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CENTRO UNIVERSITÁRIO CAMPOS DE ANDRADE MESTRADO EM LETRAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: TEORIA LITERÁRIA A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO NA OBRA TERRA VERMELHA DE DOMINGOS PELLEGRINI MARIA APARECIDA DE SIQUEIRA JASPER CURITIBA 2016

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CAMPOS DE ANDRADE

MESTRADO EM LETRAS

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: TEORIA LITERÁRIA

A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO NA OBRA TERRA VERMELHA DE DOMINGOS

PELLEGRINI

MARIA APARECIDA DE SIQUEIRA JASPER

CURITIBA 2016

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MARIA APARECIDA DE SIQUEIRA JASPER

A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO NA OBRA TERRA VERMELHA DE DOMINGOS

PELLEGRINI

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre do Mestrado em Teoria Literária do Centro Universitário Campos de Andrade – UNIANDRADE.

Orientadora: Profa Dra Brunilda Reichmann

CURITIBA 2016

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AGRADECIMENTOS

Ao meu esposo Darcy, pelo apoio e compreensão nos momentos de estresse.

Ao meu filho Vitor, grande incentivador, pelo carinho e pelos momentos de estudos que passamos juntos em bibliotecas ― cansativos, mas compensadores ―, cada um visando atingir seus objetivos; e à Thais, pelo apoio e ajuda prestada.

À minha Orientadora, Prof.ª Dr.ª Brunilda T. Reichmann, pela paciência e contribuição para a conclusão deste trabalho.

À Prof.ª Dr.ª Isadora Dutra por aceitar fazer parte da banca, pelas contribuições e sugestões que, na medida do possível, foram incorporadas ao trabalho.

À Prof.ª Edna Polese por aceitar participar da banca, pelas contribuições dadas e sugestões de leituras.

Aos Professores do Programa de Mestrado que contribuíram para minha formação acadêmica.

Aos meus pais e familiares que souberam entender as longas ausências e pelo apoio.

Aos amigos que sempre estiveram presentes e pelos momentos de descontração.

Obrigada a todos que, de uma forma ou outra, deram sua contribuição para que fosse possível terminar esta jornada.

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SUMÁRIO

RESUMO ................................................................................................................... v

ABSTRACT .............................................................................................................. vi

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1

1 ELEMENTOS DA NARRATIVA .............................................................................. 8

2 AUTOFICÇÃO, AUTOBIOGRAFIA E MEMÓRIA ................................................. 26

2.1. DOMINGOS PELLEGRINI ................................................................................ 48

3 O ESPAÇO E A FORMAÇÃO DA CIDADE DE LONDRINA NO ROMANCE

TERRA VERMELHA DE DOMINGOS PELLEGRINI ............................................... 52

3.1. ESPACIALIDADE E TERRITORIALIDADE ....................................................... 66

3.1.1 Trajetória das personagens protagonistas na obra Terra vermelha ................. 81

3.1.2 Africanos e Italianos ........................................................................................ 87

3.2. A COLONIZAÇÃO DE LONDRINA.................................................................... 91

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 101

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 106

ANEXOS ................................................................................................................ 113

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RESUMO

O objetivo desta pesquisa é analisar o romance Terra Vermelha (2013), de Domingos Pellegrini Jr., que traz como pano de fundo a colonização da cidade de Londrina no Paraná, e demonstrar como ocorreu a criação do espaço geográfico no universo ficcional. Os relatos que formam a narrativa têm como suporte acontecimentos históricos e sociais da colonização do Paraná. Entre os elementos estruturantes do romance, é dada grande ênfase ao espaço, repetidamente explorado na obra. O autor, ao ficcionalizar a saga de seus avós paternos, José e Tiana (um dos primeiros casais colonizadores do Norte do Paraná), estrutura a obra intercalando ficção e história. O enredo fala de desejos, segredos, da vida, enfim, memória ficcionalizada por meio da arte. Na obra, personagens e pessoas da vida real se fundem. Mais importante do que relatar acontecimentos históricos de forma contínua, é mostrar, de forma ficcional, personagens que protagonizaram essa história. Em um texto literário, o espaço estabelece um elo de ligação entre a realidade e o imaginário. Domingos Pellegrini Jr., ao representar a saga dos pioneiros na colonização de Londrina, mostra que é possível essa articulação entre imaginação e realidade. Palavras-chave: Romance. Colonização. Londrina. Espaço.Memória

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ABSTRACT

The aim of this research is to analyze Domingos Pellegrini Jr.'s novel Terra

vermelha (2013), which has as background the colonization of the city of Londrina, in

Paraná, and to present the creation of the geographic space that took place in the

fictional universe. The stories shaping the narrative are based on historical and social

events, associated with the colonization of Paraná. Amongst the novel's structuring

elements, we gave more emphasis to the category space, much exploited in the

novel. The author structures his work interweaving fiction and history, by turning the

story of his paternal grandparents (José and Tiana, two of the first colonizers to settle

in the North of Paraná) into fiction. The plot makes reference to desires, secrets, life,

in short: memory fictionalized through art. In the novel, characters and real life

people merge. More important than narrating the historical happenings in a

continuous way is to show in a fictional way the characters who started this history. In

a literary work, the space establishes a link between reality and the imagination.

Domingos Pellegrini Jr., by representing the sage of the pioneers in the colonization

of Londrina, shows it is possible to articulate the symbolic with reality.

Keywords: Novel. Colonization. Londrina. Space. Memory

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa teve como objetivo analisar o Romance Terra vermelha, de

Domingos Pellegrini Jr., que traz como pano de fundo a colonização de uma cidade

do Paraná, sendo baseado na construção do espaço geográfico do que hoje

conhecemos como a cidade de Londrina. O trabalho tenta interpretar de que forma

ocorre a criação do universo ficcional na representação do simbólico em relação ao

espaço geográfico no discurso literário do romance, assim como sua articulação com

o real.

O romance surge a partir da intersecção entre fatos históricos e ficcionais;

nele, o autor relata os acontecimentos rurais e urbanos da região retratada. É a

história de seus ancestrais ― José e Tiana ―, personagens principais da obra que,

ao migrarem para a terra-vermelha, buscam melhores condições de vida e trabalho.

O autor, ao longo da história, aborda as mudanças que ocorrem nos espaços

geográficos habitados pelas personagens, principalmente na cidade de Londrina, e

como estas transformações progressivamente alteram os hábitos de vida do casal

protagonista.

O romance descreve também a vida de diversos imigrantes que saíram de

seus países de origem ― fugindo de perseguições religiosas, políticas e

econômicas, à procura de melhores condições de vida ―, além de migrantes dentro

do próprio país (Brasil) que, no século passado, ocuparam o norte do Paraná. O

autor Domingos Pellegrini Jr., nascido em Londrina, em entrevista cedida à jornalista

Mariana Sanchez1, declarou ser uma pessoa muito ligada à terra, no sentido de

vivência e raízes; portanto, não é surpreendente que tenha embebido sua ficção

com a cultura da região onde nasceu.

1PELLEGRINI, D. Um escritor na biblioteca - Domingos Pellegrini. Curitiba: 15/05/2012.

Disponível em: <http://www.candido.bpp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=35>. Acesso em 17/07/2015.

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A articulação entre a representação do simbólico no romance e a

representação do espaço geográfico implica admitir uma base ideológica e mostrar

que, por meio dos conflitos sociais, culturais e políticos, são expressos os valores

entre dominantes e dominados.

Segundo Eduardo Marandola Jr. e Lúcia Helena (2010), há tempos a

Geografia tem chamado a atenção das artes, em especial da Literatura. Através dos

estudos humanistas, essas abordagens vêm resgatando o valor humano da ciência

geográfica. Ainda de acordo com os mesmos autores, a história do pensamento

geográfico testemunha, nos relatos do medievo e no renascimento, a comunhão

existente entre História, Geografia e Literatura. Tardou muito para que a Literatura,

como um conhecimento de igual valor, fosse incorporada àqueles provenientes de

investigações científicas.

Dessa forma, com os estudos humanistas, há um esforço por parte dos

geógrafos em reavivar uma antiga ambição: aproximar-se da produção literária,

tanto na escrita como no conhecimento. Assim, importantes geógrafos, como Yi-Fu

Tuan (1974) e Pierre Monbeig (1940), têm ressaltado o valor da literatura para uma

melhor compreensão de regiões, paisagens ou lugares. Sobre esse assunto,

Marandola Jr. & Oliveira (2009) escrevem:

Esta nova aproximação quer mais do que identificar elementos “reais” na descrição

de paisagens e dos lugares. Quer estabelecer um entrelaçamento de saberes que

se tecem também pelos fios de entendimento, da espacialidade e da

geograficidade, enquanto elementos indissociáveis de qualquer narrativa ou

manifestação cultural. (MARANDOLA JR. E OLIVEIRA, 2009, citado em

MARANDOLA JR. & GRATÃO, 2010, p. 9)

Como ocorre com a descrição de paisagens, a noção de “lugar” ― embora

sendo obra de imaginação e criação literária ― contém uma “verdade” que pode

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estar além daquela advinda de uma observação mais aprimorada ou do registro

sistemático de “fatos”; assim, a literatura torna-se aliada direta na obra de descrição

e representação da realidade.

Sobre a relação entre texto literário e a realidade, Saraiva (2001), diz:

No momento em que o texto literário apresenta-se como a reelaboração da

realidade, Saraiva considera que é possível realizar uma correspondência com o

mundo real e, portanto, situá-la no “plano do possível e do crível, sendo, por essa

razão verossímil em vez de verdadeiro”. A verossimilhança da narrativa literária

torna-a passível de ser acreditada, “uma vez que a literatura, como todas as artes,

enraíza-se na sociedade humana de forma a revelar não apenas a essência de

existência dos homens, mas também o seu modo de vida e os valores dos

diferentes momentos históricos”. (SARAIVA, 2001, citado em ANTONELO, 2010, p.

172)

Tendo como ponto de partida o espaço ficcional representado na obra Terra

vermelha de Domingos Pellegrini Jr., este trabalho será organizado em três

capítulos.

No primeiro capítulo, será realizada uma abordagem dos elementos

estruturantes do romance, tais como espaço, tempo, personagem, narrador e

narratário ― com base em Salvatore D‟Onofrio, Walter Benjamin, Ligia Chiappini,

Antonio Candido, Beth Brait, Luis Alberto Brandão, entre outros ―, uma vez que se

acredita que a definição destes conceitos é de fundamental importância para o

entendimento da obra. Maior ênfase será dada à categoria ”espaço”, bastante

explorada na obra e na pesquisa.

Sendo o romance em análise histórico e autobiográfico, o segundo capítulo

versará sobre a relação entre o real e o ficcional e o surgimento do romance

histórico; sobre autobiografia e memória, que constituem importantes elementos na

constituição da obra; e a apresentação em si do autor Domingos Pellegrini. Os

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temas abordados serão analisados tendo como referência os pressupostos teóricos

de Antonio Esteves, Ecléa Bosi, Eurídice Figueiredo, Maurice Halbwachs, Paul

Ricoeur, Giyörgy Lukács,entre outros.

Para György Lukács (2011), no romance histórico, o relato contínuo dos

acontecimentos históricos não é relevante, mas sim seu contexto social e as

manifestações das relações humanas dentro deste contexto ― ou seja, como vivem

esses indivíduos e sua realidade histórica. Portanto, é possível ver na literatura um

instrumento que permite, a partir do olhar do autor, que o leitor tenha um outro olhar

sobre o “real”. Ao ficcionalizar a vida, o autor acaba por criar elementos de

significação e localização expressos nas mais diferentes linguagens.

A autobiografia, por sua vez, consiste na narração da vida daquele que

escreve; as memórias individuais tornam-se mais abrangentes, recriando o mundo

social. Na prática, o modelo clássico de autobiografia linear se mistura com as

memórias de grupos sociais, de familiares e ancestrais, descrevendo o ambiente em

que vivem (LEJEUNE, 2008).

Já para Maurice Halbwachs (2003, p.170), a memória coletiva está

associada a um contexto espacial. Nossas impressões se sucedem umas às outras,

mas nada permaneceria em nosso espírito e não nos seria possível retomar o

passado se ele não estivesse conservado no ambiente material que nos circunda.

Enquanto a memória seria coletiva, Milton Santos (2008) propõe que o

esquecimento e a (re)descoberta seriam, por outro lado, individuais, diferenciados. O

homem que chega a um novo ambiente vindo de fora traz consigo conhecimento,

uma consciência constituída e fossilizada a partir de experiências anteriores; mas,

ao entrar em contato com outro lugar ― o desconhecido ―, ele é forçado a passar

por um novo aprendizado. A memória olha para o passado e sua nova consciência

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olha para o futuro. O espaço é fundamental nessa nova descoberta: ele representa

um passado, um futuro imediato e o presente, constituindo ao mesmo tempo um

processo de inovação. O espaço desconhecido perde sua conotação negativa e

passa a ter um papel positivo como produção de uma nova consciência; “na

realidade, se o Homem é Projeto, como diz Sartre, é o futuro que comanda as ações

do presente” (SANTOS, 2008, p.330).

Ainda, podemos reafirmar a ideia de espaço a partir do que apresentam

Carlos Reis e Ana Cristina M. Lopes (1988) no Dicionário da teoria da narrativa:

O espaço constitui uma das mais importantes categorias da narrativa, não só pelas

articulações funcionais que estabelece com as categorias restantes, mas também

pelas incidências semânticas que o caracterizam. Entendido como domínio

específico da história, o espaço integra, em primeira instância, os componentes

físicos que servem de cenário ao desenrolar da ação e a movimentação das

personagens: cenários geográficos, interiores, decorações, objetos etc. (REIS &

LOPES, 1988, p. 204)

Sendo assim, em Terra vermelha, todos os relatos que formam o espaço da

narrativa têm como suporte os acontecimentos históricos e sociais da época da

colonização do Paraná. Na década de 1930, imigrantes de diversos países e

migrantes do próprio país chegaram para colonizar a fértil terra-vermelha no Norte

do Paraná. O processo de transmutação entre o real e o espaço ficcional tem como

princípio que a literatura é uma forma de expressão que detém grande potencial de

evidenciar a realidade.

No terceiro capítulo, a partir de referenciais teóricos tanto da Literatura

quanto da Geografia, será feita a análise do espaço na obra, tendo como ponto de

partida o espaço geográfico e buscando compreender de que forma esse espaço

formado pelo campo-cidade foi modificado através da colonização implantada pelos

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ingleses, assim como as implicações que essas transformações impuseram nas

relações sociais e econômicas entre as personagens.

Segundo o historiador José Joffily (1985), em sua política externa, a

Inglaterra partia do princípio de que países empobrecidos não tinham o preparo

necessário para enfrentar as dificuldades do mundo moderno; assim, tornava-se

obrigação das nações adiantadas e civilizadas, como colonizadoras, levar o

desenvolvimento e o bem-estar a esses povos. Ao término da Primeira Guerra

Mundial (1914-1918), com os movimentos emancipadores das colônias e a crise no

capitalismo britânico, a Inglaterra se viu obrigada a buscar recursos fora do país,

principalmente no Brasil.

No decorrer da análise, para além dos conceitos teóricos de literatura

trabalhados no primeiro capítulo, fez-se necessário a abordagem de determinados

conceitos como espacialidade e territorialidade para um melhor entendimento dos

temas abordados, tendo como pressupostos teóricos os trabalhos de Paul Claval, Yi

Fu Tuan, Rogério Haesbaert, Milton Santos, Marcos Aurelio Saquet, Stuart Hall,

entre outros.

Para Eugenio Turri (2002, citado em SAQUET, 2015), o território é um

espaço social e natural historicamente organizado pelo homem ― seu habitat, local

de sua produção material e cultural ―, sendo a paisagem o visível e percebido neste

processo. As relações sociais e as formas espaciais são frutos de ações históricas

de longa duração que se concretizam em momentos distintos, dando origem a

diferentes paisagens.

Em síntese, este trabalho busca mostrar como a trajetória dos protagonistas

José e Tiana ocorreu no espaço literário da obra. O resgate histórico e geográfico de

como transcorreu a colonização da cidade de Londrina planejada pelos ingleses

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será feito com base nos trabalhos de José Joffily, Ruy Christovam Wachowicz, Paulo

Cesar Boni, entre outros, além de por meio do uso de imagens fotográficas

fornecidas pelo Museu de História de Londrina, procurando estabelecer uma relação

entre a produção do espaço material e sua representação simbólica no romance,

com fundamentação em conceitos específicos que permitem o diálogo entre a

Literatura e a Geografia.

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1 ELEMENTOS DA NARRATIVA

As narrativas nasceram a partir de relatos de viagens, de experiências que

eram contadas enquanto os trabalhos manuais de fiação eram realizados. Enquanto

o artesão tecia, histórias eram contadas e os ouvintes passavam adiante tais relatos.

Portanto, a narrativa não deixa de ser uma forma artesanal de comunicação. Não

existe, na narrativa, a preocupação de transmitir “o puro em si” do que é narrado,

como informação ou relatório; o narrador se encarrega de moldá-la a seu modo,

dando-lhe vida, como o oleiro faz com a argila ao moldar o vaso (BENJAMIN, 1987).

Como descreve Ligia Moraes Leite, “quem narra, narra o que viu, o que viveu, o que

testemunhou, mas também o que imaginou, o que sonhou, o que desejou. Por isso,

a narração e ficção praticamente nascem juntas” (LEITE, 2002, p. 6).

Assim, segundo Maurice Jean Lefebvre (1975), narrativa é

Todo o discurso que nos dá a evocar um mundo concebido como real, material e

espiritual, situado num espaço determinado, reflectido a maioria das vezes num

espírito determinado que, ao invés da poesia, pode ser o de uma ou de várias

personagens tanto quanto o do narrador. (LEFEBVRE, 1975, p. 170)

De acordo com Salvatore D‟Onofrio (2006), a narrativa pode ser definida

como todo discurso com uma história imaginária passando-se por real, composta por

personagens que se encontram entrelaçados em um determinado tempo e espaço.

Tal conceito não estaria restrito apenas ao romance, ao conto ou à novela,

abrangendo também o poema épico, alegórico e outras formas de literatura.

Já para Roland Barthes (2013), a narrativa começa com a própria história da

humanidade e está presente nas mais diversas manifestações e diferentes

linguagens, como a oral, a escrita, a fílmica; na epopeia, na fábula, na história, na

tragédia, no cinema e em outros gêneros. Ela está presente em todos os lugares,

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em todos os tempos, em todas as sociedades, em todos os grupos humanos e

classes sociais.

O romance Terra vermelha, uma narrativa ficcional e histórica, aborda a

colonização da cidade de Londrina no Paraná, como já mencionado. Por meio da

análise do texto literário, a partir da construção do espaço geográfico do que hoje

conhecemos como esta cidade paranaense, tentar-se-á demonstrar como se deu a

criação do universo ficcional no romance de Domingos Pellegrini. Para a análise do

espaço apresentado na obra, faz-se necessário uma abordagem sobre a estrutura

da narrativa, por meio dos elementos da teoria literária, com a finalidade de

esclarecer conceitos como espaço, tempo, narrativa, personagem, narrador,

narratário e leitor.

Segundo Mirian H.Y. Zappone (2005), contrários à visão objetiva ou

essencialista da literatura, vários autores questionam, mas correntes textualizadas,

e, na década de 1960, o ponto de discussão sobre o que é literatura, deslocam-se

da esfera do texto, de suas peculiaridades e passa para a esfera do leitor mesmo

porque o texto só existiria, sob a ótica destes escritores, com o ato da leitura. De

fato, são os leitores que, por meio da leitura, dão significado ao texto. O leitor torna-

se, portanto, um coadjuvante no processo de “criação” do texto literário.

Quanto aos diferentes enfoques da literatura, Terry Eagleton (1989) comenta

as três grandes fases de abordagens do objeto literário: a primeira, até meados do

século XIX, foi marcada pelos modelos da crítica romântica, com estudos sobre a

biografia do autor da obra literária; o segundo remete às primeiras décadas do

século XX, marcado pela excessiva preocupação com o texto, com as estratégias

verbais, com a ênfase nos aspectos linguísticos e suas realizações no texto; e, no

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terceiro momento, os estudos literários voltam-se às várias vertentes da Estética da

Recepção, dando, portanto, prioridade à figura do leitor.

Sob a rubrica de Estética da Recepção, Hans Robert Jauss (1978; 1994,

citado em ZAPPONE, 2005) se apresenta como um dos autores mais significativos,

dando ênfase ao leitor no acontecimento literário e tendo como objetivo de unir

história e estética. Para fundamentar essa nova metodologia na compreensão da

história literatura, ele elabora sete teses, por meio das quais expõe os conceitos

básicos desta proposta.

A primeira tese formulada por Jauss diz respeito à historicidade da literatura,

mas não a relaciona à sucessão dos fatos literários. Para Jauss, deve-se considerar

a literatura como baseada em uma relação dialógica entre o leitor e a obra. Segundo

ele, um texto literário não existe por si só, independente do leitor; para tornar-se um

acontecimento literário, é necessário que haja a leitura. O leitor, ao ler uma obra,

observa suas particularidades em relação a outros textos literários; ele tem a leitura

de um determinado texto como parâmetro para avaliação de obras que venha a ler

posteriormente ou de obras que já leu no passado. Cabe a ele identificar obras

anteriores que ecoam no texto, ou autores que desejam imitar, sobrepujar ou refutar

textos anteriores (JAUSS, 1994, p.26).

Em sua segunda tese, Jauss apresenta uma contra-argumentação a uma

possível crítica em relação à sua proposta de uma historiografia baseada na

experiência do leitor de que esta poderia resultar em uma leitura impressionista e em

uma espécie de psicologismo. Ele explica que a própria experiência pessoal e o

conhecimento literário do leitor abrangeriam as mais diversas convenções literárias

― como gêneros, estilos, técnicas narrativas, entre outros ―, a que Jauss denomina

de horizonte de expectativa.

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A terceira tese diz respeito à noção de distância estética pela qual o caráter

artístico de uma obra pode ser medido. Jauss entende que a distância estética

corresponde ao horizonte de expectativas do leitor em relação a uma obra. Se a

distância entre o horizonte de expectativa do leitor é pequena, ela atende a essa

expectativa; como exemplo, o autor cita o que ele chama de "arte culinária” ― como

os best-sellers, cujas convenções ou sistemas de referência não se alteram.

A distância estética e o horizonte de expectativa despertado inicialmente

pela obra literária podem ser caracterizados pela aceitação ou rejeição ― por

exemplo, nos textos dos modernistas brasileiros, como nas obras Paulicéia

desvairada (1922), Macunaíma (1928), entre outras. Além de se afastarem do

horizonte de expectativa do público da época, alguns leitores e críticos adotaram um

posicionamento de estranhamento a estas obras. Mas, à medida que esses

modernistas se tornam familiares para o leitor, eles também passaram a fazer parte

de um sistema histórico-literário de referência para leituras futuras.

Em sua quarta tese, Jauss tece considerações sobre a constituição de

sentido de um texto e como ele se altera ao longo da história, assim como reafirma

que o horizonte de expectativa do leitor é fundamental para essa construção.

Também propõe que é preciso reconstruir o horizonte de expectativa do texto e as

necessidades do público à época de sua publicação para que seja possível

compreender como ele teria sido entendido naquele período. A marca da

historicidade de uma obra reside na possibilidade de distintas interpretações entre a

recepção do texto no passado e no presente. O potencial de sentido de uma obra

não estaria em seu caráter reprodutivo, mas em seu processo produtivo em oferecer

respostas diferentes às novas perguntas que são suscitadas em épocas distintas.

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As três últimas teses articulam-se em torno dos aspectos diacrônicos e

sincrônicos da recepção das obras literárias e da relação entre literatura e vida

prática.

A quinta tese aborda o aspecto diacrônico da obra ao longo do tempo. O

valor da obra não pode ser determinado apenas em razão de sua recepção inicial,

pois esta pode não corresponder ao horizonte de expectativa do leitor naquele

momento de leitura; talvez seja necessário um longo processo de recepção para que

a obra seja compreendida. A análise no aspecto recepcional de um texto não é

linear, permitindo um constante reavaliar dos textos literários para além de suas

épocas de origem.

