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Tema específico: Formação de profissionais para a saúde
Título do pôster: Grupo Balint como Instrumento Facilitador da Formação Medica.
Autores: Rayssa da Nóbrega Didou1; Dâmaris Alejandra Paula Calcides1; Manoel
Barroso Mendes Júnior1; Enaldo Vieira de Melo2; Edméa Fontes de Oliva-Costa2,3
Filiação Institucional: 1 – Estudantes de Graduação do Departamento de Medicina da
Universidade Federal de Sergipe (DME/UFS) – Brasil; Bolsistas PIBIC/UFS 2017-
2018; Membros do Grupo de Estudos e Pesquisas em Psiquiatria, Saúde Mental e
Educação para as Profissões da Saúde (GEPS/UFS/CNPQ).
2 – Professores Associados Doutores do Departamento de Medicina da Universidade
Federal de Sergipe (DME/UFS) – Brasil; Membros do GEPS/UFS/CNPQ.
3 – Orientadora de Projetos no PIBIC/UFS 2017-2018; Líder do GEPS/UFS/CNPQ
http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/1272108532830576
CONTATO: Edméa Fontes de Oliva-Costa
Email: [email protected]
Endereço: Avenida Pedro Calazans, 986 – Aracaju – Sergipe - Brasil – CEP: 49055-520
Fone/FAX: +557932112307
Fone Móvel: +557981019414
RESUMO
Objetivos: 1. Possibilitar aos Internos de medicina um espaço de reflexão sobre sua
saúde mental, sofrimento psíquico e/ou transtornos mentais;
2. Desenvolver nos Internos de medicina habilidades de comunicação adequadas à sua
atividade profissional;
3. Desenvolver atitude crítica nos participantes acerca do seu desempenho nas diversas
situações da relação com seu paciente, colegas e circunstantes;
4. Treinar o aluno na técnica de trabalho com grupo Balint possibilitando o trabalho
futuro com grupos focais de pacientes na comunidade;
5. Avaliar a saúde mental dos participantes, estratégias defensivas utilizadas e resolução
de conflitos;
Contexto e Descrição do Problema: Grupo Balint (GB) é uma modalidade
amplamente utilizada como mecanismo potencializador das percepções dos
profissionais médicos sobre si mesmos, sobre seu ofício, e sobre as relações
estabelecidas com seus pacientes. Os grupos permitem uma melhor compreensão acerca
da subjetividade envolvida no “fazer médico”, viabilizando a conexão do profissional
com suas emoções dentro de um ambiente de trabalho, não raro, marcado pelo
mecanicismo e pela objetividade. Desse modo, sabendo-se que a formação acadêmica
médica envolve sofrimentos psíquicos diversos, a adoção do sistema grupal ainda no
momento do Internato (dois últimos anos da graduação médica) pode ser uma estratégia
preventiva para manutenção da saúde mental desse público. Daí a necessidade de
pesquisas como esta que investiga a contribuição do GB nesta formação.
Método: Estudo qualitativo através do GB com estudantes do Internato de Medicina de
universidade pública brasileira de setembro/17 a abril/18. Utilizamos como referência o
Método de Pesquisa Clínico-Qualitativo em Saúde definido por Turato (2003): “A partir
das atitudes existencialistas, clínicas e psicanalíticas, pilares do método, que propiciam
respectivamente a acolhida das angústias e ansiedades do ser humano, a aproximação de
quem dá ajuda e a valorização dos aspectos emocionais psicodinâmicos mobilizados na
relação com os sujeitos em estudo, este método científico de investigação, sendo uma
particularização e um refinamento dos métodos qualitativos genéricos das ciências
humanas, e pondo-se como recurso na área da saúde, busca dar interpretações a sentidos
e a significações trazidos por tais indivíduos sobre múltiplos fenômenos pertinentes ao
campo do binômio saúde-doença, com o pesquisador utilizando um quadro eclético de
referenciais teóricos para a discussão no espírito da interdisciplinaridade” (TURATO,
2003 p.242). Foram realizadas sessões semanais de GB de 2h durante 2 meses, com no
máximo 12 alunos cada do Internato do curso de Medicina, totalizando 40 participantes.
Também, foram realizados seminários teóricos após cada GB, a partir do livro de
Balint: O médico, seu paciente e a doença. Além dos Internos, participaram dos grupos
a professora moderadora e uma aluna pesquisadora, responsável por realizar anotações
no caderno de campo acerca das falas mais relevantes ou repetidas a cada sessão. A
síntese feita pela moderadora ao final de cada sessão foi transcrita, sendo objeto de
análise de dados da presente pesquisa. Além disso, utilizou-se outro instrumento de
coleta de dados: um relatório feito por cada participante após o tempo de vivência no
GB sobre a sua contribuição na formação do Interno e na sua saúde mental.
Resultados: A partir da analise de conteúdo dos diários de campo, pôde-se observar
uma variedade temática nas sessões, que se repetiram progressivamente no decorrer dos
grupos. Sentimentos de insatisfação, de medo e de insegurança compunham o quadro
geral da maioria dos estudantes, o que ratifica os altos níveis de pressão psíquica do
Internato, etapa final da vida acadêmica e que precede a formatura médica. Temas
recorrentes durante a realização dos grupos: 1-Dificuldade de enfrentamento perante a
morte; 2-Dificuldades em transmitir más notícias; 3-Dificuldade de lidar com pacientes
em sofrimento mental - medo da “loucura”; 4-Medo em relação ao mercado profissional
e às escolhas de residência médica; 5-Relatos de insatisfação e exaustão física,
emocional e mental; 6-Inconformidade a respeito de práticas metodológicas
institucionais; 7-Dificuldades acerca das relações interpessoais dentro do curso.
Discussão: Nossos resultados foram semelhantes a estudo com médicos na Sérvia
(STOJANOVIC-TASIC, 2018) que demontraram que GB pode aumentar a satisfação
no trabalho/estudo, porque os participantes usam experiências frustrantes para refletir e
desenvolver alternativas para situações estressantes, o que poderia reduzir níveis de
stress.
