considerações sobre a sociologia de max weber

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A SOCIOLOGIA DE MAX WEBER Cláudio Marques Martins Nogueira Mestre em Sociologia pela Fafich/UFMG. Professor Assistente de Sociologia da Educação da Fae/UFMG. Resumo: O artigo analisa a concepção weberiana de Ciência Social. Numa primeira parte, discuti-se o modelo epistemológico mais amplo de Weber e são considerados seus argumentos relativos ao problema da objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais. Na segunda parte, realiza- se uma reflexão sobre o que, essencialmente, seria o projeto sociológico weberiano. Na parte final, são considerados certos limites do paradigma weberiano, associados à sua definição da Ciência Social como “Ciência da Realidade”. Weber ( 1993, pág. 124 ) afirma que a Ciência Social que ele pretende exercitar é uma “Ciência da Realidade”, voltada para a compreensão da significação cultural atual dos fenômenos e para o entendimento de sua origem histórica. Essa não é uma afirmação trivial. O termo “Ciência da Realidade”, tal como utilizado por Weber, aponta, na verdade, para um concepção específica do objeto e do método das Ciências Sociais. Esse artigo pretende discutir, justamente, essa especificidade. O que significa esse compromisso enfático com

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A SOCIOLOGIA DE MAX WEBER

Cláudio Marques Martins Nogueira

Mestre em Sociologia pela Fafich/UFMG. Professor Assistente de Sociologia da Educação da

Fae/UFMG.

Resumo: O artigo analisa a concepção weberiana de Ciência Social. Numa

primeira parte, discuti-se o modelo epistemológico mais amplo de Weber e são

considerados seus argumentos relativos ao problema da objetividade do

conhecimento nas Ciências Sociais. Na segunda parte, realiza-se uma reflexão

sobre o que, essencialmente, seria o projeto sociológico weberiano. Na parte final,

são considerados certos limites do paradigma weberiano, associados à sua

definição da Ciência Social como “Ciência da Realidade”.

Weber ( 1993, pág. 124 ) afirma que a Ciência Social que ele pretende

exercitar é uma “Ciência da Realidade”, voltada para a compreensão da

significação cultural atual dos fenômenos e para o entendimento de sua origem

histórica.

Essa não é uma afirmação trivial. O termo “Ciência da Realidade”, tal como

utilizado por Weber, aponta, na verdade, para um concepção específica do objeto

e do método das Ciências Sociais.

Esse artigo pretende discutir, justamente, essa especificidade. O que

significa esse compromisso enfático com o estudo da realidade? Que objetos são

definidos como pertinentes e quais são excluídos do âmbito dessas ciências?

O artigo está dividido em três partes. Numa primeira, são discutidos alguns

pontos mais gerais do modelo epistemológico weberiano e, especificamente, suas

considerações sobre a possibilidade de um conhecimento objetivo nas chamadas

Ciências da Cultura.

Numa segunda parte, discuti-se propriamenhte o projeto weberiano para as

Ciências Sociais. Como são definidos o objeto e o método dessas ciências?

Servindo-se das reflexões realizadas nas duas primeiras partes, discute-se, na

parte final, certos limites do paradigma weberiano, associados, justamente à sua

definição da Ciência Social como Ciência da Realidade.

A EPISTEMOLOGIA WEBERIANA

A epistemologia weberiana pode ser compreendida como resultando da

articulação de duas premissas com uma afirmação aparentemente antitética. As

premissas são: 1) o conhecimento só é possível a partir da referência a valores e

interesses; 2) valores e interesses não podem ser validados ou hierarquizados

segundo critérios objetivos. A afirmação é a seguinte: é possível alcançar um

conhecimento objetivo, universalmente válido, científico, no sentido mais forte da

palavra.

A questão, então, é entender como é possível para Weber, partindo das

duas premissas indicadas, chegar a essa última afirmação. Talvez a melhor

estratégia seja considerar, inicialmente, as próprias premissas.

O que está sendo chamado aqui de premissas da epistemologia weberiana,

são, na verdade, as duas perspectivas básicas que definem a concepção de

Weber no que se refere à relação entre conhecimento, realidade e valores.

Seguindo uma orientação claramente neokantiana, Weber assume, de forma

radical e com todas as implicações daí decorrentes, o postulado da existência de

uma separação clara entre os planos do conhecimento e da realidade, cuja

transposição é sempre parcial, provisória e, sobretudo, mediada por uma série de

categorias e construções conceituais definidas conforme os valores e interesses

de quem busca o conhecimento.

A realidade é entendida como algo infinito, que pode ser apreendido a partir

de inúmeros ângulos, mas jamais na sua totalidade ou essência. A conhecimento

seria sempre fruto de um recorte particular, da seleção de um conjunto específico

de problemas e de fenômenos. Essa seleção ou recorte particular seria,

necessariamente, feita a partir das referências pessoais dos sujeitos

cognoscentes. Weber nega, assim, a possibilidade de um conhecimento absoluto,

livre de quaisquer pressupostos, capaz de definir de modo completamente neutro

qual a verdade absoluta das coisas. Não existiria, segundo ele, um ponto

privilegiado a partir do qual o investigador pudesse atingir uma visão isenta e

global da realidade. Ao contrário, todo e qualquer conhecimento estaria referido a

valores e interesses subjetivos. Seriam a partir dessas referências que os sujeitos

atribuiriam relevância e selecionariam, dentro da realidade infinita, os problemas e

objetos que, do seu ponto de vista, mereceriam ser investigados.

