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1 CENTRO PRESBITERIANO DE PÓS-GRADUAÇÃO ANDREW JUMPER ANTONIO ALVIM DUSI FILHO FALSOS PROFETAS: COMO TRATARMOS ESTE ASSUNTO ? SÃO PAULO 2011 ANTONIO ALVIM DUSI FILHO

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CENTRO PRESBITERIANO DE PÓS-GRADUAÇÃO

ANDREW JUMPER

ANTONIO ALVIM DUSI FILHO

FALSOS PROFETAS: COMO TRATARMOS ESTE ASSUNTO ?

SÃO PAULO

2011

ANTONIO ALVIM DUSI FILHO

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FALSOS PROFETAS: COMO TRATARMOS ESTE ASSUNTO ?

Mt 7:15-16a – “Acautelai-vos dos falsos profetas, que vos apresentam

disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. Pelos seus

frutos os conhecereis.”

Monografia apresentada ao Centro

Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew

Jumper como parte dos requisitos da

disciplina “Teologia da Revelação”.

Professor: Dr. Heber Carlos de Campos

São Paulo

2011

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SUMÁRIO

1 CONTEXTO E RELEVÂNCIA......................................................................................4

1.1 UMA ANTIGA CONTROVÉRSIA.........................................................................7 2 QUEM ERAM OS FALSOS PROFETAS ? ..................................................................18

3 COMO DEUS VÊ OS FALSOS PROFETAS................................................................21

3.1 OS FALSOS PROFETAS SÃO LOUCOS ............................................................21 3.2 OS FALSOS PROFETAS SÃO ENGANADORES...............................................23 3.3 OS FALSOS PROFETAS SÃO RAPOSAS...........................................................24 3.4 OS FALSOS PROFETAS NÃO SÃO VOCACIONADOS....................................25

4 ATITUDES DE DEUS PARA COM OS FALSOS PROFETAS ...................................26

4.1 DEUS MANDA PROFETIZAR CONTRA OS FALSOS PROFETAS..................26 4.2 DEUS SE MOSTRA CONTRA ESSES FALSOS PROFETAS .............................27 4.3 DEUS OS AFASTA DA SUA PRESENÇA ..........................................................28 4.4 DEUS PÕE ESPÍRITO DE VERGONHA SOBRE ELES......................................29 4.5 DEUS ANUNCIA A MORTE DO FALSO PROFETA .........................................30 4.6 DEUS ANUNCIA A MORTE DOS QUE OUVEM O FALSO PROFETA ...........31

5 CONCLUSÃO ..............................................................................................................32

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................34

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1 CONTEXTO E RELEVÂNCIA

Dentre os temas bíblicos mais complexos e importantes que carecem de uma

maior reflexão em nossos dias está o dos dons espirituais. Em especial, muita atenção

tem sido dada nas últimas décadas aos dons de sinais como profecia, linguas e cura. No

processo divino de revelação ensinado pelas Escrituras Sagradas, Deus se utilizou de

homens e mulheres como seus porta-vozes para instrução, ensino e exortação de Seu

povo. Estes profetas eram chamados para um ministério específico e levantavam sua

voz para dizer de forma fidedigna aquilo que Deus havia lhes comunicado em visões,

sonhos, ou até mesmo diretamente em voz audível. O verdadeiro ofício de profeta não

era resultante de opções pessoais mas de um chamado direto de Deus, ao qual tais

homens respondiam às vezes até mesmo com certa hesitação1. O problema maior era

quando se levantavam falsos profetas no meio do povo confundindo-o e fazendo-o

errar (Ez.13:8-10).

“Profecias” e “Profetas” ganham real importância na atualidade, especialmente

por vivermos em uma década em que a mídia tem explorado bastante as grandes

mudanças comportamentais e climáticas em curso no mundo e sua correlação com

mensagens “apocalípticas”. Além disso temos visto a proliferação de programas

televisionados onde há uma profusão de “sinais miraculosos”, evidenciando estarmos

imersos em um contexto de muita manipulação daquilo que é divino.

De um lado, a sociedade observa os célebres produtores de Hollywood e seu

cinema catástrofe, como verdadeiros “arautos” do fim do mundo. Do outro, a ciência

faz previsões nefastas de um futuro sombrio e calamitoso. No ano de 2009, por

exemplo, milhões de pessoas discutiram o tema do filme “2012: O ano da profecia.”. O

filme trata da destruição do mundo prevista no calendário Maia para o solstício de

inverno; mais precisamente no dia 21 de dezembro de 20122.

1 WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p.71. 2 Disponível em: < http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=21960&op=all>. Acesso em junho de 2011.

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Como se não bastasse as artes e a ciência, algumas vozes místicas e loucas tem

se levantado aqui e ali fazendo previsões arvoradas para o fim dos tempos.

Recentemente um radialista cristão evangélico norte-americano chamado Herald

Camping, que possivelmente arrastou consigo milhares de seguidores, anunciou que

Jesus Cristo voltaria no dia 21 de Maio de 20113. Talvez o mundo tenha realmente

acabado para este “profeta” que, algumas semanas mais tarde fora acometido de um

AVC e terminara internado num hospital da California, com um “passivo” sobre os

ombros de milhares de vidas arruinadas por terem depositado sua fé e terem investido

suas economias na publicidade de uma falácia.

Como fator complicador, vivemos num tempo que é marcado pelo relativismo e

pluralismo da pós-modernidade. Cada pessoa tem a sua verdade e a sua religião, não

importando a origem do conteúdo. Não há consenso a respeito de uma verdade

absoluta per se. O pensamento hodierno considera que não há uma religião melhor ou

mais correta4. Se ela gera o bem, está bom. Adicione-se a isto, o poder que a mídia tem

demonstrado sendo utilizada como um eficaz instrumento de manipulação5.

Neste contexto, a sociedade ocidental contemporânea caminha valorizando as

experiências pessoais. Com a ausência de uma verdade objetiva, a experiência religiosa

passou a se constituir em fonte de autoridade6, e com isto cada pessoa passou a

autenticar-se em sua experiência individual. Não apenas isso, mas diante de um

contexto plural de diversidade e altamente consumista, as pessoas passaram a consumir

a religião, como um produto de mercado, com variados sabores teológicos e

litúrgicos.7 Num surto de pragmatismo, paira sobre as pessoas, incluindo-se cristãos,

uma idéia de que o que importa é o resultado final, uma experiência interior cujo fim

seja bom.8

3 Disponível em: < http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/05/fieis-tentam-compreender-ausencia-de-fim-do-mundo.html> e <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/06/pregador-que-previu-fim-do-mundo-sofre-avc-e-e-hospitalizado-nos-eua.html>. Acesso em junho de 2011. 4 McGRATH, Alister.Teologia Sistemática, Histórica e Filosófia: uma introdução a teologia cristã. São Paulo, Shedd Publicações, 2005. p.618. 5 AZEVEDO, Marcos. Liberdade Cristã em Calvino: uma resposta ao mundo contemporâneo. Editora Academia Cristã Ltda, 2009. p.51. 6 CAMPOS, Heber. O Pluralismo do Pós-modernismo. Fides Reformata, 1997. p.9. 7 Ibid., p.13 8 Ibid., p.12

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Este é o espírito da época em que vivemos e que tem se tornado cada vez mais

forte dentro da igreja evangélica brasileira. Cristãos e pseudo-cristãos se levantam

dizendo terem ouvido a voz de Deus, ou terem recebido uma revelação profética do

Alto, vociferando palavras de ordem ou fazendo previsões do futuro, chamando para si

o título de “profetas” e “profetisas”. Atualmente a comunidade da fé passa por sérias

dificuldades no que tange a discenir o que é verdade e o que não é9. Quantas vidas são

influenciadas por estas “profecias”; quantas vidas são destroçadas pela carnalidade de

tais “profecias”.

Não é difícil entendermos a origem de tais problemas pois todos sabemos que,

como cristãos, ainda que estejamos em um processo de crescimento espiritual e de

santificação, carregamos sombras na alma, idiossincrasias contra as quais lutamos todo

o tempo; ídolos do coração aos quais buscamos agradar. Em nossa jornada cristã rumo

à cidade celestial fazemos visitas frequentes à feira de vaidades como descrita por John

Bunyan, e lá compramos paixões, prazeres, honrarías, títulos e toda sorte de itens para

satisfazermos o nosso ego.10 Infelizmente isto é comum a qualquer cristão, e são

pessoas assim, sujeitas a tais inclinações que levantam-se no seio da igreja

“revelando” oráculos do Altíssimo. Muitos cercam-se de “mestres” querendo ouvir

uma palavra “profética”. Falar em nome de Deus é algo muito sério, e alguém que

arroga para si esta capacidade põe seus interlocutores em situação difícil. Afinal como

alguém imaginaria rejeitar uma palavra que vem de Deus ? Não tratamos aqui somente

de pastores, evangelistas e mestres que o Espírito Santo constituiu sobre a igreja, mas

de todos os irmãos e irmãs, e até supostos cristãos, que se apresentam no corpo de

Cristo como profetas dizendo o que o Senhor não disse, e ensinando o que o Senhor

não ensinou. Tais pessoas correm alto risco diante de Deus pois “profetizam” o que

lhes vem ao coração 11 (Ez.13:2) e falam as visões de sua imaginação, e não o que vem

da boca do Senhor (Jr.23:16). Examinaremos portanto neste trabalho quais as

9 FRETHEIM, Terrence E. Smyth & Helwys Bible Commentary – Jeremiah. Smyth & Helwys Publishing Inc. Macon, Georgia, 2002. p.342. 10 BUNYAN, John. O peregrino. Editora Mundo Cristão. São Paulo, 1999. p.122. 11WARFIELD, Benjamin. A inspiração e a autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p.73.

