considerações sobre a sociologia de max weber
DESCRIPTION
sociologiaTRANSCRIPT
CONSIDERAÇÕES SOBRE A SOCIOLOGIA DE MAX WEBER
Cláudio Marques Martins Nogueira
Mestre em Sociologia pela Fafich/UFMG. Professor Assistente de Sociologia da Educação da
Fae/UFMG.
Resumo: O artigo analisa a concepção weberiana de Ciência Social. Numa
primeira parte, discuti-se o modelo epistemológico mais amplo de Weber e são
considerados seus argumentos relativos ao problema da objetividade do
conhecimento nas Ciências Sociais. Na segunda parte, realiza-se uma reflexão
sobre o que, essencialmente, seria o projeto sociológico weberiano. Na parte final,
são considerados certos limites do paradigma weberiano, associados à sua
definição da Ciência Social como “Ciência da Realidade”.
Weber ( 1993, pág. 124 ) afirma que a Ciência Social que ele pretende
exercitar é uma “Ciência da Realidade”, voltada para a compreensão da
significação cultural atual dos fenômenos e para o entendimento de sua origem
histórica.
Essa não é uma afirmação trivial. O termo “Ciência da Realidade”, tal como
utilizado por Weber, aponta, na verdade, para um concepção específica do objeto
e do método das Ciências Sociais.
Esse artigo pretende discutir, justamente, essa especificidade. O que
significa esse compromisso enfático com o estudo da realidade? Que objetos são
definidos como pertinentes e quais são excluídos do âmbito dessas ciências?
O artigo está dividido em três partes. Numa primeira, são discutidos alguns
pontos mais gerais do modelo epistemológico weberiano e, especificamente, suas
considerações sobre a possibilidade de um conhecimento objetivo nas chamadas
Ciências da Cultura.
Numa segunda parte, discuti-se propriamenhte o projeto weberiano para as
Ciências Sociais. Como são definidos o objeto e o método dessas ciências?
Servindo-se das reflexões realizadas nas duas primeiras partes, discute-se, na
parte final, certos limites do paradigma weberiano, associados, justamente à sua
definição da Ciência Social como Ciência da Realidade.
A EPISTEMOLOGIA WEBERIANA
A epistemologia weberiana pode ser compreendida como resultando da
articulação de duas premissas com uma afirmação aparentemente antitética. As
premissas são: 1) o conhecimento só é possível a partir da referência a valores e
interesses; 2) valores e interesses não podem ser validados ou hierarquizados
segundo critérios objetivos. A afirmação é a seguinte: é possível alcançar um
conhecimento objetivo, universalmente válido, científico, no sentido mais forte da
palavra.
A questão, então, é entender como é possível para Weber, partindo das
duas premissas indicadas, chegar a essa última afirmação. Talvez a melhor
estratégia seja considerar, inicialmente, as próprias premissas.
O que está sendo chamado aqui de premissas da epistemologia weberiana,
são, na verdade, as duas perspectivas básicas que definem a concepção de
Weber no que se refere à relação entre conhecimento, realidade e valores.
Seguindo uma orientação claramente neokantiana, Weber assume, de forma
radical e com todas as implicações daí decorrentes, o postulado da existência de
uma separação clara entre os planos do conhecimento e da realidade, cuja
transposição é sempre parcial, provisória e, sobretudo, mediada por uma série de
categorias e construções conceituais definidas conforme os valores e interesses
de quem busca o conhecimento.
A realidade é entendida como algo infinito, que pode ser apreendido a partir
de inúmeros ângulos, mas jamais na sua totalidade ou essência. A conhecimento
seria sempre fruto de um recorte particular, da seleção de um conjunto específico
de problemas e de fenômenos. Essa seleção ou recorte particular seria,
necessariamente, feita a partir das referências pessoais dos sujeitos
cognoscentes. Weber nega, assim, a possibilidade de um conhecimento absoluto,
livre de quaisquer pressupostos, capaz de definir de modo completamente neutro
qual a verdade absoluta das coisas. Não existiria, segundo ele, um ponto
privilegiado a partir do qual o investigador pudesse atingir uma visão isenta e
global da realidade. Ao contrário, todo e qualquer conhecimento estaria referido a
valores e interesses subjetivos. Seriam a partir dessas referências que os sujeitos
atribuiriam relevância e selecionariam, dentro da realidade infinita, os problemas e
objetos que, do seu ponto de vista, mereceriam ser investigados.
A primeira premissa do modelo epistemológico weberiano é, portanto, a do
caráter inexorável da referência do conhecimento a valores e interesses. Não
existiriam problemas ou objetos que seriam intrinsicamente relevantes para o
conhecimento humano. De uma forma ou de outra, o sujeito cognoscente sempre
partiria de um conjunto específico de referências e pressupostos culturalmente
definidos. É uma questão secundária, o fato de que se trate de um sistema ético,
de um conjunto de postulados metafísicos, de um modelo teórico ou de um
conjunto de crenças e interesses religiosos ou econômicos. Em todos esses
casos, a situação seria, basicamente, a mesma. Tratar-se-ia de conjuntos de
perspectivas ou referenciais subjetivos que orientariam os investigadores nas
atividades do conhecimento.
A segunda premissa fundamental seria a de que essas referências não
poderiam jamais ser validadas e nem mesmo hierarquizadas segundo critérios que
pudessem ser chamados de objetivos. A adesão a determinados valores ou a uma
visão de mundo específica seria, em última instância, uma questão de fé ( Weber,
1993 ). Não existiriam parâmetros objetivos a partir dos quais se pudesse decidir
sobre o melhor valor ou a visão de mundo mais verdadeira. A adesão a qualquer
desses pontos de vista seria sempre dependente de uma convicção pessoal,
subjetiva. Todos os valores, as visões de mundo, os sistemas metafísicos, as
normas e princípios éticos que conduzem os homens em seus assuntos práticos e
que são referências do conhecimento seriam incomensuráveis e teriam, em
princípio, que ser tomados como equivalentes.