A primeira premissa do modelo epistemológico weberiano é, portanto, a do

caráter inexorável da referência do conhecimento a valores e interesses. Não

existiriam problemas ou objetos que seriam intrinsicamente relevantes para o

conhecimento humano. De uma forma ou de outra, o sujeito cognoscente sempre

partiria de um conjunto específico de referências e pressupostos culturalmente

definidos. É uma questão secundária, o fato de que se trate de um sistema ético,

de um conjunto de postulados metafísicos, de um modelo teórico ou de um

conjunto de crenças e interesses religiosos ou econômicos. Em todos esses

casos, a situação seria, basicamente, a mesma. Tratar-se-ia de conjuntos de

perspectivas ou referenciais subjetivos que orientariam os investigadores nas

atividades do conhecimento.

A segunda premissa fundamental seria a de que essas referências não

poderiam jamais ser validadas e nem mesmo hierarquizadas segundo critérios que

pudessem ser chamados de objetivos. A adesão a determinados valores ou a uma

visão de mundo específica seria, em última instância, uma questão de fé ( Weber,

1993 ). Não existiriam parâmetros objetivos a partir dos quais se pudesse decidir

sobre o melhor valor ou a visão de mundo mais verdadeira. A adesão a qualquer

desses pontos de vista seria sempre dependente de uma convicção pessoal,

subjetiva. Todos os valores, as visões de mundo, os sistemas metafísicos, as

normas e princípios éticos que conduzem os homens em seus assuntos práticos e

que são referências do conhecimento seriam incomensuráveis e teriam, em

princípio, que ser tomados como equivalentes.

A associação entre essas duas premissas, ou seja, o reconhecimento de

que as referências valorativas são inevitáveis e de que não é possível selecioná-

las segundo critérios objetivos, poderia ter conduzido Weber a uma postura cética

e relativista. Partindo dessas premissas, a conclusão aparentemente mais lógica

seria a que afirmasse que não é possível um conhecimento objetivamente válido

da realidade, sobretudo, no que se refere aos fenômenos culturais. A conclusão

de Weber, no entanto, é exatamente a contrária. A objetividade do conhecimento é

possível, inclusive, nas Ciências da Cultura.

É importante lembrar que dentro do contexto intelectual alemão do final do

século passado, no qual Weber se inseria, existiam pelo menos duas respostas

disponíveis à questão da validação do conhecimento das Ciências da Cultura.

Ambas, no entanto, foram rejeitadas por Weber. Dilthey, em linhas gerais,

acreditava que o conhecimento dos fenômenos culturais se fundamentava na

estratégia da compreensão introspectiva, método pretensamente capaz de

resgatar o mundo tal como subjetivamente vivido pelos indivíduos. A possibilidade

desse resgate estaria, em princípio, garantida pela identidade humana e histórica

que une, nas Ciências da Cultura, o sujeito e o objeto. Como sujeito humano o

observador poderia compreender de modo relativamente fácil outros universos

humanos. Weber rejeita a solução de Dilthey, fundamentalmente, argumentando

que o acesso a esse universo subjetivo não é nem direto, nem completo e nem

imparcial. Tratar-se-ia, além disso, de um método de difícil controle intersubjetivo,

que como tal não poderia ser posto como garantia de objetividade.

A outra solução para o problema da validade do conhecimento presente no

contexto intelectual de Weber era sustentada principalmente por Rickert e

Windelband. Para estes, existiriam certos valores universais e necessários,

supostamente compartilhados pela humanidade e pelo cientista, que orientariam,

de modo unívoco, o trabalho de seleção dos problemas e objetos nas Ciências da

Cultura. A observação desses valores universais seria a garantia da relevância e

pertinência do conhecimento produzido. Como observa Saint-Pierre a relação com

os valores seria, particularmente para Rickert, não “apenas um princípio de

seleção do material de estudo, mas, e principalmente, constituía o fundamento da

validade do conhecimento histórico-social” (1994, pág. 24). Weber rechaça esse

alternativa acentuando, sobretudo, o fato de que os valores não são universais,

mas, ao contrário, múltiplos e contraditórios. Não existiria um sistema de valores

privilegiado, fundado numa base transcendental, com relação ao qual as Ciências

da Cultura pudessem se orientar, mas, apenas, o eterno confronto histórico entre 

diversos valores inconciliáveis.

Em contraposição a essas duas alternativas, Weber busca uma solução

para o problema da objetividade do conhecimento que, como observa Saint-Pierre,

se situa no plano metodológico. O conhecimento objetivo é possível desde que os

sujeitos cognoscentes se comprometam a observar certas regras próprias à

atividade científica. A objetividade não seria alcançada pela extirpação de toda e

qualquer referência a valores e pela busca de um olhar imparcial, como talvez

sonhassem os positivistas. Weber se mantém fiel a sua primeira premissa.

Também não seria obtida por meio da hierarquização das várias referências e da

escolha, entre essas, daquela mais verdadeira - talvez, algum sistema teórico ou

metafísico ou, ainda, um conjunto de valores superiores, como queria Rickert - a

partir do qual se pudesse proceder a uma abordagem unívoca da realidade.

Weber, também, não abandona a sua segunda premissa; não é possível

selecionar segundo critérios cientificamente válidos qual a referência melhor ou

mais verdadeira.

A objetividade do conhecimento é possível, no entanto, desde que, em

primeiro lugar, sejam claramente separadas as esferas do conhecimento empírico

e da ação prática, particularmente, a de natureza política ou religiosa. Weber se

dedica exaustivamente ( Por ex.: 1982 e 1993 ) ao estabelecimento de uma

delimitação clara entre essas duas esferas. Os objetivos que a ciência deve se

colocar e que ela é capaz de alcançar são radicalmente distintos dos que cabem,

por exemplo, à política. Embora se sirva da relação com valores para selecionar

seus objetos e ângulos de investigação, a ciência não deve, como tal, fazer

julgamentos de valor. Ela deve se restringir a fazer julgamentos científicos sobre a

realidade tal como esta é empíricamente, não sobre como ela supostamene

deveria ser. Até mesmo porque a ciência não é capaz de fazer julgamentos

objetivos sobre valores, sobre como as coisas devem ser. Esses julgamentos são

necessariamente subjetivos.