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características destes falsos profetas e como as Escrituras nos orientam a lidar com este

tema.

1.1 UMA ANTIGA CONTROVÉRSIA

Antes de tratarmos o assunto específico dos “falsos profetas” convém fazermos

uma breve análise a respeito do que pode ser considerado hoje o dom de profecia no

seio da igreja. Mais ainda, como devemos tratar a questão da existência ou não de

profetas na igreja nos dias de hoje. Portanto antes de avançarmos se faz necessário uma

breve contextualização a respeito de como pensam alguns teólogos que marcaram e

tem marcado a história da igreja evangélica desde a reforma até nossos dias. Esta

análise passa pela identificação das principais vertentes teológicas relacionadas à

contemporaneidade dos dons do Espírito Santo.

Segundo Pratt Jr.12, entre os cristãos evangélicos existem basicamente três

posições a respeito deste assunto: a do continuismo, a da modificação e a do

cessassionismo. Os continuistas, que crêem na continuidade dos dons, acreditam que

apesar da transmissão infalível da revelação especial de Deus ter cessado com o

fechamento do canon das Escrituras, ainda hoje Deus continua a falar com sua igreja

através de apóstolos e profetas e outro meios sobrenaturais como linguas estranhas,

palavra de sabedoria, palavra de conhecimento, etc. Esta é a posição sustentada pelo

pentecostalismo clássico (chamado de primeira onda) surgido no final do século XIX

e início do século XX e que trouxe à tona a tese de que o Espírito de Deus poderia falar

através de profetas ainda hoje. Também é a crença do Movimento Carismático dos

anos 70 (segunda onda) e mais recentemente é a posição sustentada pelo Movimento

Vineyard (chamado Movimento dos Sinais e Maravilhas – terceira onda)13. Por conta

12 PRATT JR. Richard L. Spiritual Gifts: here today, gone tomorrow ? 3rd Millenium Magazine

Online. Volume 3, Number 53, 2002. p.424. 13 CROUSE, Bill. The gift of prophecy: is it for today? Disponível em: < http: // www.rapidresponsereport.com/ briefingpapers / PROPHECY.pdf >. Acesso em Julho de 2011.

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destes movimentos este assunto tem sido tão debatido desde a metade do século XX

até nossos dias14.

Os que crêem na modificação dos dons acreditam que muitas mudanças

ocorreram desde os tempos do apóstolo Paulo até os dias de hoje. Os ofícios de

apóstolo e profeta existiram na fundação da igreja com o propósito de transmitirem

uma revelação especial infalível à igreja nos primeiros anos de formação, tendo

portanto cessado no primeiro século. Estas funções nas igrejas dos nosso dias são

desempenhadas através do aconselhamento, da orientação pessoal, e podem se mostrar

verdadeiros ou não de tempos em tempos. Neste caso é sempre necessária a

confrontação com as Escrituras.

Os que crêem que os dons cessaram (cessassionistas), tipicamente as igrejas de

linha reformada, acreditam que os dons de sinais como línguas estranhas, profecia,

cura, etc, existiram na igreja primitiva apenas para demonstração da infalibilidade e

autenticidade da palavra de Deus na boca de seus apóstolos e profetas. Foram

manifestos aos crentes da igreja primitiva para o estabelecimento e fundação da mesma

durante o período delimitado entre a descida do Espírito no Pentecostes (At.2) e a

morte do último apóstolo, ou da conclusão do último livro que fecha o canon do Novo

Testamento. Os cessassionistas são divididos em 4 grupos15:

- cessassionistas concêntricos: crêem que os dons cessaram nas áreas onde a

igreja se estabeleceu, porém aparecem em áreas remotas não alcançadas, de

forma a ajudar a propagação do evangelho.

- cessassionistas clássicos: crêem que os dons de sinais ( profecia, cura e

linguas) encerraram com os apóstolos e o fechamento do canon das Escrituras;

os dons serviram apenas para o início da propagação do evangelho e

confirmação da revelação de Deus. Crêem no entanto que Deus ainda opera

14 FARNELL, David. The Montanist Crisis: a key to refuting third-wave concepts of NT prophecy. The

Masters Seminay Journal. p.235. 15 Disponível em: < http://www.monergism.com/directory/link_category/Spiritual-Gifts/Cessationists-View-Articles/>. Acessado em Julho de 2011.

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milagres hoje, desde de que isso não implique em introdução de novas doutrinas

além das já reveladas no Novo Testamento.

- cessassionistas totais: crêem que atualmente Deus não opera milagres nem

concede dons espirituais.

- cessassionistas consistentes: crêem que os dons espirituais foram necessários

apenas para o estabelecimento da igreja no primeiro século. Crêem também que

não há mais apóstolos ou profetas, pastores, mestres e evangelistas nos moldes

de Ef.4:11.

A seguir apresentamos a posição de alguns teólogos reformados a respeito da

contemporaneidade dos dons, com algumas visões particulares a respeito do dom de

profecia. O racional cessassionista tem suas bases no Canon fechado do Novo

Testamento no período apostólico. Calvino, por exemplo, pondera que todos os

tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos em Cristo, e diante de tal

abundância e riqueza em Cristo, é desnecessário esperar ou buscar qualquer novidade

adicional. Ao fazermos isso provocamos a Deus. Devemos ter fome e sede para buscar

e aprender somente de Cristo até a manifestação da glória do seu Reino16. Calvino

ensina que a doutrina perfeita trazida por Cristo põe fim a todas as profecias. Fora da

pessoa de Cristo e sua revelação não há nada mais valioso a ser conhecido. Não nos é

permitido ir além da simplicidade do evangelho17. Ao comentar Hebreus 1:2 afirma

que quando o escritor fala “nestes últimos dias nos falou pelo Filho” isto é uma

indicação de que não há qualquer razão para esperarmos novas revelações.

Já dentre os puritanos, segundo Packer18, não se encontram muitos escritos

endereçando a questão dos dons espirituais por não ter sido esta uma preocupação na

igreja daquele período. Não houve um movimento semelhante ao pentecostalismo na 16 CALVIN, John. Institutes of Christian Religion. IV.xviii.xx. Albany, Oregon: Ages Software, 1998. CD-ROM. 17 CALVIN, John. Institutes of Christian Religion. II.xv.ii. Albany, Oregon: Ages Software, 1998. CD-ROM. 18 PACKER, J.I. John Owen on Spiritual Gifts. Disponível em: <http://stevenjcamp.blogspot.com / 2006/01/john-owen-on-spiritual-giftsa-quest.html>. Acesso em Julho/2011.

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época dos puritanos, portanto seus escritos são um auxílio indireto na análise desta

questão. O único que elaborou um trabalho longo sobre o Espírito Santo foi John

Owen. Quando falavam de dons espirituais os puritanos estavam mais preocupados

com sua aplicação aos ministros ordenados, e neste caso particular, com quais dons

qualificavam um homem para ofício ministerial. Aparentemente o único grupo no

século XVII que dizia experimentar os dons de linguas, profecia e cura foram os

Camisard, que era grupo de huguenotes que se refugiaram em Cevenes (França) após o

Edito de Nantes19. John Owen escrevendo a respeito desta manifestação, a reconhecia

com sendo eminentemente fruto de fanatismo, já que por natureza foi uma experiência

marcada por um êxtase onde as pessoas perdiam o controle de suas faculdades. Owen

afirma que este tipo de dispensação do Espírito já havia cessado de longa data, e que

tal classe de dons estaria mais para algo forjado no entusiasmo de alguns. No entanto,

apesar desta afirmação, Owen não negava a priori a possibilidade de uma renovação

dos dons do Espírito para algum fim proveitoso, mas sim julgava tais manifestações a

posteriori.

Segundo Packer, se Owen fosse confrontado com o fenômeno do

pentecostalismo moderno ele provavelmente julgaria tal movimento a partir de 4

premissas:

(i) teste criterioso - para que se conclua que estes tipos de manifestações, que

vão além da razão, de fato sejam considerados como vindos da parte de Deus, deve-se

observa-las e testa-las mais de perto por um considerável período de tempo;

(ii) abundância de frutos - como o propósito dos dons espirituais na vida de

alguém é o crescimento na graça de Cristo, a possibilidade de linguas estranhas se

manifestarem da parte de Deus na vida de alguém pode somente ser considerada válida

se acompanhada de uma colheita de frutos do Espírito Santo na vida dessa pessoa;

(iii) centralidade de Cristo - se o interesse for pelos dons menos importantes

(ainda que sobrenaturais), ou por um crescimento individual egoísta em detrimento da

edificação da igreja, ou se o foco for diferente do da centralidade de Cristo Jesus, há

fortes indícios de que a experiência carismática seria fruto de fanatismo e carnalidade;

19 O Edito de Nantes foi um documento assinado pelo rei da França Henrique IV concedendo aos huguenotes a garantia de tolerância tendo em vista o massacre da noite de São Bartolomeu.

