constant, benjamin. escritos de política - capítulos 4 a 14

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  • 8/18/2019 CONSTANT, Benjamin. Escritos de Política - Capítulos 4 a 14

    1/44

    Escritos de política

    Benjamin Constant

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  • 8/18/2019 CONSTANT, Benjamin. Escritos de Política - Capítulos 4 a 14

    2/44

    ES RITOS

    DE POLÍTI

    enjamin onstant

    Tradução

    EDUARDO BRANDÃO

    Edição, introdução e notas

    CÉLLA N GALVÃO QUlRINO

      artin s on tes

    São Paulo 2005

    I

    I

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  • 8/18/2019 CONSTANT, Benjamin. Escritos de Política - Capítulos 4 a 14

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    _Títulos dos originais franceses: PR1NClPES DE POLlTlQUE e

    REFLEXIONS SUR LES CONSTlTUTlONS ET lES GARANTIES.

    Copyright © 2005, Livraria Marfins Fontes Editora LIda

    São Paulo, para a presente edição. '

     

    edição

    2005

    Tradução

    EDUARDO BRANDÃO

    Acompanhamento editorial

    Luzia Aparecida dos Santos

    Revisões gráficas

    Ana Maria de

    O. M.

    Barbosa

    Letic ia Castelo Branco BrQ/H1

    Sanara Garcia Cortes

    Dínarte Zorzanelli da Silva

    Produção gráfica

    Gemido Alues

    Paginação

    Moacir Katsumi tvíntsusaki

    Dados lntcmacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

  • 8/18/2019 CONSTANT, Benjamin. Escritos de Política - Capítulos 4 a 14

    4/44

    I

    XII. Do poder municipal, das autoridades locais e de

    um novo gênero de federalismo 102

    XIII. Do direito de paz e de guerra : 108

    XT V 

    Da organização da força armada em um Estado

    constitucional 110

    xv.

    Da i~violabilidade das propriedades 116

    XVI. Da l~berdade de imprensa 131

    XVII. Da liberdade religiosa 134

    XVIII. Da liberdade individual.. 153

    XIX. Das garantias judiciárias 161

    XX. Ultimas considerações 169

    Notas

     

    173

    REFLEXÕES SOBRE AS CONSTITUIÇÕES

    EAS GARANTIAS

    Advertência do autor

     

    :: ~~~~~lcia .

    o .

    193

    195

    197

    I. Dos poderes constitucionais 203

    Il. Das prerrogativas reais ::::::::::::::::::: 208

    III. Do poder executivo ou dos ministros 221

    TV

    Do poder representativo :::::::::::::::::::226

    v.

    Do poder judiciário ········· ·· ····· ··· ··· ·· ·· ·· ···· ····· 265

    VI. Da força armada

    VII. Dos direitos políti~~~·:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::·274

    VIII. Dos direitos individuais . 281

    IX. Do que não é constituci~~~i·:::::::::::::::::::::::::::::::::: ~~~

    Notas

     

    303

    I

    I

    I

    Introdução

     Não se lêem mais os escritos políticos de Benjamin

    Constant.  Assim, em 1980, Marcel Gauchet inicia o seu

    prefácio a uma seleção das obras políticas desse autor'. No

    Brasil, pouquíssimos dos textos políticos de Constant foram

    traduzidos, embora por ocasião da Independência a leitura

    dos

    Princípios de política

    tenha sido muito difundida .

    Mas esse esquecimento, essa falta de publicação das

    obras políticas ocorreu também nos países de língua ingle-

    sa. Biancamaria Fontana, ao traduzir e editar uma seleção dos

    escritos políticos de Constant, em 1988, comenta, com sur-

    presa, ser essa a primeira tradução e publicação nessa lín-

    gua'. Tzvetan Todorov, em sua obra sobre Constant, declara

    espantado:  Como é possível, na história das letras france-

    sas, que Benjamin Constant não ocupe o lugar que lhe per-

    1. Gauchet, M. Benjamin Constant - Écrits politiques, Paris, Gallimard,

    1997.

    2. Os Princípios de política de Benjamin Constant foram pela primeira

    vez, e ao que parece última, traduzidos e publicados em um jornal do Riode

    Janeiro, O Regulador Brasileiro. O periódico teve vida breve, saiu apenas de ou-

    tubro de 1822 a março de 1823. O jornal era semanal e a publicação da obra de

    Constant, em capítulos, ocorreu apenas no mês de novembro de 1822. (Verin-

    formação mais detalhada nos vários trabalhos e mais recentes teses acadêmi-

    cas sobre o poder moderador.)

    3.Fontana, B.

    Benjamin Constant Politica l Writings,

    Cambridge, Cambrid-

    ge University Press, 1988.

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    Capítulo IV

    De uma assembléia

    heredit ária:

    e da

    necessidade de não limitar

    o

    número

    de seus membros

    Numa monarquia hereditária, a hereditariedade de

    uma classe é indispensáveL É impossível conceber como,

    num país em que toda distinção de nascimento fosse rejei-

    tada, esse privilégio seria consagrado para a transmissão

    mais importante, a da função que concerne mais essencial-

    mente à tranqüilidade pública e à vida dos cidadãos. Para

    que o governo de um só subsista sem classe hereditária, tem

    de ser um puro despotismo. Tudo pode funcionar por certo

    tempo sob o despotismo, que não é mais que a força. Mas

    tudo o que se mantém pelo despotismo corre riscos, isto

    é,

    está ameaçado de ser derrubado. Os elementos do governo

    de um só, sem classe hereditária, são: um homem que co-

    manda, soldados que executam, um povo que obedece. Para

    proporcionar outros apoios à monarquia, é necessário um

    corpo intermediário: Montesquieu o exige, inclusive na mo-

    narquia eletiva . Onde quer que você coloque um só ho-

    mem em tal grau de elevação, se se quiser dispensá

    -10

    de

    estar sempre com a espada na mão, ter-se-a de rodeá-Io de

    outros homens que tenham um interesse a defender. A ex-

    periência concorre aqui com o raciocínio. Os publicistas de

    todos os partidos haviam previsto, já em 1791, o resultado

     

    Benjamin Constant tornou várias vezes a essa questão da hereditarie-

    dade do senado ou dos pares, sem se dissimular que a opinião pública estava

    contra ele. (E.L.)

     

    PRINC PIOS

    DE

    POLfTlCA

    da abolição da nobreza na França, embora a nobreza não

    fosse revestida de nenhuma prerrogativa política, e nenhum

    inglês acreditaria um só instante na estabilida,de, da monar-

    quia inglesa se a Câmara dos Pares fosse supr~mI~a,

    A

    Os que disputam a hereditariedade na pnmelra camar~

    acaso gostariam de deixar subsistir a nobreza ao la?o e ,a

    parte dessa primeira câmara e dar soment: ~ :sta carater_Vl-

    talício? Mas o que seria uma nobreza hereditana sem f1:nç~es,

    ao lado de uma magistratura vitalícia revestida de funçoes Im-

    portantes? Era assim a nobreza, na ~ranç~, nos últin:os anos

    que precederam a Revolução, e fOIpre~Isamente ISSOque

    preparou sua perda, Não se via nela mais q,ue uma d~cora-

    ção brilhante, porém sem finalidade precisa: agradavel_ a

    seus possuidores, ligeiramente humilhante para os que na?

    a possuíam, mas sem meios reais e s:m ~orça: Sua preemI-

    nência tinha se tomado quase negativa, ISto e, ela se com-

    punha muito mais de exclusões para a classe, pleb~ia ?~que

    de vantagens positivas para a classe pr,e,f~nda, Ela m~tava

    sem conter. Não era um corpo intermediário que mantíves-

    se o povo na ordem e que zelasse por, sua liberdade; ~ra

    uma corporação sem base e sem lugar fixo no corpo, sO~lal.

    Tudo concorria para debilitá-Ia, até as luzes e a supenonda-

    de individual dos seus próprios membros, Separada ~a fe~-

    dalidade pelo progresso das idéias, era a, lembrança indefi-

    nível de um sistema em boa parte destruido.

    Em nosso século, a nobreza necessita vincular-se a

    prerrogativas constitucionais e determinad_as, Essas prerro-

    gativas são menos ofensivas para os ,que nao as possuem e,

    ao mesmo tempo, proporcionam mais força aos que as,pos-

    suem, O paria to, se optarmos por esse nome para designar

    a primeira câmara, será uma magistratura ao mesmo tempo

    que uma dignidade; será menos exposto a ser atacado e

    mais passível de ser defendido. .. A _

    Notem, além disso, que, se essa pnmelra camara nao

    for hereditária será necessário determinar um modo de re-

    , d  7 U

    novar seus componentes. Será por nom~ação, o rei: ma

    câmara, nomeada vitaliciamente pelo

    rei,

    sera forte o bas-

    37

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    38

    ESCRiTOSDE POLfTICA

    tante para contrabalançar outra assembléia, emanada da

    eleição popular? No pariato hereditário, os pares se tornam

    fortes graças à independência que adquirem imediatamen-

    te após sua nomeação; eles assumem aos olhos do povo um

    caráter diferente do de simples delegados da Coroa. Querer

    duas câmaras, uma nomeada pelo rei, a outra pelo povo,

    sem uma diferença fundamental (porque eleições vitalícias

    se assemelham demais a qualquer outra espécie de eleição),

    é pôr face a face os dois poderes entre os quais, precisamen-

    te, é necessário um intermediário: isto é, entre o poder do

    rei e o poder do povo.

    Permaneçamos fiéis à experiência. Vemos o pariato he-

    reditário na Grã-Bretanha compatível com um alto grau de

    liberdade civil e política; todos os cidadãos que se distin-

    guem podem ascender a ele . Ele não possui a única carac-

    terística odiosa da hereditariedade: a exclusividade. No ins-

    tante seguinte

    à

    nomeação de um simples cidadão ao paria-

    to, ele passa a desfrutar dos mesmos privilégios legais do

    mais antigo dos pares. Os ramos mais recentes das primei-

    ras Casas da Inglaterra entram na massa do povo e formam

    um vínculo entre o pariato e a nação, assim como

    Q

    próprio

    pariato forma um vínculo entre a nação e o trono.

    Mas por que, dizem, não limitar o número de membros

    da câmara hereditária? Nenhum dos que propuseram essa

    limitação notou qual seria o seu resultado.