Na sexta tese, Jauss escreve sobre a abordagem a partir do aspecto

sincrônico, em uma análise do simultâneo e das mudanças ― uma articulação entre

obras produzidas na mesma época e as inter-relações entre elas. Os textos, mesmo

sendo produzidos em diferentes tempos históricos, aparecem para o público como

se pertencessem a um só tempo. A historicidade da literatura reside nos pontos de

interseção entre diacronia e sincronia.

A sétima tese pressupõe que a literatura não seja pensada apenas em

termos de efeitos estéticos, mas a partir de uma função social; que o leitor, por meio

desta, seja capaz de romper com uma percepção comum de sua prática de vivência

e visualizá-la de forma diferenciada, resultando na função emancipadora da

literatura.

Outro importante teórico da vertente da estética da recepção é Wolfgang

Iser. Na teoria do efeito estético de Iser, é enfatizada a comunicação e o efeito que

cada obra causa em seus leitores, e a recepção diz respeito ao modo como os

textos são lidos e assimilados nos vários contextos históricos (ISER, 1999).

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Ainda de acordo com Iser, a interação entre texto e leitor se dá da seguinte

forma:

Ao se admitir que o texto precisa ser processado pelo leitor no ato da leitura, o

intervalo entre texto e leitor adquire importância crucial. A consequente interação

entre ambos no processo de leitura transforma o texto num correlato noemático na

mente do leitor. Como nenhuma história pode ser contada na íntegra, o próprio

texto é pontuado por lacunas e hiatos que têm que ser negociados no ato de leitura.

Tal negociação estreita o espaço entre texto e leitor, atenua a assimetria entre eles,

uma vez que, por meio dessa atividade, o texto é transposto para a consciência do

leitor. (ISER, 1999, p. 28)

O autor Domingos Pellegrini Jr., ao ficcionalizar a saga de seus avós José e

Tiana, um dos primeiros casais colonizadores do Norte do Paraná, estrutura sua

obra intercalando ficção e história, incluindo fatos históricos como a Ditadura de

Vargas, eventos regionais como a Guerrilha de Porecatu, a ideologia Marxista, a

queda do Muro de Berlim, a preocupação ambiental, entre outros. O leitor com

conhecimento prévios sobre estes acontecimentos, como formulado por Jauss em

sua segunda tese, tem a partir de seu horizonte de expectativas um melhor

entendimento dos fatos relatados na obra em análise.

A leitura de Terra vermelha permite identificar as personagens com tipos que

realmente existiram na colonização de Londrina ― a “terra vermelha” como o “el

dorado” que atraiu grande número de colonizadores das mais diversas

nacionalidades e etnias.

Segundo Jonathan Culler (1999), as obras literárias representam indivíduos,

questões sociais, modos de vida, lutas ideológicas, a questão da mulher, dentre

outras questões; em suma, quando tais questões são transportadas para os

romances, as personagens são criadas com uma carga de ideologia. Um fato

curioso relatado na obra, por exemplo, é o uso da gravata. No romance, o

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protagonista Nonno José ganha de presente de Tiana, sua esposa, uma gravata, e

ao perguntar a ela a razão, obtém como resposta que ela simplesmente "ficava bem"

nele. Naquela época, os engenheiros ingleses e os empregados da Companhia de

Terras do Paraná, mesmo no calor, usavam gravata, até com camisa de manga

curta; gravatas eram um símbolo de autoridade. Nonno José usava paletó e colete

com a gravata guardada no bolso, mas a colocava quando da entrada de cada

cidade ou povoado. Pelo uso da gravata, até de doutor era chamado (PELLEGRINI,

2013).

Segundo Arnaldo Franco Junior (2005), em um texto narrativo, é importante

se caracterizar as funções específicas ocupadas por autor e narrador. O narrador

não pode ser confundido com o autor, por mais próximo que possa estar deste; de

uma forma simplificada, o autor é aquele que cria o texto, enquanto o narrador é

uma personagem ficcional que tem a função de contar a história da narrativa. Franco

Junior apresenta também uma classificação de narradores, elaborada por Gérard

Genette (1979). Segundo ele, o narrador pode ser:

Heterodiegético: é aquele que “não é co-referencial, com nenhuma das

personagens da diegese, [...] não participa, por conseguinte, da história narrada.

[...] Pode manifestar-se como um “eu” explícito ou como um narrador apagado, de

'grau zero'”.

Homodiegético: é aquele que “é co-referencial com uma das personagens da

diegese, participando da história narrada”.

Autodiegético: subtipo do narrador homodiegético, o narrador autodiegético é

aquele que “é co-referencial com o protagonista”, da narrativa, narrando a sua

própria história. (FRANCO JUNIOR, 2005, p. 40)

Para tentar caracterizar o tipo de narrador, Ligia Chiappini Leite (2002),

utilizando a tipologia de Norman Friedman, levanta várias questões:

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1) Quem conta a História? Trata-se de um narrador em primeira ou terceira

pessoa? De uma personagem em primeira pessoa? Não há ninguém narrando? 2)

De que posição ou ângulo em relação à História o narrador conta? (Por cima? Na

periferia? No centro? De frente? Mudando?) 3) Que canais de informação o

narrador usa para comunicar a História ao leitor (Palavras? Pensamentos?

Percepções? Sentimentos? Do autor? Da personagem? Ações? Falas do autor? Da

personagem? Ou uma combinação disso tudo?) 4) a que distância ele coloca o

leitor da história (Próximo? Distante? Mudando?) (LEITE, 2002, p. 26)

Um outro elemento que se combina com o tipo de narrador é o estilo

narrativo. Nas narrativas modernas, haveria a predominância da cena, enquanto nas

tradicionais, o sumário narrativo era preponderante:

Segundo Friedman, a diferença entre narrativa e cena está de acordo com o

modelo geral particular: sumário narrativo é um relato generalizado ou a exposição

de uma série de eventos abrangendo um certo período de tempo e uma variedade

de locais, e parece ser o modo normal, simples, de narrar; a cena imediata emerge

assim que os detalhes específicos, sucessivos e contínuos de tempo, lugar, ação,

personagem e diálogo, começam a aparecer. Não apenas o diálogo, mas detalhes

concretos dentro de uma estrutura específica de tempo-lugar são os sinequa non

da cena. (LEITE, 2002, p. 26)

Assim, segundo Leite, haveria oito tipos de narrações (e respectivos

narradores): o narrador onisciente intruso, o narrador onisciente neutro, o narrador-

testemunha, o narrador-protagonista, a onisciência seletiva múltipla, a onisciência

seletiva, o modo dramático e, por último, a narrativa de "câmera".

O narrador onisciente intruso é um tipo de narrador que tem a liberdade de

narrar à vontade, de colocar-se em todas as mentes e todos os lugares; predominam

suas palavras e percepções, adotando um ponto de vista quase divino. Esse tipo de

narração apresenta tendência ao sumário narrativo, embora possa também

apresentar cenas imediatas. Seu traço característico é a intrusão, ou seja, seus

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comentários, a interferência do narrador sobre a vida, a moral, que podem ou não

estar entrosados com a história narrada.

Já o narrador onisciente neutro fala na terceira pessoa e tende ao sumário

narrativo, embora seja frequente a construção de cenas imediatas. O narrador limita-

se a dar as características das personagens ao leitor ― sem, contudo, tecer

comentário ou interferir em seu comportamento, o que o distingue do narrador

onisciente intruso.

O narrador-testemunha, por sua vez, narra em primeira pessoa,

incorporando-se a um personagem secundário, e, de posse do que viu e ouviu,

passa para o leitor as informações dos acontecimentos. Porém, não tem o poder de

saber o que se passa na mente das personagens.

O narrador-protagonista, como o próprio nome diz, narra a partir de sua

própria experiência, em primeira pessoa; é o protagonista da história narrada. Limita-

se ao registro de seus pensamentos, percepções e sentimentos. Ele pode se valer

tanto da cena imediata como do sumário narrativo.

Na onisciência seletiva múltipla, não há, aparentemente, narrador ou

“alguém” que narra: a história é contada diretamente pelas mentes das

personagens, e há um predomínio quase absoluto da cena.

A categoria da onisciência seletiva difere da múltipla por tratar-se de uma só

personagem, tendo uma identificação com o narrador-protagonista por se limitar a

um centro fixo. Sentimentos, pensamentos e percepções da personagem são

mostrados diretamente.

No modo dramático, não há a presença do autor, do narrador ou dos

estados mentais. Como no teatro, o modo dramático limita-se à informação do que

as personagens falam ou fazem; as cenas se conectam aos diálogos.

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Por fim, no ponto de vista denominado “câmera” ou “olho da câmera”, há a

pretensa exclusão do narrador. Esse estilo é utilizado em narrativas que mostram

flashes da realidade; por trás da "câmera", alguém faz a seleção e a montagem do

que vai ser mostrado. Tanto o ponto de vista onisciente quanto o centrado em uma

ou mais personagens, dando a impressão de neutralidade, pode ser utilizado

(LEITE, 2002).

Para D‟Onofrio (2006, p.56), existe uma entidade correlata ao narrador,

representada pelo narratário ou destinatário, fundamentada em três elementos: o

emissor, a mensagem e o receptor. Essa tríade deve ser verificada externa ou

internamente ao texto literário, tanto no plano da realidade como no da fantasia. Na

existência física, o emissor é o autor que destina sua obra (mensagem) a um leitor

virtual (receptor). No texto artístico, o emissor é uma personagem (narrador) que

comunica a outra personagem (receptor) fatos, ideias e sentimentos (mensagem).

Já Franco Junior (2005) define o narratário como sendo o destinatário,

dentro do texto, da história narrada. Sua existência é manifestada nas narrativas em

que o narrador se destaca como personagem da diegese, e é constituído como uma

entidade ficcional, o receptor da narrativa ― aquele a quem, muitas vezes, se dirige

o narrador.

Sobre o narratário, Culler (1999) diz:

Quem fala para quem? O autor cria um texto que é lido pelos leitores. Os leitores

inferem a partir do texto um narrador, uma voz que fala. O narrador se dirige a

ouvintes que às vezes são subentendidos ou construídos, às vezes explicitamente

identificados (particularmente nas histórias dentro de histórias, onde um

personagem se torna o narrador e conta a história encaixada para outros

personagens). O público do narrador é muitas vezes chamado de narratário. Quer

os narratários sejam ou não explicitamente identificados, a narrativa implicitamente

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constrói um público através daquilo que sua narração aceita sem discussão e

através daquilo que explica. (CULLER, 1999, p. 88)

De acordo com Franco Junior (2005), a personagem é um dos principais

elementos da narrativa: é um ser construído que normalmente, desperta grande

atenção por parte do leitor pela sua semelhança a uma pessoa real. São elas que

dão vida ao texto narrativo, aos filmes, às novelas, etc. De acordo com seu grau de

importância, ela pode ser classificada como principal e secundária: principal quando

suas ações são fundamentais para o desenvolvimento na narrativa, despertando a

atenção do leitor e secundária quando desempenha uma função com menor

destaque.

Segundo Anatol Rosenfeld (1995), a personagem é a principal responsável

pela ficcionalidade da obra ― é por meio dela que a camada imaginária se adensa e

se cristaliza. No que tange à diferença entre pessoas reais e as personagens

fictícias, as pessoas reais são totalmente determinadas, apresentando-se como

unidades concretas, integradas, com uma infinidade de predicados, dos quais

somente alguns podem ser colhidos e retirados por meio de operações cognitivas

especiais, características que se referem em particular a seres humanos. Já a

personagem de ficção é caracterizada por fazer parte de um mundo bem mais

fragmentário: é um ser esquematicamente configurado, tanto no sentido físico como

no psíquico.

Antonio Candido define personagem como sendo

[...] um ser fictício ― expressão que soa como paradoxo. De fato, como pode uma

ficção ser? Como pode existir o que não existe? No entanto, a criação literária

repousa sobre este paradoxo, e o problema da verossimilhança no romance

depende desta possibilidade de um ser fictício, isto é, algo que, sendo uma criação

da fantasia, comunica a impressão de mais lídima verdade existencial. Podemos,

dizer, portanto, que o romance se baseia, antes de mais nada, num certo tipo de

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relação entre o ser vivo e o ser fictício, manifestada através da personagem, que é

a concretização deste. (CANDIDO,1995, p. 55)

Entre os seres vivos e os de ficção existem afinidades e diferenças

essenciais, sendo as diferenças tão importantes quanto as afinidades para criar o

sentimento de verdade que é a verossimilhança.

Outra categoria da narrativa é o espaço, que será abordado com mais

profundidade na análise da obra em questão. De acordo com Luis Alberto Brandão

(2013), sob um viés diacrônico, é necessário analisar o espaço a partir de duas

perspectivas: a primeira envolve as modificações históricas ocorridas no espaço em

determinado período percebidas por diferentes formas de percepção espacial, que

incluem tanto os sentidos do corpo humano quanto os diferentes sistemas

tecnológicos, desde os rudimentares aos mais complexos, de acordo com uma

fundamentação empírica; a segunda perspectiva tem um enfoque epistemológico de

indagação que pensa as transformações do espaço como conceito, como produção

de conhecimento humano, seja de natureza científica, filosófica ou artística.

Para Mikhail Bakhtin, em Questões de literatura e de estética (2010),

À interligação fundamental das relações temporais e espaciais, artisticamente

assimiladas em literatura, chamaremos de cronotopo (que significa “tempo-

espaço”). Esse termo é empregado nas ciências matemáticas e foi introduzido e

fundamentado com base na teoria da relatividade (Einstein). Não é importante para

nós esse sentido específico que ele tem na teoria da relatividade, assim o

transportaremos daqui para a crítica literária quase como uma metáfora (quase,

mas não totalmente); nele é importante a expressão de indissolubilidade de espaço

e de tempo (tempo como a quarta dimensão do espaço). Entendemos o cronotopo

como uma categoria conteudístico-formal da literatura (aqui não relacionamos o

cronotopo com outras esferas da cultura). (BAKHTIN, 2010, p. 211)

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Sendo assim, por meio de um levantamento histórico, percebe-se que as

formas de representação cartográfica variam de acordo com cada época e cultura,

assim como com os condicionantes sociais, políticos e econômicos. Os mapas

medievais, até em razão do relativo isolamento dos espaços feudais, acentuavam

uma representação sensorial e simbólica, enquanto os mapas renascentistas

refletiam o desejo de conquista e domínio do espaço.

Ainda de acordo com Brandão, para a cartografia moderna, seguindo a

concepção vigente no Iluminismo, o espaço é visto como possível de ser apreendido

racionalmente, apropriado e controlado. A “historiografia epistemológica” do espaço

depende que se reconheça a categoria do espaço como elemento importante em

vários campos do conhecimento, a partir de uma abordagem transdisciplinar.

Segundo Edward W. Soja (citado em BRANDÃO, 2013), o espaço para a

história representaria um mero “cenário” em que o tempo se desenrola, mas essa

representação deve ser questionada. O autor ainda salienta que a pós-modernidade

se caracteriza pelo projeto de “abrir e recompor o território da imaginação histórica

por meio da imaginação crítica" ― projeto que corresponde à reversão da tendência

dominante das análises sociais, no século XIX, em privilegiar o tempo e a história

em detrimento do espaço e da geografia. A partir dos anos de 1960, prioriza-se o

enfoque ao aspecto temporal e à simultaneidade ― associada à abordagem

espacializante que corresponde à combinação de espaço e tempo, história e

geografia, período e região, sucessão e simultaneidade. De acordo com o autor, a

corrente estruturalista tem nessa época a França como polo irradiador, com uma

espécie de retomada dos postulados formalistas. Em um vínculo com a linguística,

mantém-se a “gramaticalidade” do texto literário, sendo dada à categoria do espaço

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um papel secundário, extratextual; os focos de interesse são as vozes, as

temporalidades e as ações.

Um dos representantes desta corrente é Roland Barthes. Em seu texto

Introdução à análise estrutural da narrativa, os dados espaciais são classificados

como “informantes”, uma tarefa acessória em relação às “funções” (núcleos e

catálises), que determinam as articulações da narrativa (BRANDÃO, 2013).

Para o estruturalismo, o espaço tem como significado o “empirismo da

linguagem”; talvez mesmo pelas oscilações conceituais envolvendo o termo naquele

momento intelectual, nenhuma obra tenha o espaço como eixo principal no âmbito

da literatura.

O chamado pós-estruturalismo ou desconstrução representa uma tendência

espacializante em oposição às pretensões científicas do estruturalismo. A crítica

desconstrucionista coloca como suspeitas as hierarquias. De acordo com essa

crítica, deve-se problematizar o entendimento do espaço como uma categoria

menor, empírica e facilmente domesticável pela razão (BRANDÃO, 2013).

Em oposição ao Estruturalismo, uma "corrente", denominada de Estudos

Culturais, organiza-se na Inglaterra nos anos de 1960 e 1970, tributária da tradição

marxista. Os Estudos Culturais não se definem como uma “corrente teórica”, e sim

como “campo interdisciplinar”, especificamente como defesa do processo da

politização da teoria (BRANDÃO, 2013, p. 29).

Ainda segundo Brandão (2013, p. 30), para os estudos literários, a

abordagem culturalista teve como consequência imediata

A retomada da noção de literatura como representação, ou seja, a revalorização da

perspectiva mimética. A literatura, que deixa de ter qualquer privilégio em relação à

totalidade dos discursos atuantes na sociedade, justifica-se como objeto de análise

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apenas à medida que se oferece como arena onde os vetores conflituosos de

determinada configuração cultural se manifestam. (BRANDÃO, 2013, p. 30)

Para uma teoria do espaço, o referido postulado parece significar um grau

de abertura. O caráter agonístico das relações culturais coloca em foco os lugares,

nos quais os discursos são produzidos, como determinados termos como fronteira,

colônia, metrópole, periferia, entre outros (BRANDÃO 2013, p.30).

Ainda de acordo com o autor, a politização da teoria significa a politização do

espaço quando se concebe o espaço segundo parâmetros de suas definições

identitárias. Stuart Hall afirma que “todas as identidades estão localizadas no espaço

e no tempo simbólico” (HALL, 2014, p. 41).

Brandão (2013) ressalta a contribuição de Mikhail Bakhtin2 que, inspirado na

teoria da relatividade, formula o conceito de cronotopo para evidenciar a

“indissolubilidade de espaço e de tempo”. Para o autor, a noção de cronotopo é sem

dúvida a que traduz de modo mais explícito, na obra de Mikhail Bakhtin, o interesse

pela discussão sobre o problema do espaço na literatura (Brandão, 2013, p. 93).

O autor retoma, a partir de Edward Said, a variabilidade de conotações

atribuíveis ao espaço, e mostra quão importante ela é para a própria definição de

cultura:

O sentido geográfico faz projeções – imaginárias, cartográficas, militares,

econômicas, históricas, ou, em sentido geral, culturais. Isso também possibilita a

construção de vários tipos de conhecimentos, todos eles, de uma outra maneira,

dependentes da percepção acerca do caráter e destino de uma determinada

geografia. (SAID, 1995, citado em BRANDÃO, 2013, p. 31)

A espacialidade dimensional pode ser horizontal ou vertical. Segundo

D‟Onofrio (2006), a horizontalidade é própria do espaço humano ou natural,

2 Conforme mencionado na página 19

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enquanto a verticalidade se refere ao espaço sobrenatural ou divino. O espaço

humano, por sua vez, pode ser tópico, atópico ou utópico. O autor descreve que

“tópico” tem origem grega, significando “lugar”: é o espaço conhecido que constitui o

cenário onde se desenvolve o enredo ― o lugar onde vivem as pessoas, tais como o

país, a cidade, a rua, o bairro, entre outros. O espaço atópico é o espaço

desconhecido, da aventura, que causa medo, sofrimento (como cavernas, mares,

florestas). O utópico, por sua vez, é o espaço desejado, da imaginação ― como, por

exemplo, aspirar ir para o céu.

D'Onofrio aponta que, em um texto literário, o espaço estabelece um elo

entre a realidade e o imaginário; é o espaço da ficção, o cenário onde as

personagens são criadas, onde ganham vida. O espaço é também a descrição de

lugares onde se desenvolve o enredo, como as cidades, as ruas, as casas, entre

outros, constituindo assim indícios da condição social da personagem (isto é,

demonstrando se a personagem é rica, pobre, nobre, plebeia, etc.). O autor faz uma

analogia entre os tipos de ambiente e estado de espírito da personagem: ambiente

fechado estariam associados à angústia; paisagens abertas, à sensação de

liberdade (D‟ ONOFRIO, 2006).

Thomas Bonnici, em Conceito chave da teoria pós-colonialista (2005),

aborda o conceito de espaço vazio. Nos primeiros mapas do Brasil, da Austrália e da

África do Sul, eram apresentados extensos espaços vazios; porém, eles não

retratavam a realidade, pois milhões de nativos viviam nestes espaços. Ele

considera que o conceito de lugar passou a ser problematizado na cultura das

sociedades a partir de ocorrências como a intervenção de colonizadores, e também

quando populações inteiras começaram a ser realocadas em outros lugares por

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conta da escravidão, de migrações, da fome ou de guerras, criando assim um hiato

entre o ambiente e a linguagem do outro (BONNICI, 2005, p. 25).

Em continuidade, Bonnici acrescenta que

Em teoria pós-colonial, é necessário fazer uma distinção entre espaço e lugar: a

colonização, a interação entre a civilização e o povoamento transforma o espaço

vazio em lugar onde o teatro da história acontece. Todavia, o lugar não é algo

neutro, mas está envolvido com a identidade, a história e com os sistemas de

interpretação como a linguagem, a arte e a cultura (BONNICI, 2005, p. 25)

Para Paul Claval (2007), o espaço real corresponde à parte ecúmena do

universo, transformada para corresponder e atender às necessidades materiais dos

indivíduos, sendo que os recursos disponíveis são valorizados e apropriados pelos

mesmos com a utilização de técnicas e materiais adequados (CLAVAL, 2007).

Já em relação ao tempo, D'Onofrio (2006) sugere que o tempo do enunciado

é o tempo dos acontecimentos narrados, podendo ser cronológico ou psicológico. O

tempo cronológico seria aquele da história ou da diegese, da sucessão cronológica

dos acontecimentos narrados; já o tempo psicológico não poderia ser mensurado ―

é aquele em que o passado se torna presente, o tempo tal como apreendido pelo

interior da personagem, em suas lembranças, em seu estado de espírito

(D‟ONOFRIO, 2006).

Para Aristóteles (citado em CULLER, 1999, p.85), o enredo seria o traço

mais básico da narrativa; boas histórias seriam aquelas com um começo, meio e fim

claramente delimitados, uma vez que dariam prazer devido ao ritmo de sua

ordenação ― prazer pela imitação da vida e de seu ritmo.

Culler (1999) defende que o enredo é o traço mais importante da narrativa.

Não basta ter somente uma sequência entre começo, meio e fim ― isso, por si só,

não faz história. A história deve ter sentido, um final que se relacione com o começo.

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Enredos falam de desejo, de segredos e de como encontrar a verdade; é a vida

mostrada por meio da arte, das várias possibilidades de desvendar, de ver as coisas

por meio da ficção (CULLER, 1999).

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2 AUTOFICÇÃO, AUTOBIOGRAFIA E MEMÓRIA

Por se tratar de um romance histórico e autobiográfico, é necessário abordar

determinados temas que são importantes para a constituição da obra literária em

análise, como diálogo entre ficção e história nas narrativas, a questão da memória e

o aspecto autobiográfico.

Segundo Catherine Gallagher (2009), a ficção, enquanto um traço distintivo

do gênero romanesco, implica em uma redescoberta de sua própria essência.

Durante muito tempo, esteve oculta por trás de outros elementos, como a narração e

significação. Com o romance inglês, em meados do século XVIII, a reflexão sobre a

ficção dissemina-se (GALLAGHER, 2009).

Por meio do gênero literário novel (distinguido, na tradição inglesa, do

romance), a ficção torna-se compreendida e aceita por todos; o desenvolvimento

deste gênero literário foi ao mesmo tempo uma forma de libertação, pois tentar

convencer os leitores da veracidade das histórias e dos personagens deixou de ser

uma preocupação.

