construção do conhecimento na geomorfologia - brasil · representando o início do ciclo...

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Departamento de Geografia Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo Geomorfologia II Construção do Conhecimento na Geomorfologia - Brasil Prof. Dr. Fernando Nadal Junqueira Villela

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Departamento de Geografia

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Universidade de São Paulo

Geomorfologia II

Construção do Conhecimento

na Geomorfologia - Brasil

Prof. Dr. Fernando Nadal Junqueira Villela

GEOLOGIA

No Brasil, as ciências geológicas iniciaram-

se em fins do séc. XVIII, com objetivos

principalmente voltados à mineração

José Bonifácio de Andrada foi um dos

maiores mineralogistas de sua época,

descrevendo alguns minerais no Estado de

São Paulo

Com a vinda da corte portuguesa para o

Brasil, foram trazidos engenheiros de minas

que muito ajudaram a entender a geologia

brasileira: W. L. Von Eschwege, encarregado

das regiões auríferas de MG, e L. W.

Warnhagen, responsável pela reorganização

da Fábrica de Ferro de Ipanema

A. Von Humboldt, J. E. Pohl, F. Von Martius,

J. B. Spix e até mesmo Charles Darwin

também contribuíram imensamente para os

estudos da paisagem brasileira, em que se

incluem diversas observações geológicas

válidas até os dias atuais

Esta 1ª fase corresponde às grandes

expedições naturalistas no território

brasileiro, que, embora de grande valor, não

foi sistemática

Dentre as principais contribuições há os

trabalhos de Jean Louis R. Agassiz e Charles

Frederick Hartt

Ambos fizeram inúmeros levantamentos,

junto com outros autores, sobre a

constituição e estrutura geológica do país,

além de haver raciocínios sobre a evolução

das paisagens envolvidas

Foram melhor investigados o Maciço Atlântico,

as Bacias Sedimentares, o centro-oeste

brasileiro e a região nordeste

Após 1870, expedições estrangeiras financiadas

por universidades e a Comissão Geológica do

Império iniciou a 2ª fase de levantamentos

geológicos sistematizados no país; esta, embora

de duração curta (1875-1877), permitiu a

pesquisadores como Hartt, Orville Adalbert

Derby e G. Branner a produção de inúmeros

trabalhos científicos, inclusive a edição do

primeiro mapa geológico institucional brasileiro

Foram criadas posteriormente a Seção de

Geologia e Mineralogia do Museu Nacional

(1877), a Escola de Minas (Ouro Preto, 1876), a

Comissão Geográfica e Geológica da Província

de São Paulo (1886) e a Comissão de Estudos

das Minas de Carvão de Pedra do Brasil (1892),

culminando com a criação do Serviço Geológico

e Mineralógico do Brasil em 1907, retomando

pesquisa sistemática da geologia nacional e

pondo fim às chamadas Comissões

A 3ª fase de desenvolvimento dos conhecimentos

geológicos do país foi intimamente ligada ao Serviço

Geológico e Mineralógico do Brasil no séc. XX, sob o

comando de O. Derby, sucedido por Gonzaga de

Campos e depois por Euzébio Paulo de Oliveira

Na déc. de 30 houve distinção entre a pesquisa pura,

sob encargo do Serviço Geológico e Mineralógico

transformado em Divisão de Geologia e Mineralogia, e

a pesquisa aplicada, passada a Departamento Nacional

de Produção Mineral

Em São Paulo foi criado o Instituto Geográfico e

Geológico de São Paulo, além da Escola Politécnica e o

Instituto de Pesquisas Tecnológicas

Muitos trabalhos foram essenciais ao conhecimento da

ciência geológica e geologia econômica do Brasil, a

exemplo das pesquisas de Israel C. White (“Coluna

White”), John Casper Branner (“Geologia do Brasil” e a

edição do 1º mapa geológico de conjunto do território

brasileiro), Luís Flores de Moraes Rego, Alberto B.