A associação entre essas duas premissas, ou seja, o reconhecimento de
que as referências valorativas são inevitáveis e de que não é possível selecioná-
las segundo critérios objetivos, poderia ter conduzido Weber a uma postura cética
e relativista. Partindo dessas premissas, a conclusão aparentemente mais lógica
seria a que afirmasse que não é possível um conhecimento objetivamente válido
da realidade, sobretudo, no que se refere aos fenômenos culturais. A conclusão
de Weber, no entanto, é exatamente a contrária. A objetividade do conhecimento é
possível, inclusive, nas Ciências da Cultura.
É importante lembrar que dentro do contexto intelectual alemão do final do
século passado, no qual Weber se inseria, existiam pelo menos duas respostas
disponíveis à questão da validação do conhecimento das Ciências da Cultura.
Ambas, no entanto, foram rejeitadas por Weber. Dilthey, em linhas gerais,
acreditava que o conhecimento dos fenômenos culturais se fundamentava na
estratégia da compreensão introspectiva, método pretensamente capaz de
resgatar o mundo tal como subjetivamente vivido pelos indivíduos. A possibilidade
desse resgate estaria, em princípio, garantida pela identidade humana e histórica
que une, nas Ciências da Cultura, o sujeito e o objeto. Como sujeito humano o
observador poderia compreender de modo relativamente fácil outros universos
humanos. Weber rejeita a solução de Dilthey, fundamentalmente, argumentando
que o acesso a esse universo subjetivo não é nem direto, nem completo e nem
imparcial. Tratar-se-ia, além disso, de um método de difícil controle intersubjetivo,
que como tal não poderia ser posto como garantia de objetividade.
A outra solução para o problema da validade do conhecimento presente no
contexto intelectual de Weber era sustentada principalmente por Rickert e
Windelband. Para estes, existiriam certos valores universais e necessários,
supostamente compartilhados pela humanidade e pelo cientista, que orientariam,
de modo unívoco, o trabalho de seleção dos problemas e objetos nas Ciências da
Cultura. A observação desses valores universais seria a garantia da relevância e
pertinência do conhecimento produzido. Como observa Saint-Pierre a relação com
os valores seria, particularmente para Rickert, não “apenas um princípio de
seleção do material de estudo, mas, e principalmente, constituía o fundamento da
validade do conhecimento histórico-social” (1994, pág. 24). Weber rechaça esse
alternativa acentuando, sobretudo, o fato de que os valores não são universais,
mas, ao contrário, múltiplos e contraditórios. Não existiria um sistema de valores
privilegiado, fundado numa base transcendental, com relação ao qual as Ciências
da Cultura pudessem se orientar, mas, apenas, o eterno confronto histórico entre
diversos valores inconciliáveis.
Em contraposição a essas duas alternativas, Weber busca uma solução
para o problema da objetividade do conhecimento que, como observa Saint-Pierre,
se situa no plano metodológico. O conhecimento objetivo é possível desde que os
sujeitos cognoscentes se comprometam a observar certas regras próprias à
atividade científica. A objetividade não seria alcançada pela extirpação de toda e
qualquer referência a valores e pela busca de um olhar imparcial, como talvez
sonhassem os positivistas. Weber se mantém fiel a sua primeira premissa.
Também não seria obtida por meio da hierarquização das várias referências e da
escolha, entre essas, daquela mais verdadeira - talvez, algum sistema teórico ou
metafísico ou, ainda, um conjunto de valores superiores, como queria Rickert - a
partir do qual se pudesse proceder a uma abordagem unívoca da realidade.
Weber, também, não abandona a sua segunda premissa; não é possível
selecionar segundo critérios cientificamente válidos qual a referência melhor ou
mais verdadeira.
A objetividade do conhecimento é possível, no entanto, desde que, em
primeiro lugar, sejam claramente separadas as esferas do conhecimento empírico
e da ação prática, particularmente, a de natureza política ou religiosa. Weber se
dedica exaustivamente ( Por ex.: 1982 e 1993 ) ao estabelecimento de uma
delimitação clara entre essas duas esferas. Os objetivos que a ciência deve se
colocar e que ela é capaz de alcançar são radicalmente distintos dos que cabem,
por exemplo, à política. Embora se sirva da relação com valores para selecionar
seus objetos e ângulos de investigação, a ciência não deve, como tal, fazer
julgamentos de valor. Ela deve se restringir a fazer julgamentos científicos sobre a
realidade tal como esta é empíricamente, não sobre como ela supostamene
deveria ser. Até mesmo porque a ciência não é capaz de fazer julgamentos
objetivos sobre valores, sobre como as coisas devem ser. Esses julgamentos são
necessariamente subjetivos.
O primeiro passo para se garantir a objetividade do conhecimento científico
é, portanto, separar claramente julgamentos de valor e julgamentos de fato e
excluir os primeiros do âmbito da ciência. Essa, de certa forma, é uma atitude que
depende de uma decisão individual dos pesquisadores, mas que, para Weber
( 1993 ), poderia ser incentivada e cobrada pelas associações e revistas
científicas. É importante observar que a objetividade do conhecimento é possível,
na perspectiva weberiana, na medida exata em que os cientistas estejam
deliberadamente dispostos a se comprometer com a busca dessa objetividade.
Esse compromisso tem como eixo principal a renúncia aos julgamentos de valor,
mas é algo mais amplo. Weber espera, na verdade, que o cientista esteja disposto
a se curvar frente ao imperativo das proposições empíricas, factuais, que não se
apegue às suas referências teóricas e filosóficas de modo dogmático, que esteja
aberto ao diálogo e à crítica e que saiba correr o risco constante da refutação
empírica de suas idéias.
