complementação verbal finita no pm (tese de licenciatura)

96
Carlos Lucas Mutondo Estruturas de complementação verbal finita produzidas por alunos da 10.ª Classe de três Escolas Secundárias da cidade de Maputo UNIVERSIDADE PEDAGÓGICA MAPUTO 2004

Upload: carlos-mutondo

Post on 11-Nov-2015

78 views

Category:

Documents


5 download

DESCRIPTION

O presente documento constitui a versão final de uma monografia de defesa de Licenciatura em Ensino do Português, apresentada e defendida em 2004, na Universidade Pedagógica, Maputo. Nele faz-se o estudo das Estruturas de Complementação Verbal Finita, produzidas por estudantes do Ensino Secundário Geral na Cidade de Maputo, a partir de uma amostra de 100 estudantes de duas escolas, tendo em vista a identificação das estruturas completivas prototípicas do PM.Há que se considerar, portanto, que o mesmo é um trabalho inacabado. O Estudo, ora presente, constitui um ponto de partida para análises ainda de maior dimensão, tendo em vista a descoberta de uma possível gramática do Português de Moçambique.

TRANSCRIPT

  • Carlos Lucas Mutondo

    Estruturas de complementao verbal finita produzidas poralunos da 10. Classe de trs Escolas Secundrias da cidade de

    Maputo

    UNIVERSIDADE PEDAGGICAMAPUTO

    2004

  • Carlos Lucas Mutondo

    Estruturas de complementao verbal finita produzidas poralunos da 10. Classe de trs Escolas Secundrias da cidade de

    Maputo

    Dissertao realizada sob superviso da dr. Elda Santos, apresentada ao Departamento dePortugus, Faculdade de Lnguas, Delegao de Maputo da Universidade Pedaggica, comorequisito parcial e final para a obteno do grau de Licenciatura em Ensino de Portugus.

    UNIVERSIDADE PEDAGGICAMAPUTO

    2004

  • (i) Dedicatria

    Este trabalho dedicado:Ao Julinho, meu querido filho; Raulina, minha mulher;Aos meus pais Lucas Guerra e Maria Cossa.

  • (ii) Agradecimentos

    Neste momento de colheita da safra que fui cuidando ao longo destes anos, queroapresentar os meus agradecimentos a todos quantos directa ou indirectamente deram oseu contributo para que o present trabalho fosse uma realidade e, em especial:

    Raulina e Julinho, pela compreenso e encorajamento que me deram (e vo dando) demodo a que a minha vida acadmica tivesse sucesso;

    doutora Elda Santos, minha supervisora, pelo sacrifcio e todo o apoio concedido,especialmente pela disponibilizao de todos os recursos dos recursosbibliogrficos e informticos que necessitei ao longo do trabalho, e pela pacinciamaternal que demonstrou durante a superviso e correco do mesmo;

    Professora Doutora Hildizina Dias, pela orientao e motivao na idealizao do temadeste trabalho;

    Ao casal Machaeie pelo apoio material e moral que me concederam;Aos professores Aurlio Amrico e Filipe Massie por me terem apoiado na aplicao dos

    testes nas suas turmas;

    A todos os docentes do Departamento de Portugus da Universidade Pedaggica, emespecial Professora Doutora Marisa Mendona, pelo incentivo e confiana queem mim depositaram e que serviu de fora motriz para a realizao do presentetrabalho.

  • (iii) Declarao de Honra

    Declaro por minha honra que o presente trabalho original, sendo exclusivamente daminha autoria, e que nunca antes foi apresentado em nenhuma instituio de EnsinoSuperior para efeitos de obteno de diploma.

  • (iv) Resumo

    O presente trabalho surge como complemento de vrios estudos j realizados nocampo da sintaxe, com o objectivo de analisar o comportamento sintctico das estruturasde complementao verbal finita produzidas no PM, em contraste com o PE padro,muito especificamente no que diz respeito ao introdutor da frase encaixada e ao modonesta seleccionado.

    O estudo feito tendo como base as seguintes hipteses: - (i) os falantes do PMproduzem estruturas de complementao verbal diferentes das que se produzem no PE,porque na sua gramtica mental concebem tais estrutuas como as mais correctas; e (ii)existem diferenas tanto na seleco de introdutores da frase completiva como naseleco do modo verbal da frase encaixada entre o PE padro e o PM.

    Segue-se neste trabalho a perspectiva da Gramtica GenerativaTransformacional,especificamente as Teorias de Regncia e Ligao e de X-barra. Assim, no I captulo, oda reviso da literatura, conceptualiza-se a frase completiva, partindo-se da noo defrase. Ao longo do texto so apresentadas as noes essenciais para a compreenso dotema em anlise, tais como os tipos de estruturas de complementao verbal finita e ostipos de verbos superiores que as subcategorizam. A partir de informaes colhidas nasfontes bibliogrficas, so descritas diversas construes de complementao queocorrem no PE e no PM, apresentam-se as principais diferenas entre estas duasvariedades no que respeita ocorrncia de Preposies a introduzir frases completivas naposio de Esp de SComp, e analisam-se vrios tipos de complementao verbal finita,tendo em conta a tipologia do verbo superior que rege a completiva, de acordo com anorma padro do PE.

    No que respeita metodologia do trabalho (II captulo), apresenta-se a descriodo grupo alvo que constitudo na totalidade por 98 estudantes da 10 classe de trsescolas secundrias da cidade de Maputo (escolas secundrias Estrela Vermelha, JosinaMachel e Centro de Formao Profissional Dom Bosco). Descrevem-se tambm os doisinstrumentos de recolha de dados utilizados, um teste para aferio de juzo de

  • gramaticalidade (aplicado na Escola Estrela Vermelha) e um de produo de frases apartir de material dado (aplicado nas outras duas escolas).

    No III captulo, faz-se a apresentao, anlise e discusso dos dados colhidosatravs dos dois instrumentos, observando-se as regularidades da ocorrncia ou no dapreposio na posio de Esp de SComp, do modo seleccionado na frase encaixada, e dapossvel relao entre o introdutor da frase completiva e o modo verbal que nesta ocorre.A encerrar este captulo apresenta-se a sntese dos resultados colhidos pelos doisinstrumentos, incidindo-se sobre os aspectos mais comuns que foram observados.

    Por fim apresenta-se uma breve concluso, que constitui a sntese dos dadosdescritos no captulo da anlise, tomando-se em considerao as hipteses de pesquisa, osobjectivos de pesquisa e os pressupostos tericos que serviram de base para a realizaodo trabalho e por fim, apresentam-se algumas propostas e sugestes para o tratamento dotema da complementao verbal.

  • LISTA DE SMBOLOS E CONVENES

    Smbolo: L-se:[+ C] - mais concordncia[cv] / [--] - Categoria Vazia[X]i [Y]i - X coindexa-se com YCf. - ConfronteCFPDB - Centro de Formao Profissional Dom BoscoComp - ComplementadorConj - Modo ConjuntivoESEV - Escola Secundria Estrela VermelhaESJM - Escola Secundria Josina MachelEsp - EspecificadorF - FraseF' - Frase-barraFConj - Frase finita com o verbo no modo conjuntivoFInd - Frase finita com o verbo no modo indicativoFlex - Ncleo funcional de FlexoFsub - Frase SubordinadaInd - Modo IndicativoInf - Modo InfinitivoInfFlex - Infinitivo FlexionadoL1 - Lngua PrimeiraL2 - Lngua SegundaLB - Lngua BantuLM - Lngua MaternaLP - Lngua PortuguesaObl - OblquoOD - Objecto DirectoOI - Objecto IndirectoP / Prep - PreposioPE - Portugus padro EuropeuPM - Portugus (variedade) de MoambiqueSComp - Frase encaixada / Sintagma ComplementadorSFlex - Sintagma FlexionalSN - Sintagma NominalSP - Sintagma PreposicionalSu - SujeitoSV - Sintagma VerbalSX / X - Sintagma no obrigatrioV - Verbo

  • NDICE0. INTRODUO ..............................................................................................................11. PRESSUPOSTOS TERICOS.....................................................................................5

    1.1. OS NVEIS DE PRODUO DE UM ACTO VERBAL.......................................51.2. CONCEITO DE FRASE..........................................................................................71.3. CONCEITO DE COMPLEMENTAO .............................................................101.4. COMPLETIVAS FINITAS E COMPLETIVAS INFINITIVAS ..........................111.5. COMPLEMENTAO VERBAL FINITA ..........................................................12

    1.5.1. A COMPLEMENTAO VERBAL EM SN SUJEITO.................................171.5.1.1. Tipologia de verbos que seleccionam uma completiva com a relaogramatical de sujeito: .................................................................................................18

    (i) Verbos psicolgicos .......................................................................................18(ii) Verbos inacusativos de existncia e acontecimento.......................................19

    1.5.2. A COMPLEMENTAO EM SV .......................................................................191.5.2.1. Completivas com a relao gramatical de objecto directo: ...........................19

    (i) Verbos declarativos, verbos declarativos de ordem, verbos de actividademental e verbos de inquirio ................................................................................20(ii) Verbos de uso factivo.....................................................................................22(iii) Verbos de elevao.....................................................................................22(iv) Verbos Causativos......................................................................................24

    1.5.2.2. Completivas verbais regidas por preposio .................................................241.5.3. A SELECO DE MODO NAS COMPLETIVAS FINITAS ..............................25

    1.6. DEQUESMOS, PARAQUESMOS E QUESMOS.............................................272. METODOLOGIA DO TRABALHO .........................................................................33

    (i) Descrio do Grupo alvo:...............................................................................33(ii) Instrumentos de Pesquisa ...............................................................................33(iii) Sobre a anlise de dados.............................................................................35

    3. ESTRUTURAS DE COMPLEMENTAO VERBAL FINITA PRODUZIDASPOR ALUNOS DA 10. CLASSE DE TRS ESCOLAS DE MAPUTO ........................36

    3.1. ANLISE DOS DADOS DO QUESTIONRIO APLICADO NA ESEV............363.2. ANLISE DOS DADOS DO INQURITO APLICADO NA ESJM E NO CFPDB

    45(i) Verbos declarativos de ordem e declarativos .................................................45(ii) Verbos de actividade mental ou epistmicos .................................................52(iii) Verbos de inquirio. .................................................................................56(iv) Outros verbos. ............................................................................................58

    3.3. SNTESE DA ANLISE DOS DADOS DOS DOIS INSTRUMENTOS DEPESQUISA.........................................................................................................................64

    4. CONCLUSES E RECOMENDAES ..................................................................664.1. CONCLUSES......................................................................................................664.2. RECOMENDAES ............................................................................................68

    5. BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................69

  • 10. INTRODUOUm facto inegvel, quando se fala da situao lingustica de Moambique, a

    existncia de diversos grupos lingusticos, num pas em que a maior parte da populao temcomo Lngua Materna (LM) uma Lngua Bantu (LB), e isto provado pelos dadosestatsticos do Censo de 19971, segundo o qual, o Portugus LM de apenas 6,5% dapopulao moambicana, sendo falada como Lngua Segunda (L2) por 39,6% da populao.H que realar o facto de o Portugus ser mais usado nas zonas urbanas (sendo LM de17,0% da populao urbana, e usada por 26,1% desta populao numa situao decomunicao em casa)

    Ora, tomando como ponto de partida estes dados, fcil notar que a LnguaPortuguesa (LP) falada em Moambique, maioritariamente (L2). Dado o facto de ser umavariante distante, em termos geogrficos, sociais e culturais do Portugus Europeu (PE), avariante de referncia, o Portugus de Moambique (PM) apresenta variaes considerveise muitos fenmenos no observveis na norma padro do PE, resultantes da realidadelingustica vivida em Moambique.

