conhecimento científico e interesse militar

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Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Instituto de História IH Programa de Pós-Graduação em História Social PPGHIS Conhecimento científico e interesse militar: a dinâmica das associações da National Geographic Society para observações de eclipses do Sol nas décadas de 1930 e 1940 Heráclio Duarte Tavares Maio de 2012

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Conhecimento científico e interesse militar.

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Page 1: Conhecimento científico e interesse militar

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

Instituto de História – IH

Programa de Pós-Graduação em História Social – PPGHIS

Conhecimento científico e interesse militar:

a dinâmica das associações da National Geographic Society

para observações de eclipses do Sol nas décadas de 1930 e 1940

Heráclio Duarte Tavares

Maio de 2012

Page 2: Conhecimento científico e interesse militar

ii

Conhecimento científico e interesse militar:

a dinâmica das associações da National Geographic Society

para observações de eclipses do Sol nas décadas de 1930 e 1940

Heráclio Duarte Tavares

Orientador: Drº Carlos Ziller Camenietzki

Rio de Janeiro

Maio de 2012

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em História Social,

da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

parte dos requisitos necessários à obtenção do

título de Mestre em História Social.

Orientador: Drº Carlos Ziller Camenietzki

Page 3: Conhecimento científico e interesse militar

iii

Conhecimento científico e interesse militar:

a dinâmica das associações da National Geographic Society

para observações de eclipses do Sol nas décadas de 1930 e 1940

Heráclio Duarte Tavares

Orientador: Drº Carlos Ziller Camenietzki

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História

Social, Instituto de Historia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte

dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social.

Aprovada por:

_________________________________________

Presidente, Professor Drº Carlos Ziller Camenietzki

_________________________________________

Professora Dra Christina Helena da Motta Barboza

_________________________________________

Professor Drº Renato Luís do Couto Neto e Lemos

Rio de Janeiro

Maio de 2012

Page 4: Conhecimento científico e interesse militar

iv

À minha mãe e à minha filha, com amor.

Page 5: Conhecimento científico e interesse militar

v

Agradecimentos

Quero deixar registrado o apoio incondicional de minha família. Sei que se não fosse o

apoio que recebo de meus familiares mais próximos, a tarefa de realizar o curso de mestrado

teria sido muito mais difícil. Agradeço em especial à minha mãe, Jecimar, por todo amor,

compreensão e paciência que dedica a mim. Estou em dívida também com Armando, meu pai

desde quando eu tinha 10 anos de idade. Armando sempre me deu o suporte necessário para

que eu, aos poucos, seguisse meu caminho ao longo dos anos. Agradeço à minha querida

filha, Iany, por ter compreendido que, apesar de eu estar em casa, o tempo que me dediquei à

leitura não poderia sempre ser investido em passeios e brincadeiras. Na esfera familiar, quero

também agradecer ao meu irmão, Igor, por ter sempre me apoiado.

Muito deste trabalho foi fruto da insistência que o Professor Ziller teve comigo em um

determinado ponto da minha formação. Por mais que, no fundo no fundo, saibamos o que

temos que fazer, Ziller foi o dono da voz que não esmoreceu e continuamente dizia: “esta é a

hora. Você tem tudo em mãos. Coragem!” Ao professor Ziller, meu muito obrigado por ter

me ajudado a ver soluções ao invés de problemas.

Desejo tornar público meu agradecimento a todos meus companheiros do PPGHIS,

vindos de diferentes cidades brasileiras, com os quais tive o privilégio de compartilhar dois

anos de minha trajetória acadêmica. Acho que a Aline Carrijo e a Raquel Campos me

deixaram um pouco goianiense ao tentarem, sem sucesso, me ensinar a usar o “uai!”. A todos,

deixo registrado meu obrigado pela paciência com a pessoa difícil que sou.

Agradeço a todos os bocaiuvenses que me receberam de forma bastante cordial nas

vezes em que fui à sua cidade. No início do meu curso de mestrado, esta pesquisa se restringia

ao eclipse total do Sol visível em Bocaiuva em 1947. Creio que os ares do Norte de Minas

Gerais me ajudaram a entender Bocaiuva como o ponto de inflexão de um processo histórico

que passou pelas Ilhas do Oceano Pacífico, Ásia e Nordeste brasileiro.

Por fim, manifesto meu agradecimento a todas as pessoas que me ajudaram nos

arquivos que pesquisei, e ao CNPq, pelo suporte financeiro.

Page 6: Conhecimento científico e interesse militar

vi

Resumo

Conhecimento científico e interesse militar:

a dinâmica das associações da National Geographic Society

para observações de eclipses do Sol nas décadas de 1930 e 1940

Heráclio Duarte Tavares

Orientador: Dro Carlos Ziller Camenietzki

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em

História Social, Instituto de História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social.

Desde a Antiguidade Clássica, a ocorrência de eclipses do Sol desperta interesse no

homem. Em 1780, ocorreu um eclipse total do Sol cuja historiografia aponta como o primeiro

a ser observado por uma expedição científica. Desde então, missões científicas foram

enviadas a diferentes locais do mundo para estudar eclipses solares. Estas missões possuíam

planos de observação que estavam ligados às teorias científicas em vigor e eram dependentes

do desenvolvimento técnico que seus instrumentos possuíam.

A partir da segunda metade do século XIX, é possível identificar um crescimento no

número de expedições que observaram eclipses do Sol. Diferentes observatórios e instituições

dos EUA construíram uma tradição na observação deste fenômeno. O National Bureau of

Standards (NBS) e a National Geographic Society (NGS) são instituições norte americanas

que formaram parcerias de exploração científica durante os anos 1930 e 1940, que, grosso

modo, tinham como objetivos aparentes construir conhecimento sobre o mundo e divulgá-lo

através da revista da NGS. A história pessoal dos cientistas do NBS envolvidos nas missões

para observações de eclipses do Sol e a própria história institucional do NBS sugerem que

havia uma inclinação deste órgão e de seu staff ao desenvolvimento de pesquisas para as

forças militares dos EUA.

A partir do entendimento que a ciência é socialmente condicionada, utilizei

documentos produzidos por instituições civis e militares para analisar o processo histórico das

expedições científicas da NGS-NBS para a observação de eclipses do Sol nos anos 1930 e

Page 7: Conhecimento científico e interesse militar

vii

1940, em uma visão em que privilegio os interesses não divulgados (por vezes secretos), bem

como as relações individuais e institucionais envolvidas.

Palavras-chave: Eclipse do Sol; National Bureau of Standards; mísseis intercontinentais.

Rio de Janeiro

Maio de 2012

Page 8: Conhecimento científico e interesse militar

viii

Abstract

Scientific knowledge and military interest:

The dynamics of the National Geographic Society’s associations

for observations of eclipses of the Sun in the 1930s and 1940s

Heráclio Duarte Tavares

Advisor: Dro Carlos Ziller Camenietzki

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em

História Social, Instituto de História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social.

Since Antiquity, the occurrence of eclipses of the Sun awakens interest in human

being. In 1780, there was a total solar eclipse whose historiography points out as the first to

be observed by a scientific expedition. Since then, scientific missions were sent to different

locations around the world to study solar eclipses. These missions had observation’s plans

which were linked to current scientific theories and were dependent on the technical

development that their instruments had.

From the second half of the nineteenth century, it is possible to identify a growing

number of expeditions to observe eclipses of the Sun. Different observatories and institutions

from the U.S. built a tradition of observing this phenomenon. The National Bureau of

Standards (NBS) and the National Geographic Society (NGS) are North American institutions

that formed partnerships during the 1930s and 1940s, which, roughly speaking, had the

apparent objectives to build knowledge about the world and disseminate it through the journal

of the NGS. The personal history of the scientists of the NBS involved in expeditions to

observe eclipses of the Sun and the institutional history of the NBS suggest that there was an

inclination to develop researches for the U.S. military.

Based on the understanding that science is socially conditioned, I used documents

produced by civil and military institutions to analyze the historical process of NGS-NBS

scientific expeditions for the observation of eclipses of the Sun during 1930s and 1940s, in a

Page 9: Conhecimento científico e interesse militar

ix

perspective that I privilege the interests not disclosed (sometimes secret) as well the

individual and institutional relationships involved.

Keywords: Eclipse of the Sun; National Bureau of Standards; intercontinental missiles.

Rio de Janeiro

Maio de 2012

Page 10: Conhecimento científico e interesse militar

x

Ficha catalográfica

Tavares, Heráclio Duarte.

Conhecimento científico e interesse militar: a dinâmica das associações da

National Geographic Society para observações de eclipses do Sol nas décadas

de 1930 e 1940/ Heráclio Duarte Tavares. – Rio de Janeiro: UFRJ/ IH, 2012.

xiv, 145 f.; 22 il.;1,2 cm.

Orientador: Carlos Ziller Camenietzki

Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ IH / Programa de Pós-Graduação em

História Social/ 2012.

Referências bibliográficas: f. 138 – 145.

1. National Bureau of Standards. 2. Expedições científicas 3. Eclipse do

Sol. 4. National Geographic Society.

I. Camenietzki, Carlos Ziller. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, /

Programa de Pós-Graduação em História Social. III. Título.

Page 11: Conhecimento científico e interesse militar

xi

Sumário

Lista de Figuras......................................................................................................................xiii

Introdução............................................................................................................................. ...15

1 Instituições norte americanas, cientistas e eclipses do Sol ............................................. 18

1.1 Aspectos principais para observar um eclipse total solar ............................................. 18

1.2 Observando o céu e construindo uma tradição............................................................. 20

1.3 National Geographic Society e o National Bureau

of Standards: um pouco de História .................................................................................. 27

1.4 A Sociedade e o Bureau: parcerias científicas e

o mundo à beira da Guerra nos anos 1930 ......................................................................... 32

1.5 Organização: a chave para observar eclipses e para vencer a Guerra ........................... 47

2 As observações científicas do eclipse total do Sol de 1947 em perspectiva histórica .... 61

2.1 Ciências básica e aplicada: pragmatismo e diletantismo científicos para o NBS .......... 61

2.2 O Sol e a atmosfera terrestre como objetos de estudo .................................................. 64

2.3 Outras relações entre eclipses do Sol e interesses militares:

a busca pela precisão dos contatos .................................................................................... 69

2.4 A ação da natureza sobre os instrumentos: George Van Biesbroeck

e o teste da Relatividade Geral .......................................................................................... 74

Page 12: Conhecimento científico e interesse militar

xii

3 Usos da Ciência: eclipses do Sol em nome da Guerra .................................................... 80

3.1 A Segunda Guerra Mundial e eclipses do Sol alcançam o Brasil nos anos 1940 .......... 80

3.1.1 A expedição da National Geographic Society em foco:

quem vem? Fazer o que?........................................................................................... 83

3.1.2 Informações necessárias ou dissimulação? O Projeto Bocaiuva ........................ 92

3.2 Eclipses do Sol como ferramenta geodésica .............................................................. 100

3.3 Mísseis mais precisos, mais eficientes e mais mortais ............................................... 104

3.4 Astrônomos e militares: sugestões e interesses .......................................................... 108

3.5 A ciência no escuro: a organização de uma expedição para eclipsar a paz ................. 112

Considerações finais .............................................................................................................118

Fontes.....................................................................................................................................136

Glossário................................................................................................................................137

Referências Bibliográficas....................................................................................................138

Page 13: Conhecimento científico e interesse militar

xiii

Lista de Figuras

Figura 1 Foto aérea do National Bureau of Standards – 1931 ....................................... 122

Figura 2 Lyman James Briggs, em 1933, ao assumir a Direção

do National Bureau of Standards ................................................................................... 122

Figura 3 Lyman James Briggs no inicio dos anos 1950....................................................122

Figura 4 Navio da Marinha dos EUA – Avocet – julho de 1937 .................................... 123

Figura 5 Irvine Gardner a bordo do Avocet – julho de 1937 .......................................... 123

Figura 6 Marinheiros em um momento de distração

a bordo do Avocet – julho de 1937 ................................................................................ 123

Figura 7 Cidadãos da Cidade de Patos, PB, interagem

com cientistas e instrumentos, outubro de 1940 ............................................................. 124

Figura 8 Cidadãos da Cidade de Patos, PB, interagem

com cientistas e instrumentos, outubro de 1940 ............................................................. 124

Figura 9 Instrumentos astronômicos da expedição da National Geographic Society prontos

para capturar imagens do eclipse total do Sol de outubro de 1940, em Patos, PB ........... 124

Figura 10 Ford Station Wagon do National Bureau of Standards que continha um

laboratório de rádio portátil – outubro de 1940, em Patos, PB ........................................ 124

Figura 11 Cidadãos da Cidade de Patos, PB, interagem

com cientistas e instrumentos, outubro de 1940 ............................................................. 124

Figura 12 Eppley pyrheliometer usado por Lyman Briggs no

eclipse de maio de 1947 ................................................................................................. 125

Figura 13 Dr. Sahade, do Observatório de Córdoba, na ocasião

da observação do eclipse total do Sol realizada em 20 de maio de 1947 ......................... 125

Figura 14 Reino A. Hirvonen, chefe da missão finlandesa que ficou instalada no Brasil, em

Bocaiuva, MG, maio de 1947 ........................................................................................ 125

Figura 15 Pavilhões do Brasil, dos EUA e da NGS tremulando juntos no acampamento da

expedição da National Geographic Society em Bocaiuva, MG, em maio de 1947 .......... 125

Page 14: Conhecimento científico e interesse militar

xiv

Figura 16 Faixa do eclipse anular de 08-09 de maio de 1948. ....................................... 126

Figura 17 Câmera de Banachiewicz – fevereiro de 1948 ............................................... 126

Figura 18 Representação dos comprimentos de ondas ................................................... 127

Figura 19 Representação da alta atmosfera em função da altitude e

da densidade de elétrons livres por centímetro cúbico .................................................... 127

Figura 20 a 22 Segundo e terceiro contatos do eclipse anular de 31 de maio de 1984.....128

Mapas dos eclipses solares que aparecem ao longo da dissertação

(em ordem cronológica) ............................................................................................... 129

Page 15: Conhecimento científico e interesse militar

15

Introdução

Inquestionavelmente, eclipses solares são um dos mais belos espetáculos naturais

testemunhados pelo homem. Devido a coincidências astronômicas, os privilegiados situados

em uma estreita faixa de sombra da Lua projetada na superfície terrestre experimentam alguns

minutos de escuridão gradual durante o dia, que mostram a mecânica celeste em uma situação

única, no apogeu do alinhamento do Sol, da Lua e da Terra. Como esta experiência ocorre em

circunstâncias históricas, seus significados e suas práticas alteram-se ao longo do tempo, de

acordo com as particularidades das culturas locais. Era comum algumas civilizações antigas

acreditarem que grandes bestas ameaçavam engolir o Sol durante eclipses solares. Na China

Antiga, havia a crença de que um dragão gigante ameaçava devorar o Sol ou a Lua. Durante a

ocorrência de eclipses, os chineses tocavam freneticamente sinos, faziam um imenso barulho

usando tambores, e arqueiros lançavam flechas em direção ao céu para afastar o terrível

monstro que ameaçava os corpos celestes.1 A mitificação do fenômeno era observada em

diversas culturas em sociedades passadas. Hoje em dia, os significados de eclipses do Sol são

bem diferentes. Entre eles, é possível encontrar empresas de turismo que oferecem pacotes de

viagem para a observação de eclipses solares visíveis em locais distantes dos grandes centros

urbanos, incluindo hospedagem em hotéis luxuosos, palestras proferidas por astrônomos e

souvenires de toda ordem. Isto sem contar a utilização de observações de eclipses do Sol em

propagandas.

Porém, a humanidade não vem apenas apreciando o fenômeno. Nós estudamos

eclipses solares há bastante tempo. Há registros que mostram que filósofos na Antiguidade

Clássica já estudavam eclipses. Atualmente, astrônomos, físicos e cientistas de diversos

campos de conhecimento investigam as relações naturais propiciadas por este fenômeno.

Durante um eclipse do Sol, são criadas condições para a condução de observações que não

podem ser realizadas em laboratório, principalmente as que envolvem a natureza solar. Neste

sentido, construímos instrumentos para a realização de observações de melhor qualidade e

para lançarmos nosso olhar cada vez mais distante através da imensidão do Universo.

Acompanhando as transformações dos instrumentos, nossas dúvidas envolvendo eclipses do

Sol também sofrem mudanças. Isto significa que na história de observações científicas de

eclipses, como em qualquer outra observação científica, há transformações das técnicas de

observação e dos instrumentos utilizados, bem como transformações das interrogações que

direcionaram a elaboração dos planos de estudo.

1 BRUNIER, Serge. LUMINET, Jean Pierre. Glorious Eclipse: Their past, present and future. Cambridge:

Cambridge University Press, 2000, p. 26. Translated by Storm Dunlop.

Page 16: Conhecimento científico e interesse militar

16

Nas próximas páginas, eu analiso as relações históricas de expedições científicas

organizadas por instituições dos Estados Unidos da América (EUA), que observaram eclipses

do Sol durante os anos 1930 e 1940. Eu mantenho o foco nas expedições organizadas pela

National Geographic Society em parceria com o National Bureau of Standards, por entender

que os cientistas envolvidos e a estrutura logística destas missões tinham uma inclinação a

estabelecer relações históricas diferentes das estabelecidas por expedições organizadas por

astrônomos e astrofísicos de observatórios espalhados pelo mundo. Eu direciono minhas

atenções às circunstâncias históricas pré e pós–Segunda Guerra Mundial e trato algumas

relações entre os EUA e o Brasil durante este período, já que nos anos 1940 foi possível

observar três eclipses totais do Sol por aqui.

Faço uma ressalva ao leitor que este é um trabalho historiográfico. Transito entre as

micro e macro circunstâncias históricas e tento dar sentido a relações entre sujeitos,

instituições científicas e acontecimentos. Ou seja, as perguntas que elaborei para analisar as

expedições científicas da National Geographic Society - National Bureau of Standards

partiram de uma interpretação relacional. Após algum tempo desconfiando de situações não

muito comuns que envolviam as expedições financiadas pela National Geographic Society

para observar eclipses do Sol nos anos 1940, respondi a algumas questões e elaborei outras,

que ainda não tenho respostas.

O eclipse total do Sol de 1947 foi o ponto de partida para que eu entendesse o

processo histórico no qual ele estava enquadrado. O fato das circunstâncias deste eclipse

aparecerem em maiores detalhes não significa que ele tenha sido mais importante. Entretanto,

sem dúvidas, este eclipse foi o ponto de inflexão para os sujeitos históricos por trás de sua

organização. Por mais que os militares dos EUA tivessem uma tradição em oferecer um

importante apoio logístico a expedições científicas para observação de eclipses, normalmente

realizando o transporte do equipamento científico em seus navios a lugares de difícil acesso, a

expedição de 1947 contou com um apoio bem maior e com a presença de muitos militares.

Para as observações do eclipse de maio de 1947, a US Army Air Force transportou o

equipamento e pessoal da expedição da National Geographic Society para o Brasil e alguns de

seus generais estavam presentes para a observação do eclipse em Bocaiuva, uma Cidade de

4.000 habitantes no Norte de Minas Gerais. Normalmente, em uma situação como esta, os

militares envolvidos eram alguns marinheiros, que ajudavam na montagem dos equipamentos

científicos e na construção de suportes para os mesmos, e poucos oficiais, que se envolviam

no apoio aos experimentos ou realizando observações, na maior parte das vezes, relacionadas

a melhorias da navegação. Mas, levando-se em conta que o eclipse total do Sol de 1947 foi o

Page 17: Conhecimento científico e interesse militar

17

primeiro a ser observado após a Segunda Guerra Mundial, as condições de apoio logístico que

as Forças Armadas dos EUA podiam oferecer eram bem diferentes

Será que somente a observação de um eclipse total do Sol tinha força para tirar físicos

do primeiro escalão de instituições dos EUA, com históricos de envolvimento com

desenvolvimento de armamentos de destruição em massa, de seus escritórios e fazer com que

eles, literalmente, se embrenhassem no meio do mato no Norte de Minas Gerais? Do mesmo

modo, é aceitável que somente a possibilidade de mensurações geodésicas feitas a partir do

eclipse anular de maio de 1948, de menos de um minuto de duração, mobilizasse uma multi-

expedição da National Geographic Society, com um gigantesco apoio logístico oferecido

pelas US Air Forces e pelo US Army, com sete bases de observação espalhadas por ilhas no

Oceano Pacífico? Recusei-me a tomar estes fatos como versões inquestionáveis.

Observações científicas de eclipses justificavam sim a organização e envio de

expedições. Ainda mais se levarmos em conta o papel decisivo que a pesquisa científica

desempenhou durante a Segunda Guerra. A questão é que em algumas ocasiões as

justificativas não foram apenas observar eclipses cientificamente. O processo histórico de

como estas observações ocorreram, como as expedições foram organizadas, os estudos

realizados e, principalmente, as intenções de uso dos dados obtidos revelam uma rede de

interesses; uma intersecção de projetos científicos, civis e militares orientados por diferentes

objetivos, onde somente a perspectiva científica vinha a público. Mas, quem eram estes

cientistas e militares envolvidos? Quais foram as instituições que fizeram parte das

observações de eclipses do Sol promovidas pela National Geographic Society? Como elas se

envolveram? O que elas queriam fazer com as informações conseguidas? Quais foram os

interesses que motivaram estas ações?

Em um primeiro momento, pode parecer, como pareceu a mim, uma ideia infundada

imaginar que estudos de eclipses do Sol pudessem contribuir para os esforços de guerra.

Desde o início deste trabalho eu me perguntava: como foram as relações entre os cientistas e

os militares dos EUA que deram apoio logístico às observações do eclipse em 1947? Neste

trabalho, tento responder a esta questão e a tantas outras que formulei ao longo do caminho.

Page 18: Conhecimento científico e interesse militar

18

1 Instituições norte americanas, cientistas e eclipses do Sol

O objetivo deste capítulo é analisar o processo histórico da parceria firmada entre a

National Geographic Society e o National Bureau of Standards para a observação de eclipses

totais do Sol nos anos 1930. Através de documentos produzidos pelo Diretor desta instituição

e pelo Presidente daquela, além de registros históricos dos principais sujeitos envolvidos,

analiso as relações institucionais e pessoais que revelam alguns interesses que motivaram a

constituição e envio de expedições científicas para a observação de eclipses do Sol pelos

órgãos em questão. As observações de eclipses solares feitas por observatórios astronômicos

norte americanos desde o século XIX foram importantes por terem ajudado, em certa medida,

a National Geographic Society e o National Bureau of Standards no que diz respeito a trocas

de informações e sobre o planejamento de suas missões. Assim, as próximas páginas são

dedicadas às relações sociais em torno das expedições da National Geographic Society e do

National Bureau of Standards.

***

1.1 Aspectos principais para observar um eclipse total solar

O planejamento de expedições para observação de eclipses solares passou por um

processo de profissionalização mais acentuado nos últimos 30 anos do século XIX. Levando-

se em conta que para observar um eclipse total do Sol, o observador tem que estar situado

dentro de um estreito cone formado pela sombra da Lua projetada na Terra, estas expedições

viajavam para os mais variados, distantes e isolados locais do mundo levando instrumentos

científicos com dimensões e pesos consideráveis. O planejamento é uma das principais etapas

para o alcance do sucesso das observações científicas de eclipses do Sol. A primeira

expedição científica organizada para estudar um eclipse solar na história cometeu um sério

erro nesta etapa. A expedição foi organizada pela, então recém-criada, Universidade de

Harvard1 para observar o eclipse total do Sol de 27 de outubro de 1780, quando os Estados

Confederados estavam em guerra contra a Inglaterra. Durante a ocorrência do eclipse, a

missão viu apenas o eclipse parcial do Sol, o que significa que ela não estava posicionada

dentro da faixa de totalidade. Até hoje não se sabe ao certo se houve um erro de cálculo dos

planejadores da missão ou se os mapas utilizados – feitos na Europa – continham

1 Em 1636 foi criado o Harvard College, que recebeu o nome de Harvard University em 1780.

Page 19: Conhecimento científico e interesse militar

19

imprecisões.2 O fato é que mesmo pequenas falhas na organização de missões desta natureza

podem arruinar todos os esforços realizados para sua constituição. Alex Soojung-Kim Pang

analisou, em parte de seu trabalho, as organizações de expedições científicas inglesas para a

observação de eclipses totais do Sol com o suporte da Royal Astronomical Society e Royal

Society nas últimas décadas do século XIX. Há três aspectos que Pang considerou essenciais

para o planejamento destas missões.3

O primeiro correspondia à fase de apresentação de propostas de financiamento ao

governo. Nesta fase, os responsáveis pela organização tinham que justificar a constituição da

missão e apresentar um orçamento aceitável, na esperança de sua aprovação. O que era

ligeiramente diferente das expedições financiadas pela National Geographic Society (NGS),

já que se trata de uma instituição privada, e as justificativas para a aceitação de uma proposta

passam por interesses diferentes. Havia, ainda, a necessidade de negociações que cuidassem

da legalidade da entrada dos cientistas e dos seus instrumentos nos países em que o eclipse

total ia ser visível, o que era uma característica comum a expedições organizadas por

instituições de qualquer país. Estas negociações nem sempre foram favoráveis aos cientistas,

pois eclipses totais do Sol ocorrem em tempos de paz ou de guerra, em períodos de

estabilidade política ou de convulsões sociais. Estas situações, de maneira inevitável,

condicionam os rumos dos acontecimentos em torno das observações do fenômeno e podem

produzir registros que permitem aos historiadores um olhar mais voltado às relações sociais

travadas por estas expedições astronômicas.4

O segundo aspecto, assinalado por Pang, envolvia a organização logística da

expedição. Nesta etapa, ocorriam as escolhas dos meios de transporte do equipamento

científico – levando-se em conta as rotas existentes –, e a análise dos possíveis locais de

observação, tendo como base os locais em que o eclipse ia ser total, que eram previstos

antecipadamente através de cálculos de mecânica celeste. Com estas informações em mãos, os

organizadores das missões consideravam os históricos das condições meteorológicas dos

locais cogitados como destino, suas condições de acomodações, a disponibilidade de mão de

2 Ver: STEEL, Duncan. Eclipse: The celestial phenomenon that changed the course of History. Washington: The

Joseph Henry Press, 2001, pp. 174 – 195.; Ver também: BRUNIER, Serge. LUMINET, Jean Pierre. Glorious

Eclipse: Their past, present and future. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. Translated by Storm Dunlop, pp. 48 e 49. 3 Ver em particular: PANG, Alex Soojung–Kim. “Planning eclipse expeditions.” In: Empire and the Sun:

Victorian Solar Eclipse Expeditions. Stanford: Stanford University Press, 2002, pp. 11 – 48. 4 O caso do astrônomo francês Bernard Lyot, que morreu em plena missão astronômica para a observação do

eclipse total do Sol de fevereiro de 1952, que foi visível em um Egito mergulhado em uma guerra civil, ilustra

bem este ponto. Ver: GUILLERMIER, Pierre; KOUTCHMY, Serge. Total eclipses: science, observations, myths

and legends. New York: Springer, 1999, pp. 109 – 113.

Page 20: Conhecimento científico e interesse militar

20

obra existente, etc. Esta era a fase da organização em que os planejadores necessitavam da

ajuda dos órgãos locais e é uma das características que afirma a importância da cooperação

internacional na prática da Astronomia.

Por fim, havia as ações que consideravam os estudos a serem realizados, pensando no

interesse científico da época, nos instrumentos disponíveis para a realização de coletas de

dados, na técnica e na metodologia científica empregadas e nas estratégias de construção de

conhecimento elaboradas pelos cientistas, que podiam se deparar com imprevistos durante

suas observações. Esta fase dependia do poder de articulação dos planejadores e dos grupos

em que eles estavam inseridos. Muitas vezes, ocorria a situação de instrumentos serem

emprestados e expedições conjuntas serem organizadas como uma medida de conciliação de

interesses.

De uma forma geral, estes eram os passos tomadas por planejadores de expedições

científicas para observação de eclipses solares. As particularidades destas fases mudavam de

eclipse em eclipse e podem revelar aspectos históricos não perceptíveis a um primeiro olhar.

Os observatórios astronômicos norte americanos realizaram estas ações especificadas acima

um sem número de vezes desde o final do século XVIII. Em meados do século seguinte,

houve tentativas de criar algumas associações em Astronomia nos EUA. Mas, estas tentativas

foram repletas de conflitos entre astrônomos amadores e profissionais. Porém, o apoio

institucional para organizar expedições científicas para observar eclipses do Sol em condições

de contribuir para a construção de conhecimento pesou e, apesar de alguns astrônomos

amadores terem feito relevantes contribuições científicas ou financiando a construção de

observatórios, os astrônomos profissionais prevaleceram no jogo de poder para a organização

do grupo de Astronomia oficial nos EUA, a American Astronomical Society. 5

1.2 Observando o céu e construindo uma tradição

Recentemente, documentos relacionados a expedições astronômicas que observaram

eclipses solares têm servido como base para historiadores explorarem relações políticas,

militares e outras particularidades históricas relacionadas à prática científica.6 Ao tentar

entender as especificidades das expedições organizadas pela NGS em conjunto com o

National Bureau of Standards (NBS), encontrei um amplo leque de interesses das instituições

5 ROTHENBERG, Marc. “Organization and control: professionals and amateurs in American Astronomy, 1899

– 1918.” In: Social Studies of Science. London, Vol. 11, 305 – 325. 6 Ver: PANG, Alex Soojung–Kim. Empire and the Sun: Victorian Solar Eclipse Expeditions. Stanford: Stanford

University Press, 2002.; e: BARBOZA, Christina Helena da Motta. “Ciência e natureza nas expedições

astronômicas para o Brasil (1850 – 1920).” In: Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas.,

Belém V.5, nº2, pp. 273 – 294, Mai – Ago. 2010.

Page 21: Conhecimento científico e interesse militar

21

e cientistas que faziam parte destas missões. Desde o início, era evidente para mim que nas

expedições científicas para observação de eclipses do Sol que a NGS financiou, os cientistas

do NBS, devido à sua natureza institucional, ocupavam, na maioria das vezes, posições de

liderança e decisão. Frequentemente, estas expedições contavam com a participação de

astrônomos de diferentes observatórios dos EUA, que já estavam envolvidos em observações

de eclipses solares em anos anteriores.

A tradição norte americana em observar eclipses do Sol começou a ser construída ao

longo da segunda metade do século XIX, por expedições que eram organizadas por

observatórios como, por exemplo, o Harvard College Observatory, United States Naval

Observatory, Lick Observatory além das que o Coast and Geodetic Survey organizou. O

Harvard Observatory organizou a primeira expedição astronômica que se tem registro, para

observar o eclipse total do Sol de 1780, e C. A. Young – astrônomo com uma posição na

Universidade de Princeton –, compunha uma expedição do Harvard Observatory para

observar o eclipse de 1870, quando descobriu o flash spectrum.7 Já as observações de eclipses

do Sol feitas pelo Coast and Geodetic Survey em 1854, 1860, 1870 e 1871 tiveram ligações

com a expansão norte americana para o Oeste e a delimitação de novas fronteiras ao longo do

século XIX.8 Somente na ocorrência do eclipse total do Sol de 11 de janeiro de 1889 que é

possível observar o início de uma regularidade em observações, feitas pelo Lick Observatory.9

O banqueiro C. F. Croker financiou doze expedições científicas organizadas pelo Lick

Observatory para observações de eclipses do Sol entre 1889 e 1918 em várias partes do

mundo.10

Na segunda metade do século XIX, o interesse científico em observar eclipses do Sol

passou, se assim podemos chamar, por uma redescoberta. Astrônomos tiveram que dividir

espaço com físicos e químicos devido ao emprego do espectrógrafo, que possibilitava a

captura de feixes luminosos e a identificação dos elementos químicos que os constituem.

Muito desta redescoberta foi devido ao trabalho do químico R. Bunsen e do físico teórico G.

Kirchhoff. Eles perceberam que os gases produzidos por corpos celestes em alta temperatura

criam feixes de luz que, quando atravessam um prisma, geram espectros coloridos que

7 GINGERICH, Owen (ed.). Astrophysics and twentieth-century astronomy to 1950 – (The General History of

Astronomy; v.4 Part A). Cambridge: Cambridge University Press. 1984, pp. 122 e 123. 8 Ver: THEBERGE, Albert E. Coast Surveyors on the pioneer coast. Disponível em

http://www.lib.noaa.gov/noaainfo/heritage/coastandgeodeticsurvey/Coast_Surveyors_Mainsl_Haul.pdf Página

da Internet consultada em 10 de novembro de 2011. 9 MITCHELL, Samuel Alfred. Eclipses of the Sun. New York: Greenwood Press, 1969, p. 119. 10 GINGERICH, Owen (ed.). (1984), op. cit., p. 128.

Page 22: Conhecimento científico e interesse militar

22

correspondem aos elementos químicos contidos no corpo celeste que emitiu a luz.11

Na

ocorrência de um eclipse do Sol, as diferentes camadas do Sol vão ficando visíveis conforme

o disco da Lua vai cobrindo o disco solar. Deste modo, é possível direcionar o espectrógrafo

para uma camada específica do Sol e estudar sua composição química. Com a análise dos

espectros, os eclipses do Sol deixaram de ser um fenômeno científico que permitia somente o

estudo da mecânica celeste e passou a oferecer oportunidades de saber que elementos da

natureza compõem os corpos celestes. K. Hufbauer afirmou que nestas circunstâncias é que a

chamada física solar começou ser desenhada como um campo de estudo na segunda metade

do século XIX. Após a invenção do espectrógrafo, os planejamentos de observações de

eclipses do Sol voltaram suas atenções à coroa solar, já relacionando seu formato ao ciclo de

manchas solares de onze anos (descoberto em 1843 por Heinrich Schwabe, um próspero

farmacêutico e astrônomo amador alemão), ao flash spectrum e à cromosfera solar, descoberta

a partir dos dados coletados nas observações do eclipse total do Sol de julho de 1860.12

A maioria dos observatórios dos EUA que organizou expedições para observar

eclipses do Sol no século XIX era privada. Contrastando com esta tendência, havia o US

Naval Observatory (USNO), que enviou expedições científicas para observar eclipses do Sol

no final do século XIX e em toda a primeira metade do século XX. Para a observação do

eclipse de 1900, o Naval Observatory concentrou atenções no estudo da coroa solar, no flash

spectrum e na radiação solar. Nos eclipses do Sol de 1901, 1905 e 1918 o USNO conseguiu

verba do Congresso dos EUA e organizou expedições que usavam navios de guerra da

Marinha norte americana para o transporte dos equipamentos. As expedições do Naval

Observatory tiveram a presença de astrônomos de outros observatórios em muitas

oportunidades, como Samuel Mitchell, do McCormick Observatory – vinculado à

Universidade de Virgínia –, e constantemente conseguiam instrumentos científicos de outras

instituições, como o Smithsonian Institute. É possível entender que o envolvimento dos

militares dos EUA na observação de eclipses solares ao final do século XIX ia além da

questão logística e de apoio às missões científicas. Havia uma clara intenção em coletar

informações sobre o movimento lunar e terrestre, visando uma melhor compreensão do tempo

de rotação da Terra e do posicionamento dos corpos celestes. Estas informações eram

importantes para a navegação marítima e para os sistemas de transporte de uma forma geral.

11 HERRMANN. Dieter B. “The origin of astrophysics.” In: The history of astronomy from Herschel to

Hertzsprung. Translated and revised by Kevin Krisciunas. London: Cambridge University Press, 1984, pp. 76 –

80. 12 Ver: HUFBAUER, Karl. Exploring the Sun – Solar science since Galileo. Baltimore: The Johns Hopkins

University Press, 1991. pp. 46 – 59.; Ver também: MITCHELL, Samuel Alfred. Eclipses of the Sun. New York:

Greenwood Press, 1969, pp. 98 – 104.

Page 23: Conhecimento científico e interesse militar

23

Apesar de ser uma instituição científica, o USNO estava preso às atribuições de preparação e

publicação do Nautical Almanac e da American Ephemeris, e responsável pela manutenção do

tempo oficial no país. Estas atribuições utilitárias direcionavam os campos de pesquisa do

USNO e foram motivos de desentendimentos constantes entre astrônomos dos EUA, que

queriam utilizar os instrumentos científicos do USNO e sua verba pública para pesquisas

básicas, e militares da Marinha, mais inclinados ao conhecimento prático.13

Entre os eclipses do Sol que ocorreram nas duas primeiras décadas do século XX, o

eclipse solar de 1919 é o mais conhecido, por ter fornecido os primeiros dados que

corroboraram um ponto da Teoria Geral da Relatividade (TRG), de Albert Einstein. Em uma

perspectiva histórica, o trabalho de Matthew Stanley põe os esforços de organização da

expedição do astrônomo inglês A. S. Eddington unidos à sua crença nas ideias religiosas

difundidas pelos Quakers – principalmente a posição pacifista – e à necessidade de

cooperação internacional científica. Stanley entendeu que Eddington, tomado pelas doutrinas

dos Quakers, viu no teste da TRG, que podia ser feito no eclipse de 1919, a possibilidade de

aproximar duas as nações em conflito, (principalmente a Inglaterra e o Império Alemão)

através da cooperação científica.14

A situação de conflito armado como pano de fundo

histórico durante observações de eclipses solares voltou a acontecer nos anos 1940, como

veremos a diante. Por outro lado, a necessidade de cooperação internacional em pesquisas em

Astronomia era uma condição essencial, não apenas para a observação de eclipses solares,

mas, também, para outras investigações como a construção de grandes mapeamentos celestes.

O eclipse total do Sol de 24 de janeiro de 1925 foi visível na costa Leste dos EUA,

com sua faixa de totalidade estabelecendo limites entre a Cidade de Nova York e o Sul do

Estado de Massachusetts. Este eclipse foi observado pela maioria das instituições científicas

dos EUA que já estava envolvida nos trabalhos de observação dos fenômenos anteriores e

recebeu muita atenção por parte da imprensa e de populares. O eclipse de 1925 é importante

para o objetivo deste trabalho porque entre as expedições enviadas para observá-lo estava uma

organizada pelo NBS. Até onde sei, esta foi a primeira vez que o NBS enviou uma missão

científica para observar um eclipse total do Sol.15

13 GINGERICH, Owen (ed.). Astrophysics and twentieth-century astronomy to 1950 – (The General History of Astronomy; v.4 Part A). Cambridge: Cambridge University Press. 1984, pp. 124 – 127. 14 STANLEY, Matthew. “An expedition to heal the wound of war.” In: Isis. Vol. 94, 2003, pp. 57 – 89. 15 MITCHELL, Samuel Alfred. Eclipses of the Sun. New York: Greenwood Press, 1969, p. 163.; Irvine Gardner

realizou observações deste eclipse, conforme informou a um funcionário da NGS. Ver: Memorandum from

Irvine Gardner to Mr. McFall Kerbey (NGS). May 19, 1937. In: Record Group (RG) 167 – Entry 44 – Division

520 I. Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. National Archives Records and Administration (NARA)/

College Park – Maryland (MD)/ United States (US).

Page 24: Conhecimento científico e interesse militar

24

Nos anos 1920, algumas instituições dos EUA estiveram envolvidas em observações

de eclipses do Sol a partir de aviões. Se estas observações tinham a vantagem de estar acima

das nuvens, e com isso evitar a má sorte de ter a visão do eclipse encoberta por um tempo

nublado, o equipamento para a obtenção de fotografias ainda não possuía uma boa adaptação

nos aeroplanos. Isso sem contar todas as dificuldades que a tripulação passava enfrentando

cockpits abertos, nos quais a influência da pressão atmosférica e o frio intenso, gerado por

altitudes de um pouco mais de 5 quilômetros acima do nível do mar, tornavam a simples ação

de tirar fotos em uma tarefa árdua.16

Via de regra, estas expedições tinham como objetivo

fotografar a coroa solar e a sombra da Lua projetada na superfície da Terra. Este último

objetivo era para tentar identificar o centro da sombra lunar para ajudar na realização de

correções teóricas sobre a real posição da Lua no espaço.

O capitão do Army Air Corps Albert Stevens esteve na expedição que envolveu 16

aviões da US Navy para observar o eclipse total do Sol de 10 de setembro de 1923, visível na

costa Oeste dos EUA e em boa parte do México. Apesar das fotografias que Stevens obteve

não terem sido de boa qualidade, o evento serviu para chamar atenção do público e mostrar a

possibilidade de realização de observações de eclipses a partir de aviões. Sete anos depois,

Stevens novamente se envolveu em observações de um eclipse solar, desta vez conseguindo

fotografias de qualidade da sombra da Lua sobre a Terra no eclipse de 21 de outubro de 1930.

Stevens, ainda, trabalhou em pareceria com a NGS em algumas ocasiões nos anos 1920, como

a que ele conseguiu o recorde de altitude atingida durante um voo em um avião, e no

lançamento de balões gigantes tripulados nos anos 1930.17

As condições históricas destes acontecimentos, dentre os quais se destacaram as

expedições do US Army Corps para observar eclipses solares – despertando o interesse do

público –, aliadas à já existente relação de amizade entre Gilbert Grosvenor (presidente da

NGS) e o capitão Stevens e à inclinação da Sociedade em publicar fotos relacionadas à

aviação,18

podem ter colaborado para que a NGS se interessasse em financiar expedições para

estudar eclipses do Sol nos anos seguintes. Nas observações do eclipse total do Sol de 31 de

agosto de 1932, Stevens fez excelentes fotos da sombra da Lua e da coroa solar e escreveu um

16 STEVENS, Albert W. “Photographing the eclipse of 1932 from the air.” In: National Geographic Magazine.

1932, November, pp. 581 – 596. 17 DOLCI, Wendy Whiting. Milestone in Airborne Astronomy – from the 1920s to the present. World Aviation

Congress, Anaheim, CA, October. 13 – 16, 1997, p. 1. Disponível em www.phys-

astro.sonoma.edu/.../LowRefs.html Acessado no dia 20 de julho de 2011. 18 DeVORKIN, David. Race to the stratosphere: manned scientific ballooning in America. Washington DC:

Smithsonian Institution, 1989, p. 133.

