou conquistar a sociedade para fazer

parte da escola é preciso que a escola transforme-se e perceba que a Educação de

Jovens e Adultos não deve ser apenas um lugar de alfabetização e de conteúdos

9FREIRE, Paulo. PEDAGOGIA DA AUTONOMIA: Saberes necessários à prática educativa. São

Paulo: Paz e Terra, 1996.

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programáticos, tornando-se um fardo; mas, um local voltado para o encontro de

pessoas que já sofreram muitos danos durante suas vidas e ganharam muitas

experiências ao longo de suas percas.

3. Contação de Histórias, um recurso alfabetizador na Educação de

Jovens e Adultos

A contação de histórias é um vínculo que gera entre as pessoas um contato

humano mais sensível no contexto social, por ser uma anfitriã acolhedora do ser

humano que se diz tímido e, norteadora do que se diz paroleiro, ela incentiva a todos

que a ouvem a buscarem novas respostas para os conflitos tratados num conto,

numa poesia ou num poema e, é por causa disso que a contação de histórias é a

arte mais antiga de que se têm registros, até porque tudo o que se faz ou o que se é

feito ocorre pelo manuseio da palavra.

Partindo da premissa que,

a leitura permite integrar o que se lê ao Eu, as experiências já vividas, instiga o leitor a expressar sua visão de mundo a partir do que ele concebe e de si mesmo. Sendo assim, o ato de ler deve ser considerado um processo interativo, no sentido de que os diversos conhecimentos do leitor interagem, a todo o momento, com os oferecidos pelo texto e/ou contexto

11.

(Ramos, 2011. p.28)

Ao se observar o poder que a palavra possui em influenciar toda população

brasileira é que se é possível imaginar o quanto se torna útil à aplicabilidade literária

na voz de quem a sabe contar, pelo fato de que o alunado que frequenta a

Educação de Jovens e Adultos pode até não ser alfabetizado ou letrado, mas sabe

ouvir e, cativar essa escuta na sala de aula gera diálogo, gerando diálogo, promove-

se a cooperação da transformação social de todos que estão presentes, levando-os

a adquirirem motivos para não desistirem de estudar.

E, como a Educação de Jovens e Adultos é formada por pessoas que se

evadiram do meio escolar, num momento em que suas idades as convidavam a

estudar, por causa de vários fatores como, por exemplo, a inserção do campo de

10

FREIRE, Paulo. CONSCIENTIZAÇÃO: Teoria e Prática da Libertação. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979. 11

RAMOS, Ana Claudia. Contação de Histórias: um Caminho para a Formação de Leitores?

Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2011. Disponível em <http://www.uel.br/pos/mestredu/images/stories/downloads/dissertacoes/2011/2011_-_RAMOS_Ana_Claudia.pdf>

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trabalho para alimentarem suas famílias ou se sustentarem nesta sociedade

capitalista, certamente, essas pessoas, se habituaram ao tédio que é consequente

da dificuldade diária de suas próprias sobrevivências.

Diante disso, é que vem a contação de histórias para resgatar a cultura

familiar trabalhando à baixa-autoestima destes ouvintes, revelando-os de que se é

possível experimentar o vinho novo, lançando ao mar do esquecimento todo odre

velho, apodrecido pelos infortúnios que os cercam.

Entretanto, vale ressaltar que, quando o(a) educador(a) não se predispõe a

buscar a contação de histórias como ferramenta de suporte técnico para suas aulas,

pode ou não atingir o objetivo de promover adultos leitores em sala de aula, caso

não consiga envolvê-los na leitura por outros métodos, corre-se o risco de excluir

essas pessoas, novamente, da escola, por não serem alimentadas pelo prazer da

leitura.

Entendemos como importante que os professores, de todos os anos escolares, (re)conheçam a pratica de narrar historias como uma pratica de leitura fundamental para a formação dos alunos enquanto leitores. Todavia e indispensável que essa importância não fique só no discurso. Ela deve ser tecida no dia a dia escolar, ano após ano

12. (Ramos, 2011. p.24)

O papel do professor-contador de histórias é relevante quando seus sonhos

educacionais são expressos ludicamente aos seus ouvintes, pela narração de

histórias, ainda que elas sejam pequenas, porém acolhedoras pela magia de uma

voz comprometida com o enredo da vida e do bem-estar geral, causando o espanto

e o maravilhoso quando o real se mistura com o imaginário, quando o sonho se

mistura com o viver diário numa concepção de mudança no caráter das pessoas que

ouvem um excelente contador de histórias.