Conclusão: Aqueles que participaram da maioria das sessões demonstraram no seu
relatório pessoal que o Grupo Balint proporcionou um reforço positivo no processo de
formação médica, tendo em vista ter-se tratado de um dos raros espaços disponíveis
durante a faculdade, no qual os estudantes puderam expressar suas insatisfações, anseios
e expectativas. Além disso, o espaço permitiu desenvolver nos estudantes o sentimento
de reciprocidade e de identificação, uma vez que eles puderam se reconhecer nas
angústias uns dos outros, bem como, nos sentimentos positivos de esperança e de
otimismo.
Contribuições: Esta atividade de extensão e pesquisa contribuiu na formação de uma
coesão interna, auxiliando nas relações interpessoais dos estudantes participantes.
Assim, apontou o GB como estratégia para viabilizar a experiência acadêmica de modo
menos desgastante e emocionalmente exaustivo para esse público.
RESUMO:
O método Balint é uma modalidade grupal amplamente utilizada como mecanismo
potencializador das percepções dos profissionais médicos sobre si mesmos, sobre seu
ofício, e sobre as relações estabelecidas com seus pacientes. Os grupos permitem uma
melhor compreensão acerca da subjetividade envolvida no “fazer médico”, viabilizando
a conexão do profissional com suas emoções dentro de um ambiente de trabalho, não
raro, marcado pelo mecanicismo e pela objetividade. O intuito do método é aperfeiçoar
o ofício do profissional, auxiliando-o na melhoria da relação “médico-paciente”, e na
definição de condutas terapêuticas apropriadas, levando em consideração os aspectos
subjetivos frequentemente presentes nas queixas clínicas dos pacientes, embora pouco
investigados. Além disso, a inserção nos grupos permite ao profissional um espaço onde
pode compartilhar impressões pessoais, angústias e expectativas, sendo um meio
propício a catarses emocionais, que são importantes para a preservação da saúde
psíquica do profissional. Desse modo, sabendo-se que a formação acadêmica médica
envolve sofrimentos psíquicos diversos, a adoção do sistema grupal ainda no momento
do Internato tende a ser uma estratégia preventiva, inclusive, na manutenção da saúde
mental desse público.
Palavras chave: Grupo Balint; Estudantes de medicina; Saúde mental; Educação
médica; Estudo qualitativo.
RESUMEN:
El método Blint es una modalidad grupal ampliamente utilizada como mecanismo
potencial de las percepciones de los profesionales médicos sobre ellos mismos, sobre su
oficio y sobre las relaciones establecidas con sus pacientes. Los grupos permiten una
mejor comprensión acerca de la subjetividad delante de la práctica médica, haciendo
viable la conexión del profesional con sus emociones dentro de un ambiente de trabajo,
conocido, marcado por el mecanismo y por objetividad. El intuito del método es
perfeccionar el oficio del profesional, auxiliándole en una mejor relación médico-
paciente, y en la definición de conductas terapéuticas apropiadas, llevando en
consideración los aspectos subjetivos frecuentemente presentes en las quejas clínicas de
los pacientes, aunque poco investigados. Además, la inserción en los grupos permite al
profesional un espacio donde pueda compartir impresiones personales, angustias y
expectativas, considerándose un medio propicio para catarsis emocionales, que son
importantes para la preservación de la salud psíquica del profesional. De esa manera,
reconociendo que la formación académica médica abarca sufrimientos psíquicos
diversos, la adopción del sistema grupal, aún en el período de Internado Anual
Rotatorio, suele ser una estrategia preventiva, incluso para la salud mental de ese
público.
Palabras clave: Grupo Balint; Estudiantes de medicina; Salud mental; Educación
médica; Estudio cualitativo
CONTEXTO E DESCRIÇÃO DO PROBLEMA
O método Balint é uma modalidade grupal desenvolvida na Inglaterra da década
de 50, cuja proposta de ação baseava-se no atendimento às demandas específicas de
médicos generalistas e médicos da família do país. O método foi criado em um período
em que a sociedade inglesa desenvolvia um intenso interesse em práticas grupais.
Assim, Balint, criado e difusor da prática, enxergou nessa estratégia uma possibilidade
de transpor os fundamentos da psicanálise para clínica tradicional. Hoje conhecido
como Balint Group Training (BGT), a modalidade solidificou-se como uma estratégia
terapêutica amplamente utilizada para a compreensão das nuances e das especificidades
existentes na relação médico-paciente, bem como para o aperfeiçoamento da conduta
médica dentro do seu ofício. 1
Balint, que era médico e psicanalista, propôs o sistema grupal em uma época
marcada por profundas transformações sociais oriundas das devastações bélicas da
Inglaterra dos anos 1940. Simultaneamente, havia na categoria médica inglesa uma
profunda insatisfação diante do estabelecimento de um novo Sistema de Saúde no país.
O desenvolvimento dos grupos era uma proposta de debates e de diálogos, nos quais os
médicos manifestavam suas queixas e angustias, a partir de uma ampla abertura
emocional. Assim, Balint pretendia trabalhar com eles possibilidades de melhor atender
uma população ainda bastante castigada pelo contexto social. Paulatinamente, Balint
pôde observar durante as discussões dos casos clínicos semelhanças nas atitudes dos
médicos e em suas angústias, podendo, a partir disso, desenvolver suas teorias a respeito
da relação médico-paciente e ampliar o método grupal, agora intencionando treinar os
médicos para melhorar os aspectos da relação com seus pacientes. 2
O método pautou-se, portanto, em uma fundamentação psicanalista, abrindo
espaço para manifestação de processos que tem como objetivo a relação humana. Dessa
maneira, o grupo não se limita somente a médico, mas também outros profissionais
inerentes ao contexto da saúde e da assistência humana. Apesar de não ter finalidade
terapêutica em si, o grupo permite reflexões pessoais e coletivas que podem representar
uma oportunidade de modificações nos padrões de comportamento dentro do ambiente
profissional. Pretende-se, assim, a melhoria dos relacionamentos interpessoais
horizontais, representados pelos colegas de uma mesma categoria, mas também e,
sobretudo, pelas relações “verticalizadas”, simbolizadas pelo binômio “medico -
paciente”. 3
Esse relacionamento, como todo processo inerente à natureza humana, é
dinâmico, e mutável, compreendido como uma entidade imaterial viva e complexa. 4 As
modificações sociais, relacionadas ao contexto histórico humano, alteram também as
configurações dos relacionamentos. A própria percepção do que se constitui “saúde”
modificou-se, de modo que novos conceitos clínicos precisaram ser encarados.
