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Conselho Federal de Medicina Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo

DOUTOR, POSSO VIAJAR DE AVIO? Cartilha de Medicina Aeroespacial

Braslia 2011

Copyright 2011 Doutor, posso viajar de avio? Cartilha de Medicina Aeroespacial Conselho Federal de Medicina / Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo SGAS 915, Lote 72 CEP 70390-150 - Braslia/DF Fone: (61) 3445 5900 Fax: (61) 3346 0231 e-mail: [email protected] Superviso editorial: Paulo Henrique de Souza Copidesque/reviso: Napoleo Marcos de Aquino Diagramao: Eduardo Gustavo (Inove Grfica e Editora) Capa: Ilustrao feita a partir de fotos de Mrcio Arruda Equipe de apoio (Setor de Comisses/CFM): Adlia de Castro da Silva, Claudia Regina Teixeira Brando, Dulce Conceio de Arajo, Kelly Christiny Rodrigues de Oliveira Tiragem: 5.000 exemplares Catalogao na fonte: Eliane Maria de Medeiros e Silva CRB 1 Regio/1678

Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo. Doutor, posso viajar de avio? - Cartilha de Medicina Aeroespacial / Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo - Braslia: Conselho Federal de Medicina, 2011. 72 p.; 10,6x14,6cm. 1- Medicina aeroespacial. 2- Medicina preventiva. I - Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo. II - Conselho Federal de Medicina. CDD 612.014.4

Diretoria do Conselho Federal de MedicinaPresidente Roberto Luiz dAvila 1 vice-presidente Carlos Vital Tavares Corra Lima 2 vice-presidente Alosio Tibiri Miranda 3 vice-presidente Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti Secretrio-geral Henrique Batista e Silva 1 secretrio Desir Carlos Callegari 2 secretrio Gerson Zafalon Martins Tesoureiro Jos Hiran da Silva Gallo 2 tesoureiro Frederico Henrique de Melo Corregedor Jos Fernando Maia Vinagre Vice-corregedor Jos Albertino Souza

Conselheiros titularesAbdon Jos Murad Neto (Maranho) Alosio Tibiri Miranda (Rio de Janeiro) Antonio Gonalves Pinheiro (Par) Cacilda Pedrosa de Oliveira (Gois) Carlos Vital Tavares Corra Lima (Pernambuco) Celso Murad (Esprito Santo) Cludio Balduno Souto Franzen (Rio Grande do Sul) Dalvlio de Paiva Madruga (Paraba) Desir Carlos Callegari (So Paulo) Edevard Jos de Arajo (AMB) Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti (Alagoas) Frederico Henrique de Melo (Tocantins) Gerson Zafalon Martins (Paran) Henrique Batista e Silva (Sergipe) Hermann Alexandre Vivacqua von Tiesenhausen (Minas Gerais) Jec Freitas Brando (Bahia) Jos Albertino Souza (Cear) Jos Antonio Ribeiro Filho (Distrito Federal) Jos Fernando Maia Vinagre (Mato Grosso) Jos Hiran da Silva Gallo (Rondnia) Jlio Rufino Torres (Amazonas) Luiz Ndgi Nogueira Filho (Piau) Maria das Graas Creo Salgado (Amap) Mauro Luiz de Britto Ribeiro (Mato Grosso do Sul) Paulo Ernesto Coelho de Oliveira (Roraima) Renato Moreira Fonseca (Acre) Roberto Luiz d Avila (Santa Catarina) Rubens dos Santos Silva (Rio Grande do Norte)

Conselheiros suplentesAdemar Carlos Augusto (Amazonas) Alberto Carvalho de Almeida (Mato Grosso) Alceu Jos Peixoto Pimentel (Alagoas) Aldair Novato Silva (Gois) Aldemir Humberto Soares (AMB) Alexandre de Menezes Rodrigues (Minas Gerais) Ana Maria Vieira Rizzo (Mato Grosso do Sul) Andr Longo Arajo de Melo (Pernambuco) Antnio Celso Koehler Ayub (Rio Grande do Sul) Antnio de Pdua Silva Sousa (Maranho) Ceuci de Lima Xavier Nunes (Bahia) Dlson Ferreira da Silva (Amap) Elias Fernando Miziara (Distrito Federal) Glria Tereza Lima Barreto Lopes (Sergipe) Jailson Luiz Ttola (Esprito Santo) Jeancarlo Fernandes Cavalcante (Rio Grande do Norte) Lisete Rosa e Silva Benzoni (Paran) Lcio Flvio Gonzaga Silva (Cear) Luiz Carlos Beyruth Borges (Acre) Makhoul Moussallem (Rio de Janeiro) Manuel Lopes Lamego (Rondnia) Marta Rinaldi Muller (Santa Catarina) Mauro Shosuka Asato (Roraima) Norberto Jos da Silva Neto (Paraba) Pedro Eduardo Nader Ferreira (Tocantins) Renato Franoso Filho (So Paulo) Waldir Arajo Cardoso (Par) Wilton Mendes da Silva (Piau)

Cmara Tcnica de Medicina AeroespacialFrederico Henrique de MeloCoordenador e conselheiro do CFM

Flavio Murici XavierSubdiretor da Diretoria de Sade da Aeronutica

Marco Antonio CanteroGerente mdico da TAM

Coordenadora adjunta Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Aeroespacial (SBMA) Professora da Fac. de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo

Vnia Elizabeth Ramos Melhado

SumrioApresentao ................................................................... 13 Introduo ........................................................................ 15 Doutor, posso viajar de avio? ........................................ 19 Aparelho circulatrio ....................................................... 21Acidente vascular cerebral (AVC) Doenas cardiovasculares Hipertenso arterial sistmica Trombose venosa profunda (TVP)

Aparelho respiratrio ...................................................... 24Asma Bronquite crnica e enfisema Pneumonias Tuberculose

Garganta, nariz e ouvido ................................................. 26Mal ou doena do movimento (enjoo) Otite Rinite Sinusite

Quadros gastrointestinais .............................................. 28 Abdome Diarreia

Quadros ps-operatrios e traumticos ........................ 29Ps-trauma craniano Ps-operatrio torcico Ps-operatrio abdominal Gesso e fraturas

Quadros psiconeurolgicos ........................................... 31Distrbios psiquitricos Epilepsia Medo de voar

Outros quadros ................................................................ 33Anemias Condies peditricas (crianas) Condies oftalmolgicas Doenas do viajante Gravidez Jet lag

Anexos .............................................................................. 39Eventos mdicos a bordo de aeronaves comerciais Viagens areas e responsabilidade mdica

ApresentaoContribuir para o aperfeioamento da prtica mdica e orientar a populao sobre a adoo de hbitos saudveis e medidas preventivas para a manuteno do bem-estar esto entre as misses do Conselho Federal de Medicina (CFM). Essas preocupaes demonstram o comprometimento dessa entidade com a sociedade. O trabalho realizado pela Cmara Tcnica de Medicina Aeroespacial (brilhantemente coordenada pelo conselheiro Frederico Henrique de Melo, representante do Tocantins no CFM) em parceria com a Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo (FCMSCSP) por meio de sua Liga de Medicina Aeroespacial mais um exemplo desse esforo em prol do cidado e do trabalho mdico. Estamos seguros de que outras contribuies do mesmo tipo, igualmente relevantes, continuaro a ser produzidas pelo CFM, sempre com o apoio de especialistas. Afinal, na terra ou no ar, estaremos sempre atentos qualidade da assistncia oferecida aos pacientes e s condies para o bom exerccio da medicina Roberto Luiz dAvilaPresidente do CFMDoutor, posso viajar de avio? 13

