carta aos romanos karl barth

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Carta aos Romanos de Karl Bart por Koller Anders

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  1. 1. Carta aos Romanos de Karl Bart por Koller Anders
  2. 2. Carta aos Romanos de Karl Bart por Koller Anders Segundo a Quinta Edio Alem (impresso de 1967) 1 Parte CAPTULOS DE I VII So Paulo 2008
  3. 3. Copyright Fonte Editorial Comrcio de Livros Religiosos Ltda 5a Edio - 2008 - formato 14x21 cm - 854 pginas Traduzido da 5a Edio Alem de 1967 de ttulo Original Der Rmerbrief Fonte Editorial Com.Liv.Rel.Ltda R. Baro de Itapetininga 140 lj4 Centro - So Paulo - SP Cep 01042-000 (11) 3151-4252 3237-4760 www.fonteeditorial.com.br email [email protected] Proibida a reproduo total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou meio eletrnico e mecnico, inclusive atravs de processos xerogrficos, sem permisso expressa da editora. (Lei n 9.610 de 19.02.1998) Todos os direitos reservados ISBN: 85-86671-03-7 Capa Eduardo de Proena Traduo Lindolfo Anders Diagramao Alpha Design
  4. 4. 1 EXPLICAESPRELIMINARES Querida Eline: Voc sugeriu que eu escrevesse alguma coisa, por exemplo, algo sobre teologia. Eu respondi-lhe que no valeria a pena e expliquei porque. Porm, assim como as palavras so frutos de pensamento, elas so se- mentes de futuras aes e, qui, de novas idias. E as suas palavras de filha amiga, levaram-me a enfrentar a tarefa de registrar ruminaes minhas sobre o estudo da Epstola aos Romanos, de Karl Barth. Por que a carta aos Romanos, e logo de Karl Barth? Novamente o fruto das palavras: Voc me disse que achava difcil de- glutir Paulo; e Barth disse que ficou radioso quando descobriu o grande aps- tolo dos gentios na Epstola. Preciso contar-lhe primeiramente como conheci Barth: foi nos idos quan- do Jorge Cesar Mota era meu pastor; ele gostava de citar Barth em seus ser- mes, e era grande a celeuma! E este seu pai, ingnuo ancio da Igreja, nem sabia quem era o tal Barth. No me foi difcil descobrir que os outros tambm no sabiam. Alguns nem lhe soletravam certo o nome e os outros diziam que era um ecumenista. J os doutores citavam passagens mas, inquiridos mais de perto no para inves- tigao mas para minha instruo deixaram patente que falavam de oitiva ou, quando muito, haviam lido comentrios de segunda mo ou at da ensima. Fui a Livraria Ederle que especializada em obras teolgicas catli- cas sem fechar as prateleiras a obras dos Irmos Separados, e encontrei refe- rncias a Barth: Uma brochura (talvez umas cinqenta pginas) intitulada, se no me en- gano, CARTAA UM PASTOR DAALEMANHA ORIENTAL. Que adorvel bilhete como diria, talvez, Otoniel Mota. Pareceu-me to penetrante, divinamente inspirada e inspiradora, to bblica que, no meu entender, poderia ser o (67 livro da Bblia, a ser inserido entre a carta aos Hebreus e a epstola de Tiago...
  5. 5. 2 (A propsito, no encontro o livrinho em minha estante; acaso o terei emprestado a algum que dele cuida melhor que eu?) Depois foi o Catecismo de Heidelberg. Depois, mandei vir a grande dogmtica. So 12 alentados volumes (quatro livros - 7731 pgs.). Quantas revelaes! O evangelho passou a ser de fato boa nova, e no disangelho. Tornou-se, para mim, clara e crist a doutrina da predestinao; ficou irrelevante a teoria da evoluo; racionalizou-se a explica- o da origem do mal. A Bblia lida e relida de capa a capa deixou muitas interrogaes em minha mente; no dvidas que abalassem a f, porque esta, a graa de Deus supriu. Mas como compreender com o intelecto, que tambm uma ddiva do cu? Foi a que Barth se agigantou como mensageiro do Evangelho de Deus. Inspirado, culto, corajoso, leal, fiel! Ora, a primeira obra de Barth foi o seu comentrio Epstola aos Roma- nos DER ROEMER BRIEF que levantou um mundo de admiradores e detratores. Alguns o combatem e outros o enaltecem. (Li algures que os mais eminentes pensadores catlicos consideram Barth o Toms de Aquino, protes- tante). A revista Times de New York, em seu necrolgio a Barth, o classificou como o mais significativo pensador religioso do sculo. Outros h que, apoian- do-o, o aviltam, do que o prprio Barth se queixava. Quis conhecer sua primeira obra; encontrei-a em alemo e ingls e eis que esta veio como 6 edio, em 7 impresso feita em 1965 e aquela como a 10 impresso da nova reviso, datada de 1967. Parecem dois livros diferentes, apenas com as mesmas idias gerais. Essa diferena verifica-se at nas tradues dos prefcios do Autor s vrias edies (1 5). No meu entender falta traduo inglesa o vigor da anlise, a exploso do argumento, a semntica quase onomatopaica das expresses ale- ms; em ingls, o livro ficou mais polido, mais diplomtico, mais suave; desa- pareceu a angulosidade germnica mas as estruturas ficaram menos encaixa- das; os planos de apoio e as arestas de engaste foram convertidos em suaves pontos de tangncia e a muralha quase monoltica da estrutura original parece, traduzida, estar em equilbrio precrio, sujeita a ruir se alguma fora externa, no prevista, a solicitar... O prprio Barth talvez tenha tido uma impresso algo duvidosa da obra traduzida, quando no prefcio edio inglesa diz ... partly owing to my insufficient familiarity with the English language... I have, unfortunately not been able to go through the whole of the translation in detail. Sir Edwyn (o tradutor senhor) has, however, led before me a fairly long section of his work and, after comparing it with the original German I am persuaded that he has Explicaes Preliminares
  6. 6. 3 performed his task with great skill. He has combined fidelity to the text with a considerable freedom of presentation and that is surely the mark of a good translator. Though a translation, however skillfully made, must be in some degree a transformation of the original, yet I feel certain that those who think and speak in English will have before them what I wished to say. E assim fica explicado porque no mandei a voc simplesmente, a tra- duo inglesa. Barth publicou a l edio em 1918; a 2 edio, totalmente revista, saiu em 1920. Aterceira foi, praticamente, cpia da segunda e saiu a lume em 1922. O mesmo aconteceu com a 4 edio (1924) mas no seu prefcio dessa edio oAutor confessa que muita coisa deveria ser re-escrita e pontos obscuros deve- riam ser esclarecidos; mas no vejo, ainda, como resolver essas passagens mais difceis, por isso, mais uma vez, preciso mandar o livro sem modific-lo. Finalmente, em 1926, saiu a 5 edio, revista, que foi repetida pela 6 e ltima em 1928, todavia com reimpresses posteriores. Para melhor caracterizar oAutor vou tentar traduzir os seus prefcios 1 , 5 e 6, edies, esta ltima da verso inglesa. Dos outros prefcios, para com- preender melhor oAutor, valeria a pena ler o da 2 edio, onde Barth explica aos leitores porque refundiu totalmente a primeira edio e, em seguida, entra em acres e irnicas crticas de carter polmico com os adversrios e at com os que lhe batem palmas. Revela-se um pugnador agressivo em plena exuberncia; tinha ento 35 anos; diz que ele um telogo, escrevendo para telogos... Eu disse mais atrs que tentaria traduzir. E por que somente TENTAR? Em primeiro lugar por que no sou telo- go; nunca fui nem pretendo vir a ser! Em segundo lugar porque o original em alemo; e em terceiro porque Barth quase intraduzvel. Faz jogos de palavras e de idias que no teriam sentido em portugus e cria expresses simples com significados sutis que exigem circunlquios extensos para serem explicados. Como traduzir, por exemplo, das Da-sem und Wie-sein, ou ento, como atri- buir significao precisa, correta, ao ttulo que o Autor d exegese de todo o capitulo XIV e metade do captulo XV, da Epstola: Die Krisis des freien Lebensversuchs? O prefcio da traduo inglesa aponta algumas das dificuldades tpicas encontradas por aquele colegiado de tradutores que, alm de sua natural com- petncia, contava com a possibilidade de recorrer diretamente ao Autor, sem- pre que tivesse dvidas. Isto , por si s, bastante para confirmar que sequer poderia pretender apresentar uma traduo. Todavia, o que voc vai ler a expresso mais fiel do que entendi; onde me pareceu que a exposio talvez ficasse mais compreensvel com observa- Explicaes Preliminares
  7. 7. 4 es adicionais, eu as acrescentei colocando-as entre colchetes, ou sob a forma de comentrios no comeo e fim das diferentes sees. Ainda algumas observaes: 1. Barth cita, por vezes, trechos em latim e grego. Transcreverei as ex- presses e trechos em latim; omitirei o grego fazendo, porm, as referncias que forem cabveis. 2. Para as passagens bblicas Barth usa sua prpria traduo, junto com a Bblia de Lutero. OAutor usa nas suas citaes as palavras que lhe parecem mais adequadas ao sentido original e, no raro, constri a sua exposio sobre elas. Por isso procurarei traduzi-las o mais fielmente que me for possvel ainda que os versculos se tornem um pouco estranhos aos ouvidos habituados com a traduo de Almeida. 3. Nas referncias a passagens sem citao expressa, por extenso, com- pletarei o texto repetindo a passagem, neste caso usando a traduo deAlmeida, revista e atualizada pela Sociedade Bblica do Brasil em 1959 (antes das ver- ses modernas ecumnicas...). Mos obra, pois! Vamos traduo dos prefcios referidos. Maio,1977 Explicaes Preliminares
  8. 8. 5 PREFCIO - KARL BARTH E SUA CARTA Dentre os livros que compem a Bblia, a Carta de Paulo aos Romanos singular por ter sido, em toda a histria das idias crists, mas de forma ainda mais enftica na histria do protestantismo, um constante veculo de reavaliao teolgica. Como exemplo, basta lembrar a importncia que teve o estudo da refe- rida carta no processo de transformao do pensamento de Lutero.Anfase dada chamada teologia paulina na teologia protestante foi tanta que alguns telogos humoristas chegaram a sugerir que, enquanto a teologia catlica romana funda- menta-se nos evangelhos, a teologia protestante fundamenta-se no corpus paulino. De fato, os telogos protestantes acabaram por produzir uma riqussima seqn- cia de volumes de comentrios referida carta.1 Alguns poderiam at indagar a razo desta obsesso, que na verdade no se limita Carta aos Romanos, mas acaba por caracterizar o output regular da teologia exegtica como um todo. Como sugere Eugene Peterson, h cristos que amam e curtem a Bblia como os aficcionados por futebol. Assim como estes podem discutir acaloradamente por horas um nico lance de uma antiga partida, os amantes da Bblia podem sentar por horas a fio conversando, lendo e pensando a respeito de um nico versculo. Assim como os amantes do futebol no se cansam de analisar o lance sob todas as perspectivas, e querem saber as opinies de todos os especialistas, os aficcionados pela Bblia tm o desejo de analisar um texto bblico sob todas as perspectivas, e querem saber a opinio dos melhores especialistas.2 Entretanto, a Carta aos Romanos (Rdnzerbrief; 1919; 2 ed. 1922) de Karl Barth no somente mais um comentrio. Trata-se de um dos mais influentes livros de teologia do sculo XX, o ttulo que marca uma ruptura com 1 Veja, alm dos comentrios de Barth e Lutero, os de Joo Calvino, J.A. Bengel, Charles Hodge, Robert Haldane, D. G. Barnhouse, C. H. Dodd, E. Kaseman, M.Lloyd-Jones, C. E. B. Cranfield, Douglas Moo, entre outros que marcaram e/ou tm tido uma longa influncia de determinados crculos. 2 Cf. Eugene F. Peterson, Take and Read (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1996), 79.
