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83 REVISTA GOL Pizza integral, marmita natural, armazém do Marcos Palmeira no Leblon e hortas na periferia de São Paulo. Essas e outras novidades mostram que os orgânicos conquistam cada vez mais espaço no seu prato Quando decidiu que a filha Micaela passaria a se alimentar com produtos orgânicos, 15 anos atrás, a engenheira- agrônoma Marina Pasconn não tinha outra opção a não ser buscar direto de produtores em Minas Gerais e no interior de São Paulo. Na capital paulista, onde viveu até 2006, ela não conseguia encontrar vegetais culti- vados sem agrotóxicos e em pequenas propriedades com culturas diversifi- cadas e que respeitassem as estações do ano. A mesma dificuldade ocorria com carnes de animais livres de anti- bióticos e produtos processados sem conservantes, corantes e outros pro- dutos químicos. Em pouco tempo, as mães das colegas de Micaela estavam fazendo encomendas para Marina. Foi desse aproveitamento das viagens que nasceu o serviço de entrega de cestas com produtos orgânicos batizado de Caminhos da Roça. COMPORTAMENTO 82 REVISTA GOL POR MARSÍLEA GOMBATA ILUSTRAÇÃO FERNANDO VOLKEN A BATALHA DOS VEGETAIS

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Page 1: COMPORTAMENTO A BATALHA DOS VEGETAIS em Teresópolis. A proprie-dade de 300 hectares é dele desde 1996, mas no começo o ator não sabia nada de produção orgânica. “Para mim,

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Pizza integral, marmita natural, armazém do Marcos Palmeira no Leblon e hortas na periferia de São Paulo. Essas e outras novidades mostram que os orgânicos conquistam cada vez mais espaço no seu prato

Quando decidiu que a fi lha Micaela passaria a se alimentar com produtos orgânicos, 15 anos atrás, a engenheira-agrônoma Marina Pasconn não tinha outra opção a não ser buscar direto de produtores em Minas Gerais e no interior de São Paulo. Na capital paulista, onde viveu até 2006, ela não conseguia encontrar vegetais culti-vados sem agrotóxicos e em pequenas propriedades com culturas diversifi -cadas e que respeitassem as estações do ano. A mesma difi culdade ocorria com carnes de animais livres de anti-bióticos e produtos processados sem conservantes, corantes e outros pro-dutos químicos. Em pouco tempo, as mães das colegas de Micaela estavam fazendo encomendas para Marina. Foi desse aproveitamento das viagens que nasceu o serviço de entrega de cestas com produtos orgânicos batizado de Caminhos da Roça.

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COMPORTAMENTO

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POR MARSÍLEA GOMBATA ILUSTRAÇÃO FERNANDO VOLKEN

A BATALHA DOS VEGETAIS

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O pioneirismo valeu a pena. Hoje a empresa atende 500 famílias sema-nalmente na Grande São Paulo. “As pessoas estão fi cando mais instruídas e buscando uma qualidade de vida melhor. Crescemos cerca de 30% ao ano”, diz Marina. Nesses 15 anos, o cenário mudou radicalmente. O Censo Agropecuário de 2006 foi o primeiro a levantar a produção de alimentos orgânicos no Brasil. O estudo do IBGE identifi cou uma realidade promissora: o mercado de produtos sem agro-tóxicos, ainda pouco formalizado,

movimentava R$ 1,2 bilhão na época. Desde então, especialistas ligados à área calculam um crescimento médio de 20% ao ano na produção – algumas redes varejistas apontam alta ainda maior, em torno de 40% ao ano. A agricultura orgânica ocupa 1,5 milhão de hectares do solo brasileiro, quase o dobro dos 800 mil de 2008. E novos serviços não param de aparecer por todo o país (veja na página 89).