Page 25: Conhecimento científico e interesse militar

25

artigo publicado pela revista da NGS descrevendo a missão.19

Durante este mesmo eclipse,

Paul McNally liderou uma expedição do Georgetown College Observatory em conjunto com

a NGS, que se deslocou até o Estado de Maine nos EUA, para estudar a diminuição da luz

solar durante o eclipse e escreveu um artigo que explica a ocorrência do fenômeno,

fornecendo detalhes dos instrumentos usados e relatando as ações realizadas pelos cientistas

nos momentos de observação.20

Estas são algumas situações do início do envolvimento da NGS com observações de

eclipses do Sol. A NGS não deixou de financiar expedições de outra natureza ao mesmo

tempo em que se interessava por eclipses solares. Durante o financiamento de missões para

alcançar a estratosfera usando balões tripulados em 1934 e 1935, nas quais o Capitão Stevens

foi a figura central, o NBS providenciou o apoio científico fundamental. Lyman Briggs,

Diretor do NBS, foi uma das pessoas mais próximas a Stevens nos momentos de preparação –

e de depressão – do piloto, e uma das figuras centrais no planejamento das observações

científicas que iam ser realizadas durante o voo. Briggs ocupou a vaga no Comitê Executivo

da NGS, que era do antigo Diretor do NBS, Burgees, e ficou em uma posição privilegiada

para aconselhar os executivos da NGS sobre os projetos de pesquisa e exploração que a

Sociedade recebia. A posição de Briggs, tendo todo o corpo de cientistas do NBS como

suporte, deixava o Bureau cada vez mais próximo da NGS.

Como é possível perceber, durante as primeiras décadas do século XX, existiam

diferentes grupos de observadores e de instituições dos EUA interessados em realizar estudos

de eclipses do Sol. Havia grupos de astrônomos dos observatórios de Lick, Harvard College,

Georgetown, Mount Wilson, McCormick Observatory, entre outros, que tinham,

primordialmente, interesses voltados a investigações das condições naturais propiciadas pela

ocorrência do fenômeno e não se preocupavam com uma aplicação imediata de seus

resultados. As expedições sob a égide do Coast and Geodetic Survey e do Naval Observatory

tinham um caráter mais utilitário, que, aparentemente, era comum entre os objetivos dos

cientistas de instituições oficiais do governo dos EUA que estavam presentes em missões para

observações de eclipses. Obviamente que entre os grupos específicos de astrônomos de cada

um dos observatórios havia uma divisão de interesses científicos, que não tenho a intenção de

19 DOLCI, Wendy Whiting. Milestone in Airborne Astronomy – from the 1920s to the present. World Aviation

Congress, Anaheim, CA, October. 13 – 16, 1997. Disponível em www.phys-astro.sonoma.edu/.../LowRefs.html

Acessado no dia 20 de julho de 2011, p. 3., e: STEVENS, Albert W. “Photographing the eclipse of 1932 from

the air.” In: National Geographic Magazine. 1932, November, pp. 581 – 596. 20 McNALLY, Paul A. “Observing a total eclipse of the Sun: Dimming solar light for a few seconds entails years

of work for science and attracts throngs to ‘nature’ most magnificent spectacle.” In: National Geographic

Magazine. 1932, November, pp. 597 – 607.

Page 26: Conhecimento científico e interesse militar

26

aprofundar neste trabalho. Pelo lado dos militares ligados ao Naval Observatory, até aquele

momento, é clara a intenção de dar um uso prático ao conhecimento que podia ser gerado a

partir de observações de eclipses totais do Sol. Via de regra, os militares se envolviam nestas

observações para marcar os momentos dos quatro contatos dos eclipses totais do Sol e

conseguir dados que melhorassem o conhecimento geodésico através dos astros. Este último

objetivo era compartilhado, também, pelos investigadores do Coast and Geodetic Survey.

Outro ponto que emerge deste grupo de instituições norte americanas envolvidas em

observações de eclipses é a participação da NGS a partir do início da década de 1930. Esta

instituição tem uma tradição em financiar expedições científicas que responde a anseios

exploratórios e expansionistas norte americanos. Ao mesmo tempo, as expedições

astronômicas para observação de eclipses financiadas pela NGS geravam fotografias bem

atraentes visualmente, que despertavam o interesse do público. Os artigos na Revista da NGS

continham relatos das explorações científicas que punham a prática da ciência e o espírito

desbravador junto a valores e crenças do corpo editorial da Sociedade, que não podem ser

tomados fidedignamente como valores da sociedade norte americana da época. De uma forma

geral, a prática de observação de eclipses do Sol que surgiu no século XIX nos EUA foi

transformada em um produto cultural nas páginas da NGS.

Mas, o que atraía o National Bureau of Standards para organizar expedições para

observar eclipses do Sol? Tenho poucas informações sobre as expedições do NBS para

observar o eclipse do Sol antes da parceria com a NGS. No entanto, no eclipse total do Sol 24

de janeiro de 1925, Irvine Gardner, Chefe da seção de instrumentos óticos do NBS, realizou

fotografias da coroa solar, como também ocorreu no eclipse total do Sol de 31 de agosto de

1932.21

O NBS foi a primeira instituição em pesquisas físicas dos EUA e ostentava uma

posição de confiança dentro do Governo Federal por ser seu órgão científico oficial. A relação

entre o NBS e a NGS foi processual, e é a partir do entendimento deste processo, onde as

expedições que buscaram eclipses ocupam um lugar de destaque, que os motivadores desta

parceria se tornam visíveis.

As atividades científicas realizadas nos laboratórios do NBS nas décadas de 1930 e

1940 têm relações com os interesses desta instituição em observar eclipses do Sol e têm que

ser levadas em conta. O fato é que, na década de 1930, o NBS e a NGS começaram a

constituir e enviar missões para observações de eclipses totais do Sol visíveis em lugares

distantes do território dos EUA. Nos anos 1940, esta associação continuou e assumiu, em

21 Documento sem identificação. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 6, Folder: Releases and

correspondences. NARA/ College Park – MD/ US.

Page 27: Conhecimento científico e interesse militar

27

termos quantitativos, proporções maiores do que as testemunhadas nos anos 1930 e tinha

características que a diferenciou das anteriores. Mas, afinal, como este processo ocorreu e que

características são estas?

1.3 National Geographic Society e National Bureau of Standards: um pouco de História

Na década de 1930, ocorreu a aproximação entre o NBS e a NGS com o objetivo de

constituir expedições científicas para viajarem o mundo em busca de um melhor

conhecimento da natureza que nos cerca. Os enviados pela NGS exploravam locais não muito

bem conhecidos pelos norte americanos e escreviam artigos para a Revista da Sociedade sobre

suas pesquisas científicas e experiências de viagem. Neste período, as lentes dos fotógrafos da

NGS já eram usadas para a construção de uma ideia do mundo que eles observavam. O

significado do conjunto de fotos publicadas era elaborado, em última instância, pelos leitores

da Revista, mas a produção de cada número seguia a orientação editorial do grupo que tomava

as decisões pela Sociedade. Os cientistas do National Bureau of Standards também davam

atenção à natureza, mas buscando compreender sua estrutura e funcionamento.

Tanto as sedes do NBS e da NGS ficavam na grande região de Washington DC e a

circulação pelos mesmos meios sociais e eventos, organizados, principalmente, no Cosmos

Club,22

de pessoas com interesses em comum pode ter contribuído para a aproximação destas

instituições. A história da NGS contém elementos que a identificam como uma empreitada

familiar. A união das famílias Hubbard, Bell e Grosvenor, ao final do século XIX e início do

XX, através de matrimônios é o núcleo da Sociedade. O casamento de Alexander Graham

Bell com Mabel Gardiner Hubbard, filha de Gardiner Greene Hubbard, foi o ponto de partida

para que estes dois homens se aproximassem através da inventividade do primeiro e do

incentivo financeiro à pesquisa praticado pelo segundo.

A NGS foi fundada em janeiro de 1888 com o propósito de ser um espaço para trocas

de experiências culturais, científicas e geográficas entre os homens da elite tradicional de

Washington. O grupo fundador da Sociedade era composto por cientistas, empresários

proeminentes e políticos. Estes últimos, quando estavam envolvidos em missões oficiais

22 Cosmos Club é uma entidade civil formada em 1878, em Washington DC, por cientistas que desejavam um

espaço para a troca de conhecimento. Como já havia a definição de alguns campos de pesquisa específicos, o

Cosmos Club serviu como um espaço para seus membros criarem associações em áreas mais específicas, como

Chemical and Entomological Society, em 1884, a Geological Society of Washington, em 1893, e a National

Geographic Society, em 1888. Ver: FLACK, James Kirkpatrick. apud SCHULTEN, Susan. The geographical

imagination in America, 1880 – 1950. Chicago: University of Chicago, 2001, p. 47.

Page 28: Conhecimento científico e interesse militar

28

expansionistas, reportavam suas ações à NGS.23

Seus membros atuavam como colaboradores

para que os objetivos da NGS fossem alcançados e, por vezes, assumiam o papel de

palestrantes ou convidavam alguém para proferir palestras, que podiam gerar artigos sobre

suas apresentações. Estes artigos eram publicados com uma periodicidade irregular nos

primórdios da Sociedade e possuíam um caráter estritamente técnico, o que restringia o

público que se interessava pela Revista.

Após a morte de Hubbard, Bell assumiu a presidência da Sociedade em 1898. Bell

tinha a intenção de expandir a NGS a um nível nacional, em contraste ao caráter local que sua

instituição possuía àquela época. Para isto, na visão de Bell, era necessário que uma pessoa se

dedicasse integralmente à Revista da Sociedade, o que era particularmente difícil para Bell

realizar, tendo em vista que ele estava sempre muito envolvido com suas invenções e

atividades de criação paralelas à NGS. Nestas circunstâncias, Bell pede a Edwin Augustus

Grosvenor, professor de História, sócio da NGS e amigo dos Hubbard, que desse sua opinião

sobre o preenchimento do cargo de editor da Revista da NGS por um de seus dois filhos

gêmeos de 23 anos de idade. Após algumas trocas de correspondência, Gilbert Hovey

Grosvenor, que iniciava sua carreira como professor, se reuniu com Bell e aceitou o emprego

na NGS. Sob a orientação de Bell, Gilbert Grosvenor empreendeu profundas transformações

na Revista da Sociedade.

O novo editor adotou uma nova política de adesão à Sociedade, que passou a

funcionar por um sistema de indicação dos membros, e procurou simplificar a linguagem dos

artigos para que alcançassem um público maior. Entretanto, a grande inovação ocorreu por

acaso. A introdução das grandes fotografias na Revista da NGS aconteceu na edição de

janeiro de 1905. O responsável pela impressão da Revista informou a Grosvenor, em

dezembro de 1904, que havia uma lacuna no conteúdo da edição que estava no prelo, que

totalizava onze páginas. Diante de tal problema, e sem saber o que fazer, Grosvenor revirava

sua mesa quando encontrou um grande envelope que fora enviado como cortesia pela

Imperial Russian Geographical Society of St. Petersburg. O envelope continha fotos da

Capital do Tibet, Lhasa, que impactaram Gilbert. O editor da NGS resolveu o problema da

falta de conteúdo para a primeira edição de 1905 enviando estas fotos para impressão. O

sucesso inesperado desta atitude foi sentido por Grosvenor que foi constantemente

23 SCHULTEN, Susan. The Geographical Imagination in America, 1880 – 1950. Chicago: The University of

Chicago Press, 2001, pp. 53 – 57.

Page 29: Conhecimento científico e interesse militar

29

parabenizado pela publicação das fotografias ao encontrar associados da NGS pelas ruas de

DC.24

Segundo Susan Schulten, no primeiro terço do século XX, a fotografia se tornou uma

marca da Revista da NGS e deu forma a uma representação sobre as ações exploratórias dos

EUA através de missões científicas que salientavam as diferenças étnicas e culturais entre os

norte americanos e outras populações, tanto do Ocidente como do Oriente. A atuação da NGS,

em uma circunstância histórica de disseminação de ideias imperialistas norte americanas,

buscou legitimar junto à população dos EUA as ações de guerra então realizadas, da mesma

forma que ofereceu aos cientistas novas formas de servir aos interesses do Governo dos EUA.

Já sobre os anos 1930 e 1940, Schulten fez uma análise da emergência do mapa no cotidiano

do norte americano para acompanhar a movimentação militar que precedeu – e existiu durante

– a Segunda Guerra Mundial. Segundo Schulten, os mapas impressos pela NGS tiveram um

papel decisivo em algumas situações de combate, devido à sua fácil leitura e precisão. Nesta

perspectiva, os mapas baseados no modelo de Mercator dividiam o Oceano Pacífico e davam

uma ideia equivocada da extensão dos pólos terrestres.25

De uma forma geral, as expedições científicas financiadas pela NGS geraram

resultados que foram usados de formas diferentes. Entre as relações estabelecidas pela NGS,

que existiram em torno das expedições para observação de eclipses do Sol, havia as que

tinham um fundo científico, outras com uma conotação mercantil, e é possível perceber que

algumas tinham uma inclinação militar. Estas missões tiveram como fio condutor a produção

de artigos para a Revista da NGS, que se enquadravam em uma linha editorial que

privilegiava o “exótico” e o “lugar distante” na visão do homem norte americano médio, a

descoberta científica, a primazia na execução de ações diante de outros exploradores e o

relaxamento mental. Mas, a NGS não trabalhava sozinha enquanto instituição. Sua própria

origem em um espaço associativo (o Cosmo Club) pode ter deixado lições de como atuar em

relação a outras instituições, como será visto a diante.

Deixando a NGS momentaneamente de lado, uma visita à produção historiográfica

sobre o NBS revela que ele foi criado numa perspectiva histórica de expansão comercial, que

ocorreu em meados do século XIX, na qual alguns países tinham a preocupação de padronizar

medidas de comprimento, peso, volume etc. Apesar de, àquela época, os EUA já serem uma

24 A maior parte destas informações foi extraída de: POOLE, Robert M. Explorers House – National Geographic

and the world it made. New York: Penguin Press, 2004.; e BRYAN, C. The National Geographic Society – one

hundred years of adventure and discovery. New York: Abradale Press. 25 SCHULTEN, Susan. The Geographical Imagination in America, 1880 – 1950. Chicago: The University of

Chicago Press, 2001, pp. 204 – 214.

Page 30: Conhecimento científico e interesse militar

30

das grandes forças industriais mundiais – com base na máquina a vapor, nas ligações férreas e

nos crescentes avanços da eletrificação –, não havia um padrão de aferição para alguns

produtos que eram comercializados e nem para muitos equipamentos industriais básicos,

como, por exemplo, o tamanho dos parafusos usados na construção de ferrovias e as medidas

das entradas nos hidrantes para mangueiras contra incêndio. Até 1901, as atribuições

relacionadas à padronização de medidas nos EUA foram confiadas ao Office of Weights and

Measures, que fazia parte da estrutura do United States Coast and Geodetic Survey. O

crescimento da demanda por serviços de padronização de pesos e medidas levou o Governo

dos EUA a criar uma instituição voltada primordialmente a esta finalidade.26

Apesar de ter uma missão claramente definida, ao eclodir a Primeira Guerra Mundial,

o NBS realizou investigações de caráter militar sobre a qualidade do aço para navios de

guerra e sobre a padronização de munições.27

Por mais que o NBS não fosse um instituto

voltado oficialmente a questões de guerra, sua história mostra que o Governo Federal dos

EUA requisitou seus serviços nesta área em mais de uma oportunidade.28

Na verdade, o NBS

era a instituição responsável pela avaliação da possibilidade de se levar a diante ideias que

surgiam e que podiam ter a necessidade de investigações científicas de padronização que

incluíam a indústria de guerra.

Nos anos 1930, as investigações científicas em Física foram importantes para a

recuperação da economia dos EUA. Através da ênfase em pesquisas que contribuíram para o

desenvolvimento de materiais de construção, foi estabelecida uma ligação com a política de

incentivo à construção civil adotada pelo Governo. Em 1932, diante da morte do Diretor do

NBS, George K. Burgees, o físico Lyman James Briggs foi indicado pelo então Presidente dos

EUA, o republicano Herbert Hoover, ao cargo de Diretor do NBS. Lyman James Briggs (1874

– 1963) foi um cientista norte americano com formação interdisciplinar em Agronomia e

Física. Briggs serviu ao Governo dos EUA em diferentes órgãos por 49 anos, atuando em

pesquisas que interessavam às indústrias e às Forças Armadas. Briggs se aposentou em 1945

com uma indicação para o recém-criado cargo de Diretor emérito do NBS.29

Quando o

democrata Franklin Delano Roosevelt ganhou as eleições de 1932 e foi perguntado sobre o

fato de Briggs ser republicano, ele respondeu: I haven’t the slightest idea wheter Dr. Briggs is

26 “Weights and Measures Standards of the United States – a brief history.” NBS Special publication. Nº 447. 27 RG 167 – UD – Entry 2 – Scientific work – Office Files Briggs – Box 7, Folder: Photographs of Naval

Gunnery Exercise, NARA/ College Park – MD/ US.; Ver também: NIST at 100: foundations for progress.

Gaithersburg: NIST, 2000. Disponível em http://www.100.nist.gov/cent_toc.htm Acessado em 09/07/2010. 28

Em 1939 Lyman Briggs, Diretor do NBS, foi designado pelo Presidente Roosevelt para estudar a possibilidade

de liberação de energia a partir da fissão de um átomo de Urânio com vistas a produzir uma arma nuclear. 29 MYERS, Peter Briggs; SENGERS, Joahanna M. H. Lyman James Briggs (1874 – 1963) A Biographical

memoir. Washington, D.C.:The National Academy Press, 1999.

Page 31: Conhecimento científico e interesse militar

31

a Republican or a Democrat; all I know is that he is the best qualified man for the job.30

Após

este episódio, o nome de Briggs foi aprovado no Senado norte americano tanto por

democratas como por republicanos. Briggs sucedeu George K. Burgees na Diretoria do NBS

e, também, no Conselho Executivo da NGS, atravessando a depressão econômica e a Segunda

Guerra Mundial em posições institucionais que lhes eram favoráveis para conciliar os

interesses científicos do NBS aos da NGS.31

Briggs teve uma inclinação aos trabalhos práticos

e manuais, além de um grande envolvimento nas expedições financiadas pela NGS. Seu

laboratório supervisionou o desenho e a construção de muitos instrumentos científicos

necessários a estas expedições, que ele pessoalmente liderou ou se envolveu de forma muito

próxima.32

Desta aproximação entre a NGS e o NBS, é possível perceber que, por um lado,

havia um periódico que realizava reportagens pelo mundo sobre explorações e descobertas

científicas em diversos campos, e, por outro, que existia uma instituição científica que se

empenhava, desde sua criação, à realização de pesquisas voltadas aos interesses do Governo

dos EUA. O lema da NGS, The world and all that is in it,33

combina perfeitamente com os

anseios investigativos de uma instituição de pesquisa em Física.

O NBS e a NGS enviaram as chamadas National Geographic – Bureau eclipse

expeditions, compostas por jornalistas, cientistas, câmeras fotográficas e instrumentos de

pesquisa, para observar os eclipses totais do Sol de 1936, 1937, 1940 e 1947. O eclipse de

1937 teve o apoio da Marinha dos EUA, e se encaixou em uma já tradicional ação de oferta de

apoio logístico a expedições deste tipo. Na década de 1930, a United States Army Air Force se

envolveu no apoio a algumas expedições científicas também financiadas pela NGS, como a

que teve a finalidade de estudar a estratosfera terrestre através do lançamento de balões

gigantes.34

Com a participação da United States Army Air Force na oferta de apoio logístico à

expedição da NGS para estudar o eclipse de 1947, houve, pela primeira vez, a inserção de um

apoio aéreo a uma missão científica para a observação de um eclipse solar.35

O que fica

30 Eu não tenho a menor ideia se o Dr. Briggs é republicano ou democrata; tudo que sei é que ele é homem mais

qualificado para o trabalho. Ver: BRODE, Wallace R. “Lyman J. Briggs: Recognition of his eightieth birthday,

May 7, 1954.” In: The Scientific Monthly, 1954, May, pp. 270, tradução nossa. 31 Ver: DeVORKIN, David. Race to the stratosphere: manned scientific ballooning in America. Washington DC:

Smithsonian Institution, 1989, p. 141. 32 COCHRANE, Rexmond C. Measures for progress: a history of the National Bureau of Standards.

Washington D.C.: Department of Commerce, 1974, pp. 355 – 357. Lyman Briggs liderou pessoalmente a expedição científica da NGS que veio ao Brasil observar o eclipse total do Sol de maio de 1947. 33 O mundo e tudo que há nele. Ver: POOLE, Robert M. Explorers House – National Geographic and the world

it made. New York: Penguin Press, 2004, p. 6, tradução nossa. 34

BRIGGS, Lyman. “Laboratories in the stratosphere.” The Scientific Monthly, 1935, April, pp. 295 – 306.; Ver

também: DeVORKIN, David. (1989), op. cit. 35 COLTON, F. Barrows. “Eclipse Hunting in Brazil´s Ranchland.” In: National Geographic Magazine. 1947,

Sept, p. 286.

Page 32: Conhecimento científico e interesse militar

32

evidente a partir destas situações de apoio logístico é a participação constante de militares em

expedições científicas organizadas pela NGS. O que não é tão evidente são as particularidades

em que estas participações foram estabelecidas.

As expedições com a participação da NGS e do NBS nos anos 1930 e 1940 salientam

um interesse em uma melhor compreensão das camadas mais altas da atmosfera, que operam

largos efeitos sobre a rádio comunicação e estão diretamente ligados às transmissões de longa

distância. Investigações neste campo revelam uma perspectiva militar envolvida. Os aspectos

dos condicionamentos históricos no período entre guerras até o pós-Segunda Guerra Mundial

aparecem entre a documentação e leituras sobre o tema, às vezes, de forma visível e, por

outras, de forma não tão evidente.

1.4 A Sociedade e o Bureau: parcerias científicas e o mundo à beira da Guerra nos anos

1930

Um dos mais bem conhecidos experimentos científicos feitos em tempos modernos foi

o teste da Teoria da Relatividade Geral, de Albert Einstein. Durante o eclipse total do Sol de

1919, visível no Brasil, os astrônomos ingleses Charles Davidson e Andrew Crommelin

fizeram os primeiros registros que mostraram a estrutura curva do Universo nas redondezas de

corpos sólidos. Davidson e Crommelin capturaram luzes emitidas por estrelas que revelaram

um trajeto curvilíneo ao passar nas proximidades do Sol eclipsado pela Lua. É importante

salientar que Einstein pensou este experimento de acordo com suas necessidades, o que

implica assumir um uso científico do fenômeno natural relacionado a um interesse específico.

Estas observações comprovaram um ponto da Teoria da Relatividade Geral e estabeleceram

para o público o uso de eclipses totais do Sol a favor da construção do conhecimento

científico.

Todavia, existem muitos experimentos diferentes que podem ser feitos na ocasião de

um eclipse solar, como será visto no segundo capítulo deste trabalho. Tanto na ocorrência de

eclipses anteriores bem como na ocasião de eclipses posteriores ao de 1919, os cientistas

envolvidos realizaram investigações distintas. Nos eclipses ocorridos na década de 1930,

algumas instituições nos EUA organizaram expedições astronômicas e as enviaram a lugares

de difícil acesso ao redor do mundo. A utilização de diferentes emulsões fotográficas para a

obtenção de fotos mais nítidas da coroa solar e o uso de espectrógrafos para o estudo da

composição química das camadas do Sol eram os interesses mais constantes entre as

expedições que observavam eclipses do Sol nesta época. Outro campo de estudo que

começava a atrair a atenção dos cientistas envolvidos em expedições para observar eclipses do

Page 33: Conhecimento científico e interesse militar

33

Sol era o estudo da ionosfera terrestre, que, desde os anos 1910, tinha um alto grau de

importância no meio científico norte americano. Uma intersecção de motivos explica o porque

da importância dada ao estudo da ionosfera. Entre estes motivos, há o interesse industrial e

das companhias de rádio transmissão, mas vou concentrar atenções na perspectiva militar.

O uso do rádio estava sendo estudado nos EUA por Louis Austin, no NBS, desde

1908. Austin investigava a aplicação do telégrafo para a Marinha dos EUA e liderou o US

Naval Radiotelegraph Laboratory, instalado nos prédios do NBS, até 1932. No mesmo

período, E. Cramm, engenheiro do US Army Signal Services, também ocupou espaço nas

instalações do NBS, estudando aplicações militares dos sinais de rádio.36

No fim dos anos

1910, os cientistas do NBS sabiam que os sinais de rádio podiam ser transmitidos e recebidos,

mas eles ainda não entendiam como este fenômeno era possível.37

Mesmo assim, o

treinamento do pessoal envolvido com as operações de emissão e recepção de rádio sinais foi

reconhecido oficialmente como necessário à navegação marítima. Conferências que

determinaram as frequências a serem usadas pelas agências e órgãos oficiais do governo dos

EUA e a criação de uma lei que obrigava a existência de rádio transmissor em navios que

transitavam por águas norte americanas ocorreram nesta época.38

Ao longo dos anos 1920, houve um crescimento do número de investigações da

capacidade de reflexão de ondas de rádio pela ionosfera terrestre. Como o campo de estudo

ainda estava em construção, os pesquisadores envolvidos buscavam parâmetros

investigativos.39

Por volta do fim da década de 1920, início dos anos 1930, é que a ligação

entre a ionosfera e estudos de eclipses solares começou a ser explorada por expedições

científicas norte americanas. Neste período, físicos solares acreditavam que a camada de

ozônio (O3) era a responsável por impedir que a maior parte dos raios ultravioletas alcançasse

a superfície da terra, o que despertou o interesse nas relações entre o Sol e as altas camadas da

atmosfera.40

Cientistas dos EUA e da Inglaterra realizaram testes através de rádio sondas e

descobriram que em altas altitudes a atmosfera possui diferentes quantidades de ionização. O

36 COCHRANE, Rexmond C. Measures for progress: a history of the National Bureau of Standards.

Washington D.C.: Department of Commerce, 1974, p. 140. 37 DELLINGER, Howard. “Bureau of Standards’ radio work.” The Federal Employee, 4, pp. 531 – 533. In: RG

167 – NC – 76 Entry 75 – Records of H. Dellinger – Box 8, Folder: Dellinger Lectures 1918 – 1924, NARA/

College Park – MD/ US. 38 COCHRANE, Rexmond C. (1974), op. cit., p. 142. 39 Sidney Chapman publicou um artigo em 1931 no qual são descritos os processos de ionização nas altas

camadas da ionosfera. Este artigo foi tomado como o modelo a ser seguido. Ver: GILLMOR, Stewart. “Early

studies of the ionosphere.” In: HANLE, Paul A. CHAMBERLAIN, Von Del. Space comes of Age – Perspectives

in the History of the Space Sciences. Washington: National Air and Space Museum. 1981, p. 106. 40 HUFBAUER, Karl. Exploring the Sun – Solar science since Galileo. Baltimore: The Johns Hopkins

University Press, 1991, p. 123.

Page 34: Conhecimento científico e interesse militar

34

fato de não haver um conhecimento preciso naquele tempo, nem sobre os elementos que

compunham a ionosfera, nem do espectro solar que dava origem aos elétrons livres naquela

região, deram espaço a diversas teorias sobre o que de fato ocorria. Entre os cientistas que

participaram destas discussões, E. O. Hulburt, do Naval Observatory, ocupou um papel

central em meados dos anos 1930.41

Em 1935, por diversas vezes, ocorreram interrupções por longos períodos (por dias,

em algumas situações) nas transmissões de rádio, que não tinham suas causas totalmente

conhecidas pelos cientistas. Imediatamente, foram levantadas questões sobre o perigo que

seria se estas falhas de comunicação acontecessem em situações de emergência ou de guerra.

Howard Dellinger, Chefe do Setor de Rádio do NBS, conduziu investigações sobre o

fenômeno da interrupção das transmissões de rádio, desde os anos 1910 até meados de 1950, e

afirmou que ele estava relacionado à emissão de diferentes descargas de energia solar que

alteravam as condições elétricas da ionosfera.42

De fato, as investigações científicas

ionosféricas recebiam bastante atenção e os pesquisadores identificaram que havia a

necessidade de novos instrumentos que ajudassem em seu trabalho. T. R. Gillialand – do

Setor de Rádio do NBS – desenvolveu o primeiro equipamento que enviava sinais de rádio em

diferentes frequências automaticamente. Era o chamado Automatic multifrequency ionosphere

sounder. Este aparelho permitia que Gillialand enviasse pulsos de rádio em diferentes

frequências de forma automática e o provia com os resultados sobre os pulsos/frequências

refletidos com horários e períodos do ano determinados. A reflexão de uma dada frequência

variava de acordo com a concentração de elétrons livres na atmosfera, que se relacionava com

os diferentes graus de absorção do espectro solar pela atmosfera, que alterava de acordo com

a altitude. Logo, existiam diferentes trabalhos a ser feitos para que as condições de reflexão

das ondas de rádio na ionosfera fossem bem entendidas. O estudo da ionosfera era tão

41 DeVORKIN, David. Science with a vengeance: how the military created the US space sciences after World

War II. New York: Springer – Verlag, 1992, p. 12. 42 Diversos documentos em: RG 167, NC – 76 Entry 75 Records of H. Dellinger - Box 8, Folder: JHD lectures.

NARA/ College Park – MD/ US. Dellinger tinha razão. Mas, experimentos conduzidos no International Geophysical Year de 1956-1957, através de lançamentos de foguetes, identificaram que apenas a energia contida

no raio-X, emitido pelas explosões solares, seria suficiente para impedir os processos químicos que originam

íons na alta atmosfera. Diferente do que se pensava por volta dos anos 1930 e 1940, os raios ultravioletas não são

os responsáveis pela causa do fadeout (eles não tem energia suficiente para isto), mas, sim, os raios-X. Ver:

FRIEDMAN, Herbert. “Rocket Astronomy – an overview.” In: HANLE, Paul A. CHAMBERLAIN, Von Del.

Space comes of Age – Perspectives in the History of the Space Sciences. Washington: National Air and Space

Museum. 1981, p. 39.

Page 35: Conhecimento científico e interesse militar

35

importante no período aqui analisado que um mês após o ataque japonês a Pearl Harbor as

publicações do NBS sobre o assunto foram postas em sigilo.43

Em um documento com data de 19 de abril de 1946, Briggs fez um balanço dos

principais trabalhos realizados pelo NBS relacionados à Segunda Guerra Mundial. De acordo

com Briggs, no início desta Guerra, as transmissões de rádio, com uma qualidade aceitável,

sobre os oceanos eram quase impossíveis. Ele colocou luz sobre o problema, afirmando que o

uso de muitas frequências de rádio em horas específicas entre os aviões – voando em

diferentes longitudes e latitudes e, principalmente, sobre os oceanos – e suas bases em solo

não tinham grande eficiência. As investigações conduzidas pelo NBS resolveram o problema.

Briggs afirmou que o ataque a Pearl Harbor colaborou para que o NBS fosse transformado em

uma zona proibida e pusesse cerca de 90% do seu pessoal a serviço dos trabalhos relacionados

à defesa nacional.44

A circulação de resultados de pesquisa ainda não sofria restrições no início dos anos

1930 e o interesse no estudo da ionosfera que ocorria nos EUA também pôde ser observado

em outros países. Nas décadas de 1920 e de 1930, pesquisadores alemães que giravam em

torno do físico solar Karl-Otto Kiepenhauer desenvolveram pesquisas voltadas à influência da

atividade solar nas altas camadas da atmosfera. As observações da atividade solar feitas por

este grupo de pesquisadores alemães geraram relatórios que chegaram ao conhecimento de

físicos solares dos EUA após a Segunda Guerra Mundial. Estes documentos revelaram que

desde antes da eclosão da Segunda Guerra havia um grupo de cientistas na Alemanha com

interesse em estudar a ionosfera terrestre, ligando seus resultados à rádio transmissão e ao

rádio controle de foguetes, que era desenvolvido em um projeto a parte.

O astrônomo norte americano Donald Menzel, que havia proposto que a coroa solar

tem uma temperatura mais elevada do que a superfície do Sol – usando dados coletados no

eclipse de agosto de 1932 –,45

fundara, em 1940, o Harvard’s High Altitude Observatory, em

Clímax, Colorado (EUA),46

e monitorava a atividade solar com a intenção de coligir dados

43 COCHRANE, Rexmond C. Measures for progress: a history of the National Bureau of Standards.

Washington D.C.: Department of Commerce, 1974, p. 351. 44 The war work of the National Bureau of Standards. By L. Briggs. In: RG 167 – UD – Entry 2 – Scientific

work – Office Files Briggs – Box 6, Folder: The war work of the National Bureau of Standards. NARA/ College Park – MD/ US. 45 LITTMANN, Mark; WILLCOX, Ken; ESPENAK, Fred. Totality: eclipses of the Sun. New York: Oxford

University Press, 1999, p. 236. 46

Menzel foi um químico que recebeu treinamento em Astronomia e Física durante seus estudos de

doutoramento. Seus interesses e sua rede de contatos o habilitaram a conseguir suporte financeiro para a

construção do Harvard’s High Altitude Observatory com a companhia de produtos químicos Clímax

Molybdenum Company. Ver: DeVORKIN, David. “Menzel, Donald Howard.” Complete Dictionary of Scientific

Page 36: Conhecimento científico e interesse militar

36

que acusassem com alguma antecedência distúrbios na ionosfera, do mesmo modo que Karl-

Otto Kiepenhauer e Johannes N. Plendl fizeram na Alemanha no mesmo período.47

A busca

pelo entendimento da influência da cromosfera e da coroa solar sobre a ionosfera, e seus

efeitos sobre a rádio comunicação, por parte de países que potencialmente iam se envolver no

conflito que tomava forma, criou uma dificuldade para que estes resultados circulassem entre

a comunidade científica mundial. Isto acabou gerando uma lacuna de dados, conforme foi

discutido em uma Assembleia da International Astronomical Union (IAU) no pós-Segunda

Guerra:

Diverse effects of the war on study of the Sun’s outer layers emerged from

discussions in Commission 11. On the one hand the well-nigh complete pre-war

surveillance of the chromosphere by spectrohelioscopes distributed in many

longitudes was seriously hindered, and only recently has the watch attained its

former level of completeness. On the other hand, coronal observations were pursued

with vigour by the belligerents [countries] in the hope that they would lead to

increased knowledge of ionospheric radio communication.48

Ou seja, havia grupos de cientistas que realizavam pesquisas para gerar resultados

sobre as condições de reflexão da ionosfera terrestre, desde os anos 1930, em ao menos dois

dos principais países beligerantes na Segunda Guerra Mundial. Estes resultados eram

interessantes para as Forças militares de seus países e as circunstâncias históricas dos anos

1930 ajudaram a limitar sua livre circulação. Veremos a diante que, alguns anos antes deste

período de restrição de circulação de informações, pesquisadores dos EUA, interessados em

Biography. 2008. Encyclopedia.com. Disponível em http://www.encyclopedia.com Página da Internet consultada

em 01 de Março de 2011. 47 DeVORKIN, David. Science with a vengeance: how the military created the US space sciences after World

War II. New York: Springer – Verlag, 1992, p. 51. 48 Diversas consequências da guerra, sobre o estudo das camadas externas do Sol, surgiram das discussões na

Comissão 11. Por um lado, o completo acompanhamento da cromosfera no pré-guerra, feito com

espectrohelioscópios distribuídos por várias longitudes, foi seriamente prejudicado e só recentemente as

observações atingiram seu nível anterior de abrangência. Por outro lado, observações da coroa foram realizadas com vigor pelos [países] beligerantes na esperança que elas levassem a um melhor conhecimento sobre a rádio

comunicação ionosférica. Ver: The Observatory. The International Astronomical Union - Seventh General

Assembly at Zurich, 1948, August 11 – 18. Vol. 68, October 1948, Nº 846, p. 164, tradução nossa. Antes da

assembleia da International Astronomical Union (IAU) em 1948, houve uma assembleia da IAU em 13 de junho

de 1946, em Copenhagen, Dinamarca, mas com poucos participantes devido aos custos de viagem e à recente

situação se conflito na Europa. Ver: BLAAUW, Adrian. History of the IAU: birth and first half century of the

International Astronomical Union. Kluwer, 1994, p. 141.

Page 37: Conhecimento científico e interesse militar

37

questões de rádio transmissão, começaram a realizar alguns experimentos relacionando a

ionosfera terrestre à ocorrência de eclipses do Sol.49

Nos anos 1930, ocorreram sete eclipses totais do Sol. A NGS trabalhou em conjunto

com o NBS para formar expedições para a observação científica de dois deles, em 1936 e em

1937. Mas, antes desta parceria ser firmada, o NBS enviou expedicionários para observar os

eclipses totais do Sol de 24 de janeiro de 1925 e o de 31 de agosto de 1932. Irvine Gardner,

observou os dois fenômenos.50

O eclipse total do Sol de 31 de agosto de 1932 foi uma ótima

oportunidade para que muitos observatórios dos EUA fizessem alguma observação, pois sua

faixa de totalidade ia passar pelo Norte da costa Leste dos EUA. Entre as várias expedições,

além da já citada missão do Capitão Stevens, as do Warner and Swasey Observatory e os

professores S. Chapman, do Imperial College of Science, e E. Appleton, do King’s College,

iam realizar observações do comportamento da ionosfera terrestre durante a ocorrência do

fenômeno,51

da mesma forma que um grupo de cientistas do NBS havia planejado. Deste

grupo, T. R. Gillialand foi enviado ao Estado de Nova Escócia (EUA) e emitiu sinas de rádio

para testar algumas frequências nas camadas “E” e “F” em comparação com os dias

posteriores e anteriores ao eclipse. Outra parte do grupo ficou nas instalações do NBS em

Washington DC, com Howard Dellinger liderando os trabalhos.52

Portanto, antes do NBS

firmar uma parceria investigativa com a NGS para observar eclipses solares, a ligação entre a

rádio transmissão e eclipses do Sol já estava estabelecida.

Já a expedição para as observações do eclipse total do Sol de 19 de junho de 1936,

visível em boa parte ao Sul do território russo, foi liderada por Irvine Gardner53

e o principal

objetivo era a obtenção de fotografias da coroa solar, normalmente invisível devido ao grande

brilho emitido pelo Sol. O plano de observação da expedição da NBS era diferente do da

49 O desdobramento destas relações gerou, nos anos 1940, um crescente interesse em estudar a ionosfera usando

metodologias anteriormente impossíveis, como, por exemplo, o lançamento de foguetes a grandes altitudes

carregados com equipamentos de medição de condições de temperatura e pressão (por vezes, carregados com

espectrógrafos adaptados), inclusive durante a ocorrência de eclipses do Sol. Ver: ZIRKER, J. B. Total eclipse of

the Sun. New Jersey: Princeton Press, 1995, pp. 144 – 147.; e: DeVORKIN, David. Science with a vengeance:

how the military created the US space sciences after World War II. New York: Springer – Verlag, 1992. 50 Document from Irvine Gardner to Mr. McFall Kerbey (NGS). May 19, 1937. In: RG 167 – Entry 44 –

Division 520 I. Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US. 51 Science News Letter – Eclipse of Sun edition. Edited by Watson Davis. Vol. XXII, Nº 590, July 30, 1932, p.

75. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 6, Folder: Eclipse 1932. NARA/ College Park – MD/

US. 52 Science News Letter. Edited by Watson Davis. August 20, 1932, p. 117. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520

I. Gardner – Box 6, Folder: Eclipse 1932. NARA/ College Park – MD/ US. 53 Gardner entrou para o corpo de cientistas do NBS em 1922, após realizar seus estudos na Universidade de

Harvard e na De Pauw University. Ele passou pelos quadros do Exército dos EUA, durante a Primeira Grande

Guerra, onde trabalhou no desenho e construção de instrumentos óticos para sua utilização em armamentos. Ver:

Documento sem identificação. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 6, Folder: Releases and

correspondences. NARA/ College Park – MD/ US.

Page 38: Conhecimento científico e interesse militar

38

expedição conjunta do Harvard-Massachusetts Institute of Technology, liderada por D.

Menzel, que, na ocorrência do eclipse total de 1936, instalou sua base de observação no

mesmo local que a missão da NGS-NBS. Menzel pretendia coletar dados sobre o flash

spectrum usando um equipamento que ele desenvolvera com a equipe de físicos do

Massachusetts Institute of Technology. Além disso, ele convidou uma equipe de rádio físicos

do Cruft Physics Laboratory para examinar os efeitos do eclipse sobre a ionosfera.54

David

DeVorkin sustentou que Menzel [...] was the first astrophysicist to collect optical and radio

phenomena to explore how solar activity controlled the Earth’s ionosphere.55

Apesar das observações realizadas pela expedição da NGS-NBS em 1936 serem

distintas das feitas pela missão do Harvard-Massachusetts Institute of Technology, as áreas

pesquisadas estão ligadas e sofrem influências uma das outras. Estes planos de observações

revelam interesses específicos distintos de expedições norte americanas na ocorrência do

eclipse de 1936. Apesar do NBS ter interesse nas condições de rádio transmissão desde a

década de 1900, o eclipse de 1936 não foi utilizado para estudá-la. Esta lacuna no plano de

observações do NBS chama atenção, levando-se em conta que, além do NBS ter realizado

testes de rádio reflexão em várias frequências durante o eclipse de 1932, praticamente todos

os artigos publicados por Harold Dellinger de 1930 a 1940 tratam a ionosfera e suas relações

com a rádio transmissão.56

O plano de investigação da expedição do NBS para o eclipse de

1936 tem que ser entendido na perspectiva de uma associação com a NGS, que,

aparentemente, tinha mais interesse nas imagens que um eclipse podia gerar (e que poderiam

ser publicadas) do que em investigações de rádio transmissão.

Voltando ao sigilo de circulação que foi imposto sobre as publicações que tratavam a

ionosfera em 1941, Dellinger registrou que:

In recent past years there was only one confidential project in the Radio Section; [...]

Since the beginning of the national emergency this fiscal year a number of additional

confidential projects, all for national defense, were handled. These were in most the

cases for the National Defense Research Committee and the Navy.57

54 GARDNER, Irvine. “Observing an eclipse in Asiatic Russia.” In: National Geographic Magazine. 1937,

February, pp. 184 e 193. 55 [...] foi o primeiro astrofísico a coletar fenômenos óticos e de rádio para investigar como a atividade solar tem controlado a ionosfera terrestre. Ver: DeVORKIN, David. “Menzel, Donald Howard.” Complete Dictionary of

Scientific Biography. 2008. Encyclopedia.com. Disponível em http://www.encyclopedia.com Página da Internet

consultada em 01 de Março de 2011, tradução nossa. 56

A lista dos artigos publicados por H. Dellinger pode ser encontrada em: RG 167 – NC – 76 Entry 75 – Records

of H. Dellinger – Box 7, Sem folder *papeis avulsos. NARA/ College Park – MD/ US. 57 Nos últimos anos, havia apenas um projeto confidencial na Seção de Rádio; [...] Desde o início da emergência

nacional neste ano fiscal, um número extra de projetos confidenciais, todos para a defesa nacional, foram

Page 39: Conhecimento científico e interesse militar

39

Após listar os projetos conduzidos pelo NBS e a forma que eles circulariam pelas

instituições autorizadas a recebê-los, Dellinger especificou os nomes dos cientistas da seção

que comandava que estavam envolvidos nestas investigações. Ao menos um deles, T. R.