Paes Leme, Viktor Leinz, Othon Henry Leonardos

(“Atlas Geológico do Brasil”, com Avelino I. de

Oliveira), Guilherme Florence, Chester Washburne e

outros, desde a fase da Comissões Geológicas até a

criação do Conselho Nacional do Petróleo, que

culminaria na criação da Petrobrás em 1953

Ruy O. Freitas, Sérgio Stanislaw do Amaral,

Setembrino Petri, Fernando F. M. de

Almeida, V. Fúlfaro, Kenitiro Suguio, Y.

Hasui, Rocha-Campos e muitos outros

aprofundaram os estudos nos mais variados

campos da geologia brasileira, assim como

instituições voltadas à pesquisa geológica

como o IG, IPT, DNPM, CPRM, Projeto

Radambrasil, Petrobrás, CVRD, CSN, etc

Geocronologia e Estratigrafia da

Bacia Sedimentar do Paraná

Em determinado momento do Fanerozóico,

houve a formação no continente sul-

americano de uma grande área rebaixada por

um processo de subsidência, em que o mar

invadiu a costa oeste da América do Sul (a

Cordilheira dos Andes ainda não existia)

Esta área formou uma grande calha de

acumulação, cuja deposição de sedimentos

em camadas concordantes a discordantes

deram origem às rochas sedimentares

atualmente existentes

Era a Bacia Sedimentar do Paraná,

depressão preenchida por detritos marinhos

e continentais, que testemunhou um dos

melhores registros mundiais da sequência de

eventos do supercontinente de Gondwana

A Bacia do Paraná, além do Paraguai e

Argentina, alcança os estados brasileiros do

Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná,

São Paulo e Mato Grosso do Sul

Ao longo da rodovia SC-438,

na Serra do Rio do Rastro, no

sul do Estado de Santa

Catarina, próximo à cidade de

Lauro Müller, ocorre um dos

melhores conjuntos de

afloramentos da coluna

estratigráfica da borda sudeste

da Bacia do Paraná,

representando uma das

colunas clássicas da

estratigrafia do Gondwana

mundial

Esta coluna foi descrita pela

primeira vez pelo geólogo

americano Israel C. White, em

1908, quando da publicação

do Relatório Final dos

levantamentos desenvolvidos

durante o período de 1904 a

1906, para a “Comissão de

Estudos das Minas de Carvão

de Pedra do Brazil”

“Coluna

White”

O roteiro geológico da Serra do Rio do Rastro foi cuidadosamente implantado ao

longo da rodovia SC-438, sinalizado por um conjunto de 17 marcos de concreto

com a caracterização das feições mais significativas da geologia em cada ponto,

descritas pelo CPRM

01: Zona de contato entre os folhelhos

sílticos cinzas pertencentes à

Formação Rio do Sul (R), do Grupo

Itararé, e os arenitos sigmoidais do

Membro Triunfo (T) da Formação Rio

Bonito, Grupo Guatá , representando

a progradação deltaica do Rio Bonito

sobre as fácies de prodelta do Grupo

Itararé. Ambiente: sub-aquoso (Rio do

Sul) passando a deltaico fluvial

(Triunfo). Idade: Permiano Inferior (±

250 milhões de anos)

02: Sequência de siltito argiloso

cinza, bioturbado, gradando no

topo para arenitos claros com

ondulações truncantes,

pertencentes ao Membro

Paraguaçu da Formação Rio Bonito

do Grupo Guatá, representando

ambiente marinho raso da

Formação Rio Bonito

03: Pacote de arenitos claros,

marinhos (m), bioturbados e

retrabalhados por ondas, do

Membro Paraguaçu, recobertos,

através de superfície erosiva, por

arenitos fluviais do Membro

Siderópolis (f) da Formação Rio

Bonito, Grupo Guatá. Ambiente

litorâneo que progradou sobre a

sedimentação marinha do Membro

Paraguaçu

04: Arenitos argilosos do Membro

Siderópolis, com estratificação

tangencial representando a fácies

marinha praial da Formação Rio

Bonito, Grupo Guatá. Nota-se na

porção superior do perfil parte da

“camada de Carvão Bonito”,

explotada em grande escala na

região. Esta camada de carvão

representa as

turfeiras associadas a barreiras

litorâneas

Conteúdo fossilífero da Formação Rio Bonito: restos vegetais como impressões

de plantas da flora Glossopteris e palinomorfos, encontrados nos carvões e

rochas associadas (Idade: Permiano Inferior)

