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Página - 1 1ª RODADA CEI - DPU 1ª EDIÇÃO PREPARATÓRIO PARA A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO 12/06/2013 Atenção para eventuais informações desatualizadas em razão da data em que o Curso foi veiculado. Encontrando qualquer erro, falha ou imprecisão, solicitamos que avisem o Coordenador do CEI, Caio Paiva, no email: [email protected] Círculo de Estudos pela Internet www.cursocei.com facebook.com/cursocei twitter.com/cursocei Prezado(a) aluno(a), é proibida a reprodução deste material, ainda que sem fins lucrativos. O CEI possui um sistema de registro de dados que marca o material com o seu CPF ou nome de usuário. O descumprimento dessa orientação acarretará na sua exclusão do Curso.

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1ª RODADA

CEI - DPU 1ª EDIÇÃO PREPARATÓRIO PARA A

DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

12/06/2013Atenção para eventuais informações desatualizadas em razão da data em que o Curso foi veiculado.

Encontrando qualquer erro, falha ou imprecisão, solicitamos que avisem o Coordenador do CEI, Caio Paiva, no email: [email protected]

Círculo de Estudos pela Internetwww.cursocei.com

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Prezado(a) aluno(a), é proibida a reprodução deste material, ainda que sem fins lucrativos. O CEI possui um sistema de registro de dados que marca o material com o seu CPF ou nome de usuário. O descumprimento dessa orientação acarretará na sua exclusão do Curso.

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Prezado(a) participante,

É com grande satisfação que damos início ao 1º Curso de Preparação Intensiva para o V Concurso da Defensoria Pública da União, um projeto ambicioso, mas também ousado. Ambicioso porque nos empenharemos ao máximo para fornecer um material de excelência, que sirva para auxiliar nos estudos desde a prova objetiva até à prova oral; e ousado porque nos propusemos à tamanha responsabilidade sem qualquer auxílio de natureza administrativa ou técnica. Fizemos tudo: da criação do banner da propaganda do Curso à divulgação na internet1; do registro de inscrições à confirmação dos respectivos pagamentos; da ampla pesquisa sobre os temas a serem abordados à formatação do material; enfim, nosso Curso é praticamente artesanal.

Pedimos, antecipadamente, desculpas por qualquer falha que eventualmente venhamos a praticar. Por não dispormos – ainda – de uma base de dados e de um sistema que permita uma interatividade mais sofisticada entre mediadores e participantes, contamos com a compreensão de todos vocês, participantes, para que o Curso funcione perfeitamente da forma como programada.

Atentem-se, então, para as seguintes orientações: 1) Conforme estipulado no calendário enviado por email, a partir da 3ª Semana do Curso (26/06), cada

participante receberá, sempre na quarta-feira, dois arquivos: um contendo a divulgação do gabarito e melhores respostas da antepenúltima rodada, e outro com o conteúdo da próxima rodada. Embora aparentemente complexo, esse procedimento é bastante simples e efetivo.

2) As respostas das questões dissertativas e peça judicial devem ser enviadas exclusivamente para o email [email protected], através de arquivo Word, com indicação no campo assunto da matéria (Direito Civil, Direito Penal, Direito Administrativo etc.). O desrespeito dessa orientação pode acarretar a não correção da resposta do participante. Gostaríamos, honestamente, de flexibilizar o rigor desse procedimento, mas, para manter a organização do Curso e do recebimento da resposta de mais de cem participantes, iremos segui-la à risca. Os mediadores disporão, conforme estipulado no calendário, do prazo de sete dias para fazerem a correção, a qual será enviada, também, como resposta ao email recebido do participante.

3) Todos os participantes receberão o arquivo contendo o gabarito e melhores respostas da rodada,

inclusive aqueles que não participaram ativamente respondendo as questões e elaborando a peça judicial.

4) Qualquer reclamação, sugestão ou dúvida sobre o Curso e o seu funcionamento, estou à disposição

através do email [email protected].

O arquivo correspondente a cada rodada semanal conterá uma média de quarenta a setenta páginas. Como o próprio nome do Curso já diz, serão quatro meses de preparação intensiva; não só para vocês, participantes, mas também para nós, mediadores. Se me permitem aconselhar uma forma de acompanhar o Curso, sugiro que separem no máximo dois dias da semana para lerem o material e responderem as perguntas/peça. Reservar o final de semana pode ser uma boa ideia. De qualquer forma, àqueles que eventualmente não consigam acompanhar o ritmo do Curso, não há motivo para desespero: guardem o material para estudar quando puderem!

Se o sonho de vocês é ingressar na Defensoria Pública, será uma honra indescritível poder, de alguma forma, fazer parte desta caminhada. Contem conosco!

Caio Cezar, coordenador do Curso.

1 Registro o nosso agradecimento à amiga Larissa (www.facebook.com/ccriminais), assim como aos amigos Márcio (www.dizerodireito.com.br), Bruno Barros (www.blogdobrunobarros.blogspot.com), Fábio (www.estudodi-recionado.com) e Clint (www.concursodefensoria.blogspot.com), que, gentilmente, contribuíram na divulga-ção do Curso.

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“Voem alto, mergulhem fundo, encontrem o próprio caminho. Não tenham medo de tentar, de recomeçar, de insistir. O maior naufrágio é não partir.” (Luís Roberto Barroso, agora Ministro do Supremo Tribunal Federal, em discurso proferido no ano de 2009, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ).

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Sumário

1. Questões objetivas comentadas 2. Questões dissertativas 3. Dicas gerais 4. Leituras direcionadas

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QUESTÕES OBJETIVAS COMENTADAS Todas as questões objetivas inseridas neste Informativo foram retiradas da prova aplicada no IV Concurso da Defensoria

Pública da União, realizada no ano de 2010. Optamos por manter a numeração original das questões.

GRUPO I: Direito Civil, Processo Civil e Direito Internacional Privado

Com relação ao conflito de leis no espaço e aos elementos de conexão que viabilizam a sua resolução, julgue os itens a seguir.

1 A regra geral, ante o conflito de leis no espaço, é a aplicação do direito pátrio, empregando-se o direito estrangeiro apenas excepcionalmente, quando isso for, expressamente, determinado pela legislação interna de um país.

Certo. Conforme advertem Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, “saber qual é a norma de direito material estrangeiro que excepcionalmente é aplicada no território de outro Estado (extraterritorialidade) é um dos objetivos do Direito Internacional Privado” (GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil – Volume I – Parte Geral. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 119). Jacob Dolinger, por sua vez, um dos mais estudiosos do tema tratado, pontua que “O Direito Internacional Privado, ao trabalhar com o conflito das leis, inegavelmente o campo mais amplo e importante de seu objeto, há de criar regras para orientar o Juiz sobre a escolha da lei a ser aplicada. O conflito entre as legislações permanece, mas a situação concreta é resolvida mediante a aplicação de uma das leis, escolhida de acordo com as regras fixadas, seja pelo legislador, seja pela Doutrina ou pela Jurisprudência” (DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado – Parte Geral. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 5). Quanto ao conteúdo do enunciado, esse está plenamente correto, descrevendo expressamente que o princípio da territorialidade é a regra e o princípio da extraterritorialidade, a exceção, a qual pode ser aplicada, de fato, quando permitida pela legislação interna do país. Nesse sentido, confira-se também a lição de Paulo Henrique Gonçalves Portela: “Cabe destacar que a resolução dos conflitos de leis no espaço poderá levar à aplicação da norma estrangeira em outro Estado, possibilidade regulada por tratados ou pelo próprio Direito interno, que poderão, desse modo, permitir a execução de norma oriunda de outro ente estatal” (PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 508).

2 A lex damni, como espécie de elemento de conexão, indica que a lei aplicável deve ser a do lugar em que se tenham manifestado as consequências de um ato ilícito, para reger a obrigação de indenizar aquele que tenha sido atingido por conduta delitiva de outra parte em relação jurídica internacional.

Certo. Conforme explica Renata Campetti Amaral, “Elemento de conexão é a parte da norma de DIPrivado que determina qual o ordenamento jurídico que se aplicará a uma determinada questão. Como vimos, essa questão, para ser objeto do DIP, deverá pertencer a um ramo do direito privado e estar ‘conectada’ a mais de um ordenamento jurídico. Diz-se que a questão está ‘conectada’ a mais de um ordenamento quando há a possibilidade da aplicação das leis internas de mais de um Estado” (AMARAL, Renata Campetti. Direito Internacional Público e Privado. 6ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 151). No tocante ao conceito do elemento de conexão relativo à lex damni, o enunciado está correto. Sobre o tema, parece-me oportuno, ainda, ressaltar que a norma de conexão lex damni foi a escolhida pelo “Regulamento n. 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11/07/2007 relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (“Roma II”)”, conforme se lê em seu art. 4º:

Capítulo II Responsabilidade fundada em acto ilícito, ou no risco Artigo 4º Regra geral 1. Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável às obrigações extracontratuais decorrentes da responsabilidade fundada em acto lícito, ilícito ou no risco é a lei do país onde ocorre o dano, independentemente do país onde tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as

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consequências indirectas desse facto.

No que diz respeito às fontes brasileiras de direito internacional e à aplicação do direito estrangeiro no Brasil, julgue os itens subsequentes.

3 No Brasil, não se admite o costume como recurso de integração ao direito.

Errado. A questão não exigia mais do que o mero conhecimento da lei seca, como ocorre, aliás, em regra, nas questões da matéria “Direito Internacional Privado”, a maioria resolvida exclusivamente com base na LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Ao contrário do que consta no enunciado, dispõe o art. 4º da LINDB que “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. À título de ilustração, assevera Flávio Tartuce que “Os costumes podem ser conceituados como sendo as práticas e usos reiterados com conteúdo lícito e relevância jurídica. Os costumes, assim, são formados, além da reiteração, por um conteúdo lícito, conceito adaptado ao que consta no Código Civil de 2002. Isso porque em vários dos dispositivos da novel codificação é encontrada referência aos bons costumes, constituindo seu desrespeito abuso de direito, uma espécie de ilícito, pela previsão do seu art. 187. Também há menção aos bons costumes no art. 13 do CC, regra relacionada com os direitos da personalidade, pela qual “Salvo por exigência médica, é defeso ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes” (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil – Volume Único. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 17).

4 A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, razão pela qual os tribunais brasileiros podem, excepcionalmente, admitir provas que a lei brasileira desconheça.

Errado. O enunciado contraria expressamente o art. 13 da LINDB, que dispõe: “A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça”.

Julgue os itens a seguir, acerca do direito processual civil internacional.

5 A competência jurisdicional brasileira somente incide sobre indivíduo estrangeiro se este residir no Brasil durante mais de quinze anos ininterruptos.

Errado. Novamente, conforme se verifica, a questão pode ser resolvida mediante singela aplicação da LINDB, que, em seu art. 12, estabelece que “É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação”, nada dispondo, portanto, sobre prazo mínimo de residência no país.

GRUPO II: Direito Penal, Processo Penal, Direito Penal Militar e Processo Penal Militar

Acerca das causas excludentes da ilicitude, julgue o próximo item.

51 A responsabilidade penal do agente nos casos de excesso doloso ou culposo aplica-se às hipóteses de estado de necessidade e legítima defesa, mas o legislador, expressamente, exclui tal responsabilidade em casos de excesso decorrente do estrito cumprimento de dever legal ou do exercício regular de direito.

Errado. Conforme adverte Rogério Greco, “Ao contrário do que ocorria com a Parte Geral do Código Penal de 1940, que previa o excesso culposo na hipótese de legítima defesa, o parágrafo único do art. 23 da atual Parte Geral estendeu a possibilidade de reconhecimento do excesso punível às quatro causas de

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justificação elencadas nos incisos do mencionado art. 23” (GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 5ª ed. Niterói/RJ: Impetus, 2011, p. 71). Em reforço a esta afirmação, consta da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal, empreendida pela Lei 7209/84, que “Permanecem as mesmas, e com o tratamento que lhes deu o Código vigente, as causas de exclusão da ilicitude. A inovação está contida no art. 23, que estende o excesso punível, antes restrito à legítima defesa, a todas as causas de justificação”.

No que se refere aos crimes contra a vida, às lesões corporais, aos crimes contra a honra e àqueles contra a liberdade individual, julgue os seguintes itens.

52 Em se tratando de homicídio, é incompatível o domínio de violenta emoção com o dolo eventual.

Errado. Trata-se de tema pouco explorado pela doutrina. Desconheço, também, qualquer decisão dos Tribunais Superiores a respeito. De qualquer forma, sem mencionar divergência alguma, Cleber Masson afirma que “O privilégio é compatível com a figura do dolo eventual. É o caso daquele que, logo depois de ser injustamente provocado pela vítima, e encontrando-se sob o domínio de violenta emoção, decide reagir agressivamente e acaba matando-a” (MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: parte especial – vol. 2. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 26). Em reforço à tese, confira-se o que afirma Francisco Campos na Exposição de Motivos do Código Penal de 1940: “Segundo o preceito do art. 15, I, o dolo existe não só quando o agente quer diretamente o resultado (effetus sceleris), como assume o risco de produzi-lo. O dolo eventual é, assim, plenamente equiparado ao dolo direto”.

53 Para a configuração da agravante da lesão corporal de natureza grave em face da incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias, não é necessário que a ocupação habitual seja laborativa, podendo ser assim compreendida qualquer atividade regularmente desempenhada pela vítima.

Certo. Em que pese o enunciado incorrer em equívoco ao mencionar a agravante da lesão corporal de natureza grave, quando, na verdade, se trata de uma qualificadora (art. 129, § 1º, I, do CP). Quanto ao conteúdo da assertiva, porém, este está correto, havendo um consenso doutrinário de que o termo “ocupações habituais” não se relaciona necessariamente com a atividade laborativa. Neste sentido: “Entende-se por ocupação habitual qualquer atividade corporal costumeira, tradicional, não necessariamente ligada a trabalho ou ocupação lucrativa, devendo ser lícita, não importando se moral ou imoral, podendo ser intelectual, econômica, esportiva etc. Desse modo, mesmo um bebê pode ser sujeito passivo desta espécie de lesão, vez que tem de estar confortável para dormir, mamar, tomar banho, ter suas vestes trocadas etc.” (CUNHA, Rogério Sanches. Direito Penal – Parte Especial. 3ª ed. São Paulo: RT, 2010, p. 54.).

54 A veiculação de injúria e (ou) difamação por meio de boletim de associação profissional configura crime contra a honra, tipificado no Código Penal. Nesse caso, não se trata de crime de imprensa, qualquer que tenha sido a data da prática do crime.

Certo. O enunciado reproduz a conclusão da 5ª Turma do STJ, que, ao julgar o HC 10731 (j. 17/02/2000), decidiu que “A veiculação de eventual injúria e/ou difamação por meio de Boletim de associação profissional configura crime contra a honra, tipificado no Código Penal, não se cogitando de crime de imprensa, pois o impresso em questão não se enquadra na definição de publicação periódica do parágrafo único do art. 12 da Lei nº 5.250/67 - eis que não preenche alguns dos requisitos formais exigidos pela lei especial, tendo, ainda, circulação e informações restritas, vinculadas aos interesses de um grupo de pessoas”. Importante lembrar, ainda, sobre o tema, que o STF decidiu que a Lei 5520/67 (Lei de Imprensa) não foi recepcionada pela CF/88 (Pleno, ADPF 130, j. 30/04/2009).

55 Na doutrina, distinguem-se as figuras sequestro e cárcere privado, afirmando-se que o primeiro é o gênero do qual o segundo é espécie. A figura cárcere privado caracteriza-se pela manutenção de alguém em recinto fechado, sem amplitude de locomoção, definição esta mais restrita que a de sequestro.

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Certo. Conforme a lição de Nelson Hungria, repetida por tantos outros penalistas, “(...) mais acertado dizer que o seqüestro é o que é o gênero e o cárcere privado a espécie, ou, por outras palavras, o seqüestro (arbitrária privação ou compressão da liberdade de movimento no espaço) toma o nome tradicional de cárcere privado quando exercido in domo privata ou em qualquer recinto fechado, não destinado a prisão pública. Tanto no seqüestro, quanto no cárcere privado, é detida ou retida a pessoa em determinado lugar; mas, no cárcere privado, há a circunstância de clausura ou encerramento. Abstraída esta acidentalidade, não há que distinguir entre as duas modalidades criminais, de modo que não se justificaria uma diferença de tratamento penal” (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal – Volume VI. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 192).

GRUPO III: Direito do Trabalho, Processo do Trabalho, Direito Administrativo, Direito Previdenciário, Direito Tributário e Direito Eleitoral

101 Ao empregador é vedado empregar mulheres em serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 quilos, ainda que o trabalho seja ocasional, não estando compreendida, em tal vedação, a remoção de material feita por impulsão ou tração de vagonetes sobre trilhos, de carros de mão ou por quaisquer aparelhos mecânicos.

Errado. O trabalho da mulher é questão popular entre as bancas de concurso, valendo aqui relembrar a ideia de isonomia proposta por Aristóteles e citada por Ruy Barbosa no conhecido sentido de que se deve “tratar os desiguais na medida de sua desigualdade” de modo a garantir os mesmos direitos às trabalhadoras do sexo feminino sem, contudo, esquecer das peculiaridades do gênero e da defesa de sua saúde no labor. Observe o candidato que a questão aborda de forma objetiva (o popular “decoreba”), com especial crueldade, o artigo 390 da CLT, reproduzido abaixo:

Art. 390 - Ao empregador é vedado empregar a mulher em serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos para o trabalho continuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos para o trabalho ocasional.