Consequentemente, ao longo desses 60 de existência, os grupos Balint passaram,
também, por processos de evolução. Partindo da psicanálise como metodologia
dominante na primeira metade do século XX, outros métodos foram sendo
incorporadas: psicoterapias comportamentais, antropológica, existencial e humanista
surgiram, então, como alternativas complementares para atender às demandas
particulares de cada grupo. Os Grupos Balint se propagaram pelo mundo, contribuindo
hoje também para treinamento de Estudantes de Graduação, Residentes e Profissionais
da Área da Saúde em geral, principalmente aqueles da Área de Saúde da Família e
Clínica Geral. Dessa forma, modificações na estrutura do grupo Balint tradicional foram
necessárias em alguns grupos específicos, para melhor avaliar a experiência desses
indivíduos. 4,5
Atualmente, o BGT é formado por grupos de aproximadamente 6 a 12 pessoas,
coordenado por um líder apto, normalmente treinado previamente e familiarizado com o
funcionamento do sistema. As reuniões prevêem a participação espontânea de seus
membros, que relatam casos-clínicos vivenciados em suas práticas médicas. Em geral,
os casos envolvem algum tipo de angústia, seja a respeito da relação estabelecida com o
paciente ou do exercício clínico em si. O grupo ouve as histórias sem interrompimentos,
viabilizando, dessa forma, o livre fluxo de idéias e de sentimentos do locutor. Após o
relato, os demais membros são então instigados pelo líder a compartilhar suas
impressões acerca do caso. As respostam podem assumir variadas formas, desde
conselhos, catarses emocionais induzidas pelo contexto, até identificação e especulações
sobre os detalhes ofertados. Com efeito, todo esse cenário proporciona aos sujeitos
envolvidos um maior entendimento e aceitação das dificuldades relacionadas ao oficio,
bem como uma melhor percepção das nuances envolvidas em uma relação entre
médicos e pacientes. 6
As discussões são conduzidas por um psicanalista ou alguém treinado e os
participantes têm a oportunidade de discutir casos que estão vivenciando no seu trabalho
diário, desenvolvendo uma atmosfera de segurança e tolerância. O grupo usa diferentes
entendimentos do comportamento humano e os participantes são estimulados a
expressar seus pensamentos frente ao caso apresentado, cada participante se envolve nos
casos dos colegas e vivenciam um processo de aprendizagem em grupo. O papel do
moderador no grupo é angariar os elementos expostos pelos participantes e ajudá-los a
pensar, se posicionando em igualdade com os demais participantes. Não cabe a ele fazer
interpretações ou dar conselhos, ele deve incentivar o processo reflexivo, sendo
essencial que os participantes não se sintam julgados pelas suas atitudes. 7
A funcionalidade dos grupos Balint é globalmente evidenciada. Dentre os
benefícios do grupo, destaca-se a oportunidade de se montar um “ambiente seguro”, no
qual a categoria profissional pode dialogar a respeito de aspectos interpessoais do seu
trabalho e de seus pacientes. Inevitavelmente, histórias semelhantes e sentimentos em
comum são manifestados, promovendo um amplo processo de identificação entre os
integrantes grupais. Esse espaço de esvaziamento de angústias tem se demonstrado
como um fator importante na prevenção ao esgotamento profissional decorrente do
Burn out. Além disso, a modalidade encoraja ainda a humanização da saúde ao propor o
constante debate acerca do paciente enquanto um ser dotado de subjetividades e de
sentimentos. Esse entendimento mais amplo tende, inclusive, a aperfeiçoar a prática
clínica, tendo em vista que muitas das demandas dos pacientes advêm de causas
emocionais inconscientes que dão origem a enfermidades de caráter psicossomático –
doenças desafiantes para a maioria dos clínicos. 6, 7
O impacto gerado em participantes de grupos Balint tem sido descrito em
variados trabalhos acadêmico. Dentre os efeitos, ressaltam-se aumento na auto-eficácia
psicossocial, diminuição significativa nos níveis de Burn out, mudanças na percepção
do paciente, conhecimento dos seus próprios limites, compreensão dinâmica de caso,
consciência dos sentimentos do paciente, competência na relação médico-paciente,
reconhecimento dos diferentes aspectos da identidade profissional, aumento da
autoconsciência, interação diferente com os pacientes e mudanças individuais. 8-11 A
integração em um BGT auxilia o profissional médico no manejo dos seus próprios
sentimentos, bem como na percepção das necessidades próprias, de seus colegas de
ofícios, e, sobretudo, de seus pacientes. O grupo é um lugar segura para explorar
conteúdos emocionais que permeiam a relação médico-paciente. 12, 13
Muito embora o BGT inicial tenha sido criado para médicos generalistas, sua
contribuição se estende para médicos e residentes de várias especialidades e outros
profissionais da área da saúde, como enfermeiros, fisioterapeutas e agentes comunitários
de saúde, bem como para formação de estudantes de graduação. A expansão global do
método e a observação dos seus efeitos benéficos suscitaram, inclusive, a adoção
obrigatória do BGT, que passou a compor uma etapa nos estágios de residência de
alguns países. 14 Neste contexto, a literatura tem apontado a importância dos grupos
Balint na formação de estudantes de Medicina. Em um relato de uma experiência de
cinco meses de um grupo Balint composto por 5 estudantes de medicina do quinto ano e
um clinico geral como facilitador, os alunos pontuaram que o grupo ajudou a preencher
uma grande lacuna em sua formação atual, a relação médico-paciente, ampliando a
compreensão e habilidades nos aspectos psicológicos da prática geral.15 Esse mesmo
autor relata a experiência de um grupo Balint composto por estudantes de medicina
recém-formados. Os alunos relataram que o ano extra de participação no grupo havia
aumentado sua compreensão e eficácia em suas relações com os pacientes. 16
No curso de medicina com currículo tradicional o Internato é o momento que o
estudante vivência as experiências da prática médica de forma mais intensa. Nesse
período o estudante vive uma transição de uma base teórica para uma prática ativa,
passa a discutir e acompanhar pacientes com a preceptoria de médicos, trabalhando
aspectos como a relação médico-paciente. Esse é o momento de construção de uma
identidade profissional, de gerar posturas que refletirão na sua prática médica. Assim,
nessa etapa também, os futuros médicos se expõe desde cedo a fontes de estresse e
conflitos do exercício da medicina que podem levar ao adoecimento psíquico.