  9. 9. 6 a teologia oitocentista antecedente e o princpio de uma nova fase na histria da teologia protestante. Curiosamente, foi a 2 edio da obra que causou maior impacto. Ao ser publicada, causou espanto e indignao devido ao tratamento duro e crtico que d s convices liberais dominantes. O telogo catlico Karl Adam afirmou que a publicao do livro foi como uma bomba lanada no playground dos telogos.3 Quando escreveu o Romerbrief pela primeira vez (ca. 1916-19), Barth era meramente o pastor socialista da igreja de uma pequena cidade Sua, Safenwil. A primeira edio do Romerbrief dava claro testemunho do marxis- mo entusiasmado do jovem Barth.4 Da quieta Safenwil Barth acompanhou a 1 grande guerra, e assistiu horrorizado seus antigos professores apoiarem a pol- tica blica do governo alemo.5 Barth percebeu a fragilidade e a inadequao de suas otimistas convices liberais ensinadas por estes mesmos professores, bem como a esterilidade de seus prprios sermes baseados nesta escola de pensamento. Barth j no conseguia mais aceitar aspectos essenciais da exegese, da antropologia, da tica e da filosofia da histria liberais. Junto com Eduard Thurneysen, inseparvel amigo, Barth passou a buscar uma nova teologia, ini- ciando um movimento ad fontes, voltando-se primeiramente para o estudo dos reformadores e da Escritura, e sendo simultaneamente influenciado por pensa- dores de vanguarda do seu tempo como, por exemplo, Soren Kierkegaard (1813 - 1855), cuja obra estava sendo publicada em alemo nesta poca,6 Albert 3 Cf. Clifford Green, Karl Barths Life and Theology em Karl Barth: Theologian of Freedom, ed. Clifford Green (Minneapolis, MN: Fortress Press, 1991), 16. 4 Barth afirma, por exemplo, que um tempo vir em que os dogmas marxistas agora em decadncia iro se reavivar como verdades, no tempo em que a igreja socialista se levantar em um mundo tornado socialista. A frase foi eliminada pelo prprio Barth das edies subseqentes. Veja o comentrio de Eberhard Jngel sobre essa frase em Karl Barih: A Theological Legacy (Philadelphia, PA: Westminster, 1986), 96ss. No tempo em que trabalhou como pastor em Safenwil, Barth foi responsvel pela organizao de trs sindicatos de trabalhadores e dava palestras sobre direitos trabalhistas. Minha opinio , no entanto, que o Rmerbrief demonstra que Barth j percebia, naqueles tempos da revoluo russa, os inevitveis futuros descaminhos do marxismo. 5 O documento em questo ficou conhecido como o manifesto dos intelectuais ale- mes e foi assinado por vrios professores de Barth, comoAdolf von Harnack, Wilhelm Herrmann, Hermann Gunkel e at mesmo Adolf Schlatter. 6 importante notar que o prprio Barth afirmou posteriormente ter-se distanciado cada vez mais de Kerkegaard. Cf. Karl Barth, A Thank You and a Bow: Kierkegaards Reveilie in Canadian Journal of Theology XI (1965), 4ss.; e Karl Barth. Kierkegaard and the Theologians in Canadian Journal of Theology, XIII (1967), 64-65. Prefcio - Karl Barth e sua Carta
  10. 10. 7 Schweitzer (XX)7 e sua ferrenha crtica busca do Jesus Histrico(Von Reimarus zur Vrede; 190?) empreendida pelos telogos do sculo XIX8 e Rudolf Otto (1869-1937), autor do clebre O Sagrado (Das Heilige; 1917). Destes autores Barth assimilou idias importantes, como a impossibilidade de dissociar a men- sagem do Novo Testamento de seus aspectos escatolgicos, transcendentes e sobrenaturais, a infinita diferena qualitativa entre Deus e a criao, a absoluta alteridade divina e a inevitvel confrontao inerente ao encontro entre Deus e o ser humano. A 2 edio do Romerbrief o documento histrico que marca o incio desta nova teologia a que Barth chegou. Ela foi apelidada de teologia da cri- se, em parte por causa da crise scio-econmica e cultural, fruto da guerra, que punha um fim no otimismo romntico do progressismo oitocentista, e em parte porque Barth insistia em falar na Palavra de Deus como juzo (gr. Krinein) divino contra toda tentativa humana de atingir algum sucesso espiritual por suas prprias foras (como, por exemplo, a instaurao do Reino de Deus por meio de atos scio-polticos). Genialmente, Barth percebeu e comunicou aos leitores estupefatos que toda e qualquer religio ou religiosidade trabalho humano, o mais anti-divino de todas as obras humanas: o esforo para atingir a auto-justificao. A teologia gerada pela pena de Barth foi tambm apelidada de teologia dialtica justamente por negar qualquer continuidade ou ponto- de-contato (Anknpfungspunkt) entre Deus e a criao, entre o evangelho e a cultura humana. Qualquer possvel contato teria de ser uma iniciativa exclusiva de Deus. Desta forma, Barth rejeitava todos os diferentes pontos-de-contato sugeridos pelas correntes teolgicas ps-iluministas: o senso moral humano, auto-conscincia do esprito, o sentimento humano de dependncia absoluta de Deus, a racionalidade humana e a civilizao, tanto quanto pontos-de-contato catlico-romanos e mais conservadores como piedade e espiritualidade ou con- fiana e participao na igreja institucional. Karl Barth (1886 - 1968) foi, por isso mesmo, o mais importante telo- go do sculo XX, a mais importante figura na teologia desde Friedrich Schleiermacher (1768 -1834), telogo que Barth procurou superar mas a quem, 7 Sobre Schweitzer veja, por exemplo, Charles R. Joy, A Modern Mans Quest for the HoIy Graal in Albert Schwitzer: An Anrhology, ed. Charles R. Joy (New York, NY: Harper & Brothers, 1947), xix-xxviii; e Frederick Franck, Days with Albert Schweitzer (New York, NY: Henry Holt & Co., 1959). 8 Sobre a busca do Jesus histrico, confira, por exemplo, Harvey K. McArthur, In Search of the Historical Jesus (New York, NY: Clarles Scribners Sons. 1969); e Ben Witherington III, The Jesus Quest (Downers Grove, IL: Intervarsity Press, 1995). Prefcio - Karl Barth e sua Carta
  11. 11. 8 no entanto, permaneceu conectado por diversas razes, e possivelmente a mais importante figura na histria da teologia desde Joo Calvino. Barth, bem como seus colegas de movimento e seus discpulos, buscaram superar o imanentismo, o experiencialismo, o moralismo, o humanismo e o religionismo que conside- ravam caractersticas do pensamento teolgico dominante do sculo XIX que Barth acusou de ternos provido com uma teologia do homem em vez de uma teologia de Deus. preciso que o leitor mantenha em mente que a Carta aos Romanos representa a primeira fase da vasta obra de Barth. Sendo assim, este livro representa o pensamento ainda no completamente amadurecido do te- logo da Basilia (agora professor em Gottingen e depois em Munster). No justo, portanto, fazer uma avaliao da teologia de Barth somente a partir desta obra. E preciso conhecer suas outras obras, notadamente a Dogmtica Eclesi- stica (Kirchliche Dogmatik; 1932 - 68), obra de propores colossais deixada inconclusa aps doze tornos. preciso compreender, enfim, que Karl Barth expressou-se diferente- mente em diferentes pocas. Nota-se nesta segunda fase do pensamento de Barth exemplificada pelo Romerbrief (considerando-se heuristicamente que a primeira fase, a fase liberal-socialista, teve fim com o Romerbrief) que Barth ainda est bastante dependente de outros autores que o antecederam e outros seus contemporneos. Nesta segunda fase nota-se um caminhar paulatino em direo a uma teologia Heideggeriana, semelhana do que aconteceu com seu colega de movimento, Rudolf Bultmann (1884 - 1976), tambm influenciado pela filosofia do grande Martin Heidegger (1889 - 1976). A teologia desta fase culminou com a publicao da Dogmtica Crist (Christliche Dogmatik; 1927), obra incompleta, abandonada por Barth quando este percebeu, em seguida, que esta no era a direo que deveria seguir.A produo e publicao subseqente da obra Anselmo: Fides Quaerens Intellectum (1931) marca o incio de uma nova fase, a terceira, no pensamento de Barth.Agora Barth prope-se a abando- nar quaisquer influncias filosficas, condena o racionalismo e a dependncia filosfica da teologia que o antecedeu (bem como da sua segunda fase), e sugere que a razo deve estar a servio da f e a f acima da razo. Para Barth, a teologia no tem que se justificar por meio de critrios no-teolgicos, pois possui sua prpria lgica e coerncia interna. Barth recusa-se a aceitar qual- quer estrutura, fundamento ou aparato conceptual que se sobreponha forma e linguagem do evangelho de Jesus Cristo. Desta forma, Barth foi-se distanciando dos seus aliados, notadamente de Bultmann que aos poucos dava origem a uma teologia existencialista. Barth descarta a chamada teologia natural e passa a afirmar o conhecimento positivo de Deus a partir da auto-revelao de Deus em Jesus Cristo, conforme nos atestam as Escrituras. Foi nesta poca que Barth Prefcio - Karl Barth e sua Carta