    Alis, muitos estudiosos afirmam que as lnguas so dotadas de um ciclo de vida,isto , elas nascem (a partir de outras j existentes), evoluem (de acordo com o contexto /ambiente que as rodeia) e aquelas que no so capazes de se impor, passado algum tempo,deixam de ser faladas, ou seja, morrem / desaparecem. E tudo isto fruto dastransformaes a que as lnguas esto sujeitas..

    De acordo com Dias (2003:12)2 estas transformaes lingusticas no Portugusfalado em Moambique podem ser consideradas internas ou externas. As mudanaslingusticas internas podem ser interpretadas como sendo processo de evoluo da prprialngua portuguesa, que, como qualquer lngua natural e viva, est sujeita evoluo. Asmudanas externas so efectuadas por meio de emprstimos que derivam do contacto entrea lngua portugesa e as lnguas bantu. Desta afirmao pode inferir-se que as variaesacima referidas so justificveis tomando em considerao que a LP uma lngua viva.

    1 INE, (1999) II Recenseamento Geral da Populao e Habitao - 1997: Indicadores Scio-Demogrficos -Moambique, Maputo: INE.2 DIAS, H.N., (2002) Minidicionrio de Moambicanismos, Maputo, edio da autora.

  • 2Tais transformaes podem ocorrer com maior frequncia nas reas do lxico e dasintaxe, conforme adiante referimos.

    Assim, dada a distncia que separa Moambique de Portugal, nos aspectos acimareferidos, considera-se necessrio um estudo dos fenmenos lingusticos que ocorrem noPortugus de Moambique (PM). Tendo em conta as afirmaes de Gonalves (1998:2)3 arespeito das diferenas existentes entre o PM e o PE, no que se refere rea do lxico esintaxe, podem destacar-se alteraes:

    (i) no comportamento sintctico e semntico de algumas classes verbais;(ii) na flexo e colocao dos pronomes clticos;(iii) no formato das construes de subordinao. (op. cit.)

    No presente trabalho faz-se uma breve anlise deste ltimo aspecto, tendo comoobjecto de estudo a complementao verbal finita.

    Gonalves (op. cit.) revela ainda que as transformaes lingusticas no PM seconcretizam atravs de uma tendncia de fixao de certas formas e regras que se afastamdaquela que tida como a norma, havendo, por isso, que questionar se no estaremosdiante de uma nova variedade de portugus distinta do Portugus padro europeu (PE), ouse o PM deve ser tomado apenas como um simples dialecto daquele. Porm, a resposta aesta questo passa necessariamente pela compreenso dos fenmenos que ocorrem no PMem comparao com os ocorrentes no PE. Mas ideia generalizada entre os estudiosos dosfenmenos lingusticos em curso no PM que esta variedade aos poucos se vai tornandoautnoma, quer em formas, quer em regras, relativamente variedade padro do PE,carecendo apenas descrio e sistematizao dos fenmenos caracterizadores destavariedade.

    Apoiamo-nos, na realizao do presente estudo, na afirmao de Faria (2003:33)4,com o seguinte contedo: Qualquer lngua natural varia ao longo do tempo e do espao da

    3 GONALVES, P. (org.), (1998) Mudanas do Portugus de Moambique - A aquisio e formato deestruturas de subordinao. Maputo: Livraria Universitria - UEM.4FARIA, I. H., (2003) "Contacto, Variao e Mudana Lingustica ", in MATEUS, M. H. et alii, Gramtica daLngua Portuguesa. 5. edio (revista e aumentada), Lisboa: Caminho, pgs 31 - 37.

  • 3sua utilizao.() Varia de regio para regio onde utilizada, varia em funo das

    pertenas sociais e culturais dos seus falantes, varia em funo das prprias situaes emque utilizada. Esta afirmao vem sustentar a nossa posio de que, de facto, entre o PMe o PE natural que existam diferenas, decorrentes da localizao geogrfica e dassituaes prprias inerentes utilizao da lngua.

    Ainda de acordo com esta autora, na sequncia da informao acima citada, osfalantes de uma lngua tm sempre sensao das diferenas ou distines lingusticas entre asua lngua e a dos outros: Ao mesmo tempo que os falantes nativos de uma dada lngua socapazes de reconhecer a sua lngua e de reconhecer que as outras no so a sua,apercebem-se tambm que a sua lngua objecto de variao e de mudana. (op. cit.: 33)

    E, justamente esta sensao que motivou a realizao do presente estudo, apesar dej haver outros trabalhos efectuados tratando o tema da Complementao Verbal Finita.Portanto, a principal inteno do presente trabalho a de procurar verificar a validade actualdos estudos anteriormente feitos, e procurar desvendar outros contornos ainda noexplorados, pois sentimos que, quanto maior for o consenso dos resultados obtidos nosdiversos estudos, mais fiveis so as afirmaes (concluses). Assim, o presente trabalhotem como objectivo descrever e analisar estruturas de complementao verbal finitaproduzidas por alunos da 10. classe de algumas escolas secundrias da cidade de Maputo,tendo em considerao o introdutor da frase completiva e o modo seleccionado nesta frase.

    A escolha deste tema tem a ver com a constatao de que as estruturas decomplementao, em particular as da complementao verbal, se apresentam como uma dasestruturas de subordinao mais problemticas que se produzem no PM.

    Deste modo, partimos das seguintes hipteses:- Existem diferenas tanto na seleco de introdutores da frase completiva verbal

    finita como na seleco do modo verbal na frase encaixada, entre o PE padro eo PM.

    - Os falantes do PM produzem estruturas de complementao verbal finitadiferentes das que se produzem no PE padro, porque na sua gramtica mentalconcebem tais estruturas como as mais correctas;

  • 4O presente trabalho tem a sua validade na medida em que possibilita a compreensodeste fenmeno, o que logo partida pode explicar as dificuldades que existem ao tentar-secompatibilizar a realizao do PM norma do PE.

    Da que, resumidamente, neste trabalho se comece por fazer uma abordagem tericados conceitos ligados s estruturas de complementao. Segue-se a apresentao dametodologia do trabalho, na qual se faz o esclarecimento sobre o grupo alvo dos inquritos,os tipos de instrumento de recolha de dados e os critrios adoptados na anlise dos dados.Depois realiza-se uma discusso descritiva e anlise dos dados colhidos em turmas de 10.Classe nas Escola Secundrias Estrela Vermelha (ESEV), Josina Machel (ESJM) e Centrode Formao Profissional Dom Bosco5 (CFPDB); por fim so apresentadas as concluses doestudo, a bibliografia consultada e os anexos.

    5 Importa ressalvar aqui, que os alunos do Centro de Formao Profissional Dom Bosco inquiridos, no so osdos cursos profissionais, mas sim os do ensino secundrio Geral.

  • 51. PRESSUPOSTOS TERICOS

    Neste captulo, vamos proceder ao levantamento, esclarecimento e discusso dosconceitos que achamos relevantes para a compreenso do tema em estudo. Talvez sejaimportante referir que os conceitos apresentados no so os nicos, mas aqueles quejulgamos enquadrarem-se na perspectiva de anlise a que nos propusemos na realizao dopresente trabalho. Assim sendo, numa primeira fase, iremos tratar dos conceitos mais gerais,passando mais tarde aos conceitos mais particulares e restritos ao tema em estudo.

    1.1. OS NVEIS DE PRODUO DE UM ACTO VERBAL

    O tema proposto apenas justificvel se se tomar em considerao que asconstrues de complementao s se verificam quando inseridas num discurso (ou acto)verbal. Por essa razo, importante observar que a produo de um acto verbal, parecendoautomtico e simples, algo muito complexo, que envolve opes em diferentes nveis, masprofundamente relacionados e vistos como unitrios, pois o acto verbal s produz os efeitosdesejados quando estes nveis funcionam como uma unidade.

    De acordo com Peres & Mia (1995:18)6, a produo de um acto verbal envolve osseguintes nveis:

    (i) O nvel semntico, () no qual se seleccionam conceitos, representaesde diferentes categorias que constituem o contedo informativo do acto defala; (op. cit.)

    Traduzido em outras palavras, diremos que o nvel semntico est relacionado com osentido do que se pretende dizer, isto , antes de se falar (ou escrever) o indivduo tem queseleccionar e planificar, ao nvel das estruturas cognitivas, o contedo da mensagem quepretende transmitir.

    (ii) O nvel pragmtico, em que se seleccionam os tipos de aco verbal(ordem, pergunta, etc.) e se marcam os componentes do contedoinformativo relativamente sua relevncia relativa (consoante so, porexemplo, informao dada ou informao nova); (op. cit.)

    6 PERES, J. & MIA, T., (1995) reas Crticas da Lngua Portuguesa. Lisboa: Caminho.

  • 6Em outras palavras, diramos que o nvel pragmtico est relacionado com o efeitoque se pretende que a mensagem produza no receptor, para alm de se incluir neste nvel acapacidade de gerar a ateno do receptor mensagem que se lhe envia.

    (iii) O nvel lexical, em que se seleccionam as unidades lexicais apropriadas sopes pragmticas e semnticas; (op. cit.)

    O que se pode depreender deste nvel que o mesmo serve de suporte material paraa concretizao dos outros dois anteriores. Podemos verificar que as palavras usadas numdeterminado enunciado no so seleccionadas aleatoriamente, mas sim elas devem adequar-se aos nveis semntico e pragmtico, caso contrrio o acto verbal pode no surtir os efeitosdesejados.

    (iv) O nvel sintctico, em que se seleccionam, de acordo com restriesuniversais ou apropriadas de cada lngua as formas de combinao eordenao das unidades lexicais, bem como de outras unidades (), de

    modo a produzirem construes adequadas s opes pragmticas esemnticas (op. cit.)

    Partindo do significado etimolgico da palavra sintaxe, que quer dizer ordenao,disposio ou organizao, pode-se entender que, no nvel sintctico, se faz a anlise doconjunto das propriedades das estruturas que se encontram subjacentes aos enunciadosexistentes numa dada lngua. Deste modo, a sintaxe ocupar-se- da construo de umdiscurso hierarquizado, como ele surge no processo de comunicao [Cf. Vilela (1999:277-278)]7.

    Como se pode perceber, no nvel sintctico que os falantes procedem selecodas formas adequadas de ordenamento das unidades lexicais, de modo a produzirem frasesgramaticalmente bem construdas. do conhecimento sintctico que os falantes possuemque so capazes de identificar as estruturas que se apresentam como estranhas lngua.

    Portanto, neste nvel que se enquadra o presente trabalho, visto que a preocupao central a de fazer a anlise do comportamento sintctico das estruturas completivas. Alis,enquadramos neste nvel itens como a subcategorizao lexical, a subcategorizao demodo, entre outros.

    (v) Finalmente o nvel fontico, que o que envolve a pronncia das palavrase a entoao das frases (e de que o nvel ortogrfico constitui uma projecoaproximada em cdigo escrito). (op. cit.)

    7VILELA, M., (1999) Gramtica de Lngua Portuguesa. 2. edio, Coimbra: Almedina,.

  • 7Resumidamente, diramos que este o nvel de concretizao material de todos osanteriormente indicados. o acto de fala em si, na sua ltima fase, a de transmisso damensagem ao receptor. atravs deste nvel que o receptor capta o contedo da mensagemtransmitida pelo emissor.

    Chegados aqui, h que ressalvar que de forma nenhuma estes nveis devem ser vistoscomo separados. Apesar de se apresentarem em cascata eles so praticamente

    simultneos, no sendo possvel separ-los no acto de fala importante fixar que o nvelsemntico que se pressupe ser o que gera os outros restantes.