Gillialand, aparece, também, na realização de testes de rádio no eclipse do Sol em 1932.

Como Dellinger e nenhum cientista de sua seção participou das expedições para a observação

dos eclipses de 1936 e 1937,58

o interesse científico de Gardner era o único a justificar o

financiamento da NGS.

Para as observações do eclipse total do Sol de 08 de junho de 1937, a NGS compôs

uma expedição com astrônomos de vários observatórios dos EUA,59

que planejaram analisar

diferentes elementos da composição química do Sol e analisar seu comportamento, bem como

registrar fotografias da coroa solar. Ou seja, era uma expedição científica que possuía

diferentes experimentos a serem realizados. Irvine Gardner foi o principal cientista presente

do NBS e, como no eclipse de 1936, fez fotos da coroa solar. Para a realização das fotos no

eclipse de 1937, Gardner usou o mesmo telescópio construído pelo NBS para as observações

do eclipse de 1936, mas com algumas alterações nas placas que registram a imagem no

telescópio, e supervisionou toda a montagem do equipamento.60

Ao longo da organização

desta expedição, Briggs e Gardner entraram em contato várias vezes com membros da

Eastman Kodak Company para acompanhar o desenvolvimento do novo filme para a captura

de fotos em cores da coroa solar e para que fossem entregues em um tempo hábil dentro da

logística da missão.61

Todos os custos desta expedição ficaram a cargo da NGS, que também se preocupou

em fazer uma apólice de seguro de vida para seus integrantes e uma outra que cobria possíveis

realizados. Estes foram na maioria dos casos para o National Defense Research Committee e para a Marinha.

Ver: Confidential supplement – Fiscal year 1941. In: RG 167, NC – 76 Entry 75 – Records of J. Howard

Dellinger – Miscellaneous papers, 1875-1962 – Box 10, Folder: Annual Reports IG 1939 – 1943. NARA/

College Park – MD/ US, tradução nossa. 58 Existem menções a experiências ionosféricas feitas no eclipse de 1937 que não dizem quem as realizou e como

foram feitas em: MITCHELL, Samuel Alfred. “Nature’s most dramatic spectacle.” In: National Geographic

Magazine. 1937, September, p. 363.; e: Memorandum from Lyman Briggs to Colonel Johnson. November 13,

1939. RG 167, NC – 76 Entry 52 - Box 64, Folder: IPO – 878-C 1940 Eclipse. NARA/ College Park – MD/ US. 59 A expedição foi formada por membros do Georgetown Observatory, Mount Wilson Observatory, US Naval

Observatory, Foundation for Astrophysical Research, Cornell University além de membros do NBS, da NGS, da

National Broadcast Company (NBC) e da Marinha dos EUA. 60

Memorandum from Irvine Gardner to S. Mitchell. February 02, 1937. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I.

Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US. 61 Vários ofícios em: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/

College Park – MD/ US.

Page 40: Conhecimento científico e interesse militar

40

avarias no equipamento.62

As preocupações da NGS também diziam respeito às demandas

publicitárias que existiam. Thomas McKnew solicitou uma fotografia recente de Gardner,

para usá-la na divulgação da expedição e lhe enviou o planejamento das transmissões de rádio

que iam ser feitas pela NBC, direto da Ilha de Endenbury.63

Nestas transmissões, Gardner

deveria passar informações sobre os trabalhos da expedição para o grande público e, se

desejasse, enviar mensagens pessoais a seus familiares.64

O New York Times dedicou espaço à

expedição e seus objetivos, tratando, em especial, o interesse na coroa solar.65

Este interesse

que os jornais tinham nas notícias envolvendo as expedições financiadas pela NGS foi motivo

de algumas recomendações aos cientistas do NBS por parte dos executivos da Sociedade.

Quando Irvine Gardner ia chegar aos EUA pelo porto de Nova Iorque, provavelmente

jornalistas estariam esperando para entrevistá-lo. Caso Gardner concedesse entrevistas

detalhadas sobre sua expedição, a notícia em “primeira mão” não pertenceria mais à NGS. Em

23 de julho de 1936, o vice-presidente da Sociedade, John O. LaGorce, escreveu a Lyman

Briggs o seguinte:

I am re-stating a fact that you know very well with the idea that it might be advisable

to wireless Dr. Gardner, arriving on the [vessel] “Bremen” July 31 as we are advised

by your office, to sidestep the ship’s reporter who meet the liners at quarentine and

try to get stories from incoming passengers of importance which would be published

only in the New York papers, consequently [...] the story “breaks” locally [and]

becomes an old story and its news value lessened.66

62 Memorandum from Irvine Gardner to Thomas McKnew. March 11, 1937 e Memorandum from Thomas

McKnew to Irvine Gardner. March 18, 1937. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 1, Book

eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US. A NGS também fez apólices de seguro para o

equipamento científico carregado pela gôndola do Explorer I e II, em 1934 e em 1935, nas missões para estudar a estratosfera terrestre que o Capitão Stevens comandou. Este seguro foi bastante útil, tendo em vista que durante

o voo de 1934 ocorreram problemas com o balão que resultaram em sua queda. Ver: DeVORKIN, David. Race

to the stratosphere: manned scientific ballooning in America. Washington DC: Smithsonian Institution, 1989,

pp. 188 e 189. 63 A base de observações da expedição da NGS-NBS no planejamento inicial para o eclipse de 1937 ia ser na

Ilha de Endenbury, cerca de 62 quilômetros da ilha de Cantão. A mudança de planos ocorreu na chegada a

Endenbury, quando os oficiais que comandavam o Avocet, navio da Marinha norte americana, perceberam que

em Endenbury não havia uma ancoragem segura. Ver: HELLWEG, J. F. “Eclipse adventures on a desert isle.”

In: National Geographic Magazine. 1937, September, pp. 380 e 381., e: MITCHELL, Samuel Alfred. Eclipses of

the Sun. New York: Greenwood Press, 1969. 64 Memorandum from Irvine Gardner to Thomas McKnew. April 06, 1937. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US. 65 New York Times, 21 de fevereiro de 1937 e em 13 de agosto de 1937. 66 Eu estou reafirmando um fato, que você sabe muito bem, que é aconselhável enviar uma mensagem de rádio

para Dr. Gardner, que está chegando no [navio] “Bremen” em 31 de julho, como nós fomos informados por seu

escritório, para ele se manter distante dos repórteres de porto que cercam os navios e tentam conseguir histórias

de passageiros que estão desembarcando para publicá-las nos jornais de Nova Iorque; consequentemente [...] a

história torna-se um “furo” local, transformando-se em uma história velha e com um menor valor como notícia.

Page 41: Conhecimento científico e interesse militar

41

Briggs não demorou a enviar a mensagem a Gardner, que ainda estava a bordo do Bremen em

sua viagem de volta. A mensagem dizia o seguinte:

WHEN ARRIVING NEWYORK DIPLOMATICALLY LIMIT STATEMENTS

REQUESTED BY PRESS THAT EXPEDITIONS RESULTS UNKNOW UNTIL

SCIENTIFIC DATA AND PHOTOGRAPHS CHECKED AND DEVELOPED BY

BUREAU AND NATGEOSOC.67

Claramente, a NGS tinha interesses mercantis em publicar com prioridade as informações que

sua expedição trazia de volta. Caso as notícias trazidas por Gardner fossem veiculadas em

outro periódico qualquer antes que a NGS as publicasse, o valor da notícia seria bem menor.

Esta preocupação da NGS com as vendas de suas publicações voltará a aparecer neste

trabalho.

Além dos aspectos que relacionam os programas de pesquisas na ocorrência de

eclipses solares aos interesses científicos de cientistas e instituições envolvidas, a própria

situação histórica específica da organização e o desenrolar das missões como um todo

marcam envolvimentos com processos históricos mais amplos. A preparação para as

observações do eclipse solar de 1936 começou com dois anos de antecedência. Este eclipse

seria largamente visível na União Soviética, particularmente na Rússia. Astrônomos

soviéticos, liderados por Alexander Mikhailov, fizeram as mensurações dos limites da faixa

de totalidade e avaliaram os locais que seriam mais apropriados para receber as expedições

internacionais, levando em conta as condições climáticas locais e outras especificidades que

são características de expedições desta natureza. Estas informações foram publicadas em

inglês, o que ajudou as missões estrangeiras a se organizarem.68

No período entre Guerras, existia um receio por parte dos países que levantavam a

bandeira da democracia de que os resultados de experimentos científicos pudessem ser usados

para o melhoramento ou criação de equipamentos de guerra por cientistas incentivados por

partidos políticos que ascenderam ao poder nos anos 1930 e colocavam em prática ações de

Ver: Memorandum from J. O. LaGorce to L. Briggs. July 23, 1936. In: RG 167 – Entry 51 NBS general

correspondence 1901 – 1945 – Box 396, Folder: IDS – (NGS). NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 67 AO CHEGAR EM NOVAYORK DIPLOMATICAMENTE LIMITE INFORMAÇÕES SOLICITADAS

PELA IMPRENSA DIZENDO QUE RESULTADOS SÃO DESCONHECIDOS ATÉ OS DADOS E

FOTOGRAFIAS SEREM ANALISADAS PELO BUREAU E NGS. Ver: Radiogram from L. Briggs to Irvine

Gardner (Bremen, at sea). July 23, 1936. In: RG 167 – Entry 51 NBS general correspondence 1901 – 1945 – Box

396, Folder: IDS – (NGS). NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 68 GARDNER, Irvine. “Observing an eclipse in Asiatic Russia.” In: National Geographic Magazine. 1937,

February, pp. 179 – 198, p. 184.

Page 42: Conhecimento científico e interesse militar

42

expansão de território, invadindo áreas de países ou regiões vizinhas, e se preocuparam em

reequipar suas forças armadas. Esta situação conflituosa, que teve a expectativa de uma

grande guerra mundial pairando sobre o horizonte, mudou completamente a situação da livre

circulação internacional de resultados científicos. O receio que potenciais inimigos usassem

informações científicas a favor dos esforços bélicos também era compartilhado pelos próprios

governos que pretendiam expandir seus domínios territoriais, como é possível perceber ao

longo do processo de desenvolvimento do míssil V-2 pelos alemães ao longo da década de

1930, início dos anos 1940. O governo nazista da Alemanha manteve o projeto de construção

do míssil V-2 sob sigilo e receava não apenas o vazamento de informações sobre suas

pesquisas, mas, também, que a revelação do ponto de desenvolvimento em que estava seu

projeto pudesse fomentar uma corrida por desenvolvimento de mísseis por parte de outros

países interessados em se armar.69

As posições no mundo científico diante da proporção que o conflito, ainda potencial,

podia tomar, variavam muito. Apesar dos EUA terem adotado uma política isolacionista nos

anos 1930, alguns de seus maiores expoentes na ciência advogavam o rearmamento das

democracias ocidentais para enfrentar a crescente ameaça de guerra que assolava a Europa e

era observada com parcimônia pelos seus principais líderes políticos. Albert Einstein, que até

1933 defendeu a resistência ao serviço militar, passou a defender o envolvimento nos esforços

de guerra por todos que desejavam a paz no mundo em última instância e foi a favor da

manutenção do sigilo sobre as pesquisas científicas que tivessem possibilidade de uso

militar.70

Porém, temos que considerar que as condições históricas de um conflito, por mais

iminentes que ele seja, não determinam as escolhas dos indivíduos, mas, sim, as condicionam.

No pós-Segunda Guerra Mundial, é possível observar um argumento oposto ao de Einstein,

no qual a temporalidade a qual o autor faz referência é a dos anos 1930.

Jean Jacques Salomon criticou a limitação da circulação de informações científicas

que teve seu início nos anos 1930 e defendeu o supranacionalismo da ciência, como foi

testemunhado no caso do eclipse russo de 1936 e no caso da expedição inglesa para a

observação do eclipse de 1919 em Sobral, no Ceará – Brasil –, e na Ilha de Príncipe, na

África.71

Para Salomon, a prática científica deveria ser livre de qualquer implicação política e

seu desenvolvimento não poderia ser condicionado a questões governamentais. O argumento

de Salomon é que a ciência pode ser usada como um meio de ligação entre as nações. Ele

69

NEUFELD, Michael. The Rocket and the Reich – Peenemünde and the coming of the Ballistic Missile Era.

New York: The Free Press, 1995. 70 NATHAN, Otto. NORDEN, Heinz. Einstein on peace. New York: Avenel Books, 1981. 71 STANLEY, Matthew. “An expedition to heal the wound of war.” In: Isis. Vol. 94, 2003, pp. 57 – 89.

Page 43: Conhecimento científico e interesse militar

43

toma a ciência como uma linguagem universal, que pode prover a base do entendimento entre

os homens. A tomada de posição de Salomon é clara: a ciência é um bem da humanidade.72

Esta visão de internacionalização e de cooperação científica é absolutamente necessária à

prática da Astronomia, pois além da existência de uma necessidade de cooperação

internacional para a elaboração de cartas do céu, as faixas de totalidade de eclipses do Sol não

respeitam as fronteiras territoriais.

Entretanto, o curso da história mostra que a cooperação científica internacional não foi

a escolha de alguns cientistas, inclusive, como veremos a diante, de pesquisadores envolvidos

com observações de eclipses do Sol no período aqui analisado. Nos anos 1930, algumas

expedições em busca de eclipses solares foram organizadas em uma situação histórica de

desconfiança entre algumas nações e de interesses estratégicos que estavam em acordo com a

geopolítica militar da época. Se, por um lado, os astrônomos russos ajudaram as expedições

estrangeiras nos preparativos para as observações do eclipse de 1936, por outro, os japoneses

ofereceram um apoio com ressalvas aos interessados em observar o eclipse total de 14 de

fevereiro de 1934. Levando-se em conta os conflitos que o império japonês se envolveu

contra a China nos anos 1930 e a circunstância de guerra que se desenhava na Europa no

mesmo período, a ocorrência de dois eclipses solares nesta década com condições de

visibilidade em ilhas no Oceano Pacífico receberam atenções de cientistas, de políticos e de

militares das nações envolvidas em suas observações.

O eclipse total de 1934 ia ser visível em uma faixa que ia do sudeste asiático às

margens da costa Oeste do Canadá. O astrônomo Samuel Mitchell aliou-se a um membro do

Naval Observatory para propor ao Chefe de operações da Marinha dos EUA a organização de

uma missão civil militar para observar este eclipse a partir das Ilhas Carolinas, no arquipélago

indo-australiano. O almirante William Leahy, responsável pelas operações da Marinha dos

EUA, aprovou a ideia e ofereceu um navio militar para o apoio logístico à expedição.

Contudo, as Ilhas Carolinas estavam sob o domínio do governo imperial japonês desde 1920,

e era necessária sua autorização para que as observações fossem realizadas. Diante da

solicitação dos norte americanos da autorização para observar este eclipse, o Japanese

Research Council emitiu um comunicado dizendo que o governo imperial do Japão concedera

um convite aos astrônomos dos EUA para acompanhar o fenômeno junto a pesquisadores do

Observatório de Tóquio. Este convite tornaria desnecessária a “longa viagem” que um navio

de guerra dos EUA ia ter que fazer até chegar ao seu destino nas Ilhas Carolinas. Os

72 SALOMON, Jean-Jacques. “The internationale of science.” In: Science Studies. Vol. 1, nº 1. London, janeiro

de 1971, pp. 23 – 42.

Page 44: Conhecimento científico e interesse militar

44

astrônomos dos EUA e seus equipamentos iam ficar sob os auspícios de um cruzador japonês.

Segundo Mitchell, o que ocorreu foi que a região das Ilhas Carolinas estava sendo fortificada

militarmente pelos japoneses, que não queriam a presença de um navio da Marinha dos EUA

em suas águas.73

De forma clara, os militares japoneses estavam preocupados com uma possível ameaça

no entorno de seu império, gerada pela presença de um navio militar dos EUA empenhado em

uma missão científica. Pelo lado dos militares norte americanos, além da utilidade que os

resultados científicos gerados por observações de eclipses podiam ter, é possível imaginar,

através de algumas evidências que veremos a diante, que a questão da estratégia militar

relacionada ao controle de territórios na região do Oceano Pacífico também podia estar

presente em situações que envolveram missões científicas para a observação de eclipses.

No eclipse total do Sol de 08 de junho de 1937, a expedição científica da NGS-NBS

dirigiu-se à Ilha de Cantão, no Grupo de Ilhas de Phoenix, com a ajuda da Marinha dos EUA,

que providenciou o transporte à missão. Nesta ocasião, um dos objetivos existente no amplo

programa de observações era fazer experimentos sobre a reflexão de ondas de rádio na

ionosfera.74

Algum tempo depois da ocorrência deste eclipse, em uma carta com data de 13 de

novembro de 1939, dirigida a J. M. Johnson, Assistant Secretary of Commerce, Briggs

explicou que os testes de rádio que seriam feitos no eclipse total do Sol de outubro de 1940

(visível no Nordeste brasileiro) estavam conectados com os estudos que começaram na Ilha de

Cantão em 1937. De acordo com Briggs:

While these radio investigations are purely of scientific nature or will be extremely

local in character it seems wise under the circumstances to obtain formal permission

thorough the State Department to set up this little temporary station in Brazil. The

eclipse work is a extension of what the Bureau has already done in cooperation with

the National Geographic Society at Canton Island. You will recall that following its

occupancy by the eclipse party, Canton Island was later taken over as one of the sea

bases in the clipper route from Hawaii to New Zeeland.75

73 MITCHELL, Samuel Alfred. Eclipses of the Sun. New York: Greenwood Press, 1969, pp. 185 – 188. 74 Encontrei poucas referências sobre este experimento na ocorrência deste eclipse. 75 Tendo em vista que estas investigações de rádio são puramente de natureza científica ou terão um caráter extremamente local, parece ser algo sensato que, sobre as circunstâncias, seja obtida uma permissão formal

através do Departamento de Estado dos EUA para organizar esta pequena estação de rádio temporária no Brasil.

O trabalho relacionado ao eclipse é uma extensão do que o Bureau já fez em cooperação com a National

Geographic Society na Ilha de Cantão. Você lembrará que após a ocupação pela missão científica, a Ilha de

Cantão foi usada como uma das bases marítimas na rota do Clipper do Havaí para a Nova Zelândia. Ver:

Memorandum from Lyman Briggs to Col. Johnson. November 13, 1939. RG 167, NC – 76 Entry 52 - Box 64,

Folder: IPO – 878-C 1940 Eclipse. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa.

Page 45: Conhecimento científico e interesse militar

45

Briggs chamou atenção para a importância que teve a ocupação da Ilha de Cantão pela

expedição científica para observar o eclipse de 1937. Durante a estadia de cinco semanas da

expedição da NGS-NBS em Cantão, o navio inglês de patrulha Leith partiu de Suva, capital

de Fiji, com dois operadores de rádio e equipamento para estabelecer uma base de

comunicação na mesma Ilha que a expedição dos EUA estava acampada. Segundo uma

reportagem de um periódico de Nova York, os ingleses tinham a intenção de estabelecer uma

rota comercial aérea entre a Austrália e o Canadá, cuja inspeção já havia sido feita por navios

de guerra britânicos. Mas, quando o Leith chegou à Ilha de Cantão, a tripulação inglesa teve

uma surpresa: havia um navio da Marinha dos EUA, o Avocet, atracado.76

Ambos

comandantes enviaram mensagens aos seus governos e esperaram por ordens posteriores e

este episódio deu início a uma disputa pelo controle da Ilha entre os EUA e a Inglaterra.

A expedição norte americana para observar o eclipse de 1937 trouxe à cena a questão

da administração da Ilha de Cantão, já que ela era considerada um ponto estratégico no meio

do Oceano Pacífico, podendo receber aviões caso uma pista de pouso fosse construída,

conforme um boletim da NGS já afirmava em 1938 – o que era bem próximo das intenções

britânicas. Talvez, a identificação da importância da Ilha de Cantão nas circunstâncias

históricas de iminência de uma guerra tenha levado o Presidente Roosevelt a assinar uma

ordem executiva de supervisão da ilha pela Division of Territories and Insular Possessions no

Department of Interior em 03 de março de 1938. Esta medida identificou a existência de

cartas de navegação de 1828, feitas por pescadores norte americanos que já conheciam a

região.77

Este interesse dos EUA na região do Oceano Pacífico pode ser observado em outras

ocasiões no mesmo período. O Governo norte americano tinha um programa de preparação

para guerra que incluía o mapeamento gradual da região a Oeste de seus limites territoriais,

principalmente na região Norte do Oceano Pacífico, na área em que existem as Ilhas

Aleutas.78

Em 19 de dezembro de 1938, o assistente do Secretario da Marinha dos EUA,

Charles Edison, enviou um documento ao Secretary of Commerce – órgão ao qual o Coast

and Geodetic Survey era subordinado – pedindo para que os trabalhos de mapeamento da

região das Ilhas Aleutas fosse acelerado:

76 The Hawera Star. July 23, 1937. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 1, Book eclipse

memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US. 77 Geographic News Bulletin. Bulletin nº 1, March 28, 1938. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner –

Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US. 78 “World War II of the US Coast and Geodetic Survey – Part 5.” In: World War II History of the Department of

Commerce. United States Government Printing Office: Washington, 1951. Disponível em

www.ngs.noaa.gov/.../WWII-HISTORY-DOC-5- Página da Internet consultada em 20 outubro de 2011. p. 12.

Page 46: Conhecimento científico e interesse militar

46

From a recent conference held between representatives of the Hydrographic Office

and the U.S. Coast and Geodetic Survey, information was obtained that, while

notable progress has been made in surveying the Aleutian Islands by the latter

organization, it will still require about seven more survey seasons at the present rate

to complete this work. Due to the increase importance of Southeastern Alaska and

the Aleutian Islands as an area of strategic value to the United States, and its use as a

theater for possible future naval operations, the Navy Department is extremely

desirous that the survey work in this area be pushed to completion as expeditiously

as practible. 79

Mesmo que não tenha ocorrido uma relação direta de interesse militar dos EUA e a

expedição científica para a observação do eclipse de 1937 na Ilha de Cantão, no Pacífico Sul –

o que é um ponto importante a se destacar, pois, as Ilhas Aleutas ficavam ao Norte do Pacífico

e sua região configura uma rota entre o Extremo Oriente e os EUA bem menor do que uma

possível rota nas proximidades da Ilha de Cantão –, o conhecimento geodésico da região e a

possibilidade de controlar uma pista de pouso na Ilha se enquadram em uma política de futura

exploração mercantil de linhas aéreas e, tomando as devidas precauções, de preparação de

guerra que os EUA adotaram no período em áreas consideradas mais críticas. A questão sobre

o controle da Ilha de Cantão foi resolvida em 1939, quando os governos dos EUA e da

Inglaterra resolveram compartilhar sua administração.

Outro ponto interessante no documento de Briggs é quando ele faz referência à

autorização para a construção de uma estação de rádio observação no Brasil para as

observações do eclipse total do Sol de 01 de outubro de 1940. Entendendo que os resultados

alcançados por pesquisas sobre a ionosfera terrestre fornecem resultados que identificam as

frequências de rádio mais apropriadas a serem utilizadas de acordo com a latitude, altitude,

distância entre ponto de emissão e recepção, condições específicas de temperatura, pressão e

concentração de íons na ionosfera, os testes que iam ser realizados por esta expedição podiam

habilitar transmissões de rádio de qualidade entre o Nordeste brasileiro e os EUA. Voltarei a

este ponto a diante.

79 A partir de uma recente conferência realizada entre representantes do Hydrographic Office e do U.S. Coast

and Geodetic Survey, foram obtidas informações que, apesar do notável progresso que está sendo feito no reconhecimento das Ilhas Aleutas pela última organização, ainda há a necessidade de mais sete temporadas de

reconhecimento no ritmo atual para completar o trabalho. Devido a crescente importância do Sudeste do Alasca

e das Ilhas Aleutas como uma área de valor estratégico para os EUA, e seu uso como um possível teatro de

operações navais no futuro, o Navy Department deseja extremamente que o trabalho de reconhecimento desta

área tenha sua conclusão acelerada ao mais rápido possível. Ver: Memorandum from Charles Edison to

Secretary of Commerce. December 19, 1938. In: RG 23 – Entry 30 A – Office of the Director – Box 2265 –

Folder: Navy Department Expediting Surveys in Aleutian Is. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa.

Page 47: Conhecimento científico e interesse militar

47

Assim, temos um quadro histórico nos EUA dos anos 1930 no qual existiam condições

favoráveis a observações de eclipses do Sol: (a) havia grupos de cientistas norte americanos

interessados em estudar fenômenos ligados a eclipses solares, dentre os quais destaco Lyman

Briggs, D. Menzel, Irvine Gardner, S. Mitchell e C. Kiess;80

(b) existiam observatórios,

inclinados a estudar e dar suporte científico e técnico aos pesquisadores interessados, e

instituições dispostas a financiar investigações neste campo; (c) por fim, uma demanda de

setores da sociedade – militar, industrial, científico e público em geral – que legitimava as

missões para observações de eclipses e ajudava a formar condições favoráveis ao seu estudo.

Além disso, neste período, as observações científicas de eclipses totais do Sol podem ser

entendidas através da ideia de não separação entre ciência e política, que Salomon criticou

alguns anos depois. Mas, a natureza de observações científicas de eclipses solares requer que

contatos entre governos sejam estabelecidos para a preparação da missão, o que pode ser

prejudicado se as circunstâncias históricas são de animosidade.

Nos anos 1940, algumas instituições norte americanas, tradicionalmente envolvidas

em observações de eclipses do Sol, envolveram-se em projetos em que os usos sociais dos

resultados alcançados surgiram das possibilidades que as circunstâncias históricas

apresentaram. Um destes usos da ciência era pô-la a serviço da guerra. Só não é possível

afirmar que estas missões assumiram esta postura de forma explícita, porque suas ações,

muitas vezes, eram dissimuladas e estavam alinhadas a projetos secretos onde somente os

objetivos científicos viam a público. Se tentarmos entender o processo de negociações para a

NGS organizar expedições científicas para observações de eclipses do Sol, veremos que

somente interesses científicos não eram suficientes para justificá-las.

1.5 Organização: a chave para observar eclipses e para vencer a Guerra

Na primeira parte deste capítulo, vimos quais são as principais ações a ser tomadas

para que a organização de uma expedição para observar um eclipse solar tenha as mínimas

condições de ter sucesso. O planejamento científico, os contatos com as autoridades locais, a

reunião de elementos sobre o clima e sobre os locais que ofereciam as melhores condições de

observação do fenômeno, considerações sobre o transporte além de outros aspectos

necessários às observações. Todas estas ações são realizadas na montagem de cada expedição,

pois cada eclipse é visível a partir de uma estreita faixa de cerca de 200 km de largura que

80 É importante salientar que nas relações existentes entre os cientistas e as instituições às quais estavam

vinculados havia uma negociação de interesses, onde a missão institucional deveria estar alinhada, ou ajustada,

dentro das ações e interesses de seus cientistas (ou vice-versa).

Page 48: Conhecimento científico e interesse militar

48

avança sobre a superfície da Terra. Isto criava a necessidade de uma constante organização

das informações necessárias às expedições, pois cada local provável que ia servir como base

astronômica possuía suas próprias características. Tendo em mente esta necessidade, Floyd K.

Richtmyer, físico e professor na Cornell University, enviou um oficio a L. Briggs, em outubro

de 1937, sobre um projeto que a NGS podia financiar. Segundo Richtmyer:

Assuming that the Society is desirous of using some of its available funds for the

promotion of scientific work, it occurs to me that we do not have in America an

Eclipse Committee, similar to what I believe they have in England. [...] it seems to

me that the National Geographic Society would be in an excellent objective position

to accept leadership, in the matter of forming a sort of advisory committee on

eclipses of the Sun. This committee would have to have meetings and there would

be some expenses attached to such meetings. The Society could bear such expenses

and thereby promote cooperation. A committee so organized should be regarded as a

sort of combination of an advisory committee and a clearing house for information.

It should be quite separate from, at least from an organization standpoint, any eclipse

expedition which the Society may wish to fit out. The Society’s expedition would be

merely one several possible expeditions which would come under the purview of the

advisory committee. [...] I realize that this suggestion would not result in a very

great way of advertising the National Geographic Society to the public at large, but I

think that it would be a very fine way to help in the advancement of science.81

Briggs recebeu a ideia com entusiasmo, dizendo que ia levá-la aos membros da

Sociedade.82

Em novembro do mesmo ano, Richtmyer foi convidado pelo Diretor do Harvard

College Observatory, Harlow Shapley, para proferir uma palestra nas dependências desta

81

Assumindo que a Sociedade tem o desejo de usar uma parte dos seus fundos disponíveis para a promoção do trabalho científico, ocorre-me que nós não temos na América um Comitê de Eclipse, semelhante ao que eu

acredito que exista na Inglaterra. [...] Parece-me que a National Geographic Society estaria em uma posição

excelente para aceitar a liderança da formação de uma espécie de comitê consultivo sobre eclipses do Sol. Este

comitê teria que ter reuniões e existiriam algumas despesas associadas a elas. A Sociedade poderia assumir tais

despesas e assim promover a cooperação. O comitê, organizado desta maneira, deve ser considerado como uma

espécie de combinação de um comitê consultivo e um centro de troca de informações. Ele deve ser independente,

ao menos no ponto de vista organizacional, de qualquer expedição para eclipses que a Sociedade deseje

organizar. Uma expedição organizada pela Sociedade seria meramente uma das muitas possíveis expedições que

estariam sob a alçada do comitê consultivo. [...] Eu sei que esta sugestão não resultaria em uma grande

publicidade para a National Geographic Society junto ao público em geral, mas eu acho que isto seria uma forma

excelente para colaborar com o avanço da ciência. Ver: Memorandum from F. K. Richtmyer to L. Briggs. October 20, 1937. In: RG 167 – NC 76 Entry 52 – Box 64 Folder: D/IPO – 878 1940 Eclipse. NARA/ College

Park – MD/ US, tradução nossa. 82 Àquela época, Briggs era membro do Comitê Executivo da NGS, enquanto o Presidente do Research

Committee of the National Geographic Society, desde 1920, era o botânico F. V. Coville – do Departamento de

Agricultura, que faleceu em janeiro de 1937. Briggs assumiu a presidência do Comitê de Pesquisas da NGS após

a morte de Coville. Ver: Memorandum from L. Briggs to F. Richtmyer. January 15, 1936. In: RG 167 – Entry 51

NBS general correspondence 1901 – 1945 – Box 396, Folder: IDS – (NGS). NARA/ College Park – MD/ US.

Page 49: Conhecimento científico e interesse militar

49

instituição sobre as observações que ele havia feito durante o eclipse de junho de 1937. A

ideia de Richtmyer era aproveitar a oportunidade para falar sobre a ideia da criação do Comitê

para Eclipses norte americano com Shapley e, assim, começar a reunir apoio ao seu projeto do

grupo de cientistas dos EUA, interessados em estudar eclipses do Sol.83

L. Briggs escreveu ao presidente da NGS, G. Grosvenor, e tratou brevemente a

proposta de Richtmyer, dizendo que os gastos da NGS com o suporte ao Comitê para Eclipses

seria de cerca de $1,000.00 anuais e que a ideia [...] is an opportunity for the Society, if it so

desires, to become identified with a field of research in which many of its members are

interested.84

Ou seja, na visão de Briggs, o investimento financeiro teria resposta através do

interesse já existente dos assinantes da NGS. Apesar da boa aceitação da ideia por parte de

Grosvenor,85

Richtmyer não estava seguro se outros cientistas interessados em eclipses

solares dariam suporte à ideia.86

Em janeiro de 1938, Richtmyer já havia conversado com

Joseph Boyce, físico lotado no Massachussets Institute of Technology (que colaborava em

algumas pesquisas sobre a atmosfera solar com D. Menzel), sobre sua ideia da criação do

Comitê para Eclipses e ainda esperava que este levasse a ideia a Shapley. Richtmyer

continuou seus esforços para conseguir aliados e expôs sua ideia a S. Mitchell, que, apesar de

ter gostado da ideia, achou que tal comitê não teria o efeito desejado para o próximo eclipse

total do Sol que ia ocorrer em 1940.87

Aparentemente, a ideia de Richtmyer não avançou muito em 1937 – 1938. Mas, na

reunião do Comitê de Pesquisas da NGS de 20 de fevereiro de 1939, ela foi discutida

oficialmente. Estiveram presentes nesta oportunidade: Lyman Briggs (presidente do Comitê

de Pesquisas da NGS), Alexander Wetmore (vice-presidente do Comitê de Pesquisas da NGS

e secretário do Smithsonian Institute, responsável pelo United States National Museum),

Gilbert Grosvenor, Floyd K. Richtmyer, George W. Hutchison (secretário da NGS) e Melvin

Payne (NGS). Briggs abriu a reunião apresentado uma proposta para a NGS assumir um papel

proeminente em observações de eclipses solares, ficando com inteira responsabilidade sobre

83 Ver: Memorandum from F. K. Richtmyer to L. Briggs. October 26, 1937. In: RG 167 – NC 76 Entry 52 – Box

64 Folder: D/IPO – 878 1940 Eclipse. NARA/ College Park – MD/ US. 84 [...] é uma oportunidade para a Sociedade, se este for o desejo, de identificar-se com um campo de pesquisa no

qual muitos dos seus membros estão interessados.” Ver: Memorandum from L. Briggs to G. Grosvenor. October

27, 1937. In: RG 167 – NC 76 Entry 52 – Box 64 Folder: D/IPO – 878 1940 Eclipse. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 85 Memorandum from L. Briggs to F. K. Richtmyer. November 03, 1937. In: RG 167 – NC 76 Entry 52 – Box 64

Folder: D/IPO – 878 1940 Eclipse. NARA/ College Park – MD/ US. 86

Memorandum from F. K. Richtmyer to L. Briggs. November 08, 1937. In: RG 167 – NC 76 Entry 52 – Box 64

Folder: D/IPO – 878 1940 Eclipse. NARA/ College Park – MD/ US. 87 Memorandum from F. K. Richtmyer to L. Briggs. January 04, 1938. In: RG 167 – NC 76 Entry 52 – Box 64

Folder: D/IPO – 878 1940 Eclipse. NARA/ College Park – MD/ US.

Page 50: Conhecimento científico e interesse militar

50

as expedições científicas que financiasse, ao invés de organizá-las em conjunto com outras

instituições científicas. Briggs afirmou que a resposta dos membros da Sociedade diante

destas expedições era bastante positiva, o que legitimava a assunção de sua organização

somente pela NGS.88

A ideia de Richtmyer foi apresentada e discutida em detalhes. Briggs apresentou a

sugestão de Richtmyer como uma proposta a ser encaminhada ao National Research Council

para a criação do Joint Eclipse Committee, que teria como objetivo coordenar o planejamento

de missões científicas organizadas por instituições dos EUA interessadas na observação de

eclipses. O Joint Eclipse Committee não teria obrigação financeira alguma com as expedições

e seu único objetivo seria o de coordenação das observações que os cientistas envolvidos

fossem fazer. Este comitê evitaria investigações repetidas e os resultados poderiam ser mais

proveitosos do que os alcançados até aquele momento. A NGS arcaria apenas com os custos

das reuniões do comitê. Para Briggs, a inexistência de uma coordenação central nos EUA que

reunisse com antecedência as informações necessárias a uma expedição para observar eclipses

solares era um grande problema. A comparação com o Comitê permanente para observar

eclipses que a Inglaterra mantinha foi lembrada, além da justificativa que o planejamento de

uma expedição desta natureza com antecedência minimizaria seus custos. Antes de passar a

palavra a Richtmyer, Briggs lembrou a importância que o uso de instrumentos científicos

modernos traria, aperfeiçoando a busca por melhores resultados e reduzindo os custos da

preparação de uma expedição.

Floyd K. Richtmyer lembrou a importância da independência entre o Joint Eclipse

Committee e a NGS, e que este comitê ia coordenar as observações de eclipses mesmo se a

NGS não mandasse expedições para observá-los. Segundo Richtmyer, a International

Astronomical Union (IAU) tinha uma comissão permanente de estudos de eclipses e comitês

nacionais com a mesma preocupação existiam em outros lugares pelo mundo. Richtmyer

também falou da importância da cooperação internacional no trabalho com eclipses e

enfatizou a ligação entre a observação de um fenômeno e de seu subsequente, criticando o

fato de não haver um programa para observar eclipses solares que cobrisse um período de

anos. Richtmyer ainda defendeu a internacionalização do planejamento:

I am not very familiar with the organization of the International Astronomical

Union but I understand there is a permanent eclipse commission and in several

88 Minutes of a meeting of the Research Committee of the National Geographic Society. February 20, 1939. p. 2.

In: RG 167 – UD Entry 2 Office files of Lyman J. Briggs: Records relating to his scientific work 1917 – 1962 –

Box 6 – Folder: Research Committee of the National Geographic Society. NARA/ College Park – MD/ US.

Page 51: Conhecimento científico e interesse militar

51

countries, including England there is a National Eclipse Committee and it attempts

to co-ordinate programs of research of British parties with those of others. We have

no such committee or commission in this country and it seems to me that eclipse

observations more than any other single scientific item involves international

cooperation because you have only one minute or three minutes, as the case may

be, to make observations, and never again. [...] I have been very much impressed in

going over the little bit of literature to which I have had access, with the unrelated

nature of the observations. There is no program over a period of years.89

Briggs e Richtmyer estavam certos. Pois, apesar da American Astronomical Society

(AAS), criada em 1899, indicar comitês para o planejamento de eclipses desde sua segunda

conferência, em 1898, estes comitês não eram permanentes, como o que existia na

Inglaterra,90

e não possuíam um programa de observações que fizesse a ligação entre eclipses

ao longo do tempo. Na 31ª Reunião da AAS, que aconteceu em 27 e 28 de dezembro de 1923,

na Cidade de Nova York, ocorreu a indicação de um comitê para organizar os preparativos

para as observações do eclipse de 24 de janeiro de 1925. Samuel Mitchell ocupou a

presidência deste comitê e este eclipse foi o primeiro observado por cientistas do NBS.

Apesar de não constar o nome de nenhum pesquisador do NBS na lista de presentes na

publicação desta reunião,91

na 33ª Reunião da AAS, que ocorreu entre 24 de dezembro de

1924 a 01 de janeiro de 1925, em Washington DC, Carl Kiess,92

do NBS, esteve presente.

Esta foi a última reunião da AAS antes do eclipse do dia 24 de janeiro de 1925 e contou com

algumas sessões realizadas nas instalações do próprio NBS.93

A AAS só voltou a organizar

um comitê para coordenar as observações de um eclipse do Sol na 46ª Reunião, que ocorreu

89 Eu não estou muito familiarizado com a organização da International Astronomical Union, mas entendo que

há uma comissão de eclipses permanente e em vários países, incluindo a Inglaterra, há um comitê de eclipse

nacional que se esforça para coordenar programas de pesquisa de expedições britânicas com os de outras [nações]. Nós não temos tal comitê ou comissão neste país e me parece que as observações de eclipses, mais do

que outro acontecimento científico, envolvem cooperação internacional porque você tem apenas de um a três

minutos, conforme o caso, para fazer observações e nunca mais novamente. [...] Eu tenho ficado bastante

impressionado, durante meu avanço sobre a pequena literatura que eu tenho tido contato, com a descontinuidade

das observações. Não há um programa que cubra um período de anos. Ver: Minutes of a meeting of the Research

Committee of the National Geographic Society. February 20, 1939. In: RG 167 – UD Entry 2 Office files of

Lyman J. Briggs: Records relating to his scientific work 1917 – 1962 – Box 6 – Folder: Research Committee of

the National Geographic Society. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 90 A Inglaterra possuía o Joint Permanent Eclipse Committee, que funcionava sob os auspícios da Royal

Astronomical Society. Ver: PANG, Alex Soojung–Kim. Empire and the Sun: Victorian Solar Eclipse

Expeditions. Stanford: Stanford University Press, 2002. 91 Popular Astronomy. Thirty-first meeting of the American Astronomical Society. Vol. 32, 1924, pp. 167 - 168. 92 Kiess recebeu treinamento em Astronomia e Astrofísica na Universidade da Califórnia e entrou para a Optics

Division do NBS em 1917. Ele observou o eclipse de janeiro de 1925 a partir de um dirigível que sobrevoou a

cidade de Los Angeles. Durante o eclipse de 1932, Kiess realizou investigações na estação de observação do

NBS que fora instalada em Maine. Ver: Documento sem identificação. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I.

Gardner – Box 6, Folder: Releases and correspondences. NARA/ College Park – MD/ US. 93 Popular Astronomy. Thirty-third meeting of the American Astronomical Society. Vol. 33, 1925, pp. 158 - 160.

Page 52: Conhecimento científico e interesse militar

52

em 1931, para os preparativos que antecederam o eclipse de 31 de agosto de 1932.94

Ao

menos até 1951, não há a formação de outro comitê para eclipses do Sol nas reuniões da AAS.

Por outro lado, a IAU organizou suas assembleias normalmente na década de 1930. Na

quarta Assembleia Geral da IAU, iniciada em 02 de setembro de 1932, a Solar Commission

foi desmembrada em quatro outras comissões, sendo uma delas voltada para as discussões

envolvendo eclipses do Sol, a Comissão número 13.95

Na Assembleia seguinte, que ocorreu

em julho de 1935, em Paris (França), a Comissão 13 da IAU discutiu as condições para as

observações do eclipse total do Sol de 19 de junho de 1936. Astrônomos da União Soviética e

do Japão falaram das condições para observar o fenômeno em seus territórios. Os astrônomos

soviéticos ofereceram detalhes das localidades que poderiam servir como base para os

expedicionários interessados, distribuíram mapas das cidades em que ia ser possível ver o

eclipse em sua totalidade e se colocaram à disposição para ajudar nos preparativos de viagem

ao seu país.96

No último encontro da IAU ocorrido antes da Segunda Guerra Mundial, em

agosto de 1938, na cidade de Estocolmo, Suécia, os destaques envolvendo a Comissão 13

foram um filme de um eclipse total do Sol (provavelmente o ocorrido em junho de 1937)

exibido pelo Capitão M. Hellweg do Naval Observatory e a presença de cientistas de

diferentes países, incluindo EUA, Alemanha, França, Japão, Inglaterra, Finlândia e outros.97

Nesta perspectiva, a AAS foi ineficiente no que diz respeito à coordenação de

informações sobre os eclipses posteriores ao de 1932, ao mesmo tempo em que os trabalhos

da Comissão 13 da IAU parecem, em alguma medida, ter sido satisfatórios apenas para o

eclipse de 1936. O fato da IAU ser uma organização de caráter internacional, a tornava

diferente do comitê que Richtmyer estava propondo. Foi justamente neste período que a

parceria entre a NGS e o NBS para observar eclipses do Sol estava no seu processo de

amadurecimento. A sugestão de Briggs e de Richtmyer para que a NGS tomasse a iniciativa

para organizar um comitê nacional de planejamento para observações de eclipses do Sol

encontrava respaldo porque, em primeiro lugar, em 1939, já existia uma sólida tradição de

observatórios dos EUA enviarem expedições para observar o fenômeno; e, em segundo lugar,

94 Popular Astronomy. Forty-sixth meeting of the American Astronomical Society. Vol. 39, 1931, pp. 439 – 443. 95 The Observatory. The International Astronomical Union - Fourth General Assembly at Cambridge, 1932,

September 02 – 09. Vol. 55, November 1932, Nº 702. 96 The Observatory. The International Astronomical Union - Fifth General Assembly at Paris, 1935, July 10 – 07.