A voz do contador de histórias ressoava na alma daqueles que ouviram os

contos, nas quais habitavam os personagens da imaginação e outros seres

fantásticos, contidos nas histórias. A voz e as palavras do contador, em

algum momento, em algum lugar do recôndito do ser, despertavam no

ouvinte um mundo novo, cheio de fantasias e emoções que ninguém, além

dele mesmo, poderia sentir, articulando-se em emoções e enredos que

12

RAMOS, Ana Claudia. Contação de Histórias: um Caminho para a Formação de Leitores? Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2011. Disponível em <http://www.uel.br/pos/mestredu/images/stories/downloads/dissertacoes/2011/2011_-_RAMOS_Ana_Claudia.pdf>

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seriam possíveis somente em sua imaginação. (DEL GROSSI, 2016, p.

16)13

.

Del Grossi afirma que a voz do contador de histórias é uma ferramenta

adequada para tocar no profundo da alma do ouvinte, desde que ela esteja

envolvida emocionalmente com a imaginação de quem conta e de quem ouve uma

excelente contação de histórias. Ao se levar em consideração que a voz do contador

de histórias é a mais perfeita engenharia na transmissão entre o conto e o ouvinte, a

autora expressa em sua tese que, ao falar, todo o corpo segue essa voz,

desenhando corporeamente toda a história para que o ouvinte a sinta como se ela

tivesse vida própria, fazendo-o ter prazer para ler toda a história que faz parte

daquele conto.

Em nível de didática, a contação de histórias produz sabores nos lábios de

um narrador, ao se integrar em sala de aula como proposta docente para atrair a

atenção dos alunos no aprendizado dos conteúdos das disciplinas, já que a

contação de histórias num nível macro abrange a pluridisciplinaridade.

A força de um narrador oral possivelmente reside na sua capacidade de

ordenar o mundo através das histórias. Sua voz, seu gesto, sua expressão

intensificam o momento vivido. Os contadores prendem a atenção de seu

público, levando-o ao mundo conhecido e desconhecido. A atuação, a

performance do contador, tem que ser de grande intensidade, com certa

essência de verdade, na qual se reflete a imagem humana inclusive com

suas imperfeições e sentimentos. (DEL GROSSI, 2016, p. 22)14

.

A autora, neste momento, expressa em sua escrita toda sensibilidade que

ela pôde desfrutar quando se entregou a sentir, em si mesma, a força que a

contação de histórias demonstra quando a arte derrama seus encantos pelo poder

das palavras. Em sua tese, ela esclarece que um contador dedicado faz o ouvinte

entrar e sair de dois mundos, o que ele conhece e se apropria e do que ele não

conhece, mas que percorre curiosamente quando é guiado pela voz do contador de

histórias a fim de descortiná-lo imaginariamente.

Del Grossi especifica em sua dissertação acerca da importância de uma

biblioteca escolar ativa, pelo incentivo de acontecer rodas de contação de histórias,

13

DEL GROSSI, Edy Simone A arte de contar histórias: o professor mediador da leitura no projeto Bibliotecas Escolares Palavras Andantes. 2014.

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para que os livros sejam inseridos nas mãos dos alunos da EJA; na visão da autora

é imprescindível que o espaço da biblioteca seja físico e não virtual como vem

acontecendo, por não se tornar atraente às pessoas que ainda estão excluídas do

mundo digital.

Ao se observar essa preocupação, deve-se pensar que os instrumentos

tecnológicos são ideais para a sociedade contemporânea, entretanto quando usados

fugazmente à tecnologia tende a afastar as pessoas não só do convívio social, mas

também do seio familiar, levando as pessoas a se isolarem, perdendo o contato

corporal, sufocando e isolando as vozes a ponto de alimentar doenças psíquicas em

quem já possui uma tendência a tê-las e adoecendo também aqueles que não as

possuem.

Atualmente, alguns docentes incluem a contação de histórias em suas

atividades escolares, ocorrendo um despertamento nas modalidades da Educação

Infantil e das séries iniciais como componente importante para o ajuntamento e

interação das pessoas em sala de aula, devido ao processo de isolamento sofrido

nesta geração que vive envolvida pelo consumismo extremo de aparelhos

tecnológicos e aplicativos ludibriantes que consomem o desenvolvimento psicológico

e muscular, causando atrofiamento em várias partes do corpo.