    Como se pode constatar, o nosso tema enquadra-se no mbito da sintaxe, sendo, porisso, o nvel sintctico o que mais interessa para o presente trabalho. Assim, passamos abordagem do objecto do presente trabalho: a complementao verbal finita.

    1.2. CONCEITO DE FRASE

    O estudo das estruturas completivas est inserido na anlise da frase complexa. Daque seja importante, antes de mais nada, discutir o conceito de frase.

    Uma definio de frase -nos dada por Cunha & Cintra (1996:119)8 quandoafirmam que frase um enunciado de sentido completo, a unidade mnima decomunicao. Esta definio pode ser considerada simplista, uma vez que no mostra quaisso as especificidades de um enunciado e, tomando a frase como uma unidade mnima decomunicao, pode correr-se o risco de se classificarem como frases certas expresseslingusticas que no so propriamente frases, mas que possuem o estatuto de unidademnima de comunicao, tais como as interjeies e alguns advrbios e expressesnominais.

    Da que haja necessidade de se buscarem outras definies que consideramos maissatisfatrias do conceito e que ilustrem a complexidade que o conceito de frase apresenta.

    Assim, de acordo com Dubois et alii (1993:292)9, a frase uma reunio depalavras que formam um sentido completo, distinta da proposio pelo facto de aquela

    8 CUNHA, C. & CINTRA, L., (1996) Nova Gramtica do Portugus Contemporneo. 12. edio, Lisboa: Sda Costa,.9 DUBOIS, J. et alii, (1993) Dicionrio de Lingustica. 9. edio, So Paulo: Cultrix.

  • 8poder conter vrias proposies. Uma outra definio afim a esta a de Vilela(1999:288)10, de acordo com a qual a frase configura, numa proposio, um dado estadode coisas e ocorre num texto transformada em enunciado ou em parte de um enunciado.Como se v, ao definir-se frase, apresenta-se um outro termo correlato, que o daproposio, que se define, ainda de acordo com Dubois et alii (1993:490), como fraseelementar cuja reunio por coordenao ou subordinao constitui a frase efectivamenterealizada: a proposio constituida de um sujeito principal, ou frase matriz. Desta

    conceptualizao podemos notar claramente que uma proposio pode ser uma orao.Porm, devemos observar que o ltimo conceito de frase dos que acima

    apresentamos pode ainda no ser de todo esclarecedor para o presente trabalho, da quetenhamos tido que recorrer tambm a Xavier & Mateus (1992:176)11, que definem frase, nodomnio da sintaxe como domnio sintctico de predicao em que existe informao detempo (modo, aspecto) e acordo, ou seja, em que a relao do predicado (SV) e o sujeito(SN) estabelecida atravs do ncleo funcional FLEX que contm aquela informao.Esta definio pode ser associada de Peres & Mia (1995:22) quando, em vez de usar otermo frase, talvez por ser muito aberto, preferem usar a expresso construes depredicao. Para estes autores toda a predicao deve conter um elemento que, consoanteos casos, exprime a propriedade de uma ou mais entidades, ou a relao entre entidades. Aesse elemento que, identificando a predicao, desempenha nela uma funo nuclear,damos o nome de predicador. (op. cit.) Como se pode verificar, neste conceito de Peres &Mia (1995), assim como no que nos dado por Xavier & Mateus (1992), os elementos queencontramos na frase (ou construo de Predicao) devem estabelecer relaes sintcticasentre si, havendo, contudo, um elemento que desempenha uma funo nuclear, o predicado.

    importante ressalvar que existem predicaes que, de acordo com Peres e Mia(1995:23), se constroem a nvel superficial de anlise apenas com o elemento predicador eos operadores temporais. Neste conjunto podem integrar-se as estruturas com verbosmeteorolgicos que ocorrem em frases como:

    (1) Choveu. [Peres & Mia (1995:23)](2) Vai trovejar! (idem)

    10 VILELA, M., (1994) Estudos de Lexicologia do Portugus. Coimbra: Livraria Almedina.11 XAVIER, M. F. & MATEUS, M. H., (1992) Dicionrio de Termos Lingusticos. Vol. II, Lisboa: EdiesCosmos.

  • 9Ora, se a frase apresenta apenas uma orao, denomina-se frase simples e seapresenta duas ou mais oraes designada frase complexa. No que respeita ligao dasproposies, podemos ter dois processos sintcticos: a coordenao e a subordinao.

    De acordo com Cmara Jr. (1988:226)12 entende-se por subordinao, numaestrutura frsica, a construo sintctica em que uma orao, determinante e, pois,subordinada, se articula com outra determinada por ela e principal em relao a ela.

    Prestemos ateno ao conceito de subordinao. Segundo Casteleiro (1981a) 13,existe relao subordinativa numa frase complexa, quando uma das oraes (chamadasubordinada) exerce uma funo gramatical relativamente a outra (chamada subordinante).

    No que diz respeito estrutura, a orao subordinada, de acordo com Vilela(1999:292-293) pode integrar-se em todos os tipos de estruturas:

    - Pode anteceder a subordinante:(3) [antes que eu me decida], ainda vai correr muita gua.;

    - Pode ainda interpor-se no meio da subordinante:(4) Os planos [por melhor que sejam], devem ser amadurecidos.;

    - Ou ainda pospor-se subordinante:(5) Vou-me decidir [logo que possa faz-lo].

    Quanto classificao das oraes (ou frases) subordinadas, Casteleiro (1981a)apresenta trs tipos de oraes subordinadas14:

    - as oraes substantivas ou completivas as que exercem as funes prprias dossubstantivos ou dos sintagmas nominais;

    - as oraes adjectivas ou relativas que desempenham as funes especficasdos adjectivos ou dos sintagmas adjectivais;

    - as oraes adverbiais ou circunstanciais - as que realizam as funes comunsaos advrbios ou aos sintagmas preposicionais.

    12 CMARA Jr., J. M. (1988) Dicionrio de Lingustica e Gramtica. 14. edio, Petrpolis: Vozes.13 CASTELEIRO, M. (1981a) "A Lngua e a Sua Estrutura: a Frase Complexa - Oraes completivas", inEscola Democrtica. (Revista da D.G.E.B.), Lisboa: D.G.E.B.14 Esta classificao partilhada por Cunha & Cintra (1996:596).

  • 10

    1.3. CONCEITO DE COMPLEMENTAO

    Prestemos agora ateno s oraes completivas15, que so o objecto deste trabalho.Mateus et alii (1989:264)16 afirmam que existe uma estrutura de complementao quandotemos uma construo de estrutura bifrsica, comportando uma frase completivaencaixada noutra frase superior. Convm acrescentar que, de acordo com Casteleiro(1981b:108)17, a ligao entre a frase superior e a frase completiva feita atravs de certosmorfemas, como as chamadas conjunes integrantes que e se (op. cit.) ou ainda semnenhum destes morfemas mas com a frase encaixada no modo infinitivo. De acordo comeste autor, os morfemas que e se, incluindo as preposies que introduzem as frasescompletivas funcionam, pois, como subordinadores ou complementadores. (op. cit.)

    Uma frase completiva pode designar-se tambm de frase mais baixa e fraseencaixada. Portanto, as completivas so oraes subordinadas e funcionam comocomplementos frsicos. J na edio revista da mesma obra, Duarte (2003b:595)18 apresentauma definio renovada ao afirmar que a subordinao completiva um dos grandes tiposde subordinao, caracterizvel pelo facto de a frase subordinada constituir um argumentode um dos ncleos lexicais da frase superior, tendo, por isso, uma distribuio aproximadada das expresses nominais. (op. cit.)

    Tradicionalmente, as oraes completivas recebem a designao de oraesintegrantes ou substantivas, uma vez que ocupam na frase uma posio que pode ser de umSN, ou seja exercem, pois, as funes sintcticas dos substantivos, os quais constituem oncleo dos sintagmas nominais. [Casteleiro (1981b:103)]

    O conceito integrante, no seu sentido lato, refere-se a qualquer termo que, ocorrendonuma enunciao, completa a significao de um outro integrando-se nele numasubordinao absoluta (Cf. Cmara Jr. (1988:17)), o que implica necessariamente quequando numa construo de complementao a frase completiva um argumentoobrigatrio, a sua supresso determina a agramaticalidade da frase superior, quandoconsiderada isoladamente de um contexto discursivo [Duarte (2003b:596)]. Isto quer dizerque a frase completiva tem a funo de completar o sentido da frase superior, como ilustra oexemplo abaixo:

    15 Cunha & Cintra (1996) classificam as oraes completivas como substantivas ou integrantes.16 MATEUS, M.H. et alii., (1989) Gramtica da Lngua Portuguesa. 2. Edio, Lisboa: Caminho.17 CASTELEIRO, J.M. (1981b) Sintaxe transformacional do adjectivo. Lisboa: INIC.18 DUARTE, I. (2003b) "Subordinao Completiva - as Oraes Completiva" in MATEUS, M. H. et alii,Gramtica da Lngua Portuguesa. 5. edio, Lisboa: Caminho, pgs. 593-651.

  • 11

    (6) O Joo prometeu [ Fsub que telefonava logo noite] [Duarte (2003b:596)](7) *O Joo prometeu. (idem)

    Existem trs tipos de complementao a saber:- A complementao verbal, quando o constituinte da frase superior que rege a

    completiva um verbo:(8) O professor disse [que o trimestre termina brevemente].

    - A complementao adjectival, quando o constituinte da frase superior que rege acompletiva um adjectivo:

    (9) difcil [que se resolva este problema].

    - A complementao nominal, quando o constituinte da frase superior que rege acompletiva um nome:

    (10) um problema [que a humanidade no se entenda].

    1.4. COMPLETIVAS FINITAS E COMPLETIVAS INFINITIVAS

    Na seco anterior estivemos a definir o conceito de complementao. Importaacrescentar, porm, que, no que diz respeito estrutura interna, existem dois grandes tiposde estruturas completivas, nomeadamente, as completivas finitas e as completivasinfinitivas (ou no finitas). [Cf. Casteleiro (1981a e b) e Mateus et alii (1989)]

    Segundo Duarte (2003b:597) as completivas finitas so caracterizadas por possuiremuma propriedade em comum: o verbo ocorre numa forma finita do indicativo ou doconjuntivo (op. cit.), independentemente de serem seleccionadas por verbos, adjectivos ounomes. Vide os exemplos:

    (11) Os crticos disseram que esse filme ganhou o festival. (op. cit.:597)(12) claro que ele colecciona biombos japoneses. (idem)(13) possvel que ele coleccione biombos japoneses. (idem)

    Como se pode verificar nos exemplos acima apresentados, o elemento que introduz amaior parte das oraes completivas a conjuno / o complementador que.

  • 12

    Ainda tomando em considerao a norma do PE, de acordo com Duarte (op. cit.),podemos verificar que existe um outro complementador a introduzir um certo tipo de frasescompletivas finitas. As frases finitas seleccionadas por verbos de inquirio e por verbosdubitativos e intrinsecamente negativos tm como complementador se. [Duarte(2003b:597)].

    (14) Todos lhe perguntaram se ele afinal vinha festa. (op. cit.: 597)

    Por outro lado, temos as completivas no finitas (ou infinitivas) que quer sejamseleccionadas por verbos, nomes ou adjectivos, apresentam o verbo no infinitivo, flexionadoou no flexionado. [Duarte (2003b:621)].

    (15) Os pedreiros lamentam [Fsub no terem concludo a obra]. (op. cit.)(16) Elas tm medo de[Fsub perder o avio]. (idem)

    Como se pode verificar nos exemplos apresentados, contrariamente s completivasfinitas, as completivas infinitivas no so geralmente introduzidas por complementadorescom realizao lexical. (op. cit.)