Vol. 58, September 1935, Nº 736. 97 The Observatory. The International Astronomical Union - Sixth General Assembly at Stockholm, 1938,

August 03 – 10. Vol. XLVI, December 1938, Nº 460. Apesar da existência da Comissão 13 e do fato de ela ter se

reunido algumas vezes nos anos do período aqui estudado, o astrônomo holandês Adriaan Blaaun sustenta que

ela nunca funcionou. Ver: BLAAUW, Adrian. History of the IAU: birth and first half century of the

International Astronomical Union. Kluwer, 1994, p. 154.

Page 53: Conhecimento científico e interesse militar

53

porque esta proposta visou suprir a necessidade causada pela ineficiência da AAS em

coordenar os trabalhos de planejamento de forma apropriada. Por fim, ainda havia o fato de

que, segundo Briggs, o trabalho de coordenação eficaz de ações para observações de eclipses

poderia diminuir os custos necessários à constituição destas missões.

Por mais que o momento de planejamento de expedições para a observação de eclipses

do Sol tenha contribuído para o estabelecimento de uma rede de contato oficial em

Astronomia, envolvendo cientistas de países diferentes no início do século XX – conforme a

historiadora Christina Helena Barboza salienta –,98

esta rede de contatos mostrou sinais de

debilidade ao longo dos anos 1930 na visão de membros do Comitê Científico da NGS, no

que diz respeito à coordenação visando observações de eclipses do Sol. Aparentemente, o

NBS não teve muito interesse em ver seus cientistas inseridos nos canais de contatos oficiais

em Astronomia. No período em que o NBS organizou missões junto à NGS para observar

eclipses, as atas das reuniões da IAU e da AAS não registram a presença de seus cientistas.

Somente em uma oportunidade há o registro de um representante do NBS: Carl Kiess, na 33ª

reunião da AAS, de dezembro de 1924, realizada em Washington DC (cidade em que o NBS

estava instalado). Mas, os astrônomos norte americanos S. Mitchell e D. Menzel, que eram

figuras constantes nas reuniões da AAS e da IAU – e nos comitês destas organizações

relacionados a observações de eclipses –, mantinham intenso contato com os cientistas do

NBS e, inclusive, participaram de algumas observações de eclipses juntos.99

De forma

evidente, o quadro de cientistas do NBS se envolveu com observações de eclipses do Sol, mas

não participou efetivamente das discussões promovidas sobre o assunto, quando organizadas

por associações astronômicas oficiais. Entretanto, os cientistas do NBS conseguiam

informações de maneira extraoficial, através de contatos (cartas e circulação pelos mesmos

98 BARBOZA, Christina Helena da Motta. “Ciência e natureza nas expedições astronômicas para o Brasil (1850

– 1920).” In: Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas., Belém V.5, nº2, pp. 273 – 294, Mai

– Ago. 2010. 99 As relações feitas por Menzel entre pesquisas solares e pesquisas das altas camadas da atmosfera o colocaram

no centro das pesquisas ionosféricas durante a Segunda Guerra, trabalhando no Interservice Radio Propagation

Laboratory of the National Bureau of Standards, em Washington. Ver: DeVORKIN, David. Science with a

vengeance: how the military created the US space sciences after World War II. New York: Springer – Verlag,

1992, p. 51. Além disso, Menzel manteve correspondência com Gardner sobre as imagens da coroa solar que

este fez durante os eclipses totais do Sol de 19 de junho de 1936 e de 08 de junho de 1937. Gardner fala sobre o

telescópio que construiu e usou para observar o eclipse de 1936, e sobre a possibilidade de encontrar Menzel e

sua esposa em: Memorandum from Irvine Gardner to Donald Menzel. August 12, 1937. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US.; Em:

Memorandum from Irvine Gardner to Donald Menzel. March 12, 1938. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I.

Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US., Gardner fala sobre algumas

afirmações de Menzel sobre a iluminação da coroa solar.; Menzel pediu autorização a G. Grosvenor para

publicar uma fotografia que Gardner fez durante o eclipse de junho de 1936, publicada na Revista da NGS em:

Memorandum from Donald Menzel to Gilbert Grosvenor. March 02, 1938. In: RG 167 – Entry 44 – Division

520 I. Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US.

Page 54: Conhecimento científico e interesse militar

54

eventos nos EUA) com astrônomos que participavam das reuniões da AAS e da IAU. Mas,

para os membros do Comitê Científico da NGS isto não era suficiente e havia espaço para a

proposta da criação de um comitê nacional sobre eclipses solares ao final dos anos 1930, feita

por Richtmyer.

Esta entrada por canais não oficiais de cientistas do NBS na troca de informações

sobre a prática de observações de eclipses aponta para a possibilidade de existência de outros

motivadores – diferentes da justificativa de construção de conhecimento – que deem sentido

ao seu envolvimento com estudos neste campo e ajudem a explicar o financiamento

disponibilizado pela NGS para executar estas ações. O primeiro registro que encontrei de uma

proposta de parceria entre a NGS e o NBS para observação de um eclipse solar é um

documento com data de 09 de janeiro de 1936, e está inserido na circunstância histórica dos

lançamentos dos balões gigantes tripulados à estratosfera terrestre e à construção de um

telescópio – nos laboratórios do NBS – que seria capaz de fazer fotos em cores de eclipses

totais do Sol. Ocorreu uma longa troca de cartas entre S. Mitchell, L. Briggs e F. Richtmyer

entre 1934 e 1936 sobre um pedido de financiamento de uma expedição para observar o

eclipse total do Sol de junho de 1936, que Mitchell submeteu à NGS. Nestes documentos,

Mitchell acionou cientistas – como C. Abbot – e o Secretário da Marinha dos EUA – Claude

A. Swanson (ex-aluno da Universidade de Virgínia, que era a mesma universidade que

Mitchell era vinculado) – para que eles, seja escrevendo para Briggs ou conversando com os

executivos da NGS, ajudassem a legitimar seu pedido de financiamento junto à Sociedade.

Richtmyer também escreveu algumas vezes a Briggs dando apoio à proposta de Mitchell.

Apesar de toda mobilização, Mitchell teve como resposta de Grosvenor: We believe that this

kind of investigation can be more adequately furthered by an institution devoted to

astronomical research.100

Mas, quando o New York Times publicou uma matéria em 03 de janeiro de 1936

dizendo que a NGS ia financiar uma expedição organizada por F. McNally do Georgetown

College Observatory, para observar o eclipse total do Sol de junho do mesmo ano, Richtmyer

escreveu a Briggs mostrando-se surpreso com a repentina mudança de visão da NGS sobre

eclipses solares. Mais do que isto, Richtmyer saiu em defesa do amigo Mitchell e foi irônico

ao comentar o trabalho que McNally, com o apoio da NGS, fizera durante o eclipse de 1932:

100

Nós acreditamos que este tipo de investigação pode ser melhor promovida por uma instituição voltada à

pesquisa astronômica. Ver: Memorandum from G. Grosvenor to S. Mitchell. October 11, 1934. In: RG 167 –

Entry 51 NBS general correspondence 1901 – 1945 – Box 396, Folder: IDS – (NGS). NARA/ College Park –

MD/ US, tradução nossa.

Page 55: Conhecimento científico e interesse militar

55

I am somewhat surprised, since you will recall that as a result of correspondence, in

which the suggestion was made that the National Geographic Society finances a

expedition headed by professor Mitchell of Virginia, it was quite definitely stated

that the National Geographic Society would be absolutely unable to finance an

eclipse expedition for 1936. Of course, I do not know what plans Dr. McNally may

have. He may be attempting real scientific work, but his 1932 photographs, beautiful

as they were, added little to the scientific data and information concerning

eclipses.101

Briggs escreveu a Richtmyer explicando que, provavelmente, o pedido de

financiamento de McNally ocorreu em um melhor momento psicológico para a NGS, pois

quando Grosvenor respondeu ao pedido submetido por Mitchell, a NGS e o NBS tinham

perdido recentemente, em 28 de julho de 1934, o balão gigante tripulado Explorer I, que se

desintegrou em pleno voo e forçou a tripulação escapar de forma extraordinária, saltando de

páraquedas de dentro da gôndola, que também levava uma grande quantidade de instrumentos

científicos.102

Briggs também levou ao conhecimento de Richtmyer que a NGS ia liberar uma

pequena verba a I. Gardner para que este usasse o novo telescópio construído pelo NBS no

eclipse de junho de 1936.103

Briggs, diferente de Mitchell, fez uma leitura mais apurada das circunstâncias que

cercavam as ações da NGS e submeteu o pedido de financiamento de uma expedição para

observar o eclipse de 1936 em um momento mais adequado usando argumentos que se

enquadravam nos interesses da NGS. Nas palavras de Briggs:

Dear Dr. Grosvenor:

Dr. I. C. Gardner of the Bureau’s staff has developed a new lens which is especially

suitable for taking pictures of an eclipse of the Sun. [...] Confidentially, we think that

the light gathering properties of the lens are such that it will be possible for the first

101 Eu estou surpreso e você lembrará que, como resultado de uma troca de correspondências, na qual foi feita

uma sugestão para que a National Geographic Society financiasse uma expedição liderada pelo professor

Mitchell da Universidade da Virginia, foi definitivamente afirmado que a National Geographic Society estaria

absolutamente incapaz de financiar uma expedição para o eclipse de 1936. Obviamente, eu não sei que planos o

Dr. McNally deve ter. Ele deve estar pretendendo fazer um trabalho científico sério, visto que suas fotografias de

1932, apesar de muito bonitas, pouco acrescentaram aos dados científicos e informações relacionadas ao eclipse.

Ver: Memorandum from F. Richtmyer to L. Briggs. January 13, 1936. In: RG 167 – Entry 51 NBS general

correspondence 1901 – 1945 – Box 396, Folder: IDS – (NGS). NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 102 DeVORKIN, David. Race to the stratosphere: manned scientific ballooning in America. Washington DC:

Smithsonian Institution, 1989, pp. 165 – 177. Mitchell havia submetido o pedido de financiamento à NGS em 06

de julho de 1934. Mas, Grosvenor só teve contato com este documento em outubro do mesmo ano. Ver:

Memorandum from G. Grosvenor to S. Mitchell. October 11, 1934. In: RG 167 – Entry 51 NBS general

correspondence 1901 – 1945 – Box 396, Folder: IDS – (NGS). NARA/ College Park – MD/ US. 103 Memorandum from L. Briggs to F. Richtmyer. January 15, 1936. In: RG 167 – Entry 51 NBS general

correspondence 1901 – 1945 – Box 396, Folder: IDS – (NGS). NARA/ College Park – MD/ US.

Page 56: Conhecimento científico e interesse militar

56

time to secure color pictures of an eclipse. This would be a very signal advance in

the field. As you know, an eclipse of the Sun will occur in the latter part of June of

this year visible in Siberia. I understand that the National Geographic Society is

already supporting an Expedition in cooperation with Georgetown University for the

purpose of studying this eclipse. I desire to inquire whether the Society would also

be willing to cooperate with the National Bureau of Standards in a endeavor to

obtain a color photograph of this eclipse. If the effort is successful, the Bureau

would be very glad to have the first published account of the work and the

photographs appear in the Geographic Magazine. I think it would form a notable

contribution and one which would excite much interest.104

Talvez a inserção de Briggs nos quadros da NGS o fizesse mais consciente sobre o que

Grosvenor queria ouvir para que um projeto científico tivesse chances de ser aprovado. Com

isto, Briggs propôs a Grosvenor a publicação da primeira foto em cores de um eclipse total do

Sol nas páginas da Revista da NGS. Tendo em vista que a NGS já tinha publicado artigos

sobre eclipses do Sol com fotografias em preto e branco do eclipse de 1932, a primazia da

publicação de fotos em cores do fenômeno era uma proposta que alcançava plenamente os

interesses da NGS. Além disso, a parceria com o NBS, que era um órgão do governo dos

EUA, e o fato do equipamento e os cientistas responsáveis pelas investigações estarem

prontos e treinados, atendia a anseios que podem ser percebidos nos registros da reunião do

Comitê de Pesquisas da NGS em 1939, quando a palavra foi passada a Grosvenor.

Voltando àquela ocasião, diante da proposta de Briggs para que a NGS não realizasse

mais expedições em conjunto com outras instituições e utilizasse somente cientistas e

equipamentos vinculados à Sociedade, Gilbert Grosvenor expôs um pensamento diferente. Na

visão de Grosvenor, os membros da NGS gostavam de vê-la trabalhando em conjunto com

outras instituições do Governo dos EUA, como o NBS, o Exército, a Marinha e o Smithsonian

Institution. No entendimento do presidente da Sociedade, estas associações davam aos

membros da NGS um sentimento de pertencimento ao trabalho governamental, o que fazia

104 Caro Dr. Grosvenor: Dr. I. C. Gardner do corpo de cientistas do Bureau desenvolveu uma nova lente que é

especialmente adequada para fazer fotos de um eclipse do Sol. [...] Sinceramente, achamos que as propriedades

de captação de luz da lente são tão boas que será possível pela primeira vez assegurar fotografias coloridas de

um eclipse. Isto seria um avanço bem significativo neste campo. Como você sabe, um eclipse do Sol ocorrerá no

final de junho deste ano e será visível na Sibéria. Eu entendo que a National Geographic Society já está financiando uma expedição em cooperação com a Georgetown University com a finalidade de estudar este

eclipse. Eu desejo saber se a Sociedade estaria disposta em cooperar com o National Bureau of Standards em um

esforço para obter uma fotografia em cores deste eclipse. Se o esforço for bem sucedido, o Bureau ficará feliz

em ter o primeiro relato publicado sobre o trabalho e as fotografias publicadas na Revista da National

Geographic Society. Eu acho que seria uma notável contribuição e que ela despertaria muito interesse. Ver:

Memorandum from L. Briggs to G. Grosvenor. January 09, 1936. In: RG 167 – Entry 51 NBS general

correspondence 1901 – 1945 – Box 396, Folder: IDS – (NGS). NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa.

Page 57: Conhecimento científico e interesse militar

57

crescer o prestígio da publicação da Revista da NGS. O fundamento do argumento de

Grosvenor era que as associações com outras instituições ajudariam a National Geographic

Society a conseguir novos membros e a aumentar o número de assinantes e o de vendas de

revistas avulsas.105

Em cada tipo de associação executada por estas instituições havia interesses

específicos envolvidos. Em certas passagens da ata desta reunião, o interesse mercantil da

NGS é demonstrado claramente por Grosvenor, tendo em vista que a receptividade do público

da Revista era amplamente positiva, mesmo se a NGS fornecesse apenas uma pequena

quantia em dinheiro para que as expedições que davam origem às matérias fossem

empreendidas. Segundo Grosvenor, [...] these joint expeditions are very good business for the

National Geographic Society as well as for the institutions that cooperate with the National

Geographic Society.106

A fala de Grosvenor estava alinhada à preocupação que Thomas

McKnew teve com a publicidade das expedições da NGS para as observações do eclipse de

1937 e com as transmissões de rádio que ocorreram direto da Ilha de Cantão. O historiador

David DeVorkin identificou que, durante o período de divulgação publicitária do voo do

balão tripulado Explorer II, em 1935, a série de entrevistas que Grosvenor concedeu à

National Broadcasting Company era repleta de canções patrióticas, o que deve ter causado

um senso de unidade no cidadão norte americano, capitalizado pelas expedições que a NGS

financiava, que tinha como motivadores o estabelecimento de recordes mundiais e disputas

pela primazia em alcançar localidades geográficas não alcançadas anteriormente pelo

homem.107

Dentro desta ótica, a bandeira da NGS tremulando junto à bandeira dos EUA devia

ser um ótimo agente de propaganda – e a introdução da fotografia pode ter contribuído para

isto –, pois o cidadão norte americano membro da NGS (assinante da Revista) fazia parte

daquela operação contribuindo financeiramente através do valor da assinatura.108

Uma outra ideia utilizada por Grosvenor era a de que a soma investida pela NGS para

fazer associações com outras instituições era pequena se comparada com o montante que seria

105 Minutes of a meeting of the Research Committee of the National Geographic Society. February 20, 1939. In:

RG 167 – UD Entry 2 Office files of Lyman J. Briggs: Records relating to his scientific work 1917 – 1962 – Box

6 – Folder: Research Committee of the National Geographic Society. NARA/ College Park – MD/ US. 106 [...] estas expedições em conjunto são um ótimo negócio para a National Geographic Society bem como para

as instituições que cooperam com a National Geographic Society. Ver: Minutes of a meeting of the Research

Committee of the National Geographic Society. February 20, 1939. In: RG 167 – UD Entry 2 Office files of Lyman J. Briggs: Records relating to his scientific work 1917 – 1962 – Box 6 – Folder: Research Committee of

the National Geographic Society. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 107 DeVORKIN, David. Race to the stratosphere: manned scientific ballooning in America. Washington DC:

Smithsonian Institution, 1989, p. 186. 108 Ver Figura 15. Ver também: LIMA, Raquel Vaconcellos Alves de. Jornada à semi-selva: um estudo sobre as

fotografias produzidas pela National Geographic Society na expedição astronômica a Bocaiuva em 1947.

Monografia de conclusão do Curso de graduação de História. UFRJ. Rio de Janeiro, 2009.

Page 58: Conhecimento científico e interesse militar

58

gasto para treinar e pagar cientistas para fazer o trabalho. Ou seja, era mais vantajoso

financeiramente arcar com os custos de associações a instituições de pesquisa que já possuíam

pessoal capacitado e o equipamento necessário às observações do que arcar com as despesas

de treinamento de cientistas sem experiência e que não possuíam conexões que lhes

assegurassem troca de informações e o empréstimo de equipamento para as observações. A

associação a renomadas instituições de pesquisa dos EUA dava, também, à Revista da NGS

um respaldo e uma legitimidade que fortaleciam sua atuação na área educacional, que estava

sendo questionada, como lembrou Hutchison durante a referida reunião do Comitê de

Pesquisa da NGS em 1939.109

Ao final desta reunião do Comitê de Pesquisa da NGS, Grosvenor ofereceu um total

de $20,000.00 para cobrir todos os gastos da expedição para a observação do eclipse de 1940

no Brasil, que já incluía os custos com a impressão das monografias científicas ao final dos

trabalhos.110

Deste montante, em torno de $11,000.00 foram referentes ao material necessário

à construção de novos equipamentos para a observação de eclipses realizada pelo Optical

Instruments Section do NBS. Os instrumentos iam ser construídos sem custos de mão de obra

(já que o próprio pessoal do NBS o construiria) à NGS, que ia ser a proprietária dos

equipamentos, mas os direitos de publicação relacionados ao design dos instrumentos iam

pertencer ao NBS.111

O instrumento em questão era um telescópio que possuía mecanismos

diferentes dos que existiam àquela época, que foi desenvolvido por Gardner para ser

empregado em observações de eclipses do Sol.112

Como alguns cientistas do NBS tinham uma

relação estreita com o meio industrial113

é bem possível que Gardner e Briggs (que usou a

109 Minutes of a meeting of the Research Committee of the National Geographic Society. February 20, 1939. In:

RG 167 – UD Entry 2 Office files of Lyman J. Briggs: Records relating to his scientific work 1917 – 1962 – Box

6 – Folder: Research Committee of the National Geographic Society. NARA/ College Park – MD/ US. 110 Minutes of a meeting of the Research Committee of the National Geographic Society. February 20, 1939. RG

167 – UD – Entry 2 – Scientific work – Office Files Briggs – Box 6, Folder: A1. NARA/ College Park – MD/

US. 111 Memorandum from Irvine Gardner to L. Briggs. December 01, 1938. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I.

Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US. 112 Pesquisas futuras podem esclarecer se houve alguma relação entre o fato do NBS ter ficado com os direitos de

publicação sobre o instrumento e a questão sobre patentes que existiu no período. Sobre esta questão, o

historiador R. Cochrane indica que nos anos 1920, cientistas do setor de rádio do NBS não seguiram uma

tradicional postura de deixar os direitos de patente de suas criações ao órgão e registraram em seus nomes um

aparato de rádio que desenvolveram. Após algumas reviravoltas em tribunais regionais, a Suprema Corte dos

EUA decidiu, em 1933, que todos os direitos de patente pertenciam ao inventor, não à instituição em que ele estivesse lotado. Isto só foi revertido, e o direito sobre a patente voltou à instituição, em 1950, através de uma

ordem executiva. Ver: COCHRANE, Rexmond C. Measures for progress: a history of the National Bureau of

Standards. Washington D.C.: Department of Commerce, 1974, pp. 347 – 349. 113

H. Dellinger prestou serviços de consultoria a empresas do ramo de comunicações, como Aeronautical Radio,

Radio Corporation of America e Electronics – Television Manufacturers Association e recebeu compensações

financeiras que chegavam a $1,000.00. Ver: Diversos documentos em: RG 167 – NC – 76 Entry 75 – Box 8,

Folder: Aviation consulting. NARA/ College Park – MD/ US.

Page 59: Conhecimento científico e interesse militar

59

capacidade de conseguir fotografias em cores do instrumento construído por Gardner como

parte de sua estratégia para conciliar os interesses do NBS e da NGS) quisessem pôr partes do

mecanismo do novo aparato à disposição das indústrias.

Durante os anos 1940, três eclipses totais do Sol puderam ser vistos no Brasil: 1940,

1944 e 1947. As observações que a expedição da NGS-NBS realizou em 1947 foram um

sucesso. O fenômeno de 25 de janeiro de 1944 não contou com a presença de expedição

científica alguma para observá-lo. Já as observações do eclipse de 1940, tiveram um êxito

parcial. Como eu mencionei antes, um dos interesses científicos da missão da NGS-NBS no

eclipse de 1940 era o estudo das condições de reflexão das ondas de rádio da ionosfera

terrestre. Para a observação do eclipse de 1940, a NGS ia enviar expedições científicas ao

Brasil e à África. Mas, em maio de 1940, ocorreu uma série de dificuldades para que fosse

conseguido um transporte seguro para a África tanto dos integrantes como do equipamento.

Os organizadores da expedição estavam receosos a respeito do recrudescimento da Guerra na

Europa e tinham dúvidas se seria possível conduzir a expedição em segurança na volta para os

EUA após as observações do eclipse. Além do mais, alguns cientistas norte americanos que

fizeram parte da organização da expedição consideraram a possibilidade de serem convocados

para comporem as fileiras militares no conflito que, aparentemente, mais cedo ou mais tarde

os EUA entrariam.114

Porém, a entrada não declarada na Guerra já alistava os homens de

ciência para executarem algumas ações.

As observações científicas de eclipses do Sol nos anos 1930 e 1940 tiveram alguma

relação com a Segunda Guerra Mundial. Tanto as instituições como os cientistas envolvidos

em observações de eclipses solares tiveram envolvimento com o conflito. Em outubro de

1939, Briggs foi designado pelo presidente Franklin Roosevelt para liderar um comitê para a

investigação da possibilidade de liberação de energia a partir da fissão de Urânio, visando a

construção de armas nucleares. Este comitê ainda foi seguido por outros que, ao final, tiveram

o Projeto Manhattan como representante de um trabalho científico que não separou a pesquisa

científica teórica, os esforços de sua aplicação e os trabalhos para administrá-la.

O que também emerge ao final da análise destas relações é que a proposta que Briggs

e Richtmyer levaram ao Comitê de Pesquisas da NGS em 1939 – para organizar as

observações de eclipses do Sol – também contém esta preocupação com a administração do

trabalho científico, percebida na designação de Briggs por Roosevelt em 1939. Além disso, as

observações científicas dos eclipses de 1937 e 1940 possuíam uma continuidade, como

114 Memorandum from Thomas W. McKnew to Lyman Briggs. May 13, 1940. RG 167 – NC – 76 Entry 52 –

Box 63, Folder: IPO – 878 – C. NARA/College Park – MD/ US.

Page 60: Conhecimento científico e interesse militar

60

afirmou Briggs ao final do trecho citado da carta dirigida ao Assistant Secretary of Commerce,

J. M. Johnson, em novembro de 1939. Os cientistas que estavam envolvidos de alguma forma

na parceria entre a NGS e o NBS tiveram uma preocupação com a organização da prática

científica, tornando-a presente nos meios em que circularam. Esta necessidade de organização

do trabalho científico acabou se tornando uma das diretrizes a ser seguida com a publicação

do relatório de Vannevar Bush sobre a reorganização da prática científica nos EUA, em

1945.115

A importância do trabalho científico coordenado pode ser percebida em um trecho de

um artigo do historiador Barton Hacker:

What made the eve of the United States’ World War II different was the

organization of proper means to convert offers of help into directed research leading

to engineering development of actual weapons and equipment. [...] the key was

directed team research.116

115 BUSH, Vannevar. Science the endless frontier: A report to the President on a Program for Postwar Scientific

Research. Washington: National Science Foundation. July 1945. Reprinted July 1960. 116 O que fez a preparação dos EUA para a Segunda Guerra Mundial ser diferente foi a organização de meios

adequados para converter a oferta de ajuda em pesquisa direcionada, o que levou ao desenvolvimento organizado

de armas e de equipamentos. [...] a chave foi um grupo de pesquisa organizado. Ver: HACKER, Barton.

“Military patronage and geophysical sciences: an introduction.” In: Historical Studies in the Physical and

Biological Sciences. Vol. 30, Part 2, 2000, pp. 309 – 314, tradução nossa.

Page 61: Conhecimento científico e interesse militar

61

2 As observações científicas do eclipse total do Sol de 1947 em perspectiva histórica

Desde o final do século XVIII, cientistas organizam expedições para a observação de

eclipses solares. A partir de então, estas observações podem ser historicizadas de diferentes

formas, dependendo do enfoque que o historiador queira dar. Especificamente sobre a

produção de conhecimento, há historiadores que tratam o processo de construção teórica e/ou

prática para o alcance de resultados. Há outros historiadores que dão ênfase às controvérsias

que surgem entre os cientistas e existe, ainda, outra abordagem que tem a intenção de

entender a construção da ciência relacionando-a a aspectos extracientíficos. Analisarei nas

páginas seguintes alguns experimentos feitos pelos cientistas da National Geographic –

Bureau eclipse expedition durante a ocorrência do eclipse total do Sol de 1947 em Bocaiuva,

Minas Gerais, tentando entender algumas relações históricas, institucionais e pessoais, na

perspectiva das investigações que foram feitas.

***

2.1 Ciências básica e aplicada: pragmatismo e diletantismo científicos para o NBS

Entendo que a principal justificativa para organizar expedições para observar eclipses

solares é o interesse científico. Obviamente, o interesse científico é histórico e com o passado

das observações de eclipses solares não é diferente. Os problemas e questões levantados pelos

planejadores das missões estavam em acordo com o que se discutia em cada área da

Astronomia e em outros campos de conhecimento em um determinado tempo. Nem sempre os

problemas teóricos investigados tinham uma aplicação direta. Como veremos, a discussão

sobre teoria e prática tangencia este trabalho na medida em que as expedições da NGS-NBS,

para observação de eclipses do Sol, revelaram uma tendência pragmática acerca dos

resultados que poderiam alcançar. Este pragmatismo estava alinhado às circunstâncias

históricas, que criavam possibilidades de usos dos resultados relacionados à aplicação militar.

A questão que se apresenta é: que investigações foram feitas e quais foram os usos (se eles

existiram) vislumbrados?

Em um documento de junho de 1936, em que Lyman Briggs aborda alguns problemas

históricos e legais relacionados à uniformização dos pesos e medidas em todo EUA e como

isto afetava a indústria e o comércio, há o problema da pesquisa básica e aplicada diante dos

olhos do NBS. Briggs entrou nesta questão falando sobre a dificuldade que existia em

conseguir fundos para projetos de pesquisa básica, diferentemente do que acontecia com

Page 62: Conhecimento científico e interesse militar

62

projetos que tem uma aplicação clara dos resultados a serem obtidos. Em seguida, ele deu

exemplos de como a pesquisa básica era importante para a pesquisa aplicada, tratando, por

exemplo, a investigação do superaquecimento do vapor e sua relação com o desenvolvimento

de turbinas de aviões.1

Em 1938, Briggs estabeleceu uma comparação entre o investimento que o Governo

Federal dos EUA fez na área da investigação voltada para a agricultura e o que foi feito em

áreas relacionadas ao comércio e indústria. No ponto em que Briggs tratou diretamente a

pesquisa básica, ele claramente incentivou o investimento em investigações no campo da

Física e da Química, através do incentivo ao desenvolvimento da indústria e do comércio,

afirmando sua importância econômica para a nação. Segundo Briggs:

The notable exception is a special appropriation for basic research in agriculture,

amounting at present to 1.2 millions a year, under which it is possible to carry out

long-range basic investigations. No similar authorithy to my knowledge has been

given to any other department of the Government. Would it not pay the government

to extend its support to other lines of basic research? Is there not an essential place

in Government for basic research in Physics and Chemistry in order to provide the

foundation for new industries?2

Seus esforços diante do NBS eram para, também, ajudar na recuperação da economia

norte americana, o que fica claro, por exemplo, quando ele menciona, em outro trecho, a

possibilidade de investimento econômico na indústria automobilística para tê-la como

geradora de empregos. É possível entender que a política de financiamento a qual o NBS

estava sujeito nos anos 1930 partia de uma dicotomia entre pesquisa básica e aplicada, e que

seu Diretor se esforçava para salientar a importância de ambas para a nação. Ou seja, é

possível inferir que a separação entre pesquisa básica e aplicada estava na mentalidade dos

governantes dos EUA naquele período e que Briggs, como Diretor de uma das mais

importantes instituições de pesquisa do país, tentava mostrar a importância de ambas para a

recuperação da economia dos EUA. A questão é que, aparentemente, Briggs tenta justificar o

1 BRIGGS, Lyman. “Some problems of the National Bureau of Standards.” In: RG 167 – UD – Entry 2 –

Scientific work – Office Files Briggs – Box 6, Folder: Some problems of the National Bureau of Standards, ca.

1941, NARA/College Park–MD/US. 2 A notável exceção é a verba especial destinada à pesquisa básica em agricultura, totalizando no momento $ 1,2

milhões por ano, com os quais é possível realizar longas pesquisas básicas. Nenhuma liberação de verba

parecida, no meu conhecimento, foi dada a qualquer outro departamento do Governo. O Governo não estaria

disposto a estender apoio financeiro a outras linhas de pesquisa básica? Não há um lugar essencial no Governo

para pesquisa básica em Física e Química que almeje fornecer a base para novas indústrias? Ver: The place of

Government in research. In: RG 167 – UD – Entry 2 – Scientific work – Office Files Briggs – Box 5, Folder:

The place of Government in research. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa.

Page 63: Conhecimento científico e interesse militar

63

investimento em pesquisa básica através de sua importância para a indústria e comércio. Esta

era uma estratégia para convencer os congressistas norte americanos a liberarem verbas para

as chamadas pesquisas básicas. Nesta perspectiva, parto da ideia de que a construção do

conhecimento não separa teoria e prática. Em outras palavras, as investigações científicas de

cunho teórico caminham lado a lado com as investigações para aplicação da teoria.

A maior parte das observações realizadas durante o eclipse de 1947 pelos cientistas da

expedição da NBS-NGS está ligada aos interesses científicos da época, especificamente às

investigações promovidas pelo NBS. O chefe desta expedição científica, Lyman Briggs,

escreveu um artigo que foi publicado em março do mesmo ano sobre as intenções de

realização de experimentos científicos da sua expedição.3 Todavia, como veremos, a

construção do conhecimento científico é feita por caminhos muitas vezes tortuosos, com

falhas, acertos e muitas surpresas. Tratando-se de observações científicas de um eclipse total

do Sol, o fator “tempo bom” é primordial. Em Bocaiuva, Cidade mineira onde a expedição da

NGS-NBS se instalou, o tempo colaborou, diferente do que ocorreu em outras cidades nas

quais outras expedições científicas montaram base.4 Como os experimentos realizados

enquadram-se em áreas nas quais é necessária uma coleta de dados da natureza, a utilização

de instrumentos para a construção do conhecimento é fundamental. Há uma relação entre

homem, instrumento, conceitos e natureza que tem que estar fundada em consensos de

aferição, de metodologia e estrutura de saber para que os dados gerem estudos que tenham

sentido na comunidade científica, ou para que sejam a base de ideias que questionem a

autoridade das teorias existentes.5 Ainda existem as chances dos instrumentos não

funcionarem adequadamente, a probabilidade de ocorrer falha humana e uma série de outras

intempéries naturais que os cientistas tentam prever, mas, às vezes, não conseguem ou não

podem evitar.

Quando Briggs publicou seu artigo na The Scientific Monthly, ele era, também, o chefe

do Comitê de Pesquisa da NGS e Diretor emérito do NBS.6 Este artigo era sobre as intenções

de realização de experiências durante o eclipse de maio de 1947. A seguir, vamos ver, de

forma um pouco mais detalhada, alguns pontos das observações que Briggs havia proposto

3 BRIGGS, Lyman. “A 1947 eclipse expedition.” The Scientific Monthly, 1947, March, pp. 208 – 210. 4 A cidade de Araxá (MG), onde a expedição da União Soviética ficou baseada, teve nuvens no céu na hora do

eclipse. 5 KUHN, Thomas. Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 2003.

6 Briggs havia se aposentado em 1945 com a indicação para o cargo de Diretor emérito do NBS. MYERS, Peter

Briggs; SENGERS, Joahanna M. H. Lyman James Briggs (1874 – 1963) A Biographical memoir. Washington,

D.C.:The National Academy Press, 1999, p. 4.

Page 64: Conhecimento científico e interesse militar

64

antes da ocorrência do eclipse de maio de 1947 e as relações que estes estudos possuiam com

as circunstâncias históricas da época.

2.2 O Sol e a atmosfera terrestre como objetos de estudo

As primeiras observações astronômicas que Briggs abordou em seu artigo são as que

iam ser realizadas pelo astrônomo C. C. Kiess, do NBS, auxiliado por Harold Weaver, do

Observatório de Lick. Kiess e Weaver iam estudar o coeficiente de absorção da atmosfera do

Sol utilizando dois espectrógrafos. Eles estavam interessados em coletar dados para análise da

coroa solar e da cromosfera. Como a luz emitida pelo Sol é muito intensa, a cromosfera só

fica visível – e consequentemente disponível para ser fotografada – em um rápido instante

antes da, e logo após a, totalidade do eclipse. Mas, obter imagens de qualidade do chamado

flash spectrum não era uma tarefa das mais fáceis. Até o início dos anos 1950, havia poucos

registros de espectros de qualidade da cromosfera solar, como afirmou o especialista no

assunto S. Mitchell,7 que discutiu diferentes técnicas e equipamentos para registrar os traços

de luz emitidos por esta camada do Sol. Logo após o término da visibilidade da cromosfera,

no momento em que o disco da Lua cobre o disco do Sol, aparecem os chamados Grãos de

Bayle,8 que são pontos de luz solar em torno do disco da Lua. Este fenômeno ocorre devido à

característica da superfície lunar, coberta de vales, montanhas e crateras. Apesar do disco do

Sol estar quase completamente coberto pelo disco lunar, sua luz atravessa algumas crateras da

superfície da Lua e causa um efeito de um colar de círculos brilhantes ao redor da Lua. A

superfície lunar influencia diretamente algumas observações específicas durante eclipses

totais do Sol, como veremos mais a frente.

Em 1947, os espectrógrafos de Kiess e Weaver estavam equipados com redes de

difração feitas especialmente para estas observações, que dariam como resultado imagens

espectrais de alta dispersão, permitindo que as ondas de luz fossem determinadas com grande

precisão, o que poderia fornecer melhores informações sobre as linhas espectrais.9 O método a

ser adotado no eclipse de 1947 consistia em fotografar rapidamente a diminuição da

iluminação quando a Lua tivesse coberto 9/10 do Sol, cobrindo o espectro solar entre 3.000

Aº de espectro ultravioleta e 10.000 Aº no infravermelho.10

Segundo Briggs, o mapeamento

da cromosfera (elementos, densidade e temperatura) ajudaria a entender os processos

7 MITCHELL, Samuel Alfred. Eclipses of the Sun. New York: Greenwood Press, 1969, pp. 250 - 280. 8 O nome Grãos de Bayle tem sua origem na descrição das causas deste fenômeno feita pelo astrônomo inglês

Francis Bayle, em 1836. Ver: STEEL, Duncan. Eclipse: The celestial phenomenon that changed the course of

History. Washington: The Joseph Henry Press, 2001, p. 180 – 182. 9 MITCHELL, Samuel Alfred. (1969), op. cit., p. 127. 10 Ver Figura 18.

Page 65: Conhecimento científico e interesse militar

65

radiativos que ocorrem no Sol e interferem nas comunicações terrestres. O estudo que Kiess e

Weaver propuseram era importante para saber como diferentes comprimentos da luz solar são

absorvidos pelas distintas camadas da atmosfera terrestre. Estes níveis diferentes de absorção

influenciam na quantidade de energia envolvida na quebra de moléculas, que liberam os

elétrons, e nos processos de recombinação que produzem a característica de reflexão das

ondas de rádio na ionosfera. Mas, infelizmente, não consegui identificar se as investigações

de Kiess e Weaver geraram alguma publicação.

De acordo com o artigo de Briggs, E. O. Hulburt, superintendente da Optic Division

do United States Naval Research Laboratory, propôs medir o brilho do céu no zênite quando

a sombra da Lua atravessasse esta posição. Hulburt desejava medir a densidade molecular e a

temperatura do ar na altura de 60-70 quilômetros. Briggs mencionou apenas este trabalho de

Hulburt. Mas, Hulburt escreveu, em parceria com R. A. Richardson, um total de quatro

artigos relacionados à emissão de iluminação solar durante o eclipse de maio de 1947: The

brightness of the night sky; Solar illlumination and zenith sky brightness during the total solar

eclipse of May 20, 1947; The illumination from the solar crescent near totality of the eclipse

of May 20, 1947 e The Brightness and polarization of the daylight sky.11

Destes quatro, encontrei apenas um deles publicado em um periódico de livre

circulação. Os outros três estavam depositados em fundos do NBS no National Archives,

College Park e, provavelmente, circularam apenas a nível institucional. O artigo que Hulburt

publicou junto com R. A. Richardson no Astrophysical Journal trata a mensuração da

iluminação solar emitida pela borda do Sol antes da totalidade do eclipse.12

Segundo Hulburt

e Richardson, este experimento não ia ser realizado por nenhuma outra expedição durante o

eclipse de maio de 1947. A variação da emissão de luz pelas bordas do Sol tem relações com

a física teórica da atmosfera solar e está ligada ao estudo feito por Kiess e Weaver. Se Kiess e

Weaver iam estudar a atmosfera solar, Hulburt e Richardson tentaram coletar dados sobre as

ondas espectrais emitidas pela borda e pela coroa solar, que possuem elementos químicos

diferentes de outras partes do Sol e geram espectros com energia maior. Sobre o estudo de

Hulburt e Richardson, os próprios autores destacam que os resultados alcançados foram

bastante duvidosos e que pesquisas futuras poderiam comprovar ou não os dados que eles

obtiveram.

11

Artigos contidos em: RG 167 – UD – Entry 2 – Scientific work – Office Files Briggs – Box 1, Folder:

Articles on Solar Illumination. NARA/ College Park – MD/ US. 12 HULBURT, E. O. RICHARDSON, R. A. “The illumination from the solar crescent near totality of the eclipse

of May 20, 1947.” Astrophysical Journal, Vol. 111, January 1950, pp. 99 – 103.

Page 66: Conhecimento científico e interesse militar

66

Na perspectiva dos trabalhos realizados por Hulburt, Richardson, Kiess e Weaver,

entender a natureza de algumas reações químicas do Sol, e da atmosfera terrestre, podia

significar uma melhor compreensão dos processos de comunicação na Terra, o que, nos anos

1930 e 1940, levou os Governos dos EUA, da Inglaterra e da Alemanha a alocarem verbas

para estas pesquisas. De acordo com Karl Hufbauer, estudos realizados nos anos 1930

mostraram que quanto maior o número de manchas solares, menor é a frequência máxima que

pode ser usada nas transmissões de rádio de ondas curtas. Além disso, se o número e

intensidade das chamas solares crescem, a possibilidade de ocorrer interrupções na

capacidade de reflexão de ondas de rádio da ionosfera aumenta. É o chamado fadeout.

Durante o Governo do Terceiro Reich, o rádio físico alemão Johannes N. Plendl supôs –

baseado em um recente trabalho que ele desenvolvera sobre a influência da atividade solar

sobre comunicações de rádio através de ondas curtas – que previsões com acuidade sobre as

condições de rádio comunicações dependeriam de observações solares feitas com

antecedência. Plendl ganhou a confiança de um general da Luftwaffe sobre a importância das

pesquisas solares e conseguiu fundos para montar uma estação de observação solar nos Alpes

da Bavaria em 1939.

Na montagem de sua equipe, Plendl convidou o físico solar alemão Karl-Otto

Kiepenhauer para se unir ao seu grupo e os dois acabaram se tornando figuras proeminentes

na pesquisa solar na Alemanha neste período. Mais do que isto, em 1943, Plendl reuniu dados

dos observatórios das nações ocupadas pela Alemanha nazista e tinha a intenção de montar

uma rede de observação solar no Norte da Europa. O que era bastante difícil, já que Plendl

tinha para si que os cientistas das nações ocupadas não eram confiáveis. Este problema de

confiabilidade entre cientistas não ocorria do lado dos Aliados, que montaram uma vasta rede

de observação ionosférica ao redor do globo.13

O monitoramento destas variações no Sol era

importante na perspectiva militar naquele período, pois as chamas e manchas solares

alteravam a capacidade de reflexão ionosférica e poderiam causar algum efeito nas

transmissões de sinas de rádio.