IntroduoO crescimento do nmero de passageiros que utiliza o avio como meio de transporte uma realidade. O fenmeno decorre diretamente da democratizao do acesso s aeronaves por conta da mudana no perfil de consumo da populao brasileira. No entanto, essa nova realidade trouxe um cenrio de risco: a possibilidade de aumento, na mesma proporo, de ocorrncias de agravos sade ou injrias registradas por passageiros e tripulantes. Preocupa-nos, ainda, o fato de que pessoas idosas e/ou portadoras de males preexistentes estejam ganhando os cus do Brasil. Esses casos, que eventualmente podem evoluir para quadros de crise, podem exigir aes urgentes. Assim, embora uma aeronave no seja bom local para tratar um paciente, s vezes isto se torna imperativo e pode ser a diferena entre a vida e a morte. A fisiologia das alturas precisa ser entendida pelo conjunto dos mdicos brasileiros como sendo algo que no carrega semelhanas com aquela que aprendemos a dominar em terra firme. E mais, que representativo nmero de especialidades mdicas est absolutamente ligado chamada Medicina Aeroespacial. Os profissionais que se dedicam neurologia, neuro-

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cirurgia, oftalmologia, cirurgia de trax, cirurgia geral, traumato-ortopedia, otorrinolaringologia, obstetrcia, psiquiatria, cardiologia, cirurgia cardaca, angiologia, clnica mdica, pneumologia, anestesiologia, Medicina do Trfego, Medicina do Trabalho e socorristas, dentre outros, necessitam acumular conhecimentos bsicos nesta rea para conferir aos seus pacientes-passageiros a mais segura e tica das orientaes. Lembramos que certificar ou validar a permanncia no trabalho dos que exercem suas atividades como tripulantes no tarefa to simples, como possa parecer. Apenas por amor discusso, propomos a seguinte reflexo: poderia o mdico liberar para o retorno s atividades profissionais um executivo em uso de medicamentos psicoativos e um comandante da aviao comercial com base nos mesmos critrios? Preocupados com essa demanda em expanso e motivados pela pertinncia da difuso desta rea do conhecimento mdico, o Conselho Federal de Medicina (CFM), capitaneado por seu presidente e 1 vicepresidente, Roberto dAvila e Carlos Vital, respectivamente, bem como pelos integrantes de sua diretoria e de todo o corpo de conselheiros, decidiu pela implantao da Cmara Tcnica de Medicina Aeroespacial. Recebemos, ento, com muita honra, o desafio e a misso de coordenar este trabalho, o qual conta com o envolvimento ativo dos especialistas convidados: o brigadeiro mdico Flvio Murici Xavier, o mdico Marco16 Cartilha de Medicina Aeroespacial

Cantero e a professa Vnia Melhado todos com notvel saber tcnico-cientfico e irretocvel padro tico. A realizao do I Frum Nacional de Medicina Aeroespacial, organizado pelo CFM em agosto de 2011, representa um marco neste processo. A bem da verdade, realcemos o empenho inestimvel do conselheiro tesoureiro, Jos Hiran Gallo, que no mediu esforos para o xito do evento. Na oportunidade, o debate de assuntos de relevante interesse para a rea, inclusive com a participao de expoentes do Brasil e do exterior, sinaliza para os desafios que se apresentam. Enfim, entendemos que chegou o momento da grande alavancada. Em sintonia CFM e demais entidades mdicas nacionais, Sociedade Brasileira de Medicina Aeroespacial, Agncia Nacional de Aviao Civil (Anac), Infraero, Ministrio da Justia, Fora Area Brasileira (FAB), Sindicato dos Aeronautas, representantes do setor de transporte aeromdico, de companhias areas, de entidades de trabalhadores da aviao em geral, de estudantes de medicina e de outros segmentos da sociedade organizada poderemos desenvolver um esforo coletivo de inestimvel valor para nosso pas.

Frederico Henrique de MeloCoordenador da Cmara Tcnica de Medicina Aeroespacial Diretor e 2 tesoureiro do CFMDoutor, posso viajar de avio? 17

Doutor, posso viajar de avio?Viajar a bordo de aeronaves comerciais pressurizadas no deveria ser causa de problemas para a sade ou razo de desconfortos mdicos. Geralmente, as aeronaves so pressurizadas em cerca de 2.438,4m (8.000 ps), o que propicia o necessrio conforto para deslocamentos rpidos. Embora, nesta altitude, os sintomas da adaptao do corpo humano sejam pouco percebidos nas viagens de curta durao pelo indivduo saudvel, eles ocorrem, devido ao ar mais rarefeito da cabine do avio. Em geral, os passageiros com condies mdicas preexistentes estveis normalmente chegam muito bem ao aeroporto de destino. No entanto, aqueles com doenas crnicas ou em recuperao de quadros agudos podem ter algum grau de desconforto. Em ateno a tais circunstncias, a presente Cartilha foi elaborada aps extensa reviso da literatura pertinente pelos alunos da Liga de Medicina Aeroespacial da Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo, com o objetivo precpuo de, por meio de linguagem direta e simples,Doutor, posso viajar de avio? 19

ajudar os portadores de doenas ou de quadros de recuperao de enfermidades agudas ou crnicas a escolher o melhor momento para realizar uma viagem segura e confortvel. Assim, nas prximas pginas, nossos leitores (mdicos, estudantes de Medicina, tripulantes e passageiros em geral) podero encontrar orientaes sobre como proceder nos casos mais comuns registrados em situao de voo. Acreditamos que os comentrios sobre cada item, por sua vez reunidos em grandes grupos, sero teis, apesar de no terem a pretenso de esgotar os temas, mas sim a de ser o primeiro passo para propiciar sua maior compreenso.

Vnia Elizabeth Ramos MelhadoProfessora doutora assistente Fac. de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo

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APARELHO CIRCULATRIO Acidente vascular cerebral (AVC) O popular derrame ocorre quando no h suprimento sanguneo adequado para uma poro do crebro, sendo causado pela obstruo (isqumico) ou ruptura de uma artria (hemorrgico). No caso de pacientes que tiveram AVC, deve-se sempre considerar o estado geral do passageiro e a extenso da doena. Recomenda-se a adoo do seguinte esquema : 1. AVC isqumico pequeno: aguardar de 4 a 5 dias; 2. AVC em progresso: aguardar 7 dias; 3. AVC hemorrgico no operado: aguardar 7 dias; 4. AVC hemorrgico operado: aguardar 14 dias. Doenas cardiovasculares No caso de infarto no complicado, a conduta adotada de liberao para o voo a de se aguardar de duas a trs semanas. Em infarto complicado, seis semanas. Os pacientes com angina instvel no devem voar. A insuficincia cardaca grave e descompensada contraindicao ao voo. Se moderada, deve-se

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verificar com o mdico que acompanha o paciente a necessidade de suporte de oxignio. Para voar, os pacientes submetidos revascularizao miocrdica devem aguardar pelo menos duas semanas. A taquicardia ventricular ou supraventricular no controlada contraindicao ao voo. O uso de marca-passos e desfibriladores implantveis no contraindicam o voo. Os pacientes com qualquer doena cardiovascular devem certificar-se de que h medicao suficiente para toda a viagem, e lev-la na bagagem de mo. indicado fazer uma lista com os medicamentos, dosagens e horrios das tomadas e atentar para o ajuste dos horrios de utilizao dos mesmos de acordo com o fuso horrio a ser atravessado. Adicionalmente, devem sempre carregar na bagagem de mo um eletrocardiograma recente. A empresa deve ser avisada sobre necessidades especiais de alimentao especial, suporte de oxignio ou utilizao de cadeira de rodas.22 Cartilha de Medicina Aeroespacial