    Essa câmara hereditária é um corpo que o povo não

    tem o direito de eleger e que o governo não tem o direito de

    dissolver. Se o número de membros desse corpo for limita-

    do, pode se formar um partido em seu seio, e esse partido,

    sem se apoiar nem no assentimento do governo, nem no do

    povo, só pode entretanto ser derrubado pela derrubada da

    própria Constituição.

    Uma época notável nos anais do Parlamento britânico

    porá em evidência a importância dessa consideração. Em

    1783, o rei da Inglaterra exonerou dos seus conselhos a coa-

    lizão do lorde North e de mr. Fox. O Parlamento quase todo

    era favorável a essa coalizão; o povo inglês era de uma opi-

    ~-

    39

    PRlNcipIOS DE POLfTICA

    . d povo pela dissolu-

    nião diferente. Tendo o rei convoca o o ..'

    ão da Câmara dos Comuns, uma imensa malOr~a_Vel.o

    ç . . . t é 26 Mas suponha que a coalizão

    ti-

    apOlar o novo mll1lSeno . . - di

    vesse a seu favor a Câmara dos Pares, q~e o ,re.ln:~op~o~~

    dissolver; é evidente que, se a ~re;og~tlva :~~mero sufi-

    vesse investido o rei da faculd~ e .e.cnar u o tem o

    ciente de novos pares, a coalizao reJeltada ao me~m 'to ~e

    pelo monarca e pela nação teria ~~nservado, a espel

    um e ~a ?utra, a,direçã~~OpSa~eesg~~l~~enadores seria criar

    Limitar o r:

    umero

    . , deria vir a enfrentar o

    uma aristocraCla formídável. que po. _ t sse tal

    príncipe e os

    súditos .

    Toda ConstltUlçao que :~~=erre-

    e

    rro não demoraria a ser rasgada, porque e co . do

    , . d d ' cipe e os anseies

    za necessano que. a :,onta e _ op~m desobedecidos; e,

    do cOll1Cldem, nao

    sejam

    ~~~~dJ~~a coisa necessária não pod:

    =

    ~perar pela Cons-

    tituição, ela s~ opera apesar ddaCO~;~%~~~~ do pariato com

    Se me objetarem alegan o o a .' único

    criações demasiado multipl~ca?as de ~~~~ee~~:a;~ed~gnida-

    remédio é o interesse d? pnnClpe em S le se afastar desse

    de do corpo que o rodela e o suste;,ta. e e

    interesse, a experiência logo o trara de volta.

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    CapítuloV

    Da eleição das assembléias

    representativas

    A Constituição* manteve os colégios eleitorais** com

    apenas duas melhorias, uma das quais consiste em ordenar

    que esses colégios sejam completados por meio de eleições

    anuais, ~

    aAou.tra, em tirar do governo o direito de nomear

    ~ua

    presidência.

    A. r:ecessidade de dar prontamente órgãos

    a naçao nao perrrunu rever e corrigir essa parte importante

    do ~~sso Ato. Constitucional, mas é, incontestavelmente, a

    ~~IS írnperfeíra. Os colégios eleitorais, escolhidos por vita-

    h~Ied~de  mas :xpostAos

    à

    dissolução (porque essa disposi-

    çao nao e refenda), tem todos os inconvenientes das anti-

    gas assembléia:, eleitorais e nenhuma das suas vantagens.

    Essas assembleias, emanadas de uma fonte e criadas no

    msta~te em que as nomeações deviam ocorrer, podiam ser

    consideradas como representando de uma maneira mais

    o~_menos exa,ta a opinião dos seus mandantes. Essa opi-

    mao~ ao contrano, so penetra nos colégios eleitorais lenta e

    parcíalmenn-.

    ?la nunca é majoritária neles e, quando se

    torna a do col,egio, quase sempre cessou de ser a do povo.

    a pequeno numero de eleitores exerce assim sobre a natu-

    reza das escolhas uma influência nefasta. As assembléias

    encarregadas de eleger a representação nacional devem ser

     

    Isto

    é,

    o Ato Adicional. (E.L.)

    d   Estabelecidos pela Constituição do ano VIII, artigo 9, e encarregados

    e apresentar ao senado uma lista de elegíveis. (E.L.)

    I

    PRINclPIOS

    DE

    PoLfTICA

    4

    tão numerosas quanto for compatível com a boa ordem. Na

    Inglaterra, os candidatos, do alto de uma tribuna, no meio

    de uma praça pública ou de uma esplanada coberta por

    uma imensa multidão, discursam aos eleitores que os ro-

    deiam. Em nossos colégios eleitorais, o número é restrito e

    as formas, severas; um silêncio rigoroso é ordenado. Não se

    apresenta nenhuma questão que possa agitar as almas e

    subjugar momentaneamente o egoísmo individual. Ne-

    nhum arrebatamento é possível. Ora, os homens vulgares

    só são justos quando são arrebatados; e só são arrebatados

    quando, reunidos em multidão, agem e reagem uns sobre

    os outros. Só se cativam os olhares de vários milhares de

    cidadãos por meio de uma grande opulência ou com uma

    difundida reputação. Algumas relações domésticas contro-

    lam uma maioria numa reunião de duzentos ou trezentos.

    Para ser nomeado pelo povo, é preciso ter partidários situa-

    dos além dos arredores costumeiros. Para ser escolhido por

    alguns eleitores, basta não ter inimigos. A vantagem é por

    inteiro das qualidades negativas, e a chance é idêntica con-

    tra o talento. Por isso, entre nós, a representação nacional

    foi freqüentemente menos avançada do que a opinião pú-

    blica sobre muitos objetos  .

    Se quisermos, uma vez, desfrutar completamente na

    França dos benefícios do governo representativo, devemos

    adotar a eleição direta. É ela que, desde 1788, leva à Câmara

    dos Comuns britânica todos os homens esclarecidos. Seria

    difícil citar um inglês, distinguido por seus talentos políticos,

    que não tenha sido honrado com a eleição, se a disputou.

    Somente a eleição direta pode dotar a representação

    nacional de uma verdadeira força e lhe proporcionar raízes

    profundas na opinião. O representante nomeado por qual-

    quer outro modo não encontra em parte alguma uma voz que

    reconheça a sua. Nenhuma fração do povo leva em conta

    sua coragem, porque todas estão desencorajadas pela longa

      Nãoestou falando das questões de partido, sobre as quais, no meio das

    comoções, asluzes não influem; estou falando dos objetos de economia política.

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    8/44

    4

    ESCRiTOS DE POLÍTICA

    tramitação nos meandros da qual seu sufrágio foi desnatu-

    rado ou

    desapareceu .

    . Se muitos temem o c~ráter francês, impetuoso e impa-

    ciente CO~lo Jugo ?a lei, direi que somos assim unicamente

    porque nao contralmos o hábito de nos reprimir a nós

    rnes-

    mos. V~le para as eleições o mesmo que para tudo o que se

    refere a boa ordem. Com precauções inúteis, causa-se ou

    aumenta-se a desordem. Na França, nossos espetáculos

    n~ssas festas são eriçados de guardas e de baionetas. Parec'

    ate que três cidadãos não podem se encontrar sem ser pre~

    CISOdOIs soldados para apartá-Ios Na Inglaterra, 20 mil ho-

    mens se reúnem e nenhum soldado aparece entre eles: a

    segurança de cada um é confiada

    à

    razão e ao interesse de

    ca.~~ um, e :ssa multidão, sentindo-se depositária da tran-

    quilidade publica e particular, zela com escrúpulo por esse

    deposito. E possível, aliás, por uma organização mais com-

    phcada que a das eleições britânicas, levar uma maior calma

    ao exercício desse direito do povo. Um autor ilustre por

    mais de um motivo, como escritor eloqüente, como político

    engenhoso, como amigo incansável da liberdade e da mo-

    ral, o sr._Necker , propôs, numa das suas obras, um modo

    de el; Içao que pareceu obter a aprovação geral. Cem pro-

    p:letanos nomeados por seus pares apresentariam, em cada

    distrito, a todos os cidadãos com direito de voto, cinco can-

    dIdato: entre os quais esses cidadãos escolheriam. Esse

    modo e preferível aos que experimentamos até este dia: to-

    dos os cidadãos concorreriam diretamente

    à

    nomeação de

    seus mandatários.

    Há todavia um inconveniente: se você confiar a cem

    homens a pri.meira proposição, certo indivíduo, que tivesse

    em s:u d istr ito uma grande popularidade, poderia se ver

    exclujdo da lista: ora, essa exclusão bastaria para desinteres-

    sar os votantes, chamados a escolher entre cinco candida-

    =

    entre os quais não estaria o objeto dos seus desejos

    reais e da sua verdadeira preferência.

    Eu gostaria, concedendo ao povo a escolha definitiva

    de também lhe dar a primeira iniciativa. Gostaria que, em

    PRINC PIOS DE POLfTICA

    43

    cada distrito, todos os cidadãos com direito de voto fizes-

    sem uma primeira lista de cinqüenta; formariam em segui-

    da uma assembléia de cem, encarregados de apresentar cin-

    co desses cinqüenta, e a escolha se faria de novo entre esses

    cinco por todos os cidadãos.

    Assim, os cem indivíduos a que a apresentação seria

    confiada não poderiam ser levados, devido

    à

    sua parcialida-

    de em relação a um candidato, a apresentar junto com este

    concorrentes impossíveis de ser eleitos. E não me venham

    dizer que esse perigo é imaginário: vimos o Conselho dos

    500 recorrer a esse estratagema para forçar a composição do

    Diretório.

    O direito de apresentar equivale muitas vezes ao

    de excluir.

    Esse inconveniente seria diminuído pela modificação

    que proponho: 1~a assembléia que apresentaria seria força-

    da a escolher seus candidatos entre os homens já investidos

    da aprovação popular, possuindo todos, por conseguinte,

    certo grau de crédito e de consideração entre seus concida-

    dãos; 2~se na primeira lista houvesse um homem cuja vasta

    reputação lhe teria valido a grande maioria dos sufrágios, os

    cem eleitores dificilmente se dispensariam de apresentá-lo,

    ao passo que, ao contrário, se tivessem a liberdade de formar

    uma lista, sem que a aprovação do povo se houvesse mani-

    festado previamente, motivos de simpatia ou inveja pode-

    riam

    levá-los

    a excluir aquele que essa aprovação designaria,

    mas não teria meio de revesti-lo de uma indicação legal.