No passado, a ficção só era possível como uma forma literária que

retratasse e narrasse eventos claramente imaginários (fosse por meio de uma

contextualização claramente inverídica do mundo, fosse pela presença de animais

falantes ou elementos mágicos), sendo assim vista como um subgênero da

dissimulação e da composição inventada (GALLAGHER, 2009). No final do século

XVII e início do século XVIII, as narrações em prosa, mesmo as definidas como

ficção na atualidade, eram lidas e comparadas a fatos e pessoas reais, como no

exemplo citado:

Em 1719, Daniel Defoe publicou As aventuras de Robinson Crusoé, ele sem dúvida

pretendia enganar o público, e teve pleno êxito. Um ano depois, no prefácio à

continuação do romance, Defoe, solicitado a admitir que mentira, insistiu ainda

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sobre a exatidão histórica daquilo que tinha narrado, mas depois, com pouca

coerência, acrescentou que cada episódio da “história fictícia” aludia a um “fato

real”. Por não estar disposto a negar que as referências eram pertinentes, a Defoe

restava apenas deslocar o discurso da verdade literal para a alusão alegórica.

(GALLAGHER, 2009, p. 632 -633)

Alguns autores do século XVII de romance, valendo-se de um jogo

linguístico e da própria noção desse gênero literário, criavam personagens para suas

narrações como se eles realmente existissem na vida real. Em contrapartida, em

meados do século XVIII, o gênero novel introduz um novo princípio teórico para uma

nova forma literária: as obras não falam de ninguém em particular, os nomes

próprios não fazem referências a indivíduos específicos ou reais e nenhum dos

enunciados podem ser considerados verdadeiros ou falsos (GALLAGHER, 2009). A

partir do momento em que há o estabelecimento da distinção pelo leitor entre

realidade, mentira e ficção, a narrativa de ficção passa a ter uma modalidade

discursiva, com um estatuto próprio.

Assim, a nova forma do novel diferencia-se da anterior, o romance, cujas

obras eram muitas vezes acusadas de difamação e geravam escândalos pelo não

reconhecimento claro de seu caráter ficcional. Os primeiros novels declaradamente

tratam de indivíduos genéricos, sem se referirem especificamente a indivíduo

extratextual algum; sem a pretensão de relatar acontecimentos, em um primeiro

momento eles ainda defendiam a plausabilidade das narrativas, tal como apregoava

Aristóteles em sua Poética (citado em GALLAGHER, 2009):

Pelas precedentes considerações se manifesta que não é ofício de poeta narrar o

que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que

é possível segundo a verossimilhança e a necessidade. Com efeito, não diferem o

historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa [...] diferem, sim, em que um

diz as coisas que sucederam, e outro as que poderiam suceder. Por isso a poesia é

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algo de mais filosófico e mais sério do que a história, pois refere aquela

principalmente o universal, e esta o particular. Por “referir-se ao universal” entendo

eu atribuir a um indivíduo de determinada natureza pensamentos e ações que, por

relação de necessidade e verossimilhança, convém a tal natureza; e ao universal,

assim entendido, visa a poesia, ainda que dê nomes às suas personagens.

(GALLAGHER, 2009, p. 637)

Segundo Luiz Costa Lima (2006), a veracidade épica passa a ser

questionada a partir do aparecimento da escrita da história. A história e o gênero

tragédia estão em lados opostos e têm fins diferentes: ao poeta trágico, não cabia

provar nada, tampouco era preciso ter comprometimento com a verdade; o que

importava era a verossimilhança, mesmo que por meio de palavras. Ao historiador,

por outro lado, cabe comprovar os fatos como verdade baseada em documentos que

devem assegurar sua veracidade.

Jack Goody (2009) questiona como podemos desvendar se alguém está nos

contando uma história real ou ficcional. Neste sentido, não importa se existe uma

justificação filosófica ou uma teoria que corresponda à verdade; o mais importante é

distinguir sobre o que é verdade e não verdade.

Na Inglaterra do século XVIII, os romances realistas induziam o leitor a julgar

se o enredo da narrativa era real ou não, e muitos escritores vendiam ficção por

verdade de forma efetiva. Fábulas, sem ter a pretensão da verdade, não eram

consideradas como mentiras, pois nela os animais falavam e se comportavam como

seres humanos, ou seja, eram claramente inverídicas (GOODY, 2009).

Como mencionamos anteriormente, o romance Terra vermelha surge da

interseção entre fatos históricos e fictícios. O autor Domingos Pellegrini relata que

levou quatro anos (1999-2003) para fazer a pesquisa para a obra, tendo inclusive se

voltado a Antropologia, História, Filosofia, Geografia e Teoria Literária para poder

escrever o romance.

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A estratégia do autor foi contar a história em um jogo entre passado e

presente. A partir de sua pesquisa e dos relatos coletados, o autor ficcionalizou a

realidade e construiu uma narrativa na qual as personagens se identificam com os

tipos que realmente existiram na colonização de Londrina. Alguns nomes dessas

personagens baseadas em pessoas reais foram alterados.

O romance retrata a vida de diversos imigrantes e migrantes brasileiros que,

por diversos motivos, saíram de seus locais de origem no século passado e

ocuparam o norte do Paraná em busca de melhores condições de vida Em Terra

vermelha, o avô Pellerini ― cidadão de papel colonizador de Londrina ― e Pellegrini

(autor) ― que, para fugir do barulho do centro da cidade, mudou-se para uma

chácara nos arredores de Londrina ― de certa forma identificam-se.

As nações europeias, entre 1789 e 1814, passaram por uma série de

revoluções, o que conferiu um profundo caráter histórico ao período. Os homens que

viveram durante aquela época sentiam-se como parte daquela história, sendo que

seus cotidianos foram condicionados pelo processo de mudança associado às

revoluções. Como exemplo, um dos impactos da Revolução Francesa que se

poderia citar foi o despertar de um sentimento nacional intenso (LUKÁCS, 2011).

Tratando do romance histórico, György Lukács (2011) afirma que ele teria

surgido no início do século XIX, na época da queda de Napoleão ― mais

precisamente em 1914, com a publicação de Waverley, de Walter Scott. Entretanto,

já durante os séculos XVII e XVIII existiam romances com temática histórica.

Ainda de acordo com Lukács (2011), mais importante do que relatar os

acontecimentos históricos de forma contínua é mostrar de uma forma ficcional os

homens que protagonizaram essa história, como se sentiram, como viveram na

realidade. O romance histórico de Scott é uma continuação do grande romance

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social realista do século XVIII. A grandiosidade do seu romance histórico reside na

capacidade de dar vida humana a tipos sociais históricos, inexistentes anteriormente

nos romances ditos históricos (LUKÁCS, 2011).

Em Terra vermelha encontramos fatos da História do Brasil que estão

interligados, como: a produção de café, o seu declínio, a construção da estrada de

ferro com a participação dos ingleses. Também estão presentes os episódios

ocorridos na época da Ditadura, a guerrilha de Porecatu, o conflito entre posseiros,

ajudados por comunistas, e fazendeiros, por jagunços. A preocupação com a

questão ambiental também está representada na obra ― por exemplo, pela

personagem Lázaro Góis em sua luta para a preservação de mata virgem ―, além

de questões como a favelização da cidade, o desmatamento e a erosão do solo

(PELLEGRINI, 2013).

A tarefa do romancista histórico consiste em retratar cada época histórica o

mais próximo possível da realidade representada. Aqui reside uma das maiores

forças de Walter Scott.

A riqueza de cores e variações do mundo histórico de Walter Scott é consequências

da multiplicidade dessas interações entre os homens e a unidade do ser social,

que, em toda essa riqueza, é o princípio dominante. Com isso, a questão da

composição, já mencionada aqui, retorna sob uma nova luz: as grandes

personagens históricas, os líderes das classes e dos partidos em luta são do ponto

de vista da trama, apenas figuras coadjuvantes. Walter Scott não estiliza essas

personagens, não as coloca em um pedestal romântico, mas retrata-as com

pessoas dotadas de virtudes e fraquezas, de boas e más qualidades. No entanto,

elas nunca dão a impressão de mesquinhez. Com todas as fraqueza, agem de

modo historicamente grandioso, o que se deve, é claro, à profundidade do

entendimento de Scott acerca da peculiaridade dos diferentes períodos históricos.

Mas o fato de que ele conseguir expressar seus sentimentos a respeito dos homens

históricos de modo ao mesmo tempo grandioso e humanamente verdadeiro deve-

se à sua maneira de compor. (LUKÁCS, 2011, p. 63-64)

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A diferença entre a epopeia e o romance consiste no modo de representar

os protagonistas. Na epopeia, a relação entre indivíduo e o povo faz com que os

heróis assumam um lugar de destaque. Nas epopeias antigas, as oposições são

nacionais; os heróis, mesmo sendo adversários, possuem características sociais e

morais semelhantes, consideradas ideais: seus atos e pressupostos humanos são

transparentes um para o outro.

Já no romance histórico, a personagem tem um papel secundário, sendo um

coadjuvante do enredo. O indivíduo é visto como parte integrante de um partido,

como representante de uma dentre as muitas classes e camadas em conflito

(LUKÁCS, 2011).

De acordo com Antônio R. Esteves (2010), o romance histórico é um gênero

híbrido, pois têm sua origem a partir da história e da ficção; mesmo que contemple

personagens e fatos históricos, não deixa de ser caracterizado como um texto de

ficção.

Baseado em uma visão romântica do mundo, o romance histórico de Walter

Scott deu lugar a um profundo questionamento e busca da identidade que, a partir

do fato histórico, é reconstruído ficcionalmente de acordo com a visão do escritor. O

autor contemporâneo tem a liberdade de criar, sem ter a preocupação de

representar o mundo externo imposto pelo discurso histórico baseado no pacto da

veracidade, nem com o pacto da verossimilhança do discurso ficcional tradicional

(Esteves, 2010).

Ainda sobre o escritor contemporâneo, segundo Esteves (2010), o crítico

venezuelano Márques Rodrigues defende

Que o romancista faça a reconstrução ficcional como direito conquistado pelo

romancista de reinterpretar os fatos, os acontecimentos e os personagens

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históricos, independentemente dos julgamentos anteriores a eles atribuídos pelos

assim chamados historiadores oficiais. (Esteves, 2010, p. 35)

Marilene Weinhardt (2011) observa que o encontro dos estudos históricos

com os textos ficcionais marcou a segunda metade do século passado;

posteriormente, com a disseminação dos textos ficcionais e do romance histórico,

iniciou-se uma reflexão sobre essas duas vertentes, do diálogo entre ficção e

história.

Em outros tempos, o ficcionista pode ter invejado o historiador por não ter

meios e recursos, até pela falta de habilidades, para alcançar o que supunha ser a

verdade considerada científica e inquestionável. O aparente descompromisso e

liberdade criacional por parte do ficcionista, em contrapartida, deve ter despertado o

desejo de liberdade por parte do historiador. O encontro entre a história e a ficção

deu margem a muitas discussões, especialmente visto que tanto a narrativa histórica

como a ficcional são construções verbais. A primeira se constrói sobre fatos reais; a

segunda, sobre fatos imaginários. Apesar desta distinção, a ficção de caráter

histórico confunde o leitor menos comprometido com os fatos presentes na narrativa,

gerando dúvidas se está lendo ficção ou história (WEINHARDT, 2011).

Ainda segundo Weinhardt (2011), comentando sobre o francês Paul Veyne

em Como se escreve a história (1987):

O historiador francês negou a existência da História, com maiúscula, uma vez que

só se tem acesso à “história de”. Ou seja, é impossível apreender a totalidade, logo

não se pode pretender descrevê-la. Os acontecimentos não têm existência em si,

mas é produzido pelo cruzamento de alguns dos muitos itinerários possíveis. O

historiador escolhe livremente “o” ou “os” itinerários, uma vez que são igualmente

legítimos. Eis uma afirmação sobre a qual, há algumas décadas, apressadamente

poder-se-ia pensar que se digitou historiador ou ficcionista. (WEINHARDT, 2011, p.

19)

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O historiador, portanto, por mais que disponha de documentação, também

está sujeito a trabalhar com probabilidades e hipóteses e, assim, não tem acesso ao

concreto, mas sim a apenas uma mínima parte dele. O interesse de um livro de

história não reside em ideias e concepções históricas, mas em sua capacidade de

relacionar o passado com o presente. A partir disso, Veyne concluiu que a escrita da

história é uma obra de arte, embora objetiva, sem caráter científico, tanto que seu

valor se revela pelos mesmos recursos da análise literária, apontando os perigos da

improvisação por parte do historiador.

Weinhardt (2011) recupera ainda o argumento de Benedito Nunes de que o

conceito de representação é uma falácia:

Pois é impossível reconstruir o que já não existe. Por mais documentos que o texto

disponha o historiador ou o ficcionista, é preciso recorrer à imaginação para

estabelecer nexos entre eles de modo a recriar os fatos, ou melhor, criá-los, visto

que a recriação é uma impossibilidade. (WEINHARDT, 2011, p. 21)

A autora também recupera o pensamento de Luiz Costa Lima, que afirma

que os discursos histórico e ficcional se aproximam mas não se confundem; o

narrador deve ser sempre fiel à posição do historiador. Para o autor, tanto o

historiador como o ficcionista devem manter sua identidade, sendo que a

verossimilhança da ficção não é a mesma da história.

Sobre a relação do romance de ficção com a história, o estudioso de

literatura Temístocles Linhares, citado por Weinhardt, afirma:

O romancista histórico, no bom sentido, pois, é um “doublé” de historiador e

escritor, capaz de traduzir os fatos históricos sem a monotonia dos textos frios, com

os acréscimos artísticos que a ficção proporciona, sem fugir da verdade histórica,

podendo até suprir as faltas documentais com o produto de sua imaginação. A

verdade histórica, assim, é sempre a sua diretriz, a sua bússola, o seu roteiro

(LINHARES, 1987, citado em WEINHARDT, 2011, p. 35)

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Para Naira de Almeida Nascimento (2011), a simples inclusão de alguns

personagens, de fatos históricos e a retratação de épocas passadas em um texto

ficcional não lhe dá estatuto de texto histórico. Caso o escritor opte pela ficção

histórica, ele perde o compromisso com a comprovação dos fatos e objetos,

diferentemente do que ocorre com o discurso histórico.

De acordo com Wolfgang Iser (2013), há uma distinção entre texto ficcional e

não ficcional; mas, apesar dessa distinção, o autor aceita o questionamento acerca

da possibilidade de o primeiro ser de fato ficcional e de o segundo ser realmente

isento de ficção. A realidade social, mesmo a de fundo emocional e sentimental,

pode ser representada em um texto ficcional, e nem por isso se transforma em

ficção.

A partir dessa realidade emerge um imaginário que se relaciona com a

realidade do texto. Por meio desta articulação entre o real, o ficcional e o imaginário,

os elementos que compõem a realidade do texto possibilitam a criação de um texto

ficcional com atributo de realidade.

Neste sentido, o autor do romance Terra vermelha, Domingos Pellegrini,

construiu sua narrativa a partir de relatos e pesquisa. Na entrevista cedida à

jornalista Mariana Sanchez, o autor Domingos Pellegrini fala que passou a maior

parte de sua vida em Londrina, cidade em que reside, e que as narrativas de

tropeiros, mascates e viajantes que passaram pela barbearia de seu pai e pela

pensão de sua mãe são a base de seus contos e de seu universo romanesco. Do

mesmo modo, Pellegrini diz ser uma pessoa muito ligada à terra e que nada lhe

seria mais natural do que embeber da cultura da região onde nasceu (PELLEGRINI,

2012). O autor ficcionalizou a realidade com fatos e personagens que se identificam

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com tipos que realmente existiram na colonização de Londrina, sendo que realidade

e ficção se misturam na obra.

Segundo Eurídice Figueiredo (2013), as escritas biográficas e

autobiográficas conheceram um crescimento exponencial desde os anos de 1980,

quando começaram a surgir novas variações de escritas (FIGUEIREDO, 2013, p.

13).

Ainda de acordo com Figueiredo (2013), em um artigo de 1991, Barthes faz

uma crítica ao uso do termo “obra”, privilegiando a expressão “texto”, a qual

possuiria um sentido plural em sua relação com outros textos (intertextualidade). O

termo “obra”, por sua vez, estaria preso ao processo de filiação ― o autor ―, sendo

que este, ao se colocar no romance, torna-se “autor de papel”; o “eu” que escreve o

texto também nunca é mais do que o “eu” do papel (FIGUEIREDO, 2013).

Para Barthes, a morte do autor começa a partir do momento em que o

narrado se torna texto e é entregue ao público. O estruturalismo de Barthes se

apoiava na concepção linguística segundo a qual o sujeito da enunciação só existe

enquanto pessoa verbal, de forma que o “eu” que escreve só existe enquanto

enunciador (FIGUEIREDO, 2013, p. 16).

Em A morte do autor, Barthes (1988), em uma crítica sobre a vida do autor e

o texto, postula que é a linguagem que fala, e não o autor. Ao tirar o foco do autor,

Barthes privilegia o leitor, que é quem dá sentido ao texto no processo de leitura.

Na obra Terra vermelha, o autor usou como estratégia manter o avô

internado por sete dias e sete noites como forma de contar a história das

personagens principais: José, Tiana e um narrador denominado de neto-narrador.

Durante a narrativa, há indícios de o neto preferido pelo avô ser Domingos Pellegrini

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Jr., apesar de este não se identificar, pois o foco da narrativa está centrado na

história de José e Tiana.

De acordo com Figueiredo (2013), a escrita autobiográfica tem como seu

correspondente na pintura o autorretrato. Todos os grandes pintores o praticavam,

assim como muitos se colocaram nas telas que pintavam, como no célebre quadro

As meninas, de Velázquez.

Na antiguidade, durante todo o período clássico, o ideal estético estava no

passado; é a partir do século XVIII, baseado nos ideais iluministas, que as

esperanças passam a ser depositadas em um futuro utópico de realizações. Com o

advento da pós-modernidade, o sujeito deixa de se projetar no futuro, passando a

viver o presente, desta forma tornando-se mais individualista. Este sujeito que ao

mesmo tempo vive o momento ― o presente ― também resgata o passado por meio

das escritas da memória e da história. O sujeito pós-moderno tem a necessidade de

tratar do “eu”, de confirmar sua própria existência; contribuindo, por conseguinte,

para a proliferação de todo tipo de literatura memorialística (FIGUEIREDO, 2013).

Segundo Figueiredo (2013), a palavra “autobiografia” aparece pela primeira

vez em alemão, no ano de 1779, e, posteriormente, em 1809, em inglês, com as

seguintes definições:

O dicionário Larousse de 1886 dá a seguinte definição: “Vida de um indivíduo

escrita por ele próprio”, contrapondo a autobiografia, uma forma de confissão, às

memórias, que contam fatos que podem ser alheios ao narrador. Já o dicionário

Vapereau (1876) define como “Obra literária, romance, poema, tratado filosófico

etc., cujo autor teve a intenção, secreta ou confessa, de contar sua vida, de expor

seus pensamentos ou de expressar seus sentimentos”. (FIGUEIREDO, 2013, p. 26)

Ainda de acordo com a autora (2013), Philippe Lejeune se inspirou nestas

definições para criar sua própria definição de autobiografia. Em seu livro intitulado

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Pacto autobiográfico, lançado em 1975, Lejeune tinha como ideia principal o

estabelecimento de um pacto de referencialidade, de fidelidade ao acontecido, entre

autor e leitor. De acordo com este pacto, desde o contato com o livro, com a capa,

com a folha de rosto e mesmo com o interior do livro, não haveria separação entre

autor, narrador e personagem. O leitor, por sua vez, teria a sensação de ler os fatos

narrados como fatos reais, sendo o autobiógrafo e o autobiografado a mesma

pessoa.

Para D‟Onofrio (2006), na autobiografia, o autor que se limita ao relato de

sua existência de uma forma árida, sem o uso da imaginação, não faz desse relato

uma obra de arte literária, tornando-a apenas um documento biográfico. Quando o

autor faz uso da imaginação e da linguagem poética, por outro lado, ele transforma a

realidade, sendo os fatos acrescidos de sentimentos e emoções. Assim, embora a

arte seja ficção, torna-se difícil definir os limites entre estes dois mundos.

Figueiredo (2013) aponta que o romance autobiográfico pode ser narrado

tanto em primeira como em terceira pessoa, embora mais frequentemente o seja em

primeira pessoa, o que enseja uma maior identificação entre autor e narrador.

No romance autobiográfico canônico não há identificação nominal entre

personagem, narrador e autor, ou seja, o personagem tem nome fictício. Isto ocorre

embora muitas vezes os leitores se deem conta que o romance tem fundo

autobiográfico, sendo que esta identificação se acentuou nos últimos anos devido ao

maior acesso à informação (FIGUEIREDO, 2013).

A “nova autobiografia” é uma forma de escrever romances de cunho

autobiográfico. Segundo Figueiredo (2013), a forma que mais se difundiu é a da

autoficção. O termo “autoficção” foi criado por Serge Doubrovsky, em 1977, em

desafio a um questionamento feito por Lejeune, no livro Pacto autobiográfico, no

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qual este autor indagava se seria possível haver um romance com o nome próprio

do autor. Frente a este questionamento, Doubrovsky propõe um romance em que o

protagonista-narrador possuiria seu próprio nome (FIGUEIREDO, 2013).

A autoficção, na realidade, contrapõe-se à autobiografia clássica. Enquanto

nesta o texto é escrito por pessoas que estão no final de suas vidas, tentando-se dar

conta de uma vida inteira, a autoficção faria referência ao romance autobiográfico

pós-moderno, com formatos inovadores, narrativas descentradas e fragmentadas,

com sujeitos instáveis (FIGUEIREDO, 2013).

Figueiredo (2013) afirma que, segundo Doubrovsky, para que haja

autoficção é preciso que os nomes do autor, do narrador e da personagem sejam

idênticos, cabendo ao autor assumir o risco que tal decisão implica. Apesar disto,

quem escreve autoficção não se limita apenas a narrar fatos, mas transforma o

texto, dando-lhe uma nova forma por meio da utilização de artifícios ficcionais

(FIGUEIREDO, 2013).

Segundo Philippe Vilain (citado em FIGUEIREDO, 2013), a autoficção pode

ser nominal ― ou seja, basta que o “eu” do narrador remeta implicitamente ao autor

do texto. A marca da autoficção é, portanto, indefinível, um hibridismo genérico, já

que, partindo do vivido, o autor, ao narrar, ao escrever, começa a ficcionalizar

(FIGUEIREDO, 2013).

Lejeune retoma de Gérard Genette a generalização de que o narrador-

personagem principal narra, na maior parte das vezes, em primeira pessoa, sendo

assim a narração “autodiegética”. A narração também pode ocorrer na primeira

pessoa sem que o narrador seja a personagem principal, sendo esta chamada de

narração “homodiegética” (LEJEUNE, 2014).

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Terra vermelha é uma criação textual autobiográfica. Pellegrini se intitula

autor-narrador e sua estratégia foi a de contar a história de sua família, alternando

passado e presente enquanto resgata a época da colonização da cidade de

Londrina. Os protagonistas nessa colonização são seus avós paternos, José e

Tiana. O narrador faz parte da história narrada, embora não seja o personagem

principal, sendo, portanto, um narrador homodiegético. Ao longo da narrativa, o autor

dá pistas de que o autor-narrador é o neto mais velho, considerado predileto, o que

faz supor tratar-se de Domingos Pellegrini Jr.

Em uma passagem da narrativa, no início da obra, quando Nonno José sofre

uma queda em casa, os filhos se reúnem no intuito de interná-lo.

O neto mais velho pede para ficar só com ele no quarto, é o neto predileto, quem sabe a ele

o Nonno ouvirá. Todos ficam esperando, num silêncio em que ouvem as contas do

terço nas mãos da filha mais velha. – Nonno- o neto chama cutucando- Fala

comigo, Nonno. – Me deixem em paz, – ele sussurra com os olhos na parede –

Promete que me deixam em paz, é o meu último desejo. E dá ao neto o último

olhar. O neto sai do quarto, avisa que ele só quer morrer em paz, só isso. As tias

ficam indignadas: quem é você, rapaz, pra dizer isso?! Nem bem saiu dos cueiros!