Parágrafo único - Não está compreendida na determinação deste artigo a remoção de material feita por impulsão ou tração de vagonetes sobre trilhos, de carros de mão ou quaisquer aparelhos mecânicos.

O vício estava, portanto, em não mencionar a assertiva da prova que o trabalho OCASIONAL pode ser com pesos de até 25 kg. A melhor dica aqui, de fato, refere-se à forma de cobrança de temas trabalhistas. Infelizmente, é comum que o examinador faça “pegadinhas”, quando aborda temas nessa seara envolvendo números, misturando prazos, valores, porcentagens etc. Exemplo de tema comumente alvo de questões assim é o trabalho noturno e seu adicional, com os diferentes horários e graduações de sua percepção, conforme o trabalhador seja rural – na pecuária ou na agricultura; urbano ou advogado, havendo diferente horário a configurar labor noturno remunerado com adicional diferente para cada um deles, (vide art.73 da CLT e Lei 8.906/94, art. 20 §3º, para os advogados empregados). Nesse sentido, conjugando as informações, podemos afirmar que são de leitura obrigatória na preparação para ir bem nos certames que cobrem direito do trabalho, a leitura da “lei seca” (CLT) e das Súmulas do TST, bem como das Orientações Jurisprudenciais (OJs) da SDI-1/TST.

102 Considerando-se que a estabilidade constitui garantia de emprego, a estabilidade provisória da gestante garante unicamente a reintegração da trabalhadora, sendo cabível a conversão em indenização tão somente quando o juiz entender que a reintegração é desaconselhável, por existir elevado grau de animosidade entre as partes.

Errado. A garantia do trabalho à gestante decorre de expressa previsão constitucional, contida no art. 10, II, “b”, do ADCT da Constituição da República de 1988, verbis:

Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da

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Constituição: [...] II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: [...] b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

A estabilidade em comento foi objeto de revisão jurisprudencial pelo Tribunal Superior do Trabalho em Setembro de 2012, tendo a Corte alterado o conteúdo da Súmula 244 do seu verbete de jurisprudência, que passou a assim dispor:

SÚMULA nº 244 GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012 – DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, “b” do ADCT). II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

No que pertinente a esta questão, observará o candidato que a regra é a indenização pelo valor das remunerações do período de estabilidade, sendo a reintegração possível apenas quando pleiteada a garantia em estudo ainda dentro do período estabilitário (de até cinco meses após o parto). Havendo demanda já fora (ou ação decidida fora) do período, não há direito à reintegração, mas persiste o direito à indenização. Assim, a previsão pacífica na doutrina e jurisprudência é exatamente o contrário da assertiva, que afirmou ser a reintegração a regra e a indenização uma exceção, só cabível quando não houvesse reintegração, afirmação por completo falsa. Devem ser observados os grifos que fazemos à Súmula em comento, com destaque para sua nova redação, que integrou em seu bojo o sentido daquelas que eram as últimas decisões do TST sobre o tema, determinando que mesmo em contrato por prazo determinado (como no contrato de experiência, mas não só nele) é devida a garantia do emprego (e indenização) à trabalhadora grávida demitida. Em mesmo sentido, de se ficar atento, grifou-se a parte do entendimento que esclarece ser indiferente o prévio conhecimento ou não da gravidez para que se efetive a garantia. Significa afirmar que a estabilidade é de caráter objetivo, decorrendo da previsão constitucional em favor, análise última, do nascituro, como reiteradamente decide o TST. Dessa forma, saiba ou não o empregador, tenha contrato a obreira grávida ou tenha ela ficado grávida no curso do vínculo, nenhuma de tais situações são óbices para a concessão da estabilidade, com indenização e/ou reintegração (esta se houver demanda ainda dentro do prazo estabilitário). Como ensina o professor Renato Saraiva:

“Para configuração da estabilidade da gestante, doutrina e jurisprudência adotaram como regra a chamada teoria objetiva, sendo relevante apenas a confirmação da gravidez pela própria gestante, pouco importando se o empregador tinha ou não conhecimento gravídico do estado da obreira.” (SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. 15 ed. São Paulo: Método, 2013, p. 321).

Julgue os itens a seguir, acerca do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

103 A estabilidade decenal, a estabilidade contratual e a derivada de regulamento de empresa são incompatíveis com o regime do FGTS.

Errado. A CRFB/88 estabeleceu o FGTS como único regime de indenização para o trabalhador em seu art. 7º, III. Antes disso, ele já existia (Lei 5.107/66), mas era opcional, pois havia o sistema da estabilidade

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decenal com indenização, previsto na CLT nos art. 477 e 478 (estabilidade decenal com indenização própria). Aqueles trabalhadores que antes da Constituição tinham direito à estabilidade permaneceram com tal direito (vide a atual Lei reguladora, 8.036/90, art. 14 e seguintes). O tempo de serviço do trabalhador anterior à CRFB/88, quando ele não era optante pelo FGTS, rege-se pela CLT (arts. 477, 478 e 497) até a edição da CRFB/88 e pelas regras do FGTS a partir dela. Veja a Lei 8.060/90, art. 14 e seus parágrafos:

Art. 14. Fica ressalvado o direito adquirido dos trabalhadores que, à data da promulgação da Constituição Federal de 1988, já tinham o direito à estabilidade no emprego nos termos do Capítulo V do Título IV da CLT. 1º O tempo do trabalhador não optante do FGTS, anterior a 5 de outubro de 1988, em caso de rescisão sem justa causa pelo empregador, reger-se-á pelos dispositivos constantes dos arts. 477, 478 e 497 da CLT. 2º O tempo de serviço anterior à atual Constituição poderá ser transacionado entre empregador e empregado, respeitado o limite mínimo de 60 (sessenta) por cento da indenização prevista. 3º É facultado ao empregador desobrigar-se da responsabilidade da indenização relativa ao tempo de serviço anterior à opção, depositando na conta vinculada do trabalhador, até o último dia útil do mês previsto em lei para o pagamento de salário, o valor correspondente à indenização, aplicando-se ao depósito, no que couber, todas as disposições desta lei. 4º Os trabalhadores poderão a qualquer momento optar pelo FGTS com efeito retroativo a 1º de janeiro de 1967 ou à data de sua admissão, quando posterior àquela.

A natureza jurídica do FGTS é controvertida na doutrina, com posições aduzindo que seja previdenciária, outras que seja contribuição parafiscal, contribuição fiscal, instituto de natureza previdenciária etc. Segundo o professor Renato Saraiva (SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. 15 ed. São Paulo: Método, 2013, p. 301), prevalece o entendimento que seja uma indenização em prol do obreiro. Particularmente, estamos com Maurício Godinho Delgado, que ensina:

“(...) O FGTS é instituto de natureza multidimensional, complexa, com preponderante estrutura e fins justrabalhistas, os quais se combinam, porém, harmonicamente, a seu caráter de fundo social de destinação variada, tipificada em lei. Por isso associa traços de mera figura trabalhista com traços de figura afeta às contribuições sociais, formando, porém, instituto unitário.” (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10 ed. São Paulo: LTr p. 261).

Assim, cristalino que o sistema da estabilidade decenal anterior à CRFB/88 era de todo incompatível com o regime do FGTS. Quando coexistiram, eram excludentes e após a Lei Maior, o FGTS tornou-se obrigatório (e único). Já a estabilidade derivada de contrato pactuado entre as partes ou de regulamento da empresa em nada são incompatíveis com as normas fundiárias, cogentes ante determinação constitucional e legal. Vale dizer: se ainda que sujeito ao regime do FGTS o empregador e trabalhador pactuam uma estabilidade ou esta é inclusa na empregadora, até dado o caráter benéfico que se extrai da conjugação das normas há compatibilidade. Nessas hipóteses, com garantia do posto do trabalhador por pacto entre as partes ou dispositivo na norma interna da empregadora de caráter privado, inter partes, tem-se aplicação do princípio da norma mais favorável. Leia-se a Súmula 98 do TST que responde a integralidade da questão:

Súmula 98 do TST: Equivalência - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – Estabilidade I - A equivalência entre os regimes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e da estabilidade prevista na CLT é meramente jurídica e não econômica, sendo indevidos valores a título de reposição de diferenças.

II - A estabilidade contratual ou a derivada de regulamento de empresa são compatíveis com o regime do FGTS. Diversamente ocorre com a estabilidade legal (decenal, art. 492 da CLT), que é renunciada com a opção pelo FGTS.

Registramos por derradeiro que o item I da Súmula faz menção ao fato dos dois sistemas serem equivalentes

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jurídicos (excludentes, como dissemos, quando coexistiram ou para aqueles poucos que ainda tenham a estabilidade), mas não econômicos, ou seja, não é possível pleitear diferenças financeiras decorrentes da mudança de um para outro regime ao argumento de perda de valores que teriam sido percebidos sob regra anterior, inexistindo equivalência econômica entre eles.

104 Os reflexos de horas extras sobre os depósitos fundiários que venham a ser postulados por empregado perante a justiça do trabalho são alcançados pela prescrição quinquenal.

Certo. O prazo prescricional para reclamar depósitos fundiários não efetuados na conta vinculada do trabalhador é TRINTENÁRIO (art. 23, §5º, Lei 8.036/90). Observe que a previsão legal é específica, referindo-se tão somente ao valor de depósito do FGTS em si. Não esqueçamos que os prazos prescricionais da ação trabalhista têm sede constitucional, estando previstos no art. 7º XIX da CRFB/88, verbis:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)

Em atenção à norma constitucional, o TST editou sua Súmula nº 362, que esclarece:

Súmula nº 362 - Res. 90/1999, DJ 03.09.1999 - Nova redação - Res. 121/2003, DJ 21.11.2003.

Contrato de Trabalho - Prazo Prescricional - Reclamação - Fundo de

Garantia do Tempo de Serviço É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o nãorecolhimento da contribuição para o FGTS, observado o prazo de 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho.

Assim, o prazo para reclamar os depósitos fundiários inexistentes no curso do vínculo de emprego é de trinta anos, porém, havendo o fim do contrato, eventual ação está sujeita ao prazo prescricional constitucional das ações trabalhistas, que é de apenas dois anos. No mesmo sentido, havendo demanda no curso do vínculo, observar-se-á para qualquer valor de verba que não seja o depósito do FGTS em si o prazo quinquenal de prescrição. A questão faz referência, como vimos, não aos depósitos fundiários, mas aos reflexos de horas extras sobre tais depósitos, aduzindo que estes estariam sujeitos à prescrição quinquenal no curso do vínculo. A assertiva está correta, sendo vital compreender que: apenas e tão só o depósito fundiário (principal) está sujeito à prescrição trintenária, por força da Lei 8.036/90, sendo certo que quaisquer verbas outras trabalhistas, ainda que derivadas (acessórias) dos depósitos de FGTS, estarão sujeitas aos prazos prescricionais do art. 7º, XIX da CRFB/88.

Por ilustrativo, confira-se o seguinte acórdão do TST, que explica bem o ponto:

TST 4ª Turma. nº RR-647157/2000, de 07 Maio 2003: PRESCRIÇÃO. REFLEXOS DE DIFERENÇAS DE HORAS EXTRAS SOBRE OS DEPÓSITOS DE FGTS. ENUNCIADO Nº 206 DO TST. Da interpretação a contrario sensu da atual, iterativa e notória jurisprudência deste c. Tribunal Superior do Trabalho, cristalizada no Enunciado nº 206 do TST, infere-se que somente há prescrição trintenária se as verbas postuladas em juízo forem os próprios depósitos de FGTS. Nos casos em que o empregado pleiteia apenas reflexos de parcelas deferidas judicialmente sobre os depósitos referidos,

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a prescrição deve ser a qüinqüenal, própria das verbas trabalhistas, sob pena de subsistência do acessório (a saber, do direito aos depósitos do FGTS) sem o principal (o direito à própria parcela cujos reflexos incidem sobre aqueles depósitos). Logo, se no presente caso houve apenas deferimento de reflexos das horas extras sobre os depósitos do FGTS, aplica-se a prescrição quinquenal, e não a trintenária.

Acerca do que dispõem a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a jurisprudência a respeito das férias, julgue os itens que se seguem.

105 O cálculo da remuneração das férias do tarefeiro deve ser realizado com base na média da produção do período aquisitivo, garantida a observância do valor da remuneração da tarefa na data da concessão.

Certo. Há três formas de cálculo do montante salarial do obreiro: calcula-se o valor pelo tempo de duração do serviço (ou seja, remunera-se pelo período à disposição do empregador, sendo essa a forma mais comum); por unidade ou produção (onde se remunera como resultado somente do número de peças produzidas) e, por fim, por tarefa, modalidade que conjuga as anteriores para estabelecer o salário com base na produção alcançada num tempo predeterminado à disposição do empregador. Recordemos a lição de Maurício Godinho Delgado, que destaca com a propriedade habitual:

“(...) As características do salário-tarefa demonstram que ele reúne, em sua fórmula de cômputo salarial, aspectos do mecanismo de incentivo à produtividade que caracteriza o salário produção, sem a extensão do desgaste obreiro e transferência do risco empresarial que também despontam naquela fôrmula anterior.” (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10 ed. São Paulo. LTr p.695).

Aqui vale frisar: a CRFB/88, art. 7º, VII, veda remuneração inferior ao salário-mínimo para qualquer empregado que receba salário variável. Quanto à CLT, essa explicitamente aborda o tema da assertiva comentada em seu art. 142, §2º:

Art. 142 - O empregado perceberá, durante as férias, a remuneração que lhe for devida na data da sua concessão. [...] § 2º - Quando o salário for pago por tarefa tomar-se-á por base a media da produção no período aquisitivo do direito a férias, aplicando-se o valor da remuneração da tarefa na data da concessão das férias.

Não é outro o entendimento sumulado do TST:

TST Enunciado nº 149 - RA 102/1982, DJ 11.10.1982 e DJ 15.10.1982 - ExPrejulgado nº 22 - Mantida - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Remuneração - Férias do Tarefeiro A remuneração das férias do tarefeiro deve ser a base média da produção do período aquisitivo, aplicando-se-lhe a tarifa da data da concessão.

Embora modalidade mais rara de aferição do quantum salarial, a situação do tarefeiro e seu salário têm sido abordados em contextos vários, merecendo citação, ainda, a previsão do art. 463, “g”, da CLT, ao tratar das hipóteses de rescisão indireta do contrato de emprego e que a permite por parte do empregado quando, sendo ele tarefeiro, seja reduzida substancialmente sua expectativa salarial pela redução da tarefa pactuada por ato do seu empregador:

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Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: [...] g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

GRUPO IV: Direito Internacional Público, Direitos Humanos, Direito Constitucional e Princípios Institucionais da Defensoria Pública

Nenhum Estado soberano é obrigado a aceitar o ingresso, em seu território, de pessoa que não mantenha com ele vínculo político. Entretanto, no momento em que aceite o ingresso de indivíduo nessa condição, o Estado passa a ter, em relação a ele, deveres oriundos do direito internacional. Nesse contexto, a Lei n.º 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro) e diversos julgados do STF vêm normatizando os direitos e deveres dos estrangeiros em território nacional. Com relação a esse assunto, julgue os próximos itens.

151 Um imigrante e um turista recebem o mesmo tipo de visto para ingresso no país.

Errado. Inicialmente, convém lembrar-se de que “O visto é um documento emitido pelo Estado ao qual pretende se dirigir um estrangeiro que confere a este a expectativa de direito de admissão no território daquele. O visto é normalmente materializado por documento aposto em página do passaporte do estrangeiro, o que não exclui a possibilidade de adoção de forma diversa. A concessão do visto é ato discricionário das autoridades do Estado para onde pretende se dirigir o estrangeiro, observados também os requisitos legais estabelecidos em sua legislação interna e/ou nos tratados concernentes, bem como o interesse público” (PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 258). Sobre o enunciado, anota Francisco Rezek que “A distinção fundamental é a que deve fazer-se entre o chamado imigrante — aquele que se instala no país com ânimo de permanência definitiva — e o forasteiro temporário: tal o gênero em que se inscrevem turistas, estudantes, missionários, pessoas de negócios, desportistas e outros mais” (REZEK, Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 198). É justamente neste sentido, ao contrário, portanto, do que consta no enunciado, que dispõe o art. 9º da Lei 6815/80 (Estatuto do Estrangeiro), fazendo a distinção entre a condição do turista, para quem será concedido o visto de turista, e do imigrante, que poderá receber o visto permanente, conforme o art. 16 do Estatuto.

152. Anulada.

153 Considere que um estrangeiro tenha sido expulso do país por pertencer a célula terrorista e ter participado do sequestro de autoridades brasileiras. Considere, ainda, que, após a abertura de inquérito no Ministério da Justiça, no qual foi assegurada ampla defesa ao alienígena, o presidente da República tenha decidido, por meio de decreto, pela sua expulsão do país. Nessa situação, o estrangeiro só poderá voltar ao país mediante decreto presidencial que revogue o anterior.