O primeiro passo para se garantir a objetividade do conhecimento científico

é, portanto, separar claramente julgamentos de valor e julgamentos de fato e

excluir os primeiros do âmbito da ciência. Essa, de certa forma, é uma atitude que

depende de uma decisão individual dos pesquisadores, mas que, para Weber

( 1993 ), poderia ser incentivada e cobrada pelas associações e revistas

científicas. É importante observar que a objetividade do conhecimento é possível,

na perspectiva weberiana, na medida exata em que os cientistas estejam

deliberadamente dispostos a se comprometer com a busca dessa objetividade.

Esse compromisso tem como eixo principal a renúncia aos julgamentos de valor,

mas é algo mais amplo. Weber espera, na verdade, que o cientista esteja disposto

a se curvar frente ao imperativo das proposições empíricas, factuais, que não se

apegue às suas referências teóricas e filosóficas de modo dogmático, que esteja

aberto ao diálogo e à crítica e que saiba correr o risco constante da refutação

empírica de suas idéias.

Uma maneira interessante de se interpretar a concepção weberiana do

conhecimento científico é recorrendo à separação entre Contexto da Descoberta e

Contexto da validação. Weber sabe que o interesse pelo conhecimento e a

seleção do problema, do objeto e do ângulo específico das investigações são

definidos necessariamente através de uma relação com valores subjetivos – essa

é, justamente, uma de suas premissas. Essa relação com valores não alcançaria,

no entanto, o plano da verificação empírica das hipóteses. Uma vez proposto, o

conhecimento poderia e deveria ser julgado, objetivamente, do ponto de vista de

sua lógica interna e validade empírica. A relação com os valores dominaria apenas

o Contexto da Descoberta. O Contexto da Validação deveria ser consciente e

deliberadamente liberto das influências subjetivas. Neste contexto deveria imperar

o espírito crítico e antidogmático. Os resultados do conhecimento, para serem

considerados cientificamente válidos, teriam que se submeter ao controle

intersubjetivo e ser universalmente aceitos.

Weber nos fala, portanto, particularmente, no caso das Ciências da Cultura,

de duas dimensões claras do trabalho científico. Uma primeira dimensão, em que

nenhuma forma de controle é possível. As referências subjetivas que orientam o

conhecimento são múltiplas, inconciliáveis e não são passíveis de nenhum tipo de

julgamento ou hierarquização segundo critérios objetivos. Partindo de referências

variadas, os sujeitos selecionariam problemas e objetos e construiriam conceitos e

hipóteses. Uma vez formuladas as hipóteses, passaria-se para a segunda

dimensão, na qual imperaria o controle intersubjetivo, tendo na validação empírica

seu critério fundamental.

Do ponto de vista deste artigo, o que é mais importante sublinhar é o

compromisso de Weber com a busca da objetividade nas Ciências Sociais. Toda

sua reflexão epistemológica está voltada para a construção de uma estratégia

capaz de conciliar a referência a valores múltiplos e contraditórios com a conquista

da objetividade. Sua afirmação de que a Ciência Social que ele pretende praticar é

uma ciência da realidade só pode ser entendida à luz desse compromisso.

A CONCEPÇÃO DE SOCIOLOGIA DE MAX WEBER

As características do paradigma sociológico weberiano só se definem à luz

da visão de mundo mais ampla de Weber, dentro da qual se articulam uma

concepção específica sobre o que é a realidade sócio-histórica e uma reflexão

profunda sobre a natureza do empreendimento científico.

Talvez o ponto central da perspectiva weberiana seja o reconhecimento de

que a realidade humana não possui um sentido intrínseco e unívoco, dado de

modo natural e definitivo, independentemente das ações humanas concretas.

Weber pressupõe que a realidade é infinita e sem qualquer sentido cognoscível

imanente. Seriam os sujeitos humanos que estabeleceriam recortes na realidade e

se posicionariam diante deles conferindo-lhes sentido.

Weber assume essa perspectiva de modo radical. Orientado por ela,

procura excluir das Ciências Sociais qualquer proposição que busque definir de

modo geral e substantivo qual a lógica da história, qual a dimensão estrutural

determinante da sociedade ou qual o sentido último subjacente às ações

individuais. Todas essas definições suporiam a existência de uma realidade

atemporal, naturalmente dada, subjacente e determinante dos fenômenos

empíricos. Weber não apenas não acredita na existência desses determinantes

ahistóricos do comportamento humano, como defende que não seria possível

defini-los de um modo objetivo, verificável segundo as regras da ciência.

Os únicos objetos legítimos das Ciências Sociais seriam, então, em si

mesmas, as ações sociais. O agente individual seria o único portador real de

sentido. A única coisa que realmente existiria seriam sujeitos humanos agindo de

uma forma e com um sentido específico e produzindo, de modo intencional ou

não, uma série de conseqüências. Cada fenômeno cultural só poderia ser

compreendido na sua significação e ter sua origem explicada a partir da referência

a agentes sociais que ao organizarem significativamente suas ações contribuiriam,

de forma mais ou menos intencional, para determinar essa significação e essa

origem.

 Como observa Jaspers ( 1977 ), o “eixo” que orienta o trabalho

aparentemente disperso de Weber é, então, seu compromisso com o estudo de

“homens reais”, agindo em condições sociais e diante de processos históricos

definidos. Quando Weber afirma enfaticamente que a Ciência Social que ele

pretende praticar é uma “Ciência da realidade” o que ele esta querendo acentuar

é, em grande medida, esse compromisso com a análise de realidades empíricas

concretas, tornadas significativas por agentes historicamente situados. Não

existiria um mundo cognoscível acima, abaixo ou além do mundo das ações

significativas e das conexões entre ações. Todas as categorias conceituais,

incluindo as de natureza coletiva, como Estado, nação ou família, teriam que ser

formuladas de um modo que explicitasse sua relação com as ações sociais

concretas. Nenhum fenômeno seria definido por sua essência ou substância fixa.