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(iv) caráter subjetivo - pela incapacidade de se provar conclusivamente que uma

manifestação carismática de dons é idêntica à relatada no Novo Testamento, um

parecer qualquer não passará de uma impressão pessoal, aberta a reconsiderações na

medida que o tempo passa.

Havia em John Owen uma profunda preocupação em deixar clara a natureza

sobrenatural da vida cristã sob a ação do Espírito Santo. Na visão de Owen não há

como existir vida eclesiástica autêntica sem os dons espirituais. O segredo da vida

abundante na igreja do primeiro século é que toda a ministração do evangelho naqueles

dias era realizada mediante as virtudes dos dons espirituais. Para Packer, se Owen

estivesse entre nós hoje ele nos admoestaria a buscarmos de todas as formas recuperar

a idéia do ministério individual de cada membro da igreja. No entanto, no que tange a

dons extraordinários como linguas, profecias, e curas, tais dons se aplicam apenas a

pessoas com um chamado extraordinário, que na visão de Owen foram os apóstolos,

evangelistas e profetas, os quais não possuem sucessores nos dias de hoje.

Hodge20 afirma em seu comentário sobre a 1ªCo.12 que o dom de profecia

consistia de uma revelação ou inspiração ocasional não necessariamente relacionada ao

futuro. Tanto poderia referir-se a algo relacionado à experiência ou compromisso de fé

de alguém, como poderia ser um impulso ou auxílio instantâneo do Espírito Santo na

apresentação da verdade já conhecida, de forma que o resultado final fosse a convicção

e o arrependimento no coração dos ouvintes. Para Hodge, a diferença entre apóstolos e

profetas é que apóstolos eram continuamente inspirados de forma que seus

ensinamentos eram infalíveis todo o tempo. Profetas eram infalíveis apenas

ocasionalmente. Os mestres comuns não eram inspirados pois sua função era

desempenhada como fruto de conhecimento racional e experiência pessoal. No

contexto das epístolas Hodge entendia que profetizar era falar sob a inspiração do

Espírito Santo de uma forma adaptada, i.e., numa lingua conhecida, de modo a instruir

e edificar o ouvinte21. Sobre o texto de Ef.2:20 em que Paulo afirma que a igreja é

edificada sobre a fundação dos apóstolos e profetas ele se opõe à interpretação de que

20 HODGE, Charles. Commentary on the First Epistle to the Corinthians. William B. Eerdmans Publishing Company. Grand Rapids, MI, 1994. p.247. 21 Ibid., p.278.

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era apenas uma classe de apóstolos que também eram profetas. No caso seriam duas

funções distintas, sendo que os profetas estavam mais em linha com o dom de profecia

no Novo Testamento, i.e., uma inspiração ocasional e falível22.

Para Machen23, profecia verdadeira no sentido bíblico e sobrenatural não existe

mais nos dias de hoje; cessou juntamente com outros dons miraculosos. Apesar de

Machen admitir que não seja plausível uma explicação para este fato dado que nem

tudo a respeito de Deus é explicável com nosso raciocínio, há uma plenitude tal na

revelação bíblica mostrando a santidade e justiça de Deus e sua maravilhosa e

completa obra redentora em Cristo, que torna-se desnecessário esperar qualquer

revelação adicional até o dia em que o Senhor voltará em grande poder e glória.

Na visão de Warfield24, a passagem de 1ªCo.14 deve ser entendida no contexto

do serviço de culto em uma igreja da era apostólica, cujas manifestações de dons eram

apropriadas à realidade das igrejas plantadas pelos apóstolos. É importante mencionar

que para Warfield o dom de profecia era o dom de exortação e ensino, que recebia uma

distinção espiritual pois era aplicado àqueles através dos quais o corpo de Cristo era

edificado. As igrejas apostólicas eram caracteristicamente igrejas onde ocorriam a

operações de milagres. Os dons sobrenaturais se manifestavam como parte das

credenciais dos apóstolos, que trabalharam como agentes autorizados de Deus para a

fundação da igreja de Cristo. Warfield constata que, não somente por princípio, mas

também de fato os dons cessaram no período pós-apostólico dado que não há

testemunhos de sua manifestação na igreja pós-apostólica. Portanto o charismata

estava confinado ao período apostólico.

Gaffin Jr.25 afirma que na controvérsia entre cessassionistas e continuistas a

respeito dos dons não está em discussão se dons do Espírito estão ou não presentes na

igreja hoje. A maioria dos dons está presente. A questão refere-se a apenas alguns

22 HODGE, Charles. Commentary on the Epistle to the Ephesians. William B. Eerdmans Publishing Company. Grand Rapids, MI, 1994. p.149. 23 MACHEN, John Gresham. Prophets False and True. Disponível em: < http: // www.the-highway.com / prophets_Machen.html>. Acesso em Julho de 2011. 24 WARFIELD, Benjamin. Counterfeit Miracles. Charles Scribner’s Sons. New York. 1918. Disponível em: <http: // www.monergism.com / thethreshold / sdg / warfield / warfield_counterfeit.html#fn101>. Acesso em Julho de 2011. 25 GAFFIN JR. Richard B. Prophecy and the Meaning of History: Why Word and Spirit Matter. Modern Reformation. Sept./Oct. 2001, Vol. 10, No. 5. p.20-24.

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dons, que segundo ele cessaram (línguas e profecia). Não se trata, segundo ele, de

colocar o Espírito Santo em uma caixa, limitando-se Sua atuação. Nunca podemos

deixar de lembrar que o Espírito é imprevisível. Sopra onde quer, ouve-se a sua voz,

porém não se sabe de onde vem nem para onde vai (Jo.3:8). Qualquer doutrina

saudável a respeito da obra do Espírito Santo não pode desprezar o fato de que Ele

opera em mistério, que Ele sim delimita sua atividade dentro de uma caixa chamada

“Ação Soberana”, e que ao mesmo tempo que é um Espírito de ardor, é um Espírito de

ordem. O grande desafio das igrejas hoje é manterem este ardor em equilíbrio e ordem.

A igreja foi estabelecida sobre uma fundação: apóstolos e profetas. Cristo é a

pedra angular. Gaffin Jr argumenta que este trabalho da fundação do edifício está

encerrado e historicamente completo. Deus como construtor fez um trabalho completo.

Nada há a ser acrescentado. Estamos no momento em que, sobre a fundação, está

sendo construída uma super-estrutura. Apóstolos e profetas em Ef.2:20 são funções

distintas e fazem parte dessa fundação. Portanto suas funções não continuaram na

construção da super-estrutura, o tempo da igreja hoje. Existiram para trazer a

revelação, a infalibilidade e autoridade como testemunhas canônicas da história da

salvação em Cristo Jesus, obra esta que foi completada no período apostólico.

Juntamente com apóstolos e profetas, os dons relaciodados a eles, profecia e línguas, já

não mais se manifestam pois foram particulares ao tempo apostólico. O que permanece

de forma suprema e suficiente até a volta de Cristo é o Espírito Santo falando através

das Escrituras.

Battle26 escrevendo a respeito dos dons do Espírito Santo (em especial línguas e

profecia), afirma seguindo o racional cessassionista que estes dois dons foram dados

para que a comunidade dos primeiros cristãos judeus entendesse que novos crentes de

diferentes grupos como samaritanos, gentios tementes a Deus, e gentios que

abandonaram o paganismo, agora faziam parte da igreja de Cristo, o novo Israel

espiritual de Deus. Este seria o único propósito de tal manifestação na igreja primitiva,

fazendo dela uma igreja verdadeiramente universal. Esta demontração teria cessado ao

fim do ministério do apóstolo Paulo.

26 BATTLE, John. Speaking in tongues in the New Testament. WRS Journal 14:2 (August 2007). p.26.

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Ryrie27 escreveu que o dom de profecia incluia a recepção de uma mensagem

diretamente de Deus através de uma revelação especial. Incluía também a orientação

de Deus quanto à comunicação desta mensagem às pessoas, e de alguma forma a

autenticação da mesma pelo próprio Deus. O conteúdo da mensagem poderia tanto

considerar uma previsão de fatos futuros como também poderia considerar alguma

revelação de Deus a respeito do presente. Este também era um dom limitado em sua

utilidade e necessidade pois havia sido necessário durante o período em que o Novo

Testamento foi escrito e sua utilidade cessou assim que o último livro foi escrito. A

mensagem de Deus portanto estava escrita e nenhuma revelação adicional haveria de

ser dada ao que já estava registrado.

Hoje até mesmo entre reformados não encontramos unanimidade sobre este

assunto. Em defesa da contemporaneidade dos dons do Espírito Santo, Pratt Jr28

argumenta que o apóstolo Paulo apresenta o tema de forma concatenada. Há uma

diversidade de dons mas o Espírito é o mesmo, uma diversidade de serviços

(ministérios) mas o Senhor é o mesmo, e uma diversidade de realizações mas Deus é o

mesmo e Ele opera tudo em todos (1Co 12:4-6) sejam homens, mulheres, idosos,

jovens, judeus, gentios. Tudo com vistas a um resultado final, um fim proveitoso. Deus

designou os dons para o bem de todos os crentes.