Certo. Dispõe o art. 65 da Lei 6815/80 (Estatuto do Estrangeiro) que “É passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais”. Sobre a expulsão, Paulo Henrique Gonçalves Portela leciona que “A competência para decretar a expulsão é do próprio Presidente da República, em decisão tomada com fundamento no que for apurado dentro do processo administrativo levado a cabo dentro do Ministério da Justiça. O ato de expulsão é discricionário e sujeito, portanto, a controle jurisdicional exclusivo da legalidade e constitucionalidade, não podendo o Judiciário, pelo menos em princípio, se imiscuir no juízo de conveniência e oportunidade da medida, sob pena de violação do princípio da interdependência entre os poderes” (PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 263). Quanto à conclusão lançada no enunciado, o Estatuto do Estrangeiro, de fato, condiciona o reingresso do estrangeiro em território nacional à revogação do decreto de expulsão por meio de outro decreto (art. 66), sob pena de aquele incorrer na prática do crime previsto

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no art. 338 do CP: “Reingressar no território nacional o estrangeiro que dele foi expulso. Pena – reclusão, de um a quatro anos, sem prejuízo de nova expulsão após o cumprimento da pena”.

154 Considere que Melchior, devido a fundado temor de perseguição por motivo de raça, se encontre fora de seu país de nacionalidade e que, tendo ingressado no Brasil, se tenha dirigido à Defensoria Pública e indagado acerca da possibilidade de permanência no país, em condição de asilo. Nesse caso, é correto que o defensor público recomende a Melchior que requeira refúgio, com base na lei que normatiza o assunto.

Certo. Conforme adverte Válerio de Oliveira Mazzuoli, não se deve confundir o instituto do asilo com a figura do refúgio, pois “Não obstante muitos textos internacionais (e, inclusive, doutrinários) se equivocarem no emprego de ambas as expressões, a confusão entre tais institutos deve ser evitada. Além de suas origens históricas serem diametralmente opostas, os referidos institutos têm campos de regulamentação distintos. Enquanto o asilo é regulado por tratados multilaterais bastante específicos de âmbito regional, que nada mais fizeram do que expressar o costume até então aplicado no Continente Americano, o refúgio tem suas normas elaboradas por uma organização (com alcance global) de fundamental importância vinculada às Nações Unidas: o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Por outro lado, enquanto o refúgio tem natureza claramente humanitária, o asilo tem natureza tipicamente política. Ademais, enquanto para a concessão do primeiro basta um fundado temor de perseguição, para a concessão do segundo necessário se faz uma perseguição concreta (ou seja, já materializada). No que tange ao Direito brasileiro, igualmente, os institutos do asilo e do refúgio recebem tratamento jurídico totalmente diferenciado: enquanto do primeiro cuida o Estatuto do Estrangeiro e seu Regulamento; do segundo versa a bem mais recente Lei n° 9.474, de 22 de julho de 1997” (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 5ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 740-741). Para melhor compreensão, ainda, da diferença entre os institutos, reproduzo abaixo o quadro extraído da obra de Paulo Henrique Gonçalves Portela (Direito Internacional Público e Privado. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 286):

Asilo Refúgio Concessão do asilo: ato discricionário e soberano do Estado (embora haja controvérsia doutrinária a respeito)

Concessão do refúgio: dever do Estado

Nem sempre regulado por tratados Regulado por tratados Não existe foro internacional competente para o tema/ato não sujeito a nenhum órgão internacional

O tema é regulado no âmbito internacional pelo ACNUR – Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados

Fundamento: perseguições de caráter político Fundamento: perseguições de caráter político, racial, religioso, social etc.

Relevância dos motivos políticos Irrelevância dos motivos políticos Perseguição individualizada Perseguição a grupos maiores

Assim sendo, considerando que Melchior ingressou no Brasil por fundado temor de perseguição por motivo de raça, agiu corretamente o Defensor Público ao recomendá-lo em requerer o refúgio, porquanto se enquadra perfeitamente na disposição contida no art. 1º, I, da Lei 9474/97.

Para finalizar, à título de complementação, confira-se a seguinte Resolução do CONARE – Comitê Nacional para os Refugiados – órgão do Ministério da Justiça –, que conferiu à DPU a função consultiva perante os seus grupos de trabalho:

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MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA

COMITÊ NACIONAL PARA OS REFUGIADOS

RESOLUÇÃO Nº- 1, DE 31 DE OUTUBRO DE 2012

Dispõe sobre a participação da Defensoria Pública da União no Comitê Nacional para os Refugiados.

O COMITÊ NACIONAL PARA OS REFUGIADOS - CONARE, no uso das atribuições conferidas pela Portaria nº 756, de 5 de novembro de 1998, CONSIDERANDO o disposto na Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997,

CONSIDERANDO as funções institucionais da Defensoria Pública da União - DPU, constantes da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994,

CONSIDERANDO a potencialidade institucional da Defensoria Pública da União para o atendimento dos refugiados e solicitantes do reconhecimento de dita condição no Brasil, resolve:

Art. 1º. Conferir à Defensoria Pública da União a função consultiva perante os grupos de trabalho, reuniões ordinárias e extraordinárias, e outros fóruns e espaços convocados pelo CONARE.

Parágrafo único. A função que trata o “caput” deste artigo será desempenhada pelo representante titular e suplente a serem indicados pelo Defensor Público Geral da União.

Art. 2º. O desempenho das atividades decorrentes desta Resolução não ensejará qualquer remuneração, e será considerado de relevante interesse público.

Art. 3º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua aprovação na Reunião plenária do CONARE.

Paulo Abrão

Presidente do Comitê

155 Suponha que Raimundo, brasileiro nato, tenha saído do Brasil para morar nos Estados Unidos da América, onde reside há mais de trinta anos, e que, nesse país, tenha obtido a nacionalidade americana como condição para permanecer no território americano. Nessa situação, caso deseje retornar ao Brasil para visitar parentes, Raimundo necessitará de visto, pois, ao obter a nacionalidade americana, perdeu a nacionalidade brasileira.

Errado. O enunciado contraria claramente o que dispõe o art. 12, § 4º, II, ‘b’, da CF, o qual foi incluído através da Emenda Constitucional de Revisão n. 3, de 1994, que estabelece que será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que adquirir outra nacionalidade, salvo no caso “de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis”.

156 Atendendo ao princípio denominado correção funcional, o STF não pode atuar no controle concentrado de constitucionalidade como legislador positivo.

Certo. O princípio da correção funcional deriva do cânone hermenêutico da unidade da Constituição e tem por finalidade “orientar os intérpretes da Constituição no sentido de que, instituindo a norma fundamental um sistema coerente e previamente ponderado de repartição de competências, não podem os seus aplicadores chegar a resultados que perturbem o esquema organizatório-funcional nela estabelecido, como é o caso da separação dos poderes, cuja observância é consubstancial à própria idéia de Estado de Direito” (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 138). Digitando a expressão legislador positivo no campo “ementa/indexação”, da seção de pesquisa de jurisprudência do site do STF, é possível localizar diversas decisões em que a atuação em sede de controle concentrado de constitucionalidade foi baseada no princípio da correção funcional e, consequentemente,

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impedida a atribuição de sentido não pretendido pelo legislador, quando deve o Poder Judiciário, então, limitar-se em declarar a inconstitucionalidade da lei. De qualquer forma, é importante observar que “a experiência mais recente, no entanto, parece condenar ao esquecimento a concepção kelseniana do legislador negativo, tantas têm sido as decisões das Cortes Constitucionais – e. g. as diversas espécies de sentenças normativas – por via das quais, a pretexto de otimizar e/ou realizar a Constituição, esses super-tribunais assumem nítida postura legislativa, criando normas de caráter geral e vinculante, como atestam a jurisprudência nacional e a estrangeira, esta em maior expressão” (MENDES; COELHO; BRANCO. Op. Cit., p. 146).

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QUESTÕES DISSERTATIVAS E PEÇA JUDICIAL As questões dissertativas e a peça judicial podem ser extraídas de outros concursos, quando iremos mencionar, ou

elaboradas pelos mediadores deste Curso, que ficam responsáveis por apresentarem, na data estipulada no calendário, o espelho/gabarito, assim como as melhores respostas enviadas pelos participantes.

GRUPO 1 (Direito Civil) – Enviar a resposta para [email protected], destacando no campo assunto a expressão “Direito Civil” Questão extraída do III Concurso para Defensor Público Federal, realizado em 2007.

Considerando os conceitos de constitucionalização e publicização do direito civil, esclareça se tais institutos são sinônimos ou não, estabelecendo sua distinção ou o fundamento para que sejam considerados um mesmo instituto. GRUPO 2 (Direito Penal) – Enviar a resposta para [email protected], destacando no campo assunto a expressão “Direito Penal”

Em que consiste a “natureza binária” do crime de estelionato previdenciário e qual a sua principal relevância para a dogmática penal? GRUPO 3 (Direito/Processo do Trabalho) – Enviar a resposta para [email protected], destacando no campo assunto a expressão “Direito/Processo do Trabalho”

O trabalhador ajuizou reclamação trabalhista pelo rito ordinário contra sua empregadora (terceirizadora de serviço de limpeza) e o ente público (autarquia federal) que a contratara, por meio de regular licitação. A demanda teve valor liquidado pelo autor em R$ 12.000 (doze mil reais). A pessoa jurídica privada havia fechado o estabelecimento de forma irregular, inexistindo processo de falência ou recuperação judicial. Citado o sócio-gerente para defesa, este alegou que não tinha mais condições de arcar com os custos do negócio, por isso “faliu” e deixou de pagar as verbas rescisórias devidas, hoje sobrevivendo apenas ele próprio como empregado em outra empresa, maior. Juntou aos autos documentos que provam que, sem ter ocorrido fraude ou confusão patrimonial, por simples dificuldades empresariais, o empreendimento se tornou inviável. O ente público, por sua vez, apontou que o art. 71, §1º, da Lei 8.666/93 foi declarado constitucional pelo STF na Ação Direta de Constitucionalidade – ADC 16/DF, motivo pelo qual seria ilegítimo para figurar no polo passivo.

Analise a questão abordando, obrigatoriamente:

A) É correta a demanda para que figure no polo passivo o ente público e, caso positivo, como se dá sua responsabilização?

B) O Rito pelo qual proposta a ação foi o correto? C) Considerando-se provado que o fim do empreendimento não se deu por fraude ou má-fé do empregador,

são devidas as verbas rescisórias ao trabalhador? Por que motivo? D) Na hipótese de condenação em favor do trabalhador, inexistindo bens da pessoa jurídica privada, há

possibilidade de constrição a bens do(s) sócios? Com quais fundamentos?

GRUPO 4 (Direito Internacional Público) – Enviar a resposta para [email protected], destacando no campo assunto a expressão “Direito Internacional Público”

Kate Austen, americana, julgando-se detentora de todos os requisitos previstos no art. 112 da Lei 6815/80 (Estatuto do Estrangeiro), requereu a naturalização brasileira, a qual, após o regular processo administrativo, foi concedida-lhe pelo Ministro da Justiça através da Portaria n. 1, publicada no DOU de 13/02/2013. Em 20/02/2013, Kate solicitou ao órgão competente do Ministério da Justiça, com fundamento no art. 119, caput, do Estatuto do Estrangeiro, o seu “Certificado de Naturalização”, tendo este sido devidamente expedido e lhe entregue em sessão solene presidida pelo juiz federal da 1ª Vara Federal de Belo Horizonte/MG. No entanto, tempos depois, o órgão competente do Ministério da Justiça, em apuração administrativa posterior, levou ao conhecimento do Ministro da Justiça o fato de que Kate

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havia feito, no requerimento de naturalização, declaração falsa de que nunca havia sofrido condenação criminal quando, na verdade, ostentava sim uma condenação criminal em seu país de origem (EUA). Munido desta informação, o Ministro da Justiça expediu a Portaria n. 2, publicada no DOU de 17/04/2013, pela qual cancelou a naturalização de Kate.

Sem recursos para contratar um Advogado, Kate comparece na Defensoria Pública da União de Belo Horizonte/MG solicitando uma orientação jurídica sobre o caso. Na condição de Defensor Público Federal, apresente, em no máximo 15 (quinze) linhas, um parecer, abordando obrigatoriamente: a) qual o expediente processual adequado para impugnar o ato do Ministro da Justiça?; b) a quem compete processar e julgar este expediente?; e c) o que pode ser alegado em favor da assistida? PEÇA JUDICIAL (Grupo II) – Enviar a peça para [email protected], destacando no campo assunto a expressão “Peça”

Joaquim foi denunciado pelo Ministério Público Federal por ter, em tese, praticado o crime de apresentação de Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV) falso à Polícia Rodoviária Federal. Na denúncia, o MPF requereu a condenação de Joaquim como incurso nas penas do art. 304 c/c art. 61, I, ambos do CP, já que o denunciado ostentava uma condenação com trânsito em julgado pela prática do crime de furto, sendo, então, reincidente.

A denúncia foi recebida pelo juiz federal da 2ª Vara de Curitiba/PR, que, no mesmo ato, determinou a citação de Joaquim para responder à acusação no prazo de dez dias, conforme dispõe o art. 396 do CPP, a qual foi devidamente apresentada pela Defensoria Pública da União, porquanto Joaquim não dispunha de recursos financeiros para contratar um Advogado particular.

Ao final da instrução do processo, após a oitiva dos Policiais Rodoviários Federais responsáveis pelo flagrante, Joaquim confessou a prática da conduta descrita na denúncia. Mediante perícia requerida pela Defesa, porém, constatou-se que o documento usado por Joaquim era grosseiramente falsificado, inábil, consequentemente, para ludibriar o homem médio.

Em seus memoriais, o MPF requereu a condenação de Joaquim nos termos da denúncia. Na condição de Defensor Público Federal, apresente os memoriais do réu, alegando as teses eventualmente aplicáveis ao caso.

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DICAS GERAIS

DICA 1: Um equívoco comum do candidato é imaginar que, por tratar-se de concurso para a Defensoria Pública, deve sempre optar pela resposta que mais se identifique com os propósitos da Defesa. É importante, portanto, lembrar que ao menos em regra, a primeira fase do concurso – prova objetiva – não costuma ser elaborada pela Banca Examinadora, esta sim composta, em sua maioria, por membros da Defensoria Pública. Conforme constou no item 1.3, “a”, do edital do IV Concurso da DPU, “a primeira fase, de caráter eliminatório e classificatório, compreenderá o exame de habilidades e de conhecimentos, mediante aplicação de prova objetiva preliminar, de responsabilidade do CESPE/UnB”. Desta forma, nossa primeira dica é para que o candidato fique atento ao enunciado da questão, que pode apenas cobrar o conhecimento de um dispositivo de lei ou determinado entendimento jurisprudencial, ainda que contrários à Defesa.

DICA 2: Atentar-se que a matéria de Direito do Consumidor está inserida no conteúdo de Direito Civil (item 12), não podendo deixar de ser estudada. No IV Concurso da DPU, foram cobradas seis questões desta disciplina (16-21).

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LEITURAS DIRECIONADAS A formatação dos textos inseridos nessa Seção é feita com o propósito de destacar os trechos mais importantes, não correspondendo, portanto, à formatação original. Sempre indicaremos a fonte de onde selecionamos os textos aqui

apresentados.

1. Princípios Institucionais da Defensoria Pública: Os 18 anos de assistência jurídica integral e gratuita –

Haman Tabosa de Moraes e Córdova, Defensor Público-Geral Federal. 2. Tutela Coletiva: Menos que público, mais que privado: os direitos transindividuais na jurisprudência

do STJ. 3. Direito Administrativo: A responsabilidade do Estado no STF e no STJ – Aldo de Campos Costa 4. Direito Internacional Público: O Brasil pode entregar extraditando a país que poderá aplicar pena de

morte ou de caráter perpétuo? – Caio Cezar. 5. Direito Constitucional: Jurisprudência sobre controle de constitucionalidade [Parte I] – Caio Cezar. 6. Princípios Institucionais da Defensoria Pública: O Dever de Acusar do Defensor Público – Alexandre

Cabral. 7. Direito Previdenciário: Acórdão do REsp 1334488, julgado em 08/05/2013 pela 1ª Seção do STJ –

Desaposentação.

1. Os 18 anos de assistência jurídica integral e gratuita – Haman Tabosa de Moraes

e Córdova, Defensor Público-Geral Federal

Artigo publicado na Revista eletrônica Consultor Jurídico – CONJUR, em 16/05/2013:

http://www.conjur.com.br/2013-mai-16/haman-tabosa-dpu-18-anos-assistencia-juridica-integral-gratuita

Cansada dos sucessivos governos autoritários, sofrida e machucada pelos “anos de chumbo”, como ficou conhecida a época em que mais se aviltou direitos neste país, a sociedade brasileira acompanhou o movimento “diretas já” abrir de forma definitiva o caminho para uma nova ordem constitucional, em que não mais se permitiria a violência estatal como resposta às justas indagações da população acerca do diuturno desrespeito aos direitos civis e políticos dos homens e mulheres no Brasil.

Foi nesse contexto em que se criou, na estrutura do Estado brasileiro, em clara harmonia com o funcionamento dos três Poderes constituídos, instituições como a Defensoria Pública, o Ministério Público e a Advocacia Pública, todas igualmente essenciais ao Poder Jurisdicional do Estado, cada qual com sua relevante missão social.