Existem muitas estratégias, individuais e coletivas, no trabalho com a literatura, no entanto, o uso desse recurso deve possibilitar atividades que envolvam a participação, o movimento, a musica, o riso o lúdico e a atribuição de novos sentidos, evitando-se que textos literários sejam usados como instrumentos para introduzir exercícios (cansativos e mecânicos) ou mesmo como moralizadores

15. (Ramos, 2011. p.38)

Dentro da Educação de Jovens e Adultos, a contação de histórias ainda

caminha a passos curtos, pelo fato de ocorrer certo preconceito que dita que os

adultos não gostam de ouvir histórias, principalmente as infantis. Pelo despertar

docente, hoje, se apresenta uma ruptura neste preconceito que vai se deparando

com uma nova ótica, onde alguns docentes já estabelecem uma conexão entre o

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DEL GROSSI, Edy Simone A arte de contar histórias: o professor mediador da leitura no projeto Bibliotecas Escolares Palavras Andantes. 2014. 15

RAMOS, Ana Claudia. Contação de Histórias: um Caminho para a Formação de Leitores? Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2011. Disponível em <http://www.uel.br/pos/mestredu/images/stories/downloads/dissertacoes/2011/2011_-_RAMOS_Ana_Claudia.pdf>

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ensino-aprendizado e a contação de histórias no campo literário para jovens e

adultos frequentadores da EJA.

Como fonte de aprendizagem e de desenvolvimento linguístico através da

linguagem oral, todos os envolvidos passam a trocar experiências que muitas vezes

se encontravam no anonimato, compartilham de modo saudável seus desejos, criam

novos planos e ressuscitam sonhos antes enterrados, treinando seus vocabulários,

conhecendo e reconhecendo novas palavras, aprendendo a contextualizar os

conteúdos programáticos pela liberdade literária que a contação de histórias

(re)produz.

A contação de histórias por ser uma arte que incendeia o coração do

contador, iluminando o coração de quem a ouve, perpetua na esfera da Educação,

por justamente ter sido constituída de pessoas que a elucidaram quando se

apossaram de histórias positivas ou negativas, que as levaram a se aprofundar em

pesquisas teóricas e práticas, que vem gerando a escrita de livros, artigos, teses e

revistas ao longo dos anos, cuja função é a de ampliar o saber, registrando fatos

históricos para que outras gerações sejam bem informadas.

Diante das produções teóricas realizadas por professores-pesquisadores é

que Momoly registra que,

outra atividade realizada foi a roda de contação de histórias, que teve como principal objetivo fazer com que alunos da EJA, compreendessem o estudo da História como produção de conhecimentos e contribuição na formação de sujeitos críticos. Esta atividade também foi realizada para que os alunos compreendessem que a história de um lugar, de uma cidade, de um estado, é contada e recontada a cada dia, por seus habitantes. (MOMOLY, 2012, p.12)

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Na construção de seu relatório de investigação, a autora propôs aos alunos

da EJA que realizassem pesquisas históricas, sugerindo a leitura de literaturas e

documentos para que a turma pudesse buscar informações necessárias sobre o

município de Santa Terezinha de Itaipu, região oeste do Paraná.

Além disso, pediu que eles falassem sobre suas origens e a de seus

familiares, elaborando durante toda pesquisa várias atividades, principalmente a de

contação de histórias cuja oralidade em grupo realizaria a memorização; explicaria a

historicidade da localidade e de seus moradores; e, transformaria todo o diálogo,

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MOMOLY, Teresinha Helena Hüning. MEMÓRIAS E HISTÓRIAS: um estudo de narrativas sobre moradores do município de Santa Terezinha de Itaipu-Pr.

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sobre as árvores genealógicas deles, em conteúdo para compor a veracidade de tal

projeto.

A partir desta perspectiva, transformou seus alunos em agentes ativos

envolvidos durante todo processo, já que muitos deles trabalhavam por conta

própria, se sacrificando o dia inteiro, deixando-os enfadados para experimentarem

atividades que os mantivessem inertes, contribuindo para que não evadissem da

sala de aula e se tornassem sujeitos livres, críticos e aptos no processo dialógico-

reflexológico dentro da disciplina de História.

Com base na atividade de contação de histórias, os alunos puderam fazer a análise das histórias narradas e produziram relatório sobre a atividade desenvolvida. A produção e edição do documentário das histórias contadas pelos colonizadores (primeiros moradores do município) encontram-se acervadas na biblioteca do colégio. (MOMOLY, 2012, p.14)

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É importante frisar que as localidades existentes no Brasil ainda precisam

ser descortinadas e registradas para demonstrar as futuras gerações o que cada

cidade, bairro, fazenda ou monte brasileiro quer dizer quando fazem parte da

paisagem nativa e o porquê que os homens criam novas paisagens, esclarecendo

quando e onde também se estabelecem ou se estas novas paisagens são

importantes ou não para o povo que conviverá com elas.