  12. 12. 9 entra em firme divergncia com Emil Brunner. Esta terceira fase do pensamento barthiano foi marcada tambm pelo confronto com o nazismo que levaria Barth a perder sua ctedra e a ser expulso da Alemanha em 1935, e a fixar-se para o resto de seus dias em Basilia, sua cidade natal. Barth ops-se neutralidade sua e deu seu apoio s foras aliadas.Acima de tudo, Barth opunha-se associa- o do Fuhrer, do destino glorioso daAlemanha e da raa e da cultura teutnicas com os propsitos e a revelao divinas. Em Basilia, aps o trmino da 2 grande guerra, teve incio a quarta e mais importante fase da teologia de Barth. E nesta poca que Barth escreveu a maior parte da Dogmtica Eclesistica, alm de vrios ttulos menores de grande popularidade. medida em que tra- balhava nesta sua obra-prima, a Dogmtica Eclesistica, Barth acentuava de modo implcito a descontinuidade de sua produo com seu trabalho da segunda fase, da teologia da crise, da Carta aos Romanos. Muitos crticos tm sugerido que o tipo de teologia que Barth desenvolveu na Eclesistica no consistente com a Carta aos Romanos e sua insistncia na absoluta alteridade divina, e no teria sido legitimada pelo autor do Rmerbrief. Barth, todavia, nunca aceitou que tivesse havido uma total ruptura em seu pensamento, e via a Eclesistica em grande parte como o desenvolvimento natural da teologia apresentada no Romerbrief em que o nico ponto-de-contato entre o Criador e suas criaturas Jesus Cristo. Percebe-se que a inteno de Barth passou a ser um trabalho de reconstruo da tradio protestante reformada conservadora, um empreendi- mento que recebeu o epteto de neo-ortodoxia, ainda que o termo tenha sido sempre rechaado pelo prprio Barth. possvel destacar ainda uma quinta e ltima fase do pensamento barthiano, fase esta que marca o final da caminhada progressiva de Barth em direo de uma posio cada vez mais evangelical e que teve incio aps sua aposentadoria, tempo em que viajou a diversos pases, inclusive os Estados Unidos, aumentando consideravelmente sua influncia nos crculos teolgicos mais conservadores, precisamente quando sua influncia nos crculos mais progressistas e neo-liberais gradualmente desaparecia. Evidentemente, muitas idias barthianas so ambguas e questionveis. Como acontece com toda mente genial, Barth cometeu alguns excessos e deu- se o direito de fomentar algumas heresias. Ainda que alguns se esforcem, parece-me quase impossvel duvidar, por exemplo, do universalismo de Barth.9 9 O universalismo de Barth no se restringe ao aspecto soteriolgico, isto , a rejeio do chamado terceiro ponto do calvinismo do sculo XVII e a adoo da doutrina arminiana correlata, mas abrange o aspecto escatolgico, trazendo Barth para a com- panhia de muitos liberais e de defensores da apocatstase sugerida por Orgenes (ca. 185-254) ainda no terceiro sculo da era crist. Prefcio - Karl Barth e sua Carta
  13. 13. 10 Ao restringir todo possvel conhecimento de Deus sua auto-revelao em Jesus Cristo, Barth parece ter rejeitado qualquer forma de revelao geral de Deus, mesmo uma que se limitasse a servir de justificativa para a condenao da humanidade por Deus.As palavras de Barth sobre Rm 1:1 8ss no Romerbrief j davam alguma evidncia disso. Alguns vem na doutrina barthiana da elei- o, que centra na pessoa de Jesus Cristo tanto a rejeio quanto a eleio divinas, mais uma indicao desse universalismo. Alm disso, sugere-se com freqncia que a rejeio da teologia natural em Barth aponta para uma forma de fidesmo. Outras acusaes ao pensamento de Barth tm sido feitas e torna- ram-se populares, por exemplo, que o trinitarianismo de Barth de carter modalista (o Revelador, a Revelao, e a Revelacionalidade), apesar de Barth explicitamente condenar o modalismo e afirmar a distino irredutvel entre Pai, Filho e Esprito Santo na Dogmtica Eclesistica. Diz-se tambm que sua arquitetura tridica da Palavra de Deus (Jesus Cristo, o Logos Theou; a Escritu- ra, a Palavra de Deus escrita; e o Evangelho proclamado pela igreja, a Palavra de Deus pregada) implica em uma atitude de menosprezo para com a Bblia, que a aceitao do mtodo histrico-crtico sugere a rejeio da doutrina da inspirao e da infalibilidade da Bblia (ainda que Barth, em toda a Dogmtica Eclesistica, trate a Bblia como verbalmente inspirada e doutrinariamente in- falvel, e tenha insistido que a utilizao do mtodo histrico-crtico no impli- ca necessariamente na rejeio das doutrinas da inspirao e infalibilidade da Bblia). Muitas das posies polmicas de Barth podem ser explicadas, sugere G. C. Berkouwer (n. l903),10 por seu insistente cristocentrismo (que para al- guns chega a ser um cristomonismo) e pela arquitetura trinitariana (para al- guns, forada) que Barth imprime nas suas exposies doutrinrias. Nem por isso deixou Berkouwer de sugerir que o absoluto triunfo da graa na teologia de Karl Barth torna vaga a seriedade da deciso humana na mesma medida em que o kerygma corre o risco de tornar-se um mero aviso feito pela igreja ao mundo, despido da admoestao vital de reconciliao com Deus e vida em santidade que sempre o caracterizou. A esta altura j est claro ao leitor que este prefcio no visa dar-lhe uma sntese do pensamento de Barth,11 nem visa oferecer extenso tratamento 10 G C. Berkouwer um dos mais influentes telogos reformados do sculo XX. Profes- sor da Free University de Amsterdam, Berkouwer produziu uma coleo de estudos dogmticos de 18 volumes. Alm de ocupar-se com outros temas, era tambm um especialista em Karl Barth, sobre quem escreveu trs livros, dois deles tendo-se torna- do clssicos dos estudos barthianos, a saber, Karl Barth (1936) e The Triumph of Grace in the Theology of Karl Barth (1954). Prefcio - Karl Barth e sua Carta
  14. 14. 11 biogrfico,12 nem avaliao crtica demorada, O objetivo deste texto to so- mente estimular o leitor ao estudo da obra que tem agora em suas mos, mos- trando a sua importncia na histria da teologia, apontando para as controvr- sias que o livro gerou e continua gerando, bem como para o carter singular e a importncia de seu autor para o estudo teolgico. Para o leitor vido de mais informaes sobre Karl Barth, recomendamos que aguarde os futuros lana- mentos desta editora, pois entre eles sero oferecidas obras crticas sobre o sistemata do amor livre divino, bem como outros ttulos do telogo da Basilia. Ricardo Quadros Gouva 11 Para este fim, sugiro a leitura de David Mueller, Karl Barth (Peabody, MA: Hendrickson, 1972); ou Colin Brown, Karl Barth and the Cristian Message (Chicago, IL: Intervarsity Press, 1969); ou ainda Hans Urs von Balthazar, The Theology of Karl Barth, trans. John Drury (New York, NY: Holt, Rinehart and Winston, 1971) 12 A melhor biografia de Karl Barth a de Eberhard Busch, Karl Barth: His Life from Letters andAutobiographical Texts, trans. John Bowden (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1994). Prefcio - Karl Barth e sua Carta
  15. 15. 13 PREFCIO DO AUTOR 1 EDIO Paulo falou aos seus contemporneos como filho de sua poca. Porm, a verdade muito mais importante que como profeta e apstolo do reino de Deus, ele fala a todos os homens de todos os tempos. As diferenas entre outrora e hoje, l e aqui, devem ser observadas com o nico objetivo de constatar que essas diferenas no tm o mnimo significa- do na essncia das coisas. O mtodo histrico-crtico aplicado ao estudo da Bblia, prepara a mente o que sempre til; porm, se eu fora constrangido a optar entre esse mtodo e a arcaica doutrina da inspirao eu, decididamente, escolheria por esta, pois ela , de direito, maior, mais profunda e mais impor- tante; porque a inspirao visa ao prprio processo do entendimento sem o que toda e qualquer estruturao do raciocnio se torna v. Sinto-me feliz por no precisar escolher entre essas duas formas. No entanto apliquei toda a minha ateno para observar os fatos atravs da hist- ria, no esprito da Bblia, que o Esprito Eterno. O que outrora foi srio, ainda hoje o . E o que modernamente srio e no mero acaso ou extravagncia, est, tambm, diretamente integrado com o que, em tempos remotos, foi importante. Nossas perguntas, se que nos entendemos bem, so as perguntas de Paulo e, as suas respostas se a sua luz nos brilhar, so as nossas respostas. Sim, a verdade, de h muito, se achou; Espritos nobres ela agasalhou. A antiga verdade. Segure-a. A compreenso da histria um dilogo continuado entre a sabedoria de ontem e a de amanh e que sempre a nica e a mesma. Respeitoso e grato, lembro-me aqui do meu pai professor Fritz Barth, que foi sempre expresso viva dessa maneira de ver. certo que todos que sofriam fome e sede de justia nos tempos sequiosos de Paulo colocaram-se objetivamente a seu lado, e no
  16. 16. 14 ficaram distncia, meros espectadores. Talvez estejamos entrando em tempos igualmente estreis. Se eu no estiver enganado, ento possvel que j agora possa este livro prestar o seu modesto servio. H de se sentir, ao l-lo, que ele foi escrito com o jbilo de descobridor. A poderosa voz de Paulo foi novidade para mim e quer parecer-me que ela tambm o ser para outros. Porm, ao chegar ao fim da obra ficou claro para mim que muito resta por dizer e por descobrir. Portanto, trata-se de trabalho iniciador que pede a cooperao de outros. Oxal muitos, melhor preparados, se apresentem para tambm cavarem poos. Mas, se acaso me engano na jucunda esperana do surgimento de movi- mento intenso e geral de indagao e pesquisa da mensagem bblica, ento este livro tem tempo para esperar. A prpria Epstola aos Romanos, espera! Safenwil, agosto, 1918 Prefcio do Autor 1 Edio
  17. 17. 15 PREFCIO DO AUTOR 5 EDIO O continuado sucesso do livro, tanto do ponto de vista literrio quanto s idias expostas, d-me o que pensar, como autor, e pareceu-me que seria til ao leitor coloc-lo a par das minhas ponderaes. Vejo-me postado entre duas questes: Teria eu, ao escrever o livro, dito tanto a ponto de fazer arder as ore- lhas das gentes? Ou teria eu dito aquilo que depois da guerra e especial- mente na Alemanha estava, por assim dizer, no ar, e que foi agradvel a certos senhores do mundo de nossos dias, para que eu fosse castigado, a ponto de ser erigido em moda bastante em voga e, ainda mais, fosse puni- do com o surgimento de um verdadeiro Barthianismo qual o Ritchlianismo no tempo de Bismark? Parece at que tudo o que escrevi contra a presuno humana e por demais humana sobretudo sobre a vanglria religiosa, sua causa, sua roupagem, seu efeito, aplica-se agora a mim mesmo, quando na realidade, ao escrever o livro, tencionei nadar contra a correnteza; bater contra portas cerradas; no fazer favor a quem quer que fosse, ou a muito poucos. Ser que me enganei? Quem conhece os seus contemporneos e quem conhece bem a si mesmo? No para ficar ressabiado ao ver quais os livros teolgicos que tm, junto com o nosso, repercusso semelhante? Acaso me equivoquei a respeito do mun- do e de mim mesmo, tendo sido o servo do pblico como mau telogo, NOLENS VOLENS e engana-se porventura o leitor amigo que toma por espiritual aquilo que para Paulo, Lutero e Calvino seria apenas um produ- to dos tempos e para Nietzsche, Kirkegaard e Cohen, seria apenas decoco? Se este for o caso, no me resta seno reconhecer o juzo que de mim se faz pelo prprio sucesso da obra, que de conhecimento pbli- co. E por que no seria esta a interpretao verdadeira? Mas se no for assim, ento nem eu nem o livro a merecemos.