05: O afloramento originalmente

associado a este ponto, com a

exposição da camada de carvão

Barro Branco, foi minerado, não

mais sendo possível portanto

observá-lo

06: Pacote de siltitos e

folhelhos arenosos, amarelados,

bioturbados, representando o

ambiente marinho raso da

Formação Palermo, Grupo

Guatá, transgressivos sobre a

Formação Rio Bonito. Ambiente

marinho transgressivo, sob

influência de ondas e marés, que

cobrem o ambiente deltaico

lagunar da Formação Rio Bonito

Conteúdo fossilífero da Formação Palermo: troncos fósseis silicificados

Dadoxilon e palinomorfos

07: Folhelhos escuros,

betuminosos, da Formação Irati

- Membro Assistência, do

Grupo Passa Dois,

representando ambiente

subaquoso restrito, de águas

calmas (lagunar?), abaixo do

nível da ação das ondas. Idade:

Permiano Superior

08: Contato por falha entre

arenitos e siltitos (com mergulho

contra a falha) da Formação

Teresina (?) e folhelhos

escuros (horizontais) da

Formação Serra Alta. Formação

Teresina indica ambiente marinho

de águas rasas e agitadas,

dominado por ondas e ação das

marés

Conteúdo fossilífero da Formação Irati – Membro Assistência: répteis Mesosaurus

brasiliensis e Stereosternum tumidum, além de restos vegetais, peixes,

crustáceos e palinomorfos

09: Espessa sequência de folhelhos e

siltitos cinza-escuros com laminação

plano-paralela, com

esparsas concreções calcáreas, da

Formação Serra Alta, Grupo Passa Dois,

representando, à semelhança da

Formação Irati, uma deposição em

ambiente de águas calmas abaixo do nível

das ondas

10: Zona de contato transicional entre os

folhelhos e siltitos violáceos com concreções

calcáreas da Formação Teresina (T), Grupo

Passa Dois, e arenitos avermelhados do

Membro Morro Pelado da Formação Rio do

Rasto (RR), Grupo Passa Dois,

representando o início do ciclo progradante da

bacia sedimentar. Deposição da Formação Rio

do Rasto atribuída inicialmente a um ambiente

marinho raso que transiciona para depósitos

de planície costeira (Membro Serrinha) e

passa posteriormente à implantação de uma

sedimentação flúvio-deltaica (Membro Morro

Pelado). Idade: Permiano Superior – Triássico

Inferior

Conteúdo fossilífero da Formação Serra Alta: restos de peixes, pelecípodes,

conchostráceos e palinomorfos

Conteúdo fossilífero da Formação Teresina: restos de plantas, lamelibrânquios e

palinomorfos

Conteúdo fossilífero da Formação Rio do Rasto: restos de plantas, pelecípodes,

conchostráceos, palinomorfos, anfíbio Labirintodonte e rincossauros como

Scaphonix fischeri (primeiro vertebrado descrito para o Mesozóico brasileiro e o

primeiro réptil Triássico descrito para a América do Sul) e Scaphonix

sulcognathus

11 e 12: Sequência de folhelhos

cinza-escuros, intercalados com

espessas camadas de arenitos,

Membro Serrinha, Formação Rio

do Rasto, Grupo Passa Dois,

representando a progradação

dos lobos sigmoidais sobre os

depósitos argilosos

13: Lobos sigmoidais

representados por bancos de

arenitos do Membro Morro Pelado,

no topo, progradando sobre siltitos

argilosos, na base, pertencentes

ao Membro Serrinha, Formação

Rio do Rasto, Grupo Passa Dois

14 e 15: Contato aplainado, ao nível da

estrada, entre a Formação Botucatu

(escarpa) e o Membro Morro Pelado da

Formação Rio do Rasto. Condições

climáticas gradativamente mais áridas.

Idade Jurássico-Cretácea. Aqüífero

Guarani.