Aos 5 dias do mês de outubro de 1988, portanto, juntamente com a nova ordem constitucional que se instalava no país e com a qual se procurava romper com todo o passado de sofrimento da população com repetidos Estados de exceção, nascia a Defensoria Pública brasileira, instituição voltada com exclusividade para a defesa dos necessitados, assim considerada a grande parcela populacional que não pode ter acesso à justiça sem prejuízo de sua própria subsistência e a de seus familiares.

Quis o legislador constituinte originário fosse criada uma instituição que se colocasse na condição de solução para o grave problema do acesso à justiça por parte daqueles cidadãos que mais necessitam do Estado para terem respeitados os seus direitos fundamentais. Promulgada a Carta de Outubro, a instituição Defensoria Pública veio a ser regulamentada cinco anos mais tarde, com a edição da Lei Complementar 80, de 12 de Janeiro de 1994, a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública. No entanto, necessário se fazia trazer a novel instituição para o mundo real, tirando-a do papel em âmbito federal, estadual e distrital. No âmbito federal, tal se deu aos 30 de março de 1995, com a edição da Lei 9.020, que implantou, em caráter emergencial e provisório, a Defensoria Pública da União.

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Esta, portanto, é a certidão de nascimento da Defensoria Pública da União, que aos 30 de março completou 18 anos de prestação do serviço de assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, e porque não dizer, completou a sua maioridade civil.

Importante ressaltar, de início, que esta instituição, ramo federal da Defensoria Pública brasileira, teve sua origem na Justiça Militar e na Procuradoria Especial da Marinha, onde atuavam advogados de ofício, titulares e substitutos, aos quais foi dada a opção de se tornarem, em 1995, os primeiros defensores públicos federais. A eles, muitos já aposentados, mas alguns ainda em plena atividade, rendemos todas as nossas homenagens, pois foram os primeiros a colocarem seus corpos e almas neste ambiente de lutas e sacrifícios, que 18 anos mais tarde estaria a proporcionar o reconhecimento e o esclarecimento de direitos, e bem assim, a ampla defesa e o contraditório a milhares de brasileiros em situação de vulnerabilidade, de norte a sul do país.

Nesses 18 anos, muitas lutas foram travadas, todas, sem exceção, fundamentais à sedimentação de um Estado Defensor, preocupado com a parte mais fraca, com as minorias, pronto para atuar ao primeiro chamado, ainda que nos limites de nossas forças e de nossas estruturas.

Conseguimos lentamente fincar a bandeira da Defensoria Pública da União nas capitais de todos os 26 estados da Federação e no Distrito Federal, e avançar por algumas dezenas de municípios, todos eles com alta densidade populacional e baixo índice de desenvolvimento humano.

A Defensoria Pública brasileira passou por importantes transformações nesses 18 anos. A mais expressiva, sem dúvida, foi a conquista, em âmbito estadual e distrital, de suas autonomias funcional e administrativa, bem como a iniciativa de proposta orçamentária diretamente ao respectivo Poder Legislativo, o que vem representando, ainda que não com a urgência que o tema requer, um grande avanço em termos de concursos públicos, orçamento, estrutura e, por consequência, a natural ampliação do atendimento e distribuição de cidadania a seu público alvo: a população em situação de vulnerabilidade social.

Referida conquista, acreditamos, será igualmente estendida pelo Congresso Nacional à Defensoria Pública da União, com o apoio dos poderes Executivo e Judiciário, pois da mesma forma que a ninguém interessa o Poder Judiciário enfraquecido, o Ministério Público acovardado, a Advocacia Pública inoperante, a ninguém pode interessar, de igual forma, a Defensoria Pública subutilizada, sem meios necessários para cumprir a missão que lhe incumbiu a Assembleia Nacional Constituinte, comprometida com a democracia, a liberdade, a igualdade e com o asseguramento de direitos e garantias fundamentais, os quais acabaram esculpidos no artigo 5º da Carta Constitucional de 1988.

Em um segundo momento, a par de importantes e significativos avanços para a sociedade nas alterações pontuais de importantes diplomas legais, como a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Processo Penal, em 2007; a Lei de Execuções Penais em 2010; a autonomia em âmbito constitucional levou à consequente reforma, em 2009, da Lei Orgânica Nacional por meio da Lei Complementar 132, a fim de agregar à missão constitucional do acesso à Justiça – no sentido de acesso ao Poder Judiciário – a noção do acesso à justiça no sentido de justiça social, de acesso à informação sobre direitos, isto é, no sentido do cidadão e da cidadã vulneráveis enxergarem-se como titulares de direitos, os quais devem ser reconhecidos e respeitados pelo Estado brasileiro.

Neste momento, a Defensoria Pública deixa de ser uma instituição marcada pelo ajuizamento de demandas perante o Poder Judiciário para agregar à sua função e imagem a promoção da difusão, conscientização e proteção dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico; do exercício da defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos, passando a compor conselhos penitenciários, comitês de saúde e de enfrentamento ao tráfico de pessoas, dentre outros inúmeros avanços em sua missão institucional.

Todavia, sem qualquer demérito às demais formas de empoderamento da Defensoria Pública, uma

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em especial ganha relevo maior a nosso sentir: a promoção prioritária da solução extrajudicial de litígios, mediante composição entre as partes.

Com efeito, o sistema de justiça brasileiro, por provocação do Conselho Nacional de Justiça e da Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, vem procurando soluções para corrigir o público e notório congestionamento do Poder Judiciário, isto é, vem buscando mecanismos de conciliação que reduzam de forma significativa o alto índice de litigiosidade em juízo, justamente para que em um futuro próximo seja possível deixarmos de fazer referência à clássica frase atribuída ao notável jurista Rui Barbosa, segundo o qual “Justiça tardia não é justiça, é injustiça manifesta”.

Entendemos que a Defensoria Pública, seja da União, dos estados ou do Distrito Federal, não pode ficar de fora dessa importante busca pela resolução extrajudicial de litígios por meio da conciliação, palavra que etimologicamente significa “combinação ou composição de diferenças”.

Ombreamo-nos, assim, com a Secretaria da Reforma do Judiciário e com o Conselho Nacional de Justiça para que a população brasileira procure, através da Defensoria Pública, a solução pacífica para os litígios em que se envolve e saiba que na defesa dos direitos de seus assistidos, a Defensoria Pública buscará, prioritariamente, dialogar com a parte contrária a fim de evitar o ajuizamento de demandas.

A Defensoria Pública da União tem dado passos significativos para alcançar este objetivo conciliatório, tendo em vista a forte atuação do órgão contra o Estado em sua porção Federal, porque assim determinou o legislador, a fim de defender os direitos de seus assistidos em contraposição aos atos do INSS, da Caixa Econômica Federal, da Polícia Federal, Correios, agências reguladoras, Ibama, Incra, dentre tantos outros órgãos federais. Além de firmar o compromisso de capacitar seus defensores públicos por meio da Escola Nacional de Mediação e Conciliação da Secretaria da Reforma do Judiciário (Enam), a DPU desenvolveu juntamente com a Caixa Econômica Federal projeto piloto no Distrito Federal e, em breve em âmbito nacional, para que o corpo jurídico da CEF e os defensores federais analisem casos concretos e verifiquem a possibilidade de, juntos, acordarem uma saída que as atenda e, consequentemente, evite uma batalha pelas instâncias do Poder Judiciário.

De igual sorte, imbuídos do melhor espírito público, Defensoria Pública da União, INSS, Conselho de Recursos da Previdência Social e Procuradoria do INSS assinaram, em abril do corrente ano, acordo de cooperação em que todos se comprometem a buscar o contencioso administrativo do INSS, com a participação efetiva da AGU, para que só na impossibilidade de uma composição a DPU leve à Justiça ações em defesa dos interesses dos seus assistidos.

Percebam que não se está apenas a buscar a conciliação nos processos já em trâmite nos tribunais, mas deixando de ter a Justiça como primeira opção, para que venha a ser a última delas, o que seguramente será aplaudido pelos magistrados nas varas federais, turmas recursais, tribunais regionais e tribunais superiores.

E seguimos nesses 18 anos em outras searas, buscando a resolução extrajudicial dos conflitos atuando em favor dos refugiados no Comitê Nacional para os Refugiados (Conare); em favor dos imigrantes, com assento no Conselho Nacional de Imigração (CNIG); atuando em parceria com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e a Fundação Cultural Palmares em favor das comunidades tradicionais dos quilombos, terreiros e ciganos; em cooperação com a Secretaria de Políticas para as Mulheres em favor das brasileiras vítimas de tráfico de pessoas, bem como na defesa das mães acusadas de sequestro internacional de seus próprios filhos; desde 2005, auxiliando na redemocratização da República do Timor Leste; realizando orientação jurídica dos detentos nas quatro penitenciárias federais em funcionamento (Porto Velho, Campo Grande, Mossoró e Catanduvas); e também em favor de presos estrangeiros, indígenas, trabalhadores escravos, moradores de rua, vítimas de acidentes de escalpelamento por embarcações na Região Norte, e de portadores de hanseníase no Maranhão.

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Nesses dois últimos focos de atuação, a propósito, a Defensoria Pública da União foi vencedora, nos anos de 2011 e 2012, respectivamente, do Prêmio Innovare na categoria “Defensoria Pública”, que premia as boas práticas no sistema de justiça, o que demonstra o acerto dos defensores públicos federais no desempenho de suas atribuições constitucionais.

Não poderia deixar de mencionar o atendimento que vem sendo feito por meio dos programas DPU Itinerante, DPU nas Escolas e DPU na Comunidade, os quais são formas que encontramos para multiplicar nossa atuação sem levar a estrutura física de nossas unidades de atendimento à população, ampliando a conscientização em direitos. Vale acrescentar, ainda, que no mês de março deste ano, a Defensoria Pública da União e o Departamento Penitenciário Nacional (Depen/MJ) foram premiados com o segundo lugar no 17º Concurso sobre Inovação em Gestão Federal, realizado pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap), com o projeto “visita virtual e videoconferência judicial”, por meio do qual nos últimos dois anos 1.934 visitas virtuais foram realizadas nos quatro presídios federais, dentro das dependências da Defensoria Pública da União, em 25 estados da Federação.

Na seara internacional, criamos uma assessoria própria para atender, à distância, demandas de brasileiros no exterior, com mais de 500 atendimentos realizados no ano de 2012. Temos mantido estreita relação com as defensorias públicas dos países do Mercosul e com os países de língua portuguesa, visando à troca de experiências e estreitamento dos laços institucionais para reciprocidade de tratamento entre brasileiros no exterior e estrangeiros no Brasil.

Com todas essas iniciativas, a atuação da Defensoria Pública da União não está relacionada a demandas judiciais e não contribui para o congestionamento do Poder Judiciário, pois muito embora destinados a atuar perante a Justiça Federal, Militar, Eleitoral e do Trabalho, nas varas de primeiro grau, nos tribunais regionais, tribunais superiores e perante o Supremo Tribunal Federal, os defensores públicos federais passam a ter a consciência do seu papel na redução da litigiosidade, marca que queremos esteja sempre associada à nossa instituição.

Irmanada com as defensorias dos estados e do Distrito Federal, levamos ao estado de Santa Catarina a Força Nacional da Defensoria Pública, a fim de avaliar a situação jurídica das pessoas privadas de liberdade naquele estado, em todas as suas penitenciárias, projeto que teve a chancela do Ministério da Justiça e a aquiescência do governo local.

Esse conjunto de iniciativas é, pois, a razão que temos para comemorar esses 18 anos de trabalho em prol dos nossos assistidos, priorizando a resolução extrajudicial de litígios, sem, contudo, abrir mão de assegurar o acesso à Justiça àqueles que não dispuserem de condições para pagar os serviços de um profissional particular.

2. Menos que público, mais que privado: os direitos transindividuais na

jurisprudência do STJ

Compilação publicada no site do STJ, na seção “Especial”:

http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=108171&tmp.area_anteri or=44&tmp.argumento_pesquisa=especial

Os interesses coletivos e difusos sempre estiveram presentes na vida em sociedade. Entretanto, conforme a realidade social foi se tornando mais complexa, principalmente por conta das mudanças surgidas após a Revolução Industrial – como o surgimento dos conflitos de massa –, os chamados “interesses ou direitos transindividuais” ficaram mais evidentes.

Segundo o professor Pedro Lenza, “em decorrência das novas relações que marcaram a sociedade

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do final do século XIX e durante todo o século XX, a tradicional dicotomia estanque, rigidamente bifurcada, representada pela divisão do direito em dois grandes ramos – público e privado – não mais consegue abarcar as novas relações advindas com as transformações vividas pela sociedade moderna” (Teoria Geral da Ação Civil Pública).

No Brasil, a proteção dos interesses transindividuais, relacionados ao meio ambiente, ao consumo e a outros bens e direitos, legitimou-se com a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e, posteriormente, foi ampliada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).

Ações

Tanto a ação civil pública, como a ação popular, são instrumentos para defesa de tais direitos. Entretanto, a primeira tem abrangência maior. Segundo o ministro João Otávio de Noronha, integrante da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o cabimento da ação civil pública não prejudica a propositura da ação popular, nos termos do caput do artigo 1º da Lei 7.347.

“Ambas convivem no sistema pátrio, diferindo-se, basicamente, quanto à legitimidade ativa, porquanto, quanto ao objeto, tutelam praticamente os mesmos interesses, sendo a popular apenas mais restrita que a civil pública”, mencionou o ministro no julgamento do Recurso Especial (REsp) 224.677.

Economia processual

De acordo com a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do STJ, “as ações coletivas surgiram com o intuito de racionalizar a atividade judiciária e promover a isonomia entre os jurisdicionados”.

O ministro Humberto Gomes de Barros (já falecido) compartilhava o mesmo entendimento. “As ações coletivas foram concebidas em homenagem ao princípio da economia processual. Com apenas uma decisão, o Poder Judiciário resolve controvérsia que demandaria uma infinidade de sentenças individuais. Isso faz o Judiciário mais ágil”, afirmou no julgamento do Mandado de Segurança 5.187.

Para o ministro, outra vantagem é que a substituição do indivíduo pela coletividade torna possível o acesso dos “marginais econômicos” à Justiça e, dessa forma, “o Poder Judiciário aproxima-se da democracia”.

Nem público nem privado

Os interesses transindividuais ou metaindividuais não são públicos, nem individuais ou privados, ou seja, fazem parte de uma terceira categoria. Pertencem a grupos de pessoas ligadas por vínculos fáticos ou jurídicos. Além disso, caracterizam-se pela transcendência sobre o indivíduo; têm natureza coletiva ampla e não se restringem a nenhum grupo, categoria ou classe.

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), abrangem os interesses difusos (de pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato), os coletivos (de pessoas determinadas – grupo, categoria ou classe – ligadas entre si, ou contra outras, por relações jurídicas) e os individuais homogêneos (de pessoas ligadas por um evento de origem comum).

Ao longo dos anos, o STJ resolveu várias demandas acerca das ações usadas na defesa dos interesses transindividuais, relacionadas a legitimidade, alcance, prazo prescricional, competência para julgamento, entre outros. Também firmou jurisprudência que orienta os operadores do direito sobre a interpretação mais justa para a defesa desses interesses. Confira alguns casos.

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Legitimidade

“O Ministério Público ostenta legitimidade para a propositura de ação civil pública em defesa de direitos transindividuais”, afirmou o ministro Luiz Fux no julgamento do REsp 1.010.130.

Em 2003, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou ação civil pública contra uma concessionária de energia elétrica, para que a empresa fosse obrigada a emitir faturas com dois códigos de barra, correspondentes aos valores da conta de energia e da contribuição de iluminação pública.

Para o juízo de primeiro grau, a matéria era de ordem tributária e, por essa razão, não poderia ser discutida em ação civil pública. Na apelação, o MPMG sustentou que a pretensão tinha natureza consumerista e não tributária.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) deu provimento ao recurso, pois reconheceu o direito do contribuinte de optar pelo pagamento dos valores de forma unificada ou individual. No recurso especial, a companhia afirmou que o MPMG não teria legitimidade para a propositura da ação.

Esfera individual

Segundo o ministro Luiz Fux, relator do recurso especial, as ações relacionadas a interesses individuais homogêneos, como a do caso específico, participam da ideologia das ações difusas.

“A despersonalização desses interesses está na medida em que o Ministério Público não veicula pretensão pertencente a quem quer que seja individualmente, mas pretensão de natureza genérica, que, por via de prejudicialidade, resta por influir nas esferas individuais”, explicou Fux.

Para o ministro, o simples fato de o direito ser supraindividual, já o torna indisponível, o que é suficiente para legitimar o Ministério Público para o ajuizamento da ação.

No julgamento do REsp 1.264.116, a Segunda Turma do STJ reconheceu a legitimidade da Defensoria Pública para ajuizamento de ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos. De acordo com o ministro Herman Benjamin, relator do recurso especial, cabe ao órgão a proteção de qualquer interesse individual homogêneo, principalmente aqueles associados aos direitos fundamentais.

“Sua legitimidade ad causam [para a causa] não se guia, no essencial, pelas características ou perfil do objeto de tutela (critério objetivo), mas pela natureza ou status dos sujeitos protegidos, os necessitados (critério subjetivo)”, afirmou.