Uma maneira interessante de se interpretar a concepção weberiana do
conhecimento científico é recorrendo à separação entre Contexto da Descoberta e
Contexto da validação. Weber sabe que o interesse pelo conhecimento e a
seleção do problema, do objeto e do ângulo específico das investigações são
definidos necessariamente através de uma relação com valores subjetivos – essa
é, justamente, uma de suas premissas. Essa relação com valores não alcançaria,
no entanto, o plano da verificação empírica das hipóteses. Uma vez proposto, o
conhecimento poderia e deveria ser julgado, objetivamente, do ponto de vista de
sua lógica interna e validade empírica. A relação com os valores dominaria apenas
o Contexto da Descoberta. O Contexto da Validação deveria ser consciente e
deliberadamente liberto das influências subjetivas. Neste contexto deveria imperar
o espírito crítico e antidogmático. Os resultados do conhecimento, para serem
considerados cientificamente válidos, teriam que se submeter ao controle
intersubjetivo e ser universalmente aceitos.
Weber nos fala, portanto, particularmente, no caso das Ciências da Cultura,
de duas dimensões claras do trabalho científico. Uma primeira dimensão, em que
nenhuma forma de controle é possível. As referências subjetivas que orientam o
conhecimento são múltiplas, inconciliáveis e não são passíveis de nenhum tipo de
julgamento ou hierarquização segundo critérios objetivos. Partindo de referências
variadas, os sujeitos selecionariam problemas e objetos e construiriam conceitos e
hipóteses. Uma vez formuladas as hipóteses, passaria-se para a segunda
dimensão, na qual imperaria o controle intersubjetivo, tendo na validação empírica
seu critério fundamental.
Do ponto de vista deste artigo, o que é mais importante sublinhar é o
compromisso de Weber com a busca da objetividade nas Ciências Sociais. Toda
sua reflexão epistemológica está voltada para a construção de uma estratégia
capaz de conciliar a referência a valores múltiplos e contraditórios com a conquista
da objetividade. Sua afirmação de que a Ciência Social que ele pretende praticar é
uma ciência da realidade só pode ser entendida à luz desse compromisso.
A CONCEPÇÃO DE SOCIOLOGIA DE MAX WEBER
As características do paradigma sociológico weberiano só se definem à luz
da visão de mundo mais ampla de Weber, dentro da qual se articulam uma
concepção específica sobre o que é a realidade sócio-histórica e uma reflexão
profunda sobre a natureza do empreendimento científico.
Talvez o ponto central da perspectiva weberiana seja o reconhecimento de
que a realidade humana não possui um sentido intrínseco e unívoco, dado de
modo natural e definitivo, independentemente das ações humanas concretas.
Weber pressupõe que a realidade é infinita e sem qualquer sentido cognoscível
imanente. Seriam os sujeitos humanos que estabeleceriam recortes na realidade e
se posicionariam diante deles conferindo-lhes sentido.
Weber assume essa perspectiva de modo radical. Orientado por ela,
procura excluir das Ciências Sociais qualquer proposição que busque definir de
modo geral e substantivo qual a lógica da história, qual a dimensão estrutural
determinante da sociedade ou qual o sentido último subjacente às ações
individuais. Todas essas definições suporiam a existência de uma realidade
atemporal, naturalmente dada, subjacente e determinante dos fenômenos
empíricos. Weber não apenas não acredita na existência desses determinantes
ahistóricos do comportamento humano, como defende que não seria possível
defini-los de um modo objetivo, verificável segundo as regras da ciência.
Os únicos objetos legítimos das Ciências Sociais seriam, então, em si
mesmas, as ações sociais. O agente individual seria o único portador real de
sentido. A única coisa que realmente existiria seriam sujeitos humanos agindo de
uma forma e com um sentido específico e produzindo, de modo intencional ou
não, uma série de conseqüências. Cada fenômeno cultural só poderia ser
compreendido na sua significação e ter sua origem explicada a partir da referência
a agentes sociais que ao organizarem significativamente suas ações contribuiriam,
de forma mais ou menos intencional, para determinar essa significação e essa
origem.
Como observa Jaspers ( 1977 ), o “eixo” que orienta o trabalho
aparentemente disperso de Weber é, então, seu compromisso com o estudo de
“homens reais”, agindo em condições sociais e diante de processos históricos
definidos. Quando Weber afirma enfaticamente que a Ciência Social que ele
pretende praticar é uma “Ciência da realidade” o que ele esta querendo acentuar
é, em grande medida, esse compromisso com a análise de realidades empíricas
concretas, tornadas significativas por agentes historicamente situados. Não
existiria um mundo cognoscível acima, abaixo ou além do mundo das ações
significativas e das conexões entre ações. Todas as categorias conceituais,
incluindo as de natureza coletiva, como Estado, nação ou família, teriam que ser
formuladas de um modo que explicitasse sua relação com as ações sociais
concretas. Nenhum fenômeno seria definido por sua essência ou substância fixa.
Seriam os agentes concretos, historicamente localizados, agindo segundo os
valores mais diversificados e contraditórios, que construiriam, de modo mais ou
menos consciente, tudo o que seria culturalmente significativo.
O compromisso enfático de Weber com a interpretação de fenômenos
concretos, historicamente localizados, não permite, no entanto, que esse seja
confundido com um simples colecionador de fatos históricos ( Jaspers, 1977, pág.