  18. 18. 16 No prefcio primeira edio eu escrevi que este livro poderia espe- rar e isto me foi atribudo por vanglria; ento agora, talvez, tire-se vin- gana dessa prospia no fato de que o livro, cm contraste com muitos outros melhores, no precisou esperar antes foi julgado com os aplausos que lhe foram dados junto com outros, (o que tambm vaidade). No mundo toda a carne como a erva; esta uma verdade mais evidente nos sucessos estrondosos que nos casos de relativo insucesso. A ficou exposta a primeira questo do meu dilema e eu bem gostaria que meus leitores mais generosos, juntamente comigo, tomassem conscincia dela e participassem de sua carga; quando mais no seja, para que eles, como tambm eu, no se admirem se, algum dia, ficar evidente que a erva murchou e a flor caiu. A segunda questo ainda mais sria. Poderia dar-se o caso de que todas as objees levantadas na primei- ra questo fossem procedentes e ainda assim, a despeito de todos os erros e vaidades do mundo que lhe fossem inerentes, por fora de JUSTIFICATIO FORENSIS, o livro, pelo que nele foi visto e dito (por mim e simultaneamente de forma diferente por outros, independente- mente), tivesse trazido luz algo que a teologia e a Igreja de nosso tempo precisassem ouvir e por que devessem orientar-se, o que de fato aconteceu amplamente. Em que posio fico, ento? E comigo, outra vez, como fica o leitor amigo? Ou que hei de dizer se acaso agora, sem mim e at contra mim houver surgido algo de verdadeiro, justo, neces- srio por cujo avano, aprofundamento e efetivao sou tido como res- ponsvel segundo (para minha consternao, confesso) parece ser o caso? Quando escrevi o livro, na longnqua paz da minha casa paroquial no rinco do Aar, estava animado apenas das intenes de todo escritor zeloso: apresentar um trabalho correto e de valor; no tinha idia de que a coisa fosse to longe; que a voz do Apstolo Paulo, como a ouvi, fosse levantar to grande eco; que, com este livro, eu fosse dar a tanta gente sria o direito de me apertar no canto com suas perguntas pelas implica- es, conseqncias, aplicaes e at pela simples reiterao do que aqui foi exposto luz. Como se, para isto, fora eu o homem! O almirante Tirpitz escreve em suas memrias que fcil iar uma bandeirinha no topo de um mas- tro mas difcil mant-la depois com honra. Eu juntaria: ainda mais difcil mant-la honrada no alto da haste mesmo que no se cogite de traz-la para baixo. Prefcio do Autor 5 Edio
  19. 19. 17 Este o meu caso; muitas vezes, quando volto a me compenetrar que tendo escrito o livro, preciso elabor-lo mais, chego a pensar que talvez fosse melhor que nunca o tivesse escrito, especialmente agora quando, da noite para o dia, o livro me trouxe, mal armado que estou, a responsabilidade da ctedra universitria onde muito concreto o desa- fio dirio de levar o arado cuidadosamente para frente, mas onde, tam- bm, de dia para dia, e de forma igualmente concreta, nos lembrado quo infinitamente pesado arar sozinho para cultivar no campo do ensino cristo a necessria amarga inovao. Se for lcito ver o sucesso da minha Carta aos Romanos deste lado mais favorvel e se apesar de tudo quanto, com razo, se disser contra o livro,oxitosignificarqueumabrecha,aindaquemuitomodesta,foiaberta na muralha da aflio interna e externa do protestantismo moderno, quo vergonhoso e opressivo para mim e para meu leitor, especialmente o leitor amigo, compreensivo, companheiro, que no sejamos, neste instante, gente completamente diferente para dizer e agir conforme agora deveria ser dito e feito, com golpe contra golpe, para fazer jus necessidade e esperana da Igreja, a menos que tudo tenha sido uma Fata Morgana. Acabo de ler os versos que um proco de Hessen a quem no conhe- o dedicou a mim: (Igreja e Mundo, janeiro 1926) Deus precisa de homens, no gente com frases altissonantes mas ces, bons farejantes, que farejem no presente o odor da eternidade, que inda que muito escondida, seja caada, seguida, sem cansao, saciedade! Sim, Deus precisa ...! E um tal DOMINI CANIS gostaria de ser; oxal pudesse eu conquistar para a ordem todos os meus leitores! Crtica mais perfeita do que esta no posso imaginar para meus livros. Mas tambm nenhuma outra mais crtica! Pois quem pode acrescentar um cvado sua estatura? E assim, tambm visto deste lado, o sucesso de fato um julgamento ao qual estamos sujeitos. preciso ter em mente esses dois significados da problemtica realida- de. Eu desejo que justamente o meu leitor perceba comigo o rigor e a bondade que nos levam, juntos, a considerar que temos um Senhor. Prefcio do Autor 5 Edio
  20. 20. 18 Para aqueles que no querem deixar de ser a Igreja Militante do sculo 20, no ser possvel contornar qualquer ameaa ou aflio semelhante que pesou sobre os cristos protestantes e telogos do sculo 16. Quanto a mim, bastante lembrar-me da dialtica do conceito de sucesso para sentir uma for- ma dessa aflio. MONITI DISCAMUS! Era o que eu queria dizer antes de soltar o livro desta vez. Munster, Westphalia fevereiro, 1926 Prefcio do Autor 5 Edio
  21. 21. 19 PREFCIO DO AUTOR 6 EDIO (Traduzido da verso inglesa) Os dois anos e meio que transcorreram desde a publicao da 5 edio deste livro, aumentaram a distncia que me separa do que escrevi originalmen- te. No que ao expor as Epstolas Paulinas, ou qualquer outra parte da Escritura Sagrada eu quisesse agora dizer algo diferente do que escrevi ento. Eu ainda reteria o que ento causou um trauma to severo. Enquanto ainda no for reco- nhecido que a ofensa precisava ser feita e que era justificvel, ou enquanto eu no estiver convencido de que errei, no vejo razo para deixar de ofender e, neste caso, porque no hei de faz-lo na forma original? Todavia no quero que o livro seja publicado mais uma vez sem dizer que se eu tivesse que expor novamente a Epstola e estivesse eu resolvido a fazer a mesma coisa, eu haveria de express-la de forma bem diferente. Eu descobri no decorrer do tempo, que existe em Paulo, de um lado, muito maior variedade e de outro muito maior monotonia do que lhe atribu ento. Por isso muito teria que ser drasticamente reduzido e muito teria que ser expandi- do. Muito teria que ser dito com mais cuidado e mais reserva; contudo, muito deveria ser expresso com maior clareza e maior nfase. Grande parte da estruturao do livro se deveu minha situao particular e tambm situa- o geral da poca. Isto teria que ser removido. Por outro lado, muitos mean- dros da Epstola, que ento eu no notara, deveriam ser trazidos luz. Os que lerem o livro devem lembrar-se tambm do fato simples que hoje estou sete anos mais velho, e todos nossos cadernos de exerccio precisam, obviamente, ser corrigidos. Ainda mais; depois que saiu a 5 edio embarquei na publicao dos meus Prolegomena da Dogmtica Crist. Isto significa que se aliviou a res- ponsabilidade que pesava sobre o primeiro livro e tambm que uma crtica sria do primeiro deve ter em conta o que est dito no segundo, um livro mais completo, ao qual tentei dar um tratamento mais amplo e maior preciso. Semelhantemente, aqueles que tendo lido o primeiro livro, ainda tenham confiana em mim, se desejarem maior anlise das questes aqui levantadas
  22. 22. 20 queiram notar que a segunda obra, bem como os outros livros meus, so adita- mento ao primeiro trabalho. Outro dia apareceu a seguinte nota, em Neuendettelsau: De Karl Barth, pode-se dizer que ele est deslizando para a posio de um homem de ontem. (Die Freimund* de 8 de novembro de 1928). Sim, sem dvida! Os mortos an- dam depressa, mas os telogos bem sucedidos, ainda mais depressa. (Ver pre- fcio da 5 edio). Como poderia eu ter escrito este livro se eu no fosse, tanto em teoria como em prtica, um homem pr-parado antes de ser um homem de hoje? Ser que eu trato (conforme me acusam) o tempo e a histria to levianamente a ponto de magoar-me quando me dizem que meu dia tem um entardecer e que se tornar ontem, transato? Assim avisado tenho, contudo, a alegria de ainda fazer algumas correes e ajuntar algumas explicaes; contente por poder rogar aos meus leitores amigos, ainda que achem (e talvez com razo) que fora melhor que eu no fizesse correes, que no escrevam o meu obitu- rio antes de que se prove que aquilo que escrevi est esgotado e que o ontem existente SUB-SPECIE AETERNI tambm se manifestou no tempo devido. Munster, Westfalia 1 Domingo do Advento, 1928 * Boca-livre Prefcio do Autor 6 Edio
  23. 23. 21 AB EXTRA, AD REM Chegou s minhas mos um opsculo, excerto da revista Hora Presen- te, divulgao de um artigo sobre a infiltrao do comunismo na Igreja Cat- lica Romana. O autor um sacerdote catlico, natural da Polnia, e professor univer- sitrio no Chile. Logo de incio tenta mostrar a vasta extenso da efetiva (ou pretendida) infiltrao do Marxismo no clero Romano e diz que ela se deu atravs dos pasto- res protestantes, estes, por sua vez, fortemente influenciados por Barth que, se- gundo o articulista, teria sido membro do partido e cujo pensamento seria para- lelo, ou muito semelhante ao de Marx, em detalhes, citando como notrio, este: Marx prev a extino da instituio do Governo na Sociedade marxista e Barth prev a extino da Igreja mediante o advento do Reino dos Cus. Ora, no tenho a mnima inteno de fazer a defesa de Barth como no tenho qualquer inclinao para o comunismo; (voc o sabe muito bem.). Toda- via, a acusao que, assim, assacada a Barth vem de homem culto; telogo como Barth o foi; fez altos estudos no s em Varsvia como tambm em Roma; professor universitrio e, fora de dvida, revela erudio, cultura teolgica e muita familiarizao com os pensadores modernos, notadamente os europeus. Por isto, e com as devidas reservas, quero aqui registrar o fato para dizer o que penso a respeito. No se pode julgar a crtica sem saber de onde ela procede, e isto vale tanto para o louvor como para a detrao, (foi, alis o que Barth escreveu em um de seus prefcios). Miguel Poradowski, o autor do artigo, catlico tradici- onalista e polons; so duas qualidades quase redundantes. Houve tempos em que me parecia que, embora todo catlico no fosse polons, todo polons era catlico; e catlico extremado, intransigente, indo s raias do fanatismo. Esta foi a minha impresso na juventude e hoje me parece que, embora essa maneira de dizer seja caricata ela serve para acentuar verdade incontestvel: O catolicis- mo est profundamente arraigado nas tradies do povo polons.