    De resto, é só por deferência para com a opinião domi-.

    nante que transijo sobre a eleição imediata. Testemunha das

    desordens aparentes que agitam na Inglaterra as eleições

    contestadas, vi como o quadro dessas desordens é exagera-

    do. Vi sem dúvida as eleições acompanhadas de rixas, cla-

    mores, disputas violentas; apesar disso, a escolha recaía so-

    bre homens distinguidos, seja por seu talento, seja por sua

    fortuna; e, terminada a eleição, tudo voltava à regra costu-

    meira. Os eleitores da classe inferior, pouco antes obstina-

    dos e turbulentos, tornavam a ser laboriosos, dóceis, respei-

    tosos até. Satisfeitos por ter exercido seus direitos, eles se

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    9/44

    44

    ESCRITOS DE POL TICA

    dobravam tanto mais facilmente às superioridades e às con-

    venções sociais quanto mais tinham, assim agindo, a cons-

    cIenCI~ de obedecer ao cálculo sensato do seu interesse es-

    clarecido

    ~o.dia seguinte a uma eleição, não restava mais o

    menor vestígío da agitação da véspera. O povo havia reto-

    mado seus trabalhos, mas o espírito público havia recebido

    o salutar abalo, tão necessário para reanimá-Io.

    Al~ns hon:ens .esclarecidos criticam a conservação

    ?OS colegIOs eleitorais, por motivos diretamente opostos

    a~uel~s em. qu~ me apóio. Eles lamentam que as eleições

    nao sao mais feI~aspor um corpo único e aludem, em apoio

    a~suas lam:ntaçoes, argumentos que é bom refutar, porque

    tem um que de plausível.

      c

    P?vO'~ dizem eles, é absolutamente incapaz de

    apropnar a~ dIve:sas partes do estabelecimento público os

    h~mens cujo cara ter e cujos talentos melhor convêm. Ele

    na? de:e f~zer diretamente nenhuma escolha: os corpos

    eleitorais ~ao devem ser instituídos na base, mas no topo do

    estabe~eclI~ento; as escolhas não devem partir de baixo,

    on: e sao feitas necessariamente mal, mas de cima, onde se

    farao necessariamente bem. Porque os eleitores terão sem-

    pre

     

    m~ior interesse na manutenção da ordem e da liberda-

    de

    públicas,

    n~ ~stabilidade das instituições e no progresso

    das idéias, .na fixidez dos bons princípios e na melhoria gra-

    dual.= l:lS e da administração. Quando as nomeações dos

    funcíonãríos, por designação especial de funções, são feitas

    pelo povo, as escolhas são, em geral, essencialmente ruins*.

    ~e s~ trata de magistraturas eminentes, os corpos eleitorais

    mfenores. escolhem muito mal. Então, é só por uma espécie

    de casualIdade que alguns homens de mérito são de quando

    em quando chamados. As nomeações para o corpo legislati-

    .* Não posso me impedir de aproximar dessa asserção o sentimento de

    ~aqulaVel e de Montes' Uleu. Os homens, diz o primeiro, sujeitos embora a se

    . ganar sobre o geral, nao se enganam sobre o particular. O povo é admirável

    dIZ osegundo, para escolher aqueles a quem deve confiar uma parte da sua

    autondade. E to.?o o resto do parágrafo demonstra que Montesquieu se refere

    a uma deslgnaçao especial, a uma função determinada.

    PRINcfpIOS DE POLfTICA

    45

    vo, por exemplo, só podem ser feitas de forma conveniente

    por homens que conhecem bem o objeto ou o objetivo geral

    de toda legislação, que estejam a par do estado presente dos

    negócios e dos espíritos, que, correndo os olhos por todas as

    divisões do território, possam designar com mão segura a

    elite dos talentos, das virtudes e das luzes. Quando um povo

    nomeia seus mandatários principais sem intermediário e

    quando ele é numeroso e disseminado por um vasto territó-

    rio, essa operação obriga-o inevitavelmente a se dividir em

    seções; essas seções são postas em distâncias que não lhes

    permitem nem comunicação nem acordo recíproco. Resul-

    tam daí escolhas seccionais. É necessário buscar a unidade

    das eleições na unidade do poder eleitoral.  *30

    Esses raciocínios repousam numa idéia por demais exa-

    gerada do interesse geral, do objetivo geral, da legislação ge-

    ral, de todas as coisas a que esse epíteto se aplica. O que é

    o interesse geral, senão a transação que se efetua entre os in-

    teresses particulares? O que é a representação geral, senão a

    representação de todos os interesses parciais que devem

    transigir sobre todos os objetos que lhes são comuns? O in-

    teresse geral é, sem dúvida, distinto dos interesses particula-

    res, mas não é contrário a eles. Sempre se fala como se um

    ganhasse com o que os outros perdem, mas esse um não

    passa do resultado desses interesses combinados: só difere

    deles como um corpo difere das suas partes. Os interesses

    individuais são os que mais interessam aos indivíduos; os

    interesses seccionais, os que mais interessam às seções. Ora,

    são os indivíduos, são as seções que compõem o corpo polí-

    tico, são por conseguinte os interesses desses indivíduos e

    dessas seções que devem ser protegidos: se protegermos a

      Estas palavras são do senador Cabanis. É o sistema da Constituição .?O

    ano

    VIII

    que ele defende. Sustentava-se então que, antes dessa

    Constituição,

    não tinha havido representação verdadeira na França. Os deputados de 1789,

    dizia-se seriamente, não representavam a França, mas apenas seções particu-

    lares e interesses locais. Ao contrário, graças ao senado, verdadeiro órgão da

    França, oscandidatos recebiam um caráter público, geral, e se tornavam depu-

    tados de todo o império. Sabe-se qual foi a independência do corpo legíslatívo

    e do tribunato: esse belo sistema foi julgado por seus efeitos. (E.L.)

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  • 8/18/2019 CONSTANT, Benjamin. Escritos de Política - Capítulos 4 a 14

    10/44

    46

    ESCRITOS

    DE

    POLfTICA

    todos, retiraremos por isso mesmo de cada um o que ele

    contém de nocivo aos outros, e somente daí pode resultar o

    verdadeiro interesse público. Esse interesse público nada

    mais é que os interesses individuais postos na impossibilida-

    de de se prejudicarem reciprocamente. Cem deputados no-

    meados por cem seções de um Estado levam à assembléia os

    interesses particulares, as prevenções locais dos seus man-

    dantes. Essa base lhes é útil: forçados a deliberar em conjun-

    to, eles logo percebem os sacrifícios mútuos que são indis-

    pensáveis; eles se esforçam para diminuir a extensão desses

    sacrifícios, e é essa uma das grandes vantagens do seu modo

    de nomeação. A necessidade sempre acaba por reuni-los

    numa transação comum, e, quanto mais as escolhas forem

    seccionais, mais a representação alcança seu objetivo geral.

    Invertendo-se a gradação natural, coloca-se o corpo eleitoral

    no topo do edifício, aqueles que ele nomear serão chamados

    a se pronunciar sobre um interesse público cujos elementos

    não conhecem, e serão encarregados de pactuar em nome

    de partes cujas necessidades ignoram ou desdenham. É bom

    que o representante de uma seção seja o órgão dessa seção; que

    ele não abandone nenhum dos direitos reais ou imaginários

    desta antes de tê-Ios defendido; que seja parcial pela seção

    de que é mandatário, porque, se cada um for parcial para os

    seus mandantes, a parcialidade de cada um, reunida e conci-

    liada, terá as van tagens da imparcialidade de todos.

    As assembléias, por mais seccional que possa ser sua

    composição, têm uma propensão acentuada a contrair um

    esprit de corps

    que as isola da nação. Situados na capital, lon-

    ge da porção do povo que os nomeou, os representantes

    perdem de vista os usos, as necessidades, a maneira de ser

    do departamento que representam; tornam-se desdenhosos

    e pródigos nessas coisas. Que acontecerá se esses órgãos das

    necessidades públicas se virem livres de qualquer responsa-

    bilidade local . postos para sempre acima dos sufrágios dos

      Nota-se claramente que, aqui, pela palavra responsabilidade não en-

    tendo uma responsabilidade legal, mas uma responsabilidade de opinião.

    47

    PRINCiPIOS DE POLiTICA

    seus concidadãos e escolhidos por um corpo situado, como

    querem que seja, no topo do edifício c~nstitucional? .

    Quanto maior um Estado e mais forte a a~t~ndade

    central, mais um corpo eleitoral único é inadmlsslv~l e a

    eleição direta indispensáveL Um pov?a~o de 100 mil ho-

    mens poderia investir um sena?o do dlrel O de no~ear.seus

    deputados; repúblicas federativas ta.:nbem P?d~nam. sua

    administração interior pelo menos nao co~rena nsco~. Mas

    em todo governo que tende à unidade, pnvar as fraçoes _do

    Estado de intérpretes nomeados por ela é criar corporaçoes

    que deliberam no vago e deduz.em, _dasu~ indiferença pelos

    interesses particulares, sua dedicação ao mte::ess

    e

    geral.

    Não é o único inconveniente da nomeaçao dos manda-

    tários do povo por um senado. .

    Esse modo destrói, primeiro, uma das maiores van~a-

    gens do governo representativo, que é est.abelecer relaçoe~

    freqüentes entre as diversas classes da soc:edade. E~s~van

    tagem só pode resultar da eleição direta. E ess,: eleição q~e

    necessita, de parte das classes poderosas, deferenCl~s conti-

    nuadas para com as classes inferiores. Ela força a nquez~ a

    dissimular sua arrogância, o poder a moderar sua ~ça?,

    pondo no sufrágio da parte menos opulenta dos propne~a-

    rios uma recompensa para a justiça e a b~ndad~, um castigo

    contra a opressão. Não se deve renunCIar le~anamente a

    esse meio cotidiano de felicidade e de narmorua. nem des-

    denhar esse motivo de benfeitoria, que no começo. pode.

    não passar de um cálculo, mas que logo se torna uma Virtude

    de hábito. .

    Queixam-se de que as riquezas se conce~tram na c,apl-

    tal e de que os campos são exauridos pelo tnbut~ :.ont~nuo

    que pagam a esta e que nunca lhes retoma. A elelçao dlre.ta

    segura os proprietários em suas propriedades, das ~UaIS,

    sem ela se afastariam. Quando eles não dão impor~anc a

    aos suf;ágioS do povo, seu cálculo se li~ita ~ extrair da~

    suas terras o produto mais elevado. A el:lç,a? direta lhe~ su

    gere um cálculo mais nobre e muito mais ú til aos qU,eVivem

    sob sua dependência. Sem a eleição popular, eles so neces-

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  • 8/18/2019 CONSTANT, Benjamin. Escritos de Política - Capítulos 4 a 14

    11/44

    48

    ESCRITOS

    D E

    POLÍTICA

    sitam de crédito, e essa necessidade os reúne em torno da

    autoridade central. A eleição popular lhes dá a necessidade

    da popularidade e os leva de volta à sua fonte, fixando as

    raízes da sua existência política nas suas posses .