O Armazém Vale das Palmeiras, por exemplo, foi aberto em fevereiro no bairro carioca do Leblon. O dono da loja,

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o ator Marcos Palmeira, 49 anos, vende itens como alface, rúcula, batata, alho e abacaxi – que produz na fazenda Vale das Palmeiras, em Teresópolis. A proprie-dade de 300 hectares é dele desde 1996, mas no começo o ator não sabia nada de produção orgânica. “Para mim, um pé de alface era algo natural e ponto. A fi cha caiu quando percebi que nem mesmo os produtores comiam o que plantavam, por causa dos agrotóxicos. Pensei: ‘Isso está errado, vou mudar’”, diz Palmeira.

Além do choque de realidade, o ator contou com a inspiração do avô Sinval

Palmeira, advogado do líder comunista Luís Carlos Prestes e dono de uma fazen-da em Itabuna, no sul da Bahia. Sinval já adotava um modelo que questionava a monocultura, prezava pela adubação natural e se opunha à ideia de agricul-tores produzindo na roça para depois comprar frutas, verduras e legumes na cidade. “Na época não se tinha muita in-formação sobre agroecologia, mas essas questões fi caram na minha cabeça e me norteiam até hoje”, afi rma Palmeira.

A loja dele também vende sucos, café, laticínios, carne de frango, pães,

cosméticos e artigos de limpeza, o que dá uma ideia da infi nidade de produtos orgânicos disponíveis atualmente. Bis-coitos, cervejas, vinhos, refrigerantes, doces e até pizzas já entraram na onda. A pizzaria La Naturale, por exemplo, faz entregas na zona sul de São Paulo com mais de 70% de ingredientes orgânicos. A ideia surgiu quando os amigos Marcel Calegarin, 33, Mark Matuo, 32, e Marcio Rodrigues Santos, 33, que trabalhavam com tecnologia da informação, sentiram os benefícios de uma alimentação saudável após

“A FICHA CAIU QUANDO PERCEBI QUE NEM MESMO OS PRODUTORES COMIAM O QUE PLANTAVAM, POR CAUSA DOS AGROTÓXICOS. PENSEI: ‘ISSO ESTÁ ERRADO, VOU MUDAR’” MARCOS PALMEIRA, ATOR E PRODUTOR DE ORGÂNICOS

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cupada com a origem dos alimentos, passaram a cozinhar juntas. Os elogios foram tantos que elas transformaram o prazer em negócio, chamado de Co-mida e Consciência. O serviço entrega marmitas vegetarianas, integrais e or-gânicas. “Acreditamos nessa ideia por ser uma oportunidade para as pessoas se alimentarem bem, com praticidade e a um preço justo”, comenta Sofi a. Com oito meses de atividade, a empresa recebe, em média, 300 pedidos por mês e oferece 24 opções de marmita – a preferida é a torta de palmito acompa-nhada de macarrão e salada de quinoa. Para Sofi a, é só o começo. “Queremos criar mais pratos, chegar a mil pedidos mensais, atender todas as regiões de São Paulo e quem sabe outras cidades.”

Na capital paulista, uma das opções mais tradicionais é a feira do Parque da Água Branca, frequentada pela pro-fessora Ursula Fernal, 33. Os cuidados com a alimentação começaram dois anos atrás, quando teve problemas de hipertensão durante a gravidez. “O sabor é melhor e o valor compensa em termos de saúde”, afi rma. Entusiasta da causa, ela coloca na lancheira da fi lha apenas frutas, proteína de soja texturizada e iogurte. Sempre que pode ela compra produtos orgânicos que nem são de comer, como roupas de algodão que trouxe de Maceió no fi m do ano passado.

O fator bolsoApesar do aumento da oferta, os preços dos orgânicos ainda são cerca de 30% a 40% mais altos em relação à produção

passar por uma nutricionista, em 2010. “Mudamos tudo, mas não conseguimos abrir mão da pizza”, lembra Rodrigues. “Foi aí que pensamos em fazer uma pizza mais saudável e com esse apelo.” A pizzaria, aberta em fevereiro do ano passado, cresceu 10% ao mês até agora.