Hipertenso arterial sistmica O estresse resultante do somatrio do ambiente do voo, aeroporto e avio pode descompensar a presso arterial. Na tentativa de evitar o quadro, alguns cuidados se fazem necessrios: 1. Estar com a presso normal e estvel; 2. Manter o uso e o horrio das medicaes; 3. No ingerir bebida alcolica e caf, antes e durante o voo; 4. Solicitar dieta hipossdica com antecedncia; 5. Chegar cedo ao local de embarque; 6. Em caso de medo de voar, procurar um mdico antes; 7. Em caso de crise hipertensiva, aguardar trs a quatro dias para voar. Trombose venosa profunda (TVP) A imobilizao por tempo prolongado, somada a fatores predisponentes, pode causar ou contribuir para a ocorrncia de um evento de trombose em voos com durao superior a quatro horas. Para que tal condio ocorra, os principais fatores de risco so: distrbios da coagulao, doenas cardiovasculares, cirurgia ou trauma recente, histria pessoal ou familiar de TVP, terapia de reposio horDoutor, posso viajar de avio? 23

monal, indivduos de alta estatura ou baixa estatura, cncer, gravidez, varizes, tabagismo e obesidade. A preveno pode e deve ser feita seguindo alguns cuidados, tais como utilizar roupas leves, mobilizar-se no assento, executar pequenos exerccios (movimentar os tornozelos, por exemplo), hidratarse, usar meia elstica e evitar o uso de bebidas alcolicas, caf e remdios para dormir.

APARELHO RESPIRATRIO Asma A asma brnquica a doena respiratria mais comum entre os viajantes, sendo incapacitante para o voo em casos graves, instveis e de hospitalizao recente. Os asmticos devem sempre levar na bagagem de mo seus medicamentos, principalmente broncodilatadores (bombinhas). Em casos emergenciais, devem consultar seu mdico, para melhor orientao.

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Bronquite crnica e enfisema As pessoas com bronquite crnica e enfisema pulmonar apresentam reduzida capacidade de oxigenar o sangue, fato que piora durante o voo. Por isso, esses viajantes devem buscar orientao mdica especializada para realizar testes que verificam a necessidade de suporte de oxignio durante o voo. Pneumonias Os passageiros com infeces pulmonares contagiosas (tuberculose e pneumonia) no devem viajar, pois pode ocorrer agravamento dos sintomas, complicaes durante e depois do voo e risco de disseminao da doena entre os demais passageiros. O viajante somente poder voar aps a melhora dos sintomas, desde que esteja sem febre e com funo pulmonar adequada. Tuberculose O passageiro com tuberculose somente poder voar quando da melhoria clnica e resultado negativo do exame de bacilos no escarro.

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GARGANTA, NARIZ E OUVIDO Mal ou doena do movimento (enjoo) As pessoas mais suscetveis a terem enjoo durante o voo so aquelas que j o apresentaram quando viajaram de nibus, carro ou navio. Com tais antecedentes, devem evitar a ingesto excessiva de lquidos, comida gordurosa, condimentos e refrigerantes, alm de cuidar para sentarem prximas asa e janela. Como profilaxia, podem ser utilizados medicamentos anti-hemticos. Otite As condies de infeces ativas e cirurgias recentes so contraindicaes para o voo, mas o uso de tubo de drenagem da orelha mdia na membrana timpnica no o . Rinite A rinite alrgica uma reao inflamatria da membrana da mucosa nasal que causa coceira no nariz, espirros, excesso de secreo e obstruo. Seus sintomas so, frequentemente, sazonais e desencadeados por fatores diversos como plens, poeiras, alterao de temperatura ambiental e

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fumaa de cigarro e podem ser minimizados com cuidados no pr-voo e, dentro do avio, com o uso profiltico de anti-histamnicos e corticoides. Durante o voo, pode-se umidificar a mucosa nasal com soro fisiolgico. Antes dos procedimentos de pouso, indicado utilizar descongestionante nasal, visando evitar a dor causada pelo aumento da presso no interior da orelha mdia. Em caso de crise, deve-se considerar o adiamento da viagem. Sinusite A sinusite aguda ou crnica contraindicao ao voo, por ser uma infeco e pelo risco de obstruo do seio nasal, podendo levar a complicaes no momento do pouso ou quando de despressurizao da cabine. Voar sob tais condies propicia o surgimento de enxaqueca severa, dor facial, orbital ou em sistema nervoso central, e sangramento nasal. A infeco deve ser tratada com o uso de antibiticos de largo espectro, agentes mucolticos, descongestionantes orais, corticosteroides e uso temporrio de descongestionantes nasais. O uso deDoutor, posso viajar de avio? 27

soluo fisiolgica nasal tambm contribui para a limpeza e umidificao da mucosa nasal. QUADROS GASTROINTESTINAIS Abdome Orienta-se que os passageiros obstipados evacuem antes da viagem, para no se incomodarem com a distenso dos gases. Em caso de flatulncia excessiva, utilizar medicao para eliminao dos gases antes da viagem, como forma de evitar dores abdominais excessivas. No h contraindicao ao voo para os colostomizados. Recomenda-se que utilizem uma bolsa colonoscpica maior ou faam trocas frequentes, em vista do aumento de sada de fezes pela distenso abdominal. Diarreia um problema em potencial, principalmente para aqueles que visitam regies endmicas e com pouca higiene, o que facilita a transmisso de infeces. Apesar de a doena ser autolimitada, deve-se fazer a reidratao oral para prevenir a desidratao.28 Cartilha de Medicina Aeroespacial

A Organizao Mundial da Sade (OMS) recomenda intercalar um copo de gua com um de soro. Drogas antimotilidade podem ajudar a aliviar os sintomas. Deve-se procurar assistncia mdica no caso de febre alta, tremores, piora progressiva dos episdios, presena de sangue ou muco nas fezes, vmitos que impedem tomar lquidos, sintomas persistentes aps uso de sintomticos, e se tiver outra doena, especialmente se utilizar remdios para diabetes, hipertenso, diurticos e imunossupressores.