16: Arenitos com estratificação

cruzada acanalada de grande porte

da Formação Botucatu,

Grupo São Bento, representando a

implantação de um amplo ambiente

desértico na Bacia. Contato entre os

arenitos eólicos da Formação Botucatu

e as rochas vulcânicas básicas da

Formação Serra Geral, ambas

pertencentes ao Grupo São Bento.

Sucessão de derrames de lavas,

correspondendo ao encerramento da

evolução gonduânica da Bacia do

Paraná

17: Afloramento de rochas

vulcânicas básicas da Formação

Serra Geral, Grupo São Bento

Os estudos da Coluna White ajudaram a entender a história

geológica do Estado de São Paulo

Geologia do Estado de São Paulo

Fonte: M. C. Toledo – Instituto de Geociências

A Geologia do Estado de São Paulo pode ser dividida em

duas áreas distintas:

Embasamento cristalino: ocorre na região litorânea,

Serra da Mantiqueira, Vale do Ribeira e arredores de São

Paulo, formado por rochas de idade pré-cambriana, de

origem metamórfica e magmática

Região centro-oeste: interior do Estado formado

predominantemente por rochas sedimentares e

secundariamente por rochas magmáticas extrusivas e

subvulcânicas

Estudos geocronológicos e estratigráficos indicam que a porção

mais antiga do território paulista é representada pelas rochas

ígneas e metamórficas na porção sudeste. Tais rochas,

agrupadas em unidades denominadas de Complexos Cristalinos

ou Complexos Ígneos e Metamórficos, apresentam idades

superiores a 570 milhões de anos, isto é, são rochas pré-

cambrianas que se formaram em condições severas de pressão e

temperatura e não possuem conteúdo fossilífero conhecido

Já as rochas sedimentares no

Estado apresentam

assembléias fossilíferas de

ambientes marinhos e fluviais

durante as deposições da

Bacia do Paraná

As rochas sedimentares mais

antigas, excluídas as

metassedimentares, são

arenitos esbranquiçados

afossilíferos e folhelhos

escuros ricos em fósseis,

constituindo respectivamente,

as formações Furnas e Ponta

Grossa, integrantes do

chamado Grupo Paraná. São

sedimentos de origem

marinha e sua idade é

devoniana (cerca de 400

milhões de anos)

Concomitante à invasão do

mar durante os períodos

Carbonífero e Permiano

(entre 350 e 260 milhões de

anos atrás) ocorreu uma

grande glaciação no

hemisfério Sul que, como

subproduto, produziu rochas

de origem glacial na Bacia do

Paraná. As rochas deste

período, incluindo tilitos,

diamictitos, alguns arenitos,

varvitos e folhelhos,

compõem o denominado

Grupo Tubarão. Os “varvitos

de Itu” datam desse período

Após a glaciação houve o recuo

do mar e o ambiente de bacia

transformou-se gradualmente em

continental. A fase transicional, de

planície de maré, é representada

por folhelhos e calcários clásticos

com fósseis da Formação Irati. A

fase seguinte, já com maior

influência continental, é

representada por folhelhos, siltitos,

argilitos e calcários de origem

fluvial denominados Formação

Estrada Nova ou Corumbataí.

Sobre elas depositaram-se arenitos

e folhelhos de origem continental

constituindo a Formação Rio do

Rastro. Estas formações compõem

o Grupo Passa Dois de idade

permiana (260 a 230 milhões de

anos)

A tendência à

continentalidade

acentuou-se com a

formação de grandes

espessuras de arenitos de

origem fluvial/eólica (Fm.

Pirambóia) e

posteriormente desértica

(Fm. Botucatu). Nesta

época (cerca de 200 a 230

milhões de anos) deve ter

tido início a abertura do

Oceano Atlântico com a

separação da América do

Sul e África. A violência do

fenômeno produziu

grandes fendas (rifts) na

superfície dos continentes

por onde houve ascensão

de magmas basálticos

Os grandes derrames de

basalto e diques e sills de

diabásio assim formados

na Bacia do Paraná

recebem o nome de

Formação Serra Geral.