126). Esse, certamente, não é seu perfil. O interesse de Weber não se restringe
ao acúmulo de dados ou mesmo a uma descrição detalhada de singularidades
histórico-sociais. Weber está interessado em compreender causalmente a
realidade empírica, em analisar a importância relativa de cada elemento presente
numa situação para a definição do curso subsequente dos acontecimentos. Esse
tipo de trabalho não pode basear-se, apenas, no conhecimento, por mais amplo
que seja, das características da situação que se deseja compreender. A
imputação causal só pode ser bem sucedida quando feita a partir do
conhecimento de regularidades empíricas. Somente a partir do conhecimento do
que é o comportamento provável em cada tipo de situação é que é possível ao
cientista analisar o caso concreto e definir as causas prováveis.
A solidariedade entre Sociologia e História, de que nos fala Aron ( 1990,
pág. 482 ), estaria baseada nessa dependência mútua entre o conhecimento do
geral e do particular nas Ciências Sociais. A sociologia estaria voltada para a
formulação das “regras gerais dos acontecimentos”. A história interessaria-se pela
“análise e imputação causal de ações, formações e personalidades individuais
culturalmente importantes” ( Weber, 1991, pág. 12). Uma, no entanto, dependeria
imensamente da outra. A compreensão dos eventos historicamente circunscritos
só poderia ser feita por meio do conhecimento das regularidades sociologicamente
definidas e essas só poderiam ser sustentadas através da demonstração de sua
validade em situações historicamente definidas.
É fundamental perceber que o projeto weberiano para as Ciências Sociais –
aí incluídas a Sociologia e a História - supõe muito mais do que a simples coleta e
descrição de dados definidos em sua singularidade empírica. Sem dúvida, na
medida mesmo em que se afasta das definições fixas dos fenômenos sociais,
Weber se aproxima das manifestações sociais concretas, marcadas por um
contexto histórico e cultural singular. Essa aproximação, no entanto, é mediada
por todo um instrumental analítico que transforma os fenômenos concretos em
objetos científicos. Os fenômenos empíricos são recortados conceitualmente.
Seus elementos e conexões internas são comparados com formas típicas
construídas artificialmente pelo observador. São avaliadas as várias causas
possíveis que explicariam sua configuração atual e atribuído um peso relativo a
cada uma delas.
Uma das preocupações de Weber foi, justamente, com a formulação de
certos instrumentos metodológicos que permitissem que o cientista investigasse
os fenômenos particulares sem se perder na infinidade disforme dos seus
aspectos concretos. O principal desses instrumentos é o tipo ideal. Os tipos ideais
cumpririam duas funções principais: selecionar explicitamente a dimensão do
objeto que será analisada e apresentar essa dimensão de uma forma pura,
despida de suas nuanças concretas. Nas palavras de Weber, a construção de
tipos permitiria operar uma espécie de abstração que converteria a realidade em
“objeto categorialmente construído” (1993-b, pág. 203). Os tipos seriam
elaborados “mediante acentuação mental de determinados elementos da
realidade”( 1993, pág.137 ) considerados, do ponto de vista do investigador,
relevantes para a pesquisa. O cientista social criaria definições exageradas,
unilaterais, das dimensões da realidade que pretendesse conhecer. Essas
definições poderiam então ser utilizadas, num segundo momento, para uma
espécie de comparação com o mundo real. Elas auxiliariam no trabalho de
compreensão e de imputação causal realizado pela Sociologia e pela História.
Cada aspecto concreto da realidade empírica poderia ser compreendido em
função da sua maior ou menor distância em relação à definição típico ideal.
O tipo ideal mais importante da Sociologia weberiana é o de ação racional
com referencia a fins. Este tipo de ação se caracterizaria pelo fato do ator escolher
de modo ponderado seus fins, considerando as conseqüências previsíveis, e por
adequar do modo que lhe parece mais eficaz, dadas as condições, os meios aos
fins. Seria um tipo de ação social no qual o sujeito agiria desapegado de vínculos
afetivos ou tradicionais. O que prevaleceria seria a análise objetiva da eficiência e
da eficácia, dos custos e benefícios de cada alternativa. A ação racional com
referência a valores possuiria, basicamente, as mesmas características. A
diferença é que os fins da ação, neste caso, seriam perseguidos de modo
absoluto, independentemente das conseqüências previsíveis que possam estar
associadas a eles. A idéia de Weber é de que a ação racional, nas suas duas
modalidades, seria a forma mais previsível, compreensível, de comportamento
humano. Quando desapegados de suas tradições e afetos, os homens agiriam
diante das situações de modo muito regular. Suas ponderações sobre os custos e
benefícios de cada alternativa de ação são feitas segundo regras que seriam mais
ou menos universais de raciocínio. Suas decisões, ou seja, os cursos efetivos da
ação seriam, portanto, muito regulares.
Seria, justamente, essa previsibilidade ou compreensividade máxima que
faria com que o tipo ideal de ação racional desempenhasse o papel de um recurso
metodológico tão central na Sociologia weberiana. Os fenômenos poderiam, num
primeiro momento, ser interpretados como baseados em ações racionais. Essa
interpretação seria, num segundo momento, comparada com a realidade concreta.
Os comportamentos divergentes seriam compreendidos como desvios, afetivos ou
tradicionais, em relação às ações racionais previstas.
Servindo-se de tipos que recriam, de modo acentuado, vários aspectos da
realidade empírica e valendo-se do conhecimento de certas regularidades da ação
humana - associadas, principalmente, ao seu caráter racional - Weber pode
construir, para cada situação social analisada, um quadro das possibilidades
objetivas de ação. Este quadro funciona como um recurso metodológico
complementar que permite avaliar a influência de modificações mais ou menos
abrangentes dos componentes de uma situação social sobre a escolha por parte
do sujeito do seu curso de ação. Torna-se possível simular vários cenários,
através da modificação virtual de determinado componente da situação, imaginar,
segundo as regras da experiência, como o ator reagiria às modificações, e, assim,
avaliar o peso causal que cada componente da situação desempenharia – ou
efetivamente desempenhou, no caso histórico - na definição do curso de ação. A
avaliação do significado causal de um fato para o curso subsequente dos
acontecimentos seria, assim, realizada considerando-se a probabilidade maior ou
menor, de acordo com as regras da experiência, de que, na ausência desse fato, o
comportamento dos agentes seja modificado. Seria possível simular a ausência do
fato e avaliar, com algum grau de segurança, quais as possibilidades objetivas de
que isso se traduza numa mudança do comportamento dos agentes e,
indiretamente, numa alteração do curso dos acontecimentos.