(PELLEGRINI, 2013, p. 21)

Na visão de Lejeune (2014), a identidade entre autor, narrador e

personagem pode ser estabelecida de duas maneiras:

a) Através do uso de títulos que não deixariam dúvidas de que a primeira

pessoa remeteria ao nome do autor, como em: Autobiografia, História

de minha vida, etc.

b) Na seção inicial do texto na qual o narrador assume o compromisso

junto ao leitor, não deixando dúvidas no leitor de que o “eu” da

narrativa remete ao nome escrito na capa do romance, embora esse

nome não apareça no texto. De modo patente, nesse caso o nome do

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narrador-personagem coincide com o nome do autor impresso na capa

(LEJEUNE, 2014).

Mikhail Bakhtin (2011), por sua vez, descreve como narrador e personagem

podem facilmente intercambiar posições:

Seja eu a começar narrando sobre o outro, que me é íntimo, com quem vivo, uma

só vida axiológica na família, na nação, na sociedade humana, no mundo, ou no

outro a narrar a meu respeito, de qualquer forma me entrelaço com a narração nos

mesmos tons, na mesma configuração formal que ele sem me desvincular da vida

em que as personagens são os outros e o mundo é o seu ambiente, eu narrador

dessa vida, como me identifico com as personagens dessa vida. (BAKHTIN, 2011,

p. 141).

Em oposição a todas as formas de ficção, tanto a biografia como a

autobiografia são textos referenciais que se propõem a fornecer informações sobre

uma “realidade externa” ao texto, submetendo-se a uma prova de verificação. É

importante salientar que o objetivo não é a verossimilhança, mas a imagem do real

(LEJEUNE, 2014).

Segundo Halbwachs (2003), nossas lembranças são coletivas e lembradas

por outros, mesmo que estes outros façam parte de grupos distintos. Nunca estamos

sós, mesmos nos eventos e com objetos com os quais estivemos envolvidos e que

somente nós vimos. Neste sentido, várias pessoas juntando suas lembranças

conseguem descrever com exatidão fatos ou objetos que viram ao mesmo tempo e

até reconstituir toda uma sequência de atos e palavras, mesmo que uma delas não

se recorde com exatidão desta sequência (HALBWACHS, 2003, p. 31).

Ainda segundo Halbwachs (2003), se, na ausência de testemunhas, não

restar nenhum traço ou vestígio em nossa memória de uma cena, e se não formos

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capazes de reconstruir qualquer parte dela, mesmo que um dia nos descrevam e

nos apresentem um quadro muito vivo da cena, ela jamais será uma lembrança.

Assim, sobre memória individual e coletiva, Halbwachs afirma:

Para que nossa memória se aproveite da memória dos outros, não basta que estes

nos apresentem seus testemunhos: também é preciso que ela não tenha deixado

de concordar com as memórias deles e que existam muitos pontos de contato entre

uma e outras para que a lembrança que nos fazem recordar venha a ser

reconstruída sobre uma base comum. Não basta reconstituir pedaço a pedaço a

imagem de um acontecimento passado para obter uma lembrança. É preciso que

esta reconstrução funcione a partir de dados ou de noções comuns que estejam em

nosso espírito e também no dos outros, porque elas estão sempre passando destes

para aquele ou vice-versa, o que será possível somente se tiverem feito parte e

continuarem fazendo parte de uma mesma sociedade, de um mesmo grupo.

(HALBWACHS, 2003, p.39)

Ainda de acordo com Halbwachs (2003), a duração e a força da memória

coletiva tem como base o conjunto de pessoas que se lembram enquanto parte

integrante de um grupo. Antes de ser coletiva, a memória é individual, e na

ocorrência de determinados fatos e acontecimentos, o que cada indivíduo vai

guardar em sua memória dependerá do seu grau de envolvimento, o lugar que

ocupa no grupo e sua relação com outros ambientes.

Para Paul Ricoeur (2007), o momento da recordação é o do reconhecimento,

e o mesmo está associado aos lugares, a datas e a localização. O lugar é onde as

coisas acontecem e é por excelência memorável. Na superfície da terra ocorrem os

deslocamentos; viagens e experiências estão associadas aos lugares em que elas

foram vivenciadas. Assim, nossas lembranças estão associadas a eles.

Uma passagem do romance Terra vermelha demonstra que as lembranças

sobre as mudanças ocorridas na cidade de Londrina estão presentes na memória

coletiva:

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Os pioneiros se orgulhavam de ver a cidade crescer e mudar; apontavam um

sobrado e diziam olha, aqui tinha uma peroba que ajudei a derrubar: ali, onde está

aquele armazém, pastavam os burros da Companhia; e lá, onde estão abrindo a tal

Avenida Higienópolis, tinha uma enorme figueira que ficava bem na frente do sol

poente. Mas já não se podia cruzar uma rua sem olhar bem para os lados, que

agora não era um trânsito de passar lá de vez em quando um carro ou caminhão,

era um passa- passa que não parava, todos com a mesma pressa que tinham os

pioneiros, só que agora montados em cavalos vapor. (PELLEGRINI, 2013, p. 239)

De acordo com Paul Ricoeur (2007), por meio da rememoração, enfatiza-se

o retorno à consciência, o despertar da memória para um acontecimento

reconhecido como tendo ocorrido. A marca temporal referente à anterioridade

constitui o traço distintivo da recordação. A memorização consiste em maneiras de

aprender que encerram saberes e habilidades que ficam armazenadas e disponíveis

na memória, também sendo chamada de memória-hábito.

O caráter essencialmente privado da memória é representado pelos

seguintes traços: em primeiro lugar, as lembranças são individuais e não podem ser

transferidas da memória de uma pessoa para outra; em segundo, a memória reside

no passado, conforme defendem Aristóteles e Santo Agostinho. É o passado de

cada um que remonta do presente vivido aos acontecimentos longínquos da

infância. As lembranças estão no plural e a memória no singular, ambas articuladas

na narrativa (RICOEUR, 2007).

Ainda tratando da memória, Santo Agostinho (citado em RICOEUR, 2007,

p.110) compreende a lembrança armazenada como algo “que ainda não foi tragado

nem sepultado no esquecimento”, de forma que, segundo Ricoeur (2007, p. 110), “o

esquecimento que sepulta nossas lembranças” e o reconhecimento de uma coisa

rememorada é uma vitória sobre o esquecimento.

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Na maior parte da obra de Pellegrini, os fatos são rememorados e relatados

pelo neto-narrador, caracterizado como co-referencial e protagonista na história

narrada. A retomada do passado é também uma história nova para o Nonno, pois

ele passa a conhecê-la pelos olhos de Tiana, como demonstra esta passagem:

Os botões entram nas casas em silêncio, e depois o zíper pede mais silêncio, em

silêncio ficam até a mulher perguntar você sabe como ele conheceu a sua avó? Sei

o que ouvi contar, diz o neto, e conta: vai passando na parede um filme começado

naquele dia de 1929, em que o moço, que seria o Nonno, conheceu a moça, que

seria a Vó Tiana - conforme ela contaria aos filhos e netos pela vida afora, sempre

que ele estivesse fora de casa, de modo que agora é também para ele uma história

nova, em que ele é visto por aquela que foi, como dizem, a luz dos seus olhos.

(PELLEGRINI, 2013, p. 28)

Percebe-se, pelo trecho, que a retomada ao passado através da narrativa de

Tiana é uma história nova para o Nonno, pois sua própria história é contada sob

outra perspectiva. Em momentos da diegese, alguns narradores também participam,

relembrando acontecimentos relacionados à família Pellegrini.

Enquanto Nonno José está no hospital, o seu amigo Mané Felinto o visita e

então começa contar histórias para o filho mais velho do Nonno: Mané Felinto teria

ajudado o Nonno José a construir a primeira casa da família, assim como a

hospedaria de Tiana; conta ainda da Intentona Comunista, de tortura, de prisões, e

que só não foi pego pela polícia porque o Nonno o escondeu no porão de sua casa.

Um outro amigo ― Zé do Cano ― também chega ao hospital, e os dois amigos

ficam olhando o Nonno, que está só pele e osso. Zé do Cano começa a relembrar o

tempo em que eram mais moços, e o filho mais velho do Nonno diz que também tem

algumas lembranças de episódios relacionados à sua infância. Ao mesmo tempo, o

neto imagina como homens tão diferentes foram amigos por toda uma vida

(PELLEGRINI, 2013, p.197).

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Em outra passagem do romance, o filho mais velho lembra e conta ao irmão

caçula histórias ocorridas antes do seu nascimento: uma visita realizada aos avós

em Rafard e Capivari, quando decidiram conhecer o mar, assim como a passagem

pela cidade de São Paulo. De acordo com Halbwachs (2003), a vida da criança

mergulha mais do que se imagina nos meios sociais, e por estes ela entra em

contato com um passado mais ou menos distanciado, que é o contexto em que são

guardadas suas lembranças mais pessoais. É neste passado vivido, bem mais que

no passado apreendido pela história escrita, em que se apoiará mais tarde sua

memória.

Se antes ela não fazia distinção entre contexto e os estado de consciência que nele

ocorriam, é verdade que, pouco a pouco, a separação entre seu mundo interno e a

sociedade que o circunda acontecerá em seu espírito. Entretanto, do momento em

que essas duas espécies de elementos inicialmente estiveram estreitamente

fundidas, que terão parecido fazer parte de seu eu de criança, não se pode dizer

que, mais tarde, todos os que correspondem ao meio social se apresentarão a ela

como um contexto abstrato e artificial. Neste sentido é que a história vivida se

distingue da história escrita: ela tem tudo o que é necessário para constituir um

panorama vivo e natural sobre o qual se possa basear um pensamento para

conservar e reencontrar a imagem de seu passado. (HALBWACHS, 2003, p. 90)

Ecléa Bosi afirma que, em determinado momento, com a chegada da

velhice, o homem deixa de ser um membro ativo na sociedade e propulsor da vida

presente de seu grupo, restando-lhe a função de lembrar, mantendo a memória de

sua família, do grupo e da sociedade:

Nas tribos primitivas, os velhos são os guardiões das tradições, não só porque eles

as receberam mais cedo que os outros mas também porque só eles dispõem do

lazer necessário para fixar seus pormenores ao longo de conversações com os

outros velhos, e para ensiná-los aos jovens a partir da iniciação. Em nossas

sociedades também estimamos um velho porque, tendo vivido muito tempo, ele tem

muita experiência e está carregado de lembranças. Como, então, os homens idosos

não se interessariam apaixonadamente por esse passado, tesouro comum de que

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constituíram depositários, e não se esforçariam por preencher, em plena

consciência a função que lhes confere o único prestígio que possam pretender daí

em diante? (BOSI, 1998, p. 63)

Ainda segundo Ecléa Bosi (1998), citando Halbwachs, resta ao velho a

função de lembrar, desobrigando os homens de outras idades dessa função, sendo

que o nível de expectativa e cobrança não ocorre da mesma forma nos diferentes

lugares. Em nossa sociedade, o homem ativo, independentemente da idade, exerce

menos a atividade da memória. Entretanto, quando esse mesmo homem se afasta

de suas atividades cotidianas, começa a relembrar seu passado.

O romance Terra vermelha também aborda a questão da relação do idoso

com seus familiares. Já no início do enredo, Nonno José mostra desinteresse pelos

bens materiais quando, por exemplo, assinava sem conferir os aluguéis de uma

dúzia de casas. Os outros filhos olhavam o filho mais velho apresentar os recibos, e

uma filha perguntou um dia por que o pai não olhava o que assinava. Ao perceber

cochichos dos outros filhos em relação ao mais velho, o Nonno chamou a todos e

ordenou que escolhessem suas casas e terrenos e que dividissem a herança em

vida, em cartório, para não perder tempo com partilha depois de sua morte, mas

avisou que eles só tomariam posse depois que ele morresse; ele e Tiana ficariam

com os aluguéis enquanto vivessem simplesmente para não dependerem nem do

governo, tampouco dos filhos. Essas situações lhe demonstram o interesse

financeiro da família e fazem com que ele sinta como se não fizesse parte dela.

Filhos, netos, bisnetos, cada homem é uma árvore cheia de troncos no passado e

galhos para o futuro, e no fim das contas vai esquecendo de uns e mal lembrando

de outros. Agora mesmo nessa cama de hospital encosta uma bisneta menina –

como será o nome? – para ver o Nonno quem sabe pela última vez, diz baixinho a

mãe, aquela neta que gostava de subir na goiabeira. – Mãe – sussurra a menina –

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é verdade que quando o Nonno morrer a gente vai ter dinheiro pra ir na

Disneylândia? (PELLEGRINI, 2013, p. 332)

Bosi (1998) afirma que nossa sociedade cobra perfeição dos velhos, não

aceitando seus defeitos, esperando que sejam tolerantes e que tenham uma

abnegação servil pela família. Resta ao idoso, em sua lucidez, perceber que seu

afastamento definitivo se dá pela falta de serventia; que deve dar lugar aos moços, e

sentir que os velhos “só dão trabalho”. Ainda assim, segundo a autora, em algumas

sociedades o idoso é considerado o maior bem social, possuindo um lugar honroso

e voz privilegiada ― como, por exemplo, diz uma lenda balinesa:

Que fala de um longínquo lugar, nas montanhas onde outrora se sacrificavam os

velhos. Com o tempo não restou nenhum avô que contasse as tradições para os

netos. A lembrança das tradições se perdeu. Um dia quiseram construir um salão

de paredes de troncos para a sede do Conselho. Diante dos troncos abatidos e já

desgalhados os construtores viam-se perplexos. Quem diria onde estava a base

para ser enterrada e o alto que serviria de apoio para o Teto? Nenhum deles

poderia responder: há muitos anos não se levantavam construções de grande

porte, e eles tinham perdido a experiência. Um velho, que havia sido escondido

pelo neto, aparece e ensina a comunidade a distinguir a base e o cimo dos troncos.

Nunca mais um velho foi sacrificado. (BOSI, 1998, p. 76-77)

Na obra analisada, percebe-se que, em várias passagens, são feitas

referências à casa como sinônimo de segurança. Por exemplo, ao ser internado,

Nonno José implora para a família que o deixem morrer em casa ― pedido este que

não é atendido, apesar da insistência do neto.

Em uma passagem anterior, Nonno José diz que irá viver em Londrina e

pergunta a Tiana se ela iria junto. Ela, que naquele momento residia com ele e com

o restante da família em Cornélio Procópio e administrava uma pensão,

demonstrando preocupação com o bem-estar da família, disse: “só não me peça

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para ir junto depois, sem casa, sem trabalho e com criança para cuidar”

(PELLEGRINI, 2013, p.118). Ao longo da narrativa, percebe-se a dificuldade de José

em se estabelecer em alguma atividade fixa, que dê segurança à família. Após se

assentar em Londrina e juntar algum dinheiro, ele compra uma data (lote de

terrenos) e, com a ajuda de amigos começa a construir uma casa. Posteriormente,

retorna para Cornélio Procópio para buscar sua família.

Em relação a essa discussão sobre a casa, Bachelard (2003) argumenta que

a casa onírica é a casa do sonho, de nossas lembranças, aquela que nos protege.

Não se trata de um simples cenário de nossa memória; afinal, ainda gostamos de

forma inconsciente de viver na casa que não mais existe, mas que remete à ideia de

segurança e de conforto. A casa é um abrigo evidente contra o frio, contra o calor,

contra a tempestade, e cada um de nós tem mil variantes em suas lembranças para

animar um tema tão simples. Coordenando todas estas impressões e classificando

todos estes valores de proteção, o autor afirma que a casa constitui um contra-

universo ou um universo do contra.

Ainda sobre a importância da casa, Ecléa Bosi afirma:

A casa materna é uma presença constante nas autobiografias. Nem sempre é a

primeira casa que se conheceu, mas é aquela em que vivemos os momentos mais

importantes da infância. Ela é o centro geométrico do mundo, a cidade cresce a

partir dela, em todas as direções. Fixamos a casa com as dimensões que ela teve

para nós e causa espanto a redução que sofre quando vamos revê-la com os olhos

de adulto. (BOSI, 1998, p. 435).

Nos últimos capítulos da obra, Tiana e José comentam como a cidade vinha

modificando o espaço onde sua casa está situada. A prática de cultivar plantas

caseiras no quintal deixava de ser realizada, pois o surgimento dos prédios ao redor

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tirava a luminosidade que as plantas necessitavam, tornando a casa mais sombria

(PELLEGRINI, 2013, p. 358).

Assim, pode-se afirmar que os valores humanos estão presentes na obra:

desde a preocupação com as questões ambientais, como o desmatamento e a falta

de cobertura vegetal na cidade de Londrina ― causada pela intensa urbanização ―,

como também a importância de valores como honestidade, sinceridade e amizade

nas relações humanas.

2.1 DOMINGOS PELLEGRINI

O jornalista e publicitário Domingos Pellegrini Jr passou a maior parte de sua

vida em Londrina, onde mora. As narrativas de tropeiros, mascates e viajantes, que

passam pela barbearia de seu pai e pela pensão de sua mãe, são a base de sua

ficção e de seu universo romanesco. Conduzido pelo permanente desejo de

desenvolvimento da escrita, a partir de uma linguagem cada vez mais simples e

direta, Pellegrini se dedicou progressivamente à produção de textos destinados ao

público infanto-juvenil, que era o principal público interlocutor de sua obra.

O autor cursou Letras e Publicidade na Universidade Estadual de Londrina

― UEL ―, entre 1967 e 1975, e anos mais tarde foi para Assis, São Paulo, estudar

na Universidade Paulista (Unesp), onde se especializou em Teoria Literária.

Trabalhou como redator de agências de propaganda e escreveu para jornais e

revistas, especialmente para o Jornal de Londrina. Depois de seu primeiro livro, O

homem vermelho (1977), escreveu mais de uma dezena de coletâneas de contos,

novelas e romances. Seu primeiro livro infanto-juvenil, A árvore que dava dinheiro

(1981), teve mais de 3 milhões de exemplares publicados ― 2 milhões deles

distribuídos para o Plano Nacional de Bibliotecas do Ministério da Educação. Entre

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1989 e 1992, assumiu a Secretaria de Cultura do município de Londrina. Lançou seu

primeiro livro de poesias, Gaiola aberta, em 2005, com versos escritos nos 40 anos

anteriores.

O escritor conquistou seis prêmios Jabuti, reconhecimento concedido pela

Câmara Brasileira do Livro, inclusive com sua coletânea de contos de estreia, O

homem vermelho, e também com o romance O caso da chácara chão (2001).

No terceiro encontro do Projeto Um Escritor na Biblioteca em 2012, o autor

londrinense recuperou episódios de sua trajetória. Durante a conversa mediada pela

jornalista Mariana Sanchez3, o autor, que também ministra palestras, cursos e

oficinas, disse considerar-se, acima de tudo, um contador de histórias. Falou da sua

rotina de leitura e escrita, lembrou-se do convívio com Paulo Leminski e defendeu a

tese do dom literário. Pellegrini afirma que descobriu o seu próprio dom ― o da

escrita ― aos 13 anos e, desde então, nunca deixou de escrever. Também

comentou, com detalhes, o processo de criação do romance Herança de Maria

(2012), que surgiu da dificuldade de relacionamento com sua mãe, já falecida: “para

mim, mais que um romance, trata-se de um processo de vida. Não escolhi nada, fui

conduzido em um processo no qual fiz esse livro e o livro se fez através de mim”. Em

um dos principais momentos da entrevista, Pellegrini relatou que, quando os pais se

separaram, ele tinha sete anos, e foi morar em Assis. Além do incentivo da mãe, o

gosto pela leitura começou com a leitura de duas pilhas de revistas deixadas pelos

pintores na sua casa. O autor contou que pratica vários gêneros como prosa, poesia,

etc. Segundo ele, as grandes obras da Literatura Universal são nada mais, nada

menos que grandes histórias.

3PELLEGRINI, D. Um escritor na biblioteca - Domingos Pellegrini. Curitiba: 15/05/2012.

Disponível em: <http://www.candido.bpp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=35>. Acesso em 17/07/2015.

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Para Pellegrini, a filosofia ocidental pensa em perspectiva, levando em conta

o passado, o presente e o futuro, enquanto o viés oriental foca em um ponto só.

Acrescenta que desenvolveu seu lado oriental, sem abandonar o viés ocidental de

contar histórias, de ver causas e consequências entre tudo. Ele relatou que, mais do

que palavras, lida com a vida; e que, no caso da narrativa longa, o enredo é

elaborado internamente, durante anos, sendo que, pelo seu dom, costuma captar as

“coisas”.

Acerca das suas relações familiares, após ficar afastado de sua mãe por

sete anos, a reconciliação ocorreu quando ela já estava velha e doente, em estado

terminal. Deu-se conta, então, de que ela realmente iria morrer, e que era a mãe que

aprendera a respeitar e amar novamente. Quando sua mãe morre, conscientiza-se

que ela tinha deixado como legado o livro Herança de Maria, que demorou oito anos

para ser escrito.

Seu objetivo era fazer literatura que não parecesse com literatura mas sim

com a vida ― exatamente a grande obsessão de Graciliano Ramos e Ernest

Hemingway, seus grandes mestres. Seu primeiro livro, O homem vermelho (1977),

quase não tem adjetivos: a linguagem é objetiva, sem deixar de ser graciosa,

envolvente e repleta de ação.

Pellegrini afirma que a cultura é um tecido feito de muitos fios, fios diversos.

Se não houvesse o movimento da arte pela arte, não haveria uma série de obras-

primas. O autor também fala de Paulo Leminski, dizendo que ambos tinham a

capacidade de enxergar além e fora das ideologias, e que isso os unia, embora

discordassem a respeito de muitas questões. Ele ainda afirma que a melhor maneira

de melhorar o mundo é melhorar a si mesmo.

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Em sua obra A personagem (1985), a autora Beth Brait, no intuito de

satisfazer a curiosidade de leitores, inclui um capítulo com depoimentos de

escritores contemporâneos ― entre eles, o de Domingos Pellegrini Jr., que trata da

criação de suas personagens. O autor diz que sua criação parte da observação das

pessoas, de seus comportamentos e expressões, e que a personagem é composta

basicamente por ação e signos; que o uso de uma gravata, por exemplo, pode

expressar desde logo uma condição econômica. Além da observação e imaginação,

a criação também é realizada por meio de informações que requerem pesquisa ―

exatamente como o autor realizou no romance Terra vermelha.

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3 O ESPAÇO E A FORMAÇÃO DA CIDADE DE LONDRINA NO ROMANCE TERRA VERMELHA DE DOMINGOS PELLEGRINI

Em Terra vermelha, os fatos são relatados e relembrados pelo neto-narrador

em terceira pessoa, por meio do discurso da memória. A rememoração se dá como

em um cinema, tendo ao fundo a parede do hospital tal qual um telão: é a vida do

Nonno que está sendo contada durante os sete dias em que ele permanece

internado (p. 22).

Através do espaço da memória, o leitor acessa a história individual e coletiva

da construção da cidade de Londrina. A história da família Pellerini é narrada pelo

personagem “neto”, que a ouviu também da avó Tiana e dos outros personagens

envolvidos no enredo.

Como já mencionado no segundo capítulo, Halbwachs (2003) propõe que

nossas lembranças são coletivas e lembradas por outros, mesmo que esses outros

façam parte de grupos distintos. O enredo de uma obra relata, de certa maneira, a

existência, a vida de seres humanos. Como esperado, há várias possibilidades de

observar e relatar a vida por meio da ficção (CULLER, 1999).

No romance, o espaço não está limitado apenas à descrição da paisagem

representada pelo seu aspecto visível. É possível, através de sua apreensão, revelar

aspectos humanos presentes ― ir além dos aspectos naturais e perceber também

os sociais.

Na abordagem culturalista (BRANDÃO, 2013), o espaço passa a ter maior

destaque. Visto como palco das relações culturais, é o lugar onde se passam as

ações, como uma região, uma colônia, uma metrópole. De acordo com essa

concepção, o enredo tem como pano de fundo a colonização da cidade de Londrina

pelos ingleses, em uma correspondência entre espaço literário e o geográfico ― os

quais mantêm certa verossimilhança com a realidade, acrescida da liberdade criativa

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do autor, construindo um espaço de possibilidade entre o real e memorialístico. Para

Rogério Haesbaert (2011), sociedade e espaço social são interligados; os grupos, os

indivíduos estão inseridos dentro de um contexto geográfico.