Juntamente com as duas

anteriores, esta unidade

faz parte do Grupo São

Bento

Após a grande

perturbação tectônica,

nova calmaria voltou a se

instalar na região,

propiciando a deposição

de arenitos continentais

do Grupo Bauru (Cretáceo,

cerca de 135 milhões de

anos)

Ainda como

decorrência dos

processos tectônicos

relacionados à abertura

do Atlântico, instalaram-

se ao largo da costa

brasileira outras

importantes bacias

sedimentares que foram

sendo gradativamente

submersas. Atualmente,

acumulam-se nessas

bacias grandes

espessuras de

sedimentos (até 11 km

na Bacia de Santos) e

nelas se localizam as

maiores jazidas de

petróleo conhecidas no

país (Bacia de Campos e

Bacia de Tupi)

Paralelamente, a área

continental adjacente

foi soerguida

(formando-se assim a

Serra do Mar), e nela se

instalaram algumas

bacias alongadas

menores, em

depressões originadas

por falhas de

abatimento, orientadas

em direção paralela à

faixa litorânea: as

Bacias de Taubaté e de

São Paulo, que foram

sendo preenchidas por

sedimentos clásticos

variados, originando

arenitos, siltitos,

argilitos e folhelhos

Mais recentes são os sedimentos do cordão litorâneo (áreas submersas

ou praias, lagunas etc.), bem como as pequenas bacias aluvionares que

se formam ao longo do curso dos rios. Em ambos os casos a deposição

dos sedimentos é recente, com idades máximas da ordem de algumas

centenas ou dezenas de milhares de anos

GEOMORFOLOGIA

No Brasil, as primeiras observações

geomorfológicas são oriundas de uma fase

predecessora em que se destacam trabalhos

desde a primeira metade do século XIX até a

época das Comissões Geológicas, havendo

maior sistemática somente após 1910

A mais importante síntese que documenta os

conhecimentos sobre o relevo brasileiro

nesta 1ª fase encontra-se nos escritos de O.

A. Derby, inseridos na “Geographia do

Império do Brasil” (edição portuguesa)

Assim, há associação direta com a produção

geológica do mesmo período, sem haver

levantamentos geomorfológicos

propriamente ditos

Inaugurando a 2ª fase, de cunho

geográfico e geológico, Miguel Arrojado

Ribeiro Lisboa publicou trabalho sobre o

oeste paulista e o sul do Mato Grosso

(1909) e Roderic Crandall divulgou

pesquisas realizadas no nordeste (1910)

No entanto, somente na década de 30 é

que haveriam publicações essencialmente

geomorfológicas, a exemplo das

observações sobre a gênese do relevo do

Estado de São Paulo de Luiz Flores de

Moraes Rego (“Notas sobre a

geomorfologia de São Paulo e sua

gênese”). Este interpretou em escala

regional o relevo paulista como produto

da interação de processos de

peneplanação e de epirogênese, fato que

destacou o papel da drenagem regional na

macro compartimentação geomorfológica

do Estado de São Paulo, como é

conhecida até os dias atuais

No entanto, estes trabalhos eram ainda dominados pelo paradigma do “Ciclo

Geográfico” de William Morris Davis

As pesquisas apresentavam perfis, cortes e sucessões geológicas, com croquis e

pequenos levantamentos de campo, com grande importância para a geomorfologia

estrutural do território brasileiro

R. Maack, P. Denis, P. Deffontaines, A. Du Toit, S. Passarge, C. Washburne e J. C.

Branner figuram entre as pesquisas de autores estrangeiros, enquanto que as

contribuições brasileiras podem ser citadas pelos trabalhos de Teodoro Sampaio (a

exemplo de sua participação no “Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do

Brasil”, de 1922), E. Backheuser, Euzébio de Oliveira, A. B. Paes Leme, Alberto R.