A reconstrução analítica de elementos da realidade em termos típico ideais
e a simulação das possibilidades objetivas envolvidas num acontecimento ou
situação – simulação baseada, principalmente, na previsão de como seria o curso
dos eventos no caso de ações puramente racionais – seriam os elementos
principais que permitiriam a compreensão causal dos fenômenos sociais. O
cientista reconstruiria, em termos típicos, dimensões específicas da realidade,
avaliaria, segundo as regras da experiência, como os agentes provavelmente
agiriam diante dessas dimensões e compararia os cursos de ação concretos com
as previsões realizadas. Essa comparação permitiria definir o grau de proximidade
entre a construção típica e a realidade concreta.
A compreensão causal, no sentido weberiano, ou seja, a explicação dos
fenômenos a partir da interpretação do sentido visado pelas ações dos sujeitos e
da análise das implicações, intencionais ou não, dessas ações supõe a utilização
dos três recursos metodológicos acima discutidos: os tipos ideais, que permitem
isolar artificialmente dimensões da realidade empírica e avaliar a presença
dessas, em maior ou menor grau, em diversas configurações concretas; o tipo
ideal de ação racional, que forneceria uma espécie de padrão previsível de
comportamento a partir do qual se poderia identificar desvios; a noção de
possibilidade objetiva, que permite avaliar o peso relativo de várias causas
possíveis na determinação de um acontecimento.
A sociologia weberiana não lida com indivíduos socialmente isolados, mas
com agentes localizados em situações sociais determinadas, nas quais está
aberto um campo definido de possibilidades de ação ( Cohn, 1979 ). A primeira
condição que torna possível a compreensão sociológica seria, justamente, o fato
dos sujeitos agirem dentro desse universo estreito de possibilidades. Os atores
lidam com essas possibilidades de um modo que pode ser compreendido quanto
ao sentido – na medida em que adequado aos “hábitos médios de pensar e sentir”
(Weber, 1991, pag. 8 ) - e previsível de acordo com regras de probabilidade
construídas a partir da experiência histórica.
O trabalho do sociólogo seria, basicamente, o de reconstruir de modo típico
os elementos considerados significativos em cada situação. A partir dessa
reconstrução o sociólogo poderia compreender as possibilidades de ação abertas
para o sujeito ( as conexões de sentido possíveis ) e avaliar, a partir da
experiência, quais as mais prováveis. A Sociologia poderia, finalmente, afirmar
que diante de situações próximas ao caso típico, os sujeitos provavelmente
agiriam de uma determinada forma e de acordo com um sentido que poderia ser
compreendido.
Num certo sentido, pode-se dizer que a Sociologia weberiana tem como
projeto a reconstrução conceitual do mundo sócio-histórico. Certamente, não se
trata de uma reconstrução exata, completa, definitiva ou imparcial. Weber
enfatizou suficientemente a separação existente entre conhecimento e realidade.
O mundo social - na verdade, fragmentos dele - seria recriado em termos típicos
ideais, ou seja, selecionando-se e exagerando-se algumas de suas dimensões.
Seriam explicitadas, ainda, as relações regulares observadas entre dimensões da
realidade. Como a realidade empírica é definida em termos de agentes com um
objetivo, agindo em relação a outros agentes, servindo-se dos meios disponíveis e
das condições dadas pela situação, os elementos tipificados seriam, justamente,
os objetivos ou motivos, os meios, as condições e as próprias situações. Mesmo
as categorias sociológicas mais gerais utilizadas pela Sociologia, como
capitalismo, burocracia ou patrimonialismo, seriam definidas em função da
probabilidade de que se repitam certas ações típicas, do ponto de vista do seu
sentido, que, supostamente, estão envolvidas e, inclusive, são as responsáveis
pela existência desses fenômenos macrossociais.
Weber não pretende e não acha possível ir além dessa reconstrução
tipificada dos elementos do real e do estabelecimento de certas relações, mais ou
menos regulares e compreensíveis, entre esses elementos. Apenas essas seriam
tarefas de uma Ciência Social “da realidade”, no sentido weberiano. É a isso que
ele chama de “ordenação conceitual da realidade”. Qualquer objetivo além desse
seria visto como inadequado a uma ciência empírica e próprio à “metafísica” ou à
“filosofia social”.
OS LIMITES DA SOCIOLOGIA WEBERIANA
As considerações realizadas nas seções anteriores, sobre os pressupostos
epistemológicos mais gerais de Max Weber e sobre sua concepção do objeto e do
método das Ciências Sociais, permitem que se proceda, agora, a uma reflexão
mais embasada sobre o significado da afirmação weberiana reproduzida no início
deste artigo. O que significa definir a Ciência Social como uma “Ciência da
Realidade”?
Por trás dessa afirmação, certamente, está o compromisso radical de
Weber com a busca da objetividade no campo das Ciências Sociais. Weber busca
definir o objeto dessas ciências de tal modo que esse possa cumprir as exigências
do controle intersubjetivo e da validação empírica. Uma das maiores
preocupações de Weber seria, exatamente, a de afastar certas categorias da
análise sociológica, normalmente de natureza coletiva ou macroestrutural, que não
seriam diretamente acessíveis empiricamente.