Seriam os agentes concretos, historicamente localizados, agindo segundo os

valores mais diversificados e contraditórios, que construiriam, de modo mais ou

menos consciente, tudo o que seria culturalmente significativo.

O compromisso enfático de Weber com a interpretação de fenômenos

concretos, historicamente localizados, não permite, no entanto, que esse seja

confundido com um simples colecionador de fatos históricos ( Jaspers, 1977, pág.

126). Esse, certamente, não é seu perfil. O interesse de Weber não se restringe

ao acúmulo de dados ou mesmo a uma descrição detalhada de singularidades

histórico-sociais. Weber está interessado em compreender causalmente a

realidade empírica, em analisar a importância relativa de cada elemento presente

numa situação para a definição do curso subsequente dos acontecimentos. Esse

tipo de trabalho não pode basear-se, apenas, no conhecimento, por mais amplo

que seja, das características da situação que se deseja compreender. A

imputação causal só pode ser bem sucedida quando feita a partir do

conhecimento de regularidades empíricas. Somente a partir do conhecimento do

que é o comportamento provável em cada tipo de situação é que é possível ao

cientista analisar o caso concreto e definir as causas prováveis.

A solidariedade entre Sociologia e História, de que nos fala Aron ( 1990,

pág. 482 ), estaria baseada nessa dependência mútua entre o conhecimento do

geral e do particular nas Ciências Sociais. A sociologia estaria voltada para a

formulação das “regras gerais dos acontecimentos”. A história interessaria-se pela

“análise e imputação causal de ações, formações e personalidades individuais

culturalmente importantes” ( Weber, 1991, pág. 12). Uma, no entanto, dependeria

imensamente da outra. A compreensão dos eventos historicamente circunscritos

só poderia ser feita por meio do conhecimento das regularidades sociologicamente

definidas e essas só poderiam ser sustentadas através da demonstração de sua

validade em situações historicamente definidas.

É fundamental perceber que o projeto weberiano para as Ciências Sociais –

aí incluídas a Sociologia e a História - supõe muito mais do que a simples coleta e

descrição de dados definidos em sua singularidade empírica. Sem dúvida, na

medida mesmo em que se afasta das definições fixas dos fenômenos sociais,

Weber se aproxima das manifestações sociais concretas, marcadas por um

contexto histórico e cultural singular. Essa aproximação, no entanto, é mediada

por todo um instrumental analítico que transforma os fenômenos concretos em

objetos científicos. Os fenômenos empíricos são recortados conceitualmente.

Seus elementos e conexões internas são comparados com formas típicas

construídas artificialmente pelo observador. São avaliadas as várias causas

possíveis que explicariam sua configuração atual e atribuído um peso relativo a

cada uma delas.

Uma das preocupações de Weber foi, justamente, com a formulação de

certos instrumentos metodológicos que permitissem que o cientista investigasse

os fenômenos particulares sem se perder na infinidade disforme dos seus

aspectos concretos. O principal desses instrumentos é o tipo ideal. Os tipos ideais

cumpririam duas funções principais: selecionar explicitamente a dimensão do

objeto que será analisada e apresentar essa dimensão de uma forma pura,

despida de suas nuanças concretas. Nas palavras de Weber,  a construção de

tipos permitiria operar uma espécie de abstração que converteria a realidade em

“objeto categorialmente construído” (1993-b, pág. 203). Os tipos seriam

elaborados “mediante acentuação mental de determinados elementos da

realidade”( 1993, pág.137 ) considerados, do ponto de vista do investigador,

relevantes para a pesquisa. O cientista social criaria definições exageradas,

unilaterais, das dimensões da realidade que pretendesse conhecer. Essas

definições poderiam então ser utilizadas, num segundo momento, para uma

espécie de comparação com o mundo real. Elas auxiliariam no trabalho de

compreensão e de imputação causal realizado pela Sociologia e pela História.

Cada aspecto concreto da realidade empírica poderia ser compreendido em

função da sua maior ou menor distância em relação à definição típico ideal.

O tipo ideal mais importante da Sociologia weberiana é o de ação racional

com referencia a fins. Este tipo de ação se caracterizaria pelo fato do ator escolher

de modo ponderado seus fins, considerando as conseqüências previsíveis, e por

adequar do modo que lhe parece mais eficaz, dadas as condições, os meios aos

fins. Seria um tipo de ação social no qual o sujeito agiria desapegado de vínculos

afetivos ou tradicionais. O que prevaleceria seria a análise objetiva da eficiência e

da eficácia, dos custos e benefícios de cada alternativa. A ação racional com

referência a valores possuiria, basicamente, as mesmas características. A

diferença é que os fins da ação, neste caso, seriam perseguidos de modo

absoluto, independentemente das conseqüências previsíveis que possam estar

associadas a eles. A idéia de Weber é de que a ação racional, nas suas duas

modalidades, seria a forma mais previsível, compreensível, de comportamento

humano. Quando desapegados de suas tradições e afetos, os homens agiriam

diante das situações de modo muito regular. Suas ponderações sobre os custos e

benefícios de cada alternativa de ação são feitas segundo regras que seriam mais

ou menos universais de raciocínio. Suas decisões, ou seja, os cursos efetivos da

ação seriam, portanto, muito regulares.

Seria, justamente, essa previsibilidade ou compreensividade máxima que

faria com que o tipo ideal de ação racional desempenhasse o papel de um recurso

metodológico tão central na Sociologia weberiana. Os fenômenos poderiam, num

primeiro momento, ser interpretados como baseados em ações racionais. Essa

interpretação seria, num segundo momento, comparada com a realidade concreta.

Os comportamentos divergentes seriam compreendidos como desvios, afetivos ou

tradicionais, em relação às ações racionais previstas.