  24. 24. 22 As tribos polonesas, reunidas durante a dinastia Piasta, emergiram dos povos pagos, seus vizinhos, por volta do ano 1000, no reinado de Miesko I que, entre as influncias orientais e da civilizao ocidental optou por esta, colocando seu novel Estado sob a proteo direta da Santa S. A Polnia conservou-se por longos sculos uma fiel seguidora da Igreja Romana e sob o reinado de Wladislaw II (Jaciello) no ano de 1400 obteve o feito glorioso da converso pacfica da ltima grande massa de pagos remanescentes na Europa. Por ocasio da reforma protestante, sob Segismundo I, o pas expe- rimentou forte influxo protestante que deu origem a exuberante renascimento de idias que, todavia, entravam em choque com a longa tradio catlica e contrariavam o esprito feudal da cavalaria nobre, consagrada pela Igreja. Este surto protestante foi extremamente vigoroso e sob sua influncia a Polnia gozou do seu primeiro apogeu potico (Apud Enciclopdia Bri- tnica). Todavia, a aceitao do protestantismo teve cunho popular e raros foram os membros da nobreza e da alta sociedade que a ele aderiram. Quando Segismundo II subiu ao trono, homem culto e profundamente nacionalista (foi o primeiro rei polons que deixou de usar o latim como lngua oficial), tentou criar uma Igreja da Polnia, semelhantemente Igreja da Inglaterra; por convenincia poltica aliou-se ao clero, afas- tando o protestantismo (dito de 1550), sem, todavia, elimin-lo. Em 1565, com o advento dos Jesutas, a Polnia foi reconduzida Santa S. O rei aceitou os postulados do Conclio de Trento; os hereges mais extremados foram banidos; o protestantismo como poderoso fator criativo intelectual e literrio foi exterminado; e o declnio da Polnia comeou(aindaApudEnciclopdiaBritnica),muitolento,masinexorvel, deixando por herana um glorioso passado, um povo indmito, absoluta- mente intransigente em seu orgulho nacional e em seus princpios de f. S o futuro dir como essa nao herica h de se livrar do jugo moscovita e como guardar a f. O que, porm, hoje se v, que os caracteres forjados antes da hecatombe da segunda guerra mundial so irredutveis inimigos do protestan- tismo por convico e tradio; do comunismo que lhes roubou a soberania naci- onal; do ecumenismo, qui, por verem nele um convite ao afrouxamento dos princpios de ortodoxia catlica aos quais se afizeram durante 10 longos sculos. pois natural que Miguel Poradowski combata o comunismo e o relaci- one com o protestantismo, o que no passado no por demais remoto, esteve muito em voga entre o clero catlico do Brasil, conforme bem o comprova uma Ab Extra, Ad Rem
  25. 25. 23 pastoral de setembro de 1955, do ento Cardeal Arcebispo de So Paulo, D. Carlos Carmelo de Vasconcelos, na qual afirma que tanto o comunismo como o protestantismo so agentes de imperialismos estrangeiros, etc. tambm compreensvel que o articulista atribua aos protestantes a instrumentalidade do mal, apresentando os seus pastores como os batedores que abrem o caminho do desencaminhamento do virtuoso clero catlico. Todavia, a que comea a surgir a falcia do argumento; pois, se o marxismo materialista e ateu, os protestantes, ainda que considerados mais modernamente irmos separados, so para os catlicos, tradicionais hereges e apstatas. Seria, pois, de esperar que o pensamento do clero protestante tives- se entre o clero catlico, menor acolhida que a filosofia dos seguidores de Marx. Seriam, acaso, os sacerdotes catlicos to simples que, amolecidos pelo esp- rito ecumnico do Vaticano II, confundindo alhos com bugalhos, abrissem as portas, justamente aos maus protestantes, aqueles que pregam a humanizao do cristianismo em vez de pregarem a cristianizao da humanidade? E por que atribuir a Barth a origem de todo esse mal? Parece-me que h boas explicaes para isso. O sacerdote articulista, em manobra hbil, ataca simultaneamente todas as frentes. Denuncia, por insinuao, o ecumenismo como demolidor da firmeza do carter catlico e, por associao, o Conclio Vaticano II como seu pai adoti- vo e seu comparsa, introduzindo na Santa Madre Igreja costumes e liturgias que no coincidem com a tradio bem firmada; denuncia os protestantes como solapadores da boa ortodoxia eclesistica e social e Barth, como fonte inspiradora, mentor desse trabalho de sapa. Eis a o sucesso da estratgia: Quatro inimigos envolvidos e atingidos na mesma escaramua. Obra igualmente digna de um bom e tradicional clrigo catlico e de um intransigente cidado polons. Barth o mais atacado: Tambm isto explicvel; o autor da exegese da Carta de Paulo aos Romanos o mais vigoroso acusador da Igreja Romana; desmascara a idolatria dessa Igreja sem a paixo do iconoclasta e com a extra- ordinria autoridade que lhe advm pela sinceridade com que ataca o mesmo mal nos arraiais protestantes; , pois, novamente uma questo de estratgia desacredit-lo; coloc-lo ao lado do materialismo ateu; esta poltica beneficia Roma pois visa a desviar a ateno dos prprios correligionrios do atacado, das grandes verdades que proclama; em suma: tenta esvaziar o mais excelente telogo que o protestantismo j produziu. Diz o articulista que Barth, verdade, permanece em nvel teolgico e que os outros marxistizantes descem ao nvel poltico. E no estaria, justamen- te a, a pequena e grande diferena? Afinal, o prprio Cristo ensinou o amor Ab Extra, Ad Rem
  26. 26. 24 fraternal entre os homens e, com tal empenho, que os apstolos e primeiros discpulos passaram a ter seus bens em comum... Convm, ainda, notar que os paladinos da marxistizao gostam de desfraldar boas bandeiras para, abrigados por elas, promoverem sua causa. Ora, que melhor bandeira haveria do que a profligao do endeusamento das coisas do mundo para camuflar um mistificador (consciente ou inconsciente) do mito moscovita ou cubano? a prpria honestidade expositiva de Barth que anima a tais oportunistas, pois podem nele escolher o que mais convier, ignorando in- tencionalmente o contexto. No teria sido justamente a esses tais que Barth se referia quando escreveu que sua obra teria, talvez, agradado a certos senhores do mundo, especialmente na Alemanha de aps a primeira guerra? Nenhuma marxistizao encontrei at agora, nem na Dogmtica nem na Carta aos Romanos at o versculo 10 do 4 captulo, ponto onde me encon- tro, nesta data. Poder-se-ia entender como sendo tendncia ao marxismo a carta a um Pastor da Alemanha Oriental onde Barth recomenda a convivncia, dan- do a Csar o que de Csar e a Deus o que de Deus, mas instando sempre na fidelidade do servo de Deus; conforme j mencionei, no tenho essa obra em minha biblioteca e, confesso, s pretendo voltar a ela depois que completar a interpretao da Carta aos Romanos a que me propus. Tenho para mim que aquilo que Barth escreveu vale em si mesmo, qual- quer que seja a posio que haja tomado ulteriormente, ou qualquer que tenha sido a sua tendncia poltica; todavia, essa posio, ainda que futura com relao a obra, pode ter as suas razes lanadas j, na obra que a antecedeu e a sua incli- nao poltica h de ter influncia na obra ou vice-versa, a obra pode ter levado a ela. Portanto, tomando cincia da acusao que seriamente se faz a Barth (ainda que a pureza de origem dessa acusao possa ser posta em dvida) convm que a leitura de sua obra e a sua interpretao sejam feitas com a sensibilidade aguada para esse aspecto, a fim de que no nos tornemos inocentes teis, nem mesmo inteis, eventualmente promovendo ou favorecendo uma causa que no nossa. Todavia, ao nos precatarmos, sejamos, tambm prudentes. Ningum pode evitar que se tirem concluses viciosas ou maldosas, calcadas em predisposi- es, inclinaes ou interesses pessoais. Nisso convm que recordemos o que Cristo ensinou como bendio e lamento: bem-aventurados sois vs quando vos injuriarem e, mentindo, disserem todo o mal contra vs por minha causa; exultai e alegrai-vos, porque grande o vosso galardo nos cus (Mat. 5, 11- 12); e tambm em outro lugar: ai de vs quando todos os homens, de vs, disserem bem. (Luc. 6,26). Continuemos pois, a tarefa... novembro, 1977. Ab Extra, Ad Rem
  27. 27. 25 APRESENTAO Barth analisa o texto subdividindo cada captulo em sees, comentan- do os versculos isoladamente ou em grupos. A identificao das passagens bblicas feita pela numerao dos captulos e versculos na forma usual. Refe- rncias e passagens da prpria carta aos Romanos, do apenas captulo e versculo. Captulo I O primeiro captulo foi dividido em duas partes: INTRODUO e A NOITE. Introduo - Vs. 1 a 17 - Abrange o prefcio de Paulo aos lei- tores da Epstola (1 - 7); trata de assun- tos de carter pessoal (8 - 15); fala do tema da carta - (16 - 17). A Noite - Vs. 18 a 32 - O A. subdivide esta parte em: Origem (18 - 21) e Operao (27 - 32).
  28. 28. 27 Captulo I Introduo (1 - 17) Paulo a seus Leitores (1, 1 - 7) Vs. 1 - 7 Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado para Apstolo e escolhido para o evangelho de Deus, o qual h muito fez anunciar atravs de seus profetas, nas Escrituras Sagradas, tratando de seu Filho, nascido da estir- pe de Davi segundo a carne, poderosamente estabelecido como Filho de Deus, segundo o Santo Esprito, pela sua ressurreio de entre os mortos Jesus Cristo, nosso Senhor por intermdio de quem recebemos graa e apostolado, para criar obedincia fidelidade de Deus, confirmada no evangelho, entre todos os povos, entre os quais estais, como chamados de Jesus Cristo, para honra e glria de seu nome a todos amados de Deus, chamados para a santidade, sobre vs, a graa e a paz de Deus, nosso pai, e o Senhor Jesus Cristo. Paulo, servo de Cristo Jesus chamado para apstolo. Quem fala aqui no um gnio entusiasmado consigo mesmo (Zuendel) porm um mensageiro cativo da misso que recebeu. No senhor mas servo, ministro de seu rei. Seja Paulo quem ou o que for: no interessa. O contedo de sua mensagem no est nele mas vem de lugares estranhos, lon- gnquos, inconquistveis, inatingveis. Paulo no pode considerar a sua vocao para o Apostolado como uma ocorrncia casual, momentnea, de sua vida; ela fato paradoxal que o acom- panha desde o primeiro momento de sua existncia e permanecer com ele at o fim, parte de sua identidade pessoal (Kierkegaard). Todavia, Paulo e continua o mesmo. Todos os homens lhe so, em essncia, prximos; porm, em contradio consigo mesmo, e diferentemente de todos os homens, ele tambm aquele que foi chamado, e enviado por Deus. Portanto, fariseu? [Fariseu envolve, originalmente, a idia de separao os fariseus consideravam-se separados dos demais membros da comunidade ju- daica, por sua santidade].