Segundo o romancista, para a colonização de Londrina, vieram mineiros,

paulistas, nordestinos, nortistas, gaúchos e estrangeiros, como portugueses,

espanhóis, japoneses, alemães, poloneses, ingleses, entre outros ― gente de trinta

países que deu às costas ao oceano e ao passado, cruzando o rio Tibagi de balsa,

em uma travessia para uma terra que, até três séculos antes, era habitada por

diversas populações indígenas (PELLEGRINI, 2013, p. 88-90).

O espaço geográfico na narrativa é representado pela paisagem formada

pelos rios Tibagi, Paranapanema e das Cinzas ― muito explorados na obra pela

importância na integração e sobrevivência dos pioneiros nesse processo de

colonização. O autor também destaca a fertilidade do solo, a terra-vermelha e a

diversidade da vegetação; a cidade de Londrina teve sua origem no meio da mata,

onde jorravam três minas, denominada inicialmente de Patrimônio Três Bocas.

Nonno José sai de Capivari e cruza o rio Tibagi com destino a Londrina,

levando vários dias para chegar a Ourinhos, na beira do Rio Paranapanema:

Entrava numa fazenda ou outra, perguntava da terra, das lavouras, a fundura dos

poços, ia ver minas de água; não podia existir no mundo terra melhor que aquela ali

de antes do Tibagi, aquela fama de terra-vermelha de Londrina só podia ser para

valorizar as glebas além dos rios. [...] No fim do terceiro dia chegaria a Jatay, que o

povo chamava de Jataizinho e até sentiria orgulho de Capivari: mesmo também

com mais de meio século, Jataizinho era só meia dúzia de ruas tortas cortando a

estrada que acabava no rio, ruelas empedradas e buraquentas, casebres e casas

caindo aos pedaços, pobreza por todo lado; aquilo não podia ser a entrada de uma

vida nova. Passou pela cidadezinha, foi ao rio tomar banho na corredeira, onde o

Tibagi passava com menos de metro; era um rio largo mas na cheia, diziam, batia

lá no alto da barranca. (PELLEGRINI, 2013, p. 78-79)

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Segundo Tuan (1980, p. 114), “a familiaridade engendra afeição ou

desprezo”, e estes sentimentos de afetividade, como pelo meio ambiente, podem

variar em intensidade. No caso de Nonno José, em seu primeiro contato com a

cidade de Jataizinho, o que lhe chamou a atenção foi o retrato da pobreza; o

sentimento que o tomou foi o de topofobia, faltando-lhe o elo de afetividade

proporcionado pela familiaridade. A terra-vermelha representava para o Nonno uma

utopia, associada a uma imagem espacial, à descrição dos “espaços felizes”, a um

ideal de felicidade – a topofilia, tipicamente bachelardiana (BRANDÃO, 2013).

O termo topofilia associa sentimentos com o meio ambiente e, ao fazer isso,

promove a ideia de lugar. Contudo, “o meio ambiente pode não ser a causa direta da

topofilia, mas fornece o estímulo sensorial que, ao agir como imagem percebida, dá

forma às nossas alegrias e ideais” (TUAN, 1980, p. 129).

As imagens da topofilia são derivadas da realidade circundante, dos

aspectos que chamam a atenção dos indivíduos, do meio ambiente que lhes

inspiram respeito, que lhes oferece o sustento e atendem às suas finalidades. À

medida que esses indivíduos adquirem novos interesses e poder, as imagens

também tendem a mudar; as pessoas sonham com lugares ideais (TUAN, 1980).

A terra-vermelha, título do romance de Pellegrini, é a imagem que metaforiza

o ideal utópico, da produtividade e abundância, que deu origem à obra. O

romancista, através da ficção, faz um resgate dos diferentes povos pioneiros na

colonização da cidade de Londrina que, oriundos de diferentes lugares, cruzaram o

rio Tibagi de balsa para uma terra até então desconhecida.

Para Milton Santos (2012), o espaço representa o presente, mas sua síntese

e objetos constituintes têm sua formação no passado, quando se formam os objetos

geográficos, indispensáveis à realização social.

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No período geológico do Cretáceo tem início a grande ruptura do

supercontinente Gondwana, com a separação dos atuais continentes sul-americano

e sul-africano e a formação do Oceano Atlântico. Esta separação promoveu a

liberação de magma, formando extensos derrames de lavas basálticas sobre as

unidades sedimentares paleozoicas. Estes derrames atingiram até 1.500m de

espessura e cobriram mais de 1.200.000 km². A alteração provocada por essas

lavas resultou na famosa “terra roxa”, solo de alta fertilidade agrícola.4

A denominação de "terra roxa" se originou a partir dos colonos italianos das

lavouras de café, que a chamavam de “terra rossa” ― em italiano, "terra vermelha".

O restante do povo, brasileiros natos, confundidos pela expressão italiana,

batizaram-na de "terra roxa".

O narrador faz, em um trecho da obra, uma passagem fazendo referência ao

termo: “Terra-rossa, diziam os italianos, e terra roxa viraria apelido; chegava gente

perguntando cadê a tal terra roxa, estranhando ver que era vermelha” (PELLEGRINI,

2013, p. 201).

A riqueza e a produtividade da terra roxa são exaltadas pelo personagem de

Mister George (um dos representantes da Companhia de Terras do Norte do

Paraná) a um grupo de estrangeiros e outros migrantes que haviam vindo colonizá-

la:

Na jardineira, os japoneses e alemães pareciam crianças rindo e olhando tudo

espantados, fazendo perguntas sem parar. [...] O moço inglês explicava com

paciência que ainda não estavam na chamada terra-roxa; no outro lado do rio

árvores seriam maiores, a terra seria vermelha mesmo, rossa como diziam os

italianos, macia e funda: “a melhor terra do mundo” [...] Não era mais a terra

esbranquiçada ou marrom-clara de São Paulo, era quase vermelha; o capim na

beira do rio era mais alto que dois homens e viam cafeeiros que dariam meio saco

4Geologia do Paraná. Disponível em: <www.mineropar.pr.gov.br>. Acesso em: 21/09/16.

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de cada um, mandiocas de arrobas, algodoais da altura de milharal e pés de milho

com três espigas grandes. (PELLEGRINI, 2013, p. 77)

O narrador também chama a atenção para a exuberante vegetação presente

na terra vermelha, “nunca tinha visto tanta mata, só mata por todo lado, a capoeira

avançando na estrada, em alguns pontos precisavam até afastar galhos para

passar, cada cavalo numa das trilhas batidas de pneu” (PELLEGRINI, 2013, p. 83).

Como resultado de uma visita ao Norte do Paraná em 1935, o antropólogo

Claude Lévi-Strauss registra, em seu livro Tristes trópicos (2014), observações sobre

a vegetação na região e a colonização pelos ingleses:

Levavam-se menos de 24 horas de viagem para chegar, do outro lado da fronteira

do estado de São Paulo marcada pelo rio Paraná, à grande floresta temperada e

úmida de coníferas que por tanto tempo opusera sua massa à penetração dos

fazendeiros; até cerca de 1930, ela se manteve praticamente virgem, com exceção

dos grupos indígenas que ainda zanzavam por ali e de uns poucos pioneiros

isolados, em geral camponeses pobres que plantavam milho em roçados pequenos.

No momento em que cheguei ao Brasil, a região estava se abrindo, principalmente

sobre a influência de uma empresa britânica, que obtivera do governo a cessão

inicial de 1,5 milhão de hectares em troca do compromisso de construir estradas e

ferrovias. [...] Aproximadamente a cada quinze quilômetros instalava-se uma

estação à beira de um terreno desmatado de um quilômetro quadrado, que se

tornaria uma cidade. (LÉVI-STRAUSS, 2014, p. 125-126)

De acordo com Joyce Meri Sera Marques (2005), a floresta tropical, em sua

formação original, ocupava a parte norte do Terceiro Planalto Paranaense, com

grande variedade de espécies, sobre os solos férteis de terra roxa, tais como

peroba, alecrim, cedros, angico, taquaras, canelas e palmito.

A colonização é representada na obra pela presença dos ingleses. Segundo

o historiador Ruy Christovam Wachowicz (2010), um dos membros dessa missão era

Lord Lovat, que tinha como objetivo principal estudar a produção de algodão no

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Brasil para suprir as indústrias de tecelagem na Inglaterra, tendo sido atraído para o

Paraná pelos fazendeiros paulistas do Norte pioneiro.

O trecho da narrativa abaixo demonstra a preocupação do personagem Góis

com as consequências da implantação da colonização:

Gostaria que aquela terra não fosse tão boa, para que não chegasse tanta gente.

Tinha fazenda ali vizinha das terras da Companhia, já plantava café fazia quatro

anos e ia ter a segunda colheita, nunca tinha visto cafeeiros tão carregados.

Quando os colonos plantassem café, em vez de algodão como queriam os ingleses,

ia chover ali – e decerto iam derrubar mata de cabeceiras e plantar café até a beira

do rio; aquela terra coberta de mata ia ficar descoberta, ia ver a luz do sol pela

primeira vez e depois todo dia, até ressecar. (PELLEGRINI, 2013, p. 83)

Bonnici (2005, p. 25) usa o conceito de espaço vazio ao falar sobre

colonização e acrescenta que a interação entre a civilização e o povoamento

transforma o espaço vazio em lugar onde o teatro da história acontece. O narrador

do romance mostra, ao elaborar um diálogo entre os personagens Mané Felinto e Zé

do Cano de uma forma crítica, a transformação do traçado da cidade de Londrina:

Os ingleses querem fazer uma colônia aqui – Mané Felinto apontou: era só subir no

alto da igreja e ver que tinham feito a praça conforme o desenho da bandeira

inglesa, duas passarelas em cruz e duas em xis se encontrando todas num círculo

central. – Marcam a cidade como quem marca gado, como quem diz isto é nosso.

[...] Mas a cidade não parava: por todo lado os martelos batiam e as serras rangiam

se parar. (PELLEGRINI, 2013, p. 125-126,128)

Para Tuan (2013), termos como “lugar” e “espaço” se confundem, mas são

complementares. De conotação indiferenciada, o espaço passa para a categoria de

lugar à medida que o conhecemos melhor e damos a ele um valor. O autor ainda

ressalta que o espaço não pode ser pensado como estático, pois está em constante

transformação, em movimento; a cada pausa no movimento, é possível que estes

espaços se transformem em lugar. Através de experiências e vivências ao longo dos

anos, o ser humano atribui sentimentos a esses lugares.

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As transformações ocorrem em determinado espaço e tempo, como já citado

em Brandão (2013); ele ressalta a contribuição de Mikhail Bakhtin que, inspirado na

teoria da relatividade, formula o conceito de cronotopo, para evidenciar a

“indissolubilidade de espaço e de tempo”.

O trecho da narrativa abaixo ilustra, com o personagem Nonno, as

transformações ocorridas na cidade de Londrina, o que evidencia a relação

tempo/espaço na obra ficcional:

Fumando no banco da praça, ele via Londrina mudar de um dia para o outro. O

francês tinha razão, as maiores casas de comércio e os bancos ficaram nas ruas

paralelas à ferrovia, e nas transversais ficaram os armarinhos, as pensões, o

comércio miúdo. [...] Os colonos vinham da roça com a família para comprar na

cidade, marcando a conta em cadernetas a pagar com a safra; e já não usavam

mais paletós como quando cruzavam o rio de balsa, ainda mal falando o português:

agora falavam aos trancos mas falavam , e andavam em mangas de camisa como

os brasileiros.[...] A cidade crescendo espetada de prédios, o asfalto cobrindo os

paralelepípedos, as estradas asfaltadas, os linhões de energia cortando os trigais

ao vento, lençol verde que vai amarelando, então vêm as colhedeiras e deixam a

terra-vermelha coberta de palha; depois botam fogo para plantar soja, e a fumaça

embranquece o sol, a cidade tosse. (PELLEGRINI, 2013, p. 200, 327)

O espaço social é representado pelas pessoas de acordo com sua posição

social. Em Terra vermelha, a sociedade é caracterizada por uma estratificação

social, indicada pela existência de grupos de pessoas que ocupam posições

diferentes. No início da narrativa, o personagem Nonno José, já com oitenta anos,

comenta sobre os amigos, agora companheiros de jogos: “os companheiros são

homens de mãos grandes, que viveram de trabalhar com elas, pedreiro,

caminhoneiro, encanador" (PELLEGRINI, 2013, p. 11).

Diversos grupos formados por imigrantes de diversos países e migrantes do

próprio país (Brasil) são atraídos para a região do Norte do Paraná, buscando novas

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oportunidades de vida na chamada “terra vermelha” ― como ocorre com os próprios

protagonistas José e Tiana. Após José fracassar em várias tentativas de negócio, o

casal decide tentar a vida em outra localidade.

Na obra, através da ficção, o autor mostra que os diferentes grupos que

foram responsáveis pela colonização enfrentaram muitas dificuldades em uma terra

bastante bruta e onde ocorriam vários tipos de doenças, como malária, tifo, febre

amarela, entre outras adversidades. Esse é o espaço atópico que causa medo,

representado pelo desconhecido; nesse espaço, desenvolveu-se a força de trabalho

para abrir estradas e construir cidades. Esses imigrantes também trouxeram, em sua

bagagem, suas tradições e seus costumes, ou seja, sua história e cultura, que foram

incorporados ― como demonstra uma passagem da narrativa, quando é feita uma

referência aos ingleses:

Não existia mais a Casa Sete, onde os moços da Companhia davam festas. Mas

dos ingleses tinha ficado a palavra footing, e aquela mania de andar à noite pela

Avenida Paraná. Passavam grupos de moças de braços dados, portanto também

grupos de moços e rapazolas, namorados, casais com crianças, todos iam fazer o

footing bem vestido e perfumados, indo e voltando pela avenida, passando por

rodinhas de homens conversando nas calçadas ou na praça da Catedral

(PELLEGRINI, 2013, p. 249)

Stuart Hall (2014), em sua obra A identidade cultural na pós-modernidade,

defende que nenhuma identidade é fixa ou imóvel; há processos identitários, os

quais estão em constantes modificações, compostos por diferentes olhares e em

distintos tempos e espaços. Ele complementa que as identidades na modernidade

estão sendo constantemente deslocadas ou fragmentadas. Na concepção

sociológica, a identidade é formada pela interação entre o “eu” e a sociedade; em

contato com outras culturas, essa identidade é constantemente alterada e definida

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historicamente, sendo possível sua identificação como múltiplas outras identidades,

com as quais o sujeito poderá identificar-se. Hall ainda discorre sobre a cultura

nacional, representada por uma estrutura de poder, e defende que a concepção de

etnia corresponde às características culturais de um povo ― tais como língua,

religião, costumes e tradições. As nações modernas seriam todas híbridas

culturalmente, ou seja, representadas pela junção de várias culturas.

Hall (2014, p. 41) afirma que “todas as identidades estão localizadas no

espaço e no tempo simbólico”. Elas possuem suas “geografias imaginárias”, suas

“paisagens” características, seu senso de “lugar”, como suas localizações no tempo,

nas tradições inventadas que ligam o passado e o presente, em mitos de origem que

projetam o presente de volta ao passado, em narrativas de nação que conectam o

indivíduo a eventos históricos nacionais mais amplos e importantes.

Para Santos (2008, p. 330), em a Natureza do espaço, “o homem de fora é

portador de uma memória, espécie de consciência congelada, provinda com ele de

um outro lugar. O lugar novo o obriga a um novo aprendizado”. Esse trecho enfatiza

a afirmação de Maria Luisa Hoffman & Patrícia Piveta (2009, p. 20,23) de que as

primeiras casas construídas em Londrina não seguiam um padrão de construção,

mas foram construídas em madeira e com algumas características de seus

construtores, que trouxeram em sua bagagem alguns conhecimentos de carpintaria

e organizaram a construção em mutirão. Ecléa Bosi (1998, p. 435), ao falar sobre a

importância da casa, afirma que “ela é o centro geométrico do mundo e a cidade

cresce a partir dela, em todas as direções”. Por meio de seus conhecimentos, os

imigrantes construíram suas casas de acordo com sua origem, o modelo

representado em suas lembranças.

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Para o geógrafo Paul Claval (2007), grupos sociais estão inseridos no

espaço onde vivem e transformam esse ambiente, não como indivíduos isolados,

mas entrelaçados com aqueles com os quais se identificam. A materialidade no

espaço mostra traços da cultura desses imigrantes no processo de colonização. O

autor de Terra vermelha alicerça na narrativa ficcional fatos da história da

colonização da cidade de Londrina, bem como cria um emaranhado de personagens

fictícios representantes de personalidades que fizeram parte da história real da

cidade. O autor, através da criação literária, relata a história de sua própria família e

de personagens que vivem ou viveram em um cenário criado a partir de um viés

histórico próximo do real, se intitulando autor-narrador.

Para Karl Marx (citado em HIRANO, 2002), a produção social está

relacionada a uma organização e relação social que ocorre através da cooperação,

das formas de propriedade, da apropriação do trabalho e dos instrumentos de

produção ― uma vinculação do trabalhador à terra ou à propriedade e aos

instrumentos de produção. Esse conceito é complementado por Milton Santos

(2008), para quem o tempo, o espaço e o mundo são realidades históricas, e a base

de realização da sociedade humana está assentada em uma base material: o

espaço em seu tempo e uso, em sua materialidade e em suas mais diversas feições.

Através de diferentes técnicas elaboradas historicamente, a natureza é transformada

em recursos para suprir à sobrevivência humana. As técnicas são caracterizadas

como um conjunto de meios e instrumentos sociais com os quais o homem realiza

sua vida, produz e ao mesmo tempo cria o espaço. Henri Lefebvre (2008, p. 124)

complementa a ideia de Santos ao afirmar que “as necessidades sociais levam à

produção de novos „bens‟ que não são este ou aquele objeto, mas objetos sociais no

espaço e no tempo”.

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Na obra estão representados grupos de diversas profissões e condições

econômicas, tais como lavradores, médicos, engenheiros, encanadores,

fazendeiros, entre outros. Os personagens amigos de Nonno José são

representados por Zé do Cano (encanador), Mané Preto (poceiro), Mané Felinto

(pedreiro) e Góis (fazendeiro). Tiana abre a hospedaria Pioneira e sua inauguração

ocorre no dia 10 de dezembro, primeiro aniversário de Londrina ― também o local

onde se desenvolve parte do enredo e de encontro de diversos personagens, de

diferentes profissões e posição social.

Uma hospedaria que, com o tempo, seria casa de muitos, gente de toda raça, de

todo o mundo, cada uma com suas crenças, todos acreditando naquela terra. [...]

As cadeiras não deram para todos, os solteiros ficaram em pé, funcionários da

Companhia e peões comendo com os pratos na mão ou nos peitoris das janelas,

enquanto se sentavam a mulher do padeiro com a do médico, o alfaiate com o

engenheiro [...] Aquilo ficaria para sempre na cabeça de Mané Felinto, e só agora é

que entende o porquê: - Aquela hospedaria foi a democracia que conheci na vida.

(PELLEGRINI, 2013, p. 180-181)

A ascensão social foi propiciada pela riqueza advinda da produção de café,

chamado de “ouro verde”. As moradias mais simples passam aos poucos a ser

substituídas por construções mais modernas, como o surgimento em Londrina de

casarões e palacetes, elementos indicadores de condições financeiras

diferenciadas, como os primeiros milionários. O personagem Zé do Cano enriquecia

construindo em toda a região; o pedreiro Mané Felinto torna-se mestre de obras,

tendo vários ajudantes. Enriquecidos estavam também José e Tiana, em razão do

grande movimento da hospedaria e pelo trabalho de corretagem realizado por José,

que, aos 40 anos, torna-se dono de várias datas (lotes de terrenos) na cidade e

sítios de mata virgem em toda região.

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Com o progresso da cidade de Londrina, o espaço urbano sofre

modificações, fazendo surgir espaços diferenciados e o surgimento de novas

classes sociais:

O arquiteto (vindo de São Paulo) projetaria o Country Clube para os ricos, com

quadras de tênis e piscina de água clarinha. Surgia também o Grêmio Recreativo

para aquela gente que começaria a se chamar de classe média, com salão de baile

e piscina de água tão clara; enquanto no Londrina Esporte Clube, dos pobres, a

água era esverdeada como garapa e não se via o fundo. [...] Surgiam também lojas,

bancos e hotéis, sempre de alvenaria. (PELLEGRINI, 2013, p. 261-262)

A passagem acima complementa a ideia de Lefebvre (2008) ao definir a

cidade moderna como sendo o centro de decisão, local de produção e concentração

de capitais, com a intervenção do urbano, de divisão de classes sociais dominantes

e não dominantes.

O referencial básico de Marx para definir classe social tem como referencial

a produção social:

Segundo Marx, é a “posição que os indivíduos ocupam” nos diferentes setores de

produção social, e em seus vários desdobramentos resultantes da divisão social do

trabalho, tanto da divisão que ocorre dentro de cada ramo quanto por setores

(agrícola, industrial e comercial) da produção – é essa posição que define as

classes sociais. (HIRANO, 2002, p. 113)

O narrador discorre sobre o declínio do café que ocorreu após a geada de

1955, fato que fez disparar seu preço, motivando muitos agricultores a fazerem o

replantio. A terra-vermelha produziu colheitas de café em abundância; com isso, o

governo foi obrigado a comprar parte da produção para regular os preços. Com os

armazéns de café abarrotados e devido ao grande estoque, seu preço foi

desvalorizado. O governo aumentou os impostos, e devido à desvalorização do

produto, as fazendas começaram a arrancar seus cafezais, fazendo surgir um novo

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meio de produção: pastos para criação de gado e plantio de soja. Com isso, colonos

e suas famílias migraram para as cidades:

Famílias andarilhas vagam pelas cidades, aprendendo a pedir esmola, catando

restos de feira, tomando sopa no albergue, catando lata para erguer barraco em

favela. [...] Comendo a marmita fria, serão chamados de bóias-frias. [...] Da fumaça

do café saem enfim colhedeiras de soja, trigais sobre os cafezais – e Tiana [...] diz

que não acabou só o café, acabaram também os peões... (PELLEGRINI, 2013, p.

311)

De acordo com Priscilla Bagli (2013 p. 101), “o urbano concentra pessoas,

mas não oferece oportunidades a todos. [...] Múltiplas são as formas de luta pela

sobrevivência e reinserção social construídas de atividades marginais (catadores,

camelôs flanelinhas)”.

Terra vermelha não é uma narrativa linear: nela, passado e presente se

misturam. Enquanto Nonno José permanece internado, há um diálogo entre um de

seus filhos, que é fazendeiro, com o sobrinho (neto de Nonno José) sobre a questão

da terra e os problemas decorrentes para os menos favorecidos:

O neto diz que essa gente que morre de fome e doença, nas favelas, na verdade

morre é de falta de terra. Nada, diz o fazendeiro, morrem é de preguiça e sem-

vergonhice, moravam nas fazendas, podiam ter de tudo, pomar, criação, horta, e o

que é que fizeram? Veio a maldita legislação trabalhista, foram todos entrar na

justiça, pedir indenização pela vida inteira, e com isso quebraram os fazendeiros e

acabaram aí, disputando lixo com cachorro porque não valem o que o gato enterra.

(PELLEGRINI, 2013, p. 363)

O diálogo acima mostra a relação de poder que é representada pelo

fazendeiro, detentor da posse da terra e dos instrumentos de produção, em relação

aos trabalhadores, que não possuem a terra para plantar, contrários à crítica feita

pelo fazendeiro.

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Esta relação de poder é apontada também por Claude Raffestin (1993), para

quem o território é uma instância separada do espaço: ele afirma que o território é

uma produção do espaço, inscrito em uma rede de relações de poder. Haesbaert

(2011) contribui com as ideias apresentadas por Raffestin, afirmando que, em uma

concepção política, o território é um espaço delimitado e controlado, não

exclusivamente pelo poder político do estado. Saquet (2015, p. 84) complementa

que o território representa uma área controlada e delimitada, seja individualmente ou

por meio de grupos sociais.