A respeito do dom de profecia Pratt Jr. entende que no texto de 1ª Co 12 o

apóstolo Paulo fala de um dom de profecia mais genérico e não o da revelação infalível

apresentada no Antigo Testamento e exercida pelos Apóstolos na formação basilar da

igreja de Cristo. Para todos os efeitos, estando hoje a igreja num estágio de

crescimento sobre uma base lançada pelos apóstolos e profetas, o ofício de profetas

inspirados e palavras infalíveis cessou (Ef.2:20). Paulo recomendou aos cristãos de

Corinto que buscassem com zelo os melhores dons mas que principalmente

profetizassem. O fato de não mencionar o dom de apostolado evidencia que tais

cristãos não poderiam desempenhá-lo. Havia as conhecidas restrições para alguém ser

27 RYRIE, Charles C. The Holy Spirit. Chicago: Moody, 1965. p. 86. 28 PRATT JR. Richard L. Spiritual gifts: here today, gone tomorrow ? 3rd Millenium Magazine Online, Vol 3, Number 53, 2002. p.427.

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chamado apóstolo. Portanto, o que experimentamos hoje é a profecia como sendo a

proclamação da Palavra de Deus a partir de homens cuja inspiração não é infalível29.

Poythress30 argumentando em favor dos dons espirituais nos dias de hoje , segue

um raciocinio baseado em analogias entre o ministério de Cristo e dos apóstolos, e o

ministério dos crentes. Cristo sendo o cabeça da igreja e tendo recebido do Pai a

promessa do Espírito Santo como um prelúdio do derramamento sobre a igreja, é o

distribuidor de todos os dons aos homens (Ef.4:11) a partir da plenitude que nele

reside. Por conseguinte nosso ministério no Espírito é análogo e subordinado ao

ministério de Cristo. Por exemplo, Cristo é o último grande profeta (At.3:22-26), e

através do derramamento do Espírito no Pentecoste, por analogia, torna todos os

cristãos profetas subordinados a Ele (At.2:17-18). Cristo como o Supremo Pastor (1

Pe.5:4), pelo Espirito Santo aponta pastores que lhe sejam subordinados, distribuindo

dons de governo e administração para o cuidado do rebanho. Da mesma forma que

veio para servir e dar sua vida em resgate por muitos, tendo distribuido dons de

serviço, conclama a todos os crentes a darem suas vidas pelos irmãos (1 Jo.3:16).

Da mesma forma que Cristo exerceu os ofícios de profeta, rei e sacerdote, nós

por analogia e unidos a Ele, tranformados em semelhança a Ele (2 Co.3:18),

desempenhamos o papel de profetas que proclamam Sua palavra a outros (Cl.3:16), o

papel de reis exercendo a autoridade que Ele nos deu nas áreas de nossa

responsabilidade ministerial (Ef.2:6), e o papel de sacerdotes servindo uns aos outros.

Apesar destas passagens bíblicas se aplicarem a todos os crentes, nem todos terão

igualmente os dons na mesma área de atuação.

Poythress estabelece uma distinção entre dons que possuem uma autoridade

divina integral, infalível, e dons com uma autoridade subordinada às escrituras31. Em

primeiro plano, Cristo sendo Deus e Senhor da igreja faz com que sua obra tenha

autoridade final e completa. Os apóstolos da igreja (Ef.2:20), comissionados por Cristo

e debaixo de Sua autoridade , no exercício de seu ofício tem autoridade divina e são

29 Ibid., p.436. 30 POYTHRESS, Vern Sheridan. Modern Spiritual Gifts as Analogous to Apostolic Gifts: Affirming Extraordinary Works of the Spirit within Cessationist Theology. The Journal of the Evangelical

Theological Society: 39/1 (1996). p.72. 31 Ibid., p.74.

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inspirados por Deus. Suas obras e palavras são infalíveis pois são palavras e obras do

próprio Deus. Tal fato não é replicável. O Espírito Santo trabalha de forma a deixar

subordinados aqueles que servem, concedendo dons de ensino e de palavra aos

pastores , mestres e crentes em geral. A palavra proferida por estes não é inspirada de

forma idêntica àquela que o Espírito falou aos apóstolos do Novo Testamento, e

portanto não é perfeita nem possui uma autoridade final. A autoridade final reside nas

Escrituras. As palavras dos servos de Deus hoje podem ser inspiradoras e capazes de

evidenciar a presença do Espírito Santo. Hoje somos exortados pela Palavra a

julgarmos o que nos é dito, conferindo tudo com as Escrituras como faziam os crentes

de Beréia.

A posição de Grudem32 é uma das que mais tem causado discussões entre os

reformados nos dias de hoje. Ele é um dos teólogos reformados que aceita a

contemporaneidade dos dons do Espírito Santo. Numa tentativa de encontrar um meio

termo entre os cessassionistas e os carismáticos que creem na continuidade

(pentecostais e neo-pentecostais), ele tem apresentado uma proposição em que sugere

aos carismáticos que continuem a usar o dom de profecia porém sem o rotularem como

“Palavra vinda do Senhor” pois desta forma fazem da profecia algo que possui

autoridade semelhante às Escrituras, gerando assim grande confusão. Por outro lado

sugere aos cessassionistas que considerem a possibilidade de que o dom de profecia,

experimentado de forma ordinária nas igrejas do Novo Testamento, não seja

considerado como tendo o mesmo grau de autoridade das Escrituras. Para Grudem o

dom de profecia era, de forma simples, a resultante de algo comunicado pelo Espírito

Santo à mente dos crentes, e que poderia ser ou não relatado de forma precisa. Ele não

afirma que a visão destes dois grupos está errada mas que apenas seria necessário um

ajuste na compreensão a respeito da natureza da profecia no que tange especificamente

à sua autoridade. Profecia é algo que Deus espontaneamente traz à mente e não

compete com a autoridade canônica do Novo Testamento pois este canon foi fechado

na era apostólica. Por outro lado, a profecia preserva a espontaneidade e operação

32 GRUDEM, Wayne A. The Gift of Prophecy in the New Testament and Today. Westchester, IL: Crossway, 1988. pg. 14-15.

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poderosa do Espírito Santo edificando, encorajando e consolando, falando direto às

necessidades do momento e levando pessoas a crerem que Deus realmente está

presente. Para Grudem os profetas do Antigo Testamento são comparáveis ao

apóstolos do Novo Testamento, e não aos profetas do Novo Testamento. As profecias

nas igrejas do Novo Testamento também se manifestavam através de cristãos comuns

que falavam sem ter a autoridade divina e apostólica, mas que simplesmente

reportavam algo que Deus colocara em seus corações. Em resumo, na visão de Grudem

é como se existissem dois tipos de profecia: uma com autoridade bíblica (apostólica) e

outra sem autoridade bíblica, sendo os apóstolos do Novo Testamento os verdadeiros

sucessores dos profetas do Antigo Testamento33. Apóstolos-profetas estão restritos à

igreja do primeiro século, mas nos nossos dias a existência de profetas é plausível.

Por fim, Piper34 apresenta alguns argumentos suportando a opinião de Grudem a

respeito do dom de profecia, dizendo ser algo real e vivenciável nos dias de hoje.

Primeiramente, para ele profecia não é apenas predição de eventos futuros. Na Bíblia o

profeta fala de predições mas também fala do pecado,da transgressão do povo, e do

juízo de Deus. A experiência da profecia hoje não é exatamente a mesma experiência

dos apóstolos. Profecia hoje pode ser algo que Deus traz à mente mas não é

necessariamente entendido ou relatado de forma infalível. No texto do profeta Joel

utilizado pelo apóstolo Pedro no seu discurso em Atos 2:17 sobre o que ocorreu no

Pentecostes, o derramamento do Espírito no últimos dias e a manifestação de profecias

não seria exatamente uma experiência de um ofício específico, mas sim algo vivido por

homens e mulheres comuns. Em 1 Co 14:1-4 o apóstolo Paulo nos indica que o dom de

profecia não seria uma prerrogativa de um grupo de fundadores da igreja mas uma

experiência para membros do corpo de Cristo em geral. Além disso descreve que a

profecia edifica, exorta e consola. Mais adiante (v.30) o apóstolo fala que profecia é

baseada em uma “revelação” e por esta razão Piper afirma ser algo que Deus traz à

mente, que não é o mesmo que ensinar ou expor um texto bíblico fazendo uso da razão.

33 FARNELL, F. David. Fallible New Testament Prophecy/Prophets ? A Critique of Wayne Grudem’s Hypothesis. The Masters Seminary Journal. p.162. Disponivel em: < http://www.tms.edu / facultyBibliography.aspx?FacultyID=11&BibliographyID=7>. Acesso em Julho de 2011. 34 PIPER, John. Using Our Gifts in Proportion to Our Faith, Part 1 . Disponível em < http: // www.desiringgod.org / resource-library/sermons/by-date/2004#october>. Acesso em julho de 2011.

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Fica no entanto a orientação do verso 29 para que a palavra seja julgada, o que implica

que o dom de profecia que Paulo fala aqui não possui autoridade final e decisiva. As

Escrituras sim tem autoridade final e decisiva. Em 1 Ts 5:20-21 o apóstolo admoesta a

que não desprezemos profecias mas as julguemos. Piper argumenta que em 1 Co 13 os

dons de profecia e línguas passarão quando vier o que é perfeito. Ele entende como

sendo isto a 2ª vinda de Cristo, e portanto conclui que os dons permanecem na sua

imperfeição válidos até então, quando virá o que é perfeito. Finalmente, afirma que o

dom de profecia é válido atualmente, esclarecendo também que não é infalível como as

Escrituras, não possui autoridade final, e deve ser buscado com zelo pelos crentes.