  29. 29. 28 Sim, fariseu, ainda que de ordem superior; especial, separado, indi- vidualizado [particularizado], diferente. Em carne e osso, conforme todos; pe- dra entre pedras. Mas em sua relao com Deus caso SUI GENERIS. Visto como apstolo, ele no tem relao estruturada com a comunidade humana nem com a realidade histrica, e portanto ele apenas possvel como exceo, ou melhor, ele uma exceo impossvel. O direito a esta posio e a credibilidade de suas palavras apoiam-se em Deus e so, [o direito e a credibilidade] por isso, to pouco compreensveis como o prprio Deus. Esta a razo pela qual o apstolo tem bastante nimo para exigir que lhe ouam e a coragem de abordar os outros, sem receio de se enaltecer ou de se aproximar demais deles. A sua autoridade vem do fato que ele no quer e no pode apoiar-se seno na autoridade de Deus. O recado que Paulo tem para entregar o Evangelho de Deus; transmitir aos homens a inaudita, boa e alegre verdade de Deus! Justamente de Deus! No se trata de mensagem religiosa, ou de notcia ou instruo so- bre a divindade ou a divinizao do homem, mas da mensagem de um Deus totalmente diferente do qual o homem, como tal, nunca vir a ter conheci- mento, ou ter parte, mas de quem, por isso mesmo, vem a salvao; no algo a ser entendido diretamente, uma coisa a ser compreendida, de uma vez, entre as demais coisas, mas a Palavra sempre nova que precisa ser percebi- da sempre de novo, com temor e tremor; a Palavra sempre reiterada, da origem de todas as coisas. No se trata de vivncia, experincia ou descoberta; porm, ainda que fosse algo disso, seria ento simples conhecimento objetivo daquilo que ne- nhum olho viu e ouvido algum jamais ouviu. Trata-se de comunicao que no demanda, apenas, que dela se tome conhecimento, mas impe que dela se par- ticipe; ela no requer mero entendimento, mas compreenso; no somente com- paixo mas cooperao; comunicao que pressupe a existncia da f da qual tambm geratriz. E a mensagem de Deus de h muito anunciada e no uma idia repentina de agora; essa mensagem o sentido, o pomo amadureci- do, da prpria histria; o fruto dos tempos e qual semente da eternidade o cumprimento da profecia. a palavra pronunciada pelos profetas de antiga- mente que agora se torna perceptvel e percebida. Esta a essncia da mensagem confiada ao apstolo; ela a garantia do seu discurso e a sua crtica. Falam, agora, as palavras dos profetas, que h muito estavam fechadas sob chave: ouve-se hoje o que foi anunciado h scu- los por Jeremias, por J, pelo pregador Salomo; pode-se pois ver e entender o que est escrito. Temos agora um acesso a todo Antigo Testamento. (Lutero). 1, 1-3 Paulo a seus Leitores
  30. 30. 29 sobre o rastro da histria, assim revelada e esclarecida, que est posta- do aquele que fala na Epstola, e logo de incio ele se nega a honra da origina- lidade. (Schlatter). Jesus Cristo, nosso Senhor: este o evangelho e o sentido da histria; neste nome encontram-se e separam-se dois mundos; interceptam-se dois pla- nos. Um conhecido e outro desconhecido. O plano conhecido o mundo da carne, dos homens, do tempo e da matria, o nosso mundo que foi, originalmente, criado por Deus, mas perdeu a sua unidade com ele e, havendo decado, necessita de redeno. Este plano conhecido cortado por outro, desconhecido dos homens, que o mundo do Pai, o mundo da criao original e da redeno final. A relao entre ns e Deus, entre o nosso mundo e o mundo de Deus, entre os dois planos que se interceptam, no evidente por si s, porm se revela no ponto de destaque da linha de interseo: Jesus! [ Jesus que torna visvel a relao entre ns e Deus; apenas em Jesus que esse relacionamento pode ser visto]. o Jesus de Nazar; o Jesus histrico que nasceu da linha- gem de Davi, segundo a carne, e que, em sua funo histrica, significa o ponto de diviso [o ponto de tangncia] entre um mundo nosso conhecido e outro, nosso desconhecido. O tempo, as coisas, os homens, de nosso mundo sobressaem acima dos demais tempos, coisas e homens, no por si mesmos, mas na medida em que se aproximam daquele ponto peculiar que traz luz a linha oculta da interseo entre a temporalidade e a eternidade, entre a matria e a origem, entre a huma- nidade e Deus. Os anos 1 a 30 da nossa era, so de revelao e descobrimento. Estes so os anos durante os quais, volvendo a vista para Davi, vemos uma nova era, diferente; vemos a finalidade, a razo de ser, de todos os tempos conforme os desgnios de Deus. Todavia o destaque, o privilgio desse to pequeno perodo da histria temporal, sobre todos os tempos, pocas e eras da histria, desapa- rece porquanto ele mesmo proporciona aos demais perodos, pocas e eras a possibilidade de se transformarem tambm em tempos de revelao e desco- berta. [Pela universalidade e extra-temporalidade da graa revelada por Emanuel. Deus conosco]. O ponto central da linha de interseo dos dois planos, semelhantemente ao plano desconhecido que ele anuncia [e ao qual, tambm ele pertence] no se expande sobre o plano do nosso mundo; [antes um ponto de absoro, que absorve a nossa histria como o vrtice de um sumidouro]. O efeito de irradiao, ou melhor, de sorvedouro, de vacuidade, que se nota na histria do nosso mundo quando ocorre o contato com o mundo desco- Paulo a seus Leitores 1, 3-4
  31. 31. 30 nhecido de Deus, no deve ser confundido com esse mundo desconhecido, ainda que seja identificado ou identificvel com a vida de Jesus. medida que o nosso mundo [temporal] for tocado pelo outro mundo [de Deus] atravs de Jesus, deixa ele de ser histrico, temporal, material, dire- tamente perceptvel: Jesus poderosamente estabelecido como Filho de Deus, pelo Esprito Santo, atravs da sua ressurreio de entre os mortos. Este estabelecimento de Jesus o seu verdadeiro significado e como tal no pode ser verificado historicamente. Jesus, como o Cristo, o Messias, o final dos tempos. Ele s pode ser entendido [compreendido], como paradoxo (Kierkegaard), como vencedor (Blunhardt), como pr-histria. (Overbeck). Jesus, como Cristo, o plano desconhecido que corta o nosso, perpen- dicularmente, vindo do alto. Do ponto de vista histrico, Cristo s pode ser entendido como proble- ma, um mito; ele traz o universo do Pai, do qual nada conhecemos, nem pode- mos vir a conhecer, atravs da histria. A ressurreio de entre os mortos, porm, o ponto de inflexo, de mudana de rumo. o ponto estabelecido de cima e visvel de baixo. A ressur- reio a revelao, o descobrimento de Jesus, como Cristo, e nele o apareci- mento e o conhecimento de Deus; a origem da necessidade de dar a honra a Deus e de contar com o desconhecido e invisvel em Jesus, dando-lhe as cre- denciais de Consumador dos tempos, Paradoxal, Pr-histrico, Vencedor. Na ressurreio o novo mundo do Esprito Santo toca o velho mundo carnal qual tangente roando o crculo, no o tocando mas tangenciando ape- nas; chega ao ponto de tangncia como o limite entre os dois mundos. A ressurreio o acontecimento fundamental que ocorreu ante as por- tas de Jerusalm, no ano 30, conquanto a teve lugar, foi descoberta e ficou conhecida; neste sentido, pois fato histrico. Todavia, como essa ocorrncia, o seu desconhecimento, o seu reconhecimento, a sua necessidade, no foram os seus elementos determinantes, mas estes elementos estavam [e esto] na ressurreio, em si mesma; ela j no pode mais ser considerada qual mera ocorrncia histrica, porm, medida que Jesus se revela e reconhecido como o Messias, ele investido como Filho de Deus, ainda antes da Pscoa, to certamente quanto depois dela. Esta a significao de Jesus: a investidura do Filho do Homem como Filho de Deus. O que Jesus afora desta investidura tem apenas a importncia ou a irrelevncia de todas as coisas temporais, materiais e humanas, em si mesmas. 1, 3-4 Paulo a seus Leitores
  32. 32. 31 Embora tenhamos conhecido a Cristo segundo a carne, j agora no o conhecemos assim. Naquilo que ele foi, ele ; mas naquilo que ele , est subjacente o que ele foi. No h, aqui, enlace entre Deus e o homem [O Filho do Homem e o Filho de Deus]. O homem no guindado divindade nem esta se derrama no ser humano. Mas, o que nos tangencia sem tocar-nos [sem se confundir conosco] em Jesus o Cristo, o Reino de Deus, [Deus] o Criador e Redentor. O Reino de Deus tornou-se atual; ele chegou prximo. (Cap. 3 vs. 21 e 22). Este Jesus Cristo Nosso Senhor. Por sua presena neste mundo e em nossa vida, somos anulados como homens e alicerados em Deus. Com os olhos postos nele, somos retidos e impelidos; os nossos passos so retardados e apressados. E porque ele, como Senhor, est acima de Paulo e dos Romanos, Deus, na Epstola, no uma palavra vazia. De Jesus Cristo Paulo recebeu a Graa e o Apostolado. Graa o fato real, embora incompreensvel, que Deus se agrada do ser humano e que este pode alegrar-se em Deus. Mas a graa somente graa quando ela for reconhecida como inexplicvel [sem razo de ser], incompreen- svel. E por isso que s h graa sob o reflexo da ressurreio, como ddiva de Cristo, que eliminou a distncia entre Deus e os homens, tirando-a violenta- mente [qui, vencendo o afastamento que a morte implicitamente encerra, com o rompimento violento do tmulo para o surgimento triunfante da vida]. Deus conhece o homem desde longe e o homem pode reconhec-lo em sua inescrutvel altura; [porm] o homem se achega a seu semelhante, inevita- velmente, na condio de mensageiro. (Esta a condio que pesa sobre os ombros de Paulo). Uma coao est sobre mim: Ai de mim se eu no pregar o Evange- lho. (1 Cor. 9,16). A diferena entre a situao de Paulo e a dos demais cristos apenas questo de intensidade: De menos ou mais. Onde houver a graa de Cristo o homem toma parte na proclamao da ressurreio, que o ponto de retorno [qui de converso] para onde convergem todas as coisas e todos os tempos, ainda que sob a maior relutncia ou sob o mais absoluto ceticismo. O homem que houver encontrado a graa de Deus por em dvida a legitimidade do modo de ser do mundo, e tanto lutar contra a conduta munda- na quanto pugnar pela esperana ofertada em Deus. No se trata da imposio e propagao de sua convico, porm do testemunho da fidelidade de Deus, que ele encontrou em Cristo, e da qual ficou devedor desde o instante que a conheceu. Paulo a seus Leitores 1, 4-6