    Uma ou outra vez, gabaram-se dos benefícios do feu-

    dalismo, que retinha o senhor no meio de seus vassalos e

    repartia igualmente a opulência entre todas as partes do

    território. A eleição popular tem o mesmo efeito desejável,

    sem acarretar os mesmos abusos.

    Fala-se o tempo todo de incentivar, de honrar a agri-

    cultura e o trabalho. Tentam-se gratificações, distribuídas

    caprichosamente, e condecorações, que a opinião contesta.

    Seria mais simples dar importância às classes agrícolas, mas

    essa importância não se cria por decretos. Sua base deve es-

    t~r situada no interesse de todas as esperanças em reconhe-

    ce-Ia, de todas as ambições em diferenciá-Ia.

    Err:..segundo lugar, a nomeação por um senado para

    as funçoes representativas tende a corromper ou, pelo me-

    nos, a enfraquecer o caráter dos aspirantes a essas funções

    errunerites.

    Qualquer que seja o descrédito que se lance sobre os

    conluios, sobre os esforços que são necessários para conquis-

    tar a multidão, essas coisas têm efeitos menos danosos do

    que as tentativas enviesadas que são necessárias para conci-

    liar a simpatia de um pequeno número de homens no poder.

     O conluio

     

    b-:igue]  , diz Montesquieu, é perigoso

    em um senado, e pengoso em um corpo de nobres: não o é

    no povo, cuja natureza é agir por paixão. *

    O que se faz para conseguir uma união numerosa deve

    transparecer à luz do dia, e o pudor modera as ações públi-

    cas '. Mas quem se inclina diante de alguns homens, aos

    quais Implora isoladamente, prosterna-se à sombra e os in-

    divíduos poderosos são demasiado propensos a desfrutar

    da humildade dos pedidos e das súplicas obsequiosas.

    * Eesprit des lois, Il, 2. (Trad. bras. O espírito das leis, São Paulo, Martins

    Fontes, 2~ed., 1996.)

    PRINCÍPIOS D E POLfTICA

    49

    Há épocas em que se teme tudo o que se parece com a

    energia: é quando a tirania quer se estabelecer e quando a

    servidão ainda crê dela aproveitar. Gaba-se então a brandu-

    ra, a docilidade, os talentos ocultos, as qualidades privadas,

    mas são épocas de debilitação moral. Que os talentos ocul-

    tos se dêem a conhecer, que as qualidades privadas encon-

    trem sua recompensa na felicidade doméstica, que a docili-

    dade e a brandura obtenham os favores dos grandes  Aos

    homens que comandam a atenção, que atraem o respeito,

    que adquiriram direitos à estima, à confiança, ao

    reconheci-

    mento do povo, cabem as escolhas desse povo, e esses ho-

    mens mais enérgicos também serão mais moderados.

    Costuma-se sempre representar a mediocridade como

    pacífica, mas ela só é pacífica quando é impotente. Quando

    o acaso reúne muitos homens medíocres e os investe de al-

    guma força, amediocridade deles é mais agitada, mais inve-

    josa, mais convulsiva em sua marcha que o talento, mesmo

    quando as paixões o levam a se perder. As luzes a~almam as

    paixões, atenuam o egoísmo, tranqüilizando a v~I?ade ..

    Um dos motivos que aleguei contra os colégios eleito-

    rais milita com igual força contra o modo de renovação q~e,

    até aqui, era de uso para nossas assembléias e que, feliz-

    mente, a Constituição atual acaba de abolir. Refiro-me a

    essa introdução periódica de um terço ou um quinto, devida

    à

    qual os recém-chegados nos corpos representativos sem-

    pre se encontravam em minoria. .._

    A renovação das assembléias tem por objetivo nao

    apenas impedir que os representantes da nação form~m

    uma classe

    à

    parte, separada do resto do povo, mas tambem

    proporcionar intérpretes fiéis às melhorias._que  d~ uma

    eleição aoutra, puderam produzir-se na opmlao

    pública.

    Se

    supusermos as eleições bem organizadas, os eleitos de uma

    época representarão a opinião mais fielmente do que os

    das épocas precedentes. . ._ .

    Não é um absurdo pôr os órgãos da oprruao eXlsten~e

    em minoria diante da opinião que não existe mais? A estab~-

    lidade é sem dúvida desejável, por isso não se deve aproXl-

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    12/44

    5

    ESCRITOS DE POLfTICA

    ~ar excessivamente essas épocas de renovação, porque é

    I~a~~en~e absurdo tornar as eleições tão freqüentes que a

    oplmao n~,o se possa esclarecer no intervalo que as separa.

    Temos,

    aliás,

    uma assembléia hereditária que representa a

    duração. Não ponhamos elementos de discórdia na assem-

    bléia eletiva que representa a melhoria. A luta entre o espíri-

    to conservador e o espírito progressista é mais útil entre

    duas assembléias do que no âmbito de uma só. Não há en-

    tão minoria que se constitua conquistadora. Suas violências

    na assembléia de que faz parte fracassam diante da calma

    daquela que sanciona ou rejeita suas resoluções. A irregula-

    ridade, a ameaça, não são mais meios do domínio sobre uma

    maioria que se atemoriza, mas causas de desconsideração e

    de descrédito aos olhos dos juízes que devem sentenciar.

    A renovação por um terço ou por um quinto tem in-

    convenientes graves, tanto para a nação inteira como para a

    própria assembléia.

    Embora um terço ou somente um quinto possa ser no-

    meado, mesmo assim todas as esperanças são postas em

    movimento. Não é a multiplicidade das chances, mas a

    existência de uma só, que desperta todas as ambições, e a

    própria dificuldade torna essas ambições mais invejosas e

    mais hos~is. O povo é agitado pela eleição de um terço ou

    de um qumto, tanto como por uma renovação total. Nas as-

    sembléias, os recém -chegados são oprimidos no primeiro

    ano, mas logo depois se tornam opressores. Essa verdade

    foi demonstrada por quatro experiências sucessivas+ .

    A lembrança das nossas assembléias sem contrapeso

    nos

    mquieta

    e nos desnorteia sem cessar. Cremos perceber

    em toda assembléia uma causa de desordem, e essa causa

    nos parece mais poderosa numa assembléia renovada por

    completo. No entanto, quanto mais real possa ser o perigo,

    mais

    devemos ser escrupulosos quanto

    à

    natureza das pre-

      O terço do ano IV  1796) foi suprimido. O terço do ano V 1797) foi es-

    corraçado. O terço do ano VI  1798) foi repelido. O terço do ano VII  1799) foi

    VItOrIOSOe destruidor.

    PRINC PIOS DE POLfTICA

    5

    cauções. Devemos adotar unicamente aquelas cuja utilida-

    de está constatada e o sucesso, garantido.

    A única

    vantagem

    da renovação por um terço ou um

    quinto fica mais completa e livre de qualquer inconveniente

    na reeleição indefinida que nossa Constituição possibilita e

    que as Constituições precedentes cometiam o erro de excluir.

    A impossibilidade da reeleição é, sob todos os pontos

    de vista, um grande erro. Somente a possibilidade de uma

    reeleição ininterrupta oferece ao mérito uma recompensa

    digna dele e forma num

    povo

    uma massa de nomes impo-

    nentes e respeitados. A influência dos indivíduos não é des-

    truída por instituições invejosas. O que, em cada época, su-

    bisiste naturalmente dessa influência é necessário a essa

    época. Não despojemos o talento por meio de leis invejosas.

    Não se ganha nada, afastando assim os homens distintos: a

    natureza quis que eles tomassem lugar à frente das associa-

    ções humanas; a arte das Constituições está em lhes atribuir

    esse lugar, sem que, para tanto, elas necessitem perturbar a

    paz pública.

    Nada é mais contrário à liberdade e mais favorável, ao

    mesmo tempo, à desordem do que a exclusão forçada dos

    representantes do

    povo 

    após o termo das suas funções.

    Tanto há, nas assembléias, homens que não podem ser ree-

    leitos, como

    haverá

    homens fracos que quererão fazer o mí-

    nimo possível de inimigos, a fimde obter compensações ou

    viver em paz no seu refúgio. Se são colocados obstáculos à

    reeleição indefinida, frustra-se o gênio e a coragem do prê-

    mio que lhes é devido; preparam-se consolações e um

    triunfo à covardia e à inépcia; colocam-se na mesma linha o

    homem que falou de acordo com sua consciência e o que

    serviu as facções por sua audácia ou a arbitrariedade por sua

    complacência. As funções vitalícias, observa Montesquieu .

    têm a vantagem de poupar aos que as exercem esses inter-

    valos de pusilanimidade e de fraqueza, que precedem, nos

    homens destinados a entrar para a classe dos simples cida-

     

    o es pírit o das leis,

    V 7.

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  • 8/18/2019 CONSTANT, Benjamin. Escritos de Política - Capítulos 4 a 14

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    5

    ESC RITOS

    DE

    POLfTICA

    dãos, a expiração do seu poder. A reeleição indefinida tem a

    mesma vantagem: ela favorece os cálculos da moral. Só es-

    ses cálculos têm um sucesso duradouro; mas, para obtê-lo,

    necessitam tempo.

    Aliás, são os homens íntegros, intrépidos, experientes

    nos negócios tão numerosos para que se deva repelir volun-

    tariamente os que mereceram a estima geral? Os novos ta-

    lentos também terão êxito; a tendência do povo é acolhê-Ios.