Servindo-se de tipos que recriam, de modo acentuado, vários aspectos da

realidade empírica e valendo-se do conhecimento de certas regularidades da ação

humana - associadas, principalmente, ao seu caráter racional - Weber pode

construir, para cada situação social analisada, um quadro das possibilidades

objetivas de ação. Este quadro funciona como um recurso metodológico

complementar que permite avaliar a influência de modificações mais ou menos

abrangentes dos componentes de uma situação social sobre a escolha por parte

do sujeito do seu curso de ação. Torna-se possível simular vários cenários,

através da modificação virtual de determinado componente da situação, imaginar,

segundo as regras da experiência, como o ator reagiria às modificações, e, assim,

avaliar o peso causal que cada componente da situação desempenharia – ou

efetivamente desempenhou, no caso histórico - na definição do curso de ação. A

avaliação do significado causal de um fato para o curso subsequente dos

acontecimentos seria, assim, realizada considerando-se a probabilidade maior ou

menor, de acordo com as regras da experiência, de que, na ausência desse fato, o

comportamento dos agentes seja modificado. Seria possível simular a ausência do

fato e avaliar, com algum grau de segurança, quais as possibilidades objetivas de

que isso se traduza numa mudança do comportamento dos agentes e,

indiretamente, numa alteração do curso dos acontecimentos.

A reconstrução analítica de elementos da realidade em termos típico ideais

e a simulação das possibilidades objetivas envolvidas num acontecimento ou

situação – simulação baseada, principalmente, na previsão de como seria o curso

dos eventos no caso de ações puramente racionais – seriam os elementos

principais que permitiriam a compreensão causal dos fenômenos sociais. O

cientista reconstruiria, em termos típicos, dimensões específicas da realidade,

avaliaria, segundo as regras da experiência, como os agentes provavelmente

agiriam diante dessas dimensões e compararia os cursos de ação concretos com

as previsões realizadas. Essa comparação permitiria definir o grau de proximidade

entre a construção típica e a realidade concreta.

A compreensão causal, no sentido weberiano, ou seja, a explicação dos

fenômenos a partir da interpretação do sentido visado pelas ações dos sujeitos e

da análise das implicações, intencionais ou não, dessas ações supõe a utilização

dos três recursos metodológicos acima discutidos: os tipos ideais, que permitem

isolar artificialmente dimensões da realidade empírica e avaliar a presença

dessas, em maior ou menor grau, em diversas configurações concretas; o tipo

ideal de ação racional, que forneceria uma espécie de padrão previsível de

comportamento a partir do qual se poderia identificar desvios; a noção de

possibilidade objetiva, que permite avaliar o peso relativo de várias causas

possíveis na determinação de um acontecimento.

A sociologia weberiana não lida com indivíduos socialmente isolados, mas

com agentes localizados em situações sociais determinadas, nas quais está

aberto um campo definido de possibilidades de ação ( Cohn, 1979 ). A primeira

condição que torna possível a compreensão sociológica seria, justamente, o fato

dos sujeitos agirem dentro desse universo estreito de possibilidades. Os atores

lidam com essas possibilidades de um modo que pode ser compreendido quanto

ao sentido – na medida em que adequado aos “hábitos médios de pensar e sentir”

(Weber, 1991, pag. 8 ) - e previsível de acordo com regras de probabilidade

construídas a partir da experiência histórica.

O trabalho do sociólogo seria, basicamente, o de reconstruir de modo típico

os elementos considerados significativos em cada situação. A partir dessa

reconstrução o sociólogo poderia compreender as possibilidades de ação abertas

para o sujeito ( as conexões de sentido possíveis ) e avaliar, a partir da

experiência, quais as mais prováveis. A Sociologia poderia, finalmente, afirmar

que diante de situações próximas ao caso típico, os sujeitos provavelmente

agiriam de uma determinada forma e de acordo com um sentido que poderia ser

compreendido.

Num certo sentido, pode-se dizer que a Sociologia weberiana tem como

projeto a reconstrução conceitual do mundo sócio-histórico. Certamente, não se

trata de uma reconstrução exata, completa, definitiva ou imparcial. Weber

enfatizou suficientemente a separação existente entre conhecimento e realidade.

O mundo social - na verdade, fragmentos dele - seria recriado em termos típicos

ideais, ou seja, selecionando-se e exagerando-se algumas de suas dimensões.

Seriam explicitadas, ainda, as relações regulares observadas entre dimensões da

realidade. Como a realidade empírica é definida em termos de agentes com um

objetivo, agindo em relação a outros agentes, servindo-se dos meios disponíveis e

das condições dadas pela situação, os elementos tipificados seriam, justamente,

os objetivos ou motivos, os meios, as condições e as próprias situações. Mesmo

as categorias sociológicas mais gerais utilizadas pela Sociologia, como

capitalismo, burocracia ou patrimonialismo, seriam definidas em função da

probabilidade de que se repitam certas ações típicas, do ponto de vista do seu

sentido, que, supostamente, estão envolvidas e, inclusive, são as responsáveis

pela existência desses fenômenos macrossociais.

Weber não pretende e não acha possível ir além dessa reconstrução

tipificada dos elementos do real e do estabelecimento de certas relações, mais ou

menos regulares e compreensíveis, entre esses elementos. Apenas essas seriam

tarefas de uma Ciência Social “da realidade”, no sentido weberiano. É a isso que

ele chama de “ordenação conceitual da realidade”. Qualquer objetivo além desse

seria visto como inadequado a uma ciência empírica e próprio à “metafísica” ou à

“filosofia social”.

OS LIMITES DA SOCIOLOGIA WEBERIANA

As considerações realizadas nas seções anteriores, sobre os pressupostos

epistemológicos mais gerais de Max Weber e sobre sua concepção do objeto e do

método das Ciências Sociais, permitem que se proceda, agora, a uma reflexão

mais embasada sobre o significado da afirmação weberiana reproduzida no início

deste artigo. O que significa definir a Ciência Social como uma “Ciência da

Realidade”?