QUADROS PS-OPERATRIOS E TRAUMTICOS Ps-trauma craniano Aps um trauma crnio-enceflico ou qualquer procedimento neurocirrgico, pode ocorrer aumento da presso intracraniana durante o voo. Os indivduos com tais condies devem aguardar sete dias, e confirmar a melhora do quadro compressivo intracraniano atravs de tomografia de crnio. Ps-operatrio torcico 1. Ps-pneumectomia ou lobectomia pulmonar recente: a reserva pulmonar mnima, princiDoutor, posso viajar de avio? 29

palmente na associao com histria de tabagimo ou doena pulmonar obstrutiva crnica (DPOC), fazendo-se necessria uma avaliao pr-voo, com realizao de teste de simulao de hipoxia de altitude; 2. Pneumotrax: contraindicao absoluta a voar. Deve-se esperar de duas a trs semanas aps a drenagem de trax e confirmar a remisso por exame de raios X. Ps-operatrio abdominal A realizao de anestesia geral no contraindicao, pois seus efeitos so rapidamente reversveis. No caso de anestesia raquidural, contudo, deve-se aguardar sete dias para voar, perodo em que o voo poderia vir a causar cefaleia intensa. Quando da realizao de cirurgia abdominal, o voo contraindicado por uma a duas semanas, perodo em que podem surgir complicaes decorrentes da distenso de alas por expanso dos gases, podendo levar a sangramentos e perfurao destas. Aps a realizao de cirurgia videolaparoscpica deve-se aguardar 24 horas para voar, desde que os sintomas de distenso estejam ausentes.30 Cartilha de Medicina Aeroespacial

Gesso e fraturas Por razes de segurana, algumas companhias areas exigem que passageiros com gesso em membro inferior acima do joelho devem viajar em maca. Como alternativa, podem comprar um assento extra ou viajar em classe onde disponham de maior espao. Como pequena quantidade de ar fica presa no gesso, aqueles feitos no perodo de 24 a 48 horas antes do voo devem ser bivalvulados para evitar compresso, principalmente em voos longos. Quando for utilizada a tala pneumtica, colocar menor quantidade de ar, para evitar uma sndrome compartimental. As fraturas instveis ou no tratadas so contraindicaes ao voo. QUADROS PSICONEUROLGICOS Distrbios psiquitricos No devem voar as pessoas com transtornos psiquitricos, cujo comportamento seja imprevisvel, agressivo ou no seguro. Podem voar aqueles com distrbios psicticos estveis com o uso de medicamentos, desde que acompanhados por um responsvel.Doutor, posso viajar de avio? 31

Epilepsia A maioria dos epilticos pode voar seguramente, desde que estejam utilizando a medicao. Aqueles com crises frequentes devem viajar acompanhados e estar cientes de fatores desencadeantes, tais como fadiga, hipoxia e alterao do ritmo circadiano. Recomenda-se que para voar aguardem de 24 a 48 horas aps a ltima crise. A medicao anticonvulsivante deve estar na bagagem de mo e os horrios corretamente mantidos. A ingesto de bebida alcolica deve ser evitada. Medo de voar Os passageiros com tendncias claustrofbicas e/ou fobias em ambientes areos e aglomerados humanos devem procurar um mdico antes do voo, para realizar um tratamento cognitivo-comportamental ou mesmo medicamentoso. A sndrome do pnico deve estar compensada antes do voo, devido aos diversos fatores estressantes envolvidos durante a viagem e que podem vir a desencadear uma crise.

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OUTROS QUADROS Anemias Independente da causa da anemia, nveis de hemoglobina abaixo de 8,5mg/dL, associados diminuio da presso de oxignio durante o voo, podem levar ao aparecimento de sintomas. Na anemia crnica, h maior tolerncia a nveis mais baixos de hemoglobina. Recomenda-se utilizar suporte de oxignio para se evitar uma crise em portadores de anemia falciforme e nos casos de hemoglobina abaixo de 8,5mg/dL. Condies peditricas (crianas) Os pais ou responsveis devem portar os documentos necessrios para a identificao da criana, bem como se informarem sobre possveis epidemias ou endemias e as vacinas necessrias para o local de destino. No caso de recm-nascidos, deve-se esperar pelo menos uma semana de vida para que viajem o que ajuda a assegurar a ausncia de problemas congnitos ou respiratrios que possam vir a prejudicar a criana.

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As crianas pequenas podem sentir dores de ouvido principalmente na fase do pouso ou aproximao final da aeronave. Para alvio desse sintoma, recomenda-se que a criana mame no peito ou mamadeira, chupe chupeta ou, mesmo, beba gua no copo. As crianas com congesto nasal podem beneficiar-se do uso de anti-histamnicos e descongestionantes tpicos administrados trinta minutos antes do pouso. Condies oftalmolgicas 1. Glaucoma: no contraindicao ao voo desde que o passageiro utilize corretamente a medicao; 2. Conjuntivite: contraindicao ao voo durante o perodo infectante; 3. Lentes de contato: recomenda-se o uso de soluo lubrificante para prevenir a irritao ocular devida ao ambiente seco do avio; 4. Limitaes visuais: recomenda-se que as pessoas sob tais condies viajem acompanhadas, sempre que possvel.

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Doenas do viajante Independente do fator viagem, as seguintes vacinas devem estar permanentemente atualizadas: ttano, difteria, sarampo, caxumba, rubola, poliomielite, Haemophillus influenzae tipo B (Hib) e hepatite B. importante que o viajante atente no s para as belezas naturais do destino, mas tambm se informe sobre as doenas endmicas locais, passveis de preveno com vacinas como febre tifoide, meningite meningoccica, febre amarela, entre outras. Quando as doenas locais so transmitidas por mosquitos, importante que a bagagem contenha repelentes, camisas e calas compridas e de cores claras, inseticidas com permetrina, alm de outros piretroides. Os cuidados com a alimentao so fundamentais. Por exemplo, o viajante deve sempre optar por gua engarrafada, refrigerantes e alimentos cozidos e secos, preparados em locais de confiana. Finalizando, recomenda-se que evitem entrar em piscinas, bem como utilizar praias com esgoto prximo.

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Gravidez A viagem deve ser evitada caso a gestante apresente dores ou sangramento antes do embarque. As viagens longas no devem ser realizadas por paciente multigesta, com incompetncia istmocervical, atividade uterina aumentada ou partos anteriores prematuros. O voo no se relaciona ao aumento da incidncia de ruptura prematura de membranas ovulares ou ao descolamento prematuro de membranas. Em condies que comprometem a oxigenao da placenta, deve ser avaliada a necessidade de suporte com oxignio. A partir da 36 semana, a gestante necessita de declarao do seu mdico, permitindo o voo. Em gestaes mltiplas, a declarao deve ser feita aps a 32 semana. A partir da 38 semana, a gestante s pode embarcar acompanhada dos respectivos mdicos responsveis. No h restries no ps-parto para a me, mesmo de imediato. No entanto, deve-se adiar a viagem

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do recm-nascido para depois da primeira semana de vida, em vista das vrias transformaes pelas quais o beb passa e sua fragilidade inerente ao perodo. aconselhvel que as gestantes sigam as seguintes recomendaes: 1. Antes do voo: evitar dieta produtora de gases nos dias anteriores viagem e compensar anemias preexistentes; 2. Durante o voo: manter o cinto constantemente afivelado sobre a pelve, evitando choques na barriga, especialmente perigosos no terceiro trimestre de gestao; evitar alimentos que produzam gases nos dias anteriores e durante o voo. Nos voos com durao superior a quatro horas, fazer exerccios leves com as pernas, visando evitar a imobilidade prolongada. Jet lag Este termo define uma alterao do ritmo circadiano devido s diferenas de fuso horrio sofridas pelo organismo. Caracteriza-se por cansao, sonolncia, dificuldade para dormir, irritabilidade e incompatibilidade entre a fome e os horrios das refeies.

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Existe uma tolerncia individual, mas a adaptao ocorrer para a maior parte dos passageiros de voos de longa permanncia. Nos de curta durao, geralmente no h tempo para uma adaptao. Recomenda-se iniciar gradativamente a adaptao ao novo horrio, de trs a quatro dias antes da viagem. A utilizao de medicao para dormir ou para adaptao ao fuso s deve ser realizada sob orientao mdica.