  33. 33. 32 Afidelidade assim despertada no ser humano, a f que aceita a graa, leva- o obedincia, obedincia que impe a si e que se estende tambm aos outros. O mesmo Deus que fez de Paulo oApstolo dos Gentios, pensou tambm nos cristos de Roma para traz-los ao seu reino, prximo a vir.Assim, chamados para a santidade, no pertencem mais a si mesmos nem ao velho mundo que passa mas a quem os chamou. Tambm para os romanos foi o Filho do Homem estabelecido, investido, como Filho de Deus, por fora da ressurreio. Tam- bm eles esto agora cativos da grande carncia que tm e da grande esperana que sentem. Tambm eles foram escolhidos e particularizados por Deus, de alguma maneira. Tambm para eles existe uma nova condio na graa e paz de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo [desta forma irmanando os Cris- tos Romanos ao Senhor Jesus este e eles, filhos do mesmo pai]. Oxal essa condio se renovasse constantemente! Fosse a sua paz, a [causa de] sua falta de paz a sua paz! Este o comeo e o fim da Epstola aos Romanos. Comentrios: 1, 1-7 A ficou o que eu entendi estar escrito no original sobre os versos 1 a 7 do Captulo1. As expresses entre colchetes so inseres minhas; usarei essa in- dicao atravs do trabalho todo. Parece-me que cabem aqui algumas poucas consideraes: 1. Sobre a forma. a) O autor faz uso abundante do jogo de contrastes: ...Deus conhece o homem desde longe, porm o homem se apro- xima de seu semelhante, inevitavelmente na condio de seu mensa- geiro. ...O mundo conhecido e o mundo desconhecido. ...ele (Paulo) apenas possvel como exceo, ou melhor, ele uma exceo impossvel. b) Gosta de matemtica. c) Usa de vocabulrio farto, quase redundante, para melhor vestir suas imagens. 2. Por falar em imagens o autor parece estar, logo no incio, preocupado com o combate idolatria. Esta me parece ser a tecla mais sonora de sua introduo. Paulo no santo, nem gnio; apenas servo, ministro de seu rei; mensageiro. 1, 6-7 Paulo a seus Leitores
  34. 34. 33 Engana-se quem quiser ver em Paulo o heri, o vencedor, o gran- de. o valoroso, o santo. Santo, valoroso, grande, vencedor, heri, s Cristo, portanto Deus. No h privilgio na escolha do homem por Deus; dever a cum- prir que cabe a todos, ainda que o mensageiro tenha o mrito de ser o escolhido do Senhor. No h lugar para a idolatria da vanglria. Ningum pode dizer que conhece a Deus ou que Deus lhe conce- deu favores especiais: uma s a graa e essa est na ressurreio de Cristo e no na vontade dos crentes. Combate a idolatria da auto-suficincia e do privilgio religioso: ningum tem condies para achegar-se a Deus por cincia prpria. sempre e de novo o alcance da paz pelo conhecimento da sua existncia, que a ressurreio proporciona, sem frmulas e agremiaes, qui questionveis. Combate a idolatria do materialismo intelectual. Aceitar a graa da redeno por anlise histrica e percepo tcnica no tem cabi- mento; necessrio que se forme o vcuo humano para receber a plenitude da graa do Esprito Santo. Combate a idolatria do misticismo. De nada vale o louvor vida de Jesus se no houver genuna cooperao, testemunho, proclamao. A f, porm, vale pela capacidade que tiver em aceitar, e numa espcie de poder regenerativo, vale pela f que ela mesma criar, atra- vs da cabal aceitao. nestas condies de servo humilde, porm cioso da grandeza de sua misso; temente e trmulo perante Deus e os homens, mas cora- joso e forte perante os homens sob a gide de Deus; coato para servir a Deus e ao prximo todavia livre para cumprir a ordem de Deus, que Paulo se apresenta aos romanos, segundo Barth o ouve falar, voz que procura fazer ressoar aos ouvidos dos seus leitores. 3. Da apresentao do texto: a) A traduo dos versculos da Epstola aos Romanos, conforme redigidos por Barth, foi impressa em caracteres de tipo itlico. b) A interpretaopropriamente dita foi inserida no texto da tradu- o geral, na forma de consideraes identificveis no prprio texto, ge- ralmente no comeo ou fim de assuntos especficos, na apresentao dos Captulos, e em comentrios gerais sobre os mesmos no respectivo final. Semelhantemente, foram includos expletivos na forma de palavras, fra- ses, ou mesmo pargrafos, que foram destacados entre colchetes. Paulo a seus Leitores
  35. 35. 34 Questes de Fro Pessoal (1, 8-15) V. 8 Antes de tudo dou graas a meu Deus, atravs de Jesus Cristo, pois em todo o mundo fala-se da vossa f. A ressurreio provou o seu poder: tambm em Roma h cristos! Eles o so sem a obra de Paulo; no importa quem lhes tenha levado o apelo de Cristo; (1,6) eles foram chamados, e isto razo suficiente para dar graas. A pedra foi rolada descerrando a porta do tmulo; a palavra corre livremente; Jesus est vivo; ele est tambm na capital do mundo! Os cristos, por toda parte, escutaram, estiveram atentos notcia. (16, 19). Ainda que seja apenas parbola, pelo menos parbola. Paulo no agradece a seu Deus pela devoo ou outra vantagem que se pudesse notar nos cristos da grande cidade, porm pela existncia deles como cristos. Caractersticas peculiares e obras especiais so menos importantes que o fato auspicioso de ter sido levantada a bandeira [do evangelho], de ter sido men- cionado e ser conhecido o nome do Senhor, de estar sendo anunciado e esperado o Reino de Deus. [Neste fato auspicioso] subsiste a f; a fidelidade dos homens suscitada pela fidelidade de Deus; e sempre onde isto ocorrer estar em curso a crise que a ressurreio de Jesus traz. E dentro desta crise que se proclama a investidura de Jesus, como Filho de Deus (1, 4) e conseqentemente o servo tem razo sobeja para dar graas. [Essa crise o esvaziamento do Ego; e o desaparecimento da auto-sufi- cincia, da cincia, do mrito pessoal; a crise e a invalidao das credenciais de classe ou estirpe, das garantias que a filiao religiosa, ou mesmo o conheci- mento das Escrituras, ainda que na mais severa ortodoxia e na mais perfeita interpretao, possa parecer justificar. A crise precipita no caos todas as prer- rogativas humanas, ainda que estribadas na prpria cruz de Cristo; ela reduz o homem a nada, esvaziando-o completamente, perante o Cristo ressurrecto que, ento, preenche o corao contrito e humilhado, criando a nova criatura. E somente nesta condio de crise total que se abrem as portas do corao, da Igreja e da Cidade para entrar o Rei da Glria]. E porque as portas de Roma esto abertas ao Senhor, esto tambm abertas a Paulo seu mensageiro. H muito, existe entre os cristos de Roma e Paulo um relacionamento no meramente fortuito ou superficial. Vs. 9 e 10 Pois o Deus a quem eu honro em meu esprito, visto que anuncio o evangelho de seu filho, minha testemunha como sem cessar intercedo 1, 8-10 Questes de Fro Pessoal (8 a 15)
  36. 36. 35 por vs em minha adorao, no sem rogar que, enfim, me seja concedido, pela vontade de Deus, ir ter convosco. O mensageiro pertence a eles (e tambm a muitos!) (1,14), to certo quanto pertence a Deus. O esprito do escolhido de Deus, da testemunha que se sente consumida pelo zelo em honrar ao seu Senhor, (1, 5) no pode ficar alheado nem distante dos espritos daqueles que foram movidos pela mesma proclamao e pela mesma descoberta. A adorao que o mensageiro oferece a Deus , por isso, feita tanto por eles quanto por si mesmo. Quando Paulo ora, f-lo pois, tambm por eles, os cristos de Roma, enquanto estes, ao orarem, intercedem tambm pelo Apstolo (15, 30). A obedincia ao evangelho, tambm estabelece a solidariedade entre aqueles cujos caminhos, neste mundo, nunca se cruzaram e que no tiveram o privilgio de conhecer-se face a face [mas sentem-se irmanados no Senhor Je- sus, ainda que sendo de raas, povos, tribos e naes estranhas e at mesmo adversas]. Desta comunho no objeto da f lcito surgir tambm o anseio por um encontro pessoal. compreensvel que aqueles que se conhecem em Deus queiram conhecer-se, tambm, face a face [neste mundo], se Deus assim for servido. Mas ser um tal encontro possvel? Ser necessrio? Realmente, no ser imprescindvel. Tal desejo nada tem a ver, diretamente com o Reino de Deus. A vontade de Deus tem a primazia; a realizao do desejo humano tanto pode ser como deixar de ser concedida. O que dever acontecer em conformidade com a vontade de Deus vir quando essa vontade for cumprida. E enquanto ou se Deus no conce- der segundo o desejo dos coraes de seus servos, a estes compete cultivar a confiana mtua e buscar a vontade de Deus com singeleza de corao; quando a situao interna e a externa coincidirem genuinamente com a vi- so crist do que seja reto; ento o cristo compreender qual seja a vonta- de de Deus. (12. 2). [Se a situao interna for auferida e aferida pela comunho do Crente com Deus, por intermdio de Jesus Cristo, e a situao externa for aquela que o Reino dos Cus propicia medida e na medida que seja estabelecido entre os homens, ento a viso do que seja reto ser alcanada pela renovao da mente para que cada cristo possa compreender qual seja a boa, agradvel e perfeita vontade de Deus]. O reconhecimento do instante da coincidncia o nico caminho que se pode imaginar para a realizao do desejo humano. Questes de Fro Pessoal 1, 9-10
  37. 37. 36 Vs. 11 e 12 Eu anseio por ver-vos, porquanto eu gostaria de repartir convosco algo da misericrdia do Esprito para vosso fortalecimento, ou melhor: para que no meio de vs, pela f, gozemos o consolo conum que encontra- remos em ns, mutuamente. (O consolo que eu encontrarei em vs e vs em mim). Esse anseio tem sua razo de ser. Peregrinos que se encontram na estra- da que leva a Deus, tm sobre o que trocar idias. Um pode significar algo para o outro, no porque assim o queira; no, exatamente, por sua riqueza interior, no pelo que seja, mas por aquilo que no ; por sua pobreza, por seu suspirar e por sua esperana; por sua vagarosidade e por sua pressa; por tudo que, em seu ser, aponta para outro ser que esta alm do horizonte e acima de suas foras. Um apstolo no um homem positivo, mas negativo. Em torno dele v-se a vacuidade. [A pobreza de esprito, a fome e sede de justia, a nsia pela paz, o anseio pelo consolo, a fraqueza na f, o reconhecimento de que s Cristo pode redimir e salvar]. na vacuidade de seu prprio ser que o Apstolo significa algo aos outros e reparte misericrdia. assim que ele fortalece os demais na obedin- cia, na perseverana e na adorao. O Esprito distribui graa por ele, justamente porque ele nada tem de si, de positivo, que possa ter algum valor. E neste processo o distribuidor se trans- forma em receptculo; quanto mais d, mais recebe e quanto mais for receben- do mais ter para dar. Entre cristos no apropriado perguntar se vem de ti ou vem de mim, pois no vem nem de ti nem de mim, porque nada temos. bastante que acima de ns, atrs de ns, alm de ns, exista a f, a mensagem da f, o contedo da f, a fidelidade de Deus, que consola o superior e o principiante nas suas tentaes e fraquezas, tanto externas como internas. O desejo que os cristos acaso tenham de, em unssono, baterem s por- tas do Reino dos Cus a fim de iniciarem um movimento comum sob a direo do Santo Esprito legtimo, conquanto tambm seja certo que essa conformi- dade seja vazia e irrelevante. V. 1 3 Deveis porm saber irmos, que j muitas vezes tencionei chegar at vs para que tambm entre vs, como entre os demais gentios, eu produza frutos, mas at aqui fui impedido de faz-lo. Muitas vezes teve Paulo o propsito de visitar Roma satisfazendo o seu prprio desejo e, evidentemente, o dos cristos que l se achavam. Mas dema- 1, 11-13 Questes de Fro Pessoal