Por trás dessa afirmação, certamente, está o compromisso radical de

Weber com a busca da objetividade no campo das Ciências Sociais. Weber busca

definir o objeto dessas ciências de tal modo que esse possa cumprir as exigências

do controle intersubjetivo e da validação empírica. Uma das maiores

preocupações de Weber seria, exatamente, a de afastar certas categorias da

análise sociológica, normalmente de natureza coletiva ou macroestrutural, que não

seriam diretamente acessíveis empiricamente.

A ação social é definida como o objeto elementar das Ciências Sociais,

justamente, pelo seu caráter, num certo sentido, real. Como já foi dito, a única

coisa que realmente existiria no mundo social seriam homens agindo segundo um

sentido visado e tendo como referência os outros agentes. Esse, portanto, seria o

único objeto passível de ser analisado por uma “Ciência da Realidade”.

Nesta terceira seção, pretende-se, primeiramente, considerar os

argumentos utilizados por Weber para restringir o espaço de categorias teóricas e

filosóficas gerais – vale dizer, “não reais” – nas Ciências Sociais. Essa restrição

vai estar diretamente relacionada à definição das ações sociais como o objeto

elementar dessas Ciências, qualquer categoria que não seja passível de redução

ao plano das ações passa a ser rotulada de metafísica. Na parte final da seção

considera-se, justamente, as implicações dessa circunscrição, realizada por

Weber, do objeto das Ciências Sociais. Que dimensões dos fenômenos sociais

ficam excluídos, sob o argumento de serem “não reais”, do âmbito dessas

ciências?

Em “A “objetividade” do conhecimento nas Ciência Social e na Ciência

Política” (1993 ), Weber defende a tese segundo a qual é impossível estabelecer

um referencial teórico ( metafísico, no sentido weberiano ) único a partir do qual se

pudesse abordar cientificamente toda a realidade histórico-social. Weber parece

utilizar três argumentos principais na sustentação dessa tese. Primeiro, o de que

não existiria um, mas vários referenciais teóricos, normalmente associados a

diferentes sistemas filosóficos. Cada um deles significaria, na verdade, apenas

mais uma perspectiva, mais um ângulo a partir do qual é possível recortar e

analisar o real. O seleção de um entre esses ângulos como referencial privilegiado

seria, num certo sentido, sempre arbitrária. Nos termos de Weber, “o número e a

natureza das causas que determinaram qualquer acontecimento individual são

sempre infinitos, e não existe nas próprias coisas critério algum que permita

escolher dentre elas uma fração que possa entrar isoladamente em linha de

conta”(  1993, pág.129 ).

Weber insiste em afirmar que não compartilha do preconceito, segundo o

qual “as reflexões  sobre a vida cultural que pretendem interpretar metafisicamente

o mundo, indo portanto, além da ordenação conceitual dos dados empíricos, não

poderiam, por causa desta sua característica, contribuir, de alguma forma, para o

conhecimento” (  pág. 114 ). Sua crítica seria dirigida, assim, apenas, à pretensão,

comum a essas “interpretações metafísicas”, de se firmarem como “método

universal”, como “denominador comum da explicação causal da realidade” (pág.

121 ). Essa pretensão seria inaceitável, no campo científico, pelo simples fato de

que não se teria como se decidir objetivamente entre as várias alternativas

disponíveis. O argumento seria, basicamente, o mesmo utilizado com relação aos

valores da vida prática em geral, como a política e a religião. As interpretações

metafísicas são múltiplas, inconciliáveis e não podem ser validadas ou

hierarquizadas segundo critérios objetivos. Devem permanecer, portanto, no

“contexto não controlado da descoberta”.

O segundo argumento desenvolvido por Weber para rejeitar o

estabelecimento de um referencial teórico abrangente e unificado nas ciências da

cultura aponta para o fato de que os objetos dessas ciências são individualidades

históricas concretas que não podem ser deduzidas de um sistema de leis. Weber

se opõe a autores que, segundo ele, concebem o ideal do conhecimento científico

como sendo o estabelecimento de um “sistema de proposições das quais seria

possível “deduzir” a realidade” ( 1993, pág. 125). Argumenta que isso não é válido

nem para o caso, por exemplo, da Astronomia. Mesmo uma Ciência Natural como

essa se interessaria por entender o “efeito individual  produzido pela ação das leis

sobre uma constelação individual” e por saber a origem desta como

“conseqüência de outra constelação, igualmente individual que a precede” ( pág.

125 ). No caso das Ciências da Cultura, o interesse pela dimensão individual do

fenômeno, incluindo sua significação histórica, seria ainda mais central. Assim,

Weber afirma que mesmo que fosse estabelecida uma “imensa casuística de

conceitos e regras com a validade rigorosa de leis” ( pag. 126 ), isso constituiria

apenas um primeiro passo do conhecimento. O passo seguinte e, talvez, mais

importante, seria a análise da vigência dessas leis em casos concretos e

historicamente individualizados.

Este segundo argumento, na verdade, não implica uma rejeição do

estabelecimento de referenciais teóricos abrangentes e mesmo unificados nas

Ciências Sociais. Ele apenas delimita o papel que poderia ser desempenhado por

esses referenciais. Eles poderiam ser instrumentos utilizados na interpretação dos

fenômenos concretos. Não seriam capazes, no entanto, de substituir ou de tornar

dispensável a análise empírica dos próprios fenômenos.