17,18Alguns estudos apontaram que estudantes de medicina estariam mais predispostos a
transtornos mentais, se comparado com outros universitários, principalmente nessa
etapa final do curso. 19,20
A saúde mental do profissional saúde é fator determinante para o bom
relacionamento com seus pacientes. Muitas das características psicodinâmicas que
conduzem as pessoas para a carreira médica, também as predispõem para os distúrbios
emocionais descritos na literatura. Além de comprometer a relação médico-paciente e o
comportamento ético do médico, elas podem desencadear vários processos de
adoecimento e até justificar os elevados índices de suicídio encontrados nesse grupo.21
O sofrimento psíquico e, até mesmo, o transtorno mental identificado por vários estudos
em estudantes de medicina e de outras áreas da saúde, demonstram a relevância deste
problema e a necessidade de medidas preventivas imediatas a serem introduzidas pelas
instituições de ensino.22-28
A forma de evitar a cronificação dos transtornos é fazer a detecção precoce dos
sintomas de sofrimento psíquico. Em estudantes de medicina o momento ideal desse
processo é a etapa do internato pelos motivos expostos no parágrafo anterior. Em 2012
foi publicado um estudo que objetivou estimar a prevalência e a intensidade de sintomas
depressivos entre estudantes do internato de medicina de universidade do nordeste do
Brasil. Nesse estudo a prevalência geral foi elevada (40,5%) e estava associada com
variáveis relacionadas ao processo ensino-aprendizagem e aspectos pessoais. 27
Além desse estudo, a mesma autora estimou a prevalência de transtorno mental
comum e seus fatores associados em 473 dos 512 estudantes de Medicina da mesma
universidade matriculados no ano de 2006. A prevalência geral de transtorno mental
comum foi de 42,5% entre os alunos do 2º ao 12º semestre, sendo maior entre aqueles
que não têm fé em sua aquisição das habilidades necessárias para se tornar um bom
médico, que sentiu menos à vontade sobre as atividades do curso, que se consideravam
emocionalmente estressado, entre aqueles que não se consideram felizes, que acreditava
que o curso não corresponder às suas expectativas e aqueles que tinham um diagnóstico
prévio de doença mental por um psiquiatra. 25
Dessa forma, o sofrimento psíquico e os transtornos mentais identificados em vários
estudos com estudantes de medicina, sugerem a necessidade de mudanças no processo
de ensino-aprendizagem e o estabelecimento de um programa de saúde mental
preventiva referente à formação médica. 25,27
OBJETIVOS:
1. Possibilitar aos Internos de medicina um espaço de reflexão sobre sua saúde mental,
sofrimento psíquico e/ou transtornos mentais;
2. Desenvolver nos Internos de medicina habilidades de comunicação adequadas à sua
atividade profissional;
3. Desenvolver atitude critica nos participantes acerca do seu desempenho nas diversas
situações da relação com seu paciente, colegas e circunstantes;
4. Treinar o aluno na técnica de trabalho com grupo Balint possibilitando o trabalho
futuro com grupos focais de pacientes na comunidade;
5. Investigar sobre mudança de atitudes, aquisição de habilidades e competências a
partir da participação no grupo Balint;
6. Avaliar a saúde mental dos participantes, estratégias defensivas utilizadas e resolução
de conflitos.
MÉTODOS
Estudo qualitativo através do Grupo Balint com estudantes do Internato de
Medicina da Universidade Federal de Sergipe.
Utilizou-se como referência o Método de Pesquisa Clínico-Qualitativo em Saúde
definido por Turato (2003): “a partir das atitudes existencialistas, clínicas e
psicanalíticas, pilares do método, que propiciam respectivamente a acolhida das
angústias e ansiedades do ser humano, a aproximação de quem dá ajuda e a valorização
dos aspectos emocionais psicodinâmicos mobilizados na relação com os sujeitos em
estudo, este método científico de investigação, sendo uma particularização e um
refinamento dos métodos qualitativos genéricos das ciências humanas, e pondo-se como
recurso na área da saúde, busca dar interpretações a sentidos e a significações trazidos
por tais indivíduos sobre múltiplos fenômenos pertinentes ao campo do binômio saúde-
doença, com o pesquisador utilizando um quadro eclético de referenciais teóricos para a
discussão no espírito da interdisciplinaridade” (TURATO, 2003 p.242).
1. Local de estudo
Um campus da Saúde de Universidade do Nordeste do Brasil.
2. População estudada
Esta pesquisa foi dirigida aos estudantes dos 9º ao 12º semestre (Internato) do curso de
Medicina da Universidade Federal de Sergipe.