Além de eclipses totais do Sol oferecerem boas oportunidades de observações da

natureza solar e de como seus raios são absorvidos pela atmosfera terrestre, eles podem ser

usados para estudar outras características da ionosfera, quando a sombra da Lua cortasse

abruptamente a atmosfera terrestre, alterando suas condições normais. O interesse no estudo

da ionosfera terrestre constituía-se um dos maiores objetivos científicos àquela época entre os

13 HUFBAUER, Karl. Exploring the Sun – Solar science since Galileo. Baltimore: The Johns Hopkins

University Press, 1991, pp. 120 – 121.

Page 67: Conhecimento científico e interesse militar

67

pesquisadores que, de alguma forma, estavam ligados a investigações sobre a rádio

transmissão. As investigações de ondas de rádio se estendiam por diversas outras áreas de

pesquisa, sendo, por exemplo, largamente utilizadas nas tentativas de aperfeiçoamento de

sistemas de direção de mísseis.14

Voltando ao artigo de Briggs, engenheiros da Radio Division of the Bureau of

Standards iam medir em Bocaiuva e, simultaneamente, nos, já citados, postos de

monitoramento espalhados pelo mundo as alterações que ocorrem na ionosfera terrestre

quando há um eclipse total do Sol. Estas observações iam servir para a obtenção de dados

sobre os processos que envolvem os elétrons liberados de íons e as moléculas de diferentes

elementos que existem na atmosfera. A ionosfera terrestre é uma camada da atmosfera que

começa por volta de 60 km acima do nível do mar e possui a seguinte divisão: região D (entre

60 km e 90 km de altura do nível do mar), região E (entre 105 km e 160 km) e região F

(acima de 180 km). Estas regiões não possuem uma delimitação muito clara e suas áreas têm

diferentes quantidades de elementos químicos, como oxigênio, nitrogênio e outros, que

formam compostos moleculares. Estes, ao terem contato com a grande quantidade de energia

proveniente da radiações ultravioletas e de raios-X,15

liberam elétrons criando uma zona

eletrificada que reflete, de um dado ponto de emissão a um ponto máximo de alcance, as

ondas de rádio.

Durante a noite, há uma diminuição da incidência de espectros de raios-X e

ultravioletas nas áreas da Terra não alcançadas pela luz solar e três diferentes processos

podem ocorrer envolvendo íons, moléculas neutras e elétrons. Ou seja, os elétrons livres

diminuem, a capacidade elétrica da ionosfera diminui e, consequentemente, a capacidade de

reflexão de ondas de rádio também enfraquece. Os processos que orientam estas

transformações são: processo de recombinação, no qual um elétron e um íon positivo se unem

para formar uma molécula neutra; processo de recombinação dissociativa, onde um elétron e

um íon positivo se unem, e formam duas moléculas a partir da cisão do íon original; e o

processo de ligação, onde um elétron livre se une a uma molécula neutra e forma um íon

negativo. Durante a noite, a camada F permanece eletrificada através de transferências de

elétrons livres pela parte da atmosfera que recebe luz solar do outro lado do globo terrestre e

porque alguns elétrons demoram a ser capturados por íons. É isso que possibilita as

14 Ver: DeVORKIN, David. Science with a vengeance: how the military created the US space sciences after

World War II. New York: Springer – Verlag, 1992. 15 Ver: FRIEDMAN, Herbert. “Rocket Astronomy – an overview.” In: HANLE, Paul A. CHAMBERLAIN, Von

Del. Space comes of Age – Perspectives in the History of the Space Sciences. Washington: National Air and

Space Museum, 1981, p. 39.

Page 68: Conhecimento científico e interesse militar

68

transmissões de rádio durante a noite.16

Ao analisar estes processos de diminuição da

densidade de elétrons livres nas diferentes alturas da ionosfera, os cientistas do NBS tentaram

entender a que velocidade estes processos ocorrem e como os diferentes elementos químicos

estão envolvidos. Estas questões estão relacionadas às temperaturas a que estão sujeitas as

camadas da ionosfera e ao grau de absorção de energia proveniente dos espectros do Sol.

Segundo Briggs, engenheiros do NBS estavam interessados em entender como

ocorrem os processos de recombinação nas camadas mais altas da ionosfera, que são as que

contêm maior número de íons, pois as camadas mais baixas já possuiam uma boa quantidade

de informação, realizando observações durante o eclipse de 1947. Em seu artigo, Briggs não

disse quem eram os engenheiros do NBS que iam realizar o experimento. Contudo, Jacob

Savitt, integrante da Central Radio Propagation Laboratory do NBS, no seu artigo

Recombination and attachment in the F-Region during the eclipse of May 20, 1947,17

aponta

J. M. Watts e F. Kral, ambos do mesmo setor que Savitt no NBS, como os responsáveis pela

coleta de dados em Bocaiuva, em 1947.18

Savitt iniciou seu artigo tratando resultados discordantes de diferentes autores sobre a

diminuição da quantidade de elétrons livres na camada F2 (acima de 250 km de altura) e

explicando que o fato de ter delimitado sua abordagem a uma altura fixa na ionosfera –

diferente dos autores em desacordo – deu aos seus resultados uma margem menor de erro.

Após demonstrar as equações que ia utilizar, Savitt falou do intervalo de tempo de captura de

dados. A proposta de Savitt era experimentar equações que foram formuladas a partir dos

distintos processos de diminuição da presença de elétrons livres, levando em conta as

diferentes alturas dentro da camada F, e comparar os resultados destes modelos teóricos com

os dados coletados.

As conclusões de Savitt são dadas em gráficos, que levam em conta a hora local, a

densidade de elétrons e contém comparações entre resultados das observações feitas por

Watts e Kral e de modelos teóricos nas alturas: 220 km, 260 km, 300 km e 320 km. Savitt

concluiu, entre outras coisas, que a observação mostrou uma diminuição da densidade de

elétrons livres através do processo de recombinação entre as alturas de 320 km à 300 km, e

que a velocidade média que esta diminuição ocorreu foi mais lenta do que a calculada para o

16 ZIRKER, J. B. Total eclipse of the Sun. New Jersey: Princeton Press, 1995, pp. 138 – 140. 17 SAVITT, Jacob. “Recombination and attachment in the F-Region during the eclipse of May 20, 1947.”

Journal of Geophysical Research, Volume 55, nº 4, December, 1950. 18 Barrows Colton, do staff da NGS, também fez menção aos técnicos do NBS que realizaram as observações

ionosféricas, dizendo que eles não ficaram no acampamento principal da expedição da NGS, em Extrema, para

que os sinais de rádio que eles iam emitir não sofressem interferência dos sinais de rádio usados para a

comunicação entre Bocaiuva e Rio de Janeiro e Bocaiuva e Washington DC. Ver: COLTON, F. Barrows.

“Eclipse hunting in Brazil’s ranchland.” In: National Geographic Magazine. 1947, Sept, p. 298.

Page 69: Conhecimento científico e interesse militar

69

momento de totalidade do eclipse. Savitt também chegou ao resultado que, ao final do eclipse,

em alturas acima de 300 km, a ionosfera leva mais tempo do que o esperado para readquirir a

capacidade elétrica que era observada antes do início do eclipse. Já os resultados para as

alturas de 260 km e 220 km mostraram uma aproximação entre as observações e os modelos

teóricos.

De uma forma geral, as observações feitas por Savitt sobre as camadas mais altas da

ionosfera estão em desacordo com os modelos teóricos que ele usou. Foi justamente este

pouco conhecimento sobre as regiões mais altas da ionosfera que motivaram o estudo de

Savitt. Ou seja, mais pesquisas deveriam ser direcionadas àquela região.

2.3 Outras relações entre eclipses do Sol e interesses militares: a busca pela precisão dos

contatos

O planejamento das observações da expedição da NGS-NBS era bastante extenso.

Além dos estudos citados anteriormente, havia outro grupo de investigações que girava em

torno dos quatro contatos do eclipse. Como veremos a diante, a determinação precisa destes

contatos era uma tarefa tecnicamente complicada, mas que possuia uma grande importância

de uso civil e militar. O chamado primeiro contato do eclipse ocorre quando o disco da Lua

começa a cobrir o disco solar. Literalmente, é o início do eclipse, quando o disco da Lua toca

o disco solar e vai gradativamente se sobrepondo a ele. O segundo contato acontece quando o

disco da Lua cobre totalmente o disco do Sol, que é o momento da totalidade do eclipse e

quando a coroa solar fica visível. Este é o momento de maior beleza do eclipse total do Sol,

quando os raios solares não alcançam a área em que a sombra da Lua está tocando a superfície

terrestre, as estrelas na vizinhança solar aparecem e os animais têm a impressão de ter

anoitecido mais rapidamente. Aos pouco, o disco da Lua vai se movendo diante do disco do

Sol e o terceiro contato ocorre. Este se dá quando o disco solar reaparece por trás do disco da

Lua, pondo fim à fase de totalidade do eclipse. Por fim, o quarto contato é o momento final do

eclipse, quando o disco da Lua deixa de cobrir o disco solar.

Briggs falou um pouco das observações que iam ser feitas e estavam focadas na

determinação dos quatro contatos do eclipse de maio de 1947. Astrônomos do Observatório

de Georgetown, Paul A. McNally e seu assistente Francis J. Heyden, iam realizar observações

sobre a teoria do movimento lunar. O método consistia em medir com precisão os momentos

dos quatro contatos do eclipse através de uma grande quantidade de fotografias feitas com um

filme especial, que daria imagens de grande qualidade. Imagens de qualidade eram essenciais

para ajudar na determinação precisa dos contatos. A grande dificuldade desta operação era

Page 70: Conhecimento científico e interesse militar

70

devido às imperfeições da superfície lunar, que faziam com que o segundo contato não fosse

uma situação instantânea, mas, sim, um processo que demorava cerca de seis segundos.

McNally e Heyden também iam passar semanas antes e após o eclipse fotografando a porção

da Via Láctea visível a partir do Hemisfério Sul, para completar uma série de fotografias que

já existia a partir do Hemisfério Norte.

Tanto Paul McNally como Francis Heyden eram jesuítas. Heyden substituiu McNally

na direção do Observatório de Georgetown em 1948 e continuou a tradição de McNally na

observação de eclipses. Este, teve suporte financeiro da NGS nos anos 1930 e 1940. McNally

observou o eclipse de 31 de agosto de 1932, no Estado de Maine (Nordeste dos EUA), e

escreveu um artigo publicado na Revista da NGS sobre o espetáculo natural que o eclipse

total do Sol representava.19

McNally estabeleceu relações com a NGS e conseguiu suporte

financeiro para os interesses do Observatório de Georgetown, tendo que produzir artigos com

apelo popular. Por outro lado, após a saída de McNally da Direção do Observatório de

Georgetown, F. Heyden aceitou convites do Departamento de Defesa dos EUA para organizar

e treinar equipes de observadores da Air Force para realização de experimentos na ocorrência

de eclipses.20

Na verdade, desde o século XIX os militares norte americanos tinham interesse

em determinar os contatos de eclipses totais do Sol. O que deve ter ocorrido, é que a técnica

desenvolvida por McNally e Heyden era bastante eficiente e justificava parcerias como a que

apontou McCarthy.

As observações sobre o movimento lunar também estão relacionadas a outros

problemas em Astronomia. Segundo Zirker, algumas tentativas para conciliar registros

históricos de eclipses ao movimento lunar contemporâneo revelaram que a velocidade da Lua

no seu movimento ao redor da Terra registrava um pequeno aumento por século. Matemáticos

iluministas já haviam percebido este aumento e sugeriram que as causas poderiam ser

perturbações gravitacionais (alterações causadas por outros planetas ou pelo Sol) ou não

gravitacionais (alterações causadas pelo sistema Terra-Lua, como a fricção dos oceanos com

as camadas internas da Terra). Estes estudos podiam fornecer um melhor entendimento sobre

a História da rotação terrestre e o levantamento de dados que ajudassem a construir modelos

teóricos para a prevenção de alterações futuras na velocidade da Lua em torno da Terra. Estas

19 McNALLY, Paul A. “Observing a total eclipse of the Sun: Dimming solar light for a few seconds entails years

of work for science and attracts throngs to ‘nature’ most magnificent spectacle.” In: National Geographic

Magazine. 1932, November, pp. 597 – 607. 20 McCARTHY, M. F. “Obituary: Francis J. Heyden, S. J. 1907 – 1991.” Bulletin of the American Astronomical

Society; Vol. 24, nº 4, pp. 1325 – 1326.

Page 71: Conhecimento científico e interesse militar

71

questões estão relacionadas diretamente ao tempo que a Terra leva para completar uma volta

em torno do seu eixo, o que corresponde ao comprimento do dia terrestre.21

Outro estudo realizado durante o eclipse de maio de 1947 e que foi abordado por

Briggs foi o que ia ser feito por uma expedição que envolvia pesquisadores da Suécia,

Finlândia e Dinamarca e pretendia determinar a configuração geodésica de um trecho da

Terra. Através da identificação precisa dos momentos dos segundo e terceiro contatos do

eclipse em uma base no Brasil e outra na África, nos locais que a faixa de totalidade ia passar,

seria possível medir o intervalo de tempo que ia separar a visibilidade da totalidade do eclipse

e identificar a distância entre os continentes através da velocidade da sombra da Lua na

superfície da Terra. Briggs não deixa muito claro como seriam feitas as identificações

precisas dos contatos pela missão liderada pelo astrônomo finlandês, Diretor do Finnish

Geodetic Institute e chefe do Baltic Geodetic Commission, Ilmari Bonsdorff. Porém, Briggs

critica a margem de erro da captura das imagens dos contatos pelo equipamento que ia ser

utilizado por esta expedição, que era de cerca de 0.04 segundos – o que seria o equivalente à

distância de cerca de 60 metros na medição das distâncias entre os continentes. Segundo

Briggs, o tempo de um dos contatos do eclipse se estende por cerca de 6 segundos, devido às

irregularidades na superfície da Lua. Isso aumentaria bastante a margem de erro da distância

entre dois pontos distantes a ser medida.

Sobre este experimento, o ex-Diretor do NBS falou que, provavelmente, dois métodos

iam ser usados na tentativa de medir os contatos com uma precisão maior. O primeiro a ser

abordado foi o da realização de uma série de fotografias cronometradas dos momentos em que

os contatos estivessem ocorrendo. Se estas fotografias fossem feitas nas bases no Brasil e na

África, o momento de desaparição de um grão de Baily quando ocorresse o avanço da Lua

sobre o disco solar poderia identificar precisamente o momento do contato nas bases nos dois

continentes. O segundo método consistia em utilizar gravações espectrais da luz emitida pelo

Sol que tangencia a borda lunar para identificar os momentos em que montanhas lunares

cortam a série espectrográfica. Através de comparações entre os espectrogramas feitos no

Brasil e na África seria possível identificar momentos idênticos dos contatos e determiná-los

com maior precisão. Estas afirmações mostram que Briggs estava acompanhando as

observações anteriores de eclipses solares. As metodologias citadas por Briggs correspondem

à técnica de Bonsdorff e à técnica de Bertil Lindblad (astrônomo sueco). Estas técnicas foram

empregadas pela primeira vez durante o eclipse total do Sol de 09 de julho de 1945 (visível no

21 ZIRKER, J. B. Total eclipse of the Sun. New Jersey: Princeton Press, 1995, p. 41.

Page 72: Conhecimento científico e interesse militar

72

Hemisfério Norte, em boa parte da Europa), mas apenas a técnica de Bonsdorff alcançou bons

resultados. Como veremos no último capítulo, o interesse de Briggs por este experimento era

muito maior do que se podia imaginar. Mas, diferente do que foi pensado por Briggs, apenas o

método de Bonsdorff foi empregado.

De acordo com Briggs, durante o eclipse de 1947, a expedição de Bonsdorff ia contar

com a cortesia do Naval Observatory e do NBS no auxílio da emissão dos sinais de rádio,

essenciais para a observação que ia ser feita. O primeiro método abordado por Briggs se

aproxima muito de uma solução desenvolvida nos anos 1920 para medir grandes distâncias,

que, na verdade, foi o experimento no qual Bonsdorff se baseou. Thaddeus Banachiewicz

desenvolveu, na década de 1920, uma técnica para medir distâncias transoceânicas usando

eclipses solares. Banachiewicz foi um astrônomo polonês que liderou uma missão científica

para observar o eclipse total do Sol de junho de 1927, visível na Finlândia. O principal

objetivo desta expedição era determinar com precisão os tempos do segundo contato e o do

terceiro contato do eclipse total do Sol, usando uma câmera construída por Banachiewicz.

Esta câmera gravava um filme e associava seus quadros a uma medida de tempo marcada por

um relógio. De acordo com Banachiewicz, se duas câmeras como esta fossem colocadas em

dois locais afastados dentro da sombra da Lua projetada na Terra durante o eclipse total do

Sol, seria possível medir a distância entre estes locais com uma margem de erro de cerca de

50 metros. Como a velocidade da sombra da Lua durante um eclipse total do Sol era

conhecida através da mecânica celeste, os cientistas precisavam apenas da medição precisa do

intervalo de tempo em que ela (a sombra da Lua) leva para passar por dois pontos para que a

distância entre os mesmos seja calculada.22

Logo, a chamada técnica de Bonsdorff é um

aperfeiçoamento instrumental de uma metodologia criada por Banachiewicz e que tem

ligações com uma tradição dos países do em torno do Mar Báltico em medições geodésicas,

como será visto a diante.

Apesar de Briggs ter citado Bonsdorff como líder da expedição que viria ao Brasil

observar o eclipse de maio de 1947, quem a liderou foi Reino A. Hirvonen. Aparentemente,

Bonsdorff não veio ao Brasil nesta oportunidade. Pois, T. J. Kukkamäki publicou um artigo

em fevereiro de 1954, com os resultados da observação feita pela expedição finlandesa em

1947, no qual ele afirmou que ele mesmo supervisionou a missão que foi a Costa do Ouro, na

África, enquanto Hirvonen liderou a missão que veio ao Brasil. Kukkamäki assinalou que o

sucesso das observações que eles fizeram durante o eclipse de julho de 1945 foi importante

22 PIEGZA J. “The use of Solar Eclipse for Investigations on the Figure of the Geoid.” In: The Observatory. 66,

77, June 1945, p. 223.

Page 73: Conhecimento científico e interesse militar

73

para encorajar a construção de um novo equipamento para o eclipse de maio de 1947. Durante

o eclipse de julho de 1945, as câmeras usadas foram emprestadas por companhias

cinematográficas e não eram apropriadas para a realização da observação proposta. De acordo

com Kukkamäki, cinco câmeras foram construídas, pelo engenheiro finlandês Lauri Pulkkila

(que também estava em Bocaiuva), e postas em funcionamento na oportunidade do eclipse de

1947. Destas, duas ficaram com uma missão sueca, uma com uma missão argentina e as

outras duas com a missão finlandesa. Kukkamäki descreveu o novo equipamento, que,

basicamente, tinha um sistema de funcionamento que dava mais uniformidade ao movimento

do filme e uma maior precisão às imagens, aliando-as aos registros de sinais de rádio no

mesmo negativo fílmico. O rolo do filme era movimentado por um motor elétrico que ia

produzir 24 quadros por segundo. O objetivo principal da expedição durante as observações

em maio de 1947 era fotografar o desaparecimento e a aparição do crescente solar por um

período de 30 segundos no segundo e terceiro contatos.23

Mas, como estas observações têm sua base na visualização do fenômeno, o pesadelo

do mal tempo rondou a missão que estava na África. O geodesista finlandês J. Kakkuri

afirmou que Kukkamäki estava muito nervoso durante todo o eclipse devido a nuvens

ameaçadoras que rondavam o céu africano, enquanto que, no Brasil, Hirvonen teve que se

contentar com um sinal de rádio de baixa qualidade emitido pela estação LOL de Buenos

Aires, que ficava sob os auspícios do Observatório Nacional de Buenos Aires. Tendo em vista

que a missão de Hirvonen optou ficar cerca de 36 km do centro de Bocaiuva, em um local

diferente do acampamento da missão da NGS-NBS, justamente para não sofrer interferência

dos sinais de rádio da expedição norte americana, sua escolha não surtiu muito efeito.

A relação entre os finlandeses e argentinos foi ainda maior. Havia a presença do

astrônomo Jorge Sahade24

na base dos finlandeses e uma das câmeras construídas por Pulkkila

foi emprestada a uma expedição do Observatório Nacional de Córdoba, que fincou base na

Cidade de Corrientes na Argentina. Segundo o estudante de engenharia Álvaro Lúcio, havia

também a intenção de realizar o mesmo experimento de Bonsdorff para medir a distância

entre Corrientes e cidades brasileiras. De todo modo, o sinal de rádio que foi usado nas

observações finlandesas – que seriam emitidos em caráter de cortesia pelo Naval Observatory

em conjunto com o NBS, segundo Briggs escrevera – foi emitido por uma estação argentina.

23

Álvaro Lúcio, 4º anista da Escola de Minas, acompanhou as observações finlandesas e escreveu um artigo com

alguns detalhes sobre o equipamento e a experiência realizada. Ver: LÚCIO, Álvaro. “O eclipse do Sol em

Bocayuva.” In: Revista da Escola de Minas. Ano XII, nº 3, julho de 1947, pp. 31 - 35. 24 Ver Figura 13.

Page 74: Conhecimento científico e interesse militar

74

Apesar de esta missão ter tido mais alguns problemas, com o posicionamento do filme

em uma das câmeras no Brasil, os resultados alcançaram uma precisão de ±94 metros e foram

considerados satisfatórios. Ciente que o maior problema desta técnica era a imperfeição da

superfície lunar – Kukkamäki e Hirvonen usaram um mapa lunar de Friedrich Hayan, que não

era muito preciso –, os líderes da expedição finlandesa estavam esperando um novo mapa da

superfície lunar, com um rigor maior, que ia ser concluído por um pesquisador do US Naval

Observatory. Com este novo mapa, Kukkamäki e Hirvonen esperavam aumentar a precisão de

seus resultados para cerca de 30 – 40 metros.25

No eclipse anular de 1948, este experimento foi repetido pela expedição da NGS-NBS.

Contudo, esta missão, liderada novamente por Briggs, teve interesses que não foram trazidos

a público. As circunstâncias que envolveram este experimento em 1948 serão trabalhadas no

último capítulo deste trabalho.

2.4 A ação da natureza sobre os instrumentos: George Van Biesbroeck e o teste da

Relatividade Geral

No programa de observações científicas do eclipse de 1947 havia o teste da deflexão

da luz estelar,26

que visava corroborar um ponto da Teoria da Relatividade Geral (TRG), e ia

ser realizada pelo astrônomo belga George Van Biesbroeck, do Observatório de Yerkes.

Como o leitor deve saber, esta não foi a primeira vez que um eclipse total do Sol foi usado

para testar a TRG. Na verdade, muitos testes ocorreram em eclipses anteriores ao de 1947.

Nossa compreensão do mundo tangível mostra que a menor distância entre dois pontos é uma

reta. Não temos dúvidas quanto a isto. Aprendemos na escola as regras básicas da geometria

euclidiana que governam as ações cotidianas. Porém, esta afirmação não tem valor para

distâncias astronômicas. No século XIX, matemáticos perceberam que a geometria euclidiana

não era a única capaz de dar conta da realidade. O exemplo do desenho de um triângulo na

superfície de uma esfera com o resultado da soma dos seus ângulos internos maior do que

180° viola os postulados da geometria euclidiana e é um bom exemplo da existência de outras

geometrias.27

25 Sobre as observações finlandesas ver: KUKKAMÄKI, T. J. “Results obtained by the Finnish solar eclipse expedition, 1947.” In: Transactions, American Geophysical Union. Volume 35, Number 1, Feb. 1954, pp. 99 -

102.; Ver também: KAKKURI, Juhani. Geodetic research in Finland in the 20th Century. Disponível em

http://www.uni-stuttgart.de/gi/institute/ehrendoktor/kakkuri/festschrift.pdf Web site consultado em 10 de

novembro de 2011, p. 35. 26 A trajetória da luz emitida por uma estrela obedece à curvatura do Universo, causada pela ação da gravidade

nas redondezas dos corpos sólidos. 27 COLES, Peter. Einstein and the total eclipse. New York: Totem Books, 1999, pp. 32 – 33.

Page 75: Conhecimento científico e interesse militar

75

Levando-se em conta que a Relatividade Restrita mostrou uma relação entre energia e

massa, ao tomar um feixe de luz composto por photons, Einstein admitiu que a energia

contida nestes corpúsculos podia ser entendida como massa. Assim, quando este feixe de luz

passasse próximo a um corpo sólido, esperava-se que sua energia-massa seguisse o trajeto do

espaço deformado (campo gravitacional) no arredor do corpo sólido. De uma maneira geral,

as proposições de Einstein levavam a crer que a trajetória de um corpo no espaço ao invés de

ser retilínea era curva, ou geodésica. Em 1911, Einstein pensou em uma maneira de visualizar

a trajetória dos feixes de luz no espaço curvilíneo. As luzes emitidas por estrelas posicionadas

atrás do Sol, para um observador na Terra durante a ocorrência de um eclipse do Sol,

deveriam sofrer uma deflexão ao passar pelo enorme campo gravitacional solar. Sendo a TRG

verdadeira, um observador na Terra quando vê um feixe de luz de uma estrela passando perto

do Sol, veria, na verdade, a luz emitida por uma estrela que está encoberta pelo Sol, mas como

a trajetória de sua luz segue uma curva, gerada pela massa do Sol, o que ele vê é a posição

aparente da estrela. Ou seja, as estrelas que vemos ao lado do Sol, na realidade, estão atrás

dele.

Voltando a ideia de Einstein, o problema que se apresentava era que o Sol emite uma

grande quantidade de luz, o que impedia a observação das luzes das estrelas que passam mais

próximas a ele. Contudo, durante a ocorrência de eclipses totais do Sol, a luz solar é obstruída

pela Lua e as estrelas nos arredores do Sol ficam visíveis. Einstein sugeriu que astrônomos

fotografassem a posição aparente das estrelas ao redor do Sol durante um eclipse total solar.

Alguns meses após o eclipse, os astrônomos deveriam utilizar o mesmo instrumento, que

deveria ser deixado exatamente no mesmo local das primeiras fotografias, para registrar o

mesmo campo estelar, mas sem o Sol entre a Terra e as estrelas. Tudo correndo como previsto

teoricamente, as fotografias feitas sem a presença do campo gravitacional do Sol revelariam

as posições “reais” das estrelas. As chapas fotográficas de ambos os momentos deviam ser

comparadas para observar se existia alguma diferença de posição entre os feixes de luz

registrados. Caso houvesse, esta seria uma prova de que a força gravitacional gerada por um

corpo sólido altera a estrutura do espaço, e o caminho percorrido pelas luzes emitidas pelas

estrelas na circunvizinhança do Sol percorrem esta estrutura curva.28

Os primeiros dados que corroboraram a previsão de Einstein foram conseguidos

durante o eclipse total do Sol de maio de 1919, o que gerou muitas controvérsias, pois a

qualidade focal dos registros das estrelas, feitos em Sobral, Ceará, variavam muito. Algo que

28 ZIRKER, J. B. Total eclipse of the Sun. New Jersey: Princeton Press, 1995, pp. 168 - 169.

Page 76: Conhecimento científico e interesse militar

76

ainda agravou esta situação foi o fato das fotografias tiradas na Ilha de Príncipe também não

terem sido de boa qualidade.29

Ainda houve outro problema de cunho metodológico, onde os

astrônomos envolvidos descartaram deliberadamente os registros que mostravam uma

deflexão da luz estelar bem distante do que Einstein havia previsto.30

Zirker tratou os testes da

TRG em uma perspectiva histórica, na qual ele se deteve aos pormenores da expedição de

1919, passou superficialmente pelos testes realizados nos eclipses seguintes e detalhou o

experimento da expedição para a observação do eclipse de 1973, que coletou os dados mais

próximos do que Einstein Previu.31

O motivo da realização de tantos testes da TRG é porque

existem muitas variáveis que interferem na sua realização, como as condições de temperatura,

a pressão atmosférica e a presença de névoa durante a observação que podem acarretar

distorções nas imagens capturadas. Isso sem levar em conta a aferição do instrumento e a

metodologia adotada para a coleta e análise dos dados.

Sobre o experimento de Biesbroeck, quais foram as dificuldades por ele enfrentadas?

Biesbroeck lançou mão de quais estratégias para contornar estes problemas? Qual a ligação do

experimento de Biesbroeck com os testes que foram feitos depois do seu? A Teoria Geral da

Relatividade é aceita por astrônomos desde os primeiros testes realizados em fins dos anos

1910 e na década de 1920. Discutia-se apenas o ângulo da deflexão.32

Os resultados obtidos

até 1947 ofereciam um arco de curvatura distinto, às vezes para mais, outras para menos, do

que Einstein previu (1.75 arcos de segundo) no início do século XX. A convite de Briggs,

Biesbroeck aceitou a realização do teste da TRG e construiu um telescópio com uma distância

focal de 20 pés (cerca de 6 metros) para a realização de suas observações. Algumas medidas

foram adotadas para tentar captar a luz de estrelas que passavam mais próximas ao centro do

Sol, através da coroa solar (que é composta por gases), onde a curva sofrida pela luz estelar é

maior. Porém, a coroa solar emite uma quantidade considerável de luz verde, o que poderia

influenciar na nitidez das fotografias da luz estelar e atrapalhar as comparações das chapas

fotográficas que seriam feitas alguns meses depois.

Em seu artigo de março de 1947, Briggs diz que, para tentar contornar esta

dificuldade, Biesbroeck ia utilizar um filtro que absorvia as ondas espectrais menores (do

violeta ao laranja, de 400 nm a 640 nm) e deixaria as ondas maiores livres, captando o

29 ZIRKER, J. B. Total eclipse of the Sun. New Jersey: Princeton Press, 1995, pp. 171 - 172. 30 VIDEIRA, A. A. P. “Einstein e o eclipse de 1919.” In: Física na Escola. Vol. 6, Numero 1, 2005, p. 86. 31 Para maiores detalhes desta expedição ver, também: DeWITT, Bryce S.; MATZNER, Richard A.;

MIKESELL, A. H. “A Relativity Eclipse Experiment Refurbished.” Sky and Telescope, 1974, May, pp. 301 –

306. 32 SCHMEIDLER, F. “The Einstein Shift – An unsettled problem.” Sky and Telescope, 1964, April, pp. 217 –

219.

Page 77: Conhecimento científico e interesse militar

77

espectro vermelho (650 nm a 700 nm) da luz estelar.33

É importante ressaltar que a captação

do espectro vermelho em detrimento aos outros só foi possível devido à criação de uma nova

emulsão fotográfica. Biesbroeck ainda tinha que ajustar a objetiva do seu telescópio para a

captação mais nítida do espectro vermelho, já que o padrão focal de nitidez dos telescópios

tendia para a captação da luz azul. Este último ajuste foi feito pelo Observatório de Yerkes.

Este ponto deixa claro que a construção do conhecimento científico sobre a natureza depende

dos instrumentos utilizados e da tecnologia existente para realizar determinado experimento.

Durante o tempo entre uma observação e outra, o telescópio deve ficar na mesma

posição para que não haja variação de escala na segunda observação, já que a deflexão da luz

estelar é muito pequena e qualquer movimento no telescópio pode causar grandes alterações

nos resultados. Mesmo sabendo que seu instrumento ia ficar sob vigilância militar em

Bocaiuva, Biesbroeck pensou em um dispositivo para que a exata posição do campo estelar

além do Sol pudesse ser recuperada, caso houvesse qualquer tipo de eventualidade. Este

dispositivo era a captação de um segundo campo estelar a 90º do eixo do telescópio para

marcar a posição do instrumento.

Como o artigo de Briggs era uma projeção de algumas das intenções de observações

do eclipse total do Sol de 1947, era bem provável que ocorressem imprevistos. O artigo de

Biesbroeck revela os detalhes do seu teste.34

Logo no início, Biesbroeck afirma que só aceitou

realizar esta observação por que lhe ocorreu a ideia de posicionar na frente da objetiva do

telescópio um espelho semirrefletor a 45º do eixo ótico, que captaria um campo estelar

auxiliar a 90º do Sol. Segundo o próprio Biesbroeck, a ideia de capturar um campo estelar

para assegurar a escala já havia sido desenvolvida, sem o seu conhecimento quando da

montagem de seu telescópio e com outras características, para a observação do eclipse total do

Sol de 1936, pelo astrônomo russo A. Mikhailov.

O texto de Biesbroeck segue uma linha temporal na qual as dificuldades começaram a

surgir na fase de testes. Apesar de, no momento do teste, as imagens reveladas terem sido de

ótima qualidade, tanto do campo estelar do eclipse como do campo estelar auxiliar, houve

problemas com o filtro e com o espelho semirrefletor usado para captar a luz emitida pelo

campo auxiliar. A folha gelatinosa de 20 mm, que foi esticada, posta em uma moldura de

metal e pendurada na frente da chapa enrugou. Biesbroeck teria que trocar a folha de filtro por

outra antes do eclipse. Contudo, ele não teria como trocar novamente o filtro para realizar a

33 Ver Figura 18. 34 BIESBROECK, George van. “The Einstein shift at the eclipse of May 20, 1947, in Brazil.” Astronomical

Journal, 1950, vol. 55, January, pp. 49 – 52.

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78

segunda observação meses depois. Assim, Biesbroeck resolveu trabalhar sem filtro algum,

comprometendo um pouco a qualidade das imagens devido à captação de névoa e da luz verde

da coroa solar.

O problema ocorrido com o espelho semitransparente foi mais grave. Biesbroeck

estava ciente da necessidade de proteger os espelhos da radiação solar. Quando o

equipamento não estava sendo usado, as lentes e o espelho eram cobertos com um tipo de

capuz cilíndrico feito de alumínio e com um anteparo de madeira. Somente após 20 segundos

do segundo contato do eclipse é que as proteções foram retiradas. Após o término do eclipse,

Biesbroeck teve uma surpresa: [...] when the eclipse-plate was examined I was shocked to find

the auxiliary field stars astigmatically distorted while the stars in the eclipse field remained

perfectly round”35

A ideia que motivou Biesbroeck a aceitar o convite de Briggs para realizar o teste da

deflexão da luz estelar encontrou problemas para sua concretização. A conclusão de

Biesbroeck para a ocorrência deste imprevisto foi que o calor ocasionado pelas proteções

utilizadas danificou seu espelho semirrefletor. Se, por um lado, as proteções cobriam o

instrumento da luz direta do Sol, por outro, houve uma geração de calor que foi agravado pela

não ventilação do artifício. Com este problema, Biesbroeck não tinha mais o campo auxiliar

para estabelecer com maior precisão o posicionamento das estrelas e teve que realizar suas

medidas apenas com a comparação das chapas de maio e agosto, com a desvantagem de ter

poucas estrelas nas proximidades do Sol.

Como se pode perceber, as observações de eclipses solares pelas expedições da NGS-

NBS buscavam dados que possibilitassem sua aplicação em diferentes campos. Havia uma

tendência à realização de estudos relacionados à área de comunicações de longa distância,

através de pesquisas voltadas aos diferentes processos que ocorrem durante a ionização da

atmosfera terrestre. No pós-Segunda Guerra, ocorreu um interesse crescente por parte de

militares e civis pela pesquisa geodésica a partir de observações de eclipses. O interesse em

realizar o teste da TRG não passou por tal crescimento, mas ele continuou sendo realizado nos

eclipses seguintes. Apesar de o experimento de Biesbroeck não ter saído como planejado e

suas medidas apontarem para uma deflexão de 2.17 arcos de segundos, sua experiência foi

35

[...] quando a chapa do eclipse foi examinada eu fiquei chocado ao encontrar o campo estelar auxiliar

astigmaticamente distorcido enquanto as estrelas no campo do eclipse permaneceram perfeitamente claras. In:

BIESBROECK, George van. “The Einstein shift at the eclipse of May 20, 1947, in Brazil.” Astronomical

Journal, 1950, vol. 55, January, p. 50, tradução nossa.

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79

importante para as observações seguintes, na medida em que forneceu uma maior

preocupação com a ação da natureza sobre os instrumentos.36

36 Uma expedição em conjunto da Universidade do Texas e Princeton construiu uma casa com a temperatura

controlada para que não houvesse variações de temperatura que interferissem no funcionamento do equipamento

para a observação do eclipse total do Sol de 1973. Esta expedição conseguiu os dados que mais se aproximam do

que foi previsto por Einstein. Ver: DeWITT, Bryce S.; MATZNER, Richard A.; MIKESELL, A. H. “A

Relativity Eclipse Experiment Refurbished.” Sky and Telescope, 1974, May, pp. 301 – 306.

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80

3 Usos da Ciência: eclipses do Sol em nome da Guerra

Neste capítulo, analiso as relações entre observações de eclipses solares e as

circunstâncias históricas da Segunda Guerra Mundial. Boa parte dos estudos e os interesses

dos cientistas envolvidos estavam em acordo com as condições de guerra que existiam nos

anos 1930 e 1940. Neste período, os eclipses totais do Sol de 1940 e 1947, visíveis no Brasil,

estavam no processo histórico de observações organizadas pela NGS e pelo NBS iniciado em

meados dos anos 1930 e são um caso a parte no capítulo. Por mais que as circunstâncias não

fossem determinantes, cientistas do NBS e de outras instituições, que ocupavam cargos de

destaque, envolveram-se nos esforços de guerra ao mesmo tempo em que se preocupavam em

observar eclipses do Sol. Nesta perspectiva, as observações de eclipses solares foram

direcionadas para resolver problemas que pudessem contribuir para o desenvolvimento de

armamentos que eram conduzidos em laboratórios científicos dos EUA. Por outro lado,

algumas expedições podem ter criado condições privilegiadas para que militares alcançassem

seus interesses estratégicos nos anos que se seguiram à Guerra, usando como pretexto a

observação de eclipses do Sol.

***

3.1 A Segunda Guerra Mundial e eclipses do Sol alcançam o Brasil nos anos 1940

Ao longo da Segunda Guerra Mundial, ocorreu uma aproximação entre os EUA e o

Brasil com claros interesses de estratégia militar. As forças do Eixo tinham tomado parte do

Norte da África em 1942 e a inglesa Royal Air Force estava resistindo para não perder

completamente aquele território. O Norte da África era importante no quadro estratégico

militar naquele momento da Segunda Guerra Mundial por dar acesso aos recursos minerais

daquela região e porque ele poderia servir como rota para que as forças aéreas do Eixo

alcançassem o continente americano através do Nordeste brasileiro. Há um estudo realizado

pelo War College, com data de 1939, que mostra que os EUA tinham conhecimento de que o

Brasil não era militarmente forte o suficiente para proteger aquela região, que era a rota mais

curta para ligar a África ao continente sul americano.1 Em um voo de apenas oito horas, os

aviões do Eixo poderiam cruzar o Oceano Atlântico e chegar ao território brasileiro. Por outro

lado, os aviões dos EUA poderiam fazer o mesmo na direção contrária. Apoiado nesta visão

1 McCANN, Frank Jr. Aliança Brasil Estados Unidos: 1937 – 1945. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército,

1995, p. 43.

Page 81: Conhecimento científico e interesse militar

81

estratégica, em 1943, o Governo dos EUA negociou com o Governo do Brasil a construção da

Base militar de Parnamirim, no Estado do Rio Grande do Norte, oferecendo em troca

equipamentos e treinamento militares.2 Esta base ia fornecer apoio logístico às tropas Aliadas

no Norte da África e, na perspectiva que vem sendo construída neste trabalho, ia criar a

necessidade de os institutos de pesquisa dos EUA entenderem as condições ionosféricas de

rádio reflexão naquela parte do território brasileiro, já que as mesmas variam de acordo com a

latitude, longitude, época do ano e ciclo de manchas do Sol. O NBS era a instituição de

pesquisa dos EUA responsável pelas investigações de transmissão de rádio e utilizava,

também, eclipses do Sol para estudar a ionosfera terrestre desde o fenômeno de 1932.

Antes do eclipse de 01 de outubro de 1940, que ia ser visível nas regiões Norte e

Nordeste do Brasil, Lyman Briggs se encarregou dos detalhes de uma expedição da NGS-

NBS para realizar testes de reflexão de ondas de rádio pela ionosfera terrestre durante a

ocorrência do eclipse anular do Sol de 07 de abril de 1940. Este eclipse ia ser visível em uma

estreita faixa que ia passar pelo Sul dos EUA, abrangendo a área do Eighth Corps Area no

Fort Clark, condado de Kinney, Estado do Texas. As solicitações de Briggs ao comandante da

base não foram muitas, variando de geradores de energia elétrica a uma barraca para

acomodar os equipamentos. Diante da boa vontade do comando de Fort Clark em cooperar

com as ações do NBS, todas as solicitações de Briggs foram atendidas. As trocas de ofícios

revelam que Briggs forneceu detalhes do equipamento e a frequência que ia ser usada durante

as observações. A expedição foi composta por dois membros do staff do NBS – Theodore R.

Gillialand e Archer S. Taylor –, e o National Observatory ainda enviou um suplemento do

American Ephemeris contendo os valores específicos das medidas ionosféricas daquela região

para auxiliar nos cálculos dos resultados.

Neste meio tempo, órgãos do Governo dos EUA entraram em contato com os do

governo brasileiro sobre a autorização de experimentos que envolviam transmissões de rádio

durante o eclipse total do Sol de 01 de outubro de 1940. Em novembro de 1939, J. M.

Johnson, Assistente do Secretário de Comércio, enviou documento ao Secretário de Estado

dos EUA para que este requisitasse autorização do Governo brasileiro objetivando a

realização destes experimentos na ocorrência do eclipse. Segundo as informações passadas

por Johnson ao Secretário de Estado norte americano, era necessária uma permissão especial

para o uso de ondas de rádio em solo brasileiro, mesmo no caso destas não causarem

interferência em outras transmissões radiofônicas, como já fora assegurado em outras

2 Relatório Geral do Chefe da Delegação Brasileira à Joint Brazil-United States Defense Commission (JBUSDC).

General Estevão Leitão Carvalho, 1945. Arquivo Histórico do Exército/ Rio de Janeiro-RJ/ Brasil.