2 QUEM ERAM OS FALSOS PROFETAS ?

Os profetas eram homens e mulheres com um chamado especial. Diferentemente

dos sacerdotes, não herdavam o ofício de profeta por serem de uma determinada tribo

ou família, nem por serem filhos de um profeta. Eram pessoas, na sua maioria homens,

que haviam sido escolhidas por Deus para este trabalho. Seu chamado profético era

tipicamente acompanhado de uma experiência extraordinária que gerava autenticidade

ao próprio35.

Em face de sua missão, muitas vezes ingrata e difícil por desagradar reis, líderes

religiosos e o próprio povo, os profetas tinham de ser pessoas de caráter excepcional,

com uma grande mente, e uma alma corajosa36. A história de homens como Samuel,

Natã, Elias, Eliseu, Micaías, Jeremias, Ezequiel, Isaías demonstra como tais homens

arriscavam suas vidas para serem fiéis à palavra que criam ter recebido de Deus. Eram

homens comprometidos em realizar a tarefa que Deus lhes havia dado não importando

as circunstâncias nem os perigos37. Esta tarefa consistia em, essenciamente, chamar a

atenção dos ouvintes para uma reforma interior em suas vidas, para o abandono do

pecado e um retorno à conformidade com a Lei. Os profetas também não deixavam de

35 WOOD, Leon. The Prophets of Israel. Baker Book House. Grand Rapids, Michigan, 1998. p.14. 36 Ibid., p.16. 37 Ibid., p.21.

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ser intercessores pelos reis e pelo povo junto a Deus, bem como proclamadores da

justiça de Deus38. Sua motivação residia no fato de cumprirem a vontade de Deus, por

um senso de necessidade semelhante a compulsão demonstrada pelo apóstolo Paulo

quando afirmou “ai de mim se não pregar o evangelho” 39 (1 Co.9:16).

Se por um lado a presença do profeta de Deus levava o povo aos caminhos do

Senhor, por outro lado, quando surgiam falsos profetas o povo se perdia. Os falsos

profetas eram homens e mulheres que falavam em nome de Deus sem sua autorização

ou chamado (Ez.13:6-7). Segundo Robertson, a maior ameça ao bem-estar do povo de

Deus através dos séculos tem sido o surgimento de falsos profetas40. Os falsos profetas

eram movidos basicamente por dois aspectos: o ganho pessoal e a obtenção da

aprovação dos homens 41. Isto pode ser evidenciado pelo texto do profeta Miquéias:

“Assim diz o Senhor acerca dos profetas que fazem errar o meu povo e que

clama: Paz, quando têm o que mastigar, mas apregoam guerra santa contra

aqueles que nada lhe metem na boca.” (Mq.3:5)

Em outra passagem do livro do profeta Ezequiel vemos profetisas profanando o povo

por punhados de cevada e por pão, desconsiderando assim o bem estar do povo a quem

deveriam servir (Ez.13:19).

A causa central da falsa profecia era o pecado e rebelião nas vidas dos falsos

profetas. Isto ainda é verdade nos dias de hoje quando se levantam pregadores

anunciando um outro evangelho, pervertendo o evangelho de Cristo42. Os falsos

profetas entregavam uma mensagem cujo conteúdo estava contaminado, poluído. Eram

“mestres da verdade” que viviam na falsidade, “mestres da pureza” que viviam na

impureza, “mestres da justiça” que viviam sendo injustos, “mestres da moralidade”

vivendo a imoralidade. Estes homens e mulheres eram servos do espírito da época.

38 Ibid., p.74-78. 39 ROBERTSON, O. Palmer. The Christ of the Prophets. P&R Publishing: Philipsburg, NJ, 2004. p.94. 40 Ibid., p.91. 41 Ibid., p.94. 42 WOOD, Leon. The Prophets of Israel. Baker Book House. Grand Rapids, MI, 1998. p.106.

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Traziam mensagens politicamente corretas, fruto de seus corações profanos, de sua

observação circunstancial, mas que nada tinha a ver com a palavra de Deus43.

Wood44 apresenta uma lista de sete características que não necessariamente

ocorrem de forma simultânea, e que identificam os falsos profetas. Primeiramente, uma

das evidências de que alguém era falso profeta era o uso de adivinhação (Jr.14:14;

Mq.3:7;Ez.12:24). Apesar da condenação explícita desta prática em Dt.18:9-14, falsos

profetas faziam uso dela. Em segundo, falsos profetas entregavam mensagens cujo

caráter entretia os prazeres e caprichos do povo (Ez.13:10). Nunca falavam de juízo

divino mas sempre de paz e bem-estar. Uma outra caracterísitica dos falsos profetas é

que eram pessoas enganadoras, mentirosas, ébrias, fingindo ser quem não eram,

falando em nome de Deus sem Deus tê-los enviado (Jr.23:13-14). Uma quarta marca

de um falso profeta era a auto-promoção, desejosos de uma vida fácil resultante da

mensagem que agradava ao coração rei. Um exemplo deste contraste é dado por

Micaías ao profetizar danos ao reinado de Acabe (1Rs.22:17), contrariando os 400

profetas consultados pelo rei. Em quinto lugar, quando a mensagem do profeta não

estava em harmonia com a Lei Mosaica ou não era consistente com a palavra de um

outro profeta de renome, isto seria um indicativo de tal profeta não seria verdadeiro.

Em sexto, o não cumprimento de uma profecia entregue era uma evidência de que o

profeta era falso e falara por si próprio, em sua própria presunção (Dt.18:21-22). Por

último, a sétima marca seria a falta de uma autenticidade no profeta pelo não

ocorrência de um milagre. Havia de fato profetas operadores de sinais que não tinham

sua origem no poder de Deus, e que seguiam outros deuses (Dt.13:1-3). O próprio

Jesus nos advertiu para que estivéssemos atentos aos falsos profetas (Mc.13:22); estes

operariam sinais que se possível enganariam até os próprios eleitos (Mt.24:24). O

apóstolo Paulo falando do anti-cristo e do falso profeta afirmou que estes operariam

sinais e maravilhas pelo poder de Satanás ( 2 Ts.2:9).

A proliferação de falsos profetas no Antigo Testamento é atribuída por Edmon

Jacob ao peso sociológico que a monarquia tinha atraindo em torno de si pessoas

43 MORGAN, G Campbell. Studies in the prophecy of Jeremiah. Fleming H. Revell. Grand Rapids. MI, 1994. p.131. 44 WOOD, Leon. The Prophets of Israel. Baker Book House. Grand Rapids, MI, 1998. p.109-114.

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interessadas em defender os interesses do rei. Era dada importância à tradição,

transformando-se tais profetas em repetidores de idéias antigas, sem atentarem para

Deus e para os fatos ocorridos. Havia também o desejo dos profetas em agradarem ao

povo e não colocarem-se em oposição a ele, além de desejaram um sucesso que

garantiria seu sustento 45.

3 COMO DEUS VÊ OS FALSOS PROFETAS

3.1 OS FALSOS PROFETAS SÃO LOUCOS

No texto bíblico em Ez 13.3 Deus chama os falsos profetas de loucos. São loucos

e tolos pois profetizam o que está em seus corações, e não o que procede do Senhor.

Segundo Gill, julgam-se sábios aos seus próprios olhos, mas estão cheios de vaidade e

carnalidade, de uma sabedoria humana que é loucura para Deus46. Loucos por

colocarem palavras na boca de um Deus que é Santo e zeloso de sua palavra,

provocando assim Sua ira. Eram loucos por não perceberem o risco de vida que

incorriam ao atribuirem uma mentira ao Deus totalmente Santo, pois o que Deus fala

Ele o cumprirá (Ez.12:25). Estes homens e mulheres não seguiam o Espírito de Deus

mas seu próprio espírito, o espírito de seus corações enganosos e corruptos. Deus

proclamara juízo contra suas vidas. A interjeição “Ai” (no inglês “Woe”), que é a

expressão “Ah” no original, era como um grito de lamento ouvido nos funerais

(Jr.22:18), e denotava juízo iminente sobre tais homens. Seu funeral estava às portas47.

Deus indignado com seu pecado diz: “eis que os alimentarei com absinto e lhes darei a

beber água venenosa” (Jr.23:15); “à espada e à fome serão consumidos estes profetas”

(Jr.14:15). Tais profetas proclamavam o bem do povo mas ai de suas vidas, ai de suas

45 SICRE, José Luis. Los Profetas de Israel y su mensaje: Antología de textos. Ediciones Cristandad. 1986. p.11 46 GILL, John. Gill’s Commentary Vol 4: Jeremiah to Malachi. Baker Book House. Grand Rapids, MI, 1980. p.313. 47 CHRISHOLM JR., Robert. Handbook on the Prophets. Baker Academy. Grand Rapids, MI, 2002. p.247.