Lamego, O. H. Leonardos e Delgado de Carvalho (“Fisiografia do Brasil”, de 1923)

A 3ª fase de estudos geomorfológicos no país somente se processou após a criação

das primeiras faculdades de filosofia e após a fundação do Conselho Nacional de

Geografia, mais tarde culminando na criação do IBGE

Esta fase se iniciou com a publicação do famoso artigo de Emmanuel De Martonne

(1940) a respeito dos “problemas morfológicos do Brasil tropical atlântico”, tendo-se

desenvolvido também pelas atividades de Francis Ruellan, Fábio Macedo Soares

Guimarães e Aroldo de Azevedo

A esta fase também estão associados brasileiros como Fernando Flávio Marques de

Almeida, João Dias da Silveira (1ª tese de doutoramento em geomorfologia, intitulada

“Estudo geomorfológico dos contrafortes ocidentais da Mantiqueira”), Orlando

Valverde, Ruy Osório de Freitas, Alfredo José Porto Domingues, João José Bigarella,

Aziz Nacib Ab’Sáber, Antônio Teixeira Guerra, Pedro Pinchas Geiger, Hilgard O’Reilly

Stenberg, Elina de Oliveira Santos, Victor Antônio Peluso Júnior, Gilberto Osório de

Andrade, Manuel Correia de Andrade, Carlos de Castro Botelho e outros com estudos

já anteriores, como Octavio Barbosa

É importante citar também os trabalhos de Preston E. James, John L. Rich e,

sobretudo, Pierre Monbeig

Em 1956, foi realizado o XVIII Congresso Internacional de Geografia no Rio de Janeiro,

em que realizaram-se intensas observações sobre o relevo brasileiro por Jean Dresch,

Jean Tricart, Pierret Birot, André Cailleux, Carl Troll, René Raynal, Max Derruau,

Jacqueline Beaujeau-Garnier, Paul Fénelon, André Journaux, Paul Macar, P.

Mortensen, James Lester King, I. P. Guerasimov e outros

O mais notável conjunto de observações publicado deve-se ao pesquisador francês

Jean Tricart, que fomentou inclusive estudos geomorfológicos na Universidade da

Bahia (com Milton Santos, Nilda Guerra de Macedo e Tereza Cardozo da Silva, do

Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais)

Vitte, 2011

Na déc. de 50 os trabalhos geomorfológicos viriam pôr em cheque o paradigma

davisiano, enfrentando obstáculos em oposição à geologia, mais avançada em termos

de conhecimento do território, e pelas referências de modelos teóricos guiados por

pesquisas estrangeiras, incompatíveis com a realidade tropical brasileira, que

acabavam por não propiciar avanços significativos sobre a gênese do relevo nacional

Assim, estudos regionais com preocupações genéticas foram desenvolvidos por

Almeida e Ab’Sáber, com influência das reflexões de Lester King e Von Engeln, que

assimilou a obra de Walther Penck (1924) em seus trabalhos

Já antes da déc. de 1960, as pesquisas de

Jean Tricart chamaram a atenção para a

descoberta dos materiais das formas de

relevo e seu significado paleoclimático, a

exemplo da publicação “Divisão

morfoclimática do Brasil Atlântico

Central”, em 1959

Isto influenciou de forma definitiva as

pesquisas geomorfológicas no Brasil, com

marcante desenvolvimento da

geomorfologia climática

Outro fato marcante para a consolidação

da geomorfologia brasileira foi a vinda de

Lester King ao Brasil, a convite do IBGE.