    Não imponham a ele, sob esse aspecto, nenhuma limitação,

    não o obriguem, a cada eleição, a escolher recém-chegados

    que terão sua fortuna de amor-próprio a fazer e a celebrida-

    de a conquistar. Nada é mais caro para uma nação que as re-

    putações a criar. Sigam os grandes exemplos. Vejam a Amé-

    rica: lá, os sufrágios do povo não cessaram de coroar os fun-

    dadores da sua independência; vejam a Inglaterra: lá, nomes

    ilustrados por reeleições ininterruptas tornaram-se de certo

    modo uma propriedade popular. Felizes as nações fiéis e que

    sabem estimar por muito tempo'

    Enfim, nossa nova Constituição aproximou-se dos ver-

    dadeiros princípios, substituindo o salário concedido até

    hoje aos ,representantes da nação por um subsídio mais

    módico. E livrando de todo cálculo de interesse as funções

    que requerem mais nobreza de alma que se elevará a Câ-

    mara dos Representantes ao nível que lhe é destinado em

    nossa organização constitucional. Todo salário, vinculado às

    funç~es repn:sentativas, logo se torna o objeto principal. Os

    candrdaros veem nessas funções augustas somente ocasiões

    para aumentar ou arranjar sua fortuna, facilidades de movi-

    mentação, vantagens econômicas. Os próprios eleitores se

    deixam levar a uma espécie de piedade de conventículo,

    que os induz a beneficiar o noivo que quer se casar, o pai

    pouco afortunado que quer criar os filhos ou casar as filhas

    na capital. Os credores nomeiam seus devedores; os ricos,

    os parentes, que preferem ajudar às expensas do Estado do

    que às suas próprias. Feita a nomeação, cumpre conservar o

    que f~i obtido, e os meios se assemelham aos fins. A espe-

    culaçao termma com a flexibilidade ou o silêncio.

    PR IN C P IOS

    DE

    PO LfTICA

    53

    Pagar os representantes do povo não é lhes dar um inte-

    resse para exercer suas funções com escrúpulo, é apenas inte-

    ressá-los a se conservar no exercício dessas funções.

    Outras considerações me ocorrem.

    Não gosto das fortes condições de propriedade para o

    exercício das funções políticas. A independência é muito re-

    lativa: assim que um homem tem o necessário, só p;-ecisa de

    ter elevação na alma para prescindir do supérfluo. E desejá-

    vel, entretanto, que as funções representativas sejam ocupa-

    das, em geral, por homens, se não da classe opulenta, pelo

    menos remediado. Seu ponto de partida é mais vantajoso,

    sua educação mais cuidadosa, seu espírito mais livre, sua

    inteligência mais bem preparada para as luzes. A pobreza

    tem seus preconceitos, assim como a ignorância. Ora, se

    seus representantes não receberem nenhum salário, vocês

    colocarão a potência na propriedade e darão uma oportuni-

    dade equitativa às exceções legítimas.

    Combinem de tal modo suas instituições e suas leis, diz

    Aristóteles, que os empregos não possam ser objeto de um

    cálculo interessado; se assim não for, a multidão, que, aliás,

    é pouco afetada pela sua exclusão dos cargos eminentes,

    porque prefere tratar dos seus assuntos, invejará as honra-

    rias e o proveito. Todas as precauções serão apropriadas se

    as magistraturas não tentarem a avidez. Os pobres preferi-

    rão ocupações lucrativas a funções difíceis e não remunera-

    das. Os ricos ocuparão as magistraturas, porque não neces-

    sitarão de subsídios*.

    Esses princípios não são aplicáveis a todos os usos nos

    estados modernos. Alguns há que requerem uma fortuna

    acima de toda fortuna particular, mas nada impede sejam

    aplicados às funções representativas.

    Os cartagineses já tinham feito essa distinção: todas as

    magistraturas nomeadas pelo povo eram exerci das sem

    subsídios. As outras eram assalariadas.

      Aristóteles, Política, liv. V, cap o VII.

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  • 8/18/2019 CONSTANT, Benjamin. Escritos de Política - Capítulos 4 a 14

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    54

    ESCRIT OS DE PO LfTIC A

    Numa Constituição em que os não-proprietários não

    tivessem direitos políticos, a ausência de salário para os re-

    presentantes da nação me parece natural. Não é uma con-

    tradição ultrajante e ridícula repelir o pobre da representa-

    ção nacional, como se somente o rico devesse representá-lo

    e fazer-lhe pagar seus representantes, como se esses repre-

    sentantes fossem pobres?

    A corrupção que nasce de pretensões ambiciosas é

    muito menos funesta do que a que resulta de cálculos ignó-

    beis. A ambição é compatível com mil qualidades engenho-

    sas: a probidade, a coragem, o desinteresse, a independên-

    cia. A avareza não poderia coexistir com nenhuma dessas

    qualidades. Não se pode afastar dos empregos os homens

    ambiciosos; afastemos deles pelo menos os homens ávidos,

    e assim diminuiremos consideravelmente o número dos

    concorrentes, e os que afastaremos serão precisamente os

    menos estimáveis.

    Mas uma condição é necessária para que as funções re-

    presentativas possam ser gratuitas: que elas sejam importan-

    tes, pois ninguém iria querer exercer gratuitamente funções

    pueris por sua insignificância, e que seriam vergonhosas se

    deixassem de ser pueris. Mas também, numa Constituição as-

    sim, melhor seria que não houvesse funções representativas.

     

    I

    CapítuloVI

      s condições de

    propriedade 

    Nossa Constituição não pronunciou nada sobre as

    condições de propriedade requeridas para o exercício dos

    direitos políticos, porque esses direitos, confiados a ~ol~~os

    eleitorais, estão por isso mesmo nas mãos dos propnetanos.

    Mas, se esses colégios fossem substituídos pela eleição dire-

    ta, certas condições de propriedade seriam indispensáveis.

    Nenhum povo considerou como membros do Estado

    todos os indivíduos residentes, de uma maneira ou de ou-

    tra em seu território. Não se trata, aqui, das distinções que,

    entre os antigos, separavam os escravos dos homens livres e

    que, entre os modernos, separam os nobres dos plebeus. A

    democracia mais absoluta estabelece duas classes: numa

    são relegados os estrangeiros e os que nã~ alcanç~ram a

    idade prescrita pela lei para exercer os díreítos de cidada-

    nia :

    a outra

    é

    composta pelos homens que chegaram a

    essa idade e nasceram no país . Existe pois um princípio se-

    gundo o qual, entre indivíduos reunido_snum território, al-

    guns são membros do Estado, outros nao.

    Esse princípio é evidentemente o de que, para ser mem-

    bro de uma associação,

    é

    preciso ter certo grau de luzes e um

      Às crianças, cumpre acrescentar as mulheres, isto é, a metade da nação.

    Assim, o sufrágio universal sempre foi exercido por apenas ~ma n;mona d~s

    cidadãos. O que prova, com toda evidência, que

    é

    uma funçao política. e nao

    um direito natural. (E.L.)

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  • 8/18/2019 CONSTANT, Benjamin. Escritos de Política - Capítulos 4 a 14

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    58

    ESCRITOS DE POL TICA

    Em todos os países que têm assembléias representativas,

    é indispensável que essas assembléias, qualquer que seja sua

    organização ulterior, aliás, sejam compostas de proprietários.

    Um indivíduo, por um mérito notável, pode cativar a multi-

    dão, mas os corpos precisam, para conquistar a confiança, ter

    interesses evidentemente conformes a seus deveres. Uma

    nação sempre presume que homens reunidos são guiados

    por seus interesses. Ela se crê segura de que o amor à ordem,

    à justiça e à conservação terá a maioria entre os proprietários.

    Eles, portanto, não são úteis apenas pelas qualidades que

    lhes são próprias; eles o são também pelas qualidades que lhes

    são atribuídas, pela prudência que se supõe tenham e pelas

    prevenções favoráveis que inspiram. Ponha não-proprietá-

    rios entre os legisladores. Por mais bem intencionados que

    sejam, a inquietude dos proprietários bloqueará todas as me-

    didas por eles tomadas. As leis mais sábias serão alvo de sus-

    peita e, por conseguinte, desobedecidas, enquanto a organi-

    zação oposta teria granjeado o assentimento popular, mesmo

    para um governo defeituoso sob certos aspectos.

    Durante nossa Revolução, os proprietários, é verdade,

    colaboraram com os não-proprietários na elaboração de leis

    absurdas e espoliadoras. É que os proprietários tinham

    medo dos não-proprietários revestidos do poder. Eles que-

    riam fazer perdoar sua propriedade. O medo de perder o

    que tem torna o possuidor pusilânime, e então ele passa a

    imitar o furor dos que querem adquirir o que não têm. As

    faltas ou os crimes dos proprietários foram uma conseqüên-

    cia da influência dos não-proprietários.

    Mas quais são as condições de propriedade que é equi-

    tativo estabelecer?

    Uma propriedade pode ser tão restrita que quem a pos-

    sui seja proprietário apenas aparentemente. Quem não tem

    em renda territorial a soma suficiente para existir durante o

    ano, sem ser obrigado a trabalhar para outrem, diz um es-

    critor que tratou à perfeição essa matéria*, não é inteira-

      Garnier (Germain Garnier, tradutor e anotador de Adarn Srnith). (E.L.)

    PRINC[PIOS DE POLfTICA

    mente proprietário. Ele se encontra, quanto à porção de

    propriedade que lhe falta, na classe dos assalanados. Os pro-

    prietários são senhores da existência dele,. porque podem

    lhe recusar trabalho. Somente quem pOSSUIa renda neces-

    sária para existir, independentemer:te de qualquer von~a~e

    alheia, pode exercer os direitos de cidadania ..1 ma condlç.ao

    de propriedade inferior é ilusória; uma condição de propne-

    dade mais elevada é injusta. .

    Creio entretanto que deve ser reconhecido como pro-

    prietário quem tiver arrendado por ~o.ngoprazo uma fazen-

    da que proporcione uma renda suficiente. No esta~o atual

    das propriedades na França, o arr~n~a~ário que na~ po~e

    ser expulso é realmente mais propnetano do 9ue o cidadão

    que só aparentemente o é de um bem que da em arr~n?a-

    mento. E justo portanto conceder a.um os mesmos direitos

    que ao outro. Se se objetar que, no fim ~o ,:o.ntrato, o arren~

    datário perde sua qualidade de propnetano, responder~1

    que, por mil acidentes, cada proprietário pode, de um dia

    para o outro, perder sua propriedade.. ., .

    Note-se que falo unicamente da propnedade fur:dlana e

    observe-se que talvez existam várias classes de propned~de.e

    que a do solo não é mais que uma, d.essas .classes.A propna

    Constituição reconhece esse princípio, pOlS:on~~de ,repre-

    sentantes não apenas ao território, mas tambem a l 'dustna.

    Confesso que, se o resultado dessa disposição tivesse

    sido igualar pro~riedade fu~~ii~ria3; propnedade industrial,

    eu não teria hesitado em

    criticá

    -Ia . , .

    A propriedade industrial carece de vanas vantagens da

    propriedade fundiária, e essas van.tagens são preClSamen e

    aquelas de que se compõe o espínto conservador, necessa-

    rio às associações políticas. ,.