O terceiro argumento utilizado por Weber para restringir a importância dos

pressupostos teóricos mais gerais nas Ciências da Cultura é na verdade um

complemento do argumento anterior. Os objetos das Ciências Sociais seriam

definidos pelo atributo de possuírem uma significação cultural, de estarem

relacionados com idéias de valor de sujeitos concretos. Como tais, esses objetos

teriam, logicamente, que ser tomados como construções históricas

individualizadas. A compreensão dessas construções particulares e a explicação

de suas causas não poderia ser feita a despeito ou em contradição com o seu

caráter individual. A proeminência teria que ser dada ao objeto concreto, com sua

significação cultural e origem histórica específica. Nos termos de Weber, “quando

se trata da individualidade de um fenômeno, o problema da causalidade não incide

sobre as leis, mas sobre conexões causais concretas; não se trata de saber a que

fórmula se deve subordinar o fenômeno a título de exemplar, mas sim, a que

constelação deve ser imputado como resultado.” ( pág. 129 ). Os referenciais

teóricos gerais ou o “conhecimento das leis da causalidade” seriam, assim,

apenas um instrumento a ser utilizado no trabalho de imputação causal. Weber

observa ainda que “quanto mais gerais, isto é, abstratas são as leis, menos

contribuem para as necessidades da imputação causal dos fenômenos” (pág.

129), justamente, por se afastarem demasiadamente de sua realidade concreta.

Esses três argumentos juntos compõem o essencial da concepção

weberiana relativa ao lugar que deve ser reservado aos pressupostos teóricos ou

metafísicos nas Ciências Sociais. Na verdade, esse lugar seria bastante restrito.

Esses pressupostos poderiam, no máximo – mesmo assim, na medida em que

não fossem abstratos demais – auxiliar o sociólogo ou o historiador no trabalho

prévio de formulação dos problemas e desenvolvimento inicial das hipóteses. De

certa forma, essas “filosofias sociais” são vistas como sendo apenas um

componente a mais do conjunto de visões de mundo, valores e convicções

pessoais que constituem as referências do investigador.

Essas ponderações de Weber não implicam, no entanto, uma renúncia à

possibilidade do conhecimento geral nas Ciências Sociais. Como já foi dito nas

seções anteriores, Weber acredita na possibilidade e na relevância do

estabelecimento de regularidades nessas ciências. O conhecimento nomológico,

no sentido weberiano, é, no entanto, algo completamente distinto do que aqui se

está chamando de pressupostos teóricos e filosóficos gerais. Quando Weber fala

da importância do conhecimento nomológico nas Ciências Sociais, refere-se

especificamente a conexões regulares entre elementos típicos da realidade

empírica, nada a mais do que isso. Essas conexões podem ter um caráter mais ou

menos abstrato conforme o pesquisador que as formule se oriente numa

perspectiva mais sociológica ou histórica. De qualquer forma, seriam

reconstruções tipificadas – puras e exageradas - de aspectos presentes na

realidade concreta

O que Weber exclui do campo das Ciências Sociais, ou pelo menos relega

a uma posição bastante marginal, é todo tipo de teorização que se refira a

dimensões, processos ou mecanismos sociais puramente abstratos, que não

possam ser traduzidos em termos de conjuntos típicos ou concretos de ações.

Não existiria espaço na Sociologia weberiana para o desenvolvimento de

conceitos ou sistemas de teorias que tenham como objeto dimensões não

diretamente empíricas dos fenômenos sociais. Assim, num plano

macrossociológico, Weber, certamente, desestimularia qualquer esforço no

sentido de estabelecer um conhecimento geral e abstrato, válido para qualquer

configuração histórico-social, sobre a natureza dos sistemas sociais e de seus

mecanismos internos de equilíbrio ou mudança. Ao contrário, ele está interessado

em compreender como em diferentes situações históricas, passíveis de serem

tipificadas, os homens orientaram suas ações de um modo que tornou possível o

estabelecimento de relações sociais mais ou menos estáveis. Da mesma forma,

no plano microssociológico, Weber, sem dúvida, não apoiaria iniciativas no sentido

de estabelecer os mecanismos gerais subjacentes aos processos de interação

social. Não lhe interessariam teorias abstratas sobre a universo subjetivo ou sobre

os processos inconscientes envolvidos nas interações. Restringiria-se a

compreender, no caso real ou em termos típicos, o sentido visado pelos atores e

as conseqüências intencionais ou não de suas ações.

O ponto fundamental é o compromisso de Weber com o plano da ação

social: tudo o que se encontra num plano analítico subjacente ou transcendente

em relação ao da ação seria excluído do campo específico das Ciências Sociais e

reservado ao âmbito filosófico. A única dimensão dos fenômenos sociais que

Weber reconhece como efetivamente real é a das ações. Qualquer dimensão

desses fenômenos que não possa ser traduzida em termos de ações é afastada

do campo científico. Definir a ciência social como uma ciência da realidade

significa, portanto, para Weber, o mesmo que defini-la como uma ciência da ação

social. É claro que Weber não está pensando em ações isoladas. Partindo da

ação social como unidade elementar, Weber (1991) reconstroi conceitualmente

todo o emaranhado de relações sociais em que cada ação encontra-se,

possivelmente, envolvida. Parsons ( 1968, pág. 653 ) observa que Weber produz

um esquema geral dos “tipos objetivamente possíveis de estrutura social”. São

tipificadas as várias formas, mais ou menos estáveis, de relação social e definidos

os modos típicos de orientação das ações nessas relações.

O conceito fundamental, de qualquer forma, é o de ação social. Esse

conceito marca a especificidade, a força, mas, também, os limites da perspectiva

weberiana. Weber se limita a perguntar como, com que sentido e com quais

conseqüências os sujeitos agem nas situações históricas concretas, em média e

no caso típico. Essas seriam as únicas questões pertinentes no âmbito de uma

Ciência Social “da realidade”.