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Anexos

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Eventos mdicos a bordo de aeronavesPaulo Magalhes AlvesMembro da Academia Internacional de Medicina Area e Espacial Vice-presidente da Associao de Diretores Mdicos de Empresas Areas

Eventos mdicos a bordo de aeronaves comerciais so relativamente raros quando se considera o volume de trfego de passageiros, mas devem aumentar, no mnimo, em paralelo ao esperado crescimento do trfego areo. Contudo, o fator determinante mais importante no est sob o controle das empresas areas: a sade do passageiro.Eventos mdicos em trs situaes distintas

Condio mdica subjacente desconhecida o passageiro afetado desconhecia a existncia do problema mdico que eclode por acaso durante um voo. Ele apenas estava no lugar errado, na hora errada; Condio mdica subjacente conhecida uma condio mdica preexistente descompensa durante o voo em funo de algum aspecto relacionado viagem (pressurizao de cabine ou imobilizao prolongada, por exemplo);Doutor, posso viajar de avio? 41

Viagem por razes mdicas muitas vezes, a razo para a viagem primariamente mdica: o passageiro ficou enfermo durante uma viagem e deseja voltar para casa imediatamente; o passageiro est em busca de melhores recursos mdicos em outra localidade; o passageiro est em busca de recursos mdicos mais baratos em outra localidade (o chamado turismo mdico, cada vez mais comum).Eventos mdicos vo se tornar mais frequentes

Os ltimos anos testemunharam o surgimento de voos mais longos, aeronaves com maior capacidade de passageiros e maior acesso ao transporte areo. Ao mesmo tempo, graas aos avanos tecnolgicos obtidos na rea da medicina, a expectativa de vida das populaes tem aumentado e, consequentemente, as pessoas esto sobrevivendo a condies crnicas de sade, mas podem descompensar a qualquer momento. Esses dois aspectos se combinam para determinar uma maior chance de ocorrncia de eventos mdicos a bordo. Embora a maior parte desses eventos no seja grave, significativo nmero de casos resulta em bito a bordo ou na necessidade de pouso no programado, para se garantir o atendimento mdico apropriado.42 Cartilha de Medicina Aeroespacial

Em outras circunstncias, mesmo no requerendo atendimento imediato, a situao pode constituir uma questo de sade pblica no caso de doenas transmissveis de interesse internacional. Idealmente, essas condies devem ser identificadas previamente ao voo, o que nem sempre possvel por diversas razes, incluindo o fato de que vrias condies infectocontagiosas apresentam um perodo de incubao assintomtico, cujos sintomas podem iniciar-se no transcurso da viagem area. Para minimizar o potencial de disseminao internacional de doenas transmissveis, o risco de morte a bordo e, ainda, o inconveniente dos pousos no programados que sempre representam risco adicional e inconvenincia de atrasos e quebra de programao , eventos mdicos devem ser gerenciados adequadamente durante o voo.Que soluo dar aos eventos mdicos a bordo?

Atualmente, as empresas areas abordam o problema de forma distinta. Vrias ainda dependem da presena de um voluntrio mdico qualificado entre os passageiros, soluo que apresenta limitaes evidentes, pois nem sempre esse profissional est a bordo em todos os voos. Um artigo do The New York Times, publicado em 23 de maio de 2011,Doutor, posso viajar de avio? 43

discute com profundidade alguns aspectos envolvidos quando um mdico convocado a trabalhar durante um voo comercial. Mais de cem comentrios de mdicos foram colocados no site do famoso jornal, gerando interessante debate. Foram mencionados problemas acerca da qualificao mdica necessria para lidar com a natureza diversa dos eventos possveis, em funo da especialidade do colega voluntrio, passando por problemas do inconveniente causado na viagem e formas de compensao. Em suma, descortinou-se toda a polmica e controvrsia em torno do tema. Pelo ngulo da segurana de voo, um evento mdico sempre uma condio na qual o comandante da aeronave, ante a eventual necessidade de um pouso no programado, deve sopesar a sade de um passageiro e a segurana dos demais. Decises que comprometem a segurana de voo devem basear-se em conhecimento tcnico do fato gerador, para que o julgamento do risco seja feito de forma efetiva. Como qualquer outro aspecto de segurana area, os eventos mdicos devem ser abordados de forma estruturada e consistente.44 Cartilha de Medicina Aeroespacial

Dados relativos aos eventos mdicos devem ser capturados e documentados de forma apropriada, visando permitir a melhoria no treinamento dos comissrios de bordo e a definio dos medicamentos e demais recursos a serem disponibilizados nos conjuntos mdicos a bordo.Eventos mdicos: aspectos de segurana de voo

Em anos recentes, o tpico das emergncias mdicas em voo ganhou a ateno da Organizao Internacional de Aviao Civil (Icao, na sigla em ingls), rgo da Organizao das Naes Unidas responsvel pela normatizao das prticas do transporte areo internacional. A Assembleia Geral de 2004 concluiu que a proteo da sade dos passageiros e dos tripulantes em voos internacionais um elemento integral do transporte areo seguro e que condies devem ser colocadas em prtica para assegurar a sua preservao de forma custo-efetiva e oportuna. Assim, recomenda que os estados-membros devem assegurar que medidas apropriadas sejam tomadas para proteger a sade de passageiros a qualquer tempo durante os voos.Doutor, posso viajar de avio? 45

O documento final incorpora as recomendaes da Conferncia Europeia de Aviao Civil que, em 2004, estipulava que todas as empresas areas contem com um sistema pelo qual a orientao mdica em solo esteja disponvel aos tripulantes durante os voos o que vem a ser um modelo de telemedicina.Telemedicina

Por intermdio da telemedicina, a orientao mdica a distncia tornou-se a melhor prtica na indstria de aviao para manejar e documentar eventos mdicos a bordo. Aconselhamento mdico avanado pode ser providenciado a partir de centros de excelncia mdica, garantindo qualidade e consistncia independente da presena de profissional mdico como passageiro. Na condio de pontos nicos de contato, os servios de telemedicina podem capturar dados acerca de intercorrncias mdicas em voo de forma sistemtica, permitindo a efetiva documentao dos casos e a emisso de relatrios e anlises de tendncias.46 Cartilha de Medicina Aeroespacial

Graas disponibilidade cada vez maior de recursos avanados de comunicao ar-terra, incluindo internet de banda larga e o desenvolvimento de dispositivos de monitorao mdica compatveis com o uso aeronutico, espera-se que a telemedicina venha a se desenvolver de maneira rpida e slida em futuro prximo. Esses avanos s tendem a proteger o pblico viajante, de maneira direta e indireta, provendo melhor qualidade de atendimento mdico e reduzindo, seno eliminando, pousos no programados desnecessrios.