Outra modalidade para consumir pratos orgânicos prontos foi criada em São Paulo por Sofi a Dobbin com base na lembrança carinhosa dos almoços de infância. “Minha mãe usava alimen-tos saudáveis e da horta de casa sempre que podia e cozinhava com muito ca-pricho”, diz. Quando conheceu Cássia Janeiro, também vegetariana e preo-

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“MUDAMOS TODA A NOSSA ALIMENTAÇÃO, MAS NÃO CONSEGUIMOS ABRIR MÃO DA PIZZA. POR ISSO, RESOLVEMOS FAZER UMA QUE FOSSE MAIS SAUDÁVEL”

tradicional. A diferença refl ete a menor escala e, claro, a ausência de agrotóxi-cos, o que leva à perda de um terço da produção. Uma das razões de Marcos Palmeira abrir o Armazém foi vender direto ao consumidor e aproximar os preços dos cobrados pelos alimentos convencionais. Ali, um queijo de minas frescal, por exemplo, custa R$ 15, em média R$ 2 a mais do que em um super-mercado. O pé de alface sai a R$ 2,20 – 40 centavos de diferença. Já o quilo da cebola é 44% mais caro. Custa R$ 9,20, contra R$ 6,40 no supermercado.

A diferença de preços é signifi cativa para as classes D e E, mas algumas ini-ciativas aproximam os orgânicos das periferias, com benefícios alimentares e de geração de renda. Preocupado com uma alimentação simples e saudável, o administrador e técnico agrícola Hans Dieter Temp, 48, fundou em 2003 a ONG Cidades sem Fome, nascida em um terreno baldio que deu espaço a uma horta ao lado de sua casa, na zona leste da capital paulista. Hoje ele se orgulha de ter chegado a 21 hortas para geração de renda e outras 15 educati-vas, construídas em escolas públicas, pelas quais passaram 4 mil crianças.

MARCIO RODRIGUES, DONO DA LA NATURALE

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Colaboraram: Carolina Stella e Daniel Marques

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O projeto benefi cia 115 pessoas, das quais 70% recebem um salário mínimo e 30% chegam a conseguir mais de dois. Os produtos, no entanto, não são certifi cados. O custo mínimo de R$ 25 mil pelo selo é inviável para a organiza-ção. “A certifi cação tem de ser o crédito da população que consome. Esse é o melhor selo que existe”, diz Temp.

O produtor Wagner Peres, 31 anos, reconhece os preços mais altos, mas destaca o ganho na saúde a médio e longo prazo. “Orgânicos são uma opção de vida. As pessoas aumentam o con-sumo deles e diminuem o de remédios”, afi rma. Peres largou o trabalho em um escritório de contabilidade para se de-dicar ao cultivo em Ibiúna, no interior

paulista. A mudança de vida se deu há sete anos, para tentar encerrar as frequentes visitas da fi lha Adrília, hoje com 10 anos, ao hospital. Deu certo. Os benefícios fi caram ainda mais claros com o segundo fi lho, Vinícius, 3 anos. “Ele nunca fi cou doente. Só consome orgânicos desde que estava na barriga da mãe”, orgulha-se.

Bom para todo mundoEspecialista no tema e autora do livro Alimentos orgânicos – Ampliando os conceitos de saúde humana, ambien-tal e social, a nutricionista Elaine de Azevedo tem uma extensa lista de benefícios: “Orgânicos têm maior teor de antioxidantes, vitaminas e mine-

rais. Os de origem animal têm mais substâncias anticancerígenas e menos gordura saturada”, afi rma. Segundo ela, estudos mostram que, ao consumir orgânicos, o indivíduo fi ca livre de me-dicamentos usados em animais. Essas drogas podem causar insônia, irritabi-lidade, dor de cabeça e tremores mus-culares. Os agrotóxicos são relaciona-dos a vários tipos de câncer, depressão e mal de Parkinson. “Qual o real valor de um alimento ‘barato’ que promove a exclusão social do agricultor familiar, causa doenças e ainda degrada o meio ambiente?”, questiona Elaine.