3. Desenho do estudo e coleta de dados
Estudo transversal e qualitativo realizado entre agosto/2017 a julho/2018 com
todos os estudantes matriculados nos últimos 2 anos do curso médico da Universidade
Federal de Sergipe. A primeira etapa da pesquisa contou com a aplicação de um
questionário semiestruturado elaborado pelos autores, contendo 26 questões sobre
características sociodemográficas, processo ensino-aprendizagem e vivências
psicoemocionais atuais. O questionário foi respondido por 184 alunos (98%) e visou à
descrição do perfil epidemiológico da população pesquisada.
Foram realizadas sessões semanais de grupo Balint com duração de 1h e meia
cada, abrangendo no máximo 12 alunos do Internato do curso de Medicina, totalizando
68 alunos até o momento. Após cada sessão de grupo, foi realizado seminário teórico a
partir de capítulo do livro “O médico, seu paciente e a doença” (BALINT, 1975). Além
dos discentes participantes, a composição do grupo incluiu ainda a professora-
moderadora, psiquiatra e com formação psicanalítica, e uma aluna responsável por
realizar anotações no caderno de campo acerca das falas mais relevantes ou repetidas a
cada sessão. A síntese feita pela moderadora na reunião com a aluna bolsista ao final de
cada sessão foi transcrita, sendo objeto de análise de dados da presente pesquisa. Além
disso, utilizou-se, enfim, outro instrumento de coleta de dados: um relatório feito por
cada participante após dez semanas de vivência no grupo Balint. O relatório permitiu
observar a repercussão que o GBT gerou no processo de formação médica nos
estudantes participantes.
4. Análise de dados
4.1- Preparação Inicial: Processo de organização e de releitura dos diários de campo,
bem como dos relatórios individuais produzidos pelos alunos após a última sessão do
grupo Balint, enviados para a moderadora por solicitação da mesma.
4.2- Pré-análise: leitura flutuante numa analogia à atenção flutuante do psicanalista,
buscando demarcar os temas e as falas mais relevantes e ou repetidos.
4.3- Categorização: lapidação dos dados brutos selecionando os temas, categorias e
subcategorias, obedecendo aos critérios de repetição e ou relevância.
4.4- Validação Externa: Supervisão e leitura da transcrição e análise dos Grupos pela
moderadora e estudante bolsista da pesquisa. Também a apresentação dos resultados em
eventos científicos da instituição pesquisada, além de eventos nacionais e internacionais
contribuiu para a validação dos nossos resultados.
4.5- Apresentação dos resultados: de forma descritiva, com algumas citações de falas,
preparando para a análise de conteúdo temática interpretativa dos Grupos Balint numa
perspectiva psicodinâmica utilizando conceitos da teoria psicanalítica.
5. Considerações éticas
Este estudo foi elaborado segundo a Declaração de Helsinque (1964) e a
resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, sendo liberado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Sergipe com CAAE
número 38995814.1.0000.5546. Todos os procedimentos éticos propostos e aprovados
por este Comitê foram estritamente seguidos pela equipe de pesquisa, sendo garantida
aos participantes a confidencialidade das informações, bem como o direito de não
aceitar participar da mesma.
RESULTADOS
Participaram da primeira etapa do estudo 184 Internos (98%), mas foram
excluídos aqueles que não responderam completamente o questionario. Foram
analisados 126 alunos (67,7%) com idades entre 21 e 38 anos (25,7+3,1), sendo 53,2%
do sexo masculino, 82,5% são solteiros, 63,5% praticam alguma religião, 54% são
procedentes da capital do Estado, 67,5% possuem renda familiar <10 salários mínimos,
73,8% moram com familiares e 85,7% não trabalham, além de estudar.
O estudo qualitativo contou com a participação de 68 alunos distribuídos em 6
grupos Balint que aconteceram no período. A partir de uma análise de conteúdo dos
diários de campo, bem como dos relatórios individuais dos discentes, observamos uma
variedade temática nas sessões, que, no entanto, repetiram-se progressivamente no
decorrer dos grupos. Ainda que o Grupo Balint preconize a subjetividade dos sujeitos
envolvidos, esta sinalização da persistência de temas é indispensável para traçar
parâmetros objetivos dentro de um estudo qualitativo, no intuito, inclusive, de delimitar
possíveis estratégias para a melhoria da qualidade de vida desse público.
Sentimentos de insatisfação, de medo e de insegurança compunham o quadro
geral da maioria dos estudantes, o que ratifica os altos níveis de pressão psíquica
vivenciados durante o Internato, etapa final da vida acadêmica e que precede a
formatura médica.
Identificamos oito temas mais comuns nas sessões do grupo de Balint e os
ilustramos a partir de citações obtidas nos relatórios dos alunos, bem como nos cadernos
de campo das pesquisadoras. De modo a respeitar a identidade dos alunos participantes,
as citações foram transcritas anonimamente.
1. Dificuldade de enfrentamento perante a morte;
“Um colega próximo nosso faleceu há pouco tempo e isso chocou toda a
comunidade acadêmica. É muito estranho quando acontece conosco e a
gente percebe como simplesmente não sabemos lidar com a morte, mesmo
estando em um curso no qual as perdas são muito comuns.”
2. Dificuldade em transmitir más notícias;
“Acompanhei uma cirurgia que acabou não transcorrendo como
esperávamos e o paciente veio a óbito. Eu estava presente quando o médio
anunciou à família. Ver a dor daqueles familiares me deixou constrangido,
eu não sabia o que fazer. Falo alguma coisa? Toco neles? Acabei ficando
parado e apenas observado. Não sei como será quando for eu o responsável
por contar aos familiares quando algo ruim acontecer.”
3. Dificuldade de lidar com pacientes em sofrimento mental – medo da
“loucura”;
“Confesso que o módulo que menos gostei do Internato [de medicina] foi o
de Saúde Mental. Tive medo de rodar na [clínica psiquiátrica] São Marcelo,
de ver tantos pacientes presos em grades. Eu me sentia sempre tensa com a
situação, de modo que isso dificultava minha relação com os pacientes de
lá.”