O campo representa o ponto de partida na origem da cidade, em uma

relação híbrida, sendo que um espaço não exclui o outro. Através da narrativa,

percebe-se que os trabalhadores, ao serem expulsos das fazendas nas quais

trabalhavam, e ao migrarem para as cidades em busca de sobrevivência, não

possuem qualquer direito.

O personagem Nonno José, que sempre teve uma relação topofílica de

pertencimento e afeição pela cidade de Londrina, em uma das últimas cenas da

narrativa, em frente ao pronto-socorro da Santa Casa (onde esteve internado por

sete dias), demonstra angústia ao constatar que as modificações transformaram a

cidade, com a qual não se identifica mais.

Eu quero ir para casa, quero morrer na minha terra. O cinegrafista ajoelha devagar

com a câmera no ombro e o iluminador acompanha com as luzes. A repórter chega

mais o microfone na boca que repete– quero ir pra casa, quero morrer na minha

terra – O senhor é de onde? – Eu sou da terra-vermelha. – Mas de que cidade o

senhor é? – Londrina, eu quero ir para minha terra – Mas o senhor está em

Londrina! – Não essa Londrina, eu quero ir pra terra-vermelha. (PELLEGRINI, 2013,

p. 383-384)

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Essa passagem define a ideia de Tuan (2013) sobre a relação do lugar na

visão da criança e do adulto. Segundo o autor, a criança, por ter um passado curto,

tem uma relação com o tempo presente e o futuro, ao passo que o adulto, pelas

experiências e vivência ao longo dos anos, atribui sentimentos e significados ao

lugar e ao passado.

Culler (1999), ao relacionar enredo, desejos, segredos e dissertar sobre

como encontrar a verdade ou desvendar as coisas por meio da ficção, mostra que é

possível trazer à tona diversas questões sociais, humanas, e problemas urbanos,

entre outros, em obras literárias ― temas estes que se relacionam entre si. Isso é

evidente no romance Terra vermelha, que procura abordar várias dessas temáticas

através da ficção.

3.1. ESPACIALIDADE E TERRITORIALIDADE

Nenhum outro fruto de minha mente é tão influente como Espaço e lugar. Eu quase desejo que não monopolize os holofotes e coloque seus irmãos, todos merecedores de seus próprios caminhos, na sombra.

Yi-Fu Tuan

Para abordar a colonização do Norte do Paraná ― especificamente sobre a

cidade de Londrina, planejada pelos ingleses ―, faz-se necessário a abordagem de

determinados conceitos referentes a espaço e território. É importante salientar que a

aproximação da literatura com a geografia estabelece vinculações espaciais e

temporais, possibilitando a compreensão do aspecto humanístico.

Para Paul Claval (2007), a Geografia Humana não deve desvincular o

território dos grupos sociais onde estão inseridos, onde vivem ou de estes como

transformam esse ambiente. O geógrafo não vê indivíduos isolados, mas sim

entrelaçados com aqueles que organizam a sociedade e com a qual se identificam.

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Como já citado em Culler (1999), a literatura, por meio das obras literárias, é

uma forma de representação da realidade ― como as questões sociais, a questão

da mulher, as lutas ideológicas; quando estas questões são levadas para os

romances, personagens são criadas levando em consideração uma certa ideologia.

O neto-narrador, personagem criado pelo autor, relata à sua noiva, enquanto

o Nonno permanece internado, que o avô contava que Londrina no começo era uma

torre de babel formada por portugueses, espanhóis, japoneses, alemães, russos,

suíços entre muitos outros, gente de trinta países fazendo uma travessia para uma

terra onde antes só havia índios (PELLEGRINI, 2013, p. 90). Pelos registros

históricos, o Estado do Paraná foi colonizado por 28 etnias que trouxeram em sua

bagagem sua cultura, costumes e tradições; esses povos chegaram com a

promessa de encontrar paz em uma “terra desconhecida”, mas que prometia

trabalho, produção e tranquilidade5.

O autor Domingos Pellegrini Jr., por meio da ficção, traz para a obra diversos

temas de cunho socioeconômico, como os ideais socialistas do personagem Mané

Felinto, preocupado com a exploração do trabalhador e que tem como heróis Marx,

Engels, Lênin, Stalin e Prestes (PELLEGRINI, 2013, p. 224).

Para o geógrafo Tuan (2013), lugar e espaço são termos que nos soam

familiares: lugar representaria segurança ― é como a velha casa, o velho bairro ―,

enquanto espaço estaria relacionado à liberdade. As pessoas estão ligadas aos

lugares mas desejam os espaços ― que dão a impressão do infinito, da ausência de

limites (TUAN, 2013).

Os dois termos ― lugar e espaço ― se confundem em certos contextos,

mas um complementa o outro. De conotação indiferenciada, o espaço passa para a

5Etnias do Estado do Paraná. Disponível em <www.cidadao.pr.gov.br/modules/contedo>. Acesso

em: 28/12/2014.

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categoria de lugar à medida que o conhecemos melhor e damos a ele um valor. Os

arquitetos veem o espaço de acordo com as qualidades espaciais do lugar; pode-se

igualmente falar das qualidades locacionais do espaço (TUAN, 2013, p. 14).

De acordo com Tuan, o espaço não pode ser pensado como estático, pois

está em constante transformação, em movimento; a cada pausa no movimento, é

possível que essa localização se transforme em lugar. Crianças e adultos têm ideias

e sentimentos relacionados a espaço e lugar bastantes complexas. Pela visão da

criança e do adulto, o lugar ganha significados específicos: a criança tem um

passado curto, vive no presente e no futuro, ao passo que o adulto, por meio de

experiências e vivências ao longo dos anos, atribui significados e sentimentos ao

lugar.

O mito, segundo o autor, está relacionado à ausência de conhecimento e

frequentemente é contrastado à realidade. No passado o homem ocidental

acreditava na existência do Paraíso e da Terra Australis6; mesmo sem encontrá-los,

os exploradores europeus insistiam em suas buscas, e não havia questionamentos

ou negação desses lugares.

O mito não corresponde somente ao passado. Mesmo atualmente, o

conhecimento humano ainda permanece limitado e seletivo. São distinguidos dois

tipos principais de espaço mítico:

Em um deles, o espaço mítico é uma área imprecisa de conhecimento envolvendo

o empiricamente conhecido; emoldura o espaço pragmático. No outro, é o

componente espacial de uma visão de mundo, a conceituação de valores locais por

meio da qual as pessoas realizam suas atividades práticas. Ambos os tipos de

espaço, bem descritos pelos eruditos sobre as sociedades iletradas e tradicionais,

persistem no mundo moderno. Eles persistem porque, tanto para os indivíduos

6 Terra Australis (conhecida também em latim como "Terra Australis incógnita") é um continente

fictício que frequentemente aparecia em mapas europeus entre os séculos XV e XVIII.

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como para os grupos, sempre haverá áreas do imprecisamente conhecido e do

desconhecido, e porque é possível que algumas pessoas serão sempre levadas a

compreender o lugar do homem na natureza de uma maneira holística. (TUAN,

2013, p. 110)

O lugar é uma pausa no movimento, e essa pausa permite que determinada

localidade se torne centro e tenha seu valor reconhecido. Como exemplo, o autor

cita o caso de casais idosos; esses casais estão presos aos lugares, mas na

realidade também às pessoas, aos recursos de sua comunidade e um ao outro.

Essa relação de pertencimento faz com que essas pessoas idosas, após a morte de

um companheiro, mesmo dispondo de condições materiais, não queiram sobreviver

por muito tempo (TUAN, 2013).

Em Terra vermelha, os amigos de Nonno José diziam que decerto ele teria

vivido até os noventa anos, se sua esposa não tivesse morrido antes. Com o

falecimento de Tiana, Nonno José começa a morrer também, dia a dia; "como

quando se mata uma onça de um casal, disse um amigo, a onça que fica nem come

mais, vai morrendo em vida" (PELLEGRINI, 2013, p.15).

Como escopo dos estudos literários do século XX, a representação do

espaço no texto literário tornou-se, como citado a partir do Dicionário de Termos da

Narrativa por Brandão (2013),

"questão dominante numa reflexão de índole narratológica”. Nesse tipo de

abordagem, com freqüência nem se chega a indagar o que é espaço, pois ele é

dado como categoria existente no universo extratextual. Isso ocorre sobretudo nas

tendências naturalizantes, nas quais se entende espaço como “cenário”, ou seja,

lugares de pertencimento ou trânsito dos sujeitos ficcionais, recurso de

contextualização. (BRANDÃO, 2013, p. 58-59)

Para o geógrafo Milton Santos (2012), o espaço é o presente, o real, mas

sua síntese, sua formação, seus objetos constituintes fazem parte do passado ―

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que está morto como tempo e não como espaço, pois as formas-objetos criadas no

passado formam os objetos geográficos do presente, indispensável à realização

social.

Antigamente se falava em áreas ecúmenas, que compreendiam o espaço

humano, onde ocorriam as relações sociais e econômicas. Na atualidade, mesmo os

espaços biológicos considerados vazios, por uma questão de segurança, não são

espaços neutros, pois acabam sendo alvo de cobiça de outros países ― daí a

preocupação em preservar as riquezas naturais e o meio ambiente (SANTOS,

2012).

Ainda, Santos afirma que

Os construtores do espaço não se desembaraçaram da ideologia dominante

quando concebem uma casa, uma estrada, um bairro, uma cidade. O ato de

construir está submetido a regras que procuram nos modelos de produção e nas

relações de classe suas possibilidades. (SANTOS, 2012 p. 36-37)

No hospital, o neto-narrador fala sobre a colonização da cidade de Londrina

realizada pelos ingleses:

O Nonno cruzou o Rio Tibagi, a cidade dos ingleses nascendo no meio da mata. [...]

Tinha atoleiros que duravam todo o verão, nos trechos onde batia pouco sol, na

sombra dos paredões de mata, e caminhões podiam encalhar mais de semana, a

carga tinha que continuar a cavalo e mula. Mesmo assim a Companhia não

cascalhava nem cuidava mais da estrada, importante para os ingleses era a

ferrovia, conforme os planos feitos em Londres para colonizar mais de um milhão

de hectares; a maior colonização do mundo [...] E que decerto o Nonno nem

imaginava que a terra-vermelha era a das melhores do planeta e que graças a essa

terra e ao clima, com a ferrovia logo os colonos chegariam de centenas [...] que

plantariam e colheriam tanto que Londrina, “filha de Londres” planejada pelos

ingleses para plantar algodão e ser uma cidadezinha, explodiria, em prédios e

bairros da noite para o dia, virando a Capital Mundial do Café. (PELLEGRINI, 2013

p. 76, 87, 94)

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Brandão (2013) retoma, a partir das formulações de Bachelard sobre espaço

e literatura (que associava espaço a uma imagem espacial ― a descrição dos

“espaços felizes” a um ideal de felicidade), a topofilia.Tipicamente bachelardiana é a

imagem da palavra-casa:

As palavras – eu frequentemente imagino – são pequenas casas com porão e

sótão, o sentido comum mora no térreo, sempre perto do “comércio exterior”, no

mesmo nível de outrem, este passante que nunca é um sonhador. Subir a escada

na casa da palavra é, de degrau em degrau, abstrair. Descer ao porão é sonhar, é

perder nos longínquos corredores de uma etimologia incerta, é procurar nas

palavras tesouros inatingíveis. (BRANDÃO, 2013, p. 91)

Tuan (1980), em sua Geografia Humanista, tendo como alicerce Bachelard,

usa a palavra topofilia para definir os laços afetivos dos seres humanos com o meio

ambiente material. Estes sentimentos de afetividade com o meio ambiente podem

variar em intensidade. Em um primeiro contato, pode ser basicamente estético ― de

apreciação de uma vista, de sua beleza ― sendo que esse prazer é efêmero,

causando uma sensação de deleite ao sentir, por exemplo, o ar, a água a terra. O

autor observa que é difícil expressar os sentimentos que temos em relação a um

lugar ― o locus de nossa memória de nossas recordações ― por representar nosso

lar, um meio no qual sobrevivemos.

Tuan ainda considera que o turista tem uma apreciação superficial da

natureza, sem laços afetivos; o turismo beneficiaria a economia, mas não integraria

o homem à natureza. A relação de um camponês difere do turista, pois seu contato é

mais íntimo com o meio em que vive; o sentimento topofílico entre agricultores está

relacionado ao seu status socioeconômico. O trabalhador rural trabalha junto à terra.

Essa relação é marcada pelo sentimento de amor e ódio à natureza, pois sua vida

está atrelada aos seus ciclos (TUAN, 1980).

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Em Terra vermelha, ficção e realidade estão entrelaçadas. Fatos históricos

da colonização de Londrina serviram como fundamentos para o desenvolvimento da

ficção, como a ocorrência das geadas de 1942 e 1955 e suas consequências para a

produção de café:

Em setembro de 41 floriu pela primeira vez o maior dos cafezais dos Gois. E,

agosto de 42, quando o Brasil entrou na guerra, a geada mataria muito cafezal e o

preço do café dobraria de um dia para o outro. A geada também mataria todos os

macacos do Norte do Paraná. [...] Gois chega ao Hotel Pioneiro em noite muito fria

e pede ajuda para salvar da geada seu cafezal novo de um ano, e o objetivo é

deitar cada pé de café na cova e cobri-los de terra, ele verga até deitar. Convoca

grande número de peões, amigos e até mulheres que trabalham a noite toda para

tentar salvar cem mil cafeeiros, e diz que vai ser a pior geada depois de 42 e, ao

final, conseguiu salvar grande parte do cafezal, e a nova etapa é desenterrar e por

em pé os cafeeirinhos (PELLEGRINI, p. 214, 308)

Tuan (2013) também discorre sobre a afeição e familiaridade de uma pessoa

em relação a seus pertences pessoais, como, por exemplo, a sua roupa, que é

representativa e pessoal, sendo uma extensão de sua personalidade e identidade.

Além da roupa, uma pessoa, ao longo de sua existência, investe parte de sua vida

emocional em seu lar, seu bairro. Ser despejado à força de sua própria casa e de

seu bairro seria como ser despido de um invólucro que, pela sua familiaridade,

protege o indivíduo do mundo exterior. Como algumas pessoas são relutantes em

abandonar um velho casaco por um novo, alguns idosos relutam em abandonar sua

velha casa, seu velho bairro.

Com o crescimento da cidade de Londrina, a casa do Nonno fica cercada de prédio,

com samambaias brotando dos paredões sombreados, as árvores espichando no

quintal por falta de sol, e as floradas raleando ano a ano. Corretores batem palmas

no portão perguntando se Seo José não quer vender a casa, e os netos dizendo:

vende isso, Nonno! Compra uma cobertura. E Nonno diz que quem gosta de viver

no alto é passarinho. (PELLEGRINI, 2013, p. 361)

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Segundo Santos (2007, p.13), “o território é o lugar em que desembocam

todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as

fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das

manifestações de sua existência”. O território em si não é uma categoria de análise

em disciplinas históricas, como a Geografia, sendo apenas um conjunto de sistemas

naturais e coisas superpostas. A partir de sua ocupação, o território usado passa a

ser o lugar de residência, das trocas, tanto materiais como espirituais, o que lhe

confere identidade; é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence.

Com sua ocupação, o território passa à categoria de nação e posteriormente

à ideia de Estado nacional; há uma relação profunda entre esses conceitos porque

um faz o outro, à maneira da célebre frase de Winston Churchill: “Primeiro fazemos

nossas casas, depois nossas casas nos fazem”. O mesmo ocorre com o território:

ele ajuda a construir a nação, para que esta depois o afeiçoe (SANTOS, 2007).

De acordo com o Haesbaert (2011), sociedade e espaço social estão

interligados: não há como definir o indivíduo, o grupo, a comunidade ou a sociedade

sem inseri-los em um determinado contexto geográfico, “territorial”. As primeiras

teorizações mais consistentes sobre território estão ligadas à Etologia, ou seja, ao

comportamento animal, como parte das Ciências da Natureza.

O autor destaca a amplitude de conceitos em outras áreas do conhecimento;

cada uma tem seu enfoque específico, centrado em uma determinada perspectiva.

Para a Ciência Política, haveria uma ênfase nas relações de poder ligadas à

concepção de Estado; a Economia partiria da noção de espaço e de território como

força produtiva; a Antropologia perceberia uma dimensão simbólica de sociedade; a

Sociologia enfocaria as relações sociais em sentido amplo; a Psicologia estaria

voltada para a construção da subjetividade ou da identidade em escala individual;

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enquanto, para a Geografia, o conceito relaciona-se à espacialidade humana:

haveria uma ênfase maior na materialidade do território em suas múltiplas

dimensões, com a interação sociedade-natureza (HAESBAERT, 2011).

Segundo Haesbaert (2011), mesmo na Geografia essa polissemia se faz

presente. Em uma síntese das várias noções de território, estas concepções podem

ser agrupadas em três vertentes básicas:

Política (referida às relações espaço-poder em geral) ou jurídico-política (relativa

também a todas as relações espaço-poder institucionalizadas): a mais difundida,

onde o território é visto como um espaço delimitado e controlado, através do qual

se exerce um determinado poder, na maioria das vezes - mas e não

exclusivamente - relacionado ao poder político do Estado.

Cultural (muitas vezes culturalista) ou simbólico-cultural: prioriza a dimensão

simbólica e mais subjetiva em que o território é visto, sobretudo, como o produto da

apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido.

Econômica (muitas vezes economicista): menos difundida, enfatiza a dimensão

espacial das relações econômicas, o território como fonte de recursos e/ou

incorporado no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho, como

produto da divisão “territorial” do trabalho, por exemplo. (HAESBAERT, 2011, p. 95)

No entanto, para Raffestin (1993), espaço e território não são sinônimos. O

espaço é anterior: o território se forma a partir do espaço, sendo o resultado de uma

ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa). Uma ação

pode ocorrer em qualquer nível, tanto de forma concreta ou abstrata (por meio de

uma representação); ao apropriar-se de um espaço, esse ator o “territorializa”.

Raffestin (1993), recuperando ideias de Lefebvre, mostra muito bem como é

o mecanismo que permite a passagem do espaço ao território:

A produção de um espaço, o território nacional, espaço físico, balizado, modificado,

transformado pelas redes, circuitos e fluxos que aí se instalam: rodovias, canais,

estradas e rotas aéreas, etc. [...] O território nessa perspectiva é um espaço onde

se projetou um trabalho, seja energia e informação, e por consequência, revela

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relações marcadas pelo poder. O espaço é a “prisão original”, o território é a prisão

que os homens constroem para si. (RAFFESTIN, 1993, p.143-144)

Para Raffestin (1993), em uma visão marxista, o espaço preexiste a

qualquer ação, não tendo valor de troca: é como se fosse uma matéria-prima. É um

local de possibilidades, uma realidade material, inerente a qualquer prática. Ele se

torna objeto a partir do momento em que um indivíduo ou grupo manifeste o desejo

de dele se apoderar. O território se apoia no espaço, mas não é o espaço, é uma

produção a partir do mesmo ― produção essa que envolve relações inseridas num

campo de poder.

Ao produzir uma representação do espaço, mesmo que sustentado no

campo do conhecimento, por meio de um projeto, revela-se a imagem desejada de

um território; por meio desses sistemas sêmicos é que se realizariam as

objetivações do espaço como processos sociais (RAFFESTIN, 1993).

Raffestin ainda destaca a relação implícita existente entre território e limites:

Falar de território é fazer uma referência implícita à noção de limite que, mesmo

não sendo traçado, como em geral ocorre, exprime a relação que um grupo

mantém com uma porção do espaço. A ação desse grupo gera, de imediato, a

delimitação Caso isso não se desse, a ação se dissolveria pura e simplesmente.

Sendo a ação sempre comandada por um objetivo, este é também uma delimitação

em relação a outros objetivos possíveis. O problema da escala sendo, bem

entendido, posto de lado.

Delimitar é, pois, isolar ou subtrair momentaneamente ou, ainda, manifestar um

poder numa área precisa. O desenho de uma malha ou de um conjunto de malhas

é a consequência de uma relação com o espaço e, por conseguinte, a forma mais

elementar da produção do território. (RAFFESTIN, 1993, p.153)

Saquet (2015) apresenta uma síntese das principais abordagens e

concepções sobre território de acordo com as perspectivas de dois autores,

Giuseppe Dematteis e Robert Sack.

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Para Dematteis, o território é um campo de domínio, controlado por grandes

grupos ― como a Igreja Católica, grupos políticos, entre outros ―, em uma dinâmica

econômica, social, política e cultural; o território seria um produto de relações de

poder (como também argumentado por Raffestin). Ainda de acordo com Dematteis,

território e espaço não são instâncias separadas. Ele compreende o território como

espaço-ambiente material modelado; “é o lugar onde demonstra a prioridade do

político a respeito do econômico, onde o capital necessita ser destruído [...] para

poder se reproduzir, onde a concorrência deve necessariamente, substituir a

cooperação” (DEMATTEIS,1985, citado em SAQUET, 2015, p. 81).

Por outro lado, Saquet aponta que, para Robert Sack, através de outra

vertente teórico-metodológica, o conceito de território é definido dentro de uma nova

perspectiva de abordagem que vai além de Estado-nação ou natureza e superfície.

Nesta perspectiva, o território é um produto da organização social, enquanto a

territorialidade corresponde às ações de influência e controle que se dão em

determinada área do espaço, das atividades aí desenvolvidas e suas relações em

diversas escalas. Saquet observa que Sack utiliza a ideia de territorialidade humana

para denominar as relações sociais e de poder, ocorridas tanto no nível pessoal

quanto em grupo ou internacional. A territorialidade se torna um tema central para

abordagens referentes ao suposto controle de uma área ou espaço, como estratégia

para influenciar e controlar recursos, relações e pessoas. “A territorialidade está

intimamente relacionada ao como as pessoas usam a terra, como organizam o

espaço e como dão significado ao lugar” (SACK, 1986, citado em SAQUET, 2015).

Desta forma, o território compreende uma área controlada, delimitada por

alguma autoridade, como resultado das estratégias de influência que ocorrem

individualmente ou por meio de grupos sociais (SAQUET, 2015, p.84).

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Saquet (2015) ressalta que, para Sack, a definição de territorialidade contém

três facetas interligadas:

Classificação ou definição de áreas; controle social; relações de poder. Essas

facetas são o núcleo da territorialidade, que contém outras combinações. A

territorialidade é conceituada pela multiplicidade de contextos histórico-sociais, nos

quais se definem as estratégias e os efeitos territoriais. Os territórios são

socialmente construídos e seus efeitos dependem de quem está controlando quem

e para quais propostas. A territorialidade como um componente do poder não

significa somente criação e manutenção da ordem, mas é um esquema para criar e

manter o contexto geográfico através do qual experimentamos o mundo e damos

significados. (SAQUET, 2015, p. 84)

Na literatura não há um conceito específico para o termo “território”, talvez

por sua especificidade; são utilizados termos como espaço ou ambientação. Como

já citado, para D‟Onofrio (2006) o espaço na literatura é o espaço da ficção, onde se

desenvolve a ligação entre a realidade e o imaginário e onde personagens são

criadas; por meio da descrição dos lugares e do espaço ficcional, desenvolve-se o

enredo.

Para Ozíris Borges Filho (2008), a criação do espaço dentro do texto literário

serve aos mais variados propósitos, o que dificulta estudá-los em suas mais

diferentes representações.

Do ponto de vista espacial, o texto literário poderá apresentar grandes ou

pequenas movimentações vinculadas ao espaço, como macroespaços e

microespaços. Nos macroespaços estão representados principalmente dois grandes

espaços: o campo e a cidade; os microespaços, por sua vez, compõem-nos ― por

exemplo, o cenário que corresponde aos espaços criados pelo homem, ao seu

espaço de vivência, e também os não criados por ele, como a natureza,

representada por elementos como rios, florestas, montanhas, entre outros. Em

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relação à obra Terra vermelha, esses elementos estão presentes na obra. Temos

dois grandes espaços, formados pelo campo ― onde o autor destaca as terras

férteis do norte do Paraná ― e a cidade (com a colonização de Londrina). O autor

faz referências à diversidade da vegetação, dos rios da região, como componentes

da ficção.