Edital

Na origem, a Defensoria Pública moveu ação civil pública contra regra de edital de processo seletivo da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), que previa, como condição para a inscrição de interessados, a participação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), além de exigir nota média mínima.

Em primeira instância, o juízo afirmou que, ao contrário do que ocorre nas ações individuais, nas quais a Defensoria pode atuar em todas as áreas, desde que a parte seja hipossuficiente, o órgão teria legitimidade para propor ação civil pública somente para proteção do consumidor, da criança e do adolescente.

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“Nos termos do artigo 1º da LACP, a ação civil pública destina-se exclusivamente à proteção de interesses difusos e coletivos, mas não de individuais homogêneos”, disse a magistrada.

Direito à educação

Segundo o ministro Herman Benjamin, “o direito à educação, responsabilidade do estado e da família, é garantia de natureza universal e de resultado, orientada ao ‘pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade’, daí não poder sofrer limitação no plano do exercício, nem da implementação administrativa ou judicial”.

Para o relator, seria incompatível com a missão “tão nobre e indeclinável” do direito à educação interpretar as normas que o asseguram de maneira restritiva. Além disso, ele lembrou que é sólida a jurisprudência do STJ que admite a proteção dos interesses individuais homogêneos pelos legitimados para a propositura da ação civil pública.

Energia elétrica

De acordo com o artigo 82, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, além do MP, a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal, as entidades e órgãos da administração pública direta e indireta e as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano têm legitimidade para a defesa dos interesses transindividuais dos consumidores.

No julgamento do REsp 1.002.813, a Terceira Turma do STJ entendeu que o dispositivo mencionado “deve sempre receber interpretação extensiva, sistemática e teleológica, de modo a conferir eficácia ao preceito constitucional que impõe ao estado o ônus de promover, na forma da lei, a defesa do consumidor”.

No caso julgado, a Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro ajuizou ação civil pública contra uma concessionária de energia elétrica, que pretendia substituir os antigos relógios, tradicionais medidores de energia, por medidores eletrônicos (chips).

Personalidade jurídica

O juízo de primeiro grau extinguiu o processo, considerando a ilegitimidade ativa da comissão para a propositura da ação civil pública. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também negou provimento à apelação.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial no STJ, “no que concerne à defesa dos interesses transindividuais, o critério para a aferição da legitimidade do agente público não deve ser limitado à exigência de personalidade jurídica ou mesmo ao rigorismo formal que reclama destinação específica do órgão público para a defesa dos interesses tutelados pelo CDC”.

Alcance

Em dezembro de 2011, a Corte Especial do STJ discutiu acerca do alcance dos efeitos da sentença coletiva. No REsp 1.243.887, o ministro Luis Felipe Salomão afirmou que “os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo”.

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A sentença proferida na ação civil pública ajuizada pela Associação Paranaense de Defesa do Consumidor (Apadeco) condenou o Banco Banestado ao pagamento de expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança de todos os poupadores do estado do Paraná que tinham contas em cadernetas de poupança na instituição financeira, entre junho de 1987 e janeiro de 1989.

Em razão da decisão, um dos clientes ajuizou execução individual na comarca de Londrina (PR) para receber a satisfação do que foi decidido na ação coletiva.

Limites territoriais

O Banestado interpôs recurso especial contra o cliente, no qual sustentou que os limites territoriais da sentença não poderiam ser todo o território do Paraná, mas somente o território de competência do órgão prolator da decisão, ou seja, a comarca de Curitiba.

Ao analisar o recurso, a Corte Especial entendeu que o alcance determinado pelo magistrado de primeiro grau não poderia ser alterado em execução individual, “sob pena de vulneração da coisa julgada”.

“A limitação contida no artigo 2º-A, caput, da Lei 9.494/97, de que a sentença proferida ‘abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator’, evidentemente não pode ser aplicada aos casos em que a ação coletiva foi ajuizada antes da entrada em vigor do mencionado dispositivo, sob pena de perda retroativa do direito de ação das associações”, afirmou Salomão.

Prazo prescricional

“A ação civil pública e a ação popular compõem um microssistema de tutela dos direitos difusos, por isso que, não havendo previsão de prazo prescricional para a propositura da ação civil pública, recomenda-se a aplicação, por analogia, do prazo quinquenal previsto no artigo 21 da Lei 4.717/1965.” Esse foi o entendimento da Quarta Turma no julgamento do REsp 1.070.896.

Na origem, o Instituto Brasileiro de Defesa do Cidadão (IBDCI) ajuizou ação civil pública contra o Banco do Brasil, visando o pagamento, aos poupadores com conta na instituição financeira, das diferenças decorrentes dos denominados “expurgos inflacionários” referentes aos Planos Bresser e Verão (planos econômicos que geraram grandes desajustes às cadernetas de poupança).

Em primeira instância, o juízo julgou os pedidos improcedentes, sob o fundamento de que a demanda estaria fundada apenas no CDC, “que não se aplica aos contratos celebrados anteriormente à sua vigência”.

Cinco anos

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina negou provimento aos recursos, mas por fundamento diferente. Aplicou o prazo prescricional de cinco anos para o ajuizamento da ação civil pública.

No recurso especial interposto no STJ, o Ministério Público de Santa Catarina pretendia que fosse reconhecido o prazo de 20 anos, em razão da ausência de previsão específica quanto ao prazo prescricional na Lei 7.347. Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, “ainda que o artigo 7º do CDC preveja a abertura do microssistema para outras normas que dispõem sobre a defesa dos direitos dos

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consumidores, a regra existente fora do sistema, que tem caráter meramente geral e vai de encontro ao regido especificamente na legislação consumerista, não afasta o prazo prescricional estabelecido no artigo 27 do CDC [cinco anos]”.

Competência

Em dezembro de 2011, a primeira Seção do STJ analisou conflito de competência para o julgamento de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Alagoas (MPAL) contra o Partido Socialista Brasileiro (CC 113.433).

O MPAL pretendia que o partido político parasse de degradar o meio ambiente com pichações ou qualquer tipo de pintura nas edificações, muros ou monumentos urbanos.

O juízo comum entendeu pela sua incompetência para o julgamento da ação civil pública, pois, para ele, como a matéria tinha relação com propaganda política, cabia à atuação da Justiça Eleitoral. Entretanto, o juízo eleitoral suscitou o conflito e remeteu o processo ao Tribunal Regional Eleitoral, que o encaminhou ao STJ.

Natureza difusa

De acordo com o ministro Arnaldo Esteves Lima, relator do conflito de competência, a Justiça Eleitoral não tem competência para o julgamento da ação civil pública, uma vez que não estaria em discussão nenhuma matéria relacionada a direitos políticos, inelegibilidade, sufrágio, partidos políticos, normas eleitorais e processo eleitoral.

“A pretensão ministerial na ação civil pública, voltada à tutela do meio ambiente, direito transindividual de natureza difusa, consiste em obrigação de fazer e não fazer e, apesar de dirigida a partidos políticos, demanda uma observância de conduta que extravasa período eleitoral, apesar da maior incidência nessa época, bem como não constitui aspecto inerente ao processo eleitoral”, afirmou o relator.

3. A responsabilidade do Estado no STF e no STJ – Aldo de Campos Costa

Artigo publicado na Revista eletrônica Consultor Jurídico – CONJUR, coluna “A TODA PROVA”, em 17/04/2013: http://www.conjur.com.br/2013-abr-17/toda-prova-responsabilidade-estado-stf-stj

Um policial, de folga, efetuou disparos com uma arma de fogo pertencente à sua corporação, objetivando a prisão de um elemento que acabava de furtar uma mulher. Entretanto, por erro, acabou causando a morte de uma pessoa inocente, que passava naquele momento. Assim, a responsabilidade civil do Estado é objetiva, em face do risco administrativo (Prova objetiva do concurso público para provimento de vagas para os cargos da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo).

O Estado é responsável pelos atos ou omissões de seus agentes, de qualquer nível hierárquico [1], independentemente de terem agido ou não dentro de suas competências, ainda que, no momento do dano, estejam fora do horário de expediente. O preceito inscrito no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição, não exige que o agente público tenha agido no exercício de suas funções, mas na qualidade de agente público. Foi o que se decidiu no caso do servidor público que, ao fazer uso da arma pertencente ao Estado, mesmo não estando em serviço, matou um menor na via pública (STF RE 135.310); em hipótese de assalto praticado por policial fardado (STF ARE 644.395 AgR); e no episódio de agressão praticada fora do serviço por soldado, com a utilização de arma da corporação militar (STF

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RE 160.401).

Os entes federativos também respondem subsidiariamente pelas obrigações das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviço público que instituírem. Há hipóteses, contudo, em que a responsabilidade do Estado por ato de concessionário, pode ser solidária e não meramente subsidiária, como ocorre, por exemplo, nas ações coletivas de proteção a direitos difusos, a despeito do que dispõe o artigo 38, parágrafo 6º da Lei 8.987/95 (concessão e permissão de serviços públicos): “não resultará para o poder concedente qualquer responsabilidade em relação aos encargos, ônus, obrigações ou compromissos com terceiros ou com empregados da concessionária”.

As empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica em sentido estrito em concorrência com a iniciativa privada não respondem objetivamente [2], mas a doutrina diverge, nesses casos, quanto à responsabilidade subsidiária do Estado. O posicionamento majoritário é no sentido de que o artigo 2º, inciso II, da Lei 11.101/2005, ao excluir da falência as estatais em geral, indica no sentido da impossibilidade de falirem, e, consequentemente, de que o ente federativo que as criou e controla é subsidiariamente responsável por suas dívidas [3].

É necessária a presença dos seguintes requisitos para fazer eclodir a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público: a) consumação do dano a terceiro, servidor público ou não [4]; b) ação ou omissão administrativa; c) nexo causal entre o dano e a ação ou a omissão administrativa [5]; d) a oficialidade da atividade causal e lesiva; e) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal [6]. Complementarmente, será preciso que o dano possa ser caracterizado como jurídico, devendo causar lesão a algo que a ordem jurídica reconhece como garantido em favor do sujeito;e certo [7], ainda que atual ou futuro. Importante assinalar que nos casos de responsabilidade do Estado por atos lícitos, não basta que o dano seja apenas jurídico e certo, devendo ser, também, específico, de modo a atingir uma pessoa ou um grupo de pessoas determinadas, que sofrem dano não experimentados pelos demais membros da sociedade; e anormal, de modo a superar os inconvenientes normais da vida em sociedade [8].

A responsabilidade imputável às pessoas jurídicas de direito público será objetiva quando o dano for causado pelo próprio Estado. No caso das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, essa modalidade de responsabilização alcança, inclusive, os terceiros não usuários do serviço (STF RE 591.874), conforme se vê em casos como os da concessionária de transporte público proprietária de veículo que atropela pedestre no momento em que atravessava a rua (STF RE 302.622); e o de automóvel de terceiro abalroado por ônibus de uma concessionária de serviço público de transporte (STF RE 262.651).

Para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado não se exige culpa ou dolo, mas apenas uma relação de causa e efeito entre o ato praticado pelo agente e o dano sofrido por terceiro. Também não é necessário que o ato praticado seja ilícito, muito embora deva ser antijurídico. Ilustram a hipótese o caso de estado vegetativo decorrente de parada cardiorrespiratória durante cirurgia cesariana realizada em hospital público (STF AgR-RE 456.302), bem como o episódio envolvendo a construção de viaduto que teria provocado poluição sonora, visual e ambiental, com a consequente desvalorização de imóvel residencial (STF RE 113.587). Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva [9], pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. Vide os casos de preso assassinado na cela por outro detento (STF RE 170.014 e STF RE 81.602); dano causado a aluno por outro aluno igualmente matriculado na rede pública de ensino (STF RE 109.615); erro de junta médica que considerou policial militar apto para participar da instrução policial de tropa, embora sofresse de cardiopatia (STF RE 140.270); vítima de disparo de fogo, que se encontrava detido, por ocasião de motim e tentativa de fuga por parte dos detentos (STF RE 382.054).

Nos casos de responsabilização do Estado por culpa, será sempre exigida a presença do binômio dever de agir-possibilidade de agir. Nesse sentido, o caso fortuito ou força maior e a culpa exclusiva da vítima ou de terceiros são apontados, respectivamente, como causas excludentes e causas atenuantes da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. A caracterização de um fato como caso fortuito ou força maior decorre de um elemento subjetivo (ausência de culpa) e outro objetivo (inevitabilidade do evento), de forma que determinado evento pode até ser previsível, mas deve ser inevitável, mesmo diante de toda a diligência que empregue o poder público. É preciso considerar, para a imputação de responsabilidade ao ente estatal se existem meios materiais disponíveis, e a possibilidade efetiva de sua utilização. Não se reclama, para tanto, a imprevisibilidade do evento. Esse é o raciocínio comumente empregado

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nos casos de suicídio de pacientes internados em hospitais públicos (STF RE 318.725 AgR); acidentes rodoviários em que há colisão de veículos, com muitas vítimas fatais (STF AI 113.722 AgR); e de menores eletrocutados no teto de vagões ferroviários (STF RE 209.137).

Ressalte-se que a qualificação do tipo de responsabilidade imputável ao Estado — se objetiva ou subjetiva — constitui circunstância de menor relevo se ficar demonstrado pelo acervo probatório que a inoperância estatal injustificada foi condição decisiva para a produção do resultado danoso, como, por exemplo, aqueles causados por invasores em propriedade particular em decorrência do descumprimento de mandado judicial de reintegração de posse (STF RE 237.561 e STF AgR-AI 600.652).

Em matéria de transporte público, a responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva (Súmula STF 187). Isso significa que, em casos tais, o Estado não pode se eximir da responsabilidade invocando a culpa de terceiro; ele responde objetivamente, porém tem direito de regresso contra o terceiro responsável pelo dano. O fato de terceiro que exonera a responsabilidade é aquele que com o transporte não guarde conexidade.

Nessa seara, não elide a responsabilidade do transportador: o roubo do talonário de cheques durante o transporte por empresa contratada pelo banco, pois trata-se de caso fortuito interno (STJ REsp 685662); o roubo de veículo e de carga sujeita a imposto de importação ocorrido no transporte de mercadoria já desembaraçada pelo pagamento do valor apurado em auto de infração (STJ REsp 1172027); se for demonstrado que a transportadora não adotou as cautelas que razoavelmente dela se poderia esperar, o roubo de carga (STJ REsp 435865); a explosão de pacote contendo artefatos pirotécnicos dentro de ônibus, assim a de assalto, de pedras atiradas contra o veículo e, ainda, a de assassino que, dissimulados de passageiros, praticam atos de violência no interior do transporte coletivo (STJ REsp 78458); incêndio ocorrido no interior do coletivo derivado da combustão de material explosivo carregado por passageira que adentrou o ônibus conduzindo pacote de volume expressivo, cujo ingresso se deu, excepcionalmente, pela porta da frente, mediante prévia autorização do motorista (STJ REsp 168.985); o fato de terceiro, motorista de outro veículo, após discussão provocada pelo condutor do coletivo, disparar sua arma contra este e atingir o passageiro (STF RE 73.294); a existência de assaltos diuturnos a coletivos, na região em que a firma explora sua atividade lucrativa (STF RE 88.407); motorista do caminhão, que empurrou o carro para baixo do ônibus e fez com que este atropelasse os pedestres, causando-lhes morte e ferimentos severos (STJ REsp 469.867).

Por outro lado, constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora: a ocorrência de assalto em interior de ônibus, por tratar-se de fato de terceiro inteiramente estranho à atividade de transporte (STJ AGREsp 620.259); o assalto à mão armada no interior de ônibus coletivo (STJ REsp 726.371); pedra atirada contra composição férrea, por ser ato de terceiro, estranho ao contrato de transporte (STJ AgRg no REsp 1.060.288); o roubo, por ser equiparado ao fortuito externo, visto que a segurança é dever do Estado (STJ REsp 927.148); e o roubo de carga (STJ REsp 663.356).

Em matéria de serviços notariais, o Estado responde, objetivamente, pelos atos que causem dano a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa. O tabelionato não detém personalidade jurídica ou judiciária, sendo a responsabilidade pessoal do titular da serventia. Somente o tabelião e o Estado possuem legitimidade passiva. A propósito do tema, pululam julgados relacionados a escrituras passadas com base em procuração falsa (STF RE 209.354 AgR); à anulação de compra e venda, efetivada com base em instrumento de mandato falso, lavrado em tabelionato de notas (STF AI 522.832 AgR); ao reconhecimento de firma falsa por serventuário de cartório (STF RE 201.595); à confecção, ainda que por tabelionato não oficializado de substabelecimento falso que veio a respaldar escritura de compra e venda (STF RE 175.739); e à alienação de terminais telefônicos por meio de firmas falsas reconhecidas indevidamente por cartório (STJ REsp 545.613).

Em matéria de estacionamentos, o Estado deve assumir a guarda e responsabilidade do veículo quando este ingressa em área pertencente a estabelecimento público apenas quando dotado de vigilância especializada para esse fim. Em tal hipótese, a responsabilidade se funda no descumprimento de uma obrigação contratual. É o que se verifica nas situações envolvendo furto de automóvel em estacionamento mantido por município (STF RE 255.731), e em estacionamento público, cuja organização e controle foram delegados à empresa pública (STJ AgRg no Ag 1.009.559).