A autora, trabalhando com a turma da Educação de Jovens e Adultos,

conseguiu através do seu projeto socio-histórico, construir documentos, que foram

viabilizados a partir de pesquisas, encontros e parcerias que culminaram na

atividade da roda de contação de histórias, onde as pessoas que moravam na

região, desde a década de 50, foram convidadas para participarem em conjunto com

os alunos, com a equipe pedagógica e com a direção da unidade escolar,

transformando este momento numa narração prazerosa e produtiva, sobre a vida

dos primeiros moradores daquele município, realizando um registro da memória

cultural, conseguindo, desta forma, valorizar a história do local, do seu

desenvolvimento e das pessoas como atores do patrimônio regional.

Ao meditar na vida das pessoas de uma localidade, o professor-contador de

histórias pode e deve se ater a todo material que lhe for necessário, dentro da

construção de seu projeto, sem, contudo se esquecer para onde será levado através

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MOMOLY, Teresinha Helena Hüning. MEMÓRIAS E HISTÓRIAS: um estudo de narrativas sobre moradores do município de Santa Terezinha de Itaipu-Pr.

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de sua curiosidade epistemológica, porque a partir do encontro do buscar e do criar,

gerará uma contação de histórias consistente e verdadeira, do ponto de vista do

conhecimento que alcançará outras pessoas, tornando-se um coadjuvante

importante na vida de vários protagonistas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os textos abordados são, na verdade, alguns norteadores da construção

deste trabalho científico, cuja essência está interligada entre a contação de histórias

e a função dela na modalidade Educação de Jovens e Adultos.

O texto A arte de contar histórias: o professor mediador da leitura no projeto

Bibliotecas Escolares Palavras Andantes representa a voz da contação de histórias

ecoando no espaço bibliotecário ou num auditório ou num encontro social literário,

lugares que fazem a contação se sentir a vontade para a exploração da leitura

literária na Educação de Jovens e Adultos, colaborando para a pesquisa proposta

deste tema, o qualificando e o embasando diante das pesquisas de campo que a

autora vivenciou.

O texto da autora Del Grossy (2016) apresenta que a “Biblioteca Escolar

Palavra Andante” possui a propriedade de se adaptar ao ambiente que lhe convier,

principalmente, se for necessária que a contação de histórias ocorra dentro da sala

de aula pelos recursos metodológicos apresentados por ela ao grupo da EJA, a

partir desta visão sua praticidade contribui para o embasamento teórico deste

trabalho científico quando demonstra a capacidade evolutiva que um bom trabalho

retrata na vida de seus participantes.

No artigo MEMÓRIAS E HISTÓRIAS: um estudo de narrativas sobre

moradores do município de Santa Terezinha de Itaipu-Pr pode-se observar que a

leitura e a extração de seus dizeres são formas conscientes à construção cultural

das pessoas que habitam no município do oeste do Paraná, cuja historicidade faz

jus ao aperfeiçoamento da identidade social dos moradores.

O texto de Momory (2012) demonstra a importância da memória social,

cooperando, deste modo, com a tecitura deste artigo na pesquisa constante sobre a

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praticidade da contação de histórias na contextualização da pluridisciplinaridade

entre a linguagem oral, escrita e histórica.

A autora conduziu a disciplina História para dentro da sala de aula,

extraindo-a da própria localidade, quando convidou as pessoas e os alunos da EJA

para vivenciarem numa contação de histórias suas vivências regionais e familiares,

demonstrando a beleza que há num diálogo humano.

Este trabalho retratou o quanto é produtivo num saber científico o diálogo e a

reflexão gerados como produto da contação de histórias pelos adultos, no momento

em que as vozes se misturam harmonicamente, no momento em que os olhares

viajam pelo túnel do tempo na História.

Neste momento, (re)penso na capacidade que se forma quando a contação

de histórias torna-se parte dos projetos das unidades escolares em que ocorre o

ensino da Educação de Jovens e Adultos – EJA na valorização literária, esquecida e

impedida pelo fato de muitos não saberem que é ela que alimenta no âmago de uma

alma novas formas de se sonhar com um futuro diferenciado do que se tinha ou do

que se vive hoje.