“Também me senti aflita neste módulo [de Saúde Mental]. Eu não me sinto à
vontade em lidar com pacientes que têm algum transtorno mental. Eu me
sinto vulnerável, tenho medo de ficar sozinha com eles.”
4. Medo em relação ao mercado de trabalho e às escolhas de Residência
Médica;
“Os semestres que precedem a formatura são angustiantes porque ficamos
com essa ansiedade sobre as provas de Residência. Qual área eu escolho? E
se eu escolher a área errada?”
“Fico em dúvida sobre o que fazer após a formatura: trabalhar ou fazer
residência. A sociedade sempre cobra que o médico se especialize. Parece
que ser um médico generalista perdeu espaço na medicina, não é suficiente.
Quando deixou de ser suficiente simplesmente cuidar das pessoas?”
5. Medo de exercer a Medicina como profissionais, sem o auxílio dos
professores;
“Faltam exatamente 06 semanas para a formatura e a sensação que tenho é
de que não aprendi nada, de que não sou capaz de atuar como profissional
sozinha, sem o auxílio de um preceptor.”
“Tornar-se médico é uma trajetória. Acho que não vou me sentir seguro por
muito tempo. Talvez isso aconteça no meu primeiro ano de formado, ou no
segundo, ou nunca. É um processo.”
“Em alguns momentos a gente faz algumas reflexões como o que acontecerá
quando eu estiver diante de um caso grave e não tiver à disposição a
consulta literária ou de professores para resolver a situação? Eu tenho
sentido muito receio sobre isso.”
6. Relatos de insatisfação e exaustão física, emocional e mental;
“Quando a gente entra no curso de Medicina parece que temos de sofrer,
obrigatoriamente. Se não sofremos, não somos bons o suficiente. A
faculdade pensa assim, os alunos pensam assim, os professores pensam
assim, a sociedade pensa assim. E a gente vai tornando isso normal, mas
não é normal. Definitivamente não é.”
“Eu desenvolvi gastrite nervosa durante a faculdade [de medicina]. As
pessoas não entendem como a pressão que a gente passa reverbera,
inclusive, no nosso corpo.”
7. Inconformidade a respeito de práticas metodológicas institucionais;
“O método de ensino é muito obsoleto. Decoramos muita coisa e nem
sempre conseguimos fazer associações práticas. Os professores nem sempre
ajudam também.”
“Muitos professores descontam suas frustrações pessoais nos alunos. É
péssimo e isso nos deixa ansioso, sempre em estado de alerta.”
8. Dificuldades acerca das relações interpessoais no curso.
“O ambiente é de muita competição, desde o início do curso. É difícil saber
quem é seu amigo e quem se relaciona com você por algum tipo de interesse.
Infelizmente, isso é muito comum e naturalizado.”
“Parece que a motivação das pessoas é ser melhor que o outro. Esse tipo de
competição é muito destrutivo.”
Apesar da maior freqüência de tópicos que expressam angústias e medos em relação
ao próprio curso e ao futuro profissional, os grupos também proporcionaram espaço
para comunhão de sentimentos positivos, no qual os participantes puderam narrar suas
histórias pessoais, receber apoio mútuo e expressar gratidão pelo tempo de convívio uns
com os outros. Não raro, portanto, o grupo Balint também possibilitou a fraternidade e
solidariedade entre os integrantes. Algumas falas aqui transcritas reforçam esses
achados:
“É bom estar aqui e perceber que estamos juntos inclusive nos mesmos anseios...”
“Se houvesse grupo Balint desde o início do curso talvez minha turma fosse mais
unida e menos competitiva.”
“É um alívio poder dividir certas coisas aqui no grupo. E mais aliviante ainda
perceber que vocês também passam por coisas que eu passo. Quanto tempo nós
perdemos sofrendo sozinho, quando podíamos ter nos ajudado mais...”
“Queria agradecer a vocês por tudo. Eu fico muito feliz e orgulhosa de ver meus
colegas sendo aprovados [nas provas de Residência Médica] e conseguindo seguir seus
sonhos.”
A avaliação final dos estudantes acerca das contribuições do Grupo Balint no
processo de formação médica foi compilada em relatórios elaborados pelos próprios
estudantes. Alguns trechos desses relatórios podem ser identificados a seguir:
“Ao optarmos pelo curso de Medicina, escolhemos doar os nossos ouvidos às
queixas, lamentações e histórias de vida de nossos pacientes. Mas quem ouve as
nossas? O Balint representou pra mim uma forma de descarregar minhas angústias e
preocupações.”
“O grupo Balint além de permitir a discussão dos temas propostos ainda detinha de
parte do tempo para a exposição livre de pensamentos onde podemos falar, debater,
refletir e questionar sobre temas referentes ao cotidiano, sobre a graduação e a
formação médica e também sobre os medos, angústias e ansiedades que a rotina nos
proporciona.”
“É sempre importante lembrar que nosso paciente não é apenas portador de uma
doença com características exclusivamente objetivas, mas que a patologia tem um
significado para cada um e algumas vezes podem ser explicadas pelo componente
subjetivo. Muito da discussão evidenciou que muitas vezes, nós, os médicos erramos
por não conversarmos com o paciente. Cabe a nós a sensibilidade para ouvir e
interpretar o que foi dito.”
“O grupo Balint foi muito importante para minha formação, principalmente para o
médico generalista, que é a formação que terei no futuro. Então me ajudou bastante no
aprendizado da relação médico-paciente e me orientou a compreender o tipo de
comportamento que eu devo adotar para o exercício de consultas centradas no paciente
e no significado destes em seu contexto cotidiano.”
“Para mim, foi muito gratificante ter participado um pouco desse grupo, pois
apesar das abordagens feitas, sobre a atuação do médico e paciente, pude, também,
conhecer um pouco mais de cada colega ali presente.”