Este publicou artigo em 1956 intitulado

“Problemas geomorfológicos do Brasil

Oriental”, que forneceu elementos para as

suas teorias da pedimentação e da

pediplanação demonstradas em livro de

1967, que influenciaram grandemente as

pesquisas geomorfológicas no Brasil

Somam-se às concepções morfoclimáticas

os estudos associados à Biogeografia,

especialmente no tocante ao Quaternário

Os diversos biomas do país possuem

relação intrínseca com os substratos

rochosos, as formas de relevo e os climas

dominantes. As barreiras geográficas

produziriam mosaicos completamente

diferenciados no território nacional quanto

à fauna e à flora, fazendo com que imensas

peculiaridades paisagísticas apontassem

caracterizações regionais diversas

Exemplos desta linha de pensamento são

os trabalhos de Erhart (1956), em relação à

teoria bio-resistásica, as pesquisas de

Haffer (1969), sobre pássaros na Amazônia

e menção aos refúgios como exemplo de

especiação, as inúmeras pesquisas

realizadas por Paulo Emílio Vanzolini no

campo da Biogeografia e os trabalhos de

João José Bigarella sobre as flutuações

climáticas e os significados

geomorfológicos envolvidos

Nesse sentido pesquisavam-se materiais que

recobrem a parte emersa da crosta,

provenientes da alteração das rochas por

intemperismo (físico, químico, biológico) e

que podiam ter sido remanejadas e/ou

retrabalhadas sobre a superfície – as

formações superficiais

Estas testemunhariam processos

pedogenéticos e morfogenéticos

responsáveis pela evolução e dinâmica da

superfície terrestre, indicando a autoctonia ou

aloctonia dos materiais, que por outro lado

apontavam processos pedogenéticos e

morfogenéticos responsáveis pela evolução e

dinâmica da superfície terrestre (balanço

morfogênese-pedogênese)

A evolução da superfície ao menos desde o

Terciário Superior se daria entre a oscilação

de períodos úmidos, de biostasia, em que

predominaria o entalhamento da drenagem e a

pedogênese, e períodos secos, de resistasia,

predominando a atuação da morfogênese e o

aparecimento de paleopavimentos detríticos

Desta maneira, haviam considerações sobre a compartimentação do

relevo, gênese e composição dos materiais, influência da estrutura e

composição da geologia e preocupações com a sucessão

fitogeográfica; seriam agregadas mais tarde relações estratigráficas,

paleontológicas, geoquímicas, pedológicas e biológicas no

entendimento da gênese e evolução do relevo

Um marco conceitual pode ser destacado em 1969: o clássico artigo de

Ab’Sáber “Um conceito de geomorfologia a serviço das pesquisas sobre

o Quaternário”, considerando a análise do relevo em três níveis que

interagem mutuamente (compartimentação topográfica, estrutura

superficial e fisiologia da paisagem)

Tal concepção voltou-se à evolução das formas ocorrida durante o

Quaternário e pressupõe uma análise fisiológica da paisagem, em que

observa-se, ao longo da sucessão temporal, a atuação dos fatos

climáticos não-habituais, a ocorrência de processos espasmódicos, a

hidrodinâmica da área e os processos biogênicos e químicos inter-

relacionados

A produção de dissertações e teses também marca a solidificação de linhas

de pesquisa em geomorfologia, cujas interpretações remetem aos estudos

do Quaternário:

• Antônio Christofoletti (1968): “A geomorfologia de Campinas”

• Margarida Penteado (1969): “Geomorfologia do setor centro-ocidental da

Depressão Periférica Paulista”

• May Christine Modenesi (1971): “Contribuição à Geomorfologia da

Região de Itu-Salto”

• Lylian Coltrinari (1974): “Contribuição à geomorfologia da região de

Guaratinguetá-Aparecida”

• Olga Cruz (1974): “A Serra do Mar e o litoral na área de

Caraguatatuba/SP”

• May Christine Modenesi (1984): “Significado dos depósitos correlativos

quaternários em Campos do Jordão: implicações paleoclimáticas e

paleoecológicas”

• Archimedes Perez Filho (1987): “Relações solo-relevo na porção centro-

oriental do Estado de São Paulo”