    Apesar do que acabmos de afirmar, as completivas infinitivas seleccionadas poralguns verbos declarativos de ordem19 tm um complementador lexical, a forma para. (op.cit.: 621)

    (17) Os jornalistas pediram ao chefe de redaco [para mandar um reprter aoMdio Oriente]. (op. cit.)

    1.5. COMPLEMENTAO VERBAL FINITA

    Depois de termos sintetizado as grandes tipologias de complementao, tendo emconsiderao a categoria sintctica (classe gramatical) da palavra que selecciona a frasecompletiva bem como a estrutura interna da orao completiva, detenhamo-nos nacomplementao verbal nomeadamente a finita,tema do nosso estudo e objecto de anlise.

    Duarte (2003b:597) afirma que as completivas finitas, independentemente de seremseleccionadas por verbos, adjectivos ou nomes, tm propriedades em comum:

    - o verbo ocorre numa forma finita do indicativo ou do conjuntivo;

    19 Vide o conceito de verbos declarativos de ordem nas seces seguintes.

  • 13

    - o elemento que introduz a maioria das frases completivas finitas ocomplementador que, havendo outras completivas finitas introduzidas por se;

    - a estrutura interna das frases completivas hierarquizada, sendo possveldistinguir dois constituintes: o complementador, que introduz a completiva, e oconstituinte oracional sua direita;

    - as completivas finitas podem, portanto, considerar-se constituintes frsicoscujo ncleo sintctico o complementador, o qual selecciona um constituinteigualmente frsico cujo ncleo sintctico a Flexo. (op. cit.).

    Tentando restringir estas caractersticas s completivas verbais finitas, diramos queestas so as oraes subordinadas seleccionadas pelo verbo da orao superior que sointroduzidas pelo complementador que ou se integrante e comportam na sua estruturainterna o predicado verbal no modo finito.

    (18) A Ana disse [SComp[Compque[SFlexno queria continuar casada com o Joo]]].(19) A Ana no sabe [SComp[Comp se[SFlexvai continuar casada com o Joo]]].

    A frase encaixada, subordinada integrante ou completiva, designada inicialmentecomo F, na teoria de X(X-barra), tambm se considera como sintagma complementador(SComp) partindo do princpio de que h uma categoria funcional nuclear Comp, cujaprojeco mxima o SComp.

    De acordo com Raposo (1992:16)20 a teoria X-barra de Chomsky est assente naideia de que todas as categorias sintagmticas baseadas em categorias lexicais principaisso a realizao de um nico esquema sintctico abstracto em que se reconhecem trsnveis hierrquicos em vez de dois, ou seja, com duas projeces sucessivas das categoriaslexicais (op. cit.). Portanto, se prestarmos ateno teoria, podemos constatar, por umlado, que uma determinada categoria sintagmtica receber o nome relativo categorialexical principal e que, por outro, nem todos os componentes de uma categoria sintagmticaocupam o mesmo nvel na hierarquia desse sintagma.

    Para uma melhor compreenso da teoria X-barra, necessrio que se faa umaabordagem de dois conceitos centrais desta teoria: o princpio de endocentricidade e oprincpio de projeco.

    20 RAPOSO, E. P. (1992) Teoria da Gramtica. A Faculdade da Linguagem. Lisboa: Editorial Caminho.

  • 14

    Raposo (1992:162) apresenta o postulado do princpio de endocentricidade, deacordo com o qual, (i) - uma categoria sintagmtica SX tem obrigatoriamente um ncleopertencente a uma categoria lexical principal; (ii) - para uma dada categoriasintagmtica SX, o ncleo pertence categoria lexical correspondente a X. (op. Cit.).

    Assim, Duarte & Brito (1996:275)21 afirmam que uma qualquer categoriasintagmtica SX a projeco (i. . a expanso) da categoria X (op. cit).

    Deste modo, ao falar-se desta teoria X-barra, importante ter-se em considerao anoo de projeco mxima de uma categoria lexical que a categoria de nvelhierrquico mais elevado que a categoria lexical projecta, ou seja, a projeco com umnmero mais elevado de barras. [Raposo (1992:174)]

    (20) Representao em diagrama da estrutura de um sintagma X-barra (SX ou X)X''

    (Esp) X'

    X mod

    Aqui nota-se que a categoria lexical X se projecta em dois nveis, o primeiro, X', (X-barra) que a projeco intermdia, e o segundo, X" (X- 2 barra ou SX), que a projecomxima desta categoria lexical X.

    Exemplificando a aplicao do conceito de sintagma complementador (SComp),tendo como base a teoria X-barra, tomemos como exemplo a frase:

    (21) A Maria sabe que o Manuel trabalha muito.

    21 DUARTE, I. & BRITO, A. M. (1996) "Sintaxe" in FARIA, I. H. et alii (orgs.) (1996) Introduo Lingustica Geral e Portuguesa. Lisboa: Editorial Caminho, pgs. 247-302.

  • 15

    Examinando o Sintagma Verbal (SV) de (21), podemos ter a seguinte representao:(22) Estrutura simplificada do SV:

    SV

    V SComp

    Esp Comp

    Comp SFlex

    sabe [ ] que o Manuel trabalha muito.

    De acordo com Campos & Xavier (1991:141)22 nesta frase podemos observar que overbo saber tem sua direita um complemtentador frsico (SFlex) introduzido pelaconjuno que. Chamamos complementador (Comp) a esta conjuno exactamente porqueintroduz uma orao completiva, ou subordinada integrante, na terminologia que nos vemda gramtica tradicional. O diagrama mostra, exactamente que a orao completiva umacategoria sintagmtica (SComp) subordinada ao verbo saber. (op. cit.)

    Chegados aqui, importa referir que a estrutura do SComp, que luz da teoria X-barra constitui a projeco mxima de um Comp, se representa num diagrama em rvore, deacordo com Campos & Xavier (1991:147), da seguinte maneira:

    22 CAMPOS, M. H. & XAVIER, M. (1991) Sintaxe e Semntica do Portugus. Lisboa: Universidade Aberta.

  • 16

    (23) (a) Estrutura-P do SComp:SComp

    (Esp) Comp

    Comp SFlex

    SN Flex

    Flex SV

    V SAdv[+T,+C]

    Adv

    [--] que o Manuel trabalhar muito

    A mesma estrutura pode ser representada parenteticamente do seguinte modo:(b) [SComp [Esp [--]][Comp' [Comp que][SFlex [Flex' [Flex [+T, +C][SV [V trabalhar][SAdv

    [Adv muito]]]]]]].

    Como se pode verificar no diagrama ou na representao parenttica, se tomarmos oSComp como o nosso X", verificamos que ele domina imediatamente os ns Esp (sempreenchimento lexical) e Comp' (correspondente a X').O n Comp', por sua vez domina osns Comp (X) - que o n correspondente categoria funcional nuclear - e o n SFlex, quefunciona como o seu complemento ou modicador. Portanto, de facto, o SComp constitui aprojeco mxima da categoria funcional nuclear Comp, que neste caso preenchida pelomaterial lexical que (complementador universal) por se tratar de uma orao completivafinita.

    Campos & Xavier (1991:147) afirmam que o ncleo do SComp pode ter realizaofontica o elemento funcional que ou se e pode, tambm, ser foneticamente nulo. Destaconstatao devemos observar que, quando o ncleo de SCOMP foneticamente nulo, afrase encaixada apresenta o verbo numa forma infinitiva.

    Segundo Mateus et alii (1989:265), existem duas grandes estruturas decomplementao verbal, tendo em considerao o lugar do encaixe da frase completiva na

  • 17

    orao superior, ao nvel da estrutura profunda: A complementao em SN- sujeito23 e acomplementao em SV 24. Nesta ltima, as mesmas autoras consideram a existncia dedois tipos de construo: (i) construes de complementao com SU nulo noargumental dentre os quais se incluem os verbos inacusativos e de elevao, os quais noseleccionam um argumento externo e seleccionam um argumento interno, neste casofrsico [Mateus et alii (1989:268)]. Este argumento interno tem a relao gramatical desujeito ou de objecto directo (OD) - (vide (24)); e (ii) construes de complementao comSU argumental (com ou sem realizao lexical) - a orao completiva um argumentointerno do V superior, i. , o seu OD; (vide (25)) por um lado, e, por outro () a oraocompletiva um complemento preposicional do verbo superior (op. cit.:270), ou seja, comuma relao gramatical de oblquo, de acordo com Duarte (2003b:615), (vide (26)).

    (24) Acontece que os midos trabalham tarde. [Mateus (1989:268)](25) Os crticos disseram que o filme ganhou o festival. (op. cit.:271)(26) O Joo insistiu em que todos acabassem o trabalho. (op. cit.:278)

    1.5.1. A COMPLEMENTAO VERBAL EM SN SUJEITOSegundo Mateus et alii (1989:265), na complementao em SN Sujeito ocupam a

    posio de sujeito as frases completivas que constituem argumento externo dos verbos,independentemente do facto de esses verbos poderem ou no seleccionar um argumentointerno. (op. cit.) (vide 27a)) sendo que a orao completiva desta construo pode ocupara posio ps-verbal. (vide 27b)).

    (27) (a) [Que a Maria no tenha vindo festa] surpreendeu o Joo.(b) Surpreendeu o Joo [que a Maria no tenha vindo festa].

    No entanto, recentemente, Duarte (2003b) considera que as frases completivaspodem ser substitudas por um pronome demonstrativo invarivel (como isto, isso) emposio pr-verbal25, (vide (28a). Assim, prova que a orao completiva ocupa ao nvel daestrutura profunda a posio de um SN Sujeito, pois a sua substituio por pronome

    23 Na edio revista da Gramtica da Lngua Portuguesa, Duarte (2003b:606) afirma que estas so asCompletivas com a relao gramatical de sujeito.24 Duarte (2003b:608) trata estas oraes como completivas com a relao gramatical de objecto directo.25 Cf. Duarte (2003b:606)

  • 18

    demonstrativo, se ocorre na posio ps-verbal gera uma frase agramatical ou marginal.(vide 28b))

    (28) (a) Isso surpreendeu o Joo.(b) * ? Surpreendeu o Joo isso.

    de salientar que, neste tipo de construes, a orao completiva,independentemente da posio que ocupa, desempenha ao nvel da estrutura de superfcie amesma funo sintctica que desempenha no nvel da estrutura profunda, portanto, a deSujeito frsico.

    1.5.1.1. Tipologia de verbos que seleccionam uma completiva com arelao gramatical de sujeito:

    (i) Verbos psicolgicos

    Este o tipo de verbos cuja predicao se refere a um estado de esprito, isto , a umestado psicolgico.

    Duarte (2003b:607) afirma que verbos psicolgicos como aborrecer, preocupar,surpreender26 se constroem com um objecto directo nominal e um sujeito frsico, queocorre preferencialmene em posio final da frase complexa (op. cit.). Veja-se:

    (29) V SNOD X Fcompletiva(30) (a) Admira-me (muito) [que ela no te tenha convidado]. (op. cit.)

    (b) Preocupa-os (imenso) [que os filhos ainda no tenham dadonotcias]. (idem)

    Acrescenta ainda que verbos psicolgicos como agradar, apetecer, desagradar,interessar se constroem com um objecto indirecto e um sujeito frsico, que ocorre emposio final da frase complexa. (op. cit: 607)

    (31) V SNOI X Fcompletiva(32) (a) Agrada-lhe (imenso) [que a Maria seja to simptica]. (idem)

    (b) Apetecia a todos [que as frias comeassem j amanh]. (idem)

  • 19

    (ii) Verbos inacusativos de existncia e acontecimento

    De acordo com Duarte (2003b:607), com os verbos inacusativos de existncia eacontecimento como acontecer, bastar, constar, convir, ocorrer, suceder obrigatria aposio ps-verbal do sujeito. (op. cit.).