“A discussão sobre morte e suicídio, fatos comuns, mas tabus na área médica,
puderam me auxiliar a lidar com eles. Sei que, diante da complexidade do fenômeno
suicídio e morte, ainda tenho muito a ler e a aprender, para quem sabe ser um
estudioso e especialista do assunto. Porém é verdade que foi o grupo o responsável
pelo primeiro passo em direção a temas tão interessantes e de importante compreensão.
Afinal, compreender a morte também é compreender um aspecto da vida.”
“Os sentimentos de transferência e contratransferência estão hoje mais
compreensíveis para mim. As sessões me ajudaram a entender o porquê de nos
sentimos confortáveis ou não a depender do paciente, seus impactos no médico, assim
como os impactos que o médico causa já no momento da consulta. É esse vínculo de
confiança, sem dúvida, o primeiro passo para o êxito do tratamento proposto.”
“Muito importante para minha formação, principalmente para o médico
generalista, que é a formação que terei no futuro. Então me ajudou bastante no
aprendizado da relação médico-paciente e me orientou a compreender o tipo de
comportamento que eu devo adotar para o exercício de consultas centradas no paciente
e no significado destes em seu contexto cotidiano.”
DISCUSSÃO
Nossos resultados foram semelhantes aos evidenciados por estudo com médicos
na Sérvia (STOJANOVIC-TASIC, 2018), que demonstrou que Grupos Balint podem
aumentar a satisfação no trabalho/estudo, porque os participantes usam experiências
frustrantes para refletir e desenvolver alternativas para situações estressantes, o que
poderia reduzir níveis de stress. Cada vez mais a literatura e as pesquisas apontam para
a necessidade da inserção de estratégias preventivas contra o desenvolvimento do
sofrimento psíquico em estudantes de Medicina. A experiência com a pesquisa
demonstrou ser o Grupo Balint uma alternativa eficaz, tendo em vista a expressiva
modificação observada nas atitudes dos alunos participantes com o decorrer das sessões.
O curso de Medicina, de maneira geral e globalizada, apresenta elementos que
estão intrinsecamente relacionados ao processo de exaustão física e mental dos
discentes. Esse contexto nocivo tem sido relatado por diversos autores. Segundo Enns et
al29, a pressão para aprender, a grande quantidade de informações, a falta de tempo para
lazer e atividades sociais, e o contato com o sofrimento e com a morte no cuidado dos
pacientes são fatores que, além de prejudicar a qualidade de vida do estudante de
Medicina, podem precipitar o desenvolvimento de alguns transtornos psiquiátricos
como depressão, transtornos de ansiedade, dependência de substâncias psicoativas e
suicídio, o que já evidencia maior prevalência nesse grupo do que na população em
geral.
O contexto supracitado entra em concordância com os resultados da nossa
pesquisa. Os relatos dos alunos durantes os grupos Balint frequentemente descreveram
cansaço, ansiedade e elevados níveis de exigência como elementos rotineiros da
vivência acadêmica. Além disso, algumas falas descreveram a dificuldade de lidar no
cotidiano clínico com temas “tabus” como a morte e doenças relacionadas à saúde
mental. Algumas falas transcritas a partir dos cadernos de campo confirmam esses
achados:
“Mal consigo me lembrar da última vez que tive um tempo para mim mesmo.
Somos o tempo todo cobrados, pelos professores, pelos colegas e por nós mesmos. À
vezes me sinto culpado se deixo de estudar para fazer uma atividade de que gosto. [A
faculdade de Medicina] é um ambiente muito adoecedor”.
Durante várias sessões do nosso Grupo Balint, o choro de alguns alunos
ocorreu enquanto eles relatavam a morte de seus pacientes. A expressão de sentimentos
de culpa e de baixa auto-estima também aconteceu. O sentimento de não ser valorizado
pelos preceptores após uma sugestão técnica, bem como o sentimento de não ser por
vezes respeitado pelos enfermeiros, foram referidos no grupo como causas de
ansiedade. Alguns alunos relataram que o grupo os incentivou na busca por
acompanhamento terapêutico. Assim, as sessões no Balint serviram, também, para que
os alunos passaram a reconhecer seu prórpios sofrimentos psíquicos, muitas vezes
mascarados pela rotina exaustiva dos estudos.
Vários estudos mostram uma alta prevalência de transtornos mentais comuns,
sintomas depressivos, burnout e suicídio entre estudantes da área da saúde que
comprometerão o desempenho acadêmico, as relações com os pacientes e o desempenho
futuro do profissional na comunidade24-27 Por outro lado, alguns estudos mostram a
utilidade dos grupos de Balint para a prevenção de transtornos mentais entre estudantes
de medicina e profissionais de saúde, bem como sua contribuição para treiná-los para a
detecção precoce desses transtornos em pacientes na atenção primária.30-32
Outros trabalhos também demonstram semelhanças de resultados com a nossa
pesquisa. Nesse sentido, com a finalidade de avaliar possíveis mudanças de
personalidade em clínicos gerais como resultado da participação em um grupo Balint.
Dokter33, reuniu 22 clínicos gerais em 2 grupos Balint, sendo que depois de 2 anos os
grupos foram combinados e somente 8 médicos ainda estavam participando. Um
questionário foi aplicado para medir as mudanças na personalidade. A conclusão foi que
a personalidade dos médicos basicamente não mudou com a participação em um grupo
Balint. Mas, trabalhar no grupo levou os participantes a lidar com seus pacientes de uma
maneira diferente e mais competente. Na investigação também se descobriu que uma
mudança considerável ocorreu com o tipo de pacientes que os médicos referiam ter
dificuldade.
Em relação à mudança de personalidade nos participantes do Grupo Balint, o
nosso estudo, contrariamente ao proposto e realizado por Dokter33, demonstrou ao longo
de sucessivas reuniões uma mudança considerável nas atitudes expressas pelos alunos.
Isso ficou evidenciado em relatos diretos, nos quais os discentes manifestaram ter
desenvolvido maior autonomia e auto-segurança em suas habilidades profissionais. A
seguinte citação de um aluno durante sessão exemplifica esses achados:
“Passei a ter mais segurança nos ambulatórios e nas atividades nos hospitais,
me sinto menos dependente da tutela dos professores.”