A tese de livre docência de Aziz Ab’Sáber (“O papel das regiões de

circundesnudação na compartimentação do relevo brasileiro”), de 1969,

marca o papel das depressões periféricas na macrocompartimentação do

relevo brasileiro, apontando o modelo bio-resistásico e a tectônica terciária

no escalonamento dos aplainamentos

As produções em conjunto e individuais de Ab’Sáber, João José Bigarella,

Maria Regina Mousinho de Meis, Jorge Xavier da Silva e outros também

demonstram a construção do paradigma da geomorfologia climática

brasileira

Figuram associações do relevo a estudos morfoestratigráficos e

paleoclimáticos, envolvendo alternância de períodos mais secos, de

aplainamento da superfície e abertura de vales, e períodos mais úmidos, de

incisão fluvial, com tempos de marcada estabilidade das vertentes e

desenvolvimento de solos, em contraposição aos depósitos correlativos

formados em tempos de maior predominância da morfogênese

Além disso, há um entendimento cronológico da elaboração das superfícies

em pedimentos e pediplanos

Também entram nestes trabalhos a

conceituação do termo colúvio (material

transportado por gravidade), pois este

na opinião de alguns seria mais

adequado para explicar a gênese de

pavimentos (detríticos) sobre as

superfícies

São exemplos de trabalhos sobre o

complexo de rampas de colúvio aqueles

realizados por Maria R. Mousinho de

Meis, Josilda Rodrigues e Ana Luiza

Coelho Netto

Contudo, embora com interpretações

diferentes, ainda se seguia o modelo

bio-resistásico na evolução do relevo, o

que levou pesquisadores como José

Pereira de Queiroz Neto a questionar as

proposições de Ab’Sáber e Bigarella, a

exemplo de sua tese defendida em 1969

(“Interpretação dos solos da Serra de

Santana para fins de classificação”).

Esta propunha, pela análise estrutural

da cobertura pedológica, importante

papel da erosão biogeoquímica e

pedogênese na escultura do modelado

Vitte, 2011

Na década de 70, a concepção sistêmica na Geografia enunciada por G.

Bertrand e desenvolvida no Brasil por professores como Carlos Augusto

de Figueiredo Monteiro atrelaram as pesquisas e a cartografia

geomorfológica ao entendimento de unidades de paisagem, assim como

conceitos de zona, domínio e região ligados ao caráter morfoclimático

Além disso, durante o governo militar vigente os levantamentos

geomorfológicos foram adequados à exploração dos recursos naturais e

potencialização das regiões do território nacional no Projeto

Radambrasil

A temática ambiental também influi na Geomorfologia, a exemplo da

problematização do papel da ciência nas alterações ambientais

promovidas pela sociedade moderna (a exemplo do que foi discutido na

Conferência de Estocolmo-1972)

Produções de caráter agronômico-ambiental, como “La Eco-Geografia y

La Ordenación del Medio Natural”, de J. Tricart e J. Kilian, e

“Ecodinâmica”, de J. Tricart, são exemplos de trabalhos que nortearam

pesquisas brasileiras voltadas à conservação e geomorfologia aplicada

A partir de então, a especialização e o

desenvolvimento tecnológico marcarão

um descompasso entre as concepções

na gênese e evolução do modelado de

relevo, sobretudo em sua

espacialização, havendo resultados

mais voltados ao viés teórico-

metodológico e outros de caráter mais

pragmático

Pode-se também destacar teses como o

“Estudo e Cartografia Geomorfológica

da Província Serrana – MT”, de Jurandyr

L. S. Ross (1987), “Trajetória da

natureza: um estudo geomorfológico

dos areais de Guaraí/RS”, de Dirce A.

Suertegaray (1988), “Sistemas de

transformação pedológica em Marília,

SP: B latossólicos e B texturais”, de

Selma S. de Castro (1990), “O papel da

erosão geoquímica na evolução do

modelado da Bacia de Taubaté –SP”, de

Heloísa F. Filizola (1993) e

“Etchplanação em Juquiá (SP)”, de

Antônio C. Vitte (1998), entre muitas

outras

MAPA GEOMORFOLÓGICO DO

ESTADO DE SÃO PAULO

ROSS & MOROZ - 1997 1:500.000

Atualmente, as questões ambientais norteiam a produção

geomorfológica nacional

Há incorporação de técnicas mais avançadas no estudo da gênese e

evolução do modelado, de caráter multi e interdisciplinar (a exemplo das

técnicas de sensoriamento remoto, datações absolutas e relativas,

verificações de assinaturas geoquímicas, interações pedo-

geomorfológicas, etc)

As explicações mais voltadas à gênese das superfícies ainda utilizam o

paradigma da pediplanação, embora haja incorporação da influência da

estrutura geológica e do paradigma da neotectônica

As alterações antrópicas no modelado de relevo, sobretudo nas áreas

urbanas, ainda carecem de aplicação na aproximação e aparato teórico-

metodológico desenvolvidos na geomorfologia brasileira, cujos

trabalhos pioneiros não foram incorporados às políticas públicas

vigentes