    Segundo Duarte (2003a:300) 27, os verbos inacusativos so verbos de um lugar queseleccionam um argumento interno com a relao gramatical de sujeito final.

    (33) V X Fcompletiva(34) (a) Convm [que venhas conferncia]. (op.cit.:607)

    (b) Acontece [que todos preferiram ir ao teatro]. (idem)

    1.5.2. A COMPLEMENTAO EM SV

    No concernente complementao em SV, Mateus et alii (1989:268) afirmam queesta existe quando a orao completiva complemento do verbo, isto , quando umargumento interno do verbo (op. cit.).

    H ainda a referir que, j na gramtica de (2003), Duarte procura distinguir asoraes completivas com a relao gramatical de objecto directo das com a relaogramatical de oblquo.

    Falemos em primeiro lugar das completivas com a funo gramatical de objectodirecto.

    1.5.2.1. Completivas com a relao gramatical de objecto directo:

    De acordo com Duarte (2003b:608) as frases completivas com a relao gramaticalde objecto directo so sempre seleccionadas por verbos e podem ser substitudas por umpronome demonstrativo invarivel (como isto, isso) em posio ps-verbal e pelo pronomedemonstrativo tono invrivel o. (op. cit.), ou seja, as completivas com a relaogramatical de OD so as que, regidas directamente pelo verbo, funcionam como seuargumento interno no preposicional, portanto, objecto directo.

    26 Outros verbos so: admirar, afligir, alegrar, assustar, aterrorizar, cansar, divertir, encantar, entusiasmar,entristecer, espantar, incomodar, inquietar, irritar, ofender, perturbar.27 DUARTE, I., (2003a) "Relaes Gramaticais, Esquemas Relacionais e Ordem de Palavras" in MATEUS,M.H. et alii, pgs.272-321.

  • 20

    (35) (a) O Joo sabe [que estamos espera dele] (op. cit.:608)(b) O Joo sabe isso. (idem)(c) O Joo sabe-o. (op. cit.:609)

    Em seguida, vamos apresentar as vrias classes de verbos superiores que diferementre si quanto ao comportamento sintctico e semntico, quando regem uma frasecompletiva como objecto directo.

    (i) Verbos declarativos28, verbos declarativos de ordem29, verbos de actividademental30 e verbos de inquirio 31

    De acordo com Mateus et alii (1989:271), os verbos declarativos so verbos do tipode dizer, afirmar, comunicar e outros que seleccionam como complemento uma frasefinita introduzida por que, com o verbo no modo indicativo.

    (36) A Maria disse que o pai tinha viajado.

    Os Verbos declarativos podem seleccionar o modo conjuntivo, pertencendo nestecaso a uma outra classe, a de verbos declarativos de ordem ou verbos directivos.

    Pertencem classe dos verbos declarativos de ordem os verbos como dizer (com umargumento interno frsico, complemento directo, com o papel temtico de tema, e um outroargumento interno, complemento indirecto, com o papel temtico de alvo), ordenar, pedir,suplicar, rogar.

    (37) Eu disse-lhes [que sassem imediatamente].(38) Eu disse-te que me desses o meu caderno.

    Pedi-te

    Este tipo de verbos subcategoriza a frase completiva, ou seja, o SComp, segundo oseguinte esquema: [que F Conj]. Importa realar que nestas construes completivas com oconjuntivo, o SN-SU da frase superior tem sempre uma refencia disjunta da do SN-SU dafrase encaixada:

    (39) [Ele]i disse-[lhe]j que [--]j sasse.

    28Estes verbos na nomenclatura de Vilela (1992:93) denominam-se Verbos dicendi ou verbos deexteriorizao.

    Vilela, M., (1992) Gramtica de Valncias. Teoria e Aplicao. Coimbra: Livraria Almedina,.29 Vide Duarte (2003b:601)30 Os de actividade mental so tambm designados de verbos epistmicos. (Duarte, 2003:609)

  • 21

    Mateus et alii (1989:271) acrescentam ainda que certos Vs declarativos (comodizer) admitem oraes completivas introduzidas por para, quando os SN-SU das duasoraes no so co-referentes. (op. cit.)

    (40) Eu disse-lhe para sair.

    Note-se aqui que a presena da preposio para, na norma padro do PE, faz comque o verbo esteja no infinitivo, podendo-se inferir que, nas construes completivas queenvolvem verbos declarativos de ordem, as preposies e as conjunes que introduzem afrase encaixada se restringem mutuamente quanto estrutura interna da frase encaixada,pois, de acordo com Duarte (2003b:621) no PE, esta forma para, que introduz ascompletivas no finitas com esta subclasse de verbos (declarativos de ordem) tem o estatutode complementador e no de uma verdadeira preposio, uma vez que nas completivasfinitas correspondentes (do PE) para no pode co-ocorrer com o complementador que (op.cit.)

    Os verbos de actividade mental32 do tipo de pensar, acreditar, crer, concordar eachar tambm seleccionam uma frase completiva finita, introduzida pelo complementadorque ocorrendo o modo indicativo quando a frase superior afirmativa e o modo conjuntivoquando esta negativa:

    (41) (a) Acreditamos [que o Joo ganha a corrida].(b) No acreditamos [que o Joo ganhe a corrida].

    H que se acrescentar que, de acordo com Vilela (1992:94), o uso do modoindicativonas construes completivas, com o verbo crer, predicao superior afirmativa,revela a convico forte do locutor e o modo conjuntivo a convico fraca

    Pertencem classe dos verbos de inquirio os verbos como perguntar, investigare pedir, que, de acordo com Mateus et alii (1989:277), contm oraes completivasintroduzidas pelo complementador se33, que funcionam como OD do verbo da oraosuperior (op. cit.). Estes verbos, segundo Duarte (2003b:599), seleccionam o verbo defrase encaixada no modo indicativo. De acrescentar que na esteira de Casteleiro (1981a) e

    31 Os verbos de inquirio so verbos como, perguntar, saber (em formas negativas), etc.32 Os verbos de actividade mental so aqueles que exprimem um conhecimento ou reconhecimento epressupem a verdade do estado de coisas contido na completiva [Vilela (1992:94)].33 Repare-se que o Verbo epistmico saber na forma negativa tem o comportamento dos verbos de inquirio,no que diz respeito seleco do complementador.

  • 22

    de Cunha & Cintra (1996) estas completivas introduzidas pelo complementador se sotambm denominadas de interrogativas indirectas.

    (42) Perguntaram-nos frequentemente [FSub se concordamos com os programas].

    (ii) Verbos de uso factivo34

    Os verbos de uso factivo do tipo de surpreender, co-ocorrendo com que,seleccionam uma frase completiva finita com o verbo no modo conjuntivo. Esta estrutura dacompletiva pode ser esquematicamente descrita do seguinte modo: que FConj

    (43) Incomoda ao Joo [Fsub que o Pedro grite a noite toda]

    (iii) Verbos de elevao35

    Vejamos antes de mais, o seguinte exemplo, extrado do corpus de Peres & Mia(1995:33):

    (44) (a) Parece [que os bombeiros conhecem esta serra].(b) Os bombeiros parece [que conhecem esta serra].(c) Os bombeiros parecem conhecer esta serra.

    Como se pode constatar na construo presente em (44a), a primeira predicaoapresenta como predicador o verbo parecer e como argumento interno oracional osbombeiros conhecem esta serra (a segunda predicao). Nesta estrutura, em que no seregista nenhum movimento de mover-SN, no ocorre um SN-SU, argumento externo doverbo superior, dado o facto e o verbo parecer no seleccionar tal argumento, isto , a suanatureza exige uma categoria vazia argumental, na posio de sujeito.

    J em (44b) se est na presena de um caso de ordem derivada em que o sujeito doargumento oracional os bombeiros se encontra deslocado da sua posio bsicaparecendo ocupar a posio bsica de sujeito nulo da frase superior, sem, contudo, gerar aconcordncia com o verbo desta frase, mas sim com o predicado da frase encaixada.

    Isto ilustra que o SN [os bombeiros], se desloca para uma posio perifrica (tpico)deixa como vestgio uma categoria vazia, que vai continuar a reger a concordncia na frase

    Ex.: No sabemos [SComp se o Pedro comprou o po no mercado]34 Os verbos de uso factivo so aqueles que podem co-ocorrer com a expresso o facto de. So exemplosverbos como surpreender, incomodar.35 confira Mateus (1989:268-269)

  • 23

    encaixada (vide (45)). Este movimento habitualmente designado por mover-SN para aposio perifrica, de acordo com Mateus et alii (1989).

    (45) [Os bombeiros]i [CV] parece que [--]i conhecem esta serra.]

    J em (44c), temos uma construo na qual se verifica a deslocao do [SN osbombeiros] para a posio bsica de sujeito nulo da frase mais alta, gera pois a concordnciacom o Verbo da frase superior, o que significa que houve uma compatibilizao dos traosde nmero e pessoa deste SN-SU movido com os traos de [+C] de Flex do verbo superior.Assim, diferentemente da (44b) o complemento oracional est no modo infinitivo, nopodendo o SN movido reger a concordncia com o verbo da frase encaixada.

    De acordo com Mateus et alii (1989:268), consideram-se verbos de elevao osverbos do tipo de parecer, porque no seleccionam nenhum argumento externo na estruturaprofunda, podendo, no entanto, apresentar na estrutura de superfcie um sujeito sintcticoque argumento externo do predicador da frase complemento (op. cit.). Esta situaodecorre da aplicao das regras de movimento do constituinte (Regra de mover - , nestecaso mover-SN).

    Nesta operao, ainda de acordo com Mateus et alii (1989:268), a concordnciaSujeitoVerbo obtm-se por aplicao das regras de afixao que consistem nacompatibilizao dos traos de nmero e de pessoa do SNSujeito e dos traos deconcordncia da Flexo (Flex).

    As construes de elevao s ocorrerem em estruturas de complementao verbalinfinitiva - veja-se o exemplo (44c) -, porm, quando a posio do ncleo de SComp preenchida, no se verifica a concordncia entre o sujeito de superfcie e o verbo deelevao, uma vez que neste caso se trata apenas de uma topicalizao - veja-se (44b).

    Topicalizao, de acordo com Brito, Duarte & Matos (2003:497)36 a construode tpicos37 marcados ()em que o constituinte conectado com o tpico obrigatoriamenteuma categoria vazia.

    36 BRITO, A.M., DUARTE, I. & MATOS, G. (2003) "Estrutura da Frase Simples e Tipos de Frase" inMATEUS et alii, pgs. 432-506.37O tpico aexpresso ( esquerda da frase) que designa aquilo de que se afirma, nega ou questiona apropriedade expressa pelo predicado[Duarte (2003a:316)])

  • 24

    (iv) Verbos Causativos

    De acordo com Mateus et alii (1989:275) os verbos causativos exprimem umarelao de causatividade entre um agente-expresso pelo SN-SU da frase superior e oestado de coisas descrito pela orao completiva.

    Os verbos causativos so verbos do tipo de: mandar, fazer, deixar, etc. e asconstrues finitas que seleccionam so do seguinte tipo: [que FConj]. Veja-se:

    (46) Eu mandei [F que os alunos escrevessem].

    1.5.2.2. Completivas verbais regidas por preposio

    De acordo com Duarte (2003b:615) consoante as propriedades dos verbos que asseleccionam, as completivas finitas oblquas podem ser antecedidas por diferentespreposies (op. cit.). Portanto, as completivas com a relao gramatical de oblquo soSintagmas Preposicionais (SP) diferentes do objecto indirecto com a preposio a. Deacordo com a gramtica tradicional, estas oraes completivas so consideradas de objectosregidos, na perspectiva de Casteleiro (1981a).