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oportunidades em que o mesmo aparelho fora usado nos EUA. As autoridades brasileiras não

viram problema na requisição e o Ministério da Viação e Obras Públicas encaminhou

documento à Embaixada dos EUA no Rio de Janeiro, afirmando não se opor ao uso de uma

estação de rádio pelos norte americanos, desde que ela só fosse utilizada nas observações do

eclipse solar. A mesma posição foi tomada pelo Conselho de Fiscalização de Expedições

Científicas e Artísticas do Brasil.3

Se estas situações realmente possuem conexões, é possível entender que o interesse

científico da missão da NGS-NBS no eclipse de outubro de 1940 supria, também, uma

necessidade de uso militar, mesmo no caso desta necessidade não ter sido a motivadora do

planejamento deste experimento específico. Como foi visto anteriormente, uma das frentes de

pesquisa principais do NBS era a investigação da capacidade de reflexão ionosférica, que

tinha uma grande importância para as ações de guerra. Diante da deficiente força militar

brasileira na região Nordeste do seu território, a presença de tropas dos EUA já tinha espaço

para ser considerada em 1940. Se as forças militares dos EUA abrissem uma frente de

combate no Nordeste brasileiro, ia ser necessária uma melhor compreensão das condições de

reflexão ionosférica de ondas de rádio, essenciais para o sucesso nas comunicações em

operações de guerra. Se no momento da organização da expedição para observar o eclipse de

1940 isto não foi pensado (como acredito que não foi), os resultados que o teste de reflexão de

ondas de rádio em várias frequências entre o Nordeste brasileiro e as estações de rádio do

NBS nos EUA devem ter sido úteis em algum momento durante o estabelecimento das

comunicações entre estes dois locais ao longo do processo em que os militares dos EUA se

instalaram em Natal.

A Segunda Guerra Mundial aproximou a prática científica a questões políticas e

militares. Expedições para observações de eclipses solares podem ser tomadas como entrada

para perceber esta relação. Durante as observações do eclipse do Sol de 1947, a presença de

uma enorme quantidade de militares de alta patente dos EUA no campo de observação

diferenciou-se de ocasiões anteriores.4 Sobre os experimentos realizados nesta ocasião, em

linhas gerais, a expedição da NGS-NBS fez a mensuração da curvatura da luz estelar nas

proximidades do Sol, estudos de emissão de energia pelo Sol e estudos ionosféricos. A

maioria destes experimentos foi um sucesso, incluindo o experimento geodésico para medir a

3 Diversos documentos em: RG 167 – NC – 76 Entry 52 – Box 63, Folder: IPO – 878 – C. NARA/ College Park

– MD/ US. 4 O general Gordon P. Saville, Chefe da Joint Brazil United States Defense Commission estava no campo de

observação em Bocaiuva, MG, durante a ocorrência do eclipse total do Sol de 20 de maio de 1947. Ver: Jornal

do Brasil, 18 de maio de 1947, p. 6.

Page 83: Conhecimento científico e interesse militar

83

distância entre o Brasil e a África, que foi conduzido por uma expedição conjunta entre a

Finlândia e a Suécia, liderada pelo astrônomo finlandês Reino Hirvonen, como foi visto no

segundo capítulo deste trabalho.

Apesar de o motivo não estar tão claro, a realização do experimento da missão de

Hirvonen foi crucial para as ações que envolveram as decisões seguintes da NGS, do NBS e

das Forças Armadas dos EUA relacionadas a observações de eclipses solares. Alguns

documentos mostram que em abril de 1947, antes da ocorrência do eclipse de maio do mesmo

ano, militares da United States Army Air Force estabeleceram um projeto secreto para sondar

o estudo que ia ser feito pela expedição conjunta da Finlândia e da Suécia.5 Ora, o campo de

observação da NGS-NBS em Bocaiuva (MG) para o eclipse de 1947 parecia mais um

acampamento militar. A base científica contava com uma pista de pouso, tinha a presença de

militares de alta patente das forças armadas dos EUA, telescópios apontados para o céu, que

remetiam a peças de artilharia antiaérea, projetos secretos de sondagem de experimentos e

cientistas que tinham no currículo o desenvolvimento de armas de destruição em massa. É

evidente que a expedição da NGS-NBS para a observação do eclipse total do Sol de 1947 foi

bem diferente não só das suas anteriores, mas, também, das expedições organizadas por

observatórios e outras instituições de pesquisa na mesma ocasião. Afinal, como explicar estas

singularidades da expedição da NGS-NBS e suas relações com a ocorrência de eclipses do

Sol?

3.1.1 A expedição da National Geographic Society em foco: quem vem? Fazer o que?

Em 1947, existia um órgão específico do Governo Federal do Brasil que era

responsável, via Ministério das Relações Exteriores, pelas negociações com as embaixadas

dos países que tinham instituições interessadas em realizar pesquisas em solo brasileiro.

Através do Decreto nº 23.311, de outubro de 1933, foi criado o Conselho de Fiscalização das

Expedições Artísticas e Científicas do Brasil,6 que tinha a missão, como o próprio nome

sugere, de autorizar a entrada e fiscalizar as ações das expedições científicas e artísticas em

território brasileiro. Sua criação estava ligada à suspeição de que expedições científicas

estrangeiras representavam uma ameaça ao patrimônio natural do Brasil, coletando e levando

para seus países amostras de minerais e de espécies de nossa fauna e flora.

5 Memorandum from Colonel William M. Garland to the Chief of Engineers. April 01, 1947. In: RG 342 – Entry

P26 – Correspondence files – Box 3696, Folder: 361 – Geodetical Mission – (National Defense) – Solar Eclipse

Expedition. NARA/ College Park – MD/ US. 6 Daqui a diante usarei a sigla CFEACB, ou simplesmente “Conselho”, para fazer menção a este órgão.

Page 84: Conhecimento científico e interesse militar

84

A ação fiscalizadora do Conselho contribuiu para o aumento de coleções de museus

nacionais através do confisco de amostras coletadas de forma ilegal e de doações de

duplicatas de espécies desconhecidas, colhidas pelas expedições estrangeiras. O CFEACB

tinha a intenção de utilizar os relatórios das pesquisas elaborados pelas missões visitantes para

aumentar nosso conhecimento científico sobre nossas riquezas naturais brasileiras. Os

membros do Conselho eram “[...] especialistas em botanica systematica; geologia,

mineralogia e paleontologia; zoologia systematica; anthropologia e ethnographia; objectos

historicos; arte antiga e tradicional; topographia e cinematografia.”7 As diferentes

especialidades dos membros do Conselho davam, teoricamente, credibilidade aos seus

pareceres e ações fiscalizadoras, facilitando seus contatos com as expedições científicas e

artísticas que vinham ao Brasil. O CFEACB existiu até janeiro de 1968, e era vinculado à

Diretoria Geral de Pesquisas Científicas do Ministério da Agricultura, quando o Decreto nº

62.203 o extinguiu. Obrigatoriamente, as expedições da NGS-NBS que vieram ao Brasil

observar os eclipses do Sol de 1940 e 1947 tinham que conseguir a autorização do Conselho.

Para a organização de uma expedição astronômica para observação de um eclipse

solar, os preparativos têm que ser feitos com bastante antecedência. A escolha do local em

que era montada a base de observação passava por um meticuloso processo de análise de

fatores ligados às cidades bem como às circunstâncias históricas do período. A questão não se

resumia apenas a calcular os limites da faixa do eclipse total do Sol, mas incluía pensar em

como chegar a um local que oferecesse boas condições meteorológicas na época do ano em

que o fenômeno ia ocorrer, levando equipamentos sensíveis e pesados para serem montados

no local. Além disso, era necessário considerar o pessoal envolvido nas ações de transporte e

trabalhos de montagem do equipamento e do acampamento, que tem que comer, dormir e, por

que não, se divertir. Estas questões estão relacionadas à dimensão que a National Geographic

– Bureau eclipse expedition teve em 1947. A grande quantidade de experimentos que esta

expedição ia realizar precisava do suporte de uma mão de obra de tamanho considerável.

Em 1946, os primeiros contatos entre a Embaixada dos EUA e o CFEACB tiveram

início. O primeiro documento sobre observações científicas do eclipse de 1947 recebido pelo

Conselho acusa a chegada em 14 de junho de 1946. Este documento é um ofício8 enviado em

7 Decreto nº 1.016, Artigo 2º, § 1º, de 06 de agosto de 1936. O Decreto nº 6.735, de 21 de janeiro de 1941, que

era o que vigorava em 1947, fez algumas alterações no Decreto nº 1.016, entre as quais está a concessão do

direito de voto, nas questões que se apresentavam, aos representantes do Ministério da Fazenda e do Ministério

das Relações Exteriores, que já faziam parte do Conselho, mas sem este direito. 8 CFE.T.2.223, docs. 698 (enviado em 02 de maio de 1946 – recebido em 14 junho de 1946). Acervo do

CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil.; e: 699 (enviado em 02 de maio de 1946 – recebido em 14 junho

de 1946). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil.

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85

02 de maio de 1946 pela Embaixada dos EUA ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil

e contém, em anexo, um memorando,9 elaborado, aparentemente, pelo Comitê Científico da

NGS que tem maiores detalhes sobre as necessidades para a organização da expedição. A

principal questão tratada neste ofício é a solicitação da permissão de entrada no Brasil da

missão organizada pela NGS, fazendo com que os outros temas abordados gravitassem no seu

entorno.

Um dos pontos tratados no ofício é o fato de que o CFEACB autorizou e facilitou as

ações de uma expedição científica norte americana, também patrocinada pela NGS, para as

observações do eclipse total do Sol ocorrido em 1940, visível na Cidade de Patos, no Estado

da Paraíba. Esta menção tinha como objetivo reforçar o pedido de licença para a observação

do eclipse de 1947, lembrando ao Conselho que, em uma oportunidade anterior, uma missão

científica da mesma natureza e financiada pela mesma instituição fora licenciada pelo órgão.

A partir deste documento fica claro que há uma mínima continuidade nos trabalhos de

organização das National Geographic – Bureau eclipse expeditions.

Já no memorando, com data de envio à Embaixada dos EUA em 16 de abril de 1946,

anexado ao ofício, há um pedido de informações sobre as condições logísticas das cidades que

poderiam receber a expedição da NGS. Enquanto o ofício citado indica que as proximidades

da Cidade de Grão Mogol (MG) era a região que os cientistas norte americanos acreditavam

ser o melhor ponto de observação, o memorando cogitava pontos de observação mais

específicos nas Cidades de Montes Claros e Bocaiuva, limítrofes uma da outra e situadas na

região Norte de Minas Gerais. A ideia era que os cientistas e o material entrassem pelo Rio de

Janeiro e depois seguissem para o local das observações. Neste ponto, os organizadores

acentuam a importância do transporte do equipamento científico do Rio de janeiro para o

Norte de Minas Gerais, solicitando informações completas dos serviços existentes. Se

atentarmos para o mapa que contém a faixa de totalidade deste eclipse,10

é fácil perceber que

havia cidades que o acesso era mais fácil e que mesmo se os planejadores quisessem uma

cidade um pouco afastada da costa, havia um sem número de opções. Assim, fica uma

pergunta: por que, logo no primeiro contato com o Conselho, os planejadores da expedição já

pedem informações sobre as três cidades citadas que ficam no Norte de Minas Gerais? A

diante voltarei a esta questão.

9 CFE.T.2.223, doc. 702 (enviado em 16 de abril de 1946 – recebido em 14 de junho de 1946). Acervo do

CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 10 Mapas dos eclipses solares que aparecem ao longo da dissertação (em ordem cronológica).

Page 86: Conhecimento científico e interesse militar

86

Enquanto nos EUA os organizadores acertavam os detalhes das observações que iam

realizar durante o eclipse solar de maio de 1947, no Brasil os trabalhos de autorização da

entrada da missão liderada por L. Briggs estavam sendo encaminhados. O parecer elaborado

pelo relator do processo do pedido de licença da missão da NGS, Azoildo Magalhães de

Oliveira (representante do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM – no

CFEACB), sugeriu que o Conselho pedisse informações às autoridades locais das cidades

citadas, ao Interventor do Estado de Minas Gerais e ao Diretor do Observatório Nacional, com

o intuito de satisfazer às solicitações da Embaixada dos EUA.11

Este parecer foi apresentado

nas reuniões do Conselho dos dias 13 e 16 de agosto de 1946,12

sendo somente após esta

última data que as diligências sugeridas foram realizadas, segundo o conteúdo da ata da 545ª

reunião do CFEACB.

O Conselho elaborou um questionário13

com os pontos a serem esclarecidos pelas

prefeituras das cidades consideradas para receber a expedição da NGS. Este questionário

contém pedidos de informações sobre as condições de hotéis e acomodações para os

integrantes da missão, sobre a existência de hospitais e de médicos, sobre a disponibilidade de

material de construção e a respeito das condições dos meios de transporte que ligavam as

cidades ao Rio de janeiro, especificando que os instrumentos tinham um grande peso e

medidas consideráveis.

As administrações municipais de Grão Mogol, Montes Claros e de Bocaiuva enviaram

os questionários respondidos ao CFEACB em setembro de 1946.14

Até este momento, o

Conselho ia realizando com sucesso o seu trabalho. Mas, o ideal era que os planejadores da

expedição da NGS-NBS tivessem o auxílio de alguma instituição científica brasileira e que

este auxílio já tivesse sido oferecido, ou ao menos que o trabalho de levantamento das

informações básicas tivesse começado com antecedência. Pois, o ON já tinha uma tradição em

11 CFE.T.2.234, docs. 908 (sem data). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil.; e: 909 (sem

data). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 12 Ata da 544ª reunião do CFEACB, de 13 de agosto de 1946. CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB,

MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, p. 62.; Ata da 545ª reunião do CFEACB, de 16 de agosto de 1946.

CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, p. 62. 13 CFE.T.2.223, doc. 709 (sem data). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 14 CFE.T.2.223, docs. 715 (enviado em 02 de setembro de 1946). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro –

RJ / Brasil.; 718 (enviado em 02 de setembro de 1946). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil.; 720 (enviado em 10 de setembro de 1946 – recebido em 24 de setembro de 1946). Acervo do CFEACB,

MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil.; e: 721 (enviado em 10 de setembro de 1946 – recebido em 24 de setembro

de 1946). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil.; Ata da 551ª reunião do CFEACB, de 10 de

setembro de 1946. CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, pp. 66, 67.;

Ata da 552ª reunião do CFEACB, de 17 de setembro de 1946. CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB,

MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, p. 67.; Ata da 553ª reunião do CFEACB, de 24 de setembro de 1946.

CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, p. 68.

Page 87: Conhecimento científico e interesse militar

87

observar eclipses do Sol em território brasileiro e sabia o que era preciso fazer em uma

situação como esta.

O Observatório Nacional preparou um documento15

destinado a municípios dos

Estados de Minas Gerais e de São Paulo, a partir dos quais ia ser possível ver o fenômeno em

sua totalidade – e tinham chances de receber alguma missão científica –, no qual ressaltou que

o estudo de um eclipse total do Sol é de extrema importância para a Ciência, atraindo

autoridades na matéria de diferentes nacionalidades. Era exatamente isto que os planejadores

de uma expedição para a observação de um eclipse do Sol esperavam dos observatórios

nacionais dos países que as recebem: colaboração. O ON era o órgão brasileiro que, além da

autoridade científica para convencer pequenas municipalidades no interior do país a fornecer

as informações necessárias, possuía capacidade para auxiliar cientificamente as missões

visitantes. Neste documento que o Observatório Nacional preparou, há a solicitação de: mapas

da região, informações sobre os meios de comunicação, sobre o serviço de transporte e de

acomodação, além de perguntas sobre as condições de distribuição de energia elétrica, mão de

obra local e acomodação em hotéis. Todas estas informações são básicas para que os

organizadores pudessem tomar decisões que dessem às observações do eclipse a maior

possibilidade de sucesso.

As respostas de todas as municipalidades às informações solicitadas pelo Observatório

estão em documentos padronizados, não datados e são bastante específicos no que concerne

às particularidades dos dados pedidos. Através da observação da padronização desta

documentação, é possível sugerir que ela foi preparada pelo próprio ON, com a intenção de

organizar as informações e repassá-las às equipes de planejamento das expedições

interessadas em estudar o fenômeno. Contudo, nem todos os municípios para os quais o

Observatório enviou um questionário em 18 de julho de 1946 enviaram resposta, e isto

motivou o ON a questionar algumas municipalidades sobre estas informações. Em 20 de

novembro de 1946, a Prefeitura de Montes Claros respondeu16

dizendo que enviara as

informações em 24 de julho de 1946. A Prefeitura de Bocaiuva respondeu somente em 19 de

novembro de 1946, afirmando que a missão do major Jerome Alexander, da US Army Air

Force, já estava na cidade e que o prefeito oferecia a ajuda necessária.17

Mas, que ajuda era

15 Arquivo ON, caixa ON 106/1947, maço documental 268/46, documento de 18 de julho de 1946. MAST/ Rio

de Janeiro – RJ / Brasil. 16

Arquivo ON, caixa ON 106/1947, maço documental 268/46, documento de 20 de novembro de 1946. MAST/

Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 17 Arquivo ON, caixa ON 106/1947, maço documental 268/46, documento de 19 de novembro de 1946. MAST/

Rio de Janeiro – RJ / Brasil.

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esta que o prefeito de Bocaiuva oferecia aos militares da US Army Air Force sem o

conhecimento do ON?

Mesmo com a concessão de facilidades, tanto por instituições civis, como militares,18

as organizações das expedições científicas se esforçaram para atender aos pontos da

legislação brasileira que regulamentava suas atuações. Logo nos contatos iniciais, a

organização da expedição da NGS enviou a discriminação do seu plano de observações,19

atendendo às exigências do Artigo 4º, do Decreto nº 6.734, de janeiro de 1941, para a

concessão de licenças. O plano da NGS tinha os seguintes objetivos:

– Fotografar a coroa solar em preto e branco e em cores, com uma câmera astrográfica de 9

polegadas de abertura;

– Estudar a polarização da luz da coroa solar, com 2 polarígrafos com Atar lens focal length

47 ½.;

– Realizar um estudo espectrográfico do espectro flash da coroa solar, usando dois

espectrógrafos especialmente construídos para esta finalidade;

– Medir a variação do brilho solar enquanto a totalidade se aproxima;

– Medir as mudanças nas camadas ionizadas na atmosfera da Terra enquanto o disco da lua

cobrisse o disco solar;

– Medir com precisão os tempos em que a lua faz seus quatro contatos com o disco solar, para

fornecer informações experimentais adicionais relacionadas ao movimento lunar;

– Estudar a distribuição da intensidade da luz do dia em várias altitudes durante o eclipse;

– Medir o aparente deslocamento das posições das estrelas perto do Sol. Para esta parte do

programa será necessário deixar a câmera em sua posição por quatro meses após o eclipse, até

que o mesmo campo estelar possa novamente ser fotografado à noite;

– Medir a temperatura da coroa perto do limbo do Sol.

Dos nove estudos declarados no documento, quatro estão relacionados ao estudo da

coroa solar, os outros cinco abordam questões distintas, como a ionosfera terrestre, o

movimento lunar, a intensidade da luz em diferentes camadas da atmosfera, a variação do

brilho do Sol e a curvatura do espaço causada pela existência de corpos sólidos. Se, por um

18

A Força Aérea Brasileira transportou boa parte do equipamento científico da missão da NGS-NBS do Rio de

Janeiro para Minas Gerais. Ver: Jornal do Brasil. 18 de maio de 1947. 19 CFE.T.2.223, doc. 698 (enviado em 02 de maio de 1946 – recebido em 14 junho de 1946). Acervo do

CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil.

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89

lado, nem todos estes estudos foram realizados, por outro, observações que não haviam sido

declaradas foram feitas.20

Já o Item 2, do Artigo 4º, do Decreto nº 6.734, de janeiro de 1941, dizia que uma lista

dos expedicionários tinha que ser enviada ao CFEACB como um dos requisitos para a

concessão da licença. O relator do processo da licença da missão da NGS condicionou a

autorização para a realização de pesquisas em 1947 ao envio da lista com os nomes dos

cientistas,21

pois os contatos já haviam sido iniciados e esta lista não tinha sido enviada. A

lista com os expedicionários da NGS só chegou ao Conselho em 06 de maio de 1947,22

mesmo dia em que a licença foi concedida.23

A relação dos integrantes desta expedição é a

seguinte:

– Dr. Lyman J. Briggs24

– National Bureau of Standards;

– Dr. Irvine Gardner – National Bureau of Standards;

– Dr. Carl. C. Kiess – National Bureau of Standards;

– Mr. James M. Watts – National Bureau of Standards;

– Mr. Franklin Kral – National Bureau of Standards;

– Mr. W. L. Scott – National Bureau of Standards;

– Mr. Oliver F. Westfall – National Bureau of Standards;

– Dr. Francis J. Heyden – Georgetown Observatory/ Georgetown University;

– Dr. Lawrence C. McHugh – Georgetown Observatory/ Georgetown University;

– Dr. E. O. Hulburt – United States Naval Research Laboratory;

– Mr. Ralph Richardson – United States Naval Research Laboratory;

– Dr. G. Van Biesbroeck – Yerkes Observatory/ University of Chicago;

– Dr. Harold Weaver – Lick Observatory/ University of California;

– Mr. Peter A Morris – Bartol Research Foundation.

20 L. Briggs fez uma observação durante o eclipse de maio de 1947 que não estava declarada nem no plano de

observação fornecido ao CFEACB nem no artigo que ele publicara em fevereiro de 1947. Briggs conduziu uma

medição da emissão de radiação solar ao longo dos quatro contatos do eclipse. Ele publicou seu artigo em 1957. Ver: BRIGGS, Lyman. “Observed and computed radiation from first to fourth contact during a total solar

eclipse.” Transactions American Geophysical Union, 1957, v. 38, n. 1, pp. 17 – 20. 21 CFE.T.2.234, doc. 908 (sem data). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 22

CFE.T.2.223, doc. 731 (enviado em 30 de abril de 1947 – recebido em 06 de maio de 1947). Acervo do

CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 23 CFE.T.2.223, doc. 728 (06 de maio de 1947). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 24 Chefe científico da expedição.

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National Geographic Society Staff:

– Mr. Melvin M. Payne;

– Mr. F. Barrows Colton;

– Mr. Richard H. Stewart;

– Mr. Guy W. Starling;

– Mr. George C. Simpitch.

National Broadcasting Company:

– Mr. Ben Grauer;

– Mr. Harry Greleck;

– Mr. George Anderson;

– Mr. Roy G. Phelps.

A lista enviada pela organização da NGS deixa claro que o interesse da expedição não

era tão e somente científico. Além dos estudos que iam ser realizados, e do interesse militar

ainda não revelado naquele momento, esta missão planejava fazer uma matéria sobre o

acontecimento para a Revista da NGS, dentro de uma série de reportagens já existente sobre

observações de eclipses totais do Sol, e transmitir pelo rádio os acontecimentos em

Bocaiuva.25

Na perspectiva do regulamento do CFEACB, a missão da NGS especificou os itens

que iam ser trazidos, como equipamento fotográfico, pequena quantidade de medicamentos e

a bagagem pessoal dos componentes da expedição, conforme é exigido pelo Item 6, do Artigo

4º, do Decreto nº 6.734, de janeiro de 1941. Até então, parece que a organização da missão da

NGS seguiu a legislação existente para conseguir a licença para pesquisar em solo brasileiro.

Mas, será que todos os pontos foram atendidos? Entre as exigências legais que regulavam a

atuação do Conselho, uma, em particular, parece que não foi cumprida. Sobre este ponto, vale

a pena reproduzir o Artigo 14, do Decreto nº 6.734, de janeiro de 1941: “As expedições

artísticas e científicas, devidamente licenciadas pelo Conselho para procederem a estudos no

território nacional, deverão enviar ao Conselho, para sua orientação técnica, um relatório dos

25 O eclipse total de 1947 despertou um grande interesse, também, nos meios de comunicação brasileiros. Na Cinemateca Brasileira há um registro em vídeo chamado Cine Jornal Informativo. vol. 1, nº 40. “O eclipse

solar.” Encontrei referências à realização de outros filmes sobre o eclipse de 1947 no sítio da mesma instituição.

Porém, a Cinemateca Brasileira não os possui em seu acervo. Estes filmes foram feitos para a série Bandeirantes

na Tela, e para o Notícias da Semana. Há também um registro fílmico sobre o eclipse de 1947, feito por Herbert

Richers, além do programa Rádio Almanaque Kolynos nº 19, “Maravilhas do céu”, que foi transmitido pela

Rádio Nacional na noite de 28 de abril de 1947, e está depositado em um arquivo particular em Petrópolis,

Estado do Rio de Janeiro. Este programa focalizou de forma romanceada o eclipse de 1947.

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assuntos estudados e pesquisados.” A conselheira Bertha Lutz tratou esta questão em duas

ocasiões nas reuniões do CFEACB. Na ata da reunião do dia 10 de setembro de 1946,26

Lutz

lembrou que o relatório referente às observações científicas do eclipse total do Sol de 1940,

feitas por uma expedição patrocinada pela NGS, não foi entregue àquela época, e que ele

deveria ser exigido na ocasião da concessão da licença à mesma expedição para observar o

fenômeno de 1947, o que foi aprovado pelo Conselho. Na reunião do dia 17 de setembro de

1946, Lutz propôs que em um ofício que ia ser encaminhado ao Ministério da Agricultura,

sobre as últimas deliberações do CFEACB a respeito das expedições científicas para

observação do eclipse de 1947, fosse tratada, também, a questão do relatório da observação

científica do eclipse de 1940.27

Este episódio vai ao encontro de um histórico de tentativas de Lutz de fazer valer o

aspecto fiscalizador do Conselho, que acabava ficando em segundo plano diante das

atribuições de concessão de licenças. Nesta perspectiva, Lutz realizou um estudo sobre os

processos de licença concedidas no primeiro ano de funcionamento do CFEACB (1933). Sua

conclusão aponta para falhas na fiscalização e para um movimento de oposição

(provavelmente por parte de alguns expedicionários) ao ato de fiscalizar as expedições. Este

estudo gerou modificações no regimento do Conselho, ocorridas em 1941, na tentativa de

consertar estas falhas e levaram os conselheiros a considerar a ideia de publicar os relatórios

dos expedicionários em algum periódico científico brasileiro, ou que fosse criado um

periódico do próprio Conselho com este fim.28

O fato é que não foi possível localizar na documentação do CFEACB os relatórios

referentes aos estudos dos eclipses totais do Sol de 1940 e de 1947, nem alguma referência

que aponte suas entregas ou, ao contrário, alguma justificativa por não terem sido entregues.

De toda forma, a licença para a expedição dos EUA foi concedida em 6 de maio de 1947 e,

aparentemente, as falhas que Lutz identificou nos anos 1930 persistiram nos anos 1940. A

questão maior envolvendo a expedição da NGS-NBS em maio de 1947 não foi a falha na

entrega de um documento sobre a observação do eclipse de 1940. Isto foi só um detalhe.

Havia articulações mais sérias que serão vistas na última parte deste trabalho. Por ora, vou

26 Ata da 551ª reunião do CFEACB, de 10 de setembro de 1946. CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB,

MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, pp. 66 – 67. 27 Ata da 552ª reunião do CFEACB, de 17 de setembro de 1946. CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB,

MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, p. 67.; CFE.T.2.237, doc. 722 (sem data). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio

de Janeiro – RJ / Brasil. 28

SOMBRIO, Mariana Moraes de Oliveira. Traços da participação feminina na institucionalização de práticas

científicas no Brasil : Bertha Lutz e o Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas do

Brasil, 1939-1951. Campinas, SP: [s.n.], 2007. Dissertação apresentada ao Instituto de Geociências como parte

dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Política Científica e Tecnológica, pp. 94 – 112.

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tentar entender o que não foi bem explicado: a construção da pista de pouso em Bocaiuva pela

expedição da NGS.

3.1.2 Informações necessárias ou dissimulação? O Projeto Bocaiuva

As condições meteorológicas dos possíveis locais de observação de um eclipse do Sol

constituem um dos principais pontos analisados nas tomadas de decisões dos planejadores de

uma expedição científica desta natureza. No final do século XIX, os astrônomos já

argumentavam que, para minimizar as chances de uma grande frustração diante de condições

climáticas ruins, as expedições deveriam ficar espalhadas ao longo da faixa do eclipse. Uma

ação que aumenta as chances de evitar locais com um clima ruim na época de ocorrência do

eclipse é a reunião dos históricos meteorológicos da região, que eram conseguidos através dos

postos de observações locais, ou por indivíduos familiarizados com as peculiaridades

climáticas de sua cidade.29

Quando não era possível recorrer a estes artifícios, os planejadores

buscavam outros meios para obter informações sobre o clima da região para o qual eles

desejavam se dirigir.30

Na ocorrência do eclipse total do Sol de 21 de outubro de 1930, a expedição

organizada pelo Naval Observatory escolheu a ilha de Niuafoou, Situada no reino de Tonga

no Oceano Pacífico, também conhecida como Tin Can, para montar sua base de observação.

O astrônomo Samuel Alfred Mitchell, Diretor do Leander McCormick Observatory, integrou

esta missão e registrou que os dados meteorológicos sobre a ilha foram coletados nas oito

semanas anteriores ao dia do eclipse, que a expedição ficou hospedada por lá. Os registros

meteorológicos mostravam que o céu não ficava coberto por nuvens em apenas um a cada três

dias. No dia do eclipse, apesar de um amanhecer chuvoso, quinze minutos antes da hora

prevista para o início da totalidade, não havia mais nuvens no céu. Tamanho era o isolamento

da ilha de Niuafoou, que o único meio de comunicação entre a ilha e o mundo era o navio

correio a vapor.31

A inexistência de dados sobre o clima da ilha já era esperada e, temos que

reconhecer, os organizadores desta expedição contavam com uma boa dose de sorte. Apesar

da sorte ser um fator importante, a organização das expedições da NGS-NBS sempre

mostraram uma preocupação com o clima do local a ser escolhido como base de observação.

O que era uma prática comum aos expedicionários que buscavam eclipses do Sol pelo mundo.

29 PANG, Alex Soojung–Kim. Empire and the Sun: Victorian Solar Eclipse Expeditions. Stanford: Stanford

University Press, 2002, p. 41. 30

A National Geographic – Bureau eclipse expedition que foi ao Cazaquistão, então república autônoma russa,

em 1936, fez uso de livros e filmes para obter conhecimento prévio sobre o local. Ver: GARDNER, Irvine.

“Observing an eclipse in Asiatic Russia.” In: National Geographic Magazine. 1937, February, pp. 179 – 198. 31 MITCHELL, Samuel Alfred. Eclipses of the Sun. New York: Columbia University Press, 1935, p. 177.

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93

A importância dos dados meteorológicos foi sublinhada pela organização da missão da

NGS no primeiro documento que a Embaixada dos EUA enviou ao Conselho, no qual há um

parágrafo que lembra a frustração que a expedição organizada, também, pela NGS

experimentou na Sibéria, em 1936, encontrando um céu absolutamente coberto no momento

do eclipse, o que impediu sua observação.32

Porém, segundo o redator do documento, os

resultados científicos que podem ser alcançados através do estudo de um eclipse do Sol

justificam a assunção deste tipo de risco, caso o estudo do histórico meteorológico da região

escolhida indique uma probabilidade razoável de tempo bom no momento de ocorrência do

fenômeno.

Diante de tal necessidade, o Conselho enviou um ofício33

ao Diretor do Serviço de

Meteorologia em 21 de agosto de 1946, no qual informou a ocorrência do eclipse de 1947 e

expôs os interesses da missão da NGS, chamando atenção para a importância das condições

climáticas. O documento assinado pelo Presidente do CFEACB, Pimentel Gomes, solicitou os

históricos meteorológicos das cidades de Grão Mogol, Montes Claros e Bocaiuva, bem como

informações meteorológicas futuras, que eram colhidas pela rede de postos de monitoramento

existente no Norte de Minas Gerais.

O ofício em resposta34

do Serviço de Meteorologia revela que foram enviados 158

quadros contendo as observações meteorológicas diárias das Cidades de Grão Mogol nos

meses de abril, maio e junho, e de Montes Claros no mês de maio, em vários anos. O mesmo

documento, que tem a data de recebimento pelo CFEACB em 05 de outubro de 1946,

informou que não foi possível enviar dados sobre o clima de Bocaiuva, por não existir posto

meteorológico nesta cidade. Em uma anotação feita à mão neste documento, ao pé de página

do lado direito, lê-se: “Remetidos os quadros para a Embaixada Americana.” Este envio dos

quadros meteorológicos aos norte americanos foi decidido em 08 de outubro de 1946, de

acordo com a Ata da reunião do CFEACB do mesmo dia, e ganhou um caráter de urgência.35

Apesar dos quadros meteorológicos terem sido enviados com urgência à Embaixada

dos EUA, uma análise mais detida de documentos do Observatório Nacional sugere que,

32 Esta expedição foi liderada pelo astrônomo Paul McNally do Observatório de Georgetown, EUA. 33 CFE.T.2.223, doc. 712 (enviado em 21 de agosto de 1946). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ /

Brasil. 34 CFE.T.2.223, doc. 723 (enviado em 04 de outubro de 1946 – recebido em 05 de outubro de 1946). Acervo do

CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 35 Ata da 557ª reunião do CFEACB, de 08 de outubro de 1946. CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB,

MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, p. 71. Na Ata de reunião do Conselho do dia 21 de janeiro de 1947 há

menção da emissão de uma nota verbal de agradecimento pelo envio dos quadros meteorológicos por parte da

Embaixada dos EUA, e da legação da Austrália. Ata da 574ª reunião do CFEACB, de 21 de janeiro de 1947.

CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, p. 92.

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talvez, não houvesse necessidade de tanta pressa. Pois, o cruzamento de informações

documentais indica que antes de outubro de 1946, período em que os dados meteorológicos

foram enviados à Embaixada dos EUA, a organização da expedição da NGS já tinha tomado

algumas decisões importantes.

Em 05 de agosto de 1946, o Diretor da Divisão de Orçamento do Observatório

Nacional encaminhou um documento ao Diretor Geral do ON, informando que:

[...] o Ministério das Relações Exteriores transmite solicitação da Embaixada dos

Estados Unidos da América do Norte, a fim de que seja designado um funcionário

para acompanhar um representante das fôrças aéreas daquela nação, que chegará ao

Brasil a 15 dêste mês, para estudar o futuro alojamento de uma expedição científica,

que terá como objetivo observar o eclipse solar de 1947.36

Este documento revelou aos brasileiros uma nova instituição participante da

organização da expedição: a US Army Air Force. Normalmente, a instituição militar norte

americana que fornecia apoio a expedições para observação de eclipses era a Marinha. De

todo modo, a designação de um funcionário do ON para acompanhar o militar da US Army

Air Force e o restante do survey ocorreu em 15 de agosto de 1946. O astrônomo Auto Barata

Fortes, chefe do Laboratório astrofotográfico, foi designado em 22 de agosto de 1946 e ia

ficar destacado por 40 dias.37

Apesar de toda essa movimentação para o envio de um

astrônomo do ON para acompanhar o estudo do local do alojamento da missão da NGS, Sodré

da Gama, em 15 de agosto de 1946, informou ao Ministro da Educação e Saúde, Ministério ao

qual o Observatório Nacional era vinculado, que ainda não dispunha dos dados

meteorológicos da região.38

Em outro documento, com data de envio em 30 de setembro de 1946, no qual Sodré da

Gama informou ao Chefe do Gabinete do Ministro da Educação e Saúde que, apesar do ON

não ter formado uma comissão para auxiliar as expedições estrangeiras, todas as informações

técnicas estavam sendo prestadas aos interessados, há a seguinte menção sobre a visita de

Thomas W. McKnew, secretário da NGS, e do astrônomo Carl C. Kiess, do NBS, ocorrida em

agosto de 1946:

36 Arquivo ON, caixa ON 106/1947, maço documental 268/46, processo nº 67 990/46, ON 456 de 14 de agosto

de 1946a. MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 37

Arquivo ON, caixa ON 106/1947, maço documental 268/46, portaria nº 15, documento nº 174, de 22 de agosto

de 1946. MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 38 Arquivo ON, caixa ON 106/1947, maço documental 268/46, processo nº 67 990/46, ON 456, de 14 de agosto

de 1946b. MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil.

Page 95: Conhecimento científico e interesse militar

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[...] Foram-lhes prestados então os necessários esclarecimentos, faltando apenas

remeter-lhes os dados meteorológicos relativos à zona escolhida de Bocaiuva (Minas

Gerais), os quais já foram solicitados ao Serviço de Meteorologia, e serão

retransmitidos logo que nos sejam fornecidos por aquêle Serviço.39

Ou seja, em fins de setembro de 1946, a missão de reconhecimento que a organização

da missão da NGS-NBS enviou para estudar um local para o acampamento havia terminado.

Mesmo não existindo dados meteorológicos sobre Bocaiuva, esta foi a cidade escolhida para

que o alojamento da expedição da NGS fosse construído. Por mais que os dados

meteorológicos sejam importantes, há outros fatores que tem que ser considerados. A rede de

transportes para alcançar Bocaiuva, em 1947, oferecia menos dificuldades, se comparada aos

caminhos para se chegar a Grão Mogol. Bocaiuva tinha uma estação de trem e contava com a

proximidade do aeroporto de Montes Claros, que é uma cidade limítrofe.

Em meio aos documentos de Irvine Gardner, há um exemplar de um folheto do

astrônomo argentino Alberto Alfredo Volsch, que tratava as especificidades do eclipse de

maio de 1947. Volsch apontou claramente as Cidades de Bocaiuva, Montes Claros e Grão

Mogol como os locais mais propícios para a realização de observações do fenômeno devido à

altura do Sol em relação ao horizonte na hora da totalidade (cerca de 40º), à altitude destas

cidades em relação ao mar (cerca de 1.000 metros acima do nível do mar) e às facilidades de

transporte que estas cidades possuíam. Além disto, Volsch incluiu um mapa em uma escala

que mostrava as cidades mineiras que veriam o eclipse de maio de 1947 em sua totalidade.40

Aparentemente, o folheto de Volsch orientou sobremaneira as decisões tomadas pela

organização da missão da NGS, pois as informações contidas em seu trabalho aparecem no

oficio que G. Grosvenor enviou ao comandante geral da US Army Air Force, general Carl

Spaatz, convidando sua instituição a fazer parte da expedição.41

39 Arquivo ON, caixa ON 106/1947, maço documental 268/46, processo nº 67 859/46, de 30 de setembro de

1946. MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 40 VOLSCH, Alfredo. Eclipse total de Sol del 20 de Mayo de 1947 – Su desarrollo em el continente

sudamericano. In: Record Group (RG) 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 6, Folder: Eclipse

material 1947. NARA/ College Park – MD/ US. 41 Os laços institucionais da NGS facilitaram a realização de um convite à Army Air Force. Segundo documentos trocados entre G. Grosvenor e o Comandante geral da Army Air Force, Carl Spaatz, a instituição militar estava

totalmente inclinada a colaborar mais uma vez em missões científicas com a NGS. Memorandum from G.

Grosvenor to Commanding General Army Air Forces Carl Spaatz. May 20, 1947. In: RG 333 – Entry 5 – Box 1,

Folder: 000.9 Natural Sciences. NARA/ College Park – MD/ US.; e: Memorandum from Commanding General

Army Air Forces Carl Spaatz to G. Grosvenor. June 11, 1947. In: RG 333 – Entry 5 – Box 1, Folder: 000.9

Natural Sciences. NARA/ College Park – MD/ US. A Army Air Force colaborara com a NGS e o NBS nas

missões de lançamento de balões gigantes à estratosfera terrestre em 1934 e 1935. Ver: DeVORKIN, David.

Page 96: Conhecimento científico e interesse militar

96

Entretanto, o transporte ferroviário pareceu não atender as demandas da expedição da

NGS. Surpreendentemente, a organização desta missão construiu uma pista de pouso em uma

localidade chamada Extrema, na Cidade de Bocaiuva, e montou um acampamento em padrões

militares ao lado da pista. Não encontrei na documentação do Conselho, nem na do

Observatório Nacional, menção alguma sobre a intenção da expedição da NGS em construir

uma pista de pouso. Mas, há alguns documentos elaborados pelos norte americanos que

tratam o assunto.

Em um documento, com data de 31 de outubro de 1946, do War Department à Joint

Brazil United States Military Commission (Air Section) há a seguinte informação:

[...] INDICATIONS HERE THAT NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY

INTENDED SHARING EXPENSES WITH ABLE ABLE FOX FOR CAMP AND

CONSTRUCTION OF TEMPORARY AIR STRIP AT BOCAIUVA PD IT IS

DESIRE OF BOTH NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY AND ABLE ABLE

FOX TO KEEP EXPENSES AS LOW AS POSSIBLE SINCE CAMP SITE AND

AIR STRIP ARE VALUELESS AFTER JOINT EXPEDITION PD REQUEST

BREAKDOWN OF COST FOR PROJECT ESTIMATED IN URAD TWO TWO

NINE SEVEN BE FURNISHED IMMEDIATELY TO EXPEDITE DECISION42

O próximo documento a tratar o assunto foi enviado em 11 de dezembro de 1946, dizendo o

seguinte:

REQUEST FOR FUNDS APPROVED PD NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY

SENDING A THIRTEEN THOUSAND DOLLAR DRAFT BY AIRMAIL

ELEVEN DEC FOUR SIX FROM RIGGS NATIONAL BANK TO BANCO DO

BRAFIG OD AUTHORIZED COUNTERSIGNERS COL PAUL CHARLIE

SCHAUER CMA BRIG GEN BYRON EASY GATES CMA GRIG GEN

GORDON PETER SAVILLE AND COL FRED MIKE DEAN43

Race to the stratosphere: manned scientific ballooning in America. Washington DC: Smithsonian Institution,

1989. 42 [...] HÁ INDICAÇÕES AQUI QUE NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY PRETENDE DIVIDIR

DESPESAS COM ABLE ABLE FOX [ARMY AIR FORCE] PARA A CONSTRUÇÃO DO

ACAMPAMENTO E DA PISTA DE POUSO TEMPORÁRIA EM BOCAIUVA É O DESEJO DE AMBAS

NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY E ABLE ABLE FOX [ARMY AIR FORCE] MANTER OS GASTOS O MAIS BAIXO POSSÍVEL DESDE QUE O ACAMPAMENTO E A PISTA DE POUSO SERÃO SEM

VALOR APÓS A EXPEDIÇÃO MISTA SOLICITO LEVANTAMENTO ESTIMADO DO CUSTO DO

PROJETO DA URAD DOIS DOIS NOVE SETE [?] SEJA FORNECIDO IMEDIATAMENTE PARA A

TOMADA DE DECISÃO. Ver: Message from Department of War to JBUSMC RIO. October 31, 1946. In: RG

333 – Entry 5 – Box 1, Folder: 000.9 Natural Sciences. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 43 PEDIDO DE FUNDOS APROVADO NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY MANDA TREZE MIL

DÓLARES POR CHEQUE POR CORREIO AÉREO DE ONZE DEZEMBRO DE QUATRO SEIS DO

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Como mencionado, a pista de Bocaiuva ia ser considerada sem valor de uso após sua

utilização durante as observações do eclipse e a NGS ia arcar com $13,000.00 relacionados à

construção da pista e do acampamento. Esta pista serviu para que a Força Aérea Brasileira

pousasse com aviões do 2º Grupo de Transportes carregando instrumentos e pessoal da

missão da NGS do Rio de Janeiro para Bocaiuva e para o trânsito de alguns aviões da US

Army Air Force na ocasião. O fato é que desde o início do planejamento da expedição para

observar o eclipse de 1947, em maio de 1946, a região de observação já estava decidida: seria

na região Norte de Minas Gerais. Esta decisão foi tomada levando em conta as informações

contidas no trabalho do astrônomo Alfredo Volsch. Ainda havia outro motivo que levou a US

Army Air Force a se aliar a esta missão: o interesse em realizar pesquisas sobre raios

cósmicos,44

além de um projeto secreto que será visto a diante. Ou seja, havia vários

interesses envolvidos na organização da expedição para a observação do eclipse de maio de

1947.