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Onde encontrar SÃO PAULOFEIRA ORGÂNICA DO PARQUE BURLE MARX Av. Dona Helena Pereira de Moraes, 200, Morumbi. Sábado, das 7h às 13h.FEIRINHA DO PARQUE DA ÁGUA BRANCA Pq. da Água Branca. Av. Francisco Matarazzo, 455, Perdizes. Tel.: (11) 3875-2625. Terça, sábado e domingo, das 7h às 12h.FEIRA DA AGRICULTURA LIMPA PARQUE DO CARMO Av. Afonso de Sampaio e Souza, 951. Sábado, das 7h às 12h.CAMINHOS DA ROÇA Av. Otacílio Tomanik, 926, Butantã. Tel.: (11) 3733-6727. www.caminhosdaroca.com.br. Entrega em domicílio.COMIDA E CONSCIÊNCIA www.comidaeconsciencia.com.br. Entrega de marmitas. R$ 20, mais taxa de entrega.MERCADO APANÃ R. Turiassú, 1.645, Perdizes. Tel.: (11) 2667-9395. www.apana.com.br.

RIO DE JANEIROFEIRA CULTURAL DA GLÓRIA R. do Russel, altura do número 300. feiraorganicadagloria.wordpress.com. Sábado, das 7h30 às 13h. FEIRA ORGÂNICA DO BAIRRO PEIXOTO Pça. Edmundo Bittencourt, Copacabana. Sábado, das 8h às 13h.FEIRA DA TIJUCA Pça. Afonso Pena. Quinta, das 7h30 às 13h.ARMAZÉM VALE DAS PALMEIRAS Av. Ataulfo de Paiva, 1.100, loja C, Leblon. Tel.: (21) 2294-0988. www.facebook.com/pages/Armazém-Vale-das-Palmeiras/419127181495973. CURITIBAMERCADO MUNICIPAL DE ORGÂNICOSR. da Paz, 608, centro. Tel.: (41) 3264-6024. Domingo, das 7h às 13h; segunda, das 7h às 14h; e terça a sábado, das 7h às 18h.JARDIM BOTÂNICO R. Dr. Jorge Mayer, pça. da Itália. Sábado, das 7h às 12h.PRAÇA DO JAPÃO Av. República Argentina, esquina com a av. Sete de Setembro. Quinta, das 7h às 12h.PRAÇA DA UCRÂNIA Av. Candido Hartmann, esquina com as ruas Padre Anchieta e Capitão Souza Franco. Sábado, das 7h às 12h. RECIFEFEIRA DE ORGÂNICOS DE CASA FORTE Pça. da Vitória Régia. Sábado, das 5h às 11h.FEIRA AGROECOLÓGICA DO RECIFE Antiga pça. Tiradentes, em frente ao Tribunal Regional. Sexta, das 11h às 17h.ESPAÇO AGROECOLÓGICO DE BOA VIAGEM Terceiro Jardim da av. de Boa Viagem. Sábado, das 5h às 10h.

BELO HORIZONTEFEIRA DA PAMPULHA Av. Alberto Dalva Simão, esquina com a av. Santa Rosa. Sábado, das 7h às 12h.FEIRA DA SAVASSI R. Cláudio Manoel, entre Getúlio Vargas e Afonso Pena. Terça, das 14h às 18h.FEIRA DOS BURITIS Av. Prof. Mario Werneck, esquina com a rua Aurélio de Miranda. Sexta, das 7h às 12h. FORTALEZAVEG GOURMET www.facebook.com/Veg.gourmet.delivery. Entrega de marmitas. R$ 17, mais taxa de entrega.

MAIS INFORMAÇÕESOs portais www.portalorganico.com.br/ondeencontrar e www.idec.org.br/feirasorganicas têm uma relação de produtos e serviços por todo o país.

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