Ficam excluídas questões centrais da teoria social. A maior delas talvez

seja a da determinação do sentido da ação individual. O que faz com que um

agente imprima determinada direção a sua ação? Como são selecionados os fins

das ações? Como os agentes decidem entre cursos alternativos de ação? O que

faz com que diante de uma mesma situação alguns ajam do modo racionalmente

mais previsível, enquanto outros se desviam e se orientam segundo os mais

diversos principios normativos? Qual o espaço de autonomia do sujeito, frente às

situações sociais, na definição do sentido de sua ação?

Weber se recusa a responder questões formuladas nesse nível de

abstração. Os problemas levantados por elas só são tratados na medida em que

puderem ser traduzidos para o plano da análise concreta das ações sociais.

Weber não pretende formular uma teoria abstrata da relação entre agentes e

situações, sujeitos e estruturas. A questão do grau em que a orientação da ação é

determinada pelas características objetivas da situação não é colocada. Weber

parte de agentes concretos, perseguindo fins estabelecidos em situações

históricamente dadas. Não está disposto a produzir uma teoria geral sobre os

fundamentos da ordem social.

Com relação a  esse ponto, existem duas interpretações possíveis do

pensamento weberiano. Alguns autores entendem que, para Weber, a referência a

valores e interesses seria restrita ao conhecimento dos fenômenos culturais. O

conhecimento dos fenômenos físicos obedeceria a uma ordem natural de

problemas. Outros entendem que Weber reconhece a existência dessas

referências em qualquer tipo de conhecimento ( embora obedecendo a certas

especificidades muito importantes). Acredito que essa segunda interpretação é

mais fidedigna.

Embora Weber não utilize exatamente esses dois termos, os mesmos

parecem muito adequados ao entendimento de sua perspectiva epistemológica

( Ver: Paiva, 1997, pág. 28 ).

Uma série de autores questionam a real possibilidade de se preservar o

contexto da validação da relação com valores ( Ver: Paiva, 1997).

Este seria um exemplo de um tipo ideal especificamente sociológico, que possuiria

muito pouco conteúdo histórico.

Alguns autores acusam Weber de privilegiar excessivamente a ação

racional, tendo em vista que no mundo real ela não seria tão presente (Ver:

Colliot-Thélene, 1995). Me parece claro, no entanto, que Weber privilegia esse tipo

de ação, principalmente, por uma questão de conveniência metodológica.

Weber  utilizou esse recurso, principalmente, na imputação de causas para

acontecimentos históricos ( Por ex: 1993-b). Como observa Cohn, no entanto, seu

uso na Sociologia também é importante “na medida em que se possa afirmar que

aquilo que para o historiador é um evento é uma situação para o sociólogo” (1979,

pág. 87 )

A compreensão atingiria seus melhores resultados  no caso da ação

racional, que na sua forma pura seria, como diz Weber ( 1993-b, pág. 164 ), “uma

“adaptação perfeita e sem resíduos à “situação” dada”.

Weber reserva o termo teoria para se referir à regularidades empiricamente

estabelecidas. Qualquer generalização que ultrapasse o plano da ordenação

conceitual de dados empíricos concretos é denominada de pressuposto filosófico,

sistema metafísico, concepção de mundo, juízo existencial ou, simplesmente,

valor.

Afirmações semelhantes estão em “A ciência como vocação” (Weber,

1982).

Weber ( 1993 ) desenvolve longamente esse argumento referindo-se à

chamada “Concepção Materialista da História”.

O único critério admitido por Weber é a capacidade do referencial de gerar

um “conhecimentos de relações que demonstram ser valiosas para a atribuição de

causas a determinados acontecimentos históricos concretos” (1993, pág. 124).

Esse critério permitiria apenas avaliar a utilidade do referencial para o estudo de

certos fenômenos específicos. Suas qualidades internas não seriam consideradas.

Atualmente, esse argumento de Weber parece quase óbvio. Dificilmente, alguém

defenderia  a possibilidade e a utilidade de se “deduzir a realidade” -  no sentido

dado por Weber a essa expressão - a partir de leis.

A preocupação de evitar certas ameaças às Ciências da Cultura –

dogmatismo teórico, substancialização dos conceitos, confusão entre juízos de

valor e juízos de fato – talvez, justifiquem, a severidade com que Weber restringe

o espaço dos pressupostos teóricos nas ciências empíricas. Essa restrição não

parece, no entanto, em princípio, completamente aceitável. Em primeiro lugar, é

possível produzir teorias extremamente abstratas sem hipostasiar os conceitos ou

ser dogmático. Em segundo lugar, é possível avaliar e “hierarquizar” teorias

segundo critérios objetivos, como lógica interna e economia explicativa.

Finalmente, vale lembrar que nada impede, em princípio, por mais difícil que isso

seja, que as múltiplas teorias  possam ser “conciliadas”, integradas num

paradigma mais amplo e compartilhado.

BIBLIOGRAFIA

ARON, Raymond, As etapas do pensamento sociológico. 3ª ed. São Paulo:

Martins Fontes, 1990.

COLLIOT-THÉLÈNE, Catherine, Max Weber e a História. 1ª ed. São Paulo:

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JASPERS, Karl, Método e visão do mundo em Weber. In: COHN, Gabriel. Org.

Sociologia: Para ler os clássicos. Rio de Janeiro: Livros técnicos e científicos,1977

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PARSONS, Talcott, The Structure of Social Action. 3ª ed. New York: The Free

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SAINT-PIERRE, Héctor, Max Weber – entre a paixão e a razão. 2ª ed. Campinas:

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____________, Economia e Sociedade. 1ª ed. Brasília: Unb, 1991. Vol. 1.

____________, Estudos Críticos sobre a lógica das Ciências da Cultura. Em:

Metodologia das Ciências Sociais. 2ª ed.. São Paulo: Cortez, 1993-b.

Artigo publicado no Caderno de Filosofia e Ciências Humanas – Unicentro Newton

Paiva, Ano VIII, nº13, Belo Horizonte, outubro de 1999 ( com errata no nº

seguinte ).