    A propriedade fundiária influi sobre o ca:ater e o desti-

    no do homem, pela natureza mesma ~os cuidados que re-

    quer. O cultivador se entrega a ocupaçoes constantes : ~ro-

    gressivas. Contrai assim uma regularidade em seus hábitos.

    O acaso que, em moral, é uma grande fonte de desorde~,

    nunca está alheio à vida do agricultor. Qualquer

    mterrupçao

    59

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    17/44

    ESCR ITOS DE POLfT ICA

    lhe é nociva; qualquer imprudência lhe é uma perda certa.

    Seus sucessos são lentos. Ele não pode

    apressá-los

    nem au-

    mentá-los por felizes temeridades. Ele está na dependência

    da natureza e na independência dos homens. Todas essas

    coisas lhe dão uma disposição calma, uma sensação de se-

    gurança, um espírito de ordem que o prendem à vocação a

    que deve tanto seu descanso como sua subsistência.

    A propriedade industrial só influi sobre o homem pelo

    ganho positivo que lhe proporciona ou lhe promete. Ela põe

    em sua vida menos regularidade. Ela é mais factícia e me-

    nos imutável do que a propriedade fundiária. As operações

    de que se compõe consistem muitas vezes em transações for-

    tuitas; seus sucessos são mais rápidos, mas o acaso conta

    muito. Ela não tem por elemento necessário essa progres-

    são lenta e segura que cria o hábito e, logo, a necessidade da

    uniformidade. Ela não torna o homem independente dos

    outros homens; ao contrário, coloca-o na dependência de-

    les. A vaidade, esse germe fecundo de agitações políticas, é

    ferida com muita freqüência no proprietário industrial; qua-

    se nunca no agricultor*. Este último calcula em paz a ordem

    das estações, a natureza do solo, o caráter do clima. O outro

    calcula as fantasias, o orgulho, o luxo dos ricos. Uma fazen-

    da

    é

    uma pátria em pequena escala. Você nasce nela, é criado

    nela, cresce nela com as árvores que a rodeiam. Na proprie-

    dade industrial, nada fala à imaginação, nada às lembran-

    ças, nada à parte moral do homem. Diz-se o campo dos

    ~eus an~estrais, a cabana dos meus pais. Nunca ninguém

    dl~se a loja ou a oficina dos meus pais. As melhorias na pro-

    pnedade territorial não podem se separar do solo que as re-

    cebe e de que elas se tornam parte. A propriedade industrial

    não é passível de melhoria. mas de aumento apenas, e essa

    melhoria pode se transportar à vontade.

    Do ponto de vista das faculdades intelectuais, o agri-

    cultor tem sobre o artesão uma grande superioridade. A

    .   Pius questus, stabilissimus, minimeque invidiosus, minimeque rnale

    cogitantes qUI in eo studio occupati surit , diz Catão, o Antigo, da agricultura.

    PR IN C[P IOS DE POLfTICA

    6

    agricultura requer uma série de observações, de experiên-

    cias, que formam e desenvolvem o julgamento : daí, nos

    camponeses, esse senso justo e reto que nos surpreende. As

    profissões industriais muitas vezes se limitam, pela divisão

    do trabalho, a operações mecânicas .

    Apropriedade fundiária acorrenta o homem ao lugar em

    que mora, cerca seus deslocamentos de obstáculos, cria o pa-

    triotismo por interesse. A indústria torna todos os lugares

    mais ou menos iguais, facilita os deslocamentos, separa o

    interesse do patriotismo. Essa vantagem da propriedade fun-

    diária, essa desvantagem da propriedade industrial sob o as-

    pecto político aumentam na medida em que o valor da pro-

    priedade diminui. Um artesão não perde quase nada ao se

    deslocar. Um pequeno proprietário fundiário se arruína ao se

    expatriar. Ora, é sobretudo pelas classes inferiores dos pro-

    prietários que se deve julgar osefeitos das diferentes espécies

    de propriedade, pois essas classes constituem a maioria.

    Independentemente dessa preeminência moral da pro-

    priedade fundiária. ela é favorável à ordem pública, pela

    própria situação em que coloca seus possuidores. Os arte-

    sãos amontoados nas cidades estão à mercê dos facciosos;

    os agricultores dispersos nos campos, é quase impossível

    reuni-Ios e, por conseguinte, sublevá-los.

    Essas verdades foram sentidas por Aristóteles. Ele sa-

    lienta, com muito vigor, as características distintivas das

    classes agrícolas e das classes mercantis, e decidiu em favor

    das primeiras**.

    Sem dúvida a propriedade industrial tem grandes van-

    tagens. A indústria e o comércio criaram para a liber~~~e

    um novo meio de defesa, o crédito. A propriedade fundlana

    garante a estabilidade das instituições; a propriedade in-

    dustrial assegura a independência dos indivíduos.

      Smith, A. A riq uez a das na çõ es, r   10.

      Aristóteles, Política, VI, 2.Ao citar Aristóteles, Benjamin Constant esque-

    ce que os antigos não tinham nada parecido com a indústria moderna.

    C :

    0mo

    o

    trabalho era servil, só estimavam o agricultor. O que convinha a Atenas nao con-

    vém mais às nossas sociedades modernas, que vivem da indústria. (E.L.)

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     .

    i r  

    6

    ESCRITOS DE POLÍTICA

    Assim, a recusa dos direitos políticos a esses comercian-

    tes, cuja atividade e opulência dobram a prosperidade do

    país que habitam, seria uma injustiça e, além disso, uma im-

    prudência, porque seria pôr a riqueza em oposição ao poder.

    Mas, se pensarmos melhor, perceberemos facilmente

    que a exclusão não alcança aqueles proprietários industriais

    que seria danoso excluir: quase todos eles são, ao mesmo

    tempo, proprietários fundiários. Quanto aos que não têm

    o_utra propriedade, além da sua indústria, fadados que es-

    tao. por uma necessidade que nenhuma instituição dobrará

    jamais, a ocupações mecânicas, estes são privados de qual-

    quer meio de se instruir e podem, com a mais pura das in-

    tenções, penalizar o Estado por seus inevitáveis erros. Esses

    homens, cumpre respeitá-Ios, protegê-los. garanti-los con-

    tra qualquer humilhação de parte do rico, afastar todas as

    travas que pesam sobre seus trabalhos, aplainar, na medida

    do possível, sua laboriosa carreira, mas não transportá-Ios a

    uma nova esfera, a que seu destino não chama, em que seu

    concurso é inútil, em que suas paixões seriam ameaçadoras

    e sua ignorância, perigosa.

    ossa Constituição, entretanto, quis levar ao excesso

    sua solicitude para com a indústria. Criou para ela uma re-

    presentação especial, mas limitou sabiamente o número

    dos representantes dessa classe a um vinte e sete avos,

    aproximadamente, da representação geral.

    Alguns publicistas pensaram reconhecer que havia

    uI:,a terceira espécie de propriedade. Eles a chamaram pro-

    pnedade intelectual, e defenderam sua opinião de maneira

    ass~z engenhosa. Um homem que se distingue numa pro-

    ~Issao liberal, disseram, um jurisconsulto, por exemplo, não

    e preso ~'lenos fortemente à terra em que mora do que o

    propnetano territorial. E mais fácil para este último alienar

    seu pa tr mônio do que seria para o primeiro transportar sua

    reputação a outro lugar. Sua fortuna está na confiança que

    msptra. Essa confiança se deve a vários anos de trabalho, de

    inteligência, de habilidade, aos serviços que prestou, ao cos-

    tume que os outros contraíram de recorrer a ele em circuns-

    tâncias difíceis, aos conhecimentos locais que sua longa ex-

    PRINciPIaS DE POLfTICA

    63

    periência

    reuniu. A expatriação o privaria dessas vantagens.

    Ele seria arruinado pelo simples fato de que se apresentaria

    desconhecido numa terra estranha.

    Mas essa propriedade dita intelectual reside apenas na

    opinião. Se a todos é permitido atribuí-Ia a si, todos sem

    dúvida a reclamarão, porque os direitos políticos se torna-

    rão não apenas uma prerrogativa social, mas um atestado

    de talento, e recusar uma e outro a si próprio seria um raro

    ato de desinteresse e de modéstia, ao mesmo tempo. Se é a

    opinião dos outros que deve conferir essa propriedade inte-

    lectual, essa opinião dos outros só se manifesta pelo suces-

    so e pela fortuna que é o resultado necessário deste. Então,

    a propriedade será naturalmente o quinhão dos homens

    distinguidos em todos os gêneros.

    Mas há considerações de mais alta relevância a encarecer.

    As profissões liberais, talvez mais que todas as outras, necessi-

    tam estar reunidas à propriedade, para que sua influência não

    seja funesta nas discussões políticas. Essas profissões, tão re-

    comendáveis sob tantos aspectos, nem sempre contam entre

    suas vantagens a de colocar nas idéias essa justeza prática, ne-

    cessária para se pronunciar sobre os interesses positivos dos

    homens. Vimos, em nossa Revolução, literatos, matemáticos,

    químicos, entregarem -se às opiniões mais exageradas, o que

    não quer dizer que, sob outros aspectos, eles fossem esclareci-

    dos e estimáveis. Mas eles haviam vivido longe dos homens:

    uns tinham se acostumado a se abandonar à sua imaginação;

    outros a só levar em conta a evidência rigorosa; os terceiros a

    ver a natureza, na reprodução dos seres, antecipar a destrui-

    ção. Eles tinham chegado por caminhos diferentes ao mesmo

    resultado, o de desdenhar as considerações tiradas dos fatos,

    de desprezar o mundo real e sensível e de raciocinar sobre o

    estado social como entusiastas, sobre as paixões como geô-

    metras, sobre as dores humanas como médicos .

    Se esses erros foram o quinhão de homens superiores,

    quais não serão os desgarres dos candidatos subalternos, dos

    pretendentes infelizes? Quão urgente é pôr um freio nos

    amores-próprios feridos, nas vaidades exasperadas, em todas

    essas causas de amargo r, de agitação, de descontentamento

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    19/44

    64

    ESCRITOS

    DE

    POLfTICA

    contra uma sociedade na qual o descontente se sente desloca-

    do, de ódio contra homens que parecem injustos avaliadores

    Todos os trabalhos intelectuais são honrosos, não resta dúvi-

    da; todos devem ser respeitados. Nosso primeiro atributo,

    nossa faculdade distintiva, é o pensamento. Quem dele faz

    uso, tem direito

    à

    nossa estima, independentemente do su-

    cesso. Quem o ultraja ou o repele, abdica do nome de homem

    e se coloca fora da espécie humana. No entanto, cada ciência

    dá ao espírito de quem a cultiva uma direção exclusiva que se

    torna perigosa nos negócios políticos, a não ser que seja con-

    trabaIançada. Ora, o contrapeso só pode estar na propriedade.