Em matéria de presos foragidos, o Estado só responderá pelo crime praticado se o nexo de causalidade

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for demonstrado. É necessário que haja um intervalo de tempo pequeno entre a fuga e o ato lesivo. O tema é frequentemente abordado pela jurisprudência dos tribunais de superposição a partir de episódios envolvendo estupro cometido por condenado submetido a regime prisional aberto que pratica, em várias ocasiões, falta grave de evasão, sem que as autoridades responsáveis pela execução da pena lhe apliquem a medida de regressão do regime prisional aplicável à espécie (STF RE 573.595 AgR); fuga de preso atribuída à incúria de guarda que o acompanhava ao consultório odontológico fora da prisão, preordenada ao assassínio de desafeto a que atribuía a sua condenação, na busca dos quais, no estabelecimento industrial de que fora empregado, veio a matar o vigia, marido e pai dos autores da ação indenizatória (STF RE 136.247); dano decorrente de assalto por uma quadrilha de que participava um dos evadidos da prisão meses após a evasão (STF RE 130.764); latrocínio praticado por preso foragido meses após a fuga (STF RE 172.025); dano decorrente de assalto por quadrilha de que fazia parte preso foragido vários meses antes (STF RE 130.764).

Em matéria de atos judiciais, muitas teorias têm sido elaboradas para defender a tese da irresponsabilidade do Estado. É o caso, dentre outras, das seguintes teorias: a) soberania do Poder Judiciário, por ser a função jurisdicional uma manifestação da soberania estatal; b) incontrastabilidade da coisa julgada, segundo a qual o reconhecimento da responsabilidade acarretaria ofensa à coisa julgada; c) falibilidade dos juízes, que argumenta que quem litiga em juízo corre os riscos inerentes às falhas humanas; d) independência da magistratura, que inexistiria se o juiz tivesse que se preocupar com a possibilidade de suas decisões acarretarem a responsabilidade civil do Estado e a sua própria responsabilidade, em ação regressiva; e) risco assumido pelo jurisdicionado, segundo a qual as partes correm os riscos de danos da atuação do Poder Judiciário ao provocá-la, inobstante o a inevitabilidade da jurisdição[10]. Os termos usados em decisão prolatada em ação popular e em manifestação pública (STF RE 228.977); a indenização decorrente da condenação, desconstituída em revisão criminal, da prisão preventiva e da declaração difamatória de agente do Ministério Público (STF RE 505.393); perdas e danos sofridos em consequência de flagrante ilegalidade, reparada por mandado de segurança (STF RE 69.568); e a prisão injusta decorrente de erro e má-fé na investigação policial, consubstanciado em homonímia (STF RE 429.518 AgR), são algumas das situações concretas que ensejam discussões sobre o tema.

Em matéria de atos legislativos, há uma tendência no sentido de aceitar a responsabilidade civil do Estado por atos normativos pelo menos nas seguintes hipóteses: a) leis inconstitucionais; b) atos normativos do Poder Executivo e de entes administrativos com função normativa, com vícios de inconstitucionalidade, em que o pedido de indenização deve ser precedido de declaração de inconstitucionalidade, ou ilegalidade, em que não há necessidade de prévia declaração pelo Judiciário; c) leis de efeitos concretos, que causam dano específico e anormal; e d) omissão do poder de legislar e regulamentar [11]. Ilustram-nas episódios como o do pedido de reparação de danos sofridos no período em que esteve suspenso o tráfego dos ônibus dos quais a empresa era proprietária, por determinação das autoridades policiais do Estado, com base em regulamento de trânsito julgado inconstitucional (STF RE 8.889); o pleito de inconstitucionalidade de lei estadual que determinou a reforma, por ato unilateral do poder público, de diversas concessões contratuais (STF RE 21.504); e a declaração de mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo do direito à reparação econômica contra a União, outorgada pelo artigo 8º, parágrafo 3º do ADCT (STF MI 283).

Por fim, em matéria de proteção ambiental, há responsabilidade civil do Estado quando a omissão de cumprimento adequado do seu dever de fiscalizar for determinante para a concretização ou o agravamento do dano causado pelo seu causador direto. Trata-se, todavia, de responsabilidade subsidiária, cuja execução poderá ser promovida caso o degradador direto não cumprir a obrigação, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, por qualquer razão, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso, com a desconsideração da personalidade jurídica (STJ REsp 1.071.741).

[1] Cf. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 562.

[2] Cf. ARAGÃO, Curso…, p. 563.

[3] Cf. ARAGÃO, Curso…, p. 564.

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[4] O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que descabe ao intérprete fazer distinções quanto ao vocábulo “terceiro” contido no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, devendo o Estado responder pelos danos causados por seus agentes qualquer que seja a vítima, servidor público ou não (AgR-AI 473381). Cf., a propósito, o caso de policial militar que foi morto porque atingido por disparos feitos por um meliante que, detido por seu companheiro de farda, não foi revistado e nem convenientemente dominado (STF RE 176564).

[5] A teoria adotada quanto ao nexo de causalidade foi a do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Cf., na jurisprudência, as hipóteses de roubo cometido por bando, cujo mentor é preso condenado e foragido (STF RE 130764); de presidiário morto por outro presidiário (STF RE 179147); de acidente de trânsito entre veículo oficial e automóvel de propriedade do segurado indenizado por seguradora (STF RE 11633); de fixação de preços em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor sucro-alcooleiro, decorrente de tabelamento de preço (STF RE 422941); e de latrocínio praticado por quadrilha integrada por apenado foragido da prisão (STF RE 369820).

[6] Cf. STF, AgR-RE 481110, Rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 06/02/2007, DJ 09/03/2007, p. 50.

[7] Cf. ARAGÃO, Curso…, p. 569.

[8] Cf. ARAGÃO, Curso…, p. 570. [9] “A partir de 1946 e até 1988 é possível afirmar que a Suprema Corte adotou de forma unânime

a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado nos casos de danos causados por omissão do Estado. Não obstante a ausência de mudança normativa relevante sobre esse aspecto específico, a partir do advento da nova ordem constitucional inaugurada com a Constituição da República de 1988, constata-se uma verdadeira ruptura da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal com relação ao modelo adotado na sua tradição. O primeiro momento dessa ruptura ocorre com o julgamento do RE nº 130.7641/PR, relatado pelo min. Moreira Alves, em 1992. O avanço, entretanto, ainda não foi, nesse primeiro momento, tão significativo, em decorrência de o resultado do julgamento ter sido no sentido da ausência do dever de indenizar, por falta de nexo de causalidade. Com o julgamento do RE nº 109.615-2/RJ, sob a relatoria do min. Celso de Mello, o Supremo Tribunal Federal com um atraso de meio século, finalmente se alinha, em casos de omissão, ao sistema da responsabilidade objetiva inaugurado no ordenamento jurídico brasileiro com a Constituição de 1946 e mantido nos ordenamentos constitucionais que se seguiram até a atualidade. O reconhecimento, pela primeira vez, de um direito de se obter indenização em face do Estado por danos causados por omissão com fundamento na responsabilidade objetiva não implicou em nova orientação pacífica da jurisprudência da Suprema Corte. Antes, pelo contrário, inaugurou uma sequência impressionante de oscilações teóricas na fundamentação de seus julgados, causando perplexidade aos operadores do Direito”, cf. PINTO, Helena Elias. Responsabilidade civil do Estado por omissão na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 261-262.

[10] Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Responsabilidade do estado por atos jurisdicionais. In: Boletim de direito administrativo, v. 12, n. 11, p. 715-723, nov. 1996.

[11] Cf. AGRA, Walber de Moura. Responsabilidade Civil do Estado por Ato Legislativo. In: Otavio Luiz Rodrigues Junior, Gladston Mamede, Maria Vital da Rocha. (orgs.). Responsabilidade Civil Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2011, pp. 433-439.

4. O Brasil pode entregar extraditando a país que poderá aplicar pena de morte ou de caráter perpétuo? – Caio Cezar, mediador da matéria Direito Internacional Público Texto publicado no site www.oprocesso.com, em 17/05/2012: http://oprocesso.com/2012/05/17/o-brasilpode-entregar-extraditando-a-estado-que-podera-aplicar-pena-de-morte-ou-de-carater-perpetuo/

Quanto à pena de morte, NÃO, havendo diversos precedentes do STF neste sentido, desde 1959 (Pleno, Ext 218) até os dias atuais (Pleno, Ext 1201, j. em 17/02/2011). A exceção fica por conta da hipótese em que a CF brasileira admitir a aplicação da pena de morte, nos termos do seu art. 5º, XLVII,

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a, quando será permitida a extradição (neste sentido: Pleno, Ext 633, j. 28/08/1996).

Acerca da prisão perpétua, pela pesquisa que fiz na jurisprudência do STF, tem-se o seguinte cenário:

- Até 1983 exigia-se que o Estado requerente comutasse a pena de prisão perpétua para a de 30 anos de reclusão. A última Ext julgada neste sentido foi a 399.

- A partir de 1985, com o julgamento da Ext 426, o STF passa a entender que é desnecessária a comutação, permitindo, assim, a extradição de condenado ao Estado requerente, ainda que sujeito à prisão perpétua.

- Este entendimento predominou até 2004, quando o STF, no julgamento da Ext 855, voltou a exigir a comutação, sendo esta a orientação adotada nas diversas Ext’s julgadas posteriormente, a exemplo da última em que houve o condicionamento à comutação: Ext 1278 (Pleno, j. em 18/09/2012).

Portanto, também quanto à prisão perpétua, a resposta é NÃO, o Brasil não pode entregar o extraditando sem antes assumir o Estado requerente o compromisso de comutar a pena de prisão perpétua em reclusão por no máximo 30 anos.

5. Jurisprudência sobre controle de constitucionalidade [Parte I] – Caio Cezar,

mediador da matéria “Direito Constitucional”

Controle de constitucionalidade estadual: O artigo 125, § 2º, da Constituição do Brasil estabelece caber aos Estados instituir a representação de inconstitucionalidade das leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição estadual, circunstancia que leva a conclusão de que o controle de constitucionalidade estadual – com exceção apenas da interposição de RE por violação de norma de repetição obrigatória da Constituição do Brasil – encerra-se no âmbito da jurisdição dos Tribunais de Justiça locais. (RE 599.633-AGR, decisão monocrática, j. 23-11-2009)

Possibilidade de controle abstrato de constitucionalidade de normas orçamentárias: Controle abstrato de constitucionalidade de normas orçamentárias. Revisão de jurisprudência. O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade. (ADI 4.048-MC, j. 14-5-2008)

Modelo dúplice: À vista do modelo dúplice de controle de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não está condicionada à inviabilidade do controle difuso. (ADI 3.205, j. 19-10-2006)

Ato normativo de natureza secundária: É incabível a ação direta de inconstitucionalidade quando destinada a examinar atos normativos de natureza secundária que não regulem diretamente dispositivos constitucionais, mas sim normas legais. Violação indireta que não autoriza a aferição abstrata de conformação constitucional. (ADI 2.714, j. 13-3-2003)

Prazo em dobro: Não há prazo recursal em dobro no processo de controle concentrado de constitucionalidade. Não se aplica, ao processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade, a norma inscrita no art. 188 do CPC, cuja incidência restringe-se, unicamente, ao domínio dos processos subjetivos, que se caracterizam pelo fato de admitirem, em seu âmbito, a discussão de situações concretas e individuais. (ADI 2.130-AgR, j.

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3-10-2001)

Prescrição e decadência: O ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade não está sujeito à observância de qualquer prazo de natureza prescricional ou de caráter decadencial, eis que atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. (ADI 1.247-MC, j. 17-8-1995)

Ilegitimidade de municípios: Os municípios não figuram no rol de entidades legitimadas para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade perante esta Corte previsto nos arts. 103, da Constituição, e 2º, da Lei n. 9.868/99. (ADI 4.654, decisão monocrática, j. 28-11-2011)

Capacidade postulatória do Governador: O Governador do Estado e as demais autoridades e entidades referidas no art. 103, incisos I a VII, da Constituição Federal, além de ativamente legitimados à instauração do controle concentrado de constitucionalidade das leis e atos normativos, federais e estaduais, mediante ajuizamento da ação direta perante o Supremo Tribunal Federal, possuem capacidade processual plena e dispõem, ex vi da própria norma constitucional, de capacidade postulatória. Podem, em consequência, enquanto ostentarem aquela condição, praticar, no processo de ação direta de inconstitucionalidade, quaisquer atos ordinariamente privativos de advogado. (ADI 127-MCQO, j. 20-11-1989)

6. O Dever de Acusar do Defensor Público – Alexandre Cabral, mediador do Grupo

III Artigo publicado no site Jurisprudência e Concursos: http://jurisprudenciaeconcursos.com.br/espaco/odever-de-acusar-do-defensor-publico

Quantos candidatos vocês acham que responderiam “CERTO”, sem pestanejar, na hipótese de se verem diante da seguinte questão de “certo ou errado”, proposta em certame destinado a preencher cargo de Defensor Público:

“O Defensor Público, em certas situações, tem o dever legal de propor processo penal em desfavor de alguém, apontando-o como Réu e pedindo sua condenação.”

Tendo feito a afirmação acima diversas vezes a alunos e estagiários e obtido uma preocupante maioria de respostas: “ERRADO”, resolvi compartilhar breves considerações sobre o tema.

A Lei Complementar 80/94 que organiza as Defensorias Públicas e prevê suas funções institucionais, deveres e prerrogativas dos membros, é de estudo obrigatório para os candidatos a certames de Defensor Público, bem como para quem deseja ingressar nas carreiras de apoio à atividade que muitas das DPEs estaduais já possuem.

Dentre as funções institucionais da Defensoria, é fácil recordar sua missão constitucional que, nos termos do art. 5º, LXXIV c/c art. 134 (todos da CRFB/88), é a de representar os hipossuficientes, ou seja, aqueles que comprovem impossibilidade de recursos para terem acesso ao patrocínio por advogado.

Todavia, algumas das funções e prerrogativas da Defensoria podem confundir o candidato e induzirem-no ao erro, em especial quando se faz uma leitura apressada da LC 80/94.

Vejamos o texto legal do art. 4º, XV, da citada norma (grifamos):

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“Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: [...] XV – patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).“

Como sabemos, a ação penal privada subsidiária da pública, prevista na Constituição no art. 5º, LIX, é uma garantia constitucional (e cláusula pétrea!) que visa prestigiar o princípio da indisponibilidade da ação penal, em regra titularizada pelo Ministério Público, possibilitando que o ofendido atue no lugar do Parquet na possibilidade daquele órgão se quedar inerte, não promovendo ação penal pública quando cabia fazê-lo.

Por sua vez, a ação penal privada (seja a propriamente dita/ exclusiva ou a personalíssima, desta última havendo apenas um exemplo na atual legislação – o art. 236 do CP) está ligada à busca pela tutela jurisdicional penal quando em debate delitos com prioritário dano a bem jurídico particular, devendo ser manejada pelo ofendido e não pelo MP, por meio de ação própria.

Nas ações privadas, em vez do oferecimento da peça de “denúncia”, típica da atuação do MP nos crimes de ação pública, teremos o manejo de outra exordial acusatória, a “queixacrime”, uma petição formal, para a qual nosso ordenamento exige a representação do ofendido por meio de advogado ou, no caso em estudo, por Defensor Público (hipótese na qual o ofendido não possui recursos, sendo hipossuficiente).

Na ação privada subsidiária da pública, teremos a queixa-crime substitutiva (substitui a denúncia) e nas ações privadas propriamente ditas ou nas personalíssimas, a queixa-crime, pura e simples. Em ambas, o Autor, se hipossuficiente, representado pela Defensoria, deverá apontar a Autoria do delito e fazer pedido expresso pela condenação.

Remetendo ao estudo do tema mais aprofundado nos livros de processo penal, em sede dos Princípios Institucionais da Defensoria, que aqui são nosso objeto, essa função das Defensorias já foi cobrada no concurso para Defensor da DPE/SP de 2009, na questão abaixo (da organizadora FCC), onde se pedia para marcar a única alternativa CORRETA:

O direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita, previsto constitucionalmente e instrumentalizado pela Defensoria Pública, compreende a:

a) atuação processual do Defensor Público do Estado até o segundo grau de jurisdição. b) impossibilidade de denegação do atendimento do cidadão, tendo em vista a

universalidade do serviço prestado. c) função institucional da Defensoria Pública para propositura de ação penal privada. d) indispensabilidade de esgotamento das vias recursais pelo Defensor Público. e) tutela dos interesses metaindividuais, ressalvados os interesses difusos.

A resposta é a letra “C”.

Equivoca-se a afirmativa “A”, pois a atuação da Defensoria (inclusive da Defensoria estadual, observem) não se esgota na segunda instância, abarcando atuação até a última instância do judiciário pátrio (STF).

Também errada a “B”, posto, como já destacado acima, ser determinação constitucional (art. 5º, LXXIV CRFB/88) que o cidadão deve ter atendimento gratuito pelo Estado apenas se comprovar a insuficiência de recursos, sendo que a assistência integral e gratuita pela Defensoria é destinada aos hipossuficientes e não universal (diferentemente do serviço de Saúde, por exemplo).