    Vejamos agora os seguintes exemplos, retirados de Duarte (2003b:615):(47) (a) Os alunos opuseram-se [a [que o teste fosse adiado]].

    (b) O Joo recorda-se [de [que a deciso foi unnime](c) O problema reside [em [que no h interao entre os diferentes centros

    de investigao]].(d) Os responsveis velaram [por [que houvesse igualdade de oportunidades]].

    Como se pode observar nestes exemplos, antes da frase completiva aparece umapreposio(a, de, em ou por) que precedida de um verbo da frase superior (no casovertente trata-se dos verbos opor-se, recordar-se, residir e velar, respectivamente).Portanto, a preposio presente nestas construes de ocorrncia obrigatria, pois o verboda frase superior rege sempre um SP.

    Esta autora refere ainda que de entre os verbos que podem seleccionar completivasfinitas preposicionadas, conta-se a subclasse dos verbos de controlo de objecto (op.cit.:615), isto , verbos cujo objecto [+ humano] fixa a referncia do sujeito da completivaque deles depende. Acrescentando ainda que pertencem a esta subclasse verbos como

  • 25

    aconselhar (a), autorizar (a), convencer (a), convidar (a/para), forar (a), persuadir (a),que determinam o seguinte padro de ordem:

    (48) V OD P Fcompletiva38

    (49) (a) Os pais autorizaram OD[os filhos]i [a [que SU[-]i fossem acampardurante as frias]](b) O jri convidou OD[dois candidatos]i [a [ que SU[-]i retirassem a sua

    candidatura]].

    Como se pode verificar, neste tipo de construes, o verbo da frase encaixadaencontra-se no modo conjuntivo, de acordo com o esquema: [SP [P] [que FConj]].

    1.5.3. A SELECO DE MODO NAS COMPLETIVAS FINITAS39

    Outro aspecto que importa reflectir antes da anlise dos dados obtidos dos testesaplicados o que diz respeito seleco de modo nas completivas finitas que ocorrem noPortugus Padro norma europeia.

    Vilela (1992:93) afirma que certos verbos usados como verbos superiores /subordinantes, ou deixam a livre escolha, na subordinada, quanto escolha do modo(indicativo / conjuntivo), ou impem um dos modos.

    Analisando esta afirmao podemos constatar a existncia de duas categorias deverbos superiores: uns que seleccionam o modo da frase encaixada, e outros cuja selecode modo vai depender da opo do locutor no momento da produo do discurso. Portanto,torna-se importante referir que, ao dizer que alguns verbos deixam livre escolha a selecode modo na frase encaixada, Vilela no pretende dizer, de modo nenhum, que essa escolhaseja aleatria. Isso depender exclusivamente da modalizao que se impe, no somente aoverbo, mas ao estado de coisas em relao ao momento de enunciao40. Em suma, comoafirma Duarte (2003b:599), a seleco de um modo ou do outro na completiva, depende emprimeiro lugar das propriedades do ncleo que a selecciona.

    Esta autora afirma que nas completivas verbais, o modo indicativo seleccionadopor verbos superiores inacusativos do tipo de acontecer (vide (50)), epistmicos do tipo de

    38 Estes exemplos foram extrados de Duarte (2003b:615)39 Neste ponto tratamos apenas da seleco do modo nas completivas do Portugus Padro Europeu.40 Aqui acrescenta que verbos da rea lexical de crer admitem tanto o conjuntivo como o indicativo, e aescolha depende da convico forte (indicativo) ou convico fraca (conjuntivo), que se faz transportarpara a subordinada (Vilela,1992:94).

  • 26

    pensar (vide (51)), declarativos do tipo de afirmar (vide (52)), de inquirio do tipo deperguntar (vide (53)) e perceptivos do tipo de ver (vide (54))(Duarte, op. cit.).

    (50) Acontece [SComp41 que eu no sei a tua morada]42.(51) Os estudantes pensavam [SComp que podiam repetir a prova](52) Eles afirmam [SComp que os resultados sero publicados hoje].(53) Perguntaram-nos frequentemente [SComp se concordamos com os programas](54) O Joo viu [SComp que o pblico aplaudia de p o cantor]

    A mesma autora afirma ainda que tambm ocorrem no indicativo completivaspreposicionadas seleccionadas por verbos psicolgicos no emotivos intrinsecamentereflexos cuja contrapartida causativa selecciona modo indicativo (Duarte, 2003:600).

    (55) (a) Os midos lembram-se de [SComp que os pais lhes prometeramuma bicicleta](b) Recordo-me de [SComp que passmos frias em Tria]

    Para Vilela (1992:94) os verbos volitivos, e outros verbos como convencer,persuadir, etc. () exigem conjuntivo na completiva seu argumento interno.

    De acrescentar que, na perspectiva de Duarte (2003b:601) se incluem neste grupo osverbos declarativos de ordem, os verbos psicolgicos factivos, os verbos optativos e osverbos causativos.

    (56) Eu quero [SComp que vs hoje trabalhar comigo]. [Vilela (1992:94)](57) A Faculdade deixou [SComp que os alunos se matriculassem

    condicionalmente]. [Duarte (2003b:601)].

    Ainda segundo Duarte (2003b:601), o modo conjuntivo pode ocorrer emcompletivas verbais que funcionam como argumento externo de verbos psicolgicos (vide(58)) e em completivas que so seleccionadas por verbos inacusativos (vide (59)).

    (58) Entristece-a [SComp que o filho tenha tido maus resultados no exame].(59) Basta [SComp que comuniques pelo telefone o teu nib].

    41 Veja-se que nestes ltimos exemplos atribumos a denominao SComp, isto , sintagma complementador,ao complemento frsico (Fsub), dado o facto de ser introduzido por um Complementador (Comp), ncleo doSComp.

  • 27

    No que diz respeito s completivas verbais finitas preposicionadas, a mesma autoraconsidera que, regra geral, estas apresentam o modo conjuntivo.

    (60) (a) Eles autorizaram-nos a [SComp que consultssemos o manus-crito raro]. [Duarte (2003b:602)](b) Os pais dos midos anseiam por [SComp que eles recomecem as aulas].

    (idem)

    Chegados aqui, como se pode notar, o tema apenas foi tratado tendo emconsiderao as construes cannicas. Porm, antes de prosseguirmos, importa referir quealguns investigadores do PE e do PM nos mostram que nem sempre o padro de estruturasdas complementao verbal finita seguido pelos falantes. Assim, vamos de seguida fazeruma abordagem sobre os fenmenos que tm a ver com a insero ou supresso depreposies antes do complementador universal que, tanto no PM como no PE, e asimplicaes que tais fenmenos tm na configurao interna da frase encaixada.

    1.6. DEQUESMOS, PARAQUESMOS E QUESMOS

    No seu estudo intitulado Estruturas de Complementao Verbal do Portugus deMoambique, Issak (1998:69) declara que os falantes do PM introduzem quase com

    exclusividade as preposies de e para em estruturas de complementao verbal finita.Acrescenta ainda, na esteira de Mollica (1995), que este fenmeno no de todo estranho lngua portuguesa, particularmente a introduo da preposio de, visto que se verificou noportugus arcaico e ainda pode ser observado no Portugus de Brasil, sendo conhecidocomo o fenmeno do dequesmo43 (vide (61a)). Alm da insero da preposio de, algunsestudos destacam que se observa tambm a insero da preposio para como introdutordos complementos oracionais regidos por um verbo, fenmeno a que se atribui o nome deparaquesmo (vide (61b)).

    (61) (a) *Eu pensava de que na Beira falava-se Yao, Makonde, Nyaja eSwahili. [Issak (1998:109)]

    (b) Peo para que nos tirem essa dvida. (op. cit.: 108)

    42 Os exemplos de (50) a (55a-b) foram extrados de Duarte (2003b:599-600).43 O fenmeno denomina-se dequesmo pelo facto de se adicionar com frequncia a preposio de.

  • 28

    De acordo com Duarte (2003b:617), no uso da lngua portuguesa, tm-se observadocom frequncia casos de acrscimo de uma preposio (desnecessria) antes da frasecompletiva finita, em contextos que, de acordo com a norma gramatical, no deviamocorrer, ou seja, quando as propriedades do ncleo lexical que selecciona as completivasno o justificariam (op. cit.) Veja-se (62 a-b):

    (62) (a) Penso de que o rbitro favoreceu os nossos adversrios. (op. cit.:618)(b) Para os italianos, o importante no propor aos americanos e

    NATO para que negoceiem com o Leste o futuro destes misseis.(idem)

    Reflectindo sobre a ocorrncia dos dequesmos, Duarte (2003b:617) considera queos exemplos de dequesmos ocorrem em completivas de sujeito quando a completiva seleccionada por verbos inacusativos, pelo que (a completiva) um argumento internodirecto no legitimado casualmente pelo verbo. Este facto pode levar os falantes aintroduzirem a preposio de (op. cit.:617).

    (63) *O Secretariado Europa 1992 [] faz constar, atravs do presenteaviso, de que pretende contratar [] trs funcionrios []. (op. cit.:617)

    Note-se que, apesar de as estruturas com dequesmos ocorrerem no PE, no somuito frequentes nesta variedade.

    Duarte (2003b:618) considera ainda que os dequesmos ocorrem em completivas deobjecto directo, normalmente quando o verbo que as selecciona no tem propriedades deseleco categorial homogneas, i.e., quando se constri com um argumento internonominal exige preposio, mas quando se constri com um argumento interno frsico no apermite, como o ilustram os exemplos que se seguem:

    (64) (a) Penso [SP na arbitragem do jogo de ontem]. (op. cit.:617)(b) Penso [SComp que o rbitro favoreceu os nossos adversrios]. (idem)(c) *Penso de que o rbitro favoreceu os nossos advrsrios. (idem)

    No seu estudo, Issak (1998:84) afirma que nas construes de complementaoverbal as preposies de e para parecem ter a funo de licenciar o modo da fraseencaixada, uma vez que a primeira co-ocorre sempre com o modo indicativo e a segunda seapresenta em completivas cujo verbo se encontra no modo conjuntivo. Tendo em

  • 29

    considerao estas constataes, Issak (1998) considera que existem entre o PE e o PM umadiferenas ao nvel das propriedades de seleco categorial dos verbos superiores,fazendo surgir quadros de subcategorizao diferentes: (op. cit.: 85)

    (65) PM: [ - [ SP de/para [ F que FIND/CONJ]]] 44

    PE: [ - [ F que F IND/CONJ]] (idem)(66) (a) Isto fora daquilo que se diz de que a educao de todos ns.

    (= ... que se diz que a educao ...) [Issak (1998:105)](b) Depois de tratar o resto, entreguei o resto na mesma seco de

    recursos humanos e disseram para que aguardasse a nomeaovinda de Maputo.(= ...disseram que aguardasse a nomeao...) (idem)

    Os exemplos de (66) mostram que, de facto, os falantes da LP realizam estruturas,de certa maneira, diferentes das que se produziram segundo a norma padro do PE. Pareceassim que a preposio de licencia o modo indicativo em SComp, e a preposio para, omodo conjuntivo, isso na esteira de Issak (1998).

    Parece-nos relevante observarmos aqui o facto de a preposio de ser usada,geralmente, por verbos que no PE seleccionam completivas com a estrutura [que FInd] epara ser usada por verbos que no PE seleccionam a estrutura [que FConj].