A ação social é definida como o objeto elementar das Ciências Sociais,
justamente, pelo seu caráter, num certo sentido, real. Como já foi dito, a única
coisa que realmente existiria no mundo social seriam homens agindo segundo um
sentido visado e tendo como referência os outros agentes. Esse, portanto, seria o
único objeto passível de ser analisado por uma “Ciência da Realidade”.
Nesta terceira seção, pretende-se, primeiramente, considerar os
argumentos utilizados por Weber para restringir o espaço de categorias teóricas e
filosóficas gerais – vale dizer, “não reais” – nas Ciências Sociais. Essa restrição
vai estar diretamente relacionada à definição das ações sociais como o objeto
elementar dessas Ciências, qualquer categoria que não seja passível de redução
ao plano das ações passa a ser rotulada de metafísica. Na parte final da seção
considera-se, justamente, as implicações dessa circunscrição, realizada por
Weber, do objeto das Ciências Sociais. Que dimensões dos fenômenos sociais
ficam excluídos, sob o argumento de serem “não reais”, do âmbito dessas
ciências?
Em “A “objetividade” do conhecimento nas Ciência Social e na Ciência
Política” (1993 ), Weber defende a tese segundo a qual é impossível estabelecer
um referencial teórico ( metafísico, no sentido weberiano ) único a partir do qual se
pudesse abordar cientificamente toda a realidade histórico-social. Weber parece
utilizar três argumentos principais na sustentação dessa tese. Primeiro, o de que
não existiria um, mas vários referenciais teóricos, normalmente associados a
diferentes sistemas filosóficos. Cada um deles significaria, na verdade, apenas
mais uma perspectiva, mais um ângulo a partir do qual é possível recortar e
analisar o real. O seleção de um entre esses ângulos como referencial privilegiado
seria, num certo sentido, sempre arbitrária. Nos termos de Weber, “o número e a
natureza das causas que determinaram qualquer acontecimento individual são
sempre infinitos, e não existe nas próprias coisas critério algum que permita
escolher dentre elas uma fração que possa entrar isoladamente em linha de
conta”( 1993, pág.129 ).
Weber insiste em afirmar que não compartilha do preconceito, segundo o
qual “as reflexões sobre a vida cultural que pretendem interpretar metafisicamente
o mundo, indo portanto, além da ordenação conceitual dos dados empíricos, não
poderiam, por causa desta sua característica, contribuir, de alguma forma, para o
conhecimento” ( pág. 114 ). Sua crítica seria dirigida, assim, apenas, à pretensão,
comum a essas “interpretações metafísicas”, de se firmarem como “método
universal”, como “denominador comum da explicação causal da realidade” (pág.
121 ). Essa pretensão seria inaceitável, no campo científico, pelo simples fato de
que não se teria como se decidir objetivamente entre as várias alternativas
disponíveis. O argumento seria, basicamente, o mesmo utilizado com relação aos
valores da vida prática em geral, como a política e a religião. As interpretações
metafísicas são múltiplas, inconciliáveis e não podem ser validadas ou
hierarquizadas segundo critérios objetivos. Devem permanecer, portanto, no
“contexto não controlado da descoberta”.
O segundo argumento desenvolvido por Weber para rejeitar o
estabelecimento de um referencial teórico abrangente e unificado nas ciências da
cultura aponta para o fato de que os objetos dessas ciências são individualidades
históricas concretas que não podem ser deduzidas de um sistema de leis. Weber
se opõe a autores que, segundo ele, concebem o ideal do conhecimento científico
como sendo o estabelecimento de um “sistema de proposições das quais seria
possível “deduzir” a realidade” ( 1993, pág. 125). Argumenta que isso não é válido
nem para o caso, por exemplo, da Astronomia. Mesmo uma Ciência Natural como
essa se interessaria por entender o “efeito individual produzido pela ação das leis
sobre uma constelação individual” e por saber a origem desta como
“conseqüência de outra constelação, igualmente individual que a precede” ( pág.
125 ). No caso das Ciências da Cultura, o interesse pela dimensão individual do
fenômeno, incluindo sua significação histórica, seria ainda mais central. Assim,
Weber afirma que mesmo que fosse estabelecida uma “imensa casuística de
conceitos e regras com a validade rigorosa de leis” ( pag. 126 ), isso constituiria
apenas um primeiro passo do conhecimento. O passo seguinte e, talvez, mais
importante, seria a análise da vigência dessas leis em casos concretos e
historicamente individualizados.
Este segundo argumento, na verdade, não implica uma rejeição do
estabelecimento de referenciais teóricos abrangentes e mesmo unificados nas
Ciências Sociais. Ele apenas delimita o papel que poderia ser desempenhado por
esses referenciais. Eles poderiam ser instrumentos utilizados na interpretação dos
fenômenos concretos. Não seriam capazes, no entanto, de substituir ou de tornar
dispensável a análise empírica dos próprios fenômenos.
O terceiro argumento utilizado por Weber para restringir a importância dos
pressupostos teóricos mais gerais nas Ciências da Cultura é na verdade um
complemento do argumento anterior. Os objetos das Ciências Sociais seriam
definidos pelo atributo de possuírem uma significação cultural, de estarem
relacionados com idéias de valor de sujeitos concretos. Como tais, esses objetos
teriam, logicamente, que ser tomados como construções históricas
individualizadas. A compreensão dessas construções particulares e a explicação
de suas causas não poderia ser feita a despeito ou em contradição com o seu
caráter individual. A proeminência teria que ser dada ao objeto concreto, com sua
significação cultural e origem histórica específica. Nos termos de Weber, “quando
se trata da individualidade de um fenômeno, o problema da causalidade não incide
sobre as leis, mas sobre conexões causais concretas; não se trata de saber a que
fórmula se deve subordinar o fenômeno a título de exemplar, mas sim, a que
constelação deve ser imputado como resultado.” ( pág. 129 ). Os referenciais
teóricos gerais ou o “conhecimento das leis da causalidade” seriam, assim,
apenas um instrumento a ser utilizado no trabalho de imputação causal. Weber
observa ainda que “quanto mais gerais, isto é, abstratas são as leis, menos
contribuem para as necessidades da imputação causal dos fenômenos” (pág.