    Somente ela estabelece vínculos uniformes entre os homens.

    Ela os acautela contra o sacrifício imprudente da felicidade e

    da tranqüilidade dos outros, envolvendo nesse sacrifício seu

    próprio bem-estar e obrigando-os a calcular por si mesmos.

    Ela os faz descer do alto das teorias quiméricas e dos exageros

    inaplicáveis, estabelecendo entre eles e o resto dos membros

    da associação relações numerosas e interesses comuns.

    E não creiam que essa precaução seja útil apenas para a

    manutenção da ordem; ela não o é menos para a manuten-

    ção da liberdade. Por uma reunião bizarra, as ciências que,

    nas agitações políticas, às vezes dispõem os homens a idéias

    de liberdade impossíveis, outras vezes os tornam indiferentes

    e servis sob o despotismo. Os homens de ciência propria-

    mente ditos raramente são prejudicados pelo poder, inclusive

    pelo poder injusto. O poder só odeia o pensamento. Ele apre··

    cia sobremaneira as ciências como meio para os governantes

    e as belas-artes como distrações para os governados. Assim,

    estando garantidos pela carreira que seguem contra as vexa-

    ções de uma autoridade que nunca vê neles seus rivais, os

    homens cujos estudos não têm relação alguma com os inte-

    resses ativos da vida costumam se indignar muito pouco com

    os abusos de poder que pesam sobre outras classes : .

     

    Benjamin Constant voltou atrás na idéia demasiado absoluta que só

    concedia direitos eleitorais aos proprietários fundiários. Ele modificou este ca-

    pítulo na segunda edição das suas

    Reflexões sobre as Constituições e as garantias,

    capoVII, pp. 281

    55.

    desta edição. (E.L.).

    CapítuloVII

      discussão n s ssembléi s

    represent tiv s

    Devemos à Constituição atual um aprimoramento im-

    portante, o restabelecimento da discussão pública nas as-

    sembléias. ,

    A Constituição do ano

    VlII

    39

    a vedava: a Cart':. real so a

    permitia com muitas restrições, para uma das ~a~~ras, e

    cercava todas as deliberações da outra de um mIsten? 9.u

    e

    nenhum motivo razoável podia explicar. Voltamos a idéias

    simples. Sentimos que os mandatários só se reuniam na ,e~-

    perança de se entender, que para se entender era necessar2°

    falar e que, salvo algumas exceções raras e breves, ele~ n~o

    eram autorizados a disputar com seus mandantes o direito

    de saber como tratavam seus interesses. .

    Um artigo, que a princípio parece minucio.so ~,que foi

    criticado na Constituição que vai nos reger, contribuirá pode-

    rosamente para que as

    discussões

    s~jam úteis. E aquele que

    defende os discursos escritos. E

    mais

    regulamentar do que

    constitucional, admito; mas o abuso desses discursos teve

    tanta influência e desnaturou tanto o andamento ~a:, nossas

    assembléias, que é bom que se lhes dê enfim remedlO.

    É só quando os oradores são o~rigad

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    66

    ESCRITOS DE POLÍTICA

    sua memória: as idéias que ouviram se amalgamam com as

    que eles têm, modificam-nas e lhes sugerem respostas que

    apresentam as questões sob seus diversos pontos de vista.

    Quando os oradores se limitam a ler o que escreveram

    no silêncio do seu gabinete, não discutem mais, amplificam;

    não ouvem mais, porque o que ouvirem não pode mudar

    em nada o que vão dizer. Eles esperam que o orador a que

    devem suceder termine, não examinam a opinião que este

    defende, contam o tempo que ele gasta e que lhes parece

    um atraso. Então não há mais discussão, cada um reproduz

    objeções já refutadas, cada um deixa de lado tudo o que não

    previu, tudo o que atrapalhe seu arrazoado preparado de

    antemão. Os oradores se sucedem sem se encontrar; se re-

    futam, é mero acaso. Parecem dois exércitos que desfilassem

    em sentido oposto, um ao lado do outro, mal se perceben-

    do, evitando até se entreolhar, por medo de sair do caminho

    irreversivelmente traçado.

    Esse inconveniente de uma discussão que se compõe

    de discursos escritos não é nem o único, nem o mais temí-

    vel. Há um muito mais grave.

    O que, entre nós, mais ameaça a ordem e a liberdade

    não é o exagero, não é o erro, não é a ignorância, embora

    todas essas coisas não nos façam falta: é a necessidade de

    fazer efeit? Essa necessidade, que degenera numa espécie

    de furor, e tanto mais perigosa por não ter sua origem na

    natureza do homem, mas ser uma criação social, fruto tar-

    ?io e factício de uma velha civilização e de uma capital

    Imensa. Em conseqüência, ela não se modera por si só,

    como todas as paixões naturais que a própria duração des-

    gasta. O sentimento não a detém, porque ela não tem nada

    em comum com o sentimento; a razão nada pode contra

    ela, porque não se trata de ser convencido, mas de conven-

    c:r. O próprio cansaço não a acalma, porque quem a sente

    nao consulta suas próprias sensações, mas observa as que

    produz em outros. Opiniões, eloqüência, emoções, tudo é

    meio. e o próprio homem se metamorfoseia num instru-

    mento da sua própria vaidade.

    PRINciPIas DE POLfTICA

    67

    Numa nação assim disposta, é necessário fazer que a

    mediocridade perca o máximo possível a esperança de pro-

    duzir um efeito qualquer, pelos meios que tem ao seu al-

    cance. Digo um efeito qualquer, porque nossa vaidade é hu-

    milde, ao mesmo tempo que é desenfreada: ela aspira a

    tudo e se contenta com pouco. Ao vê-Ia expor suas preten-

    sões, imaginá-Ia-íamos insaciável; ao vê-Ia deleitar-se com

    os mais ínfimos sucessos, admiramos sua frugalidade.

    Apliquemos essas verdades ao nosso tema. Querem

    que nossas assembléias representativas sejam sensatas?

    Imponham aos homens que nela querem brilhar a necessi-

    dade de ter talento. A maioria se refugiará na razão, na pior

    das hipóteses; mas se vocês abrirem para essa maioria uma

    carreira em que cada um possa dar alguns passos, ninguém

    quererá recusar tal vantagem. Cada um se dará seu dia de

    eloqüência e sua hora de celebridade. Se cada um puder fa-

    zer um discurso escrito ou encomendá-lo. pretenderá dei-

    xar uma marca em sua existência legislativa, e as assem-

    bléias se tornarão academias, com a diferença de que as

    arengas acadêmicas nelas decidirão da sorte, das proprieda-

    des e até da vida dos cidadãos.

    Recuso-me a citar provas incríveis desse desejo de fa-

    zer efeito, nas épocas mais deploráveis da nossa Revolução.

    Vi representantes buscarem temas de discurso para que seu

    nome não ficasse alheio aos grandes movimentos que se

    haviam produzido; encontrado o tema, escrito o discurso, o

    resultado era indiferente. Banindo os discursos escritos,

    criaremos em nossas assembléias o que sempre lhes faltou:

    essa maioria silenciosa que, disciplinada, por assim dizer,

    pela superioridade dos homens talentosos, é reduzida a

    ouvi-los, na impossibilidade de poder falar em seu lugar;

    que se esclarece, por ser condenada a ser modesta e que se

    torna sensata, calando-se .

      Na Inglaterra, o usoparlamentar veda os discursos escritos, sendo per-

    mitido apenas consultar notas para ajudar a memória. Não é o único emprés-

    timo que seria desejável tomar doParlamento inglês. Nada é mais sensato que

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    68

    ESCRITOS DE POLfTICA

    A presença dos ministros nas assembléias acabará dan-

    do às discussões o caráter que elas devem adquirir. Os pró-

    prios ministros discutirão os decretos necessários à admi-

    nistração; eles trarão conhecimentos de fato que somente o

    exercício do governo pode proporcionar. A oposição não

    parecerá uma hostilidade, a persistência não degenerará em

    obstinação. Cedendo às objeções razoáveis, o governo

    emendará as proposições sancionadas, explicará as reda-

    ções obscuras. A autoridade poderá, sem se comprometer,

    prestar uma justa homenagem à razão e defender-se ela

    própria pelas armas do raciocínio.

    Todavia, nossas assembléias só alcançarão o grau de

    perfeição de que o sistema representativo é passível quando

    os ministros, em vez de assistirem a elas como ministros,

    forem seus membros pela eleição nacional. Era um grande

    erro das nossas Constituições precedentes essa incompati-

    bilidade estabelecida entre o ministério e a representação.

    Se os representantes do povo nunca podem participar

    do poder, é de se temer que eles o considerem como seu

    inimigo natural. Se, ao contrário, os ministros puderem ser

    escolhidos dentro das assembléias, os ambiciosos só dirigi-

    rão seus esforços contra os homens e respeitarão a institui-

    ção. Como os ataques só visarão os indivíduos, serão menos

    perigosos para o conjunto. Ninguém vai querer destruir um

    instrumento cujo uso poderá conquistar, e quem procuraria

    diminuir a força do poder executivo, se essa força devesse

    lhe permanecer sempre estranha, irá poupá-Ia, se ela puder

    se tornar um dia propriedade sua.

    Vemos o exemplo disso na Inglaterra. Os inimigos do

    ministério contemplam, no poder deste, sua força e sua au-

    toridade futura. A oposição poupa as prerrogativas do go-

    verno como sua herança e respeita seus meios vindouros

    em seus adversários presentes.

    É

    um grande vício, numa

    as medidas estabelecidas para que os debates não se afastem da conveniência

    e da verdade. O leitor pode consultar a esse respeito o erudito tratado de May,

    T. E., A Practical Treatise of the Lato, Prioileges. Proceedings, and Usage of Parlia-

    ment  Londres. 1859, capoXI. (E.L.)

    PRINcfpIOS DE POLfTICA

    69

    Constituição, estar situada entre os partidos, de. m~r:eira

    que um só possa chegar ao outro através da Constituição. E

    no entanto é o que acontece quando o poder executivo,

    posto fora do alcance dos legisladores, é para eles sempre

    um obstáculo e jamais uma esperança.