    Para Issak (1998:85) esta diferena de propriedades de seleco categorial tem a suainfluncia ao nvel da regncia das frases completivas entre as duas variantes. Enquanto noPE a F (= SComp) regida pelo verbo superior, no PM tal regncia feita por

    preposio.

    Porm, no que toca s propriedades sintcticas das construes de subordinaocompletiva, j Gonalves (1996:319)45 j afirmava que as preposies mais usadas so dee para, e a sua escolha parece estar condicionada pela semntica do verbo superior (op.cit.), no esclarecendo se esta preposio licencia ou no o modo da frase encaixada.

    O que nos parece relevante o facto de se constatar nos dois estudos que os falantesdo PM usam as preposies de e para tendo em considerao as classes sintctico-semnticas dos verbos que seleccionam os argumentos frsicos bem como a estruturainterna desses argumentos frsicos..

    44 F corresponde ao SCOMP e F corresponde ao SFlex.45 GONALVES, P. (1996) "Aspectos da Sintaxe do Portugus de Moambique", in FARIA, I. H. et alii(orgs.) (1996) Introduo Lingustica Geral e Portuguesa. Lisboa: Editorial Caminho, pgs. 313 - 322.

  • 30

    Analisando estes estudos aqui apresentados no que diz respeito s completivas noPM, podemos dizer que encontramos como ponto de convergncia o facto de se constatarque nesta variedade de LP, o SComp tem uma estrutura diferente da que apresenta no PE,apresentando, mesmo assim, certas particularidades que so comuns nas duas variedades. Oque vamos fazer neste trabalho ver at que ponto tais estruturas de complementao queocorrem no PM se revelam diferentes das que ocorrem no PE.

    Assim, torna-se relevante verificarmos como que Gonalves & Maciel (1998)abordam este assunto.

    Gonalves & Maciel (1998:31), ao tratarem a temtica sobre os estdios dodesenvolvimento da categoria SComp, advogam que no Portugus falado em Moambiquepor crianas aprendentes do Portugus, L2, se verifica que ocorrem no s oraesconstrudas de acordo com a norma padro, como tambm oraes que so excludas poresta norma, acrescentando ainda que algumas destas formas so conservadas na gramticados adultos.

    Estas autoras afirmam no seu estudo que nas oraes subordinadas finitas, nopadro, as posies disponveis em SComp, de especificador (Esp) e de ncleo (Comp), ouesto vazias, ou esto preenchidas com material lexical (com contedo fontico).[Gonalves & Maciel (1998:31)].

    Acrescentam ainda haver indcios de existir, por parte destes aprendentes doPortugus, uma tendncia para o preenchimento sistemtico da posio de Esp de SComp,mesmo em situaes em que poderia ficar vazia (vide 68).

    (67) Viram[SComp de [Comp' que [afinal o coelho mais esperto]]]. [Gonalves& Maciel (1998:45)]

    Ao contrrio do padro PE, em que a posio [Esp, SComp] de oraes completivasverbais finitas no pode ser preenchida quando os verbos seleccionadores so transitivosdirectos, nestas construes do PM, a preposio de parece preencher uma lacuna que oaprendente pensa existir na frase. Esta preposio, diferentemente que ocorrem nascompletivas preposicionadas, no subcategorizada pelo verbo, da que Gonalves &Maciel (1998) considerem que ela faz parte do SComp.

    de observar que estas situaes tm alguma relao com os estdios dedesenvolvimento gramatical da aprendizagem da L2 em que numa primeira fase parecehaver tendncia para preencher apenas a posio de ncleo com material lexical. Num

  • 31

    segundo estdio, alm da posio de ncleo, tambm a posio de Esp ocupada pormaterial lexical [Gonalves & Maciel (1998:32)] de natureza preposicional e adverbial.

    Face a estas constataes, Gonalves e Maciel (1998) apresentam trs hiptesesrelativas sintaxe do SComp no PM:

    a)O principal candidato posio de Comp o complementador universal

    que. (op. cit.:33)(68) (a) O cuco disse [que [faamos uma aposta]] (op. cit.:33)

    (b) Perguntou [que [lhes conhecia o nome]] (idem)

    b) A posio de Comp pode ser preenchida por diferentes preposies e

    advrbios. (op. cit.:33)(69) (a) Descanaram [at [chegou um leo]] [ibidem]

    (b) [Para [danamos ndanga]] preciso haver materiais. [ibidem]

    c) Quando a posio de Comp ocupada pelo complementador que, a posio deESP pode ser preenchida por material lexical com contedo semntico. [Gonalves &Maciel (1998:35)]

    (70) (a) Combinou com o meu pai [ SComp para [ Comp que [eu fosse escola]]] (op. cit.:34)

    (b) Viram [SComp de [Comp que [afinal o coelho mais esperto]]].(idem)

    Parece-nos importante frisar que, para Gonalves & Maciel (1998), a preposio queocorre na frase completiva faz parte do SComp, como seu especificador, como acima vimos,e acrescente-se que os exemplos apresentados mostram que no a Preposio que rege oSComp, ao contrrio do que afirma Issak (1998). O que se pode concluir disto que no PMse verifica uma alterao da estrutura do SComp. Contudo, a regncia verbal mantm-se,visto que os verbos continuam a manter a sua estrutura argumental quando o complemento um SN.

    (71) (a) O Pedro concluiu [SComp [Esp de [ Comp' que ela estava errada]]].(b) O Pedro concluiu [SCOMP [COMP que ela estava errada.]].(c) O Pedro concluiu isso.

    Portanto, assumimos no nosso trabalho a estrutura que nos proposta por Gonalvese Maciel (1998), segundo a qual, o que altera no a estrutura de subcategorizao do verbo

  • 32

    superior, como se pretende ilustrar no diagrama em (73), da proposta de anlise da estruturade subcategorizao deste verbo apresentada por Issak (1998). Na realidade, as hipteses deGonalves & Maciel (1998) esclarecem que o que acontece a alterao da estrutura doSComp. No PE, a posio de Esp de SComp nas frases completivas no ocupada commaterial lexical, mas no PM essa posio pode ser ocupada por uma preposio, o que sepode esquematizar do seguinte modo:

    (72) V [SComp [Esp P] [Comp' [Comp que][SFlex]](73) (a) Dequesmo: V [SComp [Esp de] [Comp' [Comp que][SFlex... [Flex Ind...]...]]

    (b) Paraquesmo: V [SComp [Esp para] [Comp' [Comp que][SFlex...[Flex Conj...]...]]Em relao aos quesmos, h que se dizer que so fenmenos inversos aos

    anteriormente tratados, isto , consistem na supresso de preposies introdutoras decomplementos oracionais argumentos internos dos verbos seleccionadores [Cf. Duarte(2003b:619)]. De acordo com esta autora a preposio suprimida frequentemente de46(op. cit.). Alis, de reforar aqui o facto de se ter generalizado a supresso da preposioque rege o SComp dado o facto de ela ter um valor sintctico e semntico nulo nestasconstrues.

    (74) *[] o senhor secretrio de Estado ainda no nos convence que pagarimpostos faz bem sade. (op. cit.:619)

    Porm, importa sublinhar que, conforme se viu nesta seco, as estruturas comdequesmos e paraquesmos no so exclusivas do PM. Elas ocorrem no PE, com menorfrequncia e so consideradas marginais. A diferena entre o PM e o PE parece residirespecificamente na sua aparente aceitao pelos falantes do PM e, possivelmente, com umamaior frequncia. Aqui, ressalvamos que ao falarmos das frequncias baseamo-nos nacontagem de dados empricos, pois os estudos at aqui realizados no se afiguramsuficientes para tais comparaes.

    46 Este um fenmeno que ocorre igualmente na lngua portuguesa em Moambique, mas o seu estudo no objecto deste trabalho.

  • 33

    2. METODOLOGIA DO TRABALHO

    (i) Descrio do Grupo alvo:

    O Grupo alvo desta investigao foi composto na sua totalidade por cento e vinte eoito (128) estudantes do 1 Ciclo, 10 classe, de trs escolas secundrias da cidade deMaputo. De acordo com os instrumentos de pesquisa aplicados, este grupo foi subdivididoem dois (2): O primeiro subgrupo constitudo por trinta (30) alunos da Escola SecundriaEstrela Vermelha (ESEV), com as idades compreendidas entre 14 - 17 anos de idade. A esteprimeiro subgrupo fez-se a aplicao do primeiro teste, que na seco seguinte se descreve.E o segundo subgrupo era constitudo por noventa e oito (98) estudantes de duas escolas,tambm da Cidade de Maputo, designadamente, Escola Secundria Josina Machel (ESJM) -cinquenta e oito (58) estudantes - e Centro de Formao Profissional Dom Bosco (CFPDB) -quarenta (40) estudantes. A este segundo subgrupo fez-se a aplicao do segundo inqurito,que tambm descrito na seco a seguir. De acrescentar que as idades dos inquiridos sesituam entre os catorze (14) e dezassete (17) anos.

    A escolha deste grupo alvo tem a ver com:- O facto de a maior parte dos alunos inquiridos (ou mesmo a sua totalidade) ser

    residente nas Cidades de Maputo e da Matola;- A localizao das escolas no centro da cidade (ESJM), na zona peri-urbana

    (ESEV) e na zona suburbana da cidade de Maputo, (CFPDB);- E o facto de dados do Censo de 1997 mostrarem que a maior parte dos

    estudantes que concluem esta classe param de estudar procura de emprego, porno conseguirem continuar os estudos no segundo ciclo do ensino secundrio.

    (ii) Instrumentos de Pesquisa

    Para este trabalho foram concebidos, como instrumentos de pesquisa, dois testesescritos distintos. O primeiro teste aplicado aos estudantes da ESEV era de juzo degramaticalidade de frases dadas47, contendo 15 frases com estruturas de complementaoverbal, das quais aproximadamente metade (8), apresenta problemas de agramaticalidaderelativamente norma PE.

    47 Vide anexo 1.

  • 34

    Neste teste solicitmos aos alunos que fizessem a escolha das alternativas por sijulgadas correctas, em primeiro lugar, para, logo a seguir, procederem correco dasestruturas que tivessem achado incorrectas, sem, no entanto, lhes modificarem o sentido.

    O segundo teste, aplicado na ESJM e no CFPDB, era constitudo de 20 propostas deconstruo de frases, em que os inquiridos deviam formar frases com estruturas decomplementao, respeitando a ordem em que a palavras apareciam em cada uma daspropostas do teste, tendo-lhes sido apresentadas as palavras - os complementadores -, queeles podiam usar nas frases, de modo a transform-las em gramaticalmente correctas.

    importante notar que as propostas apresentadas continham os elementos frsicos jordenados, faltando apenas completar a flexo verbal (todas as formas estavam noinfinitivo) e acrescentar os complementadores.

    Muitas das frases dos dois testes foram extradas de obras de investigaolingustico-gramatical. Frases estas consideradas como construes problemticas ou queno ocorrem com muita frequncia no PE.

    Foram tambm extradas frases dos rgos de informao. E, alm destas, temosoutras que foram elaboradas propositadamente para podermos cobrir uma parte considerveldas tipologias de construes de complementao mencionadas na Reviso Bibliogrfica.

    Os grupos foram subdivididos em quatro: o primeiro subgrupo o da ESEV (30inquiridos), que foi submetido apenas ao teste de juzo de gramaticalidade. Os restantes trssubgrupos foram submetidos ao teste de construo de frases, assim distribudos: 40inquiridos no CFPDB; e cinquenta e oito na ESVM, sendo 34 inquiridos da turma 8 (JM8) e24 inquiridos da turma 9 (JM9).