Na obra ficcional, o poder e a posse do espaço estão representados pela

colonização implantada pelos ingleses, em consonância com aquilo argumentado

por Raffestin (1993) e Santos (2007), para quem o território é visto como um local de

possibilidades, inserido em uma relação de poder, onde se desembocam todas as

paixões e onde o homem se realiza.

Saquet aponta, a partir de Robert Sack, que, para o homem primitivo, o lugar

que ocupa tem um significado, uma conexão orgânica e espiritual: ele representa

sua vida e atividades como limpar, plantar e colher, são estáveis tanto no espaço

como no tempo. Com a expansão do capitalismo, contudo, há uma série de efeitos

territoriais, como a mobilidade geográfica do capital, do trabalho e da comunicação e

o incremento de relações impessoais. Política e economia se interligam, tendo o

Estado como agente (SAQUET, 2015, p. 85).

De acordo com o filósofo francês Henri Lefebvre (2008), o processo de

industrialização iniciado há um século e meio foi o ponto de partida na

transformação da sociedade e das questões referentes à cidade. Antes dela, as

criações urbanas e suas obras estavam ligadas a seu modo de produção: a cidade

oriental estava ligada ao modo de produção asiática; a cidade arcaica, grega ou

romana, à posse de escravos; ambas com organizações essencialmente políticas. A

cidade medieval, por outro lado, mesmo estando inserida nas relações feudais,

encontrava-se em luta contra a feudalidade da terra: sem perder o caráter político de

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sua organização, ela integrava comerciantes, artesãos, bancários, e mercadores que

outrora levavam uma vida de nômades, sendo relegados para fora das cidades.

Com o declínio do sistema feudal, a cidade medieval começou a acumular riquezas

advindas do comércio, prosperando o artesanato em detrimento da agricultura e

uma grande riqueza monetária. As cidades tornam-se assim centros políticos e de

vida social, com acúmulo não apenas de riquezas, mas de conhecimentos, técnicas,

de obras de artes e monumentos (LEFEBVRE, 2008).

Como destacado por Lefebvre (2008), com o advento da industrialização, a

riqueza deixou de ser principalmente imobiliária: a produção agrícola e a

propriedade de terras não são mais predominantes, e as terras dos senhores

feudais passam para as mãos dos capitalistas urbanos já enriquecidos.

A sociedade é desse modo compreendida pelo conjunto formado pela

cidade, pelo campo e pelas instituições. As relações se dão em redes, formadas

por cidades que são interligadas por estradas, vias fluviais e marítimas, pelas

relações bancárias e comerciais e por um poder centralizado, o Estado. O

predomínio de uma cidade sobre a outra dá origem à capital.

Lefebvre (2008) ainda discorre sobre a especificidade da cidade e de sua

criação como uma obra histórica:

A cidade sempre teve relações com a sociedade no seu conjunto, com sua

composição e seu funcionamento, com seus elementos constituintes (campo e

agricultura, poder ofensivo e defensivo, poderes políticos, Estados etc.), com sua

história. Portanto, ela muda quando muda a sociedade no seu conjunto. Entretanto,

as transformações da cidade não são os resultados passivos da globalidade social,

de suas modificações. A cidade depende também e não menos essencialmente das

relações de imediatice, das relações diretas entre as pessoas e grupos que

compõem a sociedade (famílias, corpos organizados, profissões e corporações

etc.); ela não se reduz mais à organização dessas relações imediatas e diretas,

nem suas metamorfoses se reduzem às mudanças nessas relações. (...) A cidade

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tem uma história; ela é obra de uma história, isto é, de pessoas e de grupos bem

determinados que realizam essa obra nas condições históricas. (LEFEBVRE, 2008,

p. 51-52)

Lefebvre (2008) define a cidade moderna como sendo o centro de decisão,

local de produção e concentração de capitais, com a intervenção do urbano, de

divisão de classes sociais dominantes e não dominantes.

Sobre a relação cidade-campo, de acordo com Santos & Silveira (2001,

citado em SOBARZO, 2013, p.56), a produção regional acabou influenciando as

iniciativas dos agentes urbanos nas atividades produtivas e de serviços, nos

empregos e nas profissões, determinando a existência ou permanência entre o

novo e o tradicional. Esse processo é descrito por Lefebvre (2008) da seguinte

forma:

Atualmente, a relação cidade-campo se transforma aspecto importante de uma

mutação geral. Nos países industriais, a velha exploração do campo circundante

pela cidade, centro de acumulação do capital, cede lugar a formas mais sutis de

dominação e de exploração, tornando-se a cidade um centro de decisão e

aparentemente de associação. Seja o que for, a cidade em expansão ataca o

campo, corrói-o, dissolve-o. [...] A vida urbana penetra na vida camponesa

despojando-a de elementos tradicionais: artesanato, pequenos centros que

definham em proveito dos centros urbanos (comerciais e industriais, redes de

distribuição, centros de decisão etc.), as aldeias se ruralizam perdendo a

especificidade camponesa. Alinham-se com a cidade, porém resistindo-a às

vezes, dobrando-se ferozmente sobre si mesmas. (LEFEBVRE, 2008, p.74)

A relação entre a cidade e o campo é marcada pela interdependência, não

somente econômica, mas também cultural. O campo, ao produzir o que a cidade

necessita, usando de novas tecnologias, gera um aumento de matérias-primas e

consequentemente maior produção industrial. A produção desigual de mercadorias

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ocasiona um desestímulo às antigas formas artesanais de produção e uma

dificuldade do camponês em manter suas tradições.

3.1.1 Trajetória das personagens protagonistas na obra Terra vermelha

A diegese tem início no ano de 1929, quando Zé e Tiana eram cortadores

de cana, ela de Capivari e ele de Rafard, cidades inimigas do interior de São Paulo.

Ele era descendente de italianos; ela, mulata, descendente de africanos. Nas

fazendas de café, o pessoal morava em colônias de casas enfileiradas, e os

franceses haviam feito também duas fileiras de casas ao longo do rio para os

operários da Usina. A colônia de operários se tornou Rafard e, posteriormente, um

distrito de Capivari. Rafard continuou a crescer com o desenvolvimento industrial,

atraindo os canaviais da usina, passando a empregar gente de Capivari; assim

cresceu também a rivalidade entre os moradores das duas cidades vizinhas. O

autor descreve que o dia do Concurso de Cortadores de Cana era o único dia do

ano em que se juntavam capivarianos e rafardenses em território neutro. Na

ocorrência de briga durante qualquer disputa, os responsáveis eram despedidos

pelos franceses. José e Tiana participaram do concurso, e pela primeira vez houve

dois vencedores ― os dois empataram.

O neto-narrador aponta que as dificuldades e a instabilidade financeira já

ocorrem no início do casamento de José e Tiana: sem habilidades, José se torna

marceneiro e, ao tentar reformar móveis, consegue estragá-los. Por outro lado,

Tiana começa a fazer doces para festas, bolos e tortas, e tudo que ela toca dá

certo.

Com empréstimos feitos juntos a parentes, José aluga uma casa e monta

uma venda, mas fracassa também no comércio. Quando nasce o primeiro filho, José

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decide que eles deveriam se mudar para o sítio de seus pais; com o dinheiro de

Tiana, ele compra sementes e planta o milho ― mas os gafanhotos chegam antes e

perde-se tudo. Então, ele decide ir com o tio lutar por São Paulo na Revolução

Federalista de 1932.

Com apenas 23 anos e cabelos grisalhos, José volta para casa e é recebido

com festa e como herói. Tiana continuava vendendo doces e salgados para manter

a família. Todos queriam ajudar o herói de colete cerzido e camisa puída, mas ainda

lhe custava encontrar um emprego.

Tiana fica grávida do segundo filho e José se torna sócio de uma farmácia

em Capivari. Depois de um ano tentando tocar a farmácia, mas não obtendo lucros,

resolve fechar as portas; sente-se fracassado e é aconselhado pelo tio a abrir um

bar ― que também não dá certo. Após fechar o bar, torna-se tropeiro. Começa com

uma dúzia de mulas; depois de três viagens, já tinha meia centena. Até que, um dia,

na fronteira com Minas Gerais, acorda sem os peões e as mulas. Para não voltar

sem nada para casa, torna-se garimpeiro, mas contrai tifo.

Para sua família, seus fracassos eram provações; para a família de Tiana,

contudo, José era um vagabundo vivendo às custas da mulher. Ele faz uma nova

tentativa como tropeiro e fracassa novamente, e então decide mudar de terra. Deixa

Tiana em Capivari e parte com destino à terra-vermelha, no Norte do Paraná. Ele

não tinha a intenção de ser agricultor, e não tinha grandes expectativas em relação à

Londrina: "Londrina era só aquilo mesmo, casas plantadas no barro, ruas de barro, a

mata ali ao alcance de um tiro, serrarias gemendo" (PELLEGRINI, 201, p. 88).

Devido a uma epidemia de febre amarela em terras da Companhia, Nonno

José decide trazer sua família para Ourinhos, do lado direito do Rio Paranapanema;

assim que a epidemia acabasse, atravessariam o rio para a terra-vermelha. Ao

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chegarem a Ourinhos, alugam uma casa de fundos escolhida por Tiana por ter fogão

à lenha. Como José não consegue emprego, ela começa a fazer doce de goiaba,

com frutas catadas por meninos da vizinhança, e empadões vendidos em pedaços.

José consegue emprego como açougueiro, mas não fica muito tempo e pede

demissão. Decidem finalmente ir para Londrina; antes de chegarem ao destino,

porém, Tiana, que estava grávida, começa a sentir as dores do parto. Numa parada

em Cornélio Procópio, nasce uma menina. Eles encontram uma pensão em que

param para Tiana se restabelecer e, como a dona da pensão não sabe fazer canja,

Tiana a ensina. Os peões fazem elogios à comida e outros começam a aparecer.

Atendendo ao pedido da dona da pensão, o casal permanece em Cornélio Procópio,

e José faz todo tipo de serviço para ajudar Tiana a tocar a pensão.

José comunica a Tiana que vai para Londrina, pois estava cansado do

trabalho que realizava na pensão, e ela lhe responde: “Só não me peça para ir junto

depois sem casa, sem trabalho e com criança para cuidar” (PELLEGRINI, 2013,

p.118). Com a roupa do corpo e dinheiro para apenas uma semana, ele embarca no

primeiro ônibus; no hospital, o neto continua narrando sobre o avô: desempregado e

com dinheiro para mais um dia, ele encontra na praça da igreja um grupo de

pessoas fazendo apostas em corrida de cavalo, e mente dizendo que foi campeão

de carreira. Acaba vencendo ao participar da corrida; com o dinheiro, compra

material e dá entrada em uma data (um terreno). Seus amigos lhe prometem

construir uma casa, e, com isso, José pega o primeiro ônibus para Cornélio Procópio

para buscar a família. Chegam a Londrina ainda a tempo de ver a chegada do

primeiro trem. Tiana compra duas datas vizinhas à sua casa, com o objetivo de abrir

uma hospedaria.

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A Hospedaria Pioneira é inaugurada no primeiro aniversário do município de

Londrina, em 10 de dezembro ― uma hospedaria que, com o tempo, seria a casa de

muitos, "gente de toda raça, de todo o mundo, cada um com suas crenças, todos

acreditando naquela terra" (PELLEGRINI, 2013, p. 180). José se torna corretor e

passa a ser chamado de Doutor José. Pessoas de várias nacionalidades que

querem se estabelecer em Londrina lhe procuram; ele vai com frequência à

Companhia procurar nos mapas, até saber de cabeça em quais quarteirões ainda

havia datas para vender. José se candidata a vereador por Londrina em 1945, mas

mesmo com todo o empenho de Tiana, não se elege. Após dois anos de construção,

a Hospedaria Pioneira se transforma em Hotel Pioneiro. Tiana deixa o fogão para

gerenciar o Hotel.

Voltando ao presente, no hospital, os filhos discutem sobre a situação de

saúde do Nonno e sobre as despesas com o hospital; o neto-narrador conta "cinco

filhos, cinco casamentos, cinco festas, cinco contas de despesas; três noras e dois

genros, dez netos, a árvore da família crescendo, folhas velhas caindo, folhas novas

brotando" (PELLEGRINI, 2013, p. 300).

No domingo seguinte à morte de Nonno José, os jornais publicam uma

página dupla com o título: "Os pioneiros pés-vermelhos".

Numa semana, Londrina perdeu dois de seus pioneiros: Mister – como era

chamado – George Charles Smith, e José Pellerini, seu vizinho de quarto na Santa

Casa. Ambos eram os últimos pioneiros que, na década de 30, cruzaram o Tibagi

de balsa, para viver e morrer na terra-vermelha. Charles Smith não deixa

descendentes, mas Seo Zé do Chapéu, como era conhecido, deixa cinco filhos,

catorze netos e cinco bisnetos (PELLEGRINI, 2013 p. 386, grifos do autor)

A narrativa gira em torno da colonização da cidade de Londrina, planejada

pelos ingleses por meio da Companhia de Terras do Paraná. Inicialmente chamava-

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se Patrimônio Três Bocas; depois, passa para a condição de município. O neto-

narrador conta que, graças ao clima, à chegada de colonos e à construção de

ferrovia, plantariam e colheriam tanto que Londrina, “filha de Londres”, planejada

pelos ingleses, explodiria em prédios e bairros da noite para o dia.

O trecho da narrativa acima ao mostrar a influência da colonização feita

pelos ingleses, exemplifica o conceito de Robert Saquet (2015, p. 84)7 para o qual o

território compreende uma área controlada, delimitada por alguma autoridade, como

resultado das estratégias de influência que ocorrem individualmente ou por meio de

grupos sociais.

Depois de décadas de convivência, ora harmoniosa, ora conturbada, Tiana

falece; Nonno José começa então a definhar e, ao sofrer uma queda em casa, é

internado. Na primeira das últimas sete noites em que Nonno fica internado, o neto

dorme no hospital e, durante a noite, vai lembrando histórias que mesmo o avô já

havia esquecido ― casos recontados por Tiana e pela família, que, de boca em

boca, viraram patrimônio familiar. A história é contada pelo neto a uma mulher que

fica na penumbra, sua noiva, e fala como se o avô já tivesse morrido.

Tiana é uma personagem extremamente forte: ela é quem organiza

originalmente a pensão até transformá-la em hospedaria e finalmente no Hotel

Pioneiro em Londrina, onde se desenvolve parte do enredo, ponto de encontro de

amigos e viajantes.

Estão presentes na obra fatos da história do Brasil que estão interligados,

como episódios ocorridos na época da ditadura, eleições municipais, a guerra de

Porecatu (entre posseiros ajudados por comunistas e fazendeiros por jagunços) e a

luta dos Godoy para a preservação da mata virgem e vida animal. Também está

7 Conceito mencionado na página 75

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presente na narrativa a descrição do início da produção do café até seu declínio,

sendo substituída por outras culturas, como a soja. O enredo também aborda

questões socioambientais, como a falta de moradias, a favelização na cidade e o

desmatamento, levando a erosão do solo.

A narrativa tematiza ainda a questão do tratamento dado ao idoso dentro da

família, assim como o descaso e a briga entre os filhos pela herança, presentes em

várias passagens. Nonno mostra tristeza com as mudanças ocorridas na terra-

vermelha e desapego às coisas materiais, deixando, em testamento, grande parte

de sua riqueza para Instituições (como asilos, Centros de Pesquisas para

preservação de espécies animais e florestais), o que causa muita indignação entre

membros da família.

Nonno José morre na sétima noite. O corpo é levado para a Câmara

Municipal; no velório, há pessoas ricas e poderosas, como também pobres, inclusive

mendigos, todos dizendo-se amigos do falecido.

Zé do Cano, Mané Felinto, Lázaro Góis, Mané Preto e Maria Arrumadeira,

amigos do casal José e Tiana, são personagens secundários. Os filhos e netos

estão presentes na narrativa, sendo parte integrante do enredo, mas o autor não os

nomina. O espaço ficcional na obra é o mesmo espaço real onde ocorreu a

colonização, sendo muito explorado na obra, pois corresponde ao espaço onde

ocorreu a colonização do norte do Paraná, especificamente a cidade de Londrina.

Terra vermelha não é uma narrativa linear, pois não há uma sequência entre

os acontecimentos narrados; passado e presente se fundem. Sendo os fatos

relatados e relembrados pelo neto-narrador através da memória discursiva, ele se

caracteriza como narrador onisciente seletivo, homodiegético, co-referencial e

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protagonista na história narrada. O neto relata seu discurso a uma entidade ficcional

receptora da narrativa, a narratária, estabelecida pela personagem da noiva.

3.1.2 Africanos e Italianos

De acordo com Francisco Teixeira da Silva (1990), uma das imagens mais

comuns sobre a África é aquela de um continente misterioso, dominado pela floresta

hostil, e povoada por grupos de negros próximos ao que se considera um período

pré-histórico, anterior à civilização ― um povo sem história. Tal entendimento sobre

o continente, tal estigma decorreu fundamentalmente da incapacidade dos europeus

(de cultura ocidental, cristã e vivendo uma economia de mercado) de valorizarem

uma sociedade diferente da sua, com princípios e valores próprios. Criou-se uma

visão deturpada da África, gerando uma série de preconceitos, para justificar a

exploração desse continente de acordo com uma política imperialista.

Ainda, de acordo com Ciro Cardoso (1990), o tipo de colonização implantada

no Brasil favoreceu a instalação de formas de trabalhos compulsório, entre os quais

foi predominante a escravidão de africanos e seus descendentes. Como a economia

implantada destinava-se a exportação, durante o auge da produção, a pressão era

maior sobre os cativos, intensificando sua exploração; ao mesmo tempo, a

regularidade do tráfico escravo favorecia a substituição, por preços aceitáveis,

daqueles que morressem. Mesmo criticando os abusos, os clérigos que tinham

prestígio moral, dentro de sua ideologia, justificavam as formas de trabalho

implantado na colônia. Muitos missionários jesuítas eram enviados aos quilombolas

ou aos revoltosos para convencê-los a voltarem para as fazendas e engenhos.

De acordo com Anthony John Russell-Wood (1999), durante a primeira

metade do século XVIII, o ouro foi a base da economia e da sociedade de Minas

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Gerais, Mato Grosso e Goiás. Embora tenha sido usada a mão de obra indígena em

algumas regiões, a maior força de trabalho era constituída de escravos africanos,

que em grande parte eram oriundos da baía de Benin, a chamada “Costa da Mina”.

Nas três primeiras décadas do século XVIII, as importações de escravos dessa

região para o Brasil excederam as de angolanos, pois eram considerados melhores

trabalhadores, mais fortes e resistentes a doenças em relação aos angolanos.

Sobre a composição da população nas regiões mineradoras, a autora

descreve que

O padrão demográfico das minas durante a primeira metade do século XVIII foi

fundamentalmente o mesmo que o dos encraves costeiros do Nordeste: uma

minoria branca na qual predominavam os homens; uma maioria negra em que

predominavam os escravos e o número de homens superava o de mulheres; um

aumento gradativo no total de escravos alforriados; e um crescimento gradual dos

mulatos. [...] A migração de brancos para a zona mineira foi constituída

predominantemente de solteiros, ou chefes de família que deixaram esposa e filhos

na segurança de Portugal ou de uma cidade brasileira do litoral, enquanto eles

partiam em busca de fortuna. [...] A deserção ou a viuvez eram com frequência o

destino daqueles que ficavam para trás. A resultante escassez de mulheres

brancas em idade de casadoura foi exacerbada pela prática de enviar as filhas para

Portugal antes que fizessem um casamento desvantajoso no Brasil. O concubinato

era um estilo de vida nas minas, e embora se acabasse por remediar de algum

modo o desequilíbrio sexual entre os brancos no decorrer do século XVIII, muitos

homens brancos continuaram a preferir as concubinas negras ou mulatas, mesmo

quando havia mulheres brancas disponíveis. (RUSSELL-WOOD, 1999, p.500-501)

Segundo João Luis Fragoso (1990), até meados de 1860, o Nordeste

detinha aproximadamente a metade da população escrava do Brasil; em 1872, essa

posição passa para o Sudeste, que absorve 50% da população de escravos nas

fazendas de café. A área que mais concentrou a entrada de escravos no período

considerado foi São Paulo. Somente a partir de meados de 1880; os fazendeiros

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paulistas adotariam o trabalho do imigrante, principalmente europeus, sendo que

mais de 60% desses imigrantes, nas últimas décadas do século XIX, eram de

italianos (particularmente do norte da Itália).

Segundo Sergio Nadalin (2001), com a industrialização e modernização na

economia da Europa, há um aumento do desemprego e o empobrecimento da

população no meio rural, que não encontrava oportunidade de trabalho em alguns

países ― a Itália entre eles, que, além dos problemas econômicos, presenciava as

agitações sociais e as guerras ocasionadas pelo processo de unificação política

entre as décadas de 1850 e 1860. A emigração torna-se atraente, intensificando-se

o fluxo de italianos, que desde 1836 se dirigiam ao Brasil, passando a trabalhar

como assalariados nas fazendas de café8. Gozando de prestígio econômico e social,

os cafeicultores detinham boa representação política no Império e na Primeira

República, o que lhes garantia auxílio governamental para a manutenção no fluxo de

imigrantes para o trabalho na lavoura cafeeira.

O autor detalha que os fazendeiros se empenhavam na vinda de imigrantes

além do que necessitavam, para que pudessem pagar a eles baixos salários e

pudessem ser substituídos com facilidade. Em 1850, há a promulgação da Lei de

Terras; a partir desta lei, as terras devolutas só poderiam ser adquiridas por meio de

compra, o que dificultava as pretensões dos imigrantes mais pobres. Como a maior

parte dos europeus desembarcados no Brasil não tinha recurso, restava-lhes a

alternativa do trabalho nos latifúndios cafeeiros.

No romance Terra vermelha, Pellegrini diz que casou ficcionalmente seus

avós José Pellerini e Sebastiana; ele destaca o quanto eram fortes e batalhadores,

8 "Os italianos, superando os portugueses, consistiram no maior grupo que, até 1914, entrou no país.

O ingresso de 1.356.398 imigrantes desse grupo representou mais de um terço do total das migrações dirigidas ao país até então." (NADALIN, 2001, p. 69, nota 148)

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assim como a origem dos mesmos. Ambos eram cortadores de cana ― ele, de pele

clara; ela, de pele morena. Quando o namoro começou, as famílias incomodavam-se

com a mistura de raças, pois ele era italiano de Rafard e ela mulata de Minas

Gerais. A mãe de José reclamava, dizendo que “não tinha criado um filho tão bonito

para agora entregar a uma família que rezava a essa tal Nossa Senhora Aparecida”,

“uma santa preta”; eles iam à missa na Igreja de São Benedito.

Quando questionada, Tiana dizia que seu avô era preto, e ela, mulata. A

família de José não gostava de negro e fazia questão de demonstrar isso. A mãe de

José dizia que já tinha conhecido muito filho de escravo ― os que “trabalharam de

graça antes” e que agora queriam “descontar vivendo sem trabalhar”. José lembra-

se da história contada pelo pai de que, quando haviam chegado da Itália, também

tinham sido tratados como escravos, tendo até apanhando de peões de fazenda.

O autor retrata na obra a importância para os imigrantes italianos de manter

a tradição e sua identidade. O Nonno sempre ouvia de seus familiares que “quem

veio da Itália com um relógio e uma mala, diziam, tem que morar perto de quem veio

da Itália com uma mala e um relógio, a riqueza deles era a família”, bem como o

registro em fotografias, como a primeira foto oficial da família quando chegaram ao

Brasil.

Rafard e Capivari correspondem ao espaço de ficção onde se desenvolve

parte do enredo. Através de informações obtidas do site da prefeitura de Rafard, a

mesma teria sido fundada pelo cidadão Julio Henrique Raffard, tendo sido nomeada,

no começo, de “Villa Raffard”. A cidade era originalmente um distrito de Capivari;

sua emancipação e desintegração ocorreram no ano de 1965.

Rafard teve suas origens no final do século XIX, quando o Imperador D.

Pedro II tinha planos de montar um Engenho Central em solo paulista, como já havia

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feito em Pernambuco e Bahia. Por meio de um decreto, foi autorizada sua

construção, e com a ajuda de seu colaborador, Irineu Evangelista de Souza ―

conhecido como Barão de Mauá ―, colocou em prática seu projeto. Além de uma

equipe técnica e conhecimento, o Imperador também contou com o preparo

intelectual, comercial e cultural de Julio H. Raffard.