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almas, ai de seus corpos, ai de seus nomes, por proferirem mentiras e levarem o povo a

ruína 48. Ainda assim, seguindo sua própria imaginação desprezavam a palavra de

Deus. Fingiam ter revelações de eventos futuros sobre os quais nada tinham visto. Suas

visões eram fruto de seus devaneios carnais.

Os que profetizam a partir de seu próprio coração são denunciados pelo Espírito

de Deus como impostores. Calvino comenta que a falta de um testemunho seguro

acerca da visão que o suposto profeta teve, e a incapacidade de tal profeta em testificar

que o que ele fala procede da boca de Deus, fazem dele um impostor. Deus rejeita tais

pessoas49. São profetas desgraçados, maus, criminosos, inflados em seu próprio

orgulho, com uma auto-estima elevada, e que ferozmente insultam os verdadeiros

servos de Deus. Para Calvino tais profetas citados por Ezequiel eram pessoas que

gozavam de grande estima por parte do povo, e quando se inflavam em seus egos,

profetizavam derramando aparente sabedoria. Mas o próprio Espírito Santo os chama

de tolos pois esta máscara de sabedoria é pura tolice 50. Suas profecias vinham da

vontade humana e portanto eram repletas de invenções, desejos carnais. Eram cegos

para com as coisas de Deus 51.

Para Greenhill52, da mesma forma que ocorria com o povo de Israel, a

manifestação destes falsos profetas não é algo que nos deva surpreender no seio da

igreja de Cristo. Pessoas que se levantam trazendo visões corrompidas da palavra de

Deus, oposição à verdade, dissimulações e divisões fazem parte daquele rol de

impostores que o próprio apóstolo Pedro nos exorta em sua segunda epístola (2Pe.2:1)

para que estejamos atentos. A grande questão é que devemos manter nossas faculdades

aguçadas e nossa alma em sintonia com o Espírito de Deus de modo que consigamos

discernir espiritualmente tais profetas e denunciarmos seus ensinamentos hereges.

48 GREENHILL, William. An Exposition of Ezekiel. The Banner of Truth Trust. Carlisle, PA, 1994. p.298. 49 CALVIN, John. Commentary on the prophet Ezekiel. Albany, Oregon: Ages Software, 1998. CD-ROM. p.404. 50 Ibid., p.405. 51 GREENHILL, William. An Exposition of Ezekiel. The Banner of Truth Trust. Carlisle, PA, 1994. p.297. 52 Ibid., p.298.

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3.2 OS FALSOS PROFETAS SÃO ENGANADORES

A essência da falsa profecia é a mentira inventada no coração vil do falso profeta

porém entregue ao povo como palavra de Deus. A gravidade deste pecado é

transformar Deus em um mentiroso. Nos versos 3 e 7 de Ezequiel vemos que é uma

experiência forjada, com visões falsas e adivinhações mentirosas. Os verdadeiros

profetas tinha visões vindas de Deus, revelações vindas do Espírito e seu entendimento

era extraordinariamente irradiado pelo Espírito de Deus de forma que viam e

entendiam a mente de Deus. Por esta razão eram também chamados de videntes. Eram

capazes de ver o juízo vindouro e outras revelações vindas de Deus53. Os falsos

profetas enganavam o povo com visões criadas em seu próprio coração, andando

segundo o seu próprio espírito e não segundo o Espírito de Deus, sem verem nem

entenderem a vontade e a mente de Deus. Eles fingiam ter tido visões sem de fato

terem visto algo. Nas Escrituras podemos encontrar várias referências à tais visões dos

falsos profetas: “erram na visão, tropeçam no juízo ”(Is.28:7); “ profetizam mentiras

em meu nome, nunca os enviei, nem lhes dei ordem, nem lhes falei; visão falsa,

adivinhação, vaidade e o engano em seu íntimo são o que eles profetizam ”(Jr.14:14); “

falam as visões que vem do seu coração, não o que vem da boca do Senhor

”(Jr.23:16); “ se sentirão envergonhados os profetas, cada um da sua visão quando

profetizam ”(Zc.13:4).

No contexto de Ezequiel, a palavra enganosa dos falsos profetas levava uma falsa

expectativa ao coração do povo. Eles se opunham aos verdadeiros profetas dizendo que

o juízo de Deus não duraria tanto tempo, e que em breve seriam trazidos do cativeiro.

Isto soava como música para os ouvidos de um povo sofrido. Este discurso os colocava

em uma posição confortável pois era tudo o que o povo queria ouvir e acreditar como

sendo de fato palavra de Deus. Mas na realidade a palavra dos falsos profetas trazia

trevas à mente do povo. Calvino chama-os de servos de Satanás pela audácia de se

passarem por porta-vozes de Deus, dizendo aquilo que Deus não disse 54.

53 Ibid., p.298. 54 CALVIN, John. Commentary on the prophet Ezekiel. Albany, Oregon: Ages Software, 1998. CD-ROM. p.410.

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3.3 OS FALSOS PROFETAS SÃO RAPOSAS

A comparação dos falsos profetas com raposas (Ez.13:4) é bastante interessante

pois a raposa é um animal de muitas facetas e trazia um real significado para o povo

judeu já que em Israel abundavam tais animais (Jz.15:4). Greenhill comentando o texto

lembra das características das raposas. As raposas são sutis, hábeis em enganar para

apanhar suas presas. Quando famintas, deitam-se fingindo-se de mortas, aguardando a

aproximação de alguma presa antes de darem o bote. Tipicamente possuem muitos

esconderijos para onde podem fugir e ludibriar seus caçadores 55. Raposas são crueis e

maliciosas tendo como objetivo final a destruição de outros animais. Quando se

embrenham por entre um bando de aves não as comem enquanto não matam todas as

aves do bando. De igual forma os falsos profetas e falsos mestres são cruéis e

maliciosos. Em sua sutileza e ardil enganam o povo de Deus dizendo-se enviados por

Deus, sem que Deus os tenha enviado. Se misturam por entre o povo, disfarçados de

membros do corpo de Cristo, mas são obreiros do diabo.

No Antigo Testamento os verdadeiros profetas utilizavam uma vestimenta que os

identificava. Em Zacarias 13:4 há uma citação curiosa a respeito dos falsos profetas

que se vestiam de mantos de pelos para enganarem o povo, passando-se por profetas

verdadeiros. No evangelho de Mateus, Jesus nos adverte para que estejamos atentos

aos falsos profetas que apresentam-se disfarçados como ovelhas, mas por dentro são

lobos roubadores (Mt.7:15). Devemos testá-los a partir de seus frutos. Em 2 Co 11:13

o apóstolo Paulo exorta a igreja a que esteja atenta aos falsos apóstolos que são

obreiros fraudulentos, e fingem ser apóstolos de Cristo. Como raposas, são mestres do

engano. São cheios de insinuações, raciocínios tortuosos e retóricos, buscando ter

ganho pessoal sobre o povo.

As raposas tem um apetite voraz por suas presas; de igual forma os falsos

profetas são sedentos por tirarem vantagem daquilo que o povo lhes dava, profetizando

55 GREENHILL, William. An Exposition of Ezekiel. The Banner of Truth Trust. Carlisle,PA,1994. p.299.

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por dinheiro56 (Mq.3:5,11). As raposas também são animais ariscos, que diante da

primeira ameça fogem para seus covis; assim são igualmente os falsos profetas e

mestres. Raposas são uma praga para os criadores de ovelhas e aves, assim como o são

os falsos profetas para a igreja. O povo de Israel cativo e disperso era uma presa fácil

aos falsos profetas. Ainda que estivessem cativos, Deus os exortava através de

Ezequiel para que estivessem atentos à Lei para discernirem quando os falsos profetas

surgissem 57. A palavra de Deus continua sendo a arma contra falsos profetas e falsos

mestres nos dias de hoje.

3.4 OS FALSOS PROFETAS NÃO SÃO VOCACIONADOS

Os falsos profetas são homens a quem Deus não chamou, a quem o Senhor não

enviou, a quem não deu visões, e com quem não falou (Jr.23:32). Nada lhes foi

revelado. Nada há de real em suas visões e palavras. Eles vem ao povo com mentiras

nos lábios e vaidade no coração. No entanto, por sua forma solene de falar, pelo fato de

usarem o nome de Deus em suas profecias, e pelas repetições frequentes de suas

predições, o povo era levado a ter esperança no cumprimento de suas profecias58. Sem

terem sido enviados por Deus, eles falsificam o selo celestial, causando grande

prejuízo para o povo de Deus que, ao ver suas expectativas frustradas, passa a reprovar

e a não dar crédito à revelação divina. Quem Deus envia, capacita. Este falsos profetas

fingem ter recebido instrução porém Deus nunca se fez conhecido a eles59.

A falta de um chamado verdadeiro faz com que os falsos profetas apresentem

uma idéia errada a respeito de quem Deus é. Ao profetizarem paz (Ez.13:16) e não

juízo a uma nação que se desviara dos caminhos do Senhor fazem-na crer naquilo que

lhes agrada, e em um Deus que não condena o pecado. Não se opõem ao pecado do

56 Ibid., p.300. 57 CALVIN, John. Commentary on the prophet Ezekiel. Albany, Oregon: Ages Software, 1998. CD-ROM. p.406. 58 GILL, John. Gill’s Commentary Vol 4: Jeremiah to Malachi. Baker Book House. Grand Rapids, MI, 1980. p. 313. 59 HENRY, Mathew. Bible Commentary. Disponível em: < http: // www.ewordtoday.com / comments / ezekiel/mh/ezekiel13.htm >. Acesso em Julho de 2011.