    Para a realizao destes testes, cada grupo de alunos teve o tempo de uma aula de 45minutos, tendo sido os testes realizados em tempos cedidos pelos professores de Portugus.Os alunos foram sempre avisados de que o teste no tinha nenhum carcter avaliativo,visando apenas colher alguns dados sobre um contedo gramatical, pelo que no se deviampreocupar se deixassem livres os espaos que no conseguissem preencher logo primeira,dando sempre uma resposta possvel.

    A opo por esta metodologia tem a ver com a aproximao s condies reais, emque os alunos produzem frases completivas durante a aula, de modo a oferecer-lhes ummomento para poderem refletir sobre as estruturas que produziram e tentarem aproximar-semais norma por si conhecida.

  • 35

    (iii) Sobre a anlise de dados

    Na anlise de dados, prestmos grande ateno quantificao da informao, descrio dos tipos de desvio produzidos em relao norma padro do PE, e procedemos auma comparao, atravs de quadros de sistematizao dos dados colhidos (que soapresentados em anexo), e discusso dos resultados obtidos, visando a testar as hiptesesque nortearam a realizao do presente trabalho, confrontando os dados que colhemos com ainformao terica recolhida durante a fase da pesquisa bibliogrfica.

    Por outro lado, tentmos fazer uma descrio dos desvios produzidos tendo emconsiderao os aspectos comuns identificados nas estruturas de complementaoproduzidas pelos inquiridos, dando sempre que possvel explicao dos fenmenos queocorrem nestas construes. No deixmos tambm de considerar o facto de o corpus

    obtido dizer apenas respeito a um conjunto de dados colhidos em Maputo - Cidade.Uma vez que para a realizao do presente trabalho foram usados dois tipos de

    instrumentos distintos, tambm a anlise e discusso dos resultados se procede em trs fasesdistintas: uma primeira fase em que se analisam e discutem os resultados do teste aplicadona ESEV; uma segunda fase em que se analisam e discutem os resultados do teste aplicadona ESJM e no CFPDB; e, por fim, uma anlise comparativa dos resultados obtidos dos doistestes, colocando-se em relevo os aspectos mais comuns e/ou que mereceram destaque.

    As anlises, de modo a permitir uma viso geral dos resultados comparativos, soapresentadas com valores relativos, de natureza percentual. E teve-se em considerao,como critrios de validao dos indcios de uma dada ocorrncia os seguintes:

    - para que uma dada frase seja analisada e os seus resultados considerados comofiveis preciso que 50,0% dos inquiridos tenham respondido;

    - para que uma certa construo seja considerada como tpica deste grupo deinquiridos necessrio que a percentagem dos inquiridos esteja prxima dos7,0%.

    Contudo, h que realar que, por vezes, construes que no estiveram dentro doscritrios acima indicados foram analisadas e descritas para ilustrar ou a tendncia ou asprincipais dificuldades na utilizao de determinados materiais lingusticos.

  • 36

    3. ESTRUTURAS DE COMPLEMENTAO VERBAL FINITAPRODUZIDAS POR ALUNOS DA 10. CLASSE DE TRSESCOLAS DE MAPUTO

    - Apresentao e anlise de dados

    Antes de procedermos apresentao e anlise dos dados, importa referir que, umavez que os dados foram colhidos usando dois instrumentos com concepo diversificada eaplicados em momentos bem diferentes, vamos primeiro apresentar os dados do primeiroteste e de seguida os dados do segundo. Somente depois de apresentados e discutidos osdados de cada um dos instrumentos que apresentamos a sntese dos dados colhidos pelosdois instrumentos. Deste modo, o presente captulo composto por duas seces distintas.

    3.1. ANLISE DOS DADOS DO QUESTIONRIO APLICADO NAESEV

    Conforme a discriminao feita anteriormente, no captulo referente metodologia,o primeiro teste consistiu na verificao do juzo de gramaticalidade dos inquiridos sobrefrases j produzidas, em que eles procederam correco das frases que tomavam comogramaticalmente incorrectas. Nesta seco, analisamos as frases produzidas pelos inquiridosna fase de correco.

    Ao longo do trabalho pudemos notar que os estudantes inquiridos na ESEVapresentaram algumas regularidades na maior parte das suas respostas, conforme mostramos dados que de seguida passamos a apresentar:

    Em relao frase n 1 do teste, aqui renumerada como (75)(75) Os midos parece que trabalham de tarde.

    De acordo com a norma do PE, esta frase gramatical. O verbo superior, parecer,enquadra-se no grupo dos chamados verbos de elevao, seleccionando o modo indicativona orao completiva finita, seu argumento interno. Contudo, todos os trinta (30) inquiridosda ESEV (100%) consideraram-na agramatical. Dado que parece ser relevante o que seobserva na correco feita pelos inquiridos. A maior parte deles coloca o [SN os midos] nasua posio bsica, isto , na posio de SN-sujeito da frase completiva, no dando lugar aplicao da regra mover-, neste caso mover-SN, (vide 76 a-b):

  • 37

    (76) (a) Parece que os midos trabalham de tarde.(b) [ [cv] [parece [SComp [Comp que[SFlex [SN os midos] trabalham de

    tarde]]]]]

    Isto pode ter a seguinte explicao: estes inquiridos consideram o verbo parecercomo impessoal, o que de facto, ou seja, no rege um argumento externo (SN-SU),considerando, e correctamente, que o [SN os midos] o sujeito da frase encaixada.

    de acrescentar que alguns destes inquiridos, ao procederem correco, nocolocam o SN na posio de Sujeito bsico da orao completiva, preferindo a construoque se apresenta em (77a), com o [SN os midos] numa posio perifrica (topicalizao),pela insero do sinal grfico vrgula, marcador.

    Fazendo uma anlise no rigorosa da estrutura de superfcie da frase que osinquiridos apresentam, temos a representao parenttica em (77b):

    (77) (a) Os midos, parece que trabalham de tarde.(b) [[SN os midos]i[SFlex [cv] [Flex' [Flex [PresInd;IIIsing]][SV [V parecer] [SComp

    [Comp' [Comp que ][SFlex[[SN-]i [Flex' [SV trabalham de tarde]]]]]]]]]

    Esta representao mostra que os inquiridos, ao isolarem o [SN os midos] porvrgula do resto da frase, tm a noo de que este se encontra deslocado da sua posionormal (ou bsica), dado que no rege a concordncia com parece. Em termos tcnicos, esteSN em posio perifrica na frase (77a), co-indexa-se com a categoria vazia, [-], que ocorrena frase encaixada.

    A frase (2) do inqurito aqui apresentada como (78):(78) Depois de tratar o resto, entreguei na mesma seco de recursos humanos e

    disseram para que aguardasse a nomeao vinda de Maputo.

    No PM podemos realizar este tipo de construo, realada a negrito acima, na qualse observa uma alterao na estrutura de subcategorizao do verbo da frase superior,considerando que o verbo dizer parece aqui subcategorizar um SP que inclui uma oraocompletiva, seu argumento interno, tema [cf. Issak (1998)] (vide (79a)). Porm, de acordocom a norma do PE, o constituinte seleccionado por dizer, agramatical, dado que, nestavariedade, o verbo dizer no subcategoriza nenhum Sintagma Preposicional (SP), mas simum SComp ou um SN (vide (79 b-c)):

  • 38

    (79) (a) disseram [SP para que aguardasse](b) disseram [SComp que aguardasse].(c) disseram [SN isso]

    A frase apresentada no inqurito foi considerada como certa por 29 inquiridos(96,7%) e isto pode ter a seguinte interpretao:

    Os alunos da 10. classe no a consideram incorrecta, possivelmente porque jesto habituados a ouvir construes do tipo [dizer para que], o que nos leva aconcluir que esta construo faz, provavelmente, parte da sua gramticainteriorizada:

    - Uma outra explicao para o facto de os inquiridos no considerarem estaconstruo incorrecta, poder ser a de que tm a noo de que, quando formulamuma frase completiva infinitiva seleccionada pelo verbo dizer, verbo declarativode ordem, esta introduzida por para. Aqui admitimos a hiptese de que osfalantes do PM generalizam a seleco da forma para em todas as construesque envolvem esta tipologia de verbos.

    de recordar, de acordo com Duarte (2003b:621) a preposio para no pode co-ocorrer com o complementador que neste tipo de construes.

    Portanto, na nossa interpretao, na esteira desta autora e de Gonalves & Maciel(1998), consideramos que a preposio para que ocorre com os verbos declarativos deordem ocupa a posio de especificador do SComp. Justifica-se esta afirmao pelo facto dea preposio no ser regida pelo verbo, mas ser uma indicao de que se interpreta o verbodizer como um verbo declarativo de ordem.

    Vejamos o que acontece com os outros verbos declarativos de ordem:Relativamente ao verbo exigir, frase (8) do inqurito, este apresentou resultados

    heterogneos, nos quais 43,3% dos inquiridos consideraram a construo gramaticalmentecorrecta e os restantes 56,7% consideraram-na agramatical. Eis a frase do inqurito:

    (80) Eu exigi aos alunos que (eles) fizessem um trabalho

    Verdade que os que consideraram a frase como agramatical no apresentamuniformidades na sua eventual proposta de correco (diga-se desnecessria, se seconsiderar a norma do PE), porm, 26,7% procedeu supresso do pronome eles, o querevela que o seu juzo sobre a incorreco por si detectada no tem nada a ver com a

  • 39

    estrutura de complementao, mas sim com a utilizao redundante da forma pronominal.Os restantes 16,7% produziram estruturas do seguinte tipo:

    (81) Eu exig aos alunos para que (eles) fizessem um trabalho.

    Esta correco sugere-nos que, provavelmente, estes alunos no aceitam a ocorrncia

    do complementador que isolado pelo facto de o verbo da orao superior, exigir, serdeclarativo de ordem e dar-lhes a sensao da necessidade da presena da preposio para aanteceder o complementador (Comp) que.

    Em relao ao verbo pedir, era dada a frase (11) do inqurito, aqui:(82) Eles pediram que trouxssemos o T.P.C. resolvido.

    A totalidade dos alunos inquiridos neste teste considerou a frase gramaticalmentecorrecta, no tendo, por isso, procedido a nenhuma correco.

    Um outro tipo de verbos que tem o mesmo comportamento do destes o dos verboscausativos, representados no teste por mandar (frase (9) do inqurito), aqui:

    (83) A governanta mandou os meninos para que acordassem.

    Esta frase foi considerada por 29 inquiridos (97,6%) como incorrecta, e ao corrigi-lafizeram a supresso da preposio que introduz a frase encaixada e mantiveram a formaverbal no modo conjuntivo, deslocando o [SN os meninos] para a posio de sujeito da fraseencaixada:

    (84) A governanta mandou que os meninos acordassem.

    Isto revela que estes estudantes tm a noo de que a preposio que ocorre nestafrase no seleccionada por este verbo e no introduz a frase completiva48.

    As frases (3), (6), (10) e (13) do teste continham verbos epistmicos, nomeadamentepensar, concordar, crer e acreditar. Assim, quanto frase (3) do inqurito, temos asseguinte situao:

    (85) O Mrio pensou de que a Jlia estava a brincar com ele quando disse de queele ganhou a lotaria.

    48 Recordemos que os inquiridos fizeram este teste com a presso de confrontar as frases dadas com a norma.

  • 40

    Como se v, na frase apresentada, a orao encaixada introduzida por de que. Estafrase rejeitada por todos os inquiridos. Na correco, os inquiridos procederam supressoda preposio, construindo, deste modo, uma frase de acordo com a norma padro PE.

    (86) O Mrio pensou que a Jlia estava a brincar com ele quando disse que eleganhou a lotaria.

    A supresso da preposio que se verificou nestas frases pode estar relacionada como facto de os inquiri