129), justamente, por se afastarem demasiadamente de sua realidade concreta.
Esses três argumentos juntos compõem o essencial da concepção
weberiana relativa ao lugar que deve ser reservado aos pressupostos teóricos ou
metafísicos nas Ciências Sociais. Na verdade, esse lugar seria bastante restrito.
Esses pressupostos poderiam, no máximo – mesmo assim, na medida em que
não fossem abstratos demais – auxiliar o sociólogo ou o historiador no trabalho
prévio de formulação dos problemas e desenvolvimento inicial das hipóteses. De
certa forma, essas “filosofias sociais” são vistas como sendo apenas um
componente a mais do conjunto de visões de mundo, valores e convicções
pessoais que constituem as referências do investigador.
Essas ponderações de Weber não implicam, no entanto, uma renúncia à
possibilidade do conhecimento geral nas Ciências Sociais. Como já foi dito nas
seções anteriores, Weber acredita na possibilidade e na relevância do
estabelecimento de regularidades nessas ciências. O conhecimento nomológico,
no sentido weberiano, é, no entanto, algo completamente distinto do que aqui se
está chamando de pressupostos teóricos e filosóficos gerais. Quando Weber fala
da importância do conhecimento nomológico nas Ciências Sociais, refere-se
especificamente a conexões regulares entre elementos típicos da realidade
empírica, nada a mais do que isso. Essas conexões podem ter um caráter mais ou
menos abstrato conforme o pesquisador que as formule se oriente numa
perspectiva mais sociológica ou histórica. De qualquer forma, seriam
reconstruções tipificadas – puras e exageradas - de aspectos presentes na
realidade concreta
O que Weber exclui do campo das Ciências Sociais, ou pelo menos relega
a uma posição bastante marginal, é todo tipo de teorização que se refira a
dimensões, processos ou mecanismos sociais puramente abstratos, que não
possam ser traduzidos em termos de conjuntos típicos ou concretos de ações.
Não existiria espaço na Sociologia weberiana para o desenvolvimento de
conceitos ou sistemas de teorias que tenham como objeto dimensões não
diretamente empíricas dos fenômenos sociais. Assim, num plano
macrossociológico, Weber, certamente, desestimularia qualquer esforço no
sentido de estabelecer um conhecimento geral e abstrato, válido para qualquer
configuração histórico-social, sobre a natureza dos sistemas sociais e de seus
mecanismos internos de equilíbrio ou mudança. Ao contrário, ele está interessado
em compreender como em diferentes situações históricas, passíveis de serem
tipificadas, os homens orientaram suas ações de um modo que tornou possível o
estabelecimento de relações sociais mais ou menos estáveis. Da mesma forma,
no plano microssociológico, Weber, sem dúvida, não apoiaria iniciativas no sentido
de estabelecer os mecanismos gerais subjacentes aos processos de interação
social. Não lhe interessariam teorias abstratas sobre a universo subjetivo ou sobre
os processos inconscientes envolvidos nas interações. Restringiria-se a
compreender, no caso real ou em termos típicos, o sentido visado pelos atores e
as conseqüências intencionais ou não de suas ações.
O ponto fundamental é o compromisso de Weber com o plano da ação
social: tudo o que se encontra num plano analítico subjacente ou transcendente
em relação ao da ação seria excluído do campo específico das Ciências Sociais e
reservado ao âmbito filosófico. A única dimensão dos fenômenos sociais que
Weber reconhece como efetivamente real é a das ações. Qualquer dimensão
desses fenômenos que não possa ser traduzida em termos de ações é afastada
do campo científico. Definir a ciência social como uma ciência da realidade
significa, portanto, para Weber, o mesmo que defini-la como uma ciência da ação
social. É claro que Weber não está pensando em ações isoladas. Partindo da
ação social como unidade elementar, Weber (1991) reconstroi conceitualmente
todo o emaranhado de relações sociais em que cada ação encontra-se,
possivelmente, envolvida. Parsons ( 1968, pág. 653 ) observa que Weber produz
um esquema geral dos “tipos objetivamente possíveis de estrutura social”. São
tipificadas as várias formas, mais ou menos estáveis, de relação social e definidos
os modos típicos de orientação das ações nessas relações.
O conceito fundamental, de qualquer forma, é o de ação social. Esse
conceito marca a especificidade, a força, mas, também, os limites da perspectiva
weberiana. Weber se limita a perguntar como, com que sentido e com quais
conseqüências os sujeitos agem nas situações históricas concretas, em média e
no caso típico. Essas seriam as únicas questões pertinentes no âmbito de uma
Ciência Social “da realidade”.
Ficam excluídas questões centrais da teoria social. A maior delas talvez
seja a da determinação do sentido da ação individual. O que faz com que um
agente imprima determinada direção a sua ação? Como são selecionados os fins
das ações? Como os agentes decidem entre cursos alternativos de ação? O que
faz com que diante de uma mesma situação alguns ajam do modo racionalmente
mais previsível, enquanto outros se desviam e se orientam segundo os mais
diversos principios normativos? Qual o espaço de autonomia do sujeito, frente às
situações sociais, na definição do sentido de sua ação?
Weber se recusa a responder questões formuladas nesse nível de
abstração. Os problemas levantados por elas só são tratados na medida em que
puderem ser traduzidos para o plano da análise concreta das ações sociais.