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Errada a “C”, pois (tema que abordaremos em futuros textos dada a importância) é princípio institucional da Defensoria Pública a independência funcional (art. 3º, LC 80/94) não sendo obrigado o Defensor a recorrer a todas as instâncias, nem a agir de qualquer forma dentro de um processo em sentido contrário a seu convencimento jurídico.

Por fim, errada também a letra “E”, pois no que tange aos interesses coletivos, a Defensoria Pública possui a função de atuar na busca pela efetivação de todas as três subespécies, tanto por meio da Ação Civil Pública (vide Lei 7.347/85 – art. 5º) quanto das demais ações que forem viáveis.

Sobre o ponto, destacamos, na inolvidável LC 80/94, novamente, seu artigo 4º:

“Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: [...] VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

Verificamos, portanto, a importância da leitura atenta da Lei Complementar 80/94, de onde teremos a gênese de boa parte das questões sobre os temas em estudo, bem como podemos afirmar que a atuação da Defensoria Pública é muito mais ampla do que um primeiro olhar, superficial, possa descrever.

De fato, sendo mais comum em âmbito estadual tal atuação, vale registrar que na DPE/RJ a Defensoria Geral estabeleceu alguns parâmetros de atuação quando da propositura de queixas-crime, notadamente aplicáveis nos casos de processo em crime de menor potencial ofensivo, tendo editado enunciados criminais nºs 10, 11 e 12 da DPGE/RJ, abaixo reproduzidos para quem deseja um estudo mais aprofundado ou voltado especificamente para futuro concurso naquela tradicional Defensoria:

Enunciado DPGE/RJ nº. 10: As propostas de transação penal e de suspensão condicional do processo constituem condições especiais de procedibilidade das ações que apuram delitos de menor potencial ofensivo (art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal). Em razão disso, deverá o Defensor Público, ao apresentar queixa-crime na hipótese, fazer constar da inicial acusatória tais propostas, condicionando expressamente sua eficácia à juntada aos autos da Folha de Antecedentes Criminais, para análise dos requisitos legais.

Enunciado DPGE/RJ nº. 11: Quando da propositura de ação penal privada pelo Defensor Público, caso não sejam cabíveis as propostas de transação penal e suspensão condicional do processo, a recusa em oferecê-las deverá ser fundamentada, em respeito ao exposto no enunciado nº. 10.

Enunciado DPGE/RJ nº. 12: A inicial de queixa crime deverá ser instruída de lastro probatório mínimo, devendo o Defensor Público, caso se mostre necessário, tomar depoimento formal das testemunhas que corroborem o alegado, salvo se já constar do termo circunstanciado.

Concluindo, um último alerta: mesmo havendo tais enunciados no âmbito da DPE/RJ, tratase de um balizamento, de uma orientação da instituição aos membros da carreira, porém, sem qualquer efeito vinculante. Afinal, como já vimos acima, é princípio institucional de todas as DPEs e da DPU a independência funcional, de que goza o Defensor inclusive diante de orientações de atuação na

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atividade-fim que desempenha.

7. Acórdão do REsp 1334488, julgado em 08/05/2013 pela 1ª Seção do Superior Tribunal

de Justiça – Desaposentação.

Importante observar que o STF já reconheceu a repercussão geral na matéria “desaposentação” (RE 661256, Rel. Min. Ayres Britto, a ser substituído pelo Min. Luís Roberto Barroso), devendo, portanto, decidi-la definitivamente em breve. Destaque-se, ainda, também sobre o tema “desaposentação”, o RE 381376, interposto anteriormente ao advento do instituto da repercussão geral, contando já com voto favorável do Relator, Min. Marco Aurélio (julgamento interrompido com pedido de vista do Min. Dias Toffoli). Ambos os RE’s deverão, muito provavelmente, serem julgados conjuntamente.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.334.488 - SC (2012⁄0146387-1)

RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE : WALDIR OSSEMER ADVOGADO : CARLOS BERKENBROCK E OUTRO(S) RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL FEDERAL - PGF RECORRIDO : OS MESMOS INTERES. : CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DOS APOSENTADOS

PENSIONISTAS E IDOSOS COBAP - “AMICUS CURIAE”

ADVOGADO

: JOSÉ IDEMAR RIBEIRO

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8⁄2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DESAPOSENTAÇÃO E REAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA A APOSENTADORIA. CONCESSÃO DE NOVO E POSTERIOR JUBILAMENTO. DEVOLUÇÃO DE VALORES.DESNECESSIDADE.

1. Trata-se de Recursos Especiais com intuito, por parte do INSS, de declarar impossibilidade de renúncia a aposentadoria e, por parte do segurado, de dispensa de devolução de valores recebidos de aposentadoria a que pretende abdicar. 2. A pretensão do segurado consiste em renunciar à aposentadoria concedida para computar período contributivo utilizado, conjuntamente com os salários de contribuição da atividade em que permaneceu trabalhando, para a concessão de posterior e nova aposentação. 3. Os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento. Precedentes do STJ. 4. Ressalva do entendimento pessoal do Relator quanto à necessidade de devolução dos valores para a reaposentação, conforme votos vencidos proferidos no REsp 1.298.391⁄RS; nos Agravos Regimentais nos REsps 1.321.667⁄PR, 1.305.351⁄RS, 1.321.667⁄PR, 1.323.464⁄RS, 1.324.193⁄PR, 1.324.603⁄RS, 1.325.300⁄SC, 1.305.738⁄RS; e no AgRg no AREsp 103.509⁄PE. 5. No caso concreto, o Tribunal de origem reconheceu o direito à desaposentação, mas condicionou posterior aposentadoria ao ressarcimento dos valores recebidos do benefício anterior, razão por que deve ser afastada a imposição de devolução. 6. Recurso Especial do INSS não provido, e Recurso Especial do segurado provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8⁄2008 do STJ.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA Seção do Superior Tribunal de Justiça: “Prosseguindo no julgamento, a Seção, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial do INSS e deu provimento ao recurso especial do segurado, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.” Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Mauro Campbell Marques, BeneditoGonçalves, Eliana Calmon, Arnaldo Esteves Lima e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Sérgio Kukina e Ari Pargendler.

Brasília, 08 de maio de 2013 (data do julgamento).

MINISTRO HERMAN BENJAMIN

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recursos Especiais interpostos contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Transcrevo relatório da decisão de fls. 326-328⁄STJ, que bem sintetiza a controvérsia:

Trata-se, na origem, de Ação Ordinária de segurado objetiva a renúncia à aposentadoria por tempo de serviço concedida pelo INSS em 1997 (a chamada “desaposentação”) e a concessão de posterior benefício da mesma natureza, mediante cômputo das contribuições realizadas após o primeiro jubilamento. A sentença de improcedência foi reformada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região conforme acórdão assim ementado (fls. 140-141⁄STJ):

PREVIDENCIÁRIO. DESAPOSENTAÇÃO PARA RECEBIMENTO DE NOVA APOSENTADORIA.POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE NORMA IMPEDITIVA. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DO MONTANTE RECEBIDO NA VIGÊNCIA DO BENEFÍCIO ANTERIOR. COMPENSAÇÃO COM OS PROVENTOS DO NOVO BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. DECADÊNCIA. 1. O ato de renúncia à aposentadoria, por se tratar de direito patrimonial disponível, não se submete ao decurso de prazo decadencial para o seu exercício. Entendimento em sentido contrário configura, s.m.j., indevida ampliação das hipóteses de incidência da norma prevista no citado art. 103 da LBPS, já que a desaposentação, que tem como consequência o retorno do segurado ao status quo ante, equivale ao desfazimento e não à revisão do ato concessório de benefício. 2. Tratando-se a aposentadoria de um direito patrimonial, de caráter disponível, é passível de renúncia. 3. Pretendendo o segurado renunciar à aposentadoria por tempo de serviço para postular novo jubilamento, com a contagem do tempo de serviço em que esteve exercendo atividade vinculada ao RGPS e concomitantemente à percepção dos proventos de aposentadoria, os valores recebidos da autarquia previdenciária a título de amparo deverão ser integralmente restituídos. Precedente da Terceira Seção desta Corte. 4. O art. 181-B do Dec. n. 3.048⁄99, acrescentado pelo Decreto n.º 3.265⁄99, que previu a irrenunciabilidade e a irreversibilidade das aposentadorias por idade, tempo de contribuição⁄serviço e especial, como norma regulamentadora que é, acabou por extrapolar os limites a que está sujeita, porquanto somente a lei pode criar, modificar ou restringir direitos (inciso II do art. 5º da CRFB).

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5. Impossibilidade de compensação dos valores a serem devolvidos ao INSS com os proventos do novo benefício a ser concedido, sob pena de burla ao § 2º do art. 18, uma vez que as partes já não mais seriam transportadas ao status jurídico anterior à inativação (por força da necessidade de integral recomposição dos fundos previdenciários usufruídos pelo aposentado).

O INSS opôs Embargos de Declaração (fls. 177-178⁄STJ), que foram rejeitados (fls. 183-190⁄STJ). O segurado interpôs Recurso Especial (fls. 233-255⁄STJ) com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal. Para configurar a divergência jurisprudencial, apontou várias decisões proferidas por esta Corte que entendem pela desnecessidade de devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que pretende renunciar. O INSS também interpôs Recurso Especial (fls. 214-230⁄STJ) com embasamento no art. 105, III, “a”, da Constituição Federal. Sustenta violação do art. 535 do CPC e do art. 18, § 2º, da Lei 8.213⁄1991. Aduz que o citado dispositivo da Lei de Benefícios veda a renúncia à aposentadoria concedida. O Tribunal de origem admitiu o Recurso Especial do segurado (fl. 293⁄STJ) e não admitiu o do INSS (fls. 294-297⁄STJ). A autarquia agravou dessa decisão (fls. 306-310⁄STJ).

Os presentes recursos foram admitidos sob o regime dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC e Resolução STJ 8⁄2008), conforme decisão de fls. 326-328⁄STJ, já mencionada.

O Ministério Público opinou pelo não provimento do Recurso Especial (fls. 285-293⁄STJ). Apontou a “reiterada orientação desta Egrégia Corte Superior no sentido de que é possível a renúncia à aposentadoria, para que outra, com renda mensal maior, seja concedida, levando-se em conta a contagem de período de labor exercido após a outorga da inativação, não importando em devolução dos valores percebidos”.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.334.488 - SC (2012⁄0146387-1)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos foram recebidos neste Gabinete em 6.9.2012. Preenchidos os requisitos de admissibilidade dos Recursos Especiais, adentro o exame do mérito.

1. Possibilidade de desfazimento (renúncia) da aposentadoria. Exame da matéria sob o rito do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8⁄2008

Conforme decisão de fls. 326-328⁄STJ, o presente Recurso Especial foi submetido ao procedimento dos recursos repetitivos, de forma que passo a fixar a orientação acerca da questão jurídica controvertida.

O objetivo do segurado é desfazer o ato de aposentadoria. Alega que trabalhou após a concessão do benefício e pretende obter novo benefício em que sejam considerados os posteriores salários de contribuição, além dos computados na primeira aposentação.

Há dois pontos jurídicos a serem enfrentados in casu: a possibilidade de o segurado renunciar à aposentadoria e, se admissível, a necessidade de devolução dos valores recebidos por força do benefício preterido.

A aposentadoria, direito fundamental garantido no art. 7º, XXIV, da CF, é prestação previdenciária

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destinada a garantir renda mensal por incapacidade total e permanente para o trabalho ou pelo decurso predeterminado de tempo de contribuição e⁄ou de idade. Destes suportes fáticos resultam seus três tipos: por tempo de contribuição, por idade e por invalidez.

Antes de adentrar o tema, introduzo breve análise da evolução legislativa.

A redação original da Lei 8.213⁄1991 previa a possibilidade de o aposentado continuar trabalhando e contribuindo para o sistema. Estabelecia o direito a tal segurado de se ver ressarcido das contribuições previdenciárias vertidas após a aposentação. Determinava ainda que o aposentado tinha direito somente à reabilitação profissional, ao auxílioacidente e aos pecúlios (contribuições pós-aposentadoria), não fazendo jus a outras prestações. Seguem os dispositivos legais correspondentes:

Art. 18. (...) 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social que permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ela retornar, somente tem direito à reabilitação profissional, ao auxílio-acidente e aos pecúlios, não fazendo jus a outras prestações, salvo as decorrentes de sua condição de aposentado, observado o disposto no art. 122 desta lei. (...) Art. 81. Serão devidos pecúlios: (...) II - ao segurado aposentado por idade ou por tempo de serviço pelo Regime Geral de Previdência Social que voltar a exercer atividade abrangida pelo mesmo, quando dela se afastar;(Revogado pela Lei nº 8.870, de 1994) (...) Art. 82. No caso dos incisos I e II do art. 81, o pecúlio consistirá em pagamento único de valor correspondente à soma das importâncias relativas às contribuições do segurado, remuneradas de acordo com o índice de remuneração básica dos depósitos de poupança com data de aniversário no dia primeiro.

As contribuições previdenciárias pós-aposentadoria pertenciam ao segurado, portanto, e o recebimento de tal pecúlio estava sob a condição do afastamento da atividade que gerou o recolhimento.

Com o advento das Leis 9.032⁄1995 e 9.527⁄1997, o direito ao pecúlio foi extinto, passando a ficar expresso que as precitadas contribuições passariam a ser destinadas ao custeio da Seguridade Social, conforme o art. 11, § 3º, da Lei 8.213⁄1991 (grifei):

Art. 11. (...) § 3º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, para fins de custeio da Seguridade Social. (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995)

O art. 18, § 2º, da Lei de Benefícios, por sua vez, teve sua redação modificada para delimitar ao salário-família e à reabilitação profissional as prestações previdenciárias devidas ao aposentado que permanecer em atividade contributiva como empregado. Reproduzo o preceito legal:

Art. 18. (...) § 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ela retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família, à reabilitação profissional e ao auxílioacidente, quando empregado. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em

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decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)

Veja-se, pois, que as contribuições da atividade laboral do segurado aposentado são destinadas ao custeio do sistema (art. 11, § 3º), não podendo ser utilizadas para outros fins, salvo as prestações salário-família e reabilitação profissional (art. 18, § 2º). Não é permitido, portanto, conceder ao aposentado qualquer outro tipo de benefício previdenciário, inclusive outra aposentadoria.

Esta Corte sedimentou posição no sentido de que os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis:

AGRAVO INTERNO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DIREITO PATRIMONIAL DISPONÍVEL. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 1. Ilegítima a atuação do Ministério Público nos casos de concessão de benefícios previdenciários, por se tratar de direitos patrimoniais disponíveis. 2. Agravo ao qual se nega provimento (AgRg no REsp 1030065⁄PI, Rel. Ministro CELSO LIMONGI, DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄SP, SEXTA TURMA, DJe 25⁄10⁄2010).

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. AUTORA DEVIDAMENTE REPRESENTADA POR ADVOGADO CONSTITUÍDO NOS AUTOS. AÇÃO QUE VERSA SOBRE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DIREITO INDIVIDUAL DISPONÍVEL.ILEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7⁄STJ. AGRAVO REGIMENTAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DESPROVIDO. (...) 2. As Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte firmaram entendimento de que o Ministério Público não possui legitimidade para atuar em ações que versem sobre benefício previdenciário, por se tratar de direito individual disponível, suscetível, portanto, de renúncia pelo respectivo titular. (...) (AgRg no Ag 1132889⁄SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, DJe 17⁄05⁄2010).

Não é diferente o entendimento da jurisprudência desta Corte Superior quanto à possibilidade de desaposentação:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA AFETADA AO RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. SOBRESTAMENTO. ART. 543-C DIRIGIDO À SEGUNDA INSTÂNCIA. DESAPOSENTAÇÃO. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS JÁ PERCEBIDAS. DESNECESSIDADE. PRAZO DECADENCIAL DO ART. 103 DA LEI N.º 8.213⁄91. MATÉRIA NOVA NÃO SUSCEPTÍVEL DE CONHECIMENTO. 1. Os comandos insertos no art. 543-C do CPC, parágrafos 1º e 2º, in fine, dirigem-se

aos tribunais de segunda instância, não estando os relatores de recurso especial subordinados às decisões de sobrestamento no âmbito dos recursos especiais repetitivos. Precedentes.

2. É pacífico nesta eg. Corte Superior o entendimento segundo o qual o segurado pode renunciar à aposentadoria que aufere com o objetivo de obter uma outra, mais vantajosa, não estando obrigado, na consecução desse objetivo, a devolver as prestações previdenciárias já percebidas. Precedentes.

3. A questão não suscitada previamente nas razões de recurso especial constitui matéria nova, não susceptível de conhecimento em agravo regimental. Precedentes.

4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1270606⁄RS, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ⁄PE), SEXTA TURMA, DJe 12⁄04⁄2013).

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PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESAPOSENTAÇÃO. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA. SOBRESTAMENTO DO FEITO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INAPLICABILIDADE. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. ANÁLISE. IMPOSSIBILIDADE. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que o segurado pode renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no Regime Geral de Previdência Social ou em regime próprio de previdência, mediante a utilização de seu tempo de contribuição. 2. O fato de a questão federal debatida nos autos ser objeto de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal não determina o sobrestamento dos julgamentos dos recursos especiais, e sim dos recursos extraordinários eventualmente interpostos em face dos arestos prolatados por esta Corte, que tratem da matéria afetada. 3. Apresenta-se inviável a apreciação de ofensa a dispositivo constitucional, ainda que a título de prequestionamento, pois não cabe ao STJ, em sede de recurso especial, examinar matéria cuja competência é reservada ao STF, nos termos do art. 102, inc. III, da Constituição Federal 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1274328⁄RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe 07⁄03⁄2013).