Além disso, os integrantes dos grupos também demonstraram, assim como os
participantes do estudo de Dokter, terem desenvolvido melhores habilidades de
comunicação com seus pacientes. A inserção nos grupos acentuou o debate acerca da
percepção do paciente como um ser integral, inserido em contextos diversos. Segundo
alguns alunos, o grupo Balint proporcionou um espaço de reflexão no qual puderam
perceber que muitos dos comportamentos por eles executados no ambiente acadêmico
eram “mecanizados”, e essa situação reverberava nos relacionamento com seus
pacientes. Assim, ao perceberem esse automatismo de comportamento, puderam
ressignificar as próprias ações e melhorar a conexão com os pacientes. Esses achados
podem ser observados, por exemplo, nas seguintes citações:
“Antes eu agia como um robô. A faculdade às vezes nos induz a agir
mecanicamente, e isso acaba nos fazendo lidar com os pacientes também de uma
maneira robotizada. Ficar aqui nas sessões, conversar sobre isso, fez com que eu me
atentasse mais sobre isso e passasse a enxergar o paciente com mais cautela e
sensibilidade.”
“A rotina no Hospital Universitário é robotizada. Existe um modelo pré-
montado a partir do qual discutimos os casos clínicos com os nossos preceptores sobre
exames, condutas e tratamento, mas raramente essas informações são compartilhadas
ou devidamente explicadas para os pacientes. Existe um abismo de comunicação com
os pacientes e isso nem sempre é corrigido pela faculdade.”
“Quando terminamos de montar um plano terapêutico a partir das discussões
com os preceptores, já na consulta final, nos deparamos com a dificuldade de termos
adesão do paciente. E é claro que isso acontece. Como o paciente irá confiar e aderir
ao que foi proposto se ele não compreende como aquela decisão foi tomada?”
“Muitas vezes eu não consigo nem me despedir adequadamente do paciente por
causa da correria em preencher documentações. A burocracia me incomoda e me
atrapalha em manter o vínculo com as pessoas que atendo.”
Os temas principais de discussão dos Grupos Balint, como sugerem Brock e Stock 34
giram em torno dos sentimentos relacionados aos pacientes, identidade profissional,
relacionamento com os pacientes e seus familiares, relação com outros profissionais
com os quais partilham o caso e dificuldades de infraestrutura para realização das
tarefas e do processo ensino-aprendizagem. Todos esses elementos também foram
pontuados pelos alunos no nosso estudo.
CONCLUSÕES
O Grupo Balint proporcionou um reforço positivo no processo de formação
médica, tendo em vista ter-se tratado de um dos raros espaços disponíveis durante a
graduação no qual os estudantes puderam expressar suas insatisfações, anseios e
expectativas.
Além disso, o espaço permitiu desenvolver nos estudantes o sentimento de
reciprocidade e de identificação, uma vez que eles puderam se reconhecer nas angústias
uns dos outros, bem como nos sentimentos positivos de esperança e de otimismo,
facilitando a comunicação entre eles e com seus pacientes.
O grupo fomentou uma atitude crítica reflexiva, promovendo uma coesão interna
e auxiliando nas relações interpessoais dos estudantes participantes.
A dinâmica grupal, além dos seminários teóricos baseados nos casos clínicos do
livro de Balint, fomentou intensos debates, contribuindo no interesse dos alunos para
realização futura de grupos focais com pacientes crônicos, usuários dos serviços
públicos de saúde.
Constamos ainda com a progressão dos grupos a evolução positiva dos alunos
acerca das suas queixas iniciais, pela referência de mudanças de atitudes e maior
segurança nas próprias competências e habilidades.
Os participantes demonstraram redução da ansiedade referida nas primeiras
sessões do grupo Balint, o que reforça ser esta uma boa estratégia preventiva para os
agravos à saúde mental dos discentes durante sua formação médica.
CONTRIBUIÇÕES
O método Balint é uma modalidade grupal amplamente utilizada como
mecanismo potencializador das percepções dos profissionais médicos sobre si mesmos,
sobre seu ofício, e sobre as relações estabelecidas com seus pacientes. Os grupos
permitem uma melhor compreensão acerca da subjetividade envolvida no “fazer
médico”, viabilizando a conexão do profissional com suas emoções dentro de um
ambiente de trabalho, não raro, marcado pelo mecanicismo e pela objetividade. O
intuito do método é aperfeiçoar o ofício do profissional, auxiliando-o na melhoria da
relação “médico-paciente”, e na definição de condutas terapêuticas apropriadas, levando
em consideração os aspectos subjetivos frequentemente presentes nas queixas clínicas
dos pacientes, embora pouco investigados.
A inserção nos grupos permite ao profissional um espaço onde pode
compartilhar impressões pessoais, angústias e expectativas, sendo um meio propício a
catarses emocionais, que são importantes para a preservação da saúde psíquica do
profissional. Desse modo, sabendo-se que a formação acadêmica médica envolve
sofrimentos psíquicos diversos, a adoção do sistema grupal ainda no momento do
Internato tende a ser uma estratégia preventiva, inclusive, na manutenção da saúde
mental desse público.
Acreditamos que os resultados reforçam que o grupo Balint é uma boa estratégia
para viabilizar uma experiência acadêmica menos desgastante e emocionalmente
exaustiva para esse público. No presente estudo, o grupo de Balint contribuiu para
diminuir o sofrimento psíquico e aumentou as habilidades dos alunos que logo se
tornariam um médico, especialmente a comunicação. Assim, pode ser um instrumento
útil na educação médica. No entanto, mais estudos sobre o assunto são necessários nesta
e em outras escolas médicas, especialmente com um acompanhamento mais extenso do
mesmo grupo para verificar e confirmar a consistência de nossos achados.
Assim, o projeto deve ser mantido e aperfeiçoado de modo permanente,
podendo, inclusive, ser estendido para demais períodos da graduação.
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