Weber não pretende formular uma teoria abstrata da relação entre agentes e
situações, sujeitos e estruturas. A questão do grau em que a orientação da ação é
determinada pelas características objetivas da situação não é colocada. Weber
parte de agentes concretos, perseguindo fins estabelecidos em situações
históricamente dadas. Não está disposto a produzir uma teoria geral sobre os
fundamentos da ordem social.
Com relação a esse ponto, existem duas interpretações possíveis do
pensamento weberiano. Alguns autores entendem que, para Weber, a referência a
valores e interesses seria restrita ao conhecimento dos fenômenos culturais. O
conhecimento dos fenômenos físicos obedeceria a uma ordem natural de
problemas. Outros entendem que Weber reconhece a existência dessas
referências em qualquer tipo de conhecimento ( embora obedecendo a certas
especificidades muito importantes). Acredito que essa segunda interpretação é
mais fidedigna.
Embora Weber não utilize exatamente esses dois termos, os mesmos
parecem muito adequados ao entendimento de sua perspectiva epistemológica
( Ver: Paiva, 1997, pág. 28 ).
Uma série de autores questionam a real possibilidade de se preservar o
contexto da validação da relação com valores ( Ver: Paiva, 1997).
Este seria um exemplo de um tipo ideal especificamente sociológico, que possuiria
muito pouco conteúdo histórico.
Alguns autores acusam Weber de privilegiar excessivamente a ação
racional, tendo em vista que no mundo real ela não seria tão presente (Ver:
Colliot-Thélene, 1995). Me parece claro, no entanto, que Weber privilegia esse tipo
de ação, principalmente, por uma questão de conveniência metodológica.
Weber utilizou esse recurso, principalmente, na imputação de causas para
acontecimentos históricos ( Por ex: 1993-b). Como observa Cohn, no entanto, seu
uso na Sociologia também é importante “na medida em que se possa afirmar que
aquilo que para o historiador é um evento é uma situação para o sociólogo” (1979,
pág. 87 )
A compreensão atingiria seus melhores resultados no caso da ação
racional, que na sua forma pura seria, como diz Weber ( 1993-b, pág. 164 ), “uma
“adaptação perfeita e sem resíduos à “situação” dada”.
Weber reserva o termo teoria para se referir à regularidades empiricamente
estabelecidas. Qualquer generalização que ultrapasse o plano da ordenação
conceitual de dados empíricos concretos é denominada de pressuposto filosófico,
sistema metafísico, concepção de mundo, juízo existencial ou, simplesmente,
valor.
Afirmações semelhantes estão em “A ciência como vocação” (Weber,
1982).
Weber ( 1993 ) desenvolve longamente esse argumento referindo-se à
chamada “Concepção Materialista da História”.
O único critério admitido por Weber é a capacidade do referencial de gerar
um “conhecimentos de relações que demonstram ser valiosas para a atribuição de
causas a determinados acontecimentos históricos concretos” (1993, pág. 124).
Esse critério permitiria apenas avaliar a utilidade do referencial para o estudo de
certos fenômenos específicos. Suas qualidades internas não seriam consideradas.
Atualmente, esse argumento de Weber parece quase óbvio. Dificilmente, alguém
defenderia a possibilidade e a utilidade de se “deduzir a realidade” - no sentido
dado por Weber a essa expressão - a partir de leis.
A preocupação de evitar certas ameaças às Ciências da Cultura –
dogmatismo teórico, substancialização dos conceitos, confusão entre juízos de
valor e juízos de fato – talvez, justifiquem, a severidade com que Weber restringe
o espaço dos pressupostos teóricos nas ciências empíricas. Essa restrição não
parece, no entanto, em princípio, completamente aceitável. Em primeiro lugar, é
possível produzir teorias extremamente abstratas sem hipostasiar os conceitos ou
ser dogmático. Em segundo lugar, é possível avaliar e “hierarquizar” teorias
segundo critérios objetivos, como lógica interna e economia explicativa.
Finalmente, vale lembrar que nada impede, em princípio, por mais difícil que isso
seja, que as múltiplas teorias possam ser “conciliadas”, integradas num
paradigma mais amplo e compartilhado.
BIBLIOGRAFIA
ARON, Raymond, As etapas do pensamento sociológico. 3ª ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1990.
COLLIOT-THÉLÈNE, Catherine, Max Weber e a História. 1ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 1995.
COHN, Gabriel, Crítica e Resignação – fundamentos da sociologia de Max Weber.
1ª ed. São Paulo: T.A. Queiroz, 1979.
FREUND, Julien, Sociologia de Max Weber. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987
JASPERS, Karl, Método e visão do mundo em Weber. In: COHN, Gabriel. Org.
Sociologia: Para ler os clássicos. Rio de Janeiro: Livros técnicos e científicos,1977
PAIVA, Luís Henrique, Filosofia das Ciência Sociais. mso-ansi-language:EN-
US'>1ªed. Piracicaba: Unimep, 1997.
PARSONS, Talcott, The Structure of Social Action. 3ª ed. New York: The Free
Press, 1968
SAINT-PIERRE, Héctor, Max Weber – entre a paixão e a razão. 2ª ed. Campinas:
Unicamp, 1994.
WEBER, Max, A Ciência como vocação. In: WRIGHT MILLS, C. E GERTH, H.H.
Org. Ensaios de Sociologia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982.
____________, A “Objetividade do conhecimento na Ciência Social e na Ciência
Política. In: Metodologia das Ciências Sociais. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1993.
____________, Economia e Sociedade. 1ª ed. Brasília: Unb, 1991. Vol. 1.
____________, Estudos Críticos sobre a lógica das Ciências da Cultura. Em:
Metodologia das Ciências Sociais. 2ª ed.. São Paulo: Cortez, 1993-b.
Artigo publicado no Caderno de Filosofia e Ciências Humanas – Unicentro Newton
Paiva, Ano VIII, nº13, Belo Horizonte, outubro de 1999 ( com errata no nº
seguinte ).