Diante do texto Ação Cultural para a Liberdade e Outros Escritos de Freire

adverte sobre a concepção de uma educação bancária, que elimina as

possibilidades de um desenvolvimento psicossocial do alunado, impedindo a

curiosidade epistemológica, causando a alienação, alimentando muitos complexos

emocionais preexistentes no interior de cada sujeito envolvido.

Para que haja uma autonomia humana e promissora no desenvolvimento de

cada indivíduo nos aspectos social, histórico, cultural, político pós-sala de aula,

torna-se fundamental a mediação do(a) educador(a) que constrói em si mesmo uma

educação libertadora, guiando cada pessoa a uma metamorfose educacional que

prepare-a para ser senhor(a) de si mesmo(a) como se evidencia na leitura das

páginas do livro Pedagogia da Autonomia de Freire, onde se é possível escrever,

apagar ou reler a própria história, a partir de um ensino que exija comprometimento

com o saber escutar e o saber interpretar enquanto se ocorre uma leitura de mundo.

Não é possível gerar discípulos dominando-os, todavia é possível gerar-se

cidadãos enquanto o ato de ler e escrever torna-se contínuos, numa construção

adaptável entre escola e sociedade onde a educação adentre nos lares brasileiros

conduzindo os brasileiros as salas de aulas pelo simples prazer de se contar,

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recontar e recriar novas histórias levando-as por trajetórias, conduzindo-as pelas

estradas abertas pela Educação.

Não existe uma história sem que ela seja contada, não existe uma contação

de histórias sem seres humanos, não existe uma educação humana sem a história

contada por homens.

Ao se descortinar os contos na visão redigida no livro A Psicanálise dos

Contos de Fadas, percebe-se o quanto é importante buscar nas leituras novas

vertentes que modifiquem o entendimento causando espanto, repúdio, curiosidade,

através da analogia entre o bem e o mal como ingrediente que impeçam de

estabelecer no cerne humano uma ingenuidade destruidora ou uma malícia

devastadora, evitando-se, deste modo, rotularem-se as pessoas, excluindo-as como

se os conhecimentos científicos fossem tesouros dos príncipes e princesas,

restando para os vistos como lacaios a opressão, a manipulação ou a esmola social.

E, é por este motivo que, a contação de histórias torna-se um dos recursos

mais importantes no processo de alfabetização da modalidade da Educação de

Jovens e Adultos, para que os(as) educandos(as) se apropriem de várias histórias

que sejam constituídas de visões diferenciadas que não estejam corrompidas com

paradigmas ou conceitos enrijecidos por certezas inexistentes que impeçam de que

eles vejam, ouçam, falem, pensem e sintam a importância de se estabelecerem

como parte da sociedade cultural, histórica e política, onde suas vozes sejam

ouvidas.

REFERÊNCIAS

BETTELHEIM, Bruno. A PSICANÁLISE DOS CONTOS DE FADAS. São Paulo: Paz

e Terra, 2002.

DEL GROSSI, Edy Simone. A arte de contar histórias: o professor mediador da

leitura no projeto Bibliotecas Escolares Palavras Andantes. Londrina: UNOPAR,

2016. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Metodologias para o Ensino de

Linguagens e suas Tecnologias). Universidade Norte do Paraná.

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13/05/2016.

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FREIRE, Paulo. A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER em três artigos que se

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FREIRE, Paulo. CONSCIENTIZAÇÃO: Teoria e Prática da Libertação. São Paulo:

Cortez & Moraes, 1979.

FREIRE, Paulo. PEDAGOGIA DA AUTONOMIA: Saberes necessários à prática

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MATEUS, Ana do Nascimento Biluca; SILVA, Andréia Ferreira; PEREIRA, Elaine

Costa; SOUZA, Josiane Nascimento Ferreira de; ROCHA, Letícia Grassi Maurício

da; OLIVEIRA, Michelle Potiguara Cruz de; et al. A IMPORTÂNCIA DA CONTAÇÃO

DE HISTÓRIA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Minas

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http://periodicos.pucminas.br/index.php/pedagogiacao/article/viewFile/8477/7227

Acesso em 07/12/2016.

MOMOLY, Teresinha Helena Hüning. MEMÓRIAS E HISTÓRIAS: um estudo de

narrativas sobre moradores do município de Santa Terezinha de Itaipu-Pr.

Paraná: Escola Pública Paranaense, 2012.

Disponível em < www.diaadiaeducacao.pr.gov.br > Acesso em 14/05/2016.

RAMOS, Ana Claudia. Contação de Histórias: um Caminho para a Formação de

Leitores? Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2011.

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