    Não pode gabar-se de excluir as facções de uma orga-

    nização política quem quiser conservar as vantagens da li-

    berdade. É preciso, portanto, trabalhar para tornar essas

    facções o mais possível inocentes e, como às vezes elas se-

    rão vitoriosas, é necessário de antemão prevenir ou atenuar

    os inconvenientes da sua vitória.

    Quando os ministros são membros das assembléias,

    é

    mais fácil atacá-los se são culpados, porque, sem que seja

    necessário denunciá -los. basta responder-lhes; eles tam-

    bém se desculpam mais facilmente, se são inocentes, pois

    podem explicar e motivar sua conduta a tod~ instante.

    Reunindo os indivíduos, sem parar de distinguir os po-

    deres, constitui-se um govemo em harmonia, em vez de criar

    dois campos sob as armas. .

    Daí resulta também que um ministro inepto ou suspei-

    to não pode conservar sua potência. Na Inglaterra, o minis-

    tro perde de fato seu posto se estiver em minoria  .

      Pitt foi uma exceção a essa regra durante dois meses. em 1784. Mas é

    que anação inteira era afavordo seu ministério,contra aCâmara dos Comuns.

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  • 8/18/2019 CONSTANT, Benjamin. Escritos de Política - Capítulos 4 a 14

    22/44

    Capítulo VIII

    Da iniciativa

     

    ~oi r:'al compreendido, parece-me, o sentido do artigo

    constItucIOnal referente à iniciativa. A Carta real a recusava

    q~ase inteiramente às câmaras que ela própria havia criado.

    So por uma extensão, por assim dizer ilegal, é que os depu-

    ta?os se apoderaram da faculdade de desenvolver em

    pú-

    blico suas propostas e que os ministros anunciavam o pro-

    jeto de lhes disputar esse privilégio. Quando uma proposta

    era acolhida, formas lentas e embaraçadas entravavam seu

    ~n~a:nento. Numa palavra, o direito de proposta, na Cons-

    tituiçâo de 1814, era um recurso insuficiente, contrário à in-

    tenção da própria Constituição e sempre correndo o risco

    de ser suprimido por uma interpretação mais rigorosa dessa

    Constituição.

    Em nosso Ato Constitucional, ao contrário, uma só di-

    ferença distingue a iniciativa das câmaras daquela de que o

    ~arlar:'ento da Inglaterra é investido: o chefe de Estado não

    e obngado a pronunciar seu veto: o silêncio faz as vezes

    deste. Mas, quando a opinião pública reclama a adoção de

    uma pr~posta popular, um governo representativo pode lhe

    opor /sIlencIO. ~or muito tempo? O caráter de tal governo

    nao e ser dmgIdo pela opinião? Portanto a iniciativa é, de

    fato, entregu.e con:pletamente aos representantes da nação,

    que .p~odem inclusive reproduzir suas propostas com tanta

    frequencIa quanto julgarem conveniente, direito que o arti-

    go 21 da Carta reallhes tomara.

    PRINClpIOS DE POLfTICA

    7

    Minha opinião sobre a iniciativa não mudou, em abso-

    luto. Ela me parece, como há um ano, parte necessária das

    atribuições da representação nacional . Ela não ~od~, sem

    dúvida, ser recusada aos ministros. Cabe a eles indicar os

    desejos do governo, assim como os deputados indicam a

    aspiração do povo; mas acontecerá naturalmente q~e. o go-

    verno quase nunca exercerá sua iniciativa. Os mI~Istros,

    tendo assento na câmara entre os representantes, farao nes-

    sa qualidade as propostas que as circunstâncias. C : U as ne-

    cessidades do Estado exigirem. O governo

    sentirá

    que faz

    parte da sua dignidade mais esperar do que antece~er.

    Quando propõe projetos de lei, é ele que se submete ao Jul-

    gamento das câmaras; quando aguarda a proposta das ca-

    maras, torna-se juiz destas.

    Deixemos, durante esses primeiros momentos, nosso

    mecanismo constitucional se estabelecer e se simplificar

    pelo uso e o costume. Multiplicam-se as dificuldades imagi-

    nando preveni-Ias; criam-se dificuldades ao transformar em

    dano incertezas que se devem à inexperiência. Ponha~os

    com boa-fé a Constituição em atividade. Em vez de abala-Ia

    com modificações prematuras, vejamos se o emprego do

    que existe não nos oferece as me~~a~ vantagen,s ..Enquanto

    não se experimentar uma Constituição pela pratica, as fo~-

    mas são letra morta: somente a prática demonstra seu efei-

    to e determina seu sentido. J á abatemos demasiadas vezes o

    edifício a pretexto de reconstruí-Io: aprov.eitemos.doravante

    as luzes que somente pelos fatos se adquirem, a flI~ ?-epro-

    ver gradativamente a todas as n.ec_essidades ~arClaIS, com

    medida, com sabedoria, com lentidão, com a ajuda do tem-

    po; o mais ameno e mais poderoso de todos os auxiliares.

    *

    Reflexões sobre as Constituições e as garantias,

    capo IV ,

    §

    4.

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  • 8/18/2019 CONSTANT, Benjamin. Escritos de Política - Capítulos 4 a 14

    23/44

    Capítulo IX

    Da responsabilidade dos ministros 

    A Constituição atual talvez tenha sido a única a estabe-

    lecer sobre a responsabilidade dos ministros princípios per-

    feitamente aplicáveis e suficientemente amplos.

    Os ministros podem sofrer acusação e merecer ser pro-

    cessados de três maneiras:

    1~- Por abuso ou mau uso do seu poder legal;

    2~- por atos ilegais, prejudiciais ao interesse público,

    sem relação direta com os particulares;

    3~- por atentados contra a liberdade, a segurança e a

    propriedade individual.

    Provei, numa obra que veio a público há três meses ,

    que, como esta última espécie de delito não tem relação al-

    guma com as atribuições de que os ministros são legalmen-

    te investidos, eles se incluíam, sob esse aspecto, na classe

    dos

    cidadãos

    e deviam ser julgados por tribunais ordinários.

    Ecerto que, se um ministro, num acesso de paixão, rap-

    tasse uma mulher ou se, num acesso de cólera, matasse um

    homem, não deveria ser acusado como ministro, de manei-

    ra particular, mas ser alvo, como violador das leis comuns,

    das ações judiciais a que seu crime estaria exposto pelas leis

    comuns, e nas formas prescritas por estas.

    Ora, aplica-se a todos os atos que a lei reprova o mes-

    mo que ao rapto e ao homicídio. Um ministro que atente

    * De Ia responsabilité des ministres, Paris, 1815, capo I.

    PRINCÍPIOS DE POLÍTICA

    73

    ilegalmente contra a liberdade ou a propriedade de um ci-

    dadão não peca como ministro, porque nenhuma das suas

    atribuições lhe dá o direito de atentar ilegalmente contra a

    liberdade ou a propriedade de um indivíduo. Ele se inclui

    portanto na classe dos outros culpados e deve ser processa-

    do e punido como eles.

    Cumpre notar que depende de cada um de nós atentar

    para a liberdade individual. Não é um privilégio particular

    dos ministros. Eu posso, se quiser, contratar quatro homens

    para esperar meu inimigo numa esquina e arrastá-lo para

    um reduto obscuro, em que o mantenha encerrado sem

    ninguém saber. O ministro que manda raptar um cidadão,

    sem ter sido autorizado para tanto pela lei, comete o mes-

    mo crime. Sua qualidade de ministro é alheia a esse ato,

    cuja natureza em nada altera. Porque, mais uma vez, como

    essa qualidade não lhe dá o direito de deter os cidadãos, em

    desacato à lei e contra suas disposições formais, o delito que

    ele comete se inclui na mesma classe que o homicídio, o

    rapto ou qualquer outro crime privado.

    Sem dúvida o poder legítimo do ministro lhe facilita os

    meios de cometer atos ilegítimos; mas esse emprego da sua

    potência é apenas mais um delito. É como se um indivíduo

    forjasse uma nomeação de ministro para se impor a seus

    agentes. Esse indivíduo suporia uma missão e se arrogaria

    um poder de que não seria investido. O ministro que orde-

    na um ato ilegal também se pretende investido de uma au-

    toridade que não lhe foi conferida. Em conseqüência, em

    todos os delitos de que os indivíduos são vítimas, eles de-

    vem mover uma ação direta contra os ministros.

    Quis-se contestar aos tribunais ordinários o direito de

    se pronunciar sobre as acusações dessa natureza. Alegou-se

    sucessivamente a fraqueza dos tribunais, que temeriam

    condenar homens poderosos, e o inconveniente de confiar

    a esses tribunais o que se chamou segredos de Esta?o.

    Esta última objeção se prende a velhas idéias. E um re-

    síduo do sistema em que se admitia que a segurança do Es-

    tado podia exigir atos arbitrários. Então, como a arbitrarie-

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  • 8/18/2019 CONSTANT, Benjamin. Escritos de Política - Capítulos 4 a 14

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    74

    ESCRITOS DE POL TICA

    dade não pode ser justificada. já que supõe a ausência dos

    fatos e das provas que teriam tornado suficiente a lei, pre-

    tende-se que o segredo é indispensável. Quando um minis-

    tro manda prender e deter ilegalmente um cidadão, é sim-

    ples para os seus apologistas atribuírem essa humilhação a

    razões secretas, que são do conhecimento apenas do minis-

    tro e,qu.e ele não pode revelar sem comprometer a seguran-

    ça

    pública.

    Quanto a mim, não conheço segurança pública

    sem garantia individual. Creio que a segurança pública é

    comprometida principalmente quando os cidadãos vêem

    na autoridade um perigo, em vez de uma salvaguarda. Creio

    q~e ~ arbitrariedade é o verdadeiro inimigo da segurança

    pública: que as trevas com que a arbitrariedade se envolve

    apenas agravam seus perigos; que não há segurança

    públi-

    c~ sen,ão .na jus_tiça,que não há justiça senão pelas leis, que

    nao ha leis senao pelas formas. Creio que a liberdade de um

    só cidadão interessa suficientemente o corpo social para

    que a causa de todo rigor exercido contra ele deva ser conhe-

    ci~a ~or seus juízes naturais. Creio que é esse o objetivo

    pri

    noipa],

    o objetivo sagrado de toda instituição política e

    que, como nenhuma Constituição pode encontrar fora daí

    uma legitimidade completa, em vão ela procuraria fora

    dai

    uma

    força e uma duração cer