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Viagens areas e responsabilidade mdicaMurillo de Oliveira VillelaPresidente do Conselho da Sociedade Brasileira de Medicina Aeroespacial

Desde os primrdios, a medicina teve como escopo propiciar o retorno do organismo humano normalidade de sua fisiologia, aps alterada por condies vrias. Com o advento do avio, novo desafio se fez: manter, apesar das vrias circunstncias adversas a ser vencidas no novo ambiente, a higidez do indivduo quando de seu deslocamento do habitat para o qual foi criado e em que vive. Ou seja, a medicina convencional e suas especializaes lidam com anormalidades da fisiologia humana em ambiente normal; a Medicina Aeroespacial procura manter a fisiologia humana em ambiente anormal. O organismo humano o aparelho mais silencioso e perfeito existente, no superado pelas mais avanadas mquinas criadas pelo homem. Apesar de sua perfeio, deve funcionar sob parmetros que no os encontrados a bordo de aeronaves. Como toda mquina, necessita de combustvel para funcionar plenamente: o oxignio.Doutor, posso viajar de avio? 49

A presso parcial de oxignio, que depende da presso atmosfrica, fundamental para o processamento de trocas gasosas ao nvel dos alvolos pulmonares, nas quais o oxignio se combina com a hemoglobina e transportado aos tecidos (oxihemoglobina), bem como para que o CO2 (carboxihemoglobina) possa ser retirado dos tecidos e eliminado do organismo. presso de 380mmHg (18.000 ps) a presso parcial do oxignio no suficiente para manter as trocas respiratrias. A 34.000 ps a presso ser cerca de da encontrada ao nvel do mar. Para que os voos tornem-se possveis, a cabine das aeronaves (normalmente, as altitudes de cruzeiro so acima de 30.000 ps) sofre pressurizao, mantendo o ambiente interno em presso correspondente altitude entre 6.000 e 8.000 ps. Nessa condio, o nvel de oxignio fornecido ao organismo, pelo ar inspirado, no o ideal para a adequada manuteno do funcionamento do crebro e h uma hipoxia relativa, com consequncias orgnicas como menor velocidade de pensamento e reflexos, sonolncia, desnimo e distrbios visuais, cuja intensidade varia em face de fatores individuais.50 Cartilha de Medicina Aeroespacial

Alm desse tipo de hipoxia, outros, como os por deficincia de glbulos vermelhos por hemorragias, ps-operatrios, perodos menstruais, anemia (hipoxia hipoxemica) ou substncias txicas como lcool, medicamentos, gases e vapores txicos (hipoxia histotxica) podem em ambiente como o da cabine do avio, no qual a presso menor do que a atmosfrica condicionar problemas oriundos da insuficincia de oxignio tissular, o que ajuda a compreender porque a bordo o estado de hemiembriagus surge mais rapidamente (hipoxia relativa + intoxicao). A partir de quatro horas de permanncia em altitude correspondente a 8.000 ps, surgem morosidade intelectual, diminuio dos reflexos, lassido e incio de alteraes da capacidade de julgamento. As pessoas que se sentem atemorizadas ou excitadas por estarem voando (ptesiofobia) e algumas que, sabendo que a quantidade de oxignio na cabine menor, tentam aument-la elevando a frequncia respiratria podem entrar em hiperventilao, o que se torna perigoso, pois com a baixa presso parcial do oxignio esse aumento de frequncia respiratria promove excessiva eliminao de dixido de carbono (que controla o ritmo respiratrio porDoutor, posso viajar de avio? 51

mecanismo neuroqumico), podendo gerar tonturas, escotomas e dormncia das extremidades e, pela continuidade, quadros mais graves. Alteraes da temperatura (a cada 2.000 ps de elevao da altitude a temperatura cai 2C; a 30.000 ps, a temperatura externa de menos 50C) e o baixo teor higroscpico do ar no interior das cabines (a umidade do ar diminui cerca de 6% para cada 1.000 ps de aumento da altitude e entre 6.000 e 8.000 ps a umidade sofre um decrscimo de 30% a 40%, e novas redues em consequncia do processo de pressurizao), em no havendo o mecanismo de pressurizao, tornariam inexequveis os voos. Este mecanismo faz a expulso parcial do ar da cabine, substituindo-o por ar aspirado do exterior, com a devida compresso e aquecimento antes de injetado no compartimento, e alm de possibilitar os voos ainda diminui em cerca de 80% a possibilidade de contaminao por doenas em que o ar elemento participante. No Brasil, poucos, mesmo os profissionais da rea mdica, quando se fala em viagem area, recordam-se dos princpios e leis da fsica que regem os52 Cartilha de Medicina Aeroespacial

gases, como a de Boyle-Mariotte (a uma temperatura constante, o volume de um gs inversamente proporcional presso que suporta) e sua importncia sobre a expansibilidade dos gases, relacionando-a com os efeitos da altitude sobre os rgos cavitrios do organismo. Lembremo-nos, tambm, que a presso total de uma mistura gasosa igual soma das presses parciais dos gases componentes. O conjunto das alteraes sofridas por um organismo, em seu todo ou em partes, na passagem de um meio de determinada presso para outro de maior ou menor presso (disbarismo), sobejamente conhecido por todos os mdicos, mas o exerccio dirio da profisso nos faz esquecer coisas que mesmo incorporadas a nosso conhecimento deixam de ser consideradas em grande parte de nossos atos. Essas alteraes podem ser divididas em alteraes de gases encarcerados e evolados. No nosso organismo existem gases nas cavidades digestivas e naquelas em contato com o meio exterior por intermdio de orifcios como fossas nasais e boca. Tambm encontramos gases como nitrognio, dissolvidos nos lquidos orgnicos, como o sangue, e nos tecidos.

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O gs contido em vrias cavidades do corpo expande-se devido diminuio da presso atmosfrica no interior da cabine das aeronaves (aerodilatao). A propsito, lembraremos alguns aspectos relacionados a esse fenmeno: 1. Pequenas cavidades ocas existentes por trs das membranas timpnicas esto cheias de ar com a mesma presso do meio ambiente e se conectam com a faringe pelas trompas de Eustquio, sendo este o nico caminho para a entrada e sada de ar na orelha mdia sem que haja ruptura das membranas timpnicas. Quando a aeronave inicia sua ascenso, ouvem-se estalidos que se repetem com certa frequncia e cadncia, indicativos de processo de equalizao entre as presses do meio ambiente e o organismo e, por conseguinte, da orelha externa com a orelha mdia. Durante a ascenso o interior da cabine submetido presso inferior a do nvel do solo e surge um abaulamento da membrana timpnica, que empurrada, de dentro para fora, pela maior presso do ar da orelha mdia. Visando evitar a ruptura do tmpano, a trompa de Eustquio se abre automaticamente, permitindo a passagem do ar expandido54 Cartilha de Medicina Aeroespacial

para a faringe, o que promove a equalizao entre as presses interna e externa. Os estalidos so originados pela volta da membrana timpnica posio anterior. Quando do processo de descenso para a aterrissagem, a presso dentro da cabine aumenta e a presso externa empurra a membrana timpnica para dentro, visando restabelecer o equilbrio entre as presses. Esta equalizao, ao contrrio da ascenso, no automtica, pois a abertura faringiana das trompas de Eustquio atua como vlvula permitindo a sada de ar, mas resiste sua entrada. Para abrir a vlvula, deve-se deglutir ou bocejar, seguidamente, algumas vezes. Ocasionalmente, faz-se necessrio, com a boca fechada, tapar as narinas e forar a movimentao do ar contra o obstculo da temporria obstruo nasal, visando obrigar a abertura das vlvulas e permitir o acesso do ar. Este procedimento, denominado manobra de Valsava, bem conhecido por mdicos que se dedicam Medicina Aeroespacial e por aeronavegantes; 2. Cmbios de presso a bordo, na subida ou descida, podem condicionar problemas nos seiosDoutor, posso viajar de avio? 55