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povo nem os convence de sua idolatria, opressão, hipocrisia e vida profana. Dessa

forma dividem o caráter de Deus em dois, e só apresentam a face que é pronta em

perdoar, omitindo a face que demanda santidade e arrependimento60. Por esta razão o

profeta Ezequiel reprova os profetas traidores, pois abusam do nome de Deus.

Alimentam uma falsa esperança a respeito de quem Deus é e o que Ele quer. São como

os deturpadores da sã doutrina mencionados pelo apóstolo Paulo. Ele nos exorta

através de sua 2ª carta a Timóteo dizendo que chegaria o tempo quando as pessoas se

cercariam de mestres segundo suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos

ouvidos, se recusariam a dar ouvidos à verdade e se entregariam a fábulas profanas

(2Tm.4:3). É interessante observar a petulância e arrogância dos falsos profetas. No

episódio de confronto entre Micaías e Zedequias (1 Rs.22), Zedequias, o falso profeta,

agride a Micaías lhe perguntando por onde teria saído dele o Espírito de Deus para

falar a Micaías. Falsos profetas arrogam para si o poder e controle do Espírito de Deus.

Pura carnalidade.

4 ATITUDES DE DEUS PARA COM OS FALSOS PROFETAS

4.1 DEUS MANDA PROFETIZAR CONTRA OS FALSOS PROFETAS

No texto do profeta Ezequiel no capítulo 13 encontramos instruções dadas pelo

próprio Deus acerca de como lidar com os falsos profetas. No verso 2 o Senhor manda

Ezequiel profetizar contra os falsos profetas que falavam segundo a vontade de seu

próprio coração e não segundo o Senhor. Falavam o que estava de acordo com suas

fantasias, imaginações, corações carnais, para agradarem a si mesmos e aos ouvidos do

povo. No contexto de Ezequiel, os falsos profetas diziam que o povo voltaria

rapidamente do cativeiro e não demoraria o período predito por Ezequiel. Além disso

60 CALVIN, John. Commentary on the prophet Ezekiel. Albany, Oregon: Ages Software, 1998. CD-ROM. p.409.

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diziam também que Jerusalém não seria tomada pelos Caldeus 61, o que se provou

posteriormente ser uma mentira. É importante notar que quando o profeta Ezequiel se

levanta e fala contra os falsos profetas ele também repreende aos que lhes davam

ouvidos, por aceitarem suas falácias e desprezarem a verdadeira doutrina62. Deus,

zeloso de seu nome, profere juízo contra os falsos profetas através da boca do

verdadeiro profeta. “Ouvi a palavra do Senhor…Ai dos profetas loucos…”. Não se

pode sair ileso quando alguém provoca o Senhor à ira (Dt.32:16,21). Deus não os

poupará, sua destruição não dorme. (2 Pe.2:4). Diante de homens e mulheres que

procedem dessa forma, devemos buscar o crescimento na graça e no conhecimento de

Cristo (2 Pe.3:18) para que, confrontando-os com a Palavra da Verdade, deixemos em

evidência as coisas aprovadas por Deus.

4.2 DEUS SE MOSTRA CONTRA ESSES FALSOS PROFETAS

O escritor aos Hebreus diz em sua epístola: “Horrível coisa é cair nas mãos do

Deus vivo.” (Hb .10:31). É exatamente o contexto aqui. Deus não pode tolerar que Seu

nome seja profanado pela falsidade ou visão mentirosa (Ez.13:8-9) proferida pelos

falsos profetas63, então Ele mesmo se levanta contra tais profetas e pesa sua mão de

reto juiz. Deus torna-se o adversário de tais homens, e não há como contender com Ele.

Ninguém jamais endureceu a cervis contra Deus e prosperou. O Senhor é fogo que

consome (Dt 4:24). Tais homens não possuem lugar na assembléia dos santos e não

podem desfrutar da comunhão da igreja. Não podem desfrutar do convívio agradável

dos irmãos, e ninguém pode lhes pedir conselho, até para questões pessoais. Seus

nomes não estão dentre os dos filhos de Israel, e não constam entre os eleitos de Deus

escritos no livro da vida. Não fazem parte do Israel espiritual de Deus64. Deus os

61 GILL, John. Gill’s Commentary Vol 4: Jeremiah to Malachi. Baker Book House. Grand Rapids, MI, 1980. p.312. 62 CALVIN, John. Commentary on the prophet Ezekiel. Albany, Oregon: Ages Software, 1998. CD-ROM. p.403. 63 Ibid., p.411. 64 GILL, John. Gill’s Commentary Vol 4: Jeremiah to Malachi. Baker Book House. Grand Rapids, MI, 1980. p. 314.

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rejeitou e não serão encontrados dentre aqueles a quem Deus escolheu desde a

eternidade para serem vasos de misericórdia, mas sim estarão dentre aqueles a respeito

de quem Cristo falou “nunca vos conheci” (Mt.7:22)65.

Deus se levanta contra aqueles que falam sua própria palavra e que “revelam”

sonhos mentirosos (Jr.23:30-32) que o Senhor não concedeu. Deus se ira diante de

homens que fazem o nome Dele ser esquecido pelo povo que se agrada de sonhos e

revelações falsas. Esquecer o nome de Deus significa banir o Senhor fazendo-o ausente

de seu governo e obra, ausente do coração do povo, que deixa de temê-lo e honra-lo66.

Ao avaliarmos a seriedade deste tema nos questionamos como certos homens e

mulheres tem a coragem de se levantar no seio das igrejas ou na mídia televisiva e

falarem aquilo que Deus não revelou. Que corações gananciosos e entorpecidos

possuem, a ponto de não considerarem que serão tragados pela ira de Deus. A Palavra

de Deus alerta: “Não mandei estes profetas; todavia, eles foram correndo; não lhes

falei a eles; contudo, profetizaram.”(Jr.23:21) Seria tão mais simples hoje se contassem

sonhos como apenas sonhos (Jr.23:28). Mas muitos insistem em espiritualizar e fazer

de seus sonhos mentirosos a vontade de Deus. Quanta orientação errada já foi dada em

nossos dias ao povo de Deus. Quantos casamentos profetizados como do Senhor que

acabaram em desgraça e violência doméstica. É a leviandade do coração do falso

“profeta” (ou “profetisa”) que faz o povo errar.

4.3 DEUS OS AFASTA DA SUA PRESENÇA

A relação entre Deus e os verdadeiros profetas é íntima e próxima. Deus fala com

eles diretamente e espera deles obediência. Deus não suporta a rebelião – que é como o

pecado de feitiçaria (1 Sm.15:23). Fretheim comentando Je.23:34-40 indica que há um

jogo de significados em torno das palavras “sentença” e “pesada” – que é a mesma

palavra no original hebraico (meshá) – com o propósito de limitar a atuação dos

65 HENRY, Mathew. Bible Commentary. Disponível em: < http: // www.ewordtoday.com / comments/ezekiel/mh/ezekiel13.htm >. Acesso em Julho de 2011. 66 KEIL, C.F. & DELITZSCH, F. Commentary on the Old Testament in ten volumes. Volume VIII. William B Eerdmans Publishing Co. Grand Rapids, MI, 1980. p.363.

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profetas. Jeremias quando questionado acerca da “sentença pesada do Senhor” ele

haveria de responder “vois sois o peso e eu vos arrojarei”. O povo desobediente era um

fardo pesado merecedor de sentença. Deus estava indignado a ponto de lança-los para

longe de sua presença. A proibição de Deus quanto ao uso da expressão “sentença

pesada do Senhor” se aplicava aos profetas, sacerdotes e ao povo. Aparentemente esta

proibição tinha o objetivo didático de limitar quem poderia ou não falar em nome de

Deus, dizendo-se portador de uma revelação67.

Em Je.23:39 fica evidente a ira de Deus resultante da desobediência por parte dos

profetas. Deus lhes promete punição. O fato de Deus declarar que os lançaria fora de

sua presença significa abandono e juízo. Significa Deus não demonstrar mais afeição,

cuidado e favor para com tais pessoas, ficando elas a mercê de seus inimigos68. Deus

prometera trazer calamidade aos profetas (Je.23:12) por seu comportamento adúltero,

falso e maldoso (v.14). A desobediência era um evidência de sua impiedade; sua forma

pervertida da falar a “palavra” do Senhor era sinal de que desdenhavam de Deus69.

Calvino afirma que a resposta de Deus “levantar-vos-ei e vos arrojarei da minha

presença” poderia ser traduzida como “Vós experimentareis quão triste e pesada para

mim é vossa iniquidade e ela voltará sobre vossas cabeças; vós me tendes

sobrecarregado e tratado minha palavra com indignidade; eu vos tratarei com a mesma

indignidade.”.