O Município de Capivari já era zona canavieira, tendo instalações dispersas

em seu território. Julio H. Raffard fundou o Engenho Central em São João Capivari e

o povoado ficou conhecido primeiramente por “Villa Henrique Raffard”, ou “Villa

Raffard”. O início da colonização da cidade foi feita por imigrantes, sendo a maioria

composta por italianos que foram chegando a partir de 1875. Julio Raffard

movimentou a cidadezinha com a indústria açucareira e com a produção de álcool.

3.2 A COLONIZAÇÃO DE LONDRINA

Segundo Maria Luisa Hofmann & Patrícia Piveta (2009), contar a história da

cidade de Londrina (PR), assim como de outras cidades, não constitui tarefa

simples. No caso de Londrina, o único jornal expresso da época era o jornal Paraná

Norte. O primeiro exemplar circulou em outubro de 1934, com circulação ininterrupta

por mais de oito anos; em suas páginas, estão importantes acontecimentos do Norte

do Paraná.

Outra fonte de pesquisa é o acervo do Museu Histórico de Londrina Padre

Carlos Weiss, que possui aproximadamente 50 mil peças ― entre fotografias, álbuns

fotográficos, slides, filmes, depoimentos gravados por pioneiros de diversas

profissões. Dentre as coleções, destacam-se as fotografias de José Juliani ―

fotógrafo oficial da Companhia de Terras do Norte do Paraná ― e de George Craig

Smith ― pioneiro que chegou a Londrina e registrou as primeiras imagens da região

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―, como o registro da clareira aberta na mata, com a chegada da primeira caravana,

da qual Smith fazia parte, e dos primeiros ranchos de palmito no ano de 1929. Os

primeiros pesquisadores a escrever sobre a história de Londrina não utilizam

imagens para descrever a cidade ou seus habitantes.

Hoffmann & Piveta (2009) observam que, para Boris Kossoy (2002)9, a

fotografia e a memória muitas vezes se confundem. Os registros fotográficos são

fontes para resgatar a identidade de uma sociedade e reconstituir a vida de

determinado local na época de sua colonização, assim como para perceber indícios

deixados em diferentes espaços e tempos culturais.

Em continuidade, afirma que:

Quando apreciamos determinadas fotografias nos vemos, quase sem perceber,

mergulhando no seu conteúdo e imaginando a trama dos fatos e as circunstâncias

que envolveram o assunto ou a própria representação (o documento fotográfico) no

contexto em que foi produzido: trata-se de um exercício mental de reconstituição

quase que intuitivo. (KOSSOY, 2002, citado em HOFFMANN & PIVETA, 2009, p.

47-48)

No final da narrativa, o narrador faz referência ao registro fotográfico que

retrata cenas que representam o cotidiano das personagens protagonistas da

colonização:

Fotos antigas, do museu: George moço, Tiana com nenê no colo, a família posando

diante do primeiro Hotel Pioneiro; e piqueniques na beira do rio, dois meninos

exibindo um gavião morto, cada um pegando numa ponta da asa, num povoado

enfumaçado na clareira, a mata logo ali atrás. (PELLEGRINI, 2013, p. 386)

No romance Terra vermelha, o autor Domingos Pellegrini, no papel de autor-

narrador, faz referências às notícias recebidas do mundo através do jornal Paraná

9 KOSSOY, Boris, Realidades e ficções na trama fotográfica. Cotia, SP: Ateliê Editora, 2002.

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Norte e de seu dono Coutinho, que pegava no trem jornais vindos de São Paulo, ia

para casa, sentava à máquina, lia e escrevia novamente as notícias como se

tivessem saído diretamente de Londres; no ano de 1939, durante a Segunda Guerra

Mundial, os londrinenses liam que a Companhia de Terras estava mandando todo

tostão que recebia diretamente para o esforço de guerra da Grã-Bretanha, e os

comentários eram de que Londres se defendia com dinheiro de Londrina

(PELLEGRINI, 2013, p. 207).

Segundo o historiador Ruy Christovam Wachowicz (2010), em 1924, a

convite do então presidente da República Arthur Bernardes, chegava uma missão

econômica inglesa no Brasil com o objetivo de estudar a situação financeira e

comercial do país. Foi encomendado aos ingleses um estudo para reformular o

sistema de arrecadação dos impostos federais. Esse grupo ficou conhecido por

“missão Montagu”.

Um dos membros dessa missão era Lord Lovat. Seu objetivo principal era

estudar a produção de algodão no Brasil para suprir as indústrias de tecelagem na

Inglaterra, sendo atraído para o Paraná pelos fazendeiros paulistas do Norte

Pioneiro.

Lovat ficou impressionado com a fertilidade das terras roxas na região de

Cambará (PR); depois de muitos estudos e negociações, o grupo representado por

Lord Lovat resolveu adquirir terras em São Paulo e no Norte do Paraná, com o

objetivo de produzir algodão. Em 1925, os ingleses fundaram uma empresa para

atuar no Brasil ― a Brazil Plantations Syndicatee ―, e uma Companhia subsidiária:

a Companhia de Terras do Norte do Paraná.

A Companhia de Terras do Norte do Paraná (CTNP) fez a aquisição de

inúmeras glebas situadas entre os rios Tibagi, Paranapanema e Ivaí. Em 1928, a

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Companhia comprou uma pequena companhia ferroviária, denominada São Paulo–

Paraná, comprometendo-se com o governo paranaense de levar seus trilhos, até

1931, às margens do Tibagi ― ou seja, até Jataizinho, e posteriormente, até as

sedes dos loteamentos.

Em Terra vermelha, o neto-narrador relata sobre as dificuldades encontradas

pelos desbravadores no processo de colonização. O transporte era realizado pela

viação Garcia; as estradas eram as antigas trilhas formadas pelo tino das mulas dos

antigos garimpeiros. Essas mesmas trilhas foram alargadas e terraplanadas pelos

ingleses; ainda assim, os atoleiros eram constantes. Apesar disso, a Companhia não

cascalhava, tampouco cuidava das estradas ― o importante era a ferrovia, conforme

os planos feitos em Londres para colonizar mais de um milhão de hectares (como

diziam, “a maior colonização do mundo”). A imagem abaixo mostra a abertura da

estrada na região de Londrina no final da década de 1930, tendo como motorista

Manoel Cipryano:

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Figura 1. Abertura de estrada na região de Londrina. Final da década de 1930. Fotógrafo:

José Juliani

Segundo José Joffily (1985, p. 96), além da comercialização de terras, uma

das principais fontes de renda da CTNP era a exportação de madeiras de lei pelo

porto de Paranaguá. Muitas espécies nativas da região, como a figueira branca, a

peroba e o pau d‟alho estão extintas atualmente em função do desmatamento

desenfreado promovido pela empresa, que não respeitava a norma adotada em

muitos países em preservar 20% de vegetação de área ocupada.

O autor mostra na narrativa, de uma forma até certo ponto poética, como o

personagem José descreve determinadas espécies de vegetação ― por exemplo, a

figueira-branca, a peroba, entre outras ―, assim como sua preocupação com as

questões ambientais e o desmatamento, recorrentes em várias passagens na obra:

Terra boa tem figueira-branca, diziam, e o Bosque tinha uma figueira tão grande,

que as raízes formavam quase que grutas acima do chão. Uma peroba, que quatro

homens não abraçariam, esgalhava lá em cima da mata, com orquídeas nos galhos

cobertos de parasitas, gotejando. [...] Saiu do bosque, voltou para as ruas e já se

ouvia de novo martelos e serras, que tinham parado na chuva; [...] caminhões

passavam ou com toras ou tábuas, e nas toras ainda floriam orquídeas ou

bromélias. Mal reconhecia as ruas, ranchos de palmito tinham virado casas de

tábuas, algumas sem telhados, mas com gente morando. (PELLEGRINI, 2013,

p.122-123)

A imagem abaixo é de uma figueira-branca, árvore típica da região de

Londrina na década de 1930, fotografada por José Juliani, fotógrafo contratado pela

Companhia de Terras do Norte do Paraná.

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Figura 2. Figueira branca, árvore típica da região-década de 1930. Fotógrafo: José Juliani

Quando de uma visita ao Norte do Paraná, em 1935, o antropólogo Claude

Lévi-Strauss já previra as consequências ambientais causadas pelo desmatamento

na região, como comprova um documento redigido de uma forma crítica e irônica:

[...] no fundo dos vales, as primeiras colheitas, sempre fabulosas nessa “terra roxa”,

violeta e virgem, germinavam entre os troncos das grandes árvores jacentes e as

cepas. As chuvas de inverno se encarregariam de decompô-las em húmus fértil, o

qual, quase de imediato, seria levado de roldão pelos declives, junto com o outro

que alimentava a floresta desaparecida cujas raízes fariam falta para retê-lo.

Quantos anos levaria, dez, vinte ou trinta, até que essa terra de Canaã adquirisse o

aspecto de uma paisagem devastada? (LÉVI-STRAUSS, 2014, p. 126)

Segundo Hoffmann & Piveta (2009, p. 20,23), a cidade de Londrina,

planejada pelos ingleses, foi construída no meio da mata, de solo úmido e em região

de chuvas constantes. As primeiras casas foram construídas de madeira e não

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seguiam um padrão de construção, mas apresentavam algumas características de

seus construtores; boa parte dos imigrantes possuía, de forma rudimentar, a prática

de carpintaria e da construção em mutirão.

Ainda de acordo com Hoffman e Piveta (2009, p. 28), todas as obras no

início da colonização ― como construção de estradas, abertura de ruas, primeiras

captações e fornecimento de água encanada ― passaram pela aprovação e foram

patrocinadas pela CTNP. Como citado em Bortolotti (2007, p. 61)10, “a estratégia do

planejamento inglês consistia na construção da ferrovia aliada à subdivisão de

pequenos lotes rurais e à implantação de núcleos urbanos de apoio equidistantes

uns dos outros, para abastecimento e prestação de serviços”.

Segundo Juliana Harumi Suzuki (2002), as cidades destinadas a se

tornarem núcleos econômicos de maior importância foram implantadas

aproximadamente de cem em cem quilômetros, dispostas ao longo das vias de

comunicação, baseadas no modelo de cidade jardim. Este modelo foi criado por

Ebenezer Howard no final do século XIX, na Inglaterra. Em 1898, Howard publicou o

livro Tomorow: a Peaceful Path to Real Reform (“Amanhã: um caminho pacífico para

uma reforma real”, posteriormente rebatizado como Garden Cities of

Tomorrow11(“Cidades jardins do amanhã”).

Tuan, em sua obra Topofilia (1980, p. 183), descreve o modelo de cidade

jardim, representado no desenho de Howard como radial e concêntrico: “ele colocou

o jardim circular e o seu anel de edifícios públicos no centro e mais adiante as

residências e os parques”, discorrendo a seguir sobre este modelo idealizado pelo

autor:

10

BORTOLOTTI, João Batista. Planejar é preciso: memórias do planejamento urbano de Londrina.

Londrina: Midiograf, 2007. 11

Tradução brasileira: Cidades Jardins do Amanhã. São Paulo: Hucitec, 1996.

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O que é uma cidade jardim? Em 1919, Howard disse que é “uma cidade planejada

para uma vida saudável e para a indústria; de tamanho suficiente para permitir uma

plena vida social, mas não grande demais, rodeada por um cinturão verde; o

terreno todo de propriedade pública ou administrado pela comunidade”. A definição

mostra como a cidade nova ou cidade jardim difere conceitualmente da vila modelo

de um lado e do subúrbio do outro. O que tinham em comum é que todas surgiram

da crença em uma vida saudável, longe das grandes metrópoles. [...] A cidade

jardim é menor, sua população é mais heterogênea e há maior variedade de

indústrias; é concebida para pessoas da classe média e operários abastados. [...]

Ao contrário do subúrbio, a cidade jardim é planejada como cidade. [...] Está

separada das outras cidades por um cinturão verde, ou seja, ao contrário da

maioria dos subúrbios, tem um limite claramente visível. (TUAN, 1980, p. 280)

Na narrativa, o autor-narrador mostra como o personagem George fala com

entusiasmo sobre a colonização, e especificamente sobre o modelo de cidade

jardim:

Londrina ia ter uns trinta mil habitantes, dez mil na cidade e vinte mil no campo. E

não ia ter ruas tortas e apertadas e casas com portas na calçada, como tantas

cidades nascidas de pousos de tropeiros; não, ia ter ruas retas e oito avenidas

saindo de um anel central formado por praças arredondadas, de modo que vista do

alto lembraria a bandeira inglesa. Nos sábados e domingos os colonos viriam dos

sítios, para passear e fazer compras no anel de comércio e praças em redor da

igreja: - Uma garden-city –os olhos-azuis olhava longe no poeirão - Uma cidade –

jardim! (PELLEGRINI, 2013, p. 119)

As imagens abaixo mostram a cidade de Londrina em dois momentos

diferentes, no início da colonização e atualmente. Através destas imagens, é

possível observar a ação do homem na construção e o remodelamento deste

espaço.

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99

Figura 3. Vista panorâmica de Londrina, no ano de 1937. Fotógrafo: José Juliani

Figura 4. Fotos atuais: vista aérea de Londrina12

.

12

Portal da Prefeitura de Londrina. Disponível em <http://www.londrina.pr.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=932&Itemid=955>. Acesso em 05/08/2016.

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100

Como definido por Milton Santos (1988, p. 25), “o espaço é resultado da

ação dos homens sobre o próprio espaço, intermediados pelos objetos naturais e

artificiais”. Para Tuan (2013), da mesma forma, o espaço não pode ser pensado

como estático, pois está em constante transformação e em movimento ― sendo

possível, a cada pausa no movimento, que a localização se transforme em lugar.

Para estes dois geógrafos, o espaço está em constante ação e transformação; e

para a Literatura, em diálogo com diferentes áreas do conhecimento, é possível

observar como o espaço pode ser transformado pelo homem, em uma relação entre

o real e o imaginário.

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101

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A narrativa do romance Terra vermelha (2013), de Domingos Pellegrini Jr.,

tem como pano de fundo a colonização do Norte do Paraná e o surgimento e

ascensão da cidade de Londrina (PR), cidade que se tornou em meio século a

Capital Mundial do Café. A história narrada é dos primeiros pioneiros que

participaram desta colonização: a diegese tem início em 1929 através das

personagens José e Tiana, inspirados nos avós paternos do autor, cortadores de

cana ― ela de Capivari, ele de Rafard, cidades inimigas do interior de São Paulo.

Ele era descendente de italianos; ela, mulata, descendente de africanos.

A imigração para o Brasil ocorreu principalmente a partir da segunda metade

do século XIX, em sua maioria de imigrantes italianos, vindos do norte da Itália para

substituir a mão-de-obra escrava africana. Através da ficção, o autor fala sobre a

questão do preconceito enfrentado por Tiana ao unir-se a uma família de imigrantes

de italianos.

O autor se apropria de relatos e fatos históricos para construir a obra; ele

relatou que levou quatro anos ― de 1999 a 2003 ― para escrever o romance, tendo

sido necessário pesquisar Antropologia, História, Filosofia, Geografia e Teoria

Literária para construí-lo. O autor passou a maior parte de sua vida em Londrina,

onde atualmente reside, sendo as narrativas de tropeiros, mascates e viajantes que

passaram pela barbearia de seu pai e pela pensão de sua mãe a base de seus

contos e de seu universo romanesco.

O enredo, por apresentar detalhes factuais e ficcionais, somados à presença

de personagens baseados em pessoas reais (que, no romance, em grande parte

tiveram os nomes trocados), ao serem ficcionalizados, deram vida à obra. Zappone

(2005) ressalta que Jauss, em seu livro Estética da recepção, argumenta, em sua

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segunda tese, que as experiências pessoais e os conhecimentos do leitor

constituem importantes fatores para o entendimento de uma obra, constituindo

aquilo que foi denominado pelo autor como horizonte de expectativa. Isso se aplica à

obra em análise, uma vez que o leitor dotado de bagagem prévia sobre os fatos

históricos que a obra aborda é capaz de estabelecer um diálogo mais profundo com

ela.

Este trabalho baseou sua pesquisa na análise do romance Terra vermelha,

tendo como objetivo demonstrar como ocorreu a criação do universo ficcional em

relação ao espaço geográfico por meio do discurso literário do romance, assim como

suas articulações com o real. Na narrativa, o autor, ao longo da história, aborda as

mudanças que ocorrem nos espaços geográficos habitados pelas personagens,

assim como de que forma essas transformações alteram os hábitos de vida do casal

protagonista, além de retratar outros temas, como a difícil relação com a família na

velhice, a importância de se preservar as amizades e questões socioambientais.

Os elementos estruturantes da narrativa foram analisados a partir de um

referencial teórico, com maior ênfase na categoria espaço. Neste sentido, Mikhail

Bakhtin (2010), inspirado na teoria da relatividade, formula o conceito de cronotopo

para evidenciar a “indissolubilidade de espaço e tempo”, o que traduz de forma

explícita o interesse da discussão sobre o problema do espaço na literatura.

Terra vermelha é um romance contemporâneo, autobiográfico; é a história

da colonização de Londrina, dos ancestrais do autor. Na obra, a família Pellerini,

representada pelo avô (cidadão de papel), e a Pellegrini (do autor) se identificam.

Em um jogo entre passado e presente no romance, o autor usou a estratégia de

preservar a vida do avô por sete dias e sete noites para contar sua história.

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Em um romance histórico, o mais importante não é relatar os

acontecimentos de uma forma contínua, mas mostrar de uma forma ficcional como

os homens protagonizaram a história, como se sentiram e como viveram na

realidade. Em Terra vermelha, estão presentes fatos da História do Brasil que estão

interligados, como a colonização de Londrina pelos ingleses, a produção de café,

seu declínio, entre outros fatos presentes. Daí decorre a importância da análise

sobre o romance histórico e a ficção.

Na narrativa, o neto-narrador se caracteriza como narrador homodiegético,

onisciente seletivo, contando a história em terceira pessoa; ele não participa

ativamente dos fatos, e faz os relatos a partir do que viu e ouviu. O narrador faz

parte da história narrada, embora não seja a personagem principal, dando pistas ao

longo da história de ser o neto mais velho, considerado predileto, o que faz supor

tratar-se de Domingos Pellegrini Jr.

O fio condutor da narrativa é a memória discursiva; ao contar a história que

ouvira da avó, muito do que é contado também é uma história nova para o avô. Paul

Ricouer (2010), recuperando Santo Agostinho, comenta que é “o esquecimento que

sepulta nossas lembranças”, e que o reconhecimento de uma coisa rememorada é

uma vitória sobre o esquecimento.

O espaço, relacionado ao lugar, é muito explorado na obra, por exemplo, por

meio da preocupação das personagens José e Tiana com o crescimento da cidade

de Londrina e a modificação do espaço ― preocupação esta também demonstrada

por Góis, amigo do casal, com as questões ambientais.

As abordagens sobre espacialidade e territorialidade, em relação à

colonização da cidade de Londrina, deram-se em um diálogo entre a Literatura e a

Geografia em suas diferentes especificidades, mantendo-se sempre a perspectiva

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de que o romance é uma obra de ficção e sua criação depende da imaginação ao

retratar fatos e pessoas.

A aproximação da Literatura com a Geografia estabelece vinculações

espaciais e temporais, possibilitando a compreensão do aspecto humanístico, de

acordo com uma das correntes da Geografia Humanista, que não desvincula o

território dos grupos sociais onde estão inseridos. O conceito de “território” inexiste

na Literatura, talvez até mesmo pela sua especificidade; ao invés dele, são utilizados

termos como espaço ou ambientação.

O espaço na obra é analisado a partir do referencial teórico literário e

geográfico. No romance, o espaço não está limitado apenas à descrição da

paisagem ou aos aspectos visíveis. É possível, através de sua apreensão, revelar

aspectos humanos presentes ― ir além dos aspectos naturais e perceber os sociais.

Dentro desta perspectiva, foi analisado o meio geográfico representado na

narrativa. Através da colonização inglesa, o autor retrata as modificações que

ocorreram neste meio, transformando suas paisagens ― entre elas a rural e urbana

―, e como estas influenciaram as relações pessoais, econômicas e sociais neste

espaço.

O autor, por meio da ficção, traz para a obra diversos temas de cunho

socioeconômico; entre eles, os ideais socialistas da personagem Mané Felinto, que

demonstra preocupação com a exploração do trabalhador por meio de vários

questionamentos. Os macroespaços no texto estão representados por dois espaços:

o campo e a cidade ― as terras férteis do Norte do Paraná e a cidade de Londrina;

já os microespaços que compõe o cenário não são criados pelo homem, como, por

exemplo, rios, montanhas, etc.

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Muito da pesquisa deveu-se à consulta ao acervo do Museu de História de

Londrina, com a utilização de registros fotográficos. Fotografia e memória muitas

vezes se confundem, sendo registros fotográficos fontes válidas para resgatar a

identidade de uma sociedade, reconstituir a vida de um determinado local na época

de sua colonização e perceber indícios deixados em diferentes espaços e tempos

culturais. Em várias passagens da narrativa, são feitas referências sobre o registro

de determinados eventos ou mesmo cenas que representam o cotidiano das

personagens através de fotografias.

Foi possível perceber ser viável uma aproximação entre a Literatura e a

Geografia; ainda que cada disciplina apresente suas especificidades, elas dialogam

entre si no que concerne a representação do espaço. Para a Geografia, o espaço

representa uma categoria de estudo ― da espacialidade humana, das relações

sociais, culturais e econômicas. Para a Literatura, o espaço pode merecer um

estatuto tão significativo quanto os demais elementos que contribuem para o

desenvolvimento de um texto, visto que está relacionado ao lugar onde personagens

ganham vida e onde são desenvolvidas as ações.

Mais importante do que a descrição exata dos lugares é a capacidade da

Literatura, através de seu conhecimento criativo, de representar lugares e as

relações humanas em uma obra literária a partir da representação extratextual.

Deste modo, é possível concluir que Domingos Pellegrini Jr. ao representar a saga

dos pioneiros, especificamente de seus avós na colonização de Londrina, mostra

que é possível a articulação do ficcional com o real.

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ANEXOS

Maria Siqueira <[email protected]>

19:38

para pcboni

Boa noite Prof. Paulo César, Sou Maria A. de Siqueira Jasper, residente em Curitiba (PR), e mestranda em Teoria Literária do Centro Universitário Campos de Andrade (UNIANDRADE-Ctba). Minha pesquisa tem como análise a Obra Terra vermelha de Domingos Pellegrini Jr. com ênfase na colonização da cidade de Londrina. Solicito, se possível, permissão para uso de algumas imagens para serem usadas em minha pesquisa, sem fins lucrativos, presentes em sua obra: Memórias Fotográficas: a fotografia e fragmentos da história de Londrina. ATT. Maria Jasper Favor confirmar recebimento do Email. onfirmar recebimento do Email.

Paulo Cesar Boni

21:07

para mim

Salve, Maria, boa noite!!! Maria, praticamente todas as fotografias do livro Memórias Fotográficas são de propriedade do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss, mas se você reproduzir as fotografias que estão no livro não vejo problema algum e tenho certeza de que o MHLPCW também não irá se opor, pois trata-se de trabalho acadêmico. Bola pra frente! Sucesso em sua pesquisa. Paulo Boni

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114

Maria Siqueira <[email protected]>

22 de set

para museu

Boa noite, Estou enviando um documento pedindo permissão para uso de imagens em meu trabalho de pesquisa, sem fins comerciais.Segue em anexo o pedido de permissão. Att, Maria Jasper

MUSEU

23 de set

para AUDIOvisual, mim

Prezada Maria A. de Siqueira Jasper, cumprimentando-a informo que estamos de acordo com a permissão para o uso sem fins comerciais de imagens que constam no acervo deste Museu para sua pesquisa de dissertação de Mestrado em Teoria Literária, do Centro Universitário Campos de Andrade (UNIANDRADE), meu objeto de estudo é a obra Terra vermelha de Domingos Pellegrini Jr., que faz referência sobre a colonização da cidade de Londrina.