Tendo em vista esta complexa rede de interesses (inclusive um projeto secreto), o NBS

e a Army Air Force se envolveram em algumas pesquisas nos anos 1930 e 1940 que tem

relações estreitas com a região em que eles montaram a base para a observação do eclipse de

1947. A história de Minas Gerais denuncia a presença de diferentes tipos de minérios em seu

solo, sendo que a região do Norte e Nordeste deste Estado é rica em quartzo.45

O quartzo é um

mineral que contém a característica da piezeletricidade, que é a propriedade de conduzir

frequências de forma fixa, possibilitando a recepção ou transmissão de sinais de rádio.46

O

Brasil possuía as maiores reservas de quartzo do mundo e o quartzo brasileiro é o de melhor

piezeletricidade mundial.47

O quartzo pode ser utilizado nos instrumentos de comunicação via

rádio e em circuitos eletrônicos, o que o tornou presente em uma variedade de equipamentos

de navegação aeroespacial tanto militar como civil. Durante a Segunda Guerra Mundial, o

BANCO NACIONAL RIGGS PARA BANCO DO BRASIL SACADORES AUTORIZADOS COL PAUL

CHARLIE SCHAUER CMA BRIG GEN BYRON EASY GATES CMA GRIG GEN GORDON PETER

SAVILLE AND COL FRED MIKE DEAN. Ver: Message from Department of War to JBUSMC RIO.

December 11, 1946. In: RG 333 – Entry 5 – Box 1, Folder: 000.9 Natural Sciences. NARA/ College Park – MD/

US, tradução nossa. 44 Ver: Message from JBUSMC RIO to Department of War. October 03, 1946. In: RG 333 – Entry 5 – Box 1,

Folder: 000.9 Natural Sciences. NARA/ College Park – MD/ US. 45 Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – CPRM. Projeto Cadastro de Abastecimento por Águas Subterrâneas, Estados de Minas Gerais e Bahia: diagnóstico de Bocaiuva, MG. Belo Horizonte: CPRM, 2004,

p. 10. 46 Summary Technical Report – Division One, NDRC. In: RG 167 – UD – Entry 2 – Scientific work – Office

Files Briggs – Box 6, Folder: Summary Technical Report – Division I – Experimental Ballistic Firings. NARA/

College Park – MD/ US. 47 COCHRANE, Rexmond C. Measures for progress: a history of the National Bureau of Standards.

Washington D.C.: Department of Commerce, 1974, p. 375.

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98

quartzo brasileiro foi largamente utilizado para a construção de equipamentos de comunicação

dos EUA. Sua aplicação na área de eletrônicos o manteve na lista de material estratégico dos

EUA mesmo após a Segunda Grande Guerra.48

O Governo dos EUA previu antes de sua entrada na Segunda Guerra Mundial que

seria preciso estocar quartzo, já que era necessário importá-lo e a situação de guerra poderia

dificultar tal ação. Cochrane afirmou que neste período o quartzo estava presente em todos os

equipamentos de rádio comunicação das forças armadas dos EUA, desde walkie-talkies a

radares, bem como nos recém-criados equipamentos eletrônicos. O interesse dos EUA em

aperfeiçoar as transmissões de rádio era enorme, tanto que um laboratório com equipamentos

de ponta foi construído àquela época em Beltsville, Estado de Maryland, para que todo o

território dos EUA fosse alcançado pelas ondas de transmissão, bem como outros locais

distantes ao redor do mundo.49

Se antes da entrada dos EUA na Guerra, o quartzo já era

considerado importante pelos norte americanos, após o ataque japonês a Pearl Harbor, o

quartzo brasileiro (e a borracha existente na Amazônia) ganhou um papel vital, como mostrou

Antônio P. Tota em diversas passagens de seu trabalho sobre as trocas culturais entre Brasil e

EUA no período da Segunda Guerra.50

Se o interesse no quartzo durante a Segunda Guerra

era para sua utilização em equipamentos de rádio transmissão, o uso do quartzo em

equipamentos eletrônicos justificaria sua extração e uso no pós – Guerra.

Nas circunstâncias que envolvem o eclipse do Sol de 1947, o então Diretor de

Engenharia da Aeronáutica, o engenheiro civil Alberto de Mello Flôres, esteve envolvido na

construção da pista de pouso de Bocaiuva, de acordo com os agradecimentos do general da

US Army Air Force Gordon P. Saville.51

A carreira de Flôres na Aeronáutica foi bastante

profícua. Flôres teve, entre outras participações, a oportunidade de atuar como delegado da

comissão brasileira na Conferência Internacional de Aviação Civil em 1944, conhecida

também como Conferência de Chicago, e concluiu o curso na Escola Superior de Guerra

(ESG) em 1956. Seu trabalho de fim de curso na ESG trata a conjuntura brasileira no

transporte aéreo.52

Neste trabalho, Flôres mencionou por diversas vezes a empresa aérea Tala,

que posteriormente foi transformada em Aerovias Brasil SA, fundada com capitais norte

americanos e brasileiros. Segundo Flôres, a Aerovias Brasil SA foi a empresa aérea

48 2005 Minerals Yerbook – Silica. United States Geological Survey, p. 66.5. 49 COCHRANE, Rexmond C. Measures for progress: a history of the National Bureau of Standards.

Washington D.C.: Department of Commerce, 1974, p. 375. 50 TOTA, Antônio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São

Paulo: Companhia das Letras. 2000, pp. 53, 58, 109 e 140. 51 Jornal do Brasil. 18 de maio de 1947, p. 6. 52 FLÔRES, Alberto de Mello. Análise da Conjuntura Nacional. O transporte aéreo. Escola Superior de Guerra,

1956. Trabalho de conclusão de curso.

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responsável pelo transporte do quartzo brasileiro para os EUA em aviões fretados e que

estabeleceu a primeira rota fixa entre estes dois países.53

O interesse no quartzo brasileiro àquela época ainda aparece em outras relações com a

expedição da National Geographic Society. Em 1947, há diversos pedidos de autorização de

cidadãos brasileiros para realizarem lavras de quartzo no Norte de Minas Gerais.54

A

autorização para lavrar minerais no Brasil estava restrita a pessoas com nacionalidade

brasileira, de acordo com o Artigo 6º do Decreto Lei número 1.985 de 1940, também

conhecido como Código de Minas.55

O Ministério da Agricultura autorizava as lavras de

minério e o DNPM era o órgão responsável por fiscalizá-las. Entre as pessoas que solicitaram

autorização ao Ministério da Agricultura para lavrar quartzo em Minas Gerais está o cidadão

Geraldo Valle de Menezes. Geraldo Valle recebeu autorização do Ministério da Agricultura

para lavrar quartzo na cidade de Bocaiuva em 24 de julho de 1946. No mesmo dia da

publicação no Diário Oficial da União da autorização dada a Valle, dois outros cidadãos

brasileiros conseguiram autorização para lavrar quartzo em Montes Claros, cidade que

concorria com Bocaiuva para receber a expedição da NGS-NBS. Ou seja, na iminência da

chegada de militares da US Army Air Force, acompanhados de um cientista do NBS, cidadãos

de Bocaiuva e de Montes Claros foram autorizados a pesquisar um mineral estratégico para os

EUA em um período em que somente brasileiros recebiam autorização legal para este tipo de

lavra.

Por mais que este pedido de autorização para lavrar quartzo fosse algo rotineiro por

parte de habitantes da região do Norte de Minas Gerais e até por parte de moradores de

cidades em Estados vizinhos, a questão é que além deste mineral ser do interesse direto tanto

da US Army Air Force como do NBS, Geraldo Valle era um político influente e habilidoso na

região Norte de Minas Gerais e em 1947 tornou-se o prefeito de Bocaiuva. Quando os norte

americanos chegaram à região, Valle foi a pessoa que os ciceroneou, tornando-se, inclusive,

amigo próximo de alguns deles.56

Todas estas relações ainda têm o fato, que pode ter sido

53 FLÔRES, Alberto de Mello. Análise da Conjuntura Nacional. O transporte aéreo. Escola Superior de Guerra,

1956. Trabalho de conclusão de curso, pp. 7 e 25. 54 Há uma grande quantidade de decretos do Governo Federal do Brasil autorizando cidadãos brasileiros a

lavrarem quartzo e mica na região do Norte de Minas Gerais. Ver: Leis do Brasil – 1947 – Lei 11 a 31 – Decreto

22.411 a 22.860 ementário. In: Caixa 21 – Coleção de Leis de 1947 a 1949. Centro de Documentação da Aeronáutica (CENDOC) – Divisão de Arquivo Geral (DAG) – Arquivos da Força Aérea Brasileira (FAB)/ Rio

de Janeiro–RJ/ Brasil. 55 Decreto nº 1.985, de 29 de janeiro de 1940. 56

Em carta de agradecimento pela cortês recepção que Geraldo Valle ofereceu, Ben Grauer, jornalista da rede

National Broadcasting Company, menciona danças no Palácio da Justiça de Bocaiuva e “graciosas senhoritas”

que lhes foram apresentadas. Nesta ocasião, Grauer diz que esteve acompanhado do general Ankenbrandt, que

ao longo de sua carreira no Exército dos EUA ocupou diferentes cargos de chefia em setores de comunicação.

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mera coincidência, do relator do pedido de autorização de entrada da expedição da National

Geographic – Bureau eclipse expedition ser um membro do CFEACB lotado no DNPM,

órgão que fiscalizava as lavras de minérios no Brasil.

A documentação encontrada não aponta diretamente ligações entre a construção da

pista de Bocaiuva e a intenção na exploração de quartzo no Norte de Minas Gerais por norte

americanos envolvidos na observação do eclipse de 1947. E os próprios documentos trocados

entre as agências dos EUA que mencionam a construção da pista de pouso em Bocaiuva não

dizem nada sobre o mineral. Porém, trabalhos de alguns autores indicam uma histórica relação

de interesse entre os expedicionários do NBS e da US Army Air Force pelo quartzo brasileiro

e podem ajudar a dar algum sentido a indícios documentais – produzidos nas circunstâncias

do eclipse de maio de 1947 – que ligam de forma indireta as instituições mencionadas e

pessoas que exploravam quartzo naquela área. Em caráter hipotético, é possível pensar que

caso fossem encontradas jazidas de quartzo nas lavras da região, a bem pavimentada e de

difícil acesso pista de Bocaiuva poderia ser usada para levar de avião o minério para os EUA,

com o apoio do Prefeito da cidade, amigo dos norte americanos.

A partir da análise de um dos pontos da organização da expedição da NGS, emerge a

ideia de que o interesse científico pode ter sido utilizado, em parte, para dissimular interesses

de perspectiva militar,57

como foi feito com o projeto secreto que será visto nas próximas

páginas. Para isso, era necessário que todas as ações normais para a constituição de uma

expedição científica para observar um eclipse do Sol fossem executadas. Como se tratou de

uma questão que afetava diretamente a soberania nacional, o possível interesse dos norte

americanos no quartzo não passou pelo Conselho, ainda mais levando em conta que este

órgão foi criado tendo como um dos objetivos proteger as riquezas naturais do Brasil.

3.2 Eclipses do Sol como ferramenta geodésica

As observações do eclipse total do Sol ainda reservam algumas surpresas. A principal

delas remete a técnicas de observação desenvolvidas por finlandeses e poloneses em eclipses

do Sol que ocorreram entre as décadas de 1920 e 1940. Em 1922, a Primeira Guerra Mundial

Ver: Carta de Ben Grauer a Geraldo Valle. 08 de agosto de 1947. In: Coleção do eclipse total do Sol de 1947.

Museu Histórico de Bocaiuva/ Bocaiuva – MG/ Brasil. Em outra carta, o major da US Army Air Force Jerome Alexander expressou sua gratidão a Geraldo Valle por uma pele de jaguar que este lhe dera de presente. Ver:

Jerome Alexander a Geraldo Valle. 12 de agosto de 1947. In: Coleção do eclipse total do Sol de 1947. Museu

Histórico de Bocaiuva/ Bocaiuva – MG/ Brasil. Por fim, ainda há a carta de agradecimento do brigadeiro Byron

Gates da US Army Air Force a Geraldo Valle pela colaboração prestada. Ver: Arquivo ON, caixa ON 106/1947,

maço documental 268/46, carta do brigadeiro Byron E. Gates da US Army Air Force ao Prefeito de Bocaiuva,

com data de 29 de agosto de 1946. MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 57 Pesquisas futuras poderão confirmar ou refutar esta hipótese.

Page 101: Conhecimento científico e interesse militar

101

havia acabado e os países ao redor do Mar Báltico que compunham a recém-criada

International Union of Geodesy and Geophysics reuniram-se na conferência em que esta nova

associação substituiu a International Geodetic Association, que deixou de existir durante a

Grande Guerra. Neste encontro, ocorrido em 1924, em Helsink, Capital da Finlândia, a Baltic

Geodetic Commission foi fundada. Seu principal objetivo era conectar vários vértices

geodésicos e formar uma rede de triangulação entre os países membros da Comissão,

conseguindo, através destas ligações, conhecer com precisão as distâncias geodésicas dos

países membros e, consequentemente, estabelecer limites territoriais e mapas mais precisos.58

A tradição finlandesa em medidas geodésicas remete às expedições científicas que, em

meados do século XVIII, tinham como missão realizar medidas que resolvessem a questão

sobre o formato da Terra: ela era círculo ou uma elipse? Um dos locais que serviu de base

para a realização de uma das medições foi o território finlandês, então província sueca.59

A

questão foi resolvida em favor do formato elipsóide da Terra e estes experimentos deixaram a

semente da realização de pesquisas geodésicas nos países naquela região.

Em 1924, o astrônomo finlandês Ilmari Bonsdorff, Diretor do Finnish Geodetic

Institute, era o secretário da International Union of Geodesy and Geophysics e o astrônomo

polonês Thaddeuz Banachiewicz, era o principal representante de seu país entre os cientistas

envolvidos com pesquisas geodésicas. Estes investigadores estavam no grupo de trabalhos da

Baltic Geodetic Commission, cuja chefia ficara com Bonsdorff, e, paralelamente aos trabalhos

de mensuração de distâncias usando métodos tradicionais da Comissão a qual estavam

vinculados, desenvolveram novas técnicas de medição de grandes distâncias terrestres. Entre

as metodologias testadas por este grupo, existia uma que parecia ter um grande potencial, por,

teoricamente, permitir a medida de distâncias intercontinentais. Esta técnica utilizava eclipses

do Sol para sua realização.

Na ocorrência do eclipse total do Sol de 29 de junho de 1927, visível na Noruega,

Suécia e Norte da Finlândia, Banachiewicz liderou uma expedição polonesa para a realização

de um experimento que consistiu na identificação precisa do segundo e do terceiro contatos

do eclipse a partir de duas bases de observação afastadas uma da outra. Se fosse possível

determinar os momentos em que o eclipse fosse entrar na sua fase de totalidade com um

grande grau de exatidão em duas bases de observação situadas em dois pontos afastados na

58 BONSDORFF, Ilmari. “Adjustment of the Baltic polygon of the Baltic Geodetic Commission.” In: Bulletin

Geodesique. Vol. 22, Issue 1, 01/ 1949, pp. 45 – 46. Ver também: BONSDORFF, Ilmari. “Geodesy in Baltic

countries.” In: The Geographical Journal. Vol. 85, nº 5 (May, 1935), pp. 464 – 470. 59 KAKKURI, Juhani. Geodetic research in Finland in the 20th Century. Disponível em http://www.uni-

stuttgart.de/gi/institute/ehrendoktor/kakkuri/festschrift.pdf Página da Internet consultada em 10 de novembro de

2011, p. 22.

Page 102: Conhecimento científico e interesse militar

102

superfície terrestre, os pesquisadores usariam o intervalo de tempo entre as fases de totalidade

observadas nestes pontos, o valor da velocidade da sombra da lua projetada na Terra e

chegariam ao valor da distância que as separa. No quarto encontro da Baltic Geodetic

Commission, que ocorreu em 28 de setembro de 1928, Banachiewicz falou da metodologia

que usou durante as observações do eclipse de 1927 e a apresentou com o nome de

chronocinematographical method, que tinha como instrumento um aparelho de filmagem

acoplado a um cronômetro e registrava em um mesmo filme a imagem do eclipse e o passar

do tempo.60

A utilização desta metodologia na ocorrência de eclipses do Sol continuou ao longo do

tempo. Banachiewicz usou este método novamente durante o eclipse de 19 de junho de 1936,

quando quatro bases de observação foram montadas desde a Grécia até o Japão.61

Apesar de a

Segunda Grande Guerra Mundial ter atrapalhado o andamento de pesquisas científicas que

eram conduzidas em diversas partes do Mundo, as observações de eclipses solares não

desapareceram por completo. O eclipse total do Sol de 09 de julho de 1945 foi importante

nestas circunstâncias. Este eclipse foi visível em uma faixa que começou no Oeste dos EUA e

terminou na região central da União Soviética, passando pela Finlândia. Ilmari Bonsdorff se

baseou no método de Banachiewicz para medir a distância entre dois pontos distantes e,

através da utilização de câmeras de filmagem emprestadas por companhias cinematográficas,

adaptadas a receptores de sinais de rádio que marcavam o tempo,62

realizou observações

dentro do território finlandês. O experimento foi feito, mas, apesar dos dados coletados terem

sido de boa qualidade, Bonsdorff não publicou os resultados. O astrônomo sueco Bertil

Lindblad também percebeu que o eclipse total de julho de 1945 ia oferecer boas condições

para ligar geometricamente pontos entre o Canadá, Groelândia e Europa e organizou uma

expedição com tal objetivo, mas utilizou uma técnica diferente da filmagem dos contatos do

60 A utilização de “revólveres fotográficos” (câmeras de filmagem rudimentares) para o registro de eventos

astronômicos foi motivada pelo trânsito de Vênus de 1874 – 1882 e precedeu a utilização deste instrumento com

fins sociais. O que Banachiewicz fez foi adaptar esta ação para o registro dos contatos de um eclipse total do Sol.

Ver: CANALES, Jimena. “The ‘cinematographic turn’ and its alternatives in nineteenth-century – France.” In:

Isis, Vol. 93, nº 4 (December 2002), pp. 585 - 613.; Ver também: MOURÂO, Rogério. “O Brasil e a passagem

de Vênus entre o Sol e a Terra.” In: Revista Eco 21. Disponível em www.eco21.com.br/textos/textos.asp?ID=808 Página da Internet consultada em 18 de novembro de 2010. 61 PIEGZA J. “The use of Solar Eclipse for Investigations on the Figure of the Geoid.” In: The Observatory. 66,

77, June 1945. 62

LÚCIO, Álvaro. “O eclipse do Sol em Bocayuva.” In: Revista da Escola de Minas. Ano XII, nº 3, julho de

1947, pp. 31 - 35.; Ver também: KAKKURI, Juhani. Geodetic research in Finland in the 20th Century.

Disponível em http://www.uni-stuttgart.de/gi/institute/ehrendoktor/kakkuri/festschrift.pdf Página da Internet

consultada em 10 de novembro de 2011, p. 35 – 37.

Page 103: Conhecimento científico e interesse militar

103

eclipse – usada por Banachiewicz e por Bonsdorff –, que consistia em fazer fotografias do

flash spectrum.63

As observações do eclipse de 1945 trouxeram à cena algumas dificuldades que já se

apresentavam nos eclipses anteriores e continuaram nos eclipses seguintes, quando da

realização deste experimento de medição geodésica. Os principais problemas eram a distância

entre a lua e a Terra, que não era conhecida precisamente, e a topografia lunar que, com suas

montanhas e vales, afetava a determinação com uma grande precisão dos momentos de

contato do eclipse. Ainda havia a dificuldade com a precisão dos marcadores de tempo

orientados por sinais de rádio, que esbarravam na baixa qualidade do sinal que era emitido.

Diante destes contratempos, no planejamento para a observação do eclipse de julho de 1945,

Kukkamäki teve a ideia de fotografar a sombra da lua projetada na Terra a partir de aviões

voando a altitudes de cerca de 6 km para tentar determinar com maior precisão as bordas da

sombra da lua e o centro da totalidade.64

De fato, é possível tomar o experimento durante o

eclipse de 1945 como um ensaio para o próximo eclipse do Sol que ia ocorrer em maio de

1947.

O eclipse total do Sol de 20 de maio de 1947 foi visível em uma faixa que começou no

Oceano Pacífico, passou pelo continente sul americano e pelo Oceano Atlântico e terminou a

Leste do continente africano. Este eclipse oferecia as condições ideais para a utilização do

método de mensuração de distâncias, pois a faixa de totalidade ia ser vista em locais

separados por um Oceano. Esta característica do eclipse de maio de 1947 atraiu as atenções de

astrônomos de diferentes instituições pelo mundo, que instalaram diversas bases em cidades

brasileiras e deviam compartilhar uma grande expectativa pelo fenômeno, já que a eclosão da

Guerra atrapalhou sobremaneira a continuação de seguidas observações em territórios

distantes, como as que foram realizadas nas décadas anteriores ao conflito. Entre as cidades

brasileiras escolhidas para a instalação das bases científicas, Bocaiuva, no Norte de Minas

Gerais, recebeu a maior expedição internacional, que foi organizada pela da NGS-NBS, e a

missão do Finnish Geodetic Institute. Os planejamentos de observação destas expedições

científicas e das que foram instaladas em outros locais cobriam uma grande variedade de

experimentos. Contudo, a Geodésia tinha alcançado um status privilegiado no pós-Segunda

63 Aparentemente, os resultados da missão sueca não foram bons, em contraste com os resultados que os finlandeses alcançaram. Ver: WARNER, Deborah. “From Tallahassee to Timbuktu: cold War efforts to measure

intercontinental distances.” In: Historical Studies in the Physical and Biological Sciences. Vol. 30, Part 2, 2000,

p. 397.; Como foi exposto no capítulo dois deste trabalho, Briggs abordou as duas metodologias em: BRIGGS,

Lyman. “A 1947 eclipse expedition.” The Scientific Monthly, 1947, March, p. 210. 64 Kakkuri fala de aspectos detalhados destas experiências em: KAKKURI, Juhani. Geodetic research in Finland

in the 20th Century. Disponível em http://www.uni-stuttgart.de/gi/institute/ehrendoktor/kakkuri/festschrift.pdf

Página da Internet consultada em 10 de novembro de 2011, p. 35 – 37.

Page 104: Conhecimento científico e interesse militar

104

Guerra e sua utilidade militar justificava financiamentos e uma atenção redobrada dada pelas

forças armadas dos EUA. Pois, com informações geodésicas era possível aumentar a precisão

de mapas e de mísseis de longa distância, que estavam sendo desenvolvidos naquele tempo.

3.3 Mísseis mais precisos, mais eficientes e mais mortais

O princípio de funcionamento de foguetes é bastante antigo, mas a visão deste artefato

como uma arma de guerra foi concebida pelos norte americanos somente em 1916. Robert

Goddard, professor de Física da Universidade de Clark, em Worcester, Massachussets,

percebeu que os foguetes utilizados como sinais de iluminação podiam ser usados como

armas, se lançados na direção do inimigo. O foguete tomado como arma, oferecia, também, a

vantagem de causar danos ao inimigo sem que o agressor se expusesse de forma muito

próxima a um ataque. Com o suporte de C. G. Abbott, secretário do Smithsonian Institute, o

especialista em aerodinâmica do NBS, Edgar Buckingham, reconheceu o valor militar que o

foguete possuía e agiu para que uma verba de $5,000.00, do Signal Corps Funds, fosse

destinada ao desenvolvimento do artefato em 1918. Apesar de Goddard ter conseguido outra

liberação no valor de $10,000.00 nos anos seguintes, a dificuldade em encontrar assistentes de

pesquisa e a urgência do desenvolvimento de outros projetos fizeram com que a pesquisa

sobre foguetes, para sua utilização como armamento, fosse arquivada nos EUA.65

Ainda na perspectiva militar, o coronel Karl Emil Becker, doutor em Engenharia e

Chefe da seção de munições do Exército alemão, alimentou a ideia de usar foguetes como

armas de artilharia e imaginou que o desenvolvimento deste artefato podia ser uma

possibilidade de romper com as restrições militares impostas pelo Tratado de Versalhes à

Alemanha, já que a investigação científica de foguetes não sofrera impedimentos. Com as

pesquisa feitas inicialmente por grupos amadores – que incluíam Werner Von Braun –,

movidos pela ideia de viagens espaciais, o desenvolvimento de foguetes na Alemanha ganhou

impulso através das ligações de cientistas com grupos políticos que ascenderam ao poder em

1933 e da manutenção do segredo de pesquisa ao longo de suas operações.66

A continuidade

do desenvolvimento de foguetes na Alemanha com base no suporte, nem sempre constante,

que os nazistas deram ao grupo inicial de cientistas e o interesse por parte da Luftwaffe

criaram as condições para que em 1935 um passo importante fosse dado e um local

apropriado para pesquisas, testes e lançamentos fosse oficializado. Obviamente, todas estas

65

COCHRANE, Rexmond C. Measures for progress: a history of the National Bureau of Standards.

Washington D.C.: Department of Commerce, 1974, pp. 205 e 206. 66 NEUFELD, Michael. The Rocket and the Reich – Peenemünde and the coming of the Ballistic Missile Era.

New York: The Free Press, 1995, p. 6.

Page 105: Conhecimento científico e interesse militar

105

ações estavam encobertas pela necessidade de segredo militar. O sinal verde para o início das

construções das instalações em Peenemünde, no Norte da Alemanha, fora dado, mas apesar de

o projeto alemão de mísseis ter estado muito à frente dos projetos de outros países nos anos

1930 e 1940, o problema de navegação dos artefatos se mostrou presente em todo este

período, mesmo após o final da Segunda Guerra Mundial.67

A historiadora norte americana Deborah Warner, em um artigo em que analisa o

processo histórico do desenvolvimento de aplicações de técnicas de medição de distâncias

intercontinentais, fez menção às visões de Von Braun e de W. A. Heiskanen, geodésico

finlandês, sobre a falta de dados sobre grandes distâncias terrestres e suas implicações para o

avanço dos programas de mísseis no pós-Guerra. Von Braun afirmou sobre as distâncias

continentais que:

One of the gravest handicaps in improving missile accuracy is the poor accuracy of

the geodetic survey of a great portion of the globe [...] within continents the national

survey grids are often poorly linked together [and this poor linkage alone] accounted

for error in the V-2s of approximately 140 meters.68

Heiskanen tratou a questão das distâncias intercontinentais da seguinte forma:

As recently as 1948 the coordinates of the Swedish system differed by more than 91

meters from the Danish coordinates for the same control point, and the French

differed from the English about 182 meters. [...] No one knows how great are the

difference between the geodetic systems of different continents.69

O que está evidenciado é que havia uma grande necessidade de informações sobre

distâncias intercontinentais para serem utilizadas nos sistemas de navegação, que estavam

sendo desenvolvidos nos anos 1930 – 1950, dos mísseis de longo alcance. O desenvolvimento

do chamado Intercontinental Ballistic Missile (ICBM) foi um processo lento, no qual o

67 Ver especificamente o capítulo The founding of Peenemünde. In: NEUFELD, Michael. The Rocket and the

Reich – Peenemünde and the coming of the Ballistic Missile Era. New York: The Free Press, 1995. 68 Uma das mais graves deficiências na melhoria da precisão dos mísseis é a baixa precisão do levantamento

geodésico de uma grande parte do globo. [...] continentalmente, as redes nacionais de mapeamento são

escassamente ligadas [e estas conexões ruins, sozinhas,] responderam por erros de aproximadamente 140 metros nos V-2s. Ver: WARNER, Deborah. “From Tallahassee to Timbuktu: cold War efforts to measure

intercontinental distances.” In: Historical Studies in the Physical and Biological Sciences. Vol. 30, Part 2, 2000,

p. 393, tradução nossa. 69

Recentemente, em 1948, as coordenadas do sistema sueco diferiram mais do que 91 metros das coordenadas

dinamarquesas para o mesmo ponto de controle, e as francesas diferiram das inglesas cerca de 182 metros. [...]

Ninguém sabe quão grande é a diferença entre os sistemas geodésicos de continentes diferentes. Ver: WARNER,

Deborah. (2000), op. cit., p. 393, tradução nossa.

Page 106: Conhecimento científico e interesse militar

106

aperfeiçoamento de combustíveis apropriados e o sistema de direção foram os maiores

problemas enfrentados pelas equipes de pesquisa, desde os protótipos iniciais de projéteis de

curto alcance. Os ICBMs começaram a ser construídos em projetos dos anos 1950 e 1960 pela

Air Force norte americana (desvinculada do Exército dos EUA em setembro de 1947), mas as

pesquisas básicas que os fundamentaram tiveram início décadas antes, onde observações de

eclipses solares foram usados como forma de levantamento de dados geodésicos.70

Alguns

anos antes, o míssil alemão V-2 tinha um alcance médio de cerca de 320 quilômetros,71

que

era mais do que o suficiente para alcançar cidades inglesas, principalmente Londres, a partir

de bases de lançamento no Norte da França entre 1944 e 1945. Se, por um lado, o V-2 tinha

pouca precisão, como afirmou Von Braun, por outro, o efeito psicológico sobre a população

inglesa em poder ser atingida por um destes artefatos, sem alarme e silenciosamente, foi

enorme.72

O historiador norte americano Richard Hallion pôs o V-2 alemão na base dos

programas de desenvolvimento de mísseis nos EUA e na União Soviética. Entretanto, as

diferentes forças militares nos EUA apropriaram-se de forma distinta das experiências

pessoais e materiais que o V-2 podia oferecer. O grupo que esteve em torno de Von Braun,

em Peenemünde, durante a Segunda Guerra, foi absorvido pelo Exército dos EUA. Este grupo

compôs o núcleo da Army Ballistic Missile Agency, que, ao passar dos anos, esteve por trás do

desenvolvimento do combustível adequado para lançamentos de mísseis com maior força de

propulsão, chegando a ser a base do projeto Saturno, que mandou o homem à lua. Já a

Marinha dos EUA não teve muita proximidade com o legado do V-2 e constantemente se via

envolvida em competições com outras agências do governo por fundos de financiamento a

projetos envolvendo pesquisas em mísseis. Por outro lado, a recém-criada Air Force teve um

grupo importante em seus quadros que, no imediato pós-Guerra, trabalhou no

desenvolvimento de mísseis intercontinentais nucleares.73

Para além das questões sobre o

aperfeiçoamento do sistema de direção dos ICBMs, havia a mudança na natureza da guerra,

70 Os ICBMs têm um alcance de até 13.000 km. Já o raio de ação do IRBM, Intermediate Range Ballistic

Missile, varia entre 2.400 km à 6.400 km, enquanto o MRBM, Medium range ballistic missile, podem alcançar

de 800 km à 2.400 km. Ver: HALLION, Richard. “The development of American Launch Vehicles since 1945.”

In: HANLE, Paul. CHAMBERLAIN, Von Del (editors). Space Science comes on age. Perspectives in the

History of Space Sciences. Washington: National Air and Space Museum. 1981, pp. 115 – 134.; e: PEREIRA, Antônio Celso Alves. Os Impérios nucleares e seus reféns: relações internacionais contemporâneas. Rio de

Janeiro: Edições Graal, 1984, pp. 75 – 98. 71 HALLION, Richard. (1981), op. cit., p. 116. 72

Ver: DeVORKIN, David. Science with a vengeance: how the military created the US space sciences after

World War II. New York: Springer – Verlag, 1992, pp. 45 – 49.; e: NEUFELD, Michael. The Rocket and the

Reich – Peenemünde and the coming of the Ballistic Missile Era. New York: The Free Press, 1995, p. 137. 73 HALLION, Richard. (1981), op. cit., p. 116.

Page 107: Conhecimento científico e interesse militar

107

que ia poder ser conduzida a distância, sem a necessidade da presença de tropas em campos

de batalha e com a possibilidade de emprego das recém-criadas ogivas nucleares.

Pelo exposto, fica evidente que o conhecimento de distâncias intercontinentais era

bastante importante na visão militar. Isto ajuda a entender o grande envolvimento que

militares dos EUA tiveram em observações de eclipses solares na década de 1940 e os

problemas que eles herdaram dos pioneiros neste campo. Entre os problemas técnicos que os

engenheiros enfrentavam no desenvolvimento de mísseis de longo alcance, a questão da

precisão dos alvos aos quais os projéteis eram direcionados tinha relações com os dados

fornecidos por estudos geodésicos. Nesta perspectiva, as aplicações dos resultados que o teste

de Banachiewicz podia oferecer impulsionaram a criação de um projeto secreto por parte dos

militares norte americanos envolvidos nas observações do eclipse em Bocaiuva.

Em 01 de abril de 1947, o Chefe da Sessão de Engenharia do Exército dos EUA

recebeu um ofício secreto do coronel William M. Garland, do Army Air Forces Headquarters,

que dizia o seguinte:

In view of the present military interest in a world-wide geodetic datum from the

standpoint of guided missile employment, it is suggested that a joint Engineer-Air

Force project be established to investigate the possibilities of intercontinental

astronomical-geodetical work during solar eclipses and […] as is practicable during

the 20 May solar eclipse.74

Ou seja, desde antes da ocorrência do eclipse total do Sol de 20 de maio de 1947,

visível no Brasil, o Exército EUA já vislumbrava utilizar os dados de um experimento

específico para o aperfeiçoamento de mísseis intercontinentais. Este interesse de militares

norte americanos contou com a colaboração de uma rede de astrônomos e físicos, que

prestaram auxílio dando sugestões quando consultados e se dispondo a se aproximar de

astrônomos finlandeses, que possuíam a experiência e os equipamentos adequados para a

realização desta observação. Ainda antes da ocorrência do eclipse de maio de 1947, em 15 de

abril de 1947, o professor Charles Smiley, Diretor da Brown University, indicou

74 Na perspectiva do atual interesse militar em dados geodésicos mundiais, no ponto de vista do emprego de

mísseis guiados, sugere-se que um projeto conjunto Engineer-Air Force seja estabelecido para investigar as

possibilidades de um trabalho astronômico-geodésico intercontinental durante eclipses solares e, bem como, ver

a possibilidade de sua realização, durante o eclipse do Sol de 20 de maio. Ver: Memorandum from Colonel

William M. Garland to the Chief of Engineers. April 01, 1947. In: RG 342 – Entry P26 – Correspondence files –

Box 3696, Folder: 361 – Geodetical Mission – (National Defense) – Solar Eclipse Expedition. NARA/ College

Park – MD/ US, tradução nossa.

Page 108: Conhecimento científico e interesse militar

108

informalmente sua disposição em ajudar no levantamento de informações, já que ele ia estar

no Brasil em 1947 para observar o fenômeno.75

3.4 Astrônomos e militares: sugestões e interesses

Durante a Segunda Guerra Mundial, a participação de cientistas em projetos militares

ganhou proporções não testemunhadas anteriormente. O Governo dos EUA reorganizou a

estrutura dos órgãos científicos, alocando engenheiros, químicos, geodesistas e,

principalmente, físicos, em órgãos como o National Defense Research Committee e o Office

of Scientific Research and Development, que coordenavam a política científica voltada para as

necessidades de guerra.76

Com o término da Guerra, a estrutura organizacional foi desfeita,

mas o canal de trocas entre militares e cientistas estava aberto e foi utilizado de acordo com as

necessidades; fosse para algum pesquisador conseguir um contrato com alguma agência

militar; fosse para os militares consultarem os cientistas em caso de dúvidas sobre projetos de

pesquisa.

Em 11 de julho de 1947, o coronel do Air Corps George W. Goddard, da Divisão de

Engenharia do Air Material Command,77

enviou um ofício confidencial ao Perkins

Observatory, em Delaware, Ohio, ao Georgetown College Observatory, em Washington DC,

e à Brown University, em Providence, Rhode Island, afirmando o interesse do Exército dos

EUA em realizar medições intercontinentais durante um eclipse solar e solicitando

informações sobre que equipamentos utilizar, procedimentos a serem adotados, pontos de

observação apropriados e mapas que mostrassem os locais em que ia ser possível ver o eclipse

anular do Sol de 09 de maio de 1948. Em momento algum o documento menciona que o

interesse nesta observação era usar os dados com o intuito de aperfeiçoar ICBMs.78

75 Memorandum from Brig. General L. P. Whitten to Commanding General Air Material Command. April 15,

1947. In: RG 342 – Entry P26 – Correspondence files – Box 3696, Folder: 361 – Geodetical Mission – (National

Defense) – Solar Eclipse Expedition. NARA/ College Park – MD/ US. 76 KEVLES, Daniel. The Physicists: The history of a scientific community in Modern America. Massachusetts:

Harvard University Press, 1987, pp. 287 – 323. 77 O Air Material Command, anteriormente denominado Air Technical Services Command, teve estreitas

ligações com as pesquisas no Radio Research Laboratory da Universidade de Harvard, sob a chefia do físico

Marcus O’Day. O’Day trabalhou para o Air Material Command desenvolvendo sistemas de triangulação de

posição e de trajetórias de mísseis usando técnicas de emissão de pulsos de rádio. Ver: DeVORKIN, David. Science with a vengeance: how the military created the US space sciences after World War II. New York:

Springer – Verlag, 1992, p. 87. 78 Memorandum from Colonel George W. Goddard (Chief of Photographic Laboratory Engineering Division) to

Perkins Observatory.; Memorandum from Colonel George W. Goddard to Georgetown College Observatory.;

Memorandum from Colonel George W. Goddard to Brown University. July 11, 1947. In: RG 342 – Entry P26 –

Correspondence files – Box 3696, Folder: 361 – Geodetical Mission – (National Defense) – Solar Eclipse

Expedition. NARA/ College Park – MD/ US.

Page 109: Conhecimento científico e interesse militar

109

Smiley respondeu em 16 de julho de 1947, indicando que o eclipse de 09 de maio de

1948 ia ser um eclipse anular do Sol e que ele não era muito apropriado para a execução do

método de Banachiewicz, como o que fora feito entre o Brasil e a África em maio de 1947.79

Smiley preocupou-se em apontar alguns locais onde o eclipse anular de maio de 1948 ia ser

visível, sugeriu que o eclipse anular de 12 de novembro de 1947 poderia ser utilizado para

testar o método de Banachiewicz na direção Norte-Sul, ligando pontos entre o Peru e os EUA,

e usou o seguinte argumento para reforçar a importância deste tipo de experimento:

[...] may I say that I feel that the problem of intercontinental distance as measured by

means of a total solar eclipse is one of great importance, one whose full significance

will be better appreciated ten or twenty years from now. I feel that it is highly

important that observations as good as can be made, be made now, in full confidence

that the years will prove the value of the extra precise measures.80

Apesar de ter salientado a importância que os dados teriam no futuro, o que despertou mais a

atenção dos militares do Army Air Forces Headquarters foi a possibilidade de ligar os pontos

das redes geodésicas do Norte e do Sul das Américas.81

A resposta do Georgetown College Observatory foi assinada pelo astrônomo Francis

Heyden, então Diretor da instituição. De uma forma geral, Heyden não hesitou em passar as

informações sobre os locais que possivelmente iam oferecer boas condições de observação do

79 Enquanto em um eclipse total do Sol o disco da lua é maior do que o disco solar, e o cobre por completo, em

um eclipse anular do Sol o disco da lua é ligeiramente menor do que o solar, e no momento máximo deste

eclipse apenas a borda do Sol aparece no entorno da borda da lua, formando um anel. O que determina se um

eclipse será total ou anular é a distância em que a lua se encontra da Terra. Como a volta que a lua dá em torno

do nosso planeta forma uma elipse, há períodos em que ela está mais próxima da Terra e outros em que ela está

mais longe. Se na ocorrência de um eclipse do Sol a lua esta no seu ponto mais distante da Terra (apogeu lunar –

cerca de 400 mil km da Terra), temos um eclipse anular do Sol; se a lua está em seu ponto mais próximo da Terra (perigeu lunar – cerca de 360 mil km da Terra), temos um eclipse total solar. Desta forma, no eclipse total

do Sol o segundo contato ocorre quando o disco da lua cobre totalmente o disco solar e a coroa do Sol aparece.

Já no eclipse anular do Sol, o segundo contato ocorre quando o disco da lua já avançou o suficiente sobre o disco

do Sol e este reaparece por de trás do disco lunar e o anel solar surge. Ver: LITTMANN, Mark; WILLCOX,

Ken; ESPENAK, Fred. Totality: eclipses of the Sun. New York: Oxford University Press, 1999, p. 115.; e Figura

20. 80 [...] devo dizer que sinto que o problema da distância intercontinental medida por meio de um eclipse total do

Sol é de grande importância, cujo completo significado será melhor apreciado daqui a dez ou vinte anos. Eu acho

que é muito importante que as observações sejam feitas já, da melhor forma que elas podem ser feitas, com plena

confiança que os anos vão provar o alto valor destas rigorosas mensurações. Ver: Memorandum from Charles H.