frontais, maxilares e etmoidais. Normalmente, o ar entra e sai dessas cavidades pelo nariz, com o qual se conectam, e o bloqueio de suas aberturas em resfriados, sinusites e mesmo em problemas de ordem alrgica (exemplo: febre do feno) pode produzir fortes dores durante decolagens e, mais frequentemente, nas aterrissagens. At a possibilidade (rara) de uma meningite deve ser considerada. Pessoas com quadros de resfriados intensos, gripes e sinusites devem ser desaconselhadas a fazer viagens areas, em seu decurso; 3. Tratamentos dentrios como os de canal, por exemplo, podem originar problemas durante os voos, em consequncia da expanso do ar acompanhada de fortes dores; 4. A expanso dos gases contidos no organismo humano com a altitude de cabine em voo entre 6.000 e 8.000 ps faz com que o seu volume dobre e, por exemplo, nas vsceras ocas, passe de um para dois litros, o que leva a dilataes com meteorismo, desconforto abdominal e, pelo prejuzo da excurso diafragmtica, dispnia. Esses gases tendem a ser expelidos do interior do tubo digestivo compulsoriamente (flatos e eructaes), visando diminuir a56 Cartilha de Medicina Aeroespacial

sensao desagradvel e, no fora pela renovao do ar que se processa mecnica e automaticamente, o ambiente a bordo, aps algumas horas de voo, seria irrespirvel. Essa situao pode ser evitada ou minimizada pela ingesto de alimentos menos fermentescveis, no ingesto de bebidas gasosas e uso de medicamentos que acelerem o peristaltismo, antes do voo ou durante o mesmo. Qualquer cirurgia, pela introduo de ar via inciso, deve ser levada em conta pelo mdico (localizao, tamanho da inciso e durao) ao ser inquirido por seus pacientes sobre a possibilidade de voar, pois a total reabsoro pode levar at 30 dias. Cirurgias com abertura das cavidades abdominal, torcica e craniana so as mais preocupantes, mas a introduo de ar sob a pele em cirurgias plsticas no pode ser desconsiderada, haja vista que todos os voos so realizados em condies hipobricas e a aerodilatao poder ter efeitos deletrios sobre a esttica final; 5. Cinetose ou mal do movimento, que se caracteriza por vmitos, palidez, sudorese fria e prosDoutor, posso viajar de avio? 57

trao (reao fisiolgica normal a uma situao anormal como o voo), poder ser encontrada por um mdico ao responder ao apelo existe algum mdico a bordo? A lei de Henry A solubilidade de um gs dissolvido em um determinado lquido a uma determinada temperatura diretamente proporcional presso parcial do gs acima deste lquido explica os fenmenos de gases evolados. Por exemplo, a formao de bolhas ao abrir uma garrafa de refrigerante e sintomas como: a) Itch- simples pruridos cutneos e sensao de calor ou frio; b) Bends- dores articulares e musculares, s vezes brandas, mas vez por outra intensas e profundas, incmodas e cansativas (mais comuns em indivduos obesos, pelo fato de o tecido adiposo ser mais rico em nitrognio e capaz de absorver de 5 a 6 vezes mais nitrognio do que o sangue. Geralmente, ocorrem nas grandes articulaes como joelhos, ombros e tornozelos, mas as pequenas articulaes das mos e pulsos tambm costumam ser afetadas; c) Chokes - repercusses sobre o sistema cardiorrespiratrio que podem levar at mesmo morte ou ao estabelecimento de sequelas, cujos sintomas so a sensao de queimao ou dor lancinante, tipo facada, no peito, com tosse e dispneia.58 Cartilha de Medicina Aeroespacial

Os itch so incmodos, mas no perigosos; os bends (os mais frequentes dos trs) dificultam, pela dor, a movimentao do passageiro. A literatura cita casos de viajantes que apresentaram queimaduras por terem sido tratados de bends e lombalgias com gelo seco. Os bends podem ocorrer em locais de traumatismos recentes (locais de leses antigas no so alvos frequentes). Os chokes podem resultar em colapso e sua ocorrncia leva o comandante a ter que efetuar imediata diminuio da altitude da aeronave. Esses sintomas dos gases evolados tm como origem a formao de bolhas e consequentes embolias gasosas pelo desprendimento de nitrognio dissolvido em lquidos e nos tecidos. Ressalvamos que um intervalo mnimo de 24 horas deve ser observado entre mergulhos profundos (pesca submarina) e viagens areas.Jet lag ou dessincronose

O organismo humano tem um ritmo prprio, baseado em marcadores fisiolgicos estabelecidos pela natureza, dos quais o mais facilmente reconhecvel a relao claro-escuro, que o dota de um relgio biolgico que no s o condiciona para certas sensaes, como sono, fome, disposio para o trabalho etc., mas tambm determina o surgimento e a alternncia das mesmas.Doutor, posso viajar de avio? 59

Esse ritmo biolgico influi no aparecimento de doenas, nas secrees hormonais, temperatura corporal, valores de pulso e presso arterial, produo e atividades de enzimas e sucos digestivos, relao entre nascimentos e bitos com perodos do dia e da noite etc. Pensa-se que tal sincronizao tenha o objetivo de ordenar e sequenciar os fenmenos metablicos e fisiolgicos. O ritmo circadiano (do latim circa die = cerca de um dia) tem durao aproximada de 25 horas e sofre oscilaes que dependem de estmulos provenientes do meio ambiente, desencadeadas pelo prprio organismo. Durante a rotao da Terra a luz vai de um meridiano a outro em quatro minutos, e o tempo geogrfico na Terra de uma hora para 15 meridianos, havendo ento 24 zonas de tempo. A transposio de fusos horrios leva o organismo humano a se ressentir com alteraes de vrias caractersticas do indivduo e como regra geral: a) para cada fuso horrio transposto necessrio um dia para a reintegrao das condies anteriores; b) os voos no eixo leste-oeste so bem mais agressivos ao organismo humano do que os realizados no eixo norte-sul;60 Cartilha de Medicina Aeroespacial

c) os voos realizados para o leste, nos quais o dia do viajante aumentado (como os para a Europa e sia), so piores que os para o oeste (como para o Chile e Estados Unidos) os quais, por reduzir as horas do dia do viajante, permitem mais fcil adaptao; d) ao desembarcar, o organismo mantm seu relgio biolgico e necessidades bsicas (sono, fome etc.), atendo-se ao ritmo habitual. Nas viagens de longa durao (Japo, China, Austrlia, Nova Zelndia, por exemplo), o ideal um bom descanso aps a viagem, o que contribui para que o organismo assimile mais rapidamente os efeitos da transposio de grande nmero de fusos horrios. Nas viagens com permanncia de um a trs dias recomenda-se, dentro do possvel, obedecer imediatamente o horrio local; nas de longa permanncia (bolsas de estudo, residncias e intercmbios) a adaptao deve ser progressiva. As alteraes do ritmo biolgico (circadiano) consequentes transposio de fusos horrios costumam ser acompanhadas em maior ou menor grau, dependendo de fatores individuais e das condies de realizao do voo, por manifestaes orgnicas tais como cansao, tonturas, indisposio digestiva,Doutor, posso viajar de avio? 61

alteraes de apetite e do funcionamento intestinal, dificuldade respiratria, pnico, estresse, alteraes do sono e do humor, perdas fugazes de conscincia, surdez temporria (at ruptura timpnica), dores musculares, ressecamento de mucosas e pele, reteno urinria, oligria, alteraes de resistncia fsica e edemas de ps e pernas, habitualmente passageiras e sem maiores consequncias, que podem surgir intra ou ps-voo, como revelam as estatsticas. A suscetibilidade de cada organismo condiciona a intensidade e o surgimento ou no das mesmas. Mais grave a chamada sndrome da classe econmica, de maior frequncia entre os passageiros dessa classe do que entre os da Business ou First Class, atribuda ao menor espao entre as poltronas, o que dificulta os movimentos do usurio que deve permanecer por longas horas sentado, praticamente sem deambular e sem exercer a ao dos msculos da panturrilha (vis a tergo), que auxiliam a circulao de retorno. Essa sndrome, desencadeada por possveis trombos originrios da estase venosa decorrente de longa permanncia em imobilidade relativa, mais frequente em pacientes idosos, obesos, tmidos e ocupantes dos assentos centrais e de ja62 Cartilha de Medicina Aeroespacial