4.4 DEUS PÕE ESPÍRITO DE VERGONHA SOBRE ELES

O falso profeta aborrece de tal forma o coração de Deus que a vergonha perpétua

é o que lhes resta. No caso do povo hebreu e no contexto do profeta Jeremias (Jr.23:40)

Deus decide desonrar aqueles que eram chamados de povo seu, propriedade sua. Esta

desonra se desdobra para a cidade de Jerusalém, cidade do Seu coração. Gill crê que

esta vergonha de ser sitiada e levada cativa não se aplicou somente ao tempo de 67 FRETHEIM, Terrence E. Smyth & Helwys Bible Commentary – Jeremiah. Smyth & Helwys Publishing Inc. Macon, GA, 2002. p.340-341. 68 GILL, John. Gill’s Commentary Vol.4: Jeremiah to Malachi. Baker Book House. Grand Rapids, MI. 1980. p.112. 69 CALVIN, John. Commentary on Jeremiah. Albany, Oregon: Ages Software, 1998. CD-ROM. Lecture Ninety-First.

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Jeremias mas também perdurou por muitas eras inclusive sob o domínio do império

romano70. Calvino discorda desta posição e entende que esta vergonha estava restrita

ao tempo antes do advento, pois caso se perpetuasse, a igreja, o novo Israel de Deus

estaria debaixo da vergonha 71.

De qualquer forma, a vergonha evidenciava o quadro de pecado do povo, e se

constituía no prenúncio da calamidade (Is.47.3). Em linha com o verso anterior, Deus

os lançaria para longe de sua presença. Estes homens ressuscitariam para a vergonha

eterna (Dn.12:2). O profeta Jeremias neste contexto arranca dos judeus toda sua

vanglória como povo de Deus e os ameaça com a vergonha perpétua.

4.5 DEUS ANUNCIA A MORTE DO FALSO PROFETA

A gravidade do pecado da falsa profecia fazia do falso profeta o merecedor da

pena máxima (Dt.13:5). Os profetas em Israel gozavam de uma posição muito

significante e a morte era por conseguinte a pena para aqueles que presumiam

preencher tal ofício sem terem sido legitimamente chamados por Deus. Os reis e

sacerdotes não necessariamente seriam julgados com pena de morte por abusarem de

seu ofício em Israel, os profetas entretando deveriam morrer. A pena era severa devido

ao grau de destruição que a falsa profecia poderia causar na vida do povo de Deus72.

Por sua palavra falsa o profeta poderia levar o povo a uma atitude inconsequente a

respeito de seu pecado, e com isso como resultado colher a ira de Deus por conta de

seu pecado. Com sua palavra o profeta exercia o poder da vida e da morte

Para Robertson, nos dias de hoje, onde governos civis não constituem uma

teocracia como nos dias da antiga aliança, não é da competência de nossos governantes

regularem ou julgarem quem são os verdadeiros e os falsos profetas, muito menos

aplicarem pena máxima àqueles que forem identificados como falsos profetas. A igreja

70 GILL, John. Gill’s Commentary Vol.4: Jeremiah to Malachi. Baker Book House. Grand Rapids, MI. 1980. p.112. 71 CALVIN, John. Commentary on Jeremiah. Albany, Oregon: Ages Software, 1998. CD-ROM. 72 ROBERTSON, O. Palmer. The Christ of the Prophets. P&R Publishing. Phillipsburg, NJ. 2004. p.114.

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no entando, debaixo da nova aliança, deve supervisionar a membresia de forma

responsável protegendo-a daqueles que se levantam mentindo e dizendo terem

recebido do Senhor uma palavra inspirada e infalível. A disciplina na igreja deve

incluir necessariamente a exortação, a instrução na Palavra, e se necessário a exclusão

daqueles que falsamente presumem falar como boca de Deus73. A igreja necessita estar

ciente dos perigos associados a um ministério qualquer cuja motivação seja agradar a

homens e não a Deus. Pastores, pregadores e presbíteros devem considerar o efeito

devastador da infidelidade à Palavra de Deus. A tolerância a esta infidelidade para com

a Palavra de Deus pode significar a ruina do povo de Deus74.

4.6 DEUS ANUNCIA A MORTE DOS QUE OUVEM O FALSO

PROFETA

Não era somente o falso profeta que era condenado à morte. Dar ouvidos à

palavra mentirosa também gerava condenação. A vaidade do povo o levava a dar

ouvidos às mentiras dos falsos profetas. Seu próprio pecado fazia com que Deus os

abandonasse a mercê de suas próprias concupiscências (Rm .1:24)75. A coceira em seus

ouvidos para que ouvissem palavras que agradassem dava a liberdade a Satanás para

iludí-los. Devido a sua impiedade e ingratidão Deus os visitaria com juízo mortal.

Morreriam de fome e pela espada. Seus cadáveres haveriam de apodrecer ao relento

pois não haveria pai e mãe para sepultá-los. Que quadro de terrível desgraça resultante

da impiedade. Quão grave é hoje percebermos as multidões que seguem profetas

atraídas por fábulas profanas. A mesma impiedade existe no coração de uma massa de

pessoas atraídas por um discurso cheio de promessas mentirosas. A igreja necessita

levantar uma voz profética denunciando os descaminhos do evangelho barato, que

promete riquezas, bens materiais e sucesso. Cristo só nos deixou o exemplo da cruz e

do amor ao próximo.

73 Ibid. p.115. 74 Ibid. p.117. 75 CALVIN, John. Commentary on Jeremiah. Albany, Oregon: Ages Software, 1998. CD-ROM.

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5 CONCLUSÃO

Apesar de não haver consenso na igreja evangélica quanto à existência ou não de

profetas nos dias de hoje, há para um grupo aqueles que se levantam como falsos

mestres, e para outro aqueles que se levantam como falsos profetas. É fato que hoje no

contexto das igrejas evangélicas existe algo como uma corrente migratória formada de

crentes em busca de novidades “espirituais”, em busca de “profetas e profetisas”. Nada

diferente do que o apóstolo Paulo já havia exortado a Timóteo em sua 2ª epístola (2

Tm.4:3). Esta mentalidade carnal tem assolado a igreja do Senhor. A igreja genuína

deve estar muito atenta a estas manifestações para agir com firmeza e discernimento.

Não podemos tolerar que o nome de Deus seja profanado através de falsas profecias ou

manifestações mentirosas do poder do Espírito Santo. Devemos provar os ensinos e o

espírito dos supostos profetas e mestres (1 Jo.4:1) para conferirmos coisas espirituais

com espirituais, não dando crédito a qualquer palavra. Precisamos estar atentos aos

seus frutos, suas motivações, sua coerência bíblica e piedade. Precisamos rejeita-los

com veemência e coragem e declara-los ímpios. Os verdadeiros profetas de Deus nos

exortam à santidade, ao abandono do pecado, à prática das boas obras e ao crescimento

espiritual. Eventualmente podem ter uma palavra específica e particular como fruto de

alguma coisa que o Espírito Santo queira comunicar. Porém tudo deve ser feito para a

glória de Deus, sendo Cristo o centro. O que passar disso corre grande risco de ser

carnal e vão, e portanto não provém do Pai das Luzes.

Devemos estar atentos aos critérios sugeridos por Packer76 para julgarmos profetas

e profecias: testarmos criteriosamente a palavra ou ensino proferido; buscarmos

evidência dos frutos do Espírito na vida de quem “profetizou”; passarmos o crivo da

centralidade de Cristo na mensagem entregue; e não nos esquecermos da subjetividade

destas experiências com os dons do Espírito Santo. Devemos ter a coragem de reprimir

o falso ensino e a falsa profecia, ao ponto de levarmos tais temas aos Concílios e

líderes das igrejas.

76 PACKER, J.I. John Owen on Spiritual Gifts. Disponível em: <http://stevenjcamp.blogspot.com / 2006/01/john-owen-on-spiritual-giftsa-quest.html>. Acesso em Julho/2011.

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Por outro lado, na minha opinião, as igrejas de linha reformada deveriam ser

cautelosas quanto ao outro extremo. Muitas vezes, por uma questão de conveniência e

receio de ter que tratar tais temas, pastores e líderes de igrejas locais preferem suprimir

quaisquer manifestações do Espírito Santo. Em nome da ordem evitam-se discussões

sobre o assunto, rotulam-se pessoas, proíbem-se reuniões de oração. Deixa-se de lado a

busca do equilíbrio e da liberdade que o próprio Espírito Santo concede ao corpo bem

fundamentado nas Escrituras. O resultado disso são igrejas onde os crentes não sabem

quais são seus dons, entram e saem como meros expectadores de um teatro espiritual,

levando uma vida que muitas vezes parece apenas ter uma fé retórica. Somente através

do ensino da Palavra e da oração e do saudável exercício dos dons encontraremos um

caminho virtuoso para este tema tão relevante.

Que esta oração escrita por Calvino77 nos alimente a alma para que estejamos

sempre atentos à verdadeira palavra do Senhor:

“Deus Todo-Poderoso, já que ficamos tão adormecidos em nossos vícios que necessitamos diariamente novidades que nos dêem animo, conceda-nos primeiramente que aqueles que nos pastoreiam possam fielmente nos conclamar ao arrependimento; e também que nós estejamos tão atentos a suas exortações e tão cientes do sofrimento da condenação que possamos nos julgar a nós mesmos. Concede-nos também provar de Sua bondade paternal quando nos castigar severamente, de forma que sempre haja um caminho aberto para buscarmos a reconciliação em Cristo Jesus nosso Senhor. Amém”

77 CALVIN, John. Commentary onEzekiel. Albany, Oregon: Ages Software, 1998. CD-ROM. Minha Tradução.

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