Smiley to Headquarters Air Material Command. July 16, 1947. In: RG 342 – Entry P26 – Correspondence files – Box 3696, Folder: 361 – Geodetical Mission – (National Defense) – Solar Eclipse Expedition. NARA/ College

Park – MD/ US, tradução nossa. 81 A resposta de Smiley motivou trocas de informações entre os oficiais do Exército dos EUA sobre a chance de

ligar as redes geodésicas americanas. Ver: Memorandum from Brigadier General F. O. Carroll (Chief of the

Research & Engineering Div.) to Commanding General Air Material Command. August 01, 1947. In: RG 342 –

Entry P26 – Correspondence files – Box 3696, Folder: 361 – Geodetical Mission – (National Defense) – Solar

Eclipse Expedition. NARA/ College Park – MD/ US.

Page 110: Conhecimento científico e interesse militar

110

eclipse de maio de 1948, como o Norte do Japão, a China e algumas ilhas do Pacífico. Porém,

ao tratar os métodos existentes para a determinação precisa dos contatos, Heyden apontou

dois problemas que o método Banachiewicz (identificando-o como um método sugerido pelo

astrônomo sueco Bertil Lindblad) possuía. Segundo Heyden:

1) It seems difficult to expect that the precise frame on which the beginning or end

of the eclipse can be seen will be found beyond all doubt. An uncertainty of twenty

or more frames seems to me to make the method rather inexact.

2) The method relies on only one observation at each contact, which can be spoiled

by interference on the radio time signal, by clouds or by some sudden instrumental

defect that can easily occur in field operation. One lost contact destroys over 25% of

the efforts of the whole expedition.82

Após mostrar suas ressalvas diante do método de Banachiewicz, Heyden detalhou uma

técnica de medição de momentos de contatos de eclipses totais do Sol, que os astrônomos do

Georgetown College Observatory tinham empreendido com sucesso nos dois últimos

fenômenos. Este método dava como resultado cerca de 600 exposições individuais do Sol em

chapas de vidro a partir das quais era possível determinar a posição relativa da lua e do Sol.

Heyden afirmou que apesar deste método ter sido empregado na observação do eclipse de

1940, no Brasil, em condições climáticas desfavoráveis, os resultados foram bastante

satisfatórios. Heyden colocou à disposição o equipamento do Georgetown College

Observatory para realizar as reduções após as observações de maio de 1948 e abriu as portas

de seu observatório para os militares.

Em diversos momentos, Heyden sugere um trabalho em parceria entre os astrônomos

de seu observatório e alguns militares do Air Corps que, na visão do Diretor do Georgetown

College Observatory, já possuíam experiência com os procedimentos e com o equipamento de

seu observatório. Aparentemente, Heyden aproveitou a oportunidade para tentar convencer o

comando do Air Corps da eficácia do método utilizado por seu observatório e para tentar

estabelecer parcerias de trabalho. De toda forma, a resposta do Air Material Command ao

82 1) Parece difícil esperar que o quadro exato [do filme], no qual o início ou o fim do eclipse possa ser visto,

seja encontrado sem sombra de dúvidas. Uma incerteza de vinte ou mais quadros parece, no meu ponto de vista, tornar o método inapropriado. 2) O método baseia-se somente em uma observação em cada contato, que pode ser

atrapalhado por uma interferência [no controle] do tempo fornecido pelo sinal de rádio, por nuvens ou por algum

repentino defeito no instrumento, que pode facilmente ocorrer no campo de operação. A perda de um contato

destrói mais do que 25% dos esforços de toda a expedição. Ver: Memorandum from Francis Heyden to

Commanding General Air Material Command. July 16, 1947. In: RG 342 – Entry P26 – Correspondence files –

Box 3696, Folder: 361 – Geodetical Mission – (National Defense) – Solar Eclipse Expedition. NARA/ College

Park – MD/ US, tradução nossa.

Page 111: Conhecimento científico e interesse militar

111

ofício de Heyden foi enviada em 14 de agosto de 1947, agradecendo às informações e

lamentando por não ter à disposição a mão de obra solicitada para um trabalho em conjunto

nas dependências do Georgetown Observatory naquele momento.83

Contudo, como foi visto

no segundo capítulo, Heyden conseguiu alguns contratos com a Força Aérea dos EUA nos

anos seguintes. Nesta perspectiva, pode não ter sido tão ingênuo o fato de Heyden ter emitido

uma opinião negativa ao experimento que ia ser realizado no eclipse de maio de 1948. Da

mesma forma, a explicação da metodologia para a determinação dos contatos do eclipse total

desenvolvida pelos astrônomos de seu observatório (que Heyden afirmava fornecer resultados

mais precisos), a disponibilidade dos instrumentos de sua instituição e a sugestão de parcerias

com os militares da Força Aérea vão no mesmo sentido.

Os astrônomos J. Allen Hynek e Armin J. Deutsch assinaram a resposta do Perkins

Observatory. Nela, eles apontaram a existência de três métodos para fazer medidas entre

estações separadas por longas distâncias: (a) por medidas astronômicas convencionais, (b)

pelo uso de eclipses do Sol e (c) por ocultações de estrelas pela lua. Destes métodos, segundo

Hynek e Detsch, o de ocultação de estrelas pela lua é o que apresenta maiores possibilidades

de sucesso. Creio que Hynek e Detsch estranharam a requisição de informações por parte de

uma agência militar sobre experimentos geodésicos na ocorrência de eclipses, já que para eles

[...] a solar eclipse provides an excellent opportunity for important physical and

astrophysical observations, many of which have military implications, particularly as

pertaining to the physical state of the upper atmosphere.84

Ou seja, a relação entre os estudos

ionosféricos durante a ocorrência de eclipses do Sol e suas relações com os anseios militares

ainda estava bem viva para alguns astrônomos nos EUA. Por outro lado, nem todos os

astrônomos vislumbravam o uso no aperfeiçoamento da direção de mísseis que os resultados

destas observações poderiam fornecer.

83 Memorandum from Colonel of Air Corps George W. Goddard (Chief of Photographic Laboratory Engineering

Division) to Francis Heyden. August 14, 1947. In: RG 342 – Entry P26 – Correspondence files – Box 3696,

Folder: 361 – Geodetical Mission – (National Defense) – Solar Eclipse Expedition. NARA/ College Park – MD/ US. 84 [...] um eclipse solar proporciona uma excelente oportunidade para importantes observações físicas e

astrofísicas, muitas das quais têm implicações militares, particularmente pertencentes ao estado físico da

atmosfera superior. Ver: Memorandum from J. Allen Hynek and Armin J. Deutsch to Commanding General Air

Material Command. July 31, 1947. In: RG 342 – Entry P26 – Correspondence files – Box 3696, Folder: 361 –

Geodetical Mission – (National Defense) – Solar Eclipse Expedition. NARA/ College Park – MD/ US, tradução

nossa.

Page 112: Conhecimento científico e interesse militar

112

3.5 – A ciência no escuro: a organização de uma expedição para eclipsar a paz

O processo de organização da expedição para o eclipse de maio de 1948 teve sua fase

crucial na ocorrência de uma conferência para seu planejamento em 29 de setembro de 1947.

A minuta da conferência revela que o grande número de militares e cientistas presentes sabia

que a intenção de utilizar um eclipse do Sol para realizar medições geodésicas era uma técnica

ainda em teste, mas que tinha grandes chances de ter resultados positivos. Ao menos era o que

eles esperavam. Os participantes ouviram as impressões de Lyman Briggs, John O’Keef,

astrônomo da Geodetic Division of Maps of the US Army, e do almirante L. O. Colbert, do

United States Coast and Geodetic Survey. O’Keef externou sua preferência pela técnica de

Banachiewicz (àquela altura já tomada como técnica de Bonsdorff) e considerou que os

resultados das mensurações poderiam ter uma precisão de cerca de 50 metros. Já Briggs e

Colbert estavam preocupados com as condições climáticas no Norte do Pacífico e sugeriram

metodologias convencionais para superar o problema do mal tempo constante nas Ilhas

Aleutas. Ao final da reunião, um comitê para elaboração do plano de observação foi apontado,

sendo formado por um membro de cada instituição participante do projeto, que teve a seguinte

configuração:

– Col. Wm. H. Mills, Chairman – Army Map Service;

– Loren A. Bloom – Aero. Chart Service;

– Lyman Briggs – National Geographic Society;

– Lt. Col. F. H. Colby – Air Force Liaison to the Office of the Chief of Engineers;

– J. J. Deeg – Air Material Command, Wright Field;

– Lt. Comdr. A. J, Hoskinson – U. S. Coast and Geodetic Survey;

– G. G. Lorenz – Engineer Research & Development Lab.;

– Guillermo Median – Hydrographic Office, Navy Dept.;

– John A. O’Keefe – Army Map Service;

– John R. Richardson – Office of the Chief of Engineers;

– Col. J. C. Tison Jr. – Headquarters, Air Forces (Shoran).85

Como é possível perceber, o comitê para as observações do eclipse anular de maio de

1948 foi formado em sua maioria por militares de instituições de cartografia86

e engenharia, e

85 Minutes of Conferences on plans for observation of the eclipse of May 8 – 9, 1948, at the Army Map Service

at 09:30 hours, 29 September 1947. RG 331, Box 7422, Folder: Eclipse of Sun 1947. NARA/ College Park –

MD/ US.

Page 113: Conhecimento científico e interesse militar

113

tinha o caráter de uma expedição científico militar. A proposta preliminar que o comitê

elaborou teve as seguintes considerações iniciais:

The development of new methods of warfare and of new methods of radio

navigation involving very long distances has made it a matter of military necessity

as well as of scientific interest to determine the distances between the great

continental triangulation system of Europe, Asia and North America, as well as the

lesser system in Africa, South America, and Asia. Two principal roads are open to

us for such determinations: first, direct measurements; second, computation, using

accurate values for the size and shape of the earth. The aim, in either case, is to

make the determination of positions within a single triangulation system. At present

relative positions over long distances within a single system are known with

accuracy 6 – 9 meters. On the other hand, computed intercontinental distances may

be in error by 182 to 213 meters, and possibly more, chiefly due to the inaccuracy of

the present knowledge of the figure of the earth.87

O objetivo público desta expedição era determinar as distâncias entre os sistemas de

triangulação continentais dos EUA, Japão e Índia, e os ligar, como afirmou John O’Keefe.88

Mas, o uso que os resultados da ligação entre os sistemas de triangulação podiam oferecer

estavam sob o véu do sigilo e era [...] to determine the relation of 1927 North American

datum to the triangulation of the Far East without the necessity of connecting through eastern

Siberia.89

Nesta lógica, o método de Banachiewicz era importante tendo em vista que os

métodos tradicionais não eram capazes de estabelecer com grande precisão a distância entre

dois locais separados por oceanos. Os métodos tradicionais davam a distância entre dois

86 Ainda existia o interesse na comercialização de mapas que cresceu exponencialmente nos EUA nos anos 1940,

como assinala Schulten. Ver: SCHULTEN, Susan. The Geographical Imagination in America, 1880 – 1950. Chicago: The University of Chicago Press, 2001, pp. 204 – 214. 87 O desenvolvimento de novos métodos de guerra e de rádio navegação que envolvem grandes distâncias

tornou-os uma questão de necessidade militar, bem como de interesse científico, para determinar as distâncias

entre o grande sistema de triangulação da Europa, Ásia, América do Norte, bem como o sistema menor que há na

África, América do Sul e Ásia. Dois caminhos principais estão abertos para tais determinações: primeiro, as

medições diretas; segundo, cálculos utilizando valores precisos para o tamanho e forma da Terra. O objetivo, em

qualquer caso, é fazer a determinação de posições em um sistema único de triangulação. Atualmente, posições

relativas de longas distâncias dentro de um único sistema são conhecidas com uma precisão de 6 a 9 metros. Por

outro lado, cálculos de distâncias intercontinentais podem ter um erro de 182 a 213 metros, sendo possivelmente

maior, devido principalmente à imprecisão do conhecimento sobre a figura da Terra. Ver: Preliminary proposals

for observations of the 1948 eclipse to furnish a basis for discussion at conference of 29 Sept 47. In: RG 331, Box 7422, Folder: Eclipse of Sun 1947. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 88 O’KEEFE, John. “The National Geographic Society 1948 Eclipse Expedition to Rebun Jima.” In: Surveying

and Mapping. Washington: Imprenta Washington, Number 9, 1949, p. 168. 89

[...] determinar a ligação do sistema de informações norte americanas de 1927 ao sistema de triangulação do

Extremo Oriente sem a necessidade de conectá-los através da Sibéria. Ver: Preliminar proposals for observations

of the 1948 eclipse to furnish a basis for discussion at conference of 29 Sept 47. In: RG 331, Box 7422, Folder:

Eclipse of Sun 1947. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa.

Page 114: Conhecimento científico e interesse militar

114

pontos continentais com uma acuidade que variava entre 6,1 metros a 9,14 metros de margem

de erro. Já a precisão da distância entre dois pontos intercontinentais variava entre 213 metros

ou mais de margem de erro. A expectativa era que o método Banachiewicz reduzisse a

margem de erro para cerca de 50 - 60 metros,90

como O’Keef também assegurou

anteriormente. A importância da precisão dos dados sobre as grandes distâncias

intercontinentais é entendida se virmos sua relação com o poder de precisão dos ICBMs.

Antônio Celso Pereira, ao analisar as relações científicas e militares numa perspectiva

de política internacional na era de armas de destruição em massa, indicou que o importante

não é somente a energia liberada (potência destrutiva) da explosão de uma ogiva nuclear, mas,

também, a precisão do veículo transportador. Segundo Pereira:

A precisão de um míssil é considerada conforme o Erro Circular Provável (ECP), ou

seja, o raio de um círculo no alvo dentro do qual se espera que 50% dos petardos

devam cair. Levando em conta este dado técnico, podemos facilmente deduzir que o

importante não é a potência da ogiva, e sim a precisão do projétil. [...] se o objetivo é

destruir determinado alvo de estrutura reforçada, que exigiria uma estrutura de um

megaton lançada através de um projétil com um ECP de mil metros, poder-se-ia

fazê-lo, com a mesma eficiência, lançando um projétil cuja precisão atinge

quinhentos metros de ECP, com uma ogiva de 125 quilotons.91

Ou seja, o aumento da eficiência dos ICBMs, que estavam em desenvolvimento, era

um dos pontos que os militares norte americanos se preocuparam ao término da Segunda

Grande Guerra. Neste ínterim, eclipses solares, que já eram observados em uma perspectiva

de aperfeiçoamento de equipamentos de uso militar nos anos 1930, foram tomados como uma

possibilidade de alcançar este objetivo.

No início de novembro de 1947, circulou um ofício entre as organizações militares

envolvidas neste projeto, com as recomendações e conclusões sobre as medições

astronômico-geodésicas que iam ser feitas durante o eclipse de 09 de maio de 1948. As bases

de observação foram definidas e iam ficar localizadas em:92

– Adak, Aleutian Islands – base com um B – 29;

– Kiska, Aleutian Island – base com um B – 29;

90 Memorandum from Harry Kelly to General W. F. Marquat. January 12, 1948. In: RG 331 - Entry 2, Box 7431,

Folder: Eclipse [26]. NARA/ College Park – MD/ US. 91 PEREIRA, Antônio Celso Alves. Os Impérios nucleares e seus reféns: relações internacionais

contemporâneas. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984, p. 81. 92 Ver Figura 16.

Page 115: Conhecimento científico e interesse militar

115

– Rebun Jima, Japan – base com equipe de observadores;

– Ch’onan, Koreia – base com equipe de observadores;

– Wu-k’ang, China – base com equipe de observadores;

– Bangkok, Tailândia – base com equipe de observadores;

– Mergui, Burma – base com equipe de observadores.

A organização decidiu que haveria dois tipos de equipes de observação em cada um

dos cinco pontos de observação: uma móvel e outra fixa. Esta medida era para assegurar a

possibilidade de deslocamento da equipe em caso de más condições climáticas na base inicial.

Por outro lado, as equipes das Ilhas Aleutas iam contar com o apoio de dois aviões B – 29 da

311th

Reconnaissance Wing que iam realizar observações aéreas em Kiska e em Adak,

colocando em prática a técnica de mensuração de distâncias conhecida como Shoran.93

Já as

cinco equipes fixas iam ser compostas por astrônomos, técnicos de rádio, técnicos em

câmeras, hidrógrafos, cozinheiro e um ajudante de campo. O pessoal para preencher estas

funções ia ser recrutado nos quadros de instituições dos EUA ou da própria região de

observação, enquanto que o transporte tanto do pessoal como do equipamento ia ser feito pela

Air Force dos EUA.94

Lyman Briggs foi o responsável pela escolha dos cientistas para a condução dos

estudos em cada uma das cinco bases de observação, além de ter supervisionado o ajuste de

todo o equipamento científico. Briggs distribuiu os seguintes astrônomos norte americanos

para supervisionarem os aparelhos nos cinco pontos de observação: George Van Biesbroeck,

Charles Smiley, Edward A. Halbach, Francis Heyden e Paul McNally.95

Cada uma das

93 SHORAN (Short Range Aid to Navigation) foi uma técnica sugerida por engenheiros da RCA (que estudavam

transmissões de sinais de rádio de televisão) à Army Air Force em 1940 e consistia na emissão de pulsos de rádio

para duas bases no solo (com localizações conhecidas) que retransmitiam os sinais ao avião. A diferença de

tempo da recepção dos sinais era medida e os operadores de rádio identificavam sua posição em voo. Segundo

D. Warner, Carl Alaskon, do US Coast and Geodetic Survey, sugeriu que um avião equipado com SHORAN

podia determinar a distância entre dois pontos no solo. Bastava que ele voasse perpendicularmente e em linha

reta entre duas bases de retransmissão de sinais de rádio e gravasse a distância percorrida entre estas bases. Esta

adaptação foi chamada de HIRAN (High Precision Shoran). Ver: WARNER, Deborah. “From Tallahassee to Timbuktu: cold War efforts to measure intercontinental distances.” In: Historical Studies in the Physical and

Biological Sciences. Vol. 30, Part 2, 2000, p. 395. Esta era a técnica que Lyman Briggs e o almirante L. O.

Colbert queriam usar nas Ilhas Aleutas no programa de observação do eclipse de maio de 1948. 94

Proposed plans for observation of solar eclipse, May 1948. November 28, 1947. In: RG 331, Box 7422,

Folder: Eclipse of Sun 1947. NARA/ College Park – MD/ US. 95 Preliminary proposals for observations of the 1948 eclipse to furnish a basis for discussion at conference of 29

Sept 47. In: RG 331, Box 7422, Folder: Eclipse of Sun 1947. NARA/ College Park – MD/ US.

Page 116: Conhecimento científico e interesse militar

116

missões distribuídas ao longo da faixa do eclipse ia realizar o mesmo experimento realizado

pela expedição finlandesa em maio de 1947. 96

Entretanto, extrapolando o interesse nos resultados geodésicos que poderiam ser úteis

aos programas de desenvolvimento de ICBMs, uma das conclusões da reunião que ocorreu

em setembro de 1947 diz que:

Participation in the 09 May 1948 solar eclipse long line measurement project by Air

Force is desirable due to the very valuable data which may be obtained and political

considerations which may prevent future access to the countries involved. However,

due to the nature of method to be employed, uncertainties of weather and very short

observing time, success cannot be guaranteed.97

Se, por um lado, os militares norte americanos sabiam da possibilidade das observações

científicas não obterem sucesso, por outro, eles levaram em conta aspectos políticos dos

países da região em que o eclipse anular de maio de 1948 ia ser visível e esperavam

dificuldades para transitar por lá futuramente. O fato é que havia algum interesse (que não

aparece de forma clara) de militares dos EUA nos aspectos políticos dos países em que ia ser

montada uma base de observação para o eclipse de 1948. É importante lembrar que a missão

da NGS ia estabelecer bases em localidades na China e na Koreia, países que passavam por

situações de instabilidade politica ao final dos anos 1940. O interesse dos EUA,

especificamente através de agências que também estavam envolvidas em observações de

eclipses, na região era claro neste período. Dois anos após o eclipse de 1948, o NBS conduziu

um número crescente de projetos de mísseis guiados para a Marinha dos EUA. Segundo

Cochrane: [...] the missile staff was approaching a hundred members and its development

mission had been accelerated by the requirement for an expanded series of production models

for possible use in Pacific.98

96 Document of Civil Information and Education Sections on April 02, 1948. In: RG 331 - Entry 2, Box 7422,

Folder: Eclipse 48 – 49 [22]. NARA/ College Park – MD/ US. 97 Participação no projeto de mensuração de longas distâncias no eclipse solar de 09 de maio de 1948 da Air

Force é desejável devido à valiosa informação [científica] que deve ser obtida e às considerações políticas que

podem impedir, futuramente, acesso aos países envolvidos. Entretanto, devido à natureza do método a ser

empregado, incertezas sobre o clima e ao curto tempo de observação, o sucesso não pode ser garantido. Ver: Extract of ‘Recommendations and conclusions’ of memorandum report subject ‘Astro-Geodetic work during the

09 May Solar Eclipse’. In: RG 342 – Entry P26 – Correspondence files – Box 3696, Folder: 361 – Geodetical

Mission – (National Defense) – Solar Eclipse Expedition. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 98

[...] o grupo de trabalho em mísseis está se aproximando de cem membros e seu trabalho foi acelerado pela

exigência de uma série de maior produção para um possível uso no Pacífico. Ver: COCHRANE, Rexmond C.

Measures for progress: a history of the National Bureau of Standards. Washington D.C.: Department of

Commerce, 1974, p. 445, tradução nossa.

Page 117: Conhecimento científico e interesse militar

117

Com as observações do eclipse de maio de 1948, as autoridades científicas e militares

dos EUA esperavam ser possível produzir conhecimento que podia ajudar a solucionar

problemas no desenvolvimento de seu arsenal e alcançar outros interesses diversos, não

diretamente ligados ao aperfeiçoamento de armas. Cientistas japoneses, que estavam

envolvidos nas observações deste eclipse, propuseram vinte e três investigações com a

participação de cerca de cem pessoas. Entre estes estudos, havia a proposta de realização de

estudos ionosféricos na região do Pacífico.99

Acredito que o fato das pesquisas ionosféricas

terem sido conduzidas pelo Diretor do Observatório Astronômico de Tóquio, Doutor

Hagihara (astrônomo japonês que participou ativamente de reuniões da IAU nos anos 1930),

que também escolheu sua equipe de trabalho, pode ter sido um esforço dos EUA em interagir

com a prática científica japonesa no pós-Guerra. Um dos objetivos do Supreme Commander

for the Allied Powers (centro de comando militar que coordenou as ações no Japão pós-

Segunda Guerra) era apoiar a reconstrução da prática científica no Japão, ao mesmo tempo em

que estabelecia trocas com ela.100

Esta atitude de cooperação científica entre japoneses e norte

americanos fora observada, com restrições ao navio militar dos EUA, no eclipse total do Sol

de 1934 e é fundamental para a prática da Astronomia. De todo modo, astrônomos norte

americanos trabalharam em conjunto com astrônomos japoneses em Rebun Jima, em 1948, e

os resultados alcançados das observações ionosféricas circularam por agências cientificas e

militares dos EUA.

O resultado científico final que foi alcançado pela missão da NGS para observar o

eclipse anular de 1948 não foi tão bom. Nem todas as bases tiveram sucesso na determinação

precisa dos momentos dos segundo e terceiro contatos do eclipse. Problemas com o

equipamento em algumas estações e com o mal tempo em outras frustraram as esperanças dos

expedicionários dos EUA. Todavia, as observações em Rebun Jima e nas Ilhas Aleutas foram

um sucesso. Esta foi a primeira e última situação em que o Exército dos EUA se envolveu

com observações de eclipses para tentar alcançar medidas geodésicas mais precisas, enquanto

que a Forca Aérea norte americana se aliou a astrônomos finlandeses e norte americanos para

continuar a empregar o método de Banachiewicz nos eclipses que ocorreram no anos 1950.

99 Combined reports on radio and ionospheric observations during annular solar eclipse – 9 May 1948. Prepared

under the supervision of General Headquarters Supreme Commander for the Allied Powers (SCAP) – Civil Communications Section Research and Development Division. In: RG 331, Box 7430, Folder: 8. NARA/

College Park – MD/ US. 100 Susan Lindee escreveu sobre a difícil interação entre as práticas científicas norte americana e japonesa –

como críticas norte americanas sobre os procedimentos científicos japoneses e a desconfiança destes para com a

intenção dos norte americanos – em trabalhos realizados em conjunto para analisar os efeitos das bombas

atômicas sobre os japoneses. Ver: LINDEE, Susan, American Science and the Survivors at Hiroshima. Chicago

and London: Library of Congress, 1994.

Page 118: Conhecimento científico e interesse militar

118

Considerações finais

As relações institucionais capitalizadas pelas explorações promovidas pela National

Geographic Society reuniram cientistas vinculados a instituições civis e militares em torno de

observações de eclipses solares nos anos 1930 e 1940. Entre estas instituições, o National

Bureau of Standards, através de seu Diretor, Lyman Briggs, exerceu um papel de liderança

nas decisões do Conselho Científico da NGS e, consequentemente, nas questões acerca das

expedições para a observação de eclipses. Foi possível perceber o envolvimento da Army Air

Force dando apoio logístico à expedição para observação do eclipse de maio de 1947,

enquanto que a Marinha dos EUA esteve à disposição dos expedicionários da NGS para a

observação do eclipse de junho de 1937. Os resultados desta dissertação indicam que a Army

Air Force tinha interesse específico em usar os dados que possivelmente iam ser alcançados a

partir de observações de eclipses para aperfeiçoar sistemas de localização e melhorar os

dispositivos de precisão de seus mísseis. Já a Marinha dos EUA, que possuía um observatório

próprio, estava inclinada a aproveitar os resultados das observações dos contatos de eclipses

do Sol para melhorar suas informações sobre navegação.

A participação de outras instituições nas expedições promovidas pela National

Geographic Society estava ligada a relações pessoais entre os pesquisadores do NBS e

astrônomos de diferentes observatórios, onde D. Menzel, H. O. Hulburt, S. Mitchell, Francys

Heyden, F. Richtmyer, Paul McNally, George Van Biesbroeck e Charles Smiley foram os que

se destacaram pela quantidade de participações diretas ou indiretas na organização e

observações de eclipses. Os cientistas do NBS que aparecem como maiores interessados em

observar eclipses do Sol e responsáveis pelos contatos pessoais com outros pesquisadores

foram Irvine Gardner, C. Kiess e Lyman Briggs. Estes contatos forneciam informações ao

NBS e constituíram-se em um canal de contatos diferente do que existia nos encontros

promovidos por associações oficiais em Astronomia. Apesar de H. Dellinger e T. R.

Gillialand – ambos do setor de rádio do NBS – terem observado eclipses do Sol e se

envolvido em pesquisas da ionosfera terrestre no período aqui estudado, seus nomes não

apareceram com frequência nas trocas de informações com cientistas de outras instituições.

Aparentemente, Dellinger exercia um papel de coordenação dos trabalhos sobre rádio e,

quando o eclipse era visível em algum lugar distante dos EUA, ele não ia a “campo” realizar

observações, preferindo enviar seus subordinados, como Gillialand, nas expedições

financiadas pela NGS, que o NBS participou.

Page 119: Conhecimento científico e interesse militar

119

A participação de cientistas de outras instituições nas missões organizadas pela NGS,

cooptados de alguma forma pelos laços do staff do NBS, levou legitimidade às ações e

construiu um espaço de troca de conhecimento com pesquisadores ligados, principalmente, ao

Harvard Observatory, US Naval Observatory, McCormick Observatory (University of

Virginia), Georgetown College Observatory, Cornell University e Yerkes Observatory

(University of Chicago). O que existiu foi uma negociação de interesses, onde instituições e

pesquisadores adaptaram seus objetivos à situação de associação que se encontravam, sendo o

interesse mercantil da NGS o orientador das ações.

A característica associativa que era a base para a permanência e aquisição de novos

membros da National Geographic Society era um símbolo de distinção, que, de certa forma,

foi estendido às instituições que participavam das expedições promovidas pela NGS e dava a

todas elas um maior reconhecimento público. A NGS financiava as expedições, o staff do

NBS atraia cientistas de outras instituições para a realização de pesquisas, as Forcas Armadas

dos EUA davam o apoio logístico e os membros da NGS recebiam em suas casas as Revistas

da Sociedade que faziam parte. O espaço associativo, além de estar na base da criação da

NGS e das relações por ela promovida, é percebido na própria formação política dos EUA e,

aparentemente, constituiu-se em um traço do habitus de seus cidadãos, aparecendo nas

relações para a observação de eclipses do Sol que a NGS financiou.

A necessidade de colaboração internacional em pesquisas astronômicas atravessou

todo o período estudado. A dificuldade na obtenção de informações relacionadas a eclipses do

Sol, causada pelas circunstâncias históricas da Segunda Guerra Mundial, ratificou a

importância da cooperação entre cientistas de diferentes países para um melhor conhecimento

das relações entre o Sol e as altas camadas da atmosfera, e para a realização de medidas

geodésicas mais precisas.

O aperfeiçoamento das comunicações por sinais de rádio era o objetivo de cientistas

de diferentes nacionalidades nos anos 1930 e 1940. Apesar de este esforço ter surgido no

início do século XX, foi somente ao final dos anos 1920, inicio dos anos 1930, que

observações de eclipses do Sol foram ligadas à pesquisa da ionosfera, ao menos por

investigadores dos EUA. Neste sentido, os planos de observações de eclipses do Sol das

expedições organizadas pela NGS-NBS continham um amplo programa de investigações, que

comtemplava as características das altas camadas da atmosfera (concentração de elétrons

livres, coeficiente de absorção, temperatura, velocidade dos processos de recombinação e de

quebra molecular) e suas relações com os raios solares, que criam as condições naturais para o

estabelecimento de comunicações através de sinais de rádio. Estas investigações eram do

Page 120: Conhecimento científico e interesse militar

120

interesse das indústrias de aparelhos radiofônicos, das companhias de transmissão de

programas de rádio e da população em geral, que experimentava um novo meio de

comunicação e de lazer. Neste trabalho, privilegiei o interesse militar. A partir de uma

preocupação com a segurança nacional, observatórios de monitoramento de atividades solar

foram criados, ao mesmo tempo em que o NBS concentrava as investigações de rádio reflexão

nos EUA. Nesta perspectiva, as observações de eclipses do Sol foram utilizadas para a coleta

de dados sobre a ionosfera terrestre e suas relações com o Sol e aproximaram os cientistas a

militares, já que estes tinham uma preocupação latente com as comunicações via rádio em

situações de guerra.

Na ocasião das observações científicas do eclipse de maio de 1947, feitas pela

expedição da NGS, há o caso particular da fiscalização inadequada realizada pelo Conselho

de Fiscalização das Expedições Cientificas e Artísticas do Brasil. Os eclipses do Sol ocorridos

nos anos 1940 colocaram o Brasil como destino dos expedicionários da NGS em duas

oportunidades. Neste período, interesses militares se confundiam com interesses científicos e

escolhas científicas eram orientadas por necessidades governamentais. O interesse norte

americano de caráter militar em regiões do Oceano Pacífico ao final dos anos 1930, bem

como a possibilidade do uso dos resultados dos testes ionosféricos feitos durante as

observações do eclipse de outubro de 1940 – no Nordeste brasileiro –, e a ideia que liga a

pista de Bocaiuva à exploração do quartzo do Norte de Minas Gerais foram apresentados

como hipóteses ao longo do trabalho. Por mais que a documentação encontrada não torne

evidente algumas ideias que expus, as hipóteses não estão desprovidas de sentido se levarmos

em conta as circunstâncias históricas que as envolveram, e podem servir como direção para

pesquisas futuras.

Os resultados das medidas geodésicas que o método de observação de Thaddeuz

Banachiewicz – usando eclipses do Sol – podia oferecer supriam uma necessidade de projetos

de pesquisa que militares dos serviços de cartografia e de engenharia do US Army e da US Air

Force desenvolviam na década de 1940. O desenvolvimento de mísseis de longo alcance

carecia de dados geodésicos mais precisos do que os que existiam àquela época, com o intuito

de aumentar sua eficiência destrutiva. Na ocorrência do eclipse anular de 09 de maio de 1948,

a NGS financiou uma multi-expedição científica, que tinha como objetivo secreto alcançar

resultados e usá-los para matar pessoas e destruir instalações com mais eficiência, oferecendo

um perigo menor ao agressor. O que estava sendo alterado era a natureza da guerra, que não

exigia mais a presença de combatentes em campos de batalha e ainda contava com o uso

militar devastador da energia nuclear.

Page 121: Conhecimento científico e interesse militar

121

Astrônomos norte americanos foram consultados pelo setor de engenharia do Exército

dos EUA sobre a possibilidade de sucesso do uso da técnica de Banachiewicz para medir

distâncias geodésicas durante um eclipse anular. Estas consultas expuseram posições

diferentes entre os astrônomos, frente ao método de Banachiewicz, do mesmo modo que

ofereceu exemplos de negociações de interesses entre Francis Heyden e os militares da Forca

Aérea do Exército dos EUA. Esta negociação de interesses ainda apareceu em outros

momentos. Como o eclipse anular de 09 de maio de 1948 ia ser visível em países em que a

situação politica era instável, o comitê de planejamento, constituído por militares e cientistas

das instituições citadas ao longo do trabalho, expressou intenção em conseguir dados de

caráter político.

De uma forma geral, os trabalhos existentes para a organização e observação de

eclipses solares financiadas pela National Geographic Society ofereciam um espaço de

negociação para a conciliação de diversos interesses de instituições científicas e pesquisadores

dos EUA, que possuíam motivadores com um uso claro para os seus proponentes, mas não tão

claros para o público. A identificação destes aspectos foi o objetivo almejado por esta

dissertação.

Page 122: Conhecimento científico e interesse militar

122

Figura 3 – Lyman James Briggs no início dos anos 1950. Ver: RG 167 – UD, Entry 2 – Box 7, Folder: Photographs -

Miscellaneous. NARA/ College Park – MD/ US.

Figura 2 – Lyman James Briggs, em 1933, ao assumir a Direção do National Bureau of Standards. In: RG 167 – UD, Entry 4 – Box 26, Folder: Dr. L. J. Briggs File 1933 - 1949. NARA/ College Park – MD/ US.

Figura 1 - Foto aérea do National Bureau of Standards – 1931. In: RG 167 – UD, Entry 2 – Box 7, Folder: Aerial View of NBS. NARA/ College Park – MD/ US.

Page 123: Conhecimento científico e interesse militar

123

As figuras 4, 5 e 6 podem ser encontradas em: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 3, Folder: Miscellaneous collection of photographs during the National Geographic Society and U.S. Navy solar expedition to the Canton Island. NARA/ College Park – MD/ US.

Figura 6 – Marinheiros em um momento de distração a bordo do Avocet, em julho de 1937.

Figura 5 – Irvine Gardner a bordo do Avocet, em julho de 1937.

Figura 4 – Navio da Marinha dos EUA – Avocet. Este navio conduziu a expedição cientifica da National Geographic Society até a Ilha de Cantão, no Oceano Pacifico em julho de 1937.

Page 124: Conhecimento científico e interesse militar

124

Figura 7

Figura 9 – Instrumentos astronômicos da expedição da National Geographic Society

prontos para capturar imagens do eclipse total do sol de outubro de 1940, na área da fábrica

de algodão de propriedade de um cidadão norte americano que auxiliou a expedição.

Figura 10 – Este é o Ford Station Wagon do National Bureau of Standards que continha um laboratório de rádio portátil e foi utilizado para fazer medições de frequências ionosféricas em outubro de 1940, na Cidade de Patos, PB. Este “instrumento” era enviado pelo NBS para fazer observações em vários locais nos EUA.

Figura 11

Figura 8

Nas figuras 7, 8 e 11 cidadãos da Cidade de Patos, PB, interagem com cientistas e instrumentos na ocasião do eclipse de 1940.

As figuras 7, 8, 9, 10, e 11 podem ser encontradas em: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 3, Folder: Maço de fotos. NARA/ College Park – MD/ US.

Page 125: Conhecimento científico e interesse militar

125

Figura 14 – O chefe da missão finlandesa, que ficou instalada no Brasil, em Bocaiuva, MG, Reino A.

Hirvonen testa o cronômetro de seu instrumento antes da ocorrência do eclipse total solar de 20 de maio de

1947. Ver: RG 167 – UD, Entry 2 – Box 5, Folder: Observed Computed

Radiation from 1st to 4th contact during a total solar eclipse. NARA/

College Park – MD/ US.

Figura 15 – No acampamento da expedição da National Geographic Society em Bocaiuva, MG, os pavilhões do Brasil, dos EUA e da Sociedade tremulavam juntos. Esta foto foi publicada na Revista da NGS. Ver: COLTON, F. Barrows. “Eclipse hunting in Brazil’s ranchland.” National Geographic Magazine. 1947, Sept, p. 304.

Figura 13 – Dr. Sahade, do Observatório de Córdoba, que se associou à expedição finlandesa na observação do eclipse

total do sol realizada em 20 de maio de 1947. Ver: RG 167 – UD, Entry 2 – Box 5, Folder: Observed Computed Radiation

from 1st to 4th contact during a total solar eclipse. NARA/ College Park – MD/ US.

Figura 12 – Eppley pyrheliometer usado por Lyman Briggs no eclipse de maio de 1947. Abaixo da superfície circular branca e preta, há um termopar conectado. A diferença de temperatura entre as duas partes foi medida e tomada como quantidade proporcional de calor absorvido pela superfície escura. Ver: RG 167 – UD, Entry 2 – Box 7, Folder: Photographs - Miscellaneous. NARA/ College Park – MD/ US.

Page 126: Conhecimento científico e interesse militar

126

Figura 17 – Esta é a chamada câmera de Banachiewicz. Este instrumento consiste em um telescópio adaptado a uma câmera de filmagem para gravar os contatos do eclipse solar. Este foi o principal instrumento utilizado pela múltipla expedição da National Geographic Society nas observações do eclipse anular do sol de 08-09 de maio de 1948. Ver: RG 167 – UD, Entry 2 – Box 7, Folder: Photographs – Miscellaneous. NARA/ College Park – MD/ US.

Figura 16 – Faixa do eclipse anular de 08-09 de maio de 1948. No pequeno mapa, feito à mão, ao lado, é possível identificar os locais das bases de observação da missão japonesa. Uma delas ia ficar na Ilha de Rebun Jima, ao Norte do Japão, onde a expedição da National Geographic Society colocou uma das suas sete bases de observação e ia ser possível ver o anel solar no ponto máximo do eclipse. Ver: RG 331 – Box 7422, Folder: Eclipse (1948 – 49) 21. NARA/ College Park – MD/ US.

Page 127: Conhecimento científico e interesse militar

127

Figura 19 – Representação da alta atmosfera em função da altitude e da densidade de elétrons livres por centímetro cúbico. Ver: NEWELL, Homer E. Beyond the Atmosphere: Early Years of Space Science. Washington, D.C.: NASA, SP-4211. Reproduzida por: DeVORKIN, David. Science with a vengeance: how the military created the US space sciences after World War II. New York: Springer – Verlag, 1992, p. 13.

Figura 18 – Representação dos comprimentos de ondas, onde: 1 nanômetro = 10-9 metros= 0,000001 metros. Disponível em http://www.overidon.com/2010/06/invisibility-and-energy-frequency-and-wavelength/

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Mapas dos eclipses solares que aparecem na dissertação (em ordem cronológica)1

1 Imagens disponíveis no site do United States Naval Observatory.

http://astro.ukho.gov.uk/eclbin/query_usno.cgi

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136

Fontes

Toda a documentação utilizada tem sua referência indicada em notas de rodapé ao

longo do texto. O conjunto de fontes documentais desta dissertação pode ser encontrado nas

instituições abaixo:

Academia Brasileira de Ciências – Rio de Janeiro/ RJ/ Brasil;

Arquivo de História da Ciência do Museu de Astronomia – Rio de Janeiro/ RJ/ Brasil;

Arquivo Histórico do Exército Brasileiro – Rio de Janeiro/ RJ/ Brasil;

Centro de Documentação e Histórico da Aeronáutica – Rio de Janeiro/ RJ/ Brasil;

Museu Histórico de Bocaiuva – Bocaiuva/ MG/ Brasil;

National Archives and Records Administration – College Park/ MD/ Estados Unidos.

Page 137: Conhecimento científico e interesse militar

137

Glossário1

Arco de segundo – Um arco de segundo (1”) é igual a 1/60 de 1 arco de minuto (1’), que, por

sua vez, é igual a 1/60 de 1 grau (1º). Um grau (1º) é a medida angular das partes de um

círculo dividido em 360 partes iguais. Logo, 1” é igual a 1/3600 de 1º.

Coroa solar – É a atmosfera solar superior, composta de gás rarefeito. Ela aparece no

momento da totalidade do eclipse solar e tem o formato de uma aréola. Sua temperatura pode

ultrapassar 1.1 milhões de graus Celsius.

Cromosfera – É a atmosfera avermelhada do sol, situada acima da fotosfera. Sua extensão é

de até 10.000 km acima da fotosfera e sua temperatura varia entre 8.000oC e 20.000

oC.

Espectrógrafo – É um instrumento que, através de um prisma, espalha os diferentes

comprimentos de luz contidos em um único feixe de luz, permitindo sua captura e seu estudo.

Espectrohelioscópio – É um espectrógrafo solar que bloqueia as cores que o observador não

deseja ver em favor de uma linha espectral escolhida.

Fadeout – É o fenômeno que ocorre quando há uma atividade solar intensa. A emissão de

raios-X em maior quantidade do que o normal interrompe o processo de ionização nas altas

camadas da atmosfera e as comunicações de rádio que usam sinais de alta frequência.

Flash spectrum – É o momento antes da fase de totalidade, quando o disco da lua cobre a

fotosfera e somente a cromosfera fica visível. Ao final da fase de totalidade, há outro flash

spectrum, quando a cromosfera reaparece por de trás da lua.

Fotosfera – É a superfície aparente do sol com uma aparência granular. Ela consiste em uma

camada de gás a uma temperatura de 5.500oC e tem a espessura de 500 km.

Rede de difração – Consiste em um grande número de riscos ou sulcos paralelos, feitos sobre

uma película de alumínio. Os sulcos devem ter todos a mesma forma e ser absolutamente

regulares assim como regularmente espaçados. Estes sulcos geram imagens de melhor

qualidade.

Zênite – Ponto no qual a vertical do lugar, perpendicular ao horizonte, intercepta a esfera

terrestre acima da cabeça do observador.

1 Este glossário foi elaborado a partir dos trabalhos de autores com treinamento em Astronomia, que estão nas

referências bibliográficas desta dissertação.

Page 138: Conhecimento científico e interesse militar

138

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