nelas (receio de incomodar os vizinhos), costuma aparecer nos primeiros dias de ps-voo, mas tem sido descrita ainda a bordo ou at aps 30 dias, e seus eventos mais comuns so alteraes vasculares, enfartes e embolias. Estudos recentes, comparando a incidncia do aparecimento desses casos de trombose ps-viagens de longa durao, areas e no areas, descriminalizam o meio hipobrico relegando a culpabilidade imobilidade e recomendam exerccios como flectir e estender os ps contraindo os msculos da panturilha com finalidade profiltica. Toda entidade nosolgica e suas caractersticas patognomnicas podem sofrer influncias do prvoo e do intravoo e podem repercutir no ps-voo, variando individualmente quanto intensidade e tipo de repercusso. Os preparativos do pr-voo, tais quais arrumao de malas, locomoo para o aeroporto, check-in, estadia no aeroporto, transporte de bagagens pesadas nos corredores (s vezes muito compridos), lanches ingeridos e acompanhados por bebidas gasosas (refrigerantes e cervejas) ou bebidas alcolicas, e a emoo da despedida podem desencadearDoutor, posso viajar de avio? 63

distenses musculares, lombalgias, intoxicaes intestinais e aumento do volume de gases no tubo digestivo, com consequente aerodilatao, alm de estresse. O intravoo, pelas caractersticas do ambiente da cabine (altitude, baixo teor higroscpico, temperatura, rudos e vibraes, imobilidade relativa), alm da dificuldade para dormir, o desconforto postural, a transposio de fusos horrios, o tipo de alimentao, a preocupao com horrios para uso de medicamentos, o medo de voar e outros tambm podem influir sobre o quadro clnico preexistente ou desencadear algum. Pela influncia no ritmo biolgico o ps-voo pode condicionar dificuldade de adaptao imediata a novos horrios, ingestes e aplicaes medicamentosas, alteraes de hbitos, ambientes, horrios e tipo de refeies, conciliao de sono, e surgimento e evoluo de doenas. Alguns aspectos de uma viagem area nem sempre so considerados por ns como passageiros ou conselheiros de nossos pacientes. Lembrarei algumas recomendaes que podem auxiliar os pacientes a viajar com maior tranquilidade, sem exposio a ocorrncias desagradveis:64 Cartilha de Medicina Aeroespacial

1. Antes do voo prudente evitar bebidas gaseificadas e mascar chiclete, pois condicionam a deglutio de grande quantidade de ar; 2. Alimentar-se bem, sem exageros, lembrando que feijo, repolho, pepino, brcolis e couve-flor so fermentescveis e aumentam a quantidade de gases no interior do tubo digestivo; 3. Evitar bebidas alcolicas antes de voar, pois o lcool diminui a capacidade de as clulas cerebrais utilizarem o oxignio que lhes fornecido que a bordo est diminudo; 4. A cada duas horas de voo deve-se ingerir um copo de gua ou suco de laranja. Atualmente, as companhias areas, graas ao conhecimento da Medicina Aeroespacial em seus departamentos mdicos, disponibilizam garrafas de gua para os passageiros, nos voos de longo curso; 5. Os voos diurnos so considerados ideais, pois a viagem tem incio aps uma noite de sono, e no depois de um dia em que cansamos nosso corpo e mente. Paralelamente, ainda nos permitem, em chegando ao destino, tomar um banho e ingerir uma refeio leve, o que aps as comidas e bebidas servidas a bordo repousar nosso aparelho digestivo, o que facilita dormir para refazer as energias e contornar a ansiedade produzida pelo voo e, noDoutor, posso viajar de avio? 65

dia seguinte, iniciar nossos congressos, negcios ou lazer descansados, ao contrrio de principiarmos os programas em continuao a uma etapa cansativa, mal dormida, mal acomodada, sobrecarregada com comidas e bebidas e da ansiedade para chegar e aproveitar o tempo. A transposio de fusos horrios gerou curiosa situao no ps-Segunda Guerra Mundial: os americanos criaram, terminado o armistcio, um plano de ajuda a naes como o Japo (Plano Marshall - Ponto 1V). Como resultado, funcionrios do governo e empresrios se deslocavam ao Japo para entabular as negociaes. Encarregados das conversaes, os japoneses os recebiam, hospedavam e os levavam cansados da longa viagem (ainda no havia jatos) para as casas de gueixas, onde comiam, tomavam sak e se divertiam. S depois os conduziam mesa de negociaes. Como no estavam nas melhores condies de raciocnio, em consequncia os primeiros acordos penderam para o lado japons. Quando os americanos perceberam o que vinha acontecendo, resolveram mudar o cenrio das negociaes e convidaram os japoneses para discutir os tratados nos EUA.

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Cartilha de Medicina Aeroespacial

Os japoneses aceitaram, mas passavam cerca de quinze dias se adaptando aos horrios locais e iam para a mesa de negociaes em condies de igualdade. A ttulo de curiosidade: para realizar atividades comerciais os antigos fencios viajavam muito e os entrepostos que estabeleciam em diferentes locais de suas rotas receberam a denominao de emprios. Por similitude atividade de quem viaja muito, quer a negcios quer por lazer, utilizando-se a palavra grega atria (arte de curar), a mesma usada na pediatria e geriatria, criou-se o termo emporiatria (emprio+atria) para designar Medicina do Viajante, vocbulo pouco conhecido, pouco difundido e quase no empregado. Como funes daqueles que se dedicariam a essa arte estariam: orientar seus clientes sobre a existncia de determinadas doenas loco-regionais como febre maculosa das montanhas rochosas, encefalite letrgica japonesa, malria etc. , bem como suas caractersticas e preveno, necessidade de vacinas e orientao sobre o tipo de alimentao e os riscos da ingesto de alimentos aos quais no estamos habituados nos locais de destino.

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Deve-se ainda informar sobre os riscos de acidentes em viagens, como os cuidados ao abrir um compartimento de mo acima de nossas cabeas para a guarda ou retirada de bagagens e a possibilidade da queda de objetos e leses da coluna e musculatura paravertebral. Adicionalmente, h o perigo de fraturas, entorses e distenses musculares resultantes de carregar ou mesmo arrastar pesadas malas por longos percursos em alguns aeroportos e muitas outras peculiaridades de uma viagem area no pertinentes em um artigo como este. Voar no produz ataques cardacos, nem o surgimento de entidades nosolgicas, mas a histria pregressa de nosso paciente, aliada aos conhecimentos da fisiologia aeroespacial e ambiente de voo, devem levar-nos a sopesar nossa resposta pergunta frequentemente feita: Posso voar, doutor? Considerando nossos conhecimentos das caractersticas inerentes ao transporte areo, no tocante ao pr-voo, intravoo, ambiente de cabine e ps-voo, nossa responsabilidade, como mdicos, nos obriga a base-la nesses fatores.68 Cartilha de Medicina Aeroespacial

A ntegra desta cartilha tambm pode ser encontrada no site www.portalmedico.org.br

CTP, impresso e acabamento