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL. SOBRESTAMENTO. NÃO CABIMENTO. RENÚNCIA DE APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. DESNECESSIDADE. ANÁLISE DE VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE.COMPETÊNCIA DO STF. 1. O reconhecimento pelo STF da repercussão geral não constitui hipótese de sobrestamento de recurso especial. 2. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, admite-se a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime previdenciário em que se encontra o segurado e da devolução dos valores percebidos. 3. A renúncia à aposentadoria, para fins de concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não implica a devolução dos valores percebidos. 4. Não cabe ao STJ, mesmo com a finalidade de prequestionamento, analisar suposta violação de dispositivos da Constituição Federal, sob pena de usurpação da competência do STF. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1321325⁄RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 20⁄08⁄2012).

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA PENDENTE DE JULGAMENTO NO STF. SOBRESTAMENTO DO FEITO. DESCABIMENTO. RENÚNCIA DE APOSENTADORIA. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. DESNECESSIDADE. 1. A pendência de julgamento no STF não enseja o sobrestamento dos recursos que

tramitam no STJ. Precedentes. 2. Admite-se a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo

de contribuição e posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime previdenciário que se encontra o segurado.

3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1300730⁄PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe 21⁄05⁄2012).

Assim, é possível ao segurado renunciar à aposentadoria.

2. Necessidade de devolução dos valores recebidos da aposentadoria desfeita para posterior jubilamento. Exame da matéria sob o rito do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8⁄2008

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Quanto ao debate acerca da necessidade de devolução de valores, ressalvado meu entendimento conforme item abaixo, o STJ fixou a orientação de que não há necessidade de ressarcimento de aposentadoria a que se pretende renunciar como condição para novo jubilamento. Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. RENÚNCIA. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS NA VIGÊNCIA DO BENEFÍCIO ANTERIOR. EFEITOS EX NUNC. DESNECESSIDADE. IMPOSSIBILIDADE. BURLAR A INCIDÊNCIA DO FATOR PREVIDENCIÁRIO. INOVAÇÃO RECURSAL. 1. A questão de que se cuida já foi objeto de ampla discussão nesta Corte Superior, estando hoje pacificada a compreensão segundo a qual a renúncia à aposentadoria, para fins de concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não implica a devolução dos valores percebidos, pois, enquanto esteve aposentado, o segurado fez jus aos proventos. 2. A tese trazida pelo agravante de ser o pedido de desaposentação, uma forma ardilosa de burlar a incidência do fator previdenciário, não foi tratada pelo Tribunal de origem, nem tampouco suscitada, nas contrarrazões ao recurso especial, caracterizando-se clara inovação recursal, que não pode ser conhecida neste momento processual. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Resp 1.255.835⁄PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, DJe 12⁄9⁄2012).

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL. SOBRESTAMENTO. NÃO CABIMENTO. RENÚNCIA DE APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. DESNECESSIDADE. ANÁLISE DE VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE.COMPETÊNCIA DO STF. 1. O reconhecimento pelo STF da repercussão geral não constitui hipótese de sobrestamento de recurso especial. 2. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, admite-se a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime previdenciário em que se encontra o segurado e da devolução dos valores percebidos. 3. A renúncia à aposentadoria, para fins de concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não implica a devolução dos valores percebidos. 4. Não cabe ao STJ, mesmo com a finalidade de prequestionamento, analisar suposta violação de dispositivos da Constituição Federal, sob pena de usurpação da competência do STF. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1321325⁄RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 20⁄8⁄2012).

CONSTITUCIONAL, PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RENÚNCIA À APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO DE FUNDAMENTOS. ANÁLISE DE DISPOSITIVOS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE.

1. Prevalece nesta Corte entendimento no sentido de se admitir a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime previdenciário que se encontra o segurado, não importando em devolução dos valores percebidos. 2. A apreciação de suposta violação de preceitos constitucionais não é possível na via especial, nem à guisa de prequestionamento, porquanto matéria reservada pela Carta Magna ao Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1323628⁄RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 8⁄8⁄2012).

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. PLEITO DESOBRESTAMENTO, EM RAZÃO DE REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA

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PELO STF. NÃO CABIMENTO. OFENSA À CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. INEXISTÊNCIA. APRECIAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. APOSENTADORIA. RENÚNCIA. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. (AgRg no REsp 1321667⁄PR, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, DJe 24⁄8⁄2012).

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA PENDENTE DE JULGAMENTO NO STF. SOBRESTAMENTO DO FEITO. DESCABIMENTO. RENÚNCIA DE APOSENTADORIA. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. DESNECESSIDADE. 1. A pendência de julgamento no STF não enseja o sobrestamento dos recursos que

tramitam no STJ. Precedentes. 2. Admite-se a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo

de contribuição e posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime previdenciário que se encontra o segurado.

3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1300730⁄PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe 21⁄5⁄2012).

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. DESAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. RECONHECIMENTO DE REPERCUSSÃO GERAL PELO STF. SOBRESTAMENTO DO FEITO. IMPOSSIBILIDADE. EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JUÍZO DE EQUIDADE. VALOR IRRISÓRIO. NÃO DEMONSTRAÇÃO. 1. O reconhecimento da repercussão geral pela Suprema Corte não enseja o sobrestamento do julgamento dos recursos especiais que tramitam neste Superior Tribunal de Justiça. Precedentes. 2. Inviável o exame, na via do recurso especial, de suposta violação a dispositivos da Constituição Federal, porquanto o prequestionamento de matéria essencialmente constitucional, por este Tribunal, importaria usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 3. Descabe falar em adoção do procedimento previsto no art. 97 da Constituição Federal nos casos em que esta Corte decide aplicar entendimento jurisprudencial consolidado sobre o tema, sem declarar inconstitucionalidade do texto legal invocado. 4. A fixação de honorários, nos termos do que determina o § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil, não está limitada aos percentuais estipulados no § 3º do art. 20 do Código de Processo Civil. 5. O percentual de 5% sobre o valor da condenação não se revela irrisório, mormente quando não são apresentados elementos aptos a demonstrar o caráter ínfimo da condenação. 6. Agravos regimentais improvidos. (AgRg no REsp 1274283⁄RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 11⁄11⁄2011).

No mesmo sentido as seguintes decisões monocráticas: REsp 1.345.439⁄PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJ 25.9.2012; REsp 1.343.090⁄RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJ 24.9.2012.

É possível, portanto, ao segurado pleitear a desaposentação para posterior reaposentação, computando-se os salários de contribuição posteriores à renúncia, sem necessidade de devolução dos valores recebida da aposentadoria preterida.

3. Ressalva do entendimento pessoal sobre necessidade de devolução dos valores da aposentadoria como condição para a renúncia desta

Não obstante a adoção, no presente julgamento, da dominante jurisprudência acerca do ressarcimento de aposentadoria renunciada, ressalvo meu entendimento exposto, em voto vencido, no REsp 1.298.391⁄RS; nos Agravos Regimentais nos REsps 1.321.667⁄PR, 1.305.351⁄RS, 1.321.667⁄PR, 1.323.464⁄RS, 1.324.193⁄PR, 1.324.603⁄RS, 1.325.300⁄SC,

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1.305.738⁄RS; e no AgRg no AREsp 103.509⁄PE.

Transcrevo a fundamentação que adotei naqueles julgamentos:

Veja-se, pois, que as contribuições da atividade laboral do segurado aposentado são destinadas ao custeio do sistema (art. 11, § 3º), não podendo ser utilizadas para outros fins, salvo as prestações salário-família e reabilitação profissional (art. 18, § 2º). Não é permitido, portanto, conceder ao aposentado qualquer outro tipo de benefício previdenciário, inclusive outra aposentadoria.

Nesse ponto é importante resgatar o tema sobre a possibilidade de renúncia à aposentadoria para afastar a alegada violação, invocada pelo INSS, do art. 18, § 2º, da Lei 8.213⁄1991. Este dispositivo apenas veda a concessão de prestação previdenciária aos segurados que estejam em gozo de aposentadoria, não sendo o caso quando esta deixa de existir pelo seu completo desfazimento. Ou seja, se a aposentadoria deixa de existir juridicamente, não incide a vedação do indigitado dispositivo legal.

Tal premissa denota o quanto a devolução dos valores recebidos pela aposentadoria objeto da renúncia está relacionada ao objetivo de obter nova e posterior aposentação.

Primeiramente porque, se o aposentado que volta a trabalhar renuncia a tal benefício e não devolve os valores que recebeu, não ocorre o desfazimento completo do ato e, por conseguinte, caracteriza-se a utilização das contribuições para conceder prestação previdenciária não prevista (a nova aposentadoria) no já mencionado art. 18, § 2º.

Além disso, ressalto relevante aspecto no sentido de que o retorno ao estado inicial das partes envolve também a preservação da harmonia entre o custeio e as coberturas do seguro social.

É princípio básico de manutenção do RGPS o equilíbrio atuarial entre o que é arrecadado e o contexto legal das prestações previdenciárias. Não é diferente para o benefício de aposentadoria, pois, sob a visão do segurado, ele contribui por um determinado tempo para custear um salário de benefício proporcional ao valor da base de cálculo do período contributivo.

Evidentemente que o RGPS é solidário e é provido por diversas fontes de custeio, mas a análise apartada da parte que cabe ao segurado pode caracterizar, por si só, desequilíbrio atuarial. Basta que ele deixe de contribuir conforme a legislação de custeio ou lhe seja concedido benefício que a base contributiva não preveja.

Enfim, um período determinado de contribuições do segurado representa parte do custeio de uma aposentadoria a contar do momento de sua concessão. Se este mesmo benefício é desconstituído para conceder um novo, obviamente mais vantajoso, o período contributivo deste último (em parte anterior e em parte posterior à aposentadoria renunciada) serve para custear o valor maior a partir da nova data de concessão.

Pois bem, se na mesma situação acima o segurado for desobrigado de devolver os valores recebidos do benefício renunciado, ocorrerá nítido desequilíbrio atuarial, pois o seu “fundo de contribuições” acaba sendo usado para custear duas aposentadorias distintas.

Essa construção baseada no equilíbrio atuarial decorre de interpretação sistemática do regime previdenciário, notadamente quando é disciplinada a utilização de tempo de contribuição entre regimes distintos. Transcrevo dispositivo da Lei de Benefícios:

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Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes: (...) III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro;

Assim, se o pedido da presente ação fosse para se desaposentar no RGPS para utilizar o tempo de contribuição em regime próprio, a não devolução dos valores recebidos do benefício renunciado caracterizaria a vedação do art. 96, III, da Lei 8.213⁄1991, pois o citado tempo foi utilizado para conceder⁄pagar aposentadoria do regime de origem.

Mutatis mutandis, não poderá ser utilizado tempo de contribuição já considerado para conceder um benefício (aposentadoria renunciada) para a concessão de nova e posterior prestação (aposentadoria mais vantajosa) no mesmo regime de previdência. Nessa situação incidem as vedações dos arts. 11, § 3º, e 18, §2º, da LB. Isso porque, como já ressaltado, se a aposentadoria não deixa de existir completamente, as contribuições previdenciárias posteriores são destinadas ao custeio da Seguridade Social, somente sendo cabíveis as prestações salário-família e reabilitação profissional.

Ressalto que, embora não haja cumulação temporal no pagamento das aposentadorias, há cumulação na utilização de tempos de contribuição, concernente à fração da mesma base de custeio. É que as contribuições anteriores à aposentadoria renunciada seriam utilizadas para pagar esta e o novo jubilamento.

Dentro desse contexto interpretativo, a não devolução de valores do benefício renunciado acarreta utilização de parte do mesmo período contributivo para pagamento de dois benefícios da mesma espécie, o que resulta em violação do princípio da precedência da fonte de custeio, segundo o qual “nenhum benefício pode ser criado, majorado ou estendido, sem a devida fonte de custeio” (art. 195, § 5º, da CF e art. 125 da Lei 8.213⁄1991). Sobre o mencionado princípio, cito julgado do Supremo Tribunal Federal:

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - MAJORAÇÃO PERCENTUAL - CAUSA SUFICIENTE DESAPARECIMENTO - CONSEQUENCIA - SERVIDORES PUBLICOS FEDERAIS. O disposto no artigo 195, PAR. 5., da Constituição Federal, segundo o qual “nenhum beneficio ou serviço da seguridade social podera ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio”, homenageia o equilibrio atuarial, revelando princípio indicador da correlação entre, de um lado, contribuições e, de outro, benefícios e serviços. (...) (ADI 790, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, DJ 23-04-1993 PP-06918 EMENT VOL-01700-01 PP-00077 RTJ VOL-00147-03 PP-00921.)

Os cálculos atuariais que embasam o regime de custeio tomam como base uma previsão determinada de contribuições para pagar aposentadoria em período estimado pela expectativa de vida média dos segurados. A parte que incumbe ao segurado é recolher os aportes por determinado tempo para cobrir o pagamento da aposentação a contar da concessão. Como já exaustivamente demonstrado, a não devolução dos valores da aposentadoria a que se pretende renunciar, com o intuito de utilização do período contributivo para novo jubilamento, quebra a lógica atuarial do sistema. Isso porque a primeira aposentadoria é concedida em valor menor do que se fosse requerida posteriormente, mas é paga por mais tempo (expectativa de vida). Já se o segurado optar por se aposentar mais tarde, o “fundo de contribuições” maior financiará uma aposentadoria de valor maior, mas por período menor de tempo.

A renúncia à aposentadoria sem devolução de valores mescla essas duas possibilidades,

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impondo aos segurados uma aposentadoria o mais prematura possível, para que mensal ou anualmente (fator previdenciário e coeficiente de cálculo) seja majorada.

Tais argumentos já seriam suficientes, por si sós, para estabelecer a devolução dos valores da aposentadoria como condição para a renúncia desta, mas adentro ainda em projeções de aplicação do entendimento contrário que culminariam, data venia, em total insegurança jurídica, pois desestabilizariam e desvirtuariam o sistema previdenciário. Isso porque todos os segurados passariam a se aposentar com os requisitos mínimos e, a cada mês de trabalho e nova contribuição previdenciária, poderiam pedir nova revisão, de forma que a aposentadoria fosse recalculada para considerar a nova contribuição.

Exemplificando: o segurado se aposenta em abril⁄2012 e continua trabalhando e contribuindo. Em maio⁄2012 pediria a desaposentação de abril⁄2012 e nova aposentadoria para incluir o salário de contribuição de abril. Em junho⁄2012 pediria a desaposentação de maio⁄2012 e nova aposentadoria para incluir o salário de contribuição de maio e assim sucessivamente.

A não devolução dos valores do benefício culminaria, pois, na generalização da aposentadoria proporcional. Nenhum segurado deixaria de requerer o benefício quando preenchidos os requisitos mínimos.

A projeção do cenário jurídico é necessária, portanto, para ressaltar que autorizar o segurado a renunciar à aposentadoria e desobrigá-lo de devolver o benefício recebido resultaria em transversa revisão mensal de cálculo da aposentadoria já concedida.

Considerando ainda que essa construção jurídica, desaposentação sem devolução de valores, consiste obliquamente em verdadeira revisão de cálculo da aposentadoria para considerar os salários de contribuição posteriores à concessão, novamente está caracterizada violação do art. 11, § 3º, e 18, § 2º, da Lei 8.213⁄1991, pois este expressamente prevê que as contribuições previdenciárias de aposentado que permanece trabalhando são destinadas ao custeio da Seguridade Social e somente geram direito às prestações salário-família e reabilitação profissional.

Indispensável, portanto, o retorno ao status quo ante para que a aposentadoria efetivamente deixe de existir e não incidam as vedações legais citadas. Assim, é bom frisar que a devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado pretende renunciar é condição para que as contribuições possam ser utilizadas para novo benefício da mesma espécie, inclusive de outro regime.

Nada impede, por outro lado, que o segurado renuncie com efeito ex nunc, o que o desoneraria da devolução dos valores, mas não ensejaria o direito de utilizar as contribuições já computadas.

4. Resolução do caso concreto

O Tribunal de origem, como já relatado, reconheceu o direito à desaposentação, mas condicionou a utilização do tempo e do salário de contribuição para futura aposentadoria à devolução do benefício recebido.

Assim, o acórdão recorrido deve ser reformado para afastar a necessidade de ressarcimento dos valores da aposentadoria a que o segurado pretende renunciar.

Diante do exposto, nego provimento ao Recurso Especial do INSS e provejo o Recurso Especial

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de Waldir Ossemer para declarar a desnecessidade de devolução dos valores da aposentadoria renunciada, e condenar a autarquia à concessão de nova aposentadoria a contar do ajuizamento da ação, compensando-se o benefício em manutenção, e ao pagamento das diferenças acrescidas de juros de mora a contar da citação (Súmula 204⁄STJ) e dos honorários advocatícios de 10% sobre as parcelas vencidas até a decisão do Tribunal de origem (Súmula 111⁄STJ).

É como voto.