  38. 38. 37 siado grande o nmero de localidades que no tiveram ainda o incio da prega- o que Roma j recebeu. Conseqentemente o trabalho a que o Apstolo foi destinado o trabalho de sua vida (de semear em terra virgem) (15, 20-22) o levou sempre a outras paragens. Permanecia, porm, o veemente desejo e a viva inteno de colher tam- bm onde no semeara e de trabalhar onde outros j haviam trabalhado. At agora, pela vontade de Deus (1, 10) o desejo ainda no pde ser satisfeito. Vs. 14 e 15 Eu, eu mesmo, sou devedor a gregos e brbaros, sbios e ignoran- tes, por isso o meu grande desejo anunciar o evangelho da salvao tambm a vs, em Roma. Paulo foi tomado em cativeiro (1, 1) o que significa um cerceamento a seus desejos pessoais porm, tambm uma possibilidade de os satisfazer. Certamente nem divisas territoriais nem barreiras culturais podero ret- lo e, quando tiver de ser, ele se desempenhar de sua misso to desassombra- damente quanto entre os nscios de Icnio e Listra. Tambm certo que o preceito de pregar apenas onde o evangelho ainda no foi anunciado no nenhuma lei dos Medas e Persas pois, em ltima an- lise, quem pode dizer que j ouviu o evangelho? Tambm os romanos pertencem ao rebanho de povos pelos quais Paulo sabe que responsvel como o escolhido por Deus para levar-lhes o evangelho. Ele quer falar-lhes das coisas antigas e novas. O que conhecido, neste caso, para todos e sempre, o no conhecido, do qual nunca se ser lembrado em demasia. (15, 15) [Porque tudo quanto outrora foi escrito, o foi para nosso ensino, a fim de que pela pacincia e pela consolao das Escrituras, tenhamos esperana]. Contudo, por enquanto, faa-se a tentativa de, por meio da palavra es- crita, reunir os cristos da comunidade romana para, em unssono, baterem porta com o fim de produzirem o movimento. Comentrios: 1, 8-15 1. O que aqui foi apresentado como questes de fro pessoal designa- do apenas como pessoal, pelo autor. Paulo, depois de haver dado aos romanos a razo (ou as razes) de ser de sua carta, conta-lhes de seus problemas ntimos; por que ainda no foi visit-los e como se sente feliz porque os romanos to- maram conhecimento do nome de Jesus Cristo, e o aceitaram na sin- ceridade de sua f. Questes de Fro Pessoal 1, 13-15
  39. 39. 38 Escreveu-lhes do seu interesse por eles e invocou para isto o pr- prio testemunho de Deus, Pai! 2. Barth insiste na afirmao de que a presuno humana, ainda que mui piedosamente fundamentada, no alcana o beneplcito de Deus, an- tes uma forma de idolatria que impede a participao na graa e da graa Divina. 3. Somente pode ser testemunha e mensageiro de Deus, quem recebe a graa que vem do alto e, para receb-la, preciso que o homem se esvazie, que renuncie a si mesmo. No entanto, se certo que Paulo foi separado para o Evangelho, igualmente certo que toda pessoa que houver sentido o apelo que vem da cruz e a autoridade que vem da ressurreio, no pode deixar de testificar e proclamar a mensagem da boa nova para a salvao de todo aquele que crer. A diferena entre um e os outros ser quantita- tiva porm jamais qualitativa que a qualidade constante e eterna; a qualidade Jesus, poderosamente estabelecido como Filho de Deus, pela ressurreio de entre os mortos. O Tema da Epstola (1, 16-17) Vs. 16 e 17 Porque eu no me envergonho do evangelho, pois ele o poder de Deus para a salvao de todo aquele que cr, do Judeu primeiro e tambm do grego. Porque a justia de Deus se revela nele; da fidelidade f, como est escrito: O justo viver de minha fidelidade. [Atraduo de Lutero escreve: O justo viver de sua f; a verso sinodal da Sociedade Bblica Francesa registra: Aquele que justificado viver pela sua f. A Revised Standard Version (1953), americana, traz: Aquele que reto, pela f viver; a edio da Biblioteca de autores cristos de Madri, (1950), verso cat- lica, diz: O justo viver pela f, portantoAPUD nossa verso deAlmeida; a nossa (hoje j quase esquecida) verso de Figueiredo diz: O justo viver da f. Acha o Autor que a sua traduo se harmoniza melhor com o texto ori- ginal e por ela orienta a sua anlise, entendendo-se porm que em Hab. 2,4, Deus quem fala. O possessivo refere-se a Deus; parafraseando, poderamos dizer, segundo o Autor, o justo viver pela fidelidade de Deus] Eu no me envergonho, O evangelho no precisa ir em busca de pol- mica com as religies e filosofias do mundo, nem to pouco precisa tem-las ou fugir delas. O evangelho persiste e subsiste por si, como a mensagem que vem da linha de interseo do plano deste mundo como plano do mundo do 1, 15-16 O Tema da Epstola (16 e 17)
  40. 40. 39 alm, desconhecido para ns. O evangelho no entra em concorrncia com quaisquer teorias ou pesquisas ou outras elucubraes e dedues que a cin- cia, a sabedoria ou cultura possam haver encontrado ou ainda venham a encon- trar mesmo que sejam transcendentais e oriundas do mais elevado crculo do saber humano pois o evangelho no uma verdade ao lado de outras verdades mas a verdade que questiona, [afere], todas as demais verdades. O evangelho dobradia e no folha de porta. Quem aceita o evangelho, embora possa sentir-se perplexo [ante as condi- es do mundo em seu sculo], est livre [e acima] de toda e qualquer conten- da; no h apologtica nem preocupao com a vitria do evangelho, pois ele a prpria base de todas as coisas; o seu sustentculo tambm a sua consuma- o, o seu fim; e assim sendo, o evangelho a vitria que vence o mundo. O evangelho no precisa ser defendido nem suportado ou carregado: ele que defende e suporta aos que o proclamam. certo que Paulo poder chegar e de fato chegar a Roma para a con- solar e ser consolado sem envergonhar-se do evangelho; mas igualmente cer- to que esta visita to ansiosamente esperada por todos no necessria para que o evangelho subsista. Deus no necessita de ns, e teria mesmo que se envergonhar de ns, no fora ele Deus e precisasse de nossos prstimos. Antes, somos ns que dele carecemos. O evangelho da ressurreio o Poder de Deus; a sua virtude (VULGATA); a revelao e o conhecimento desse Poder; a sua excelente supremacia confirmada por obras perante todos os deuses; o milagre dos mi- lagres pelo qual Deus d-se a conhecer como aquele que o que [Ex. 3, 14] isto , o Deus desconhecido que habita em aurola de luz, em pramos inaces- sveis ao homem o Santo, o Cristo, o Redentor. Aquele que, sem o conhecerdes, tendes honrado, este vos anuncio. (Atos 17.23). Todas as divindades que ficam aqum da ressurreio; que moram em templos, que so feitura de mos humanas e delas necessitam para serem servi- das; divindades que carecem dos prprios homens [que as reconhecem por deuses] (Atos 17,24-25); essas divindades no so Deus; essas, o homem co- nhece! Deus o Deus desconhecido e como tal d vida, alento e tudo, a todos. E assim o seu Poder, a sua fora: no a fora da natureza, nem da alma, nem outra fora qualquer, mais alta ou uma super-fora que acaso conheamos ou alguma outra que pudssemos vir a conhecer. O Poder, ou a fora de Deus no pode ser considerado, nem mesmo, como a fora suprema do mundo, ou a somatria de todas as foras ou ainda a origem delas, mas a crise de todas e de O Tema da Epstola 1, 16
  41. 41. 40 qualquer delas, porquanto esta fora algo totalmente diverso, em comparao com a qual as demais foras tanto podem ter alguma significao corno podem ser absolutamente nulas; sim, algo e nada; [a crise gerada pelo eventual confronto de fora humana com o Poder divino] tanto pode representar o impulso inicial, como o fator de estagnao final e definitiva dessa fora terrena. O Poder de Deus a fora que pode trazer o cancelamento, a supresso da prpria origem de todas as foras e tambm a sustentao, a preservao, do objetivo delas. O Poder de Deus permanece, meridianamente claro, acima de tudo. No de lado [paralelamente como se ombreasse com as demais foras] e no supe- rior [sobrenatural, como se fosse comparvel, ainda que em grau superlativo, com as outras foras] porm, alm de todas elas, [e diferente delas]. As foras que o mundo possui, ou que imagina que tenha ou que possa vir a ter, so necessariamente condicionadas [limitadas]. Ora, o Poder de Deus no pode ser intercambiado ou alinhado com tais foras, nem podem estas ser comparadas com ele, seno com o mais absoluto cuidado e a mxima prudncia. O Poder de Deus a investidura de Jesus, como o Cristo (1,4) e isto, no seu sentido mais restrito, pressuposio destituda de qualquer significado tangvel. Acontece em Esprito e somente pode ser reconhecida espiritualmen- te. Essa investidura absolutamente auto-suficiente, e verdadeira em si mesma; ela o fator decisivo, se assim nos pudermos expressar; o ponto crtico que ocorre na mente humana [no seu sentimento] e que leva o homem a Deus. justamente desta mensagem de sua proclamao e sua percepo, que se trata entre Paulo e seus leitores e ouvintes de Roma. Com esta mensagem da investidura de Jesus, como o Cristo, relaciona- se todo o ensino, toda a moral e todo o culto da comunidade crist, uma vez que tudo isso tem apenas a funo de [preparar o terreno destacando a inutilidade do esforo humano para a salvao, a enormidade do afastamento de Deus que o pecado acarreta, a nenhuma valia que o homem pode atribuir aos humana- mente mais excelentes mritos que tivesse; esse conjunto de perspectivas to negativas contribui para] formar uma espcie de funil de escoamento, de sorve- douro, de vazio, onde se d [a insero], a implantao da mensagem. A comunidade [crist] no conhece palavras, obras, ou coisas que sejam santas em si mesmas; conhece apenas palavras, obras e coisas que, como nega- es, [isto como sinais e evidncia de tudo quanto o homem no , ou melhor, de tudo quanto ele em oposio a Deus] apontam ao que Santo. Se a atitude crist e o modo de ser dos cristos no fossem referendados ao evangelho, seriam qual acessrio ou subproduto humano, perigoso restolho religioso, lamentvel mal entendido conquanto, ao invs da vacuidade [do 1, 16 O Tema da Epstola
  42. 42. 41 homem que se nega a si mesmo, que se anula em sua soberba pretenso e sua vontade egosta e vaidosa, para dar lugar a Deus], teria contedo [ainda que ftuo]; em vez de cncavo seria convexo [isto , em vez de fazer convergir e concentrar a mensagem recebida a dispersaria]; em vez de negativo, seria posi- tivo; em vez de ser a expresso da sua prpria insuficincia, toda voltada para a esperana na promessa do evangelho, teria a pretenso da auto-suficincia, de mostrar-se intrinsecamente rico em qualidades. Nestas condies deixariam os cristos de ser uma comunidade crist para serem uma cristandade compromissada com a oscilante realidade mundi- al, de aqum ressurreio [portanto sem o Cristo vivo, ressurrecto]. Tal cristan- dade, praticando com o mundo um pacfico e cmodo MODUS-VIVENDI, no pode ter parte com o Poder de Deus. Semelhante evangelho de maneira nenhuma estaria livre da concorrncia com o mundo e, competindo, no estaria em posio vantajosa, antes estaria em grande embarao e aperto pois as filosofias e religies do mundo, forjadas, urdidas ou criadas aqum ressurreio, foram desenvolvidas a gosto do homem [de forma semelhante confeco das imagens e o culto idlatra] deturpando o evangelho com o objetivo de acomod-lo ao gosto do presente sculo [criando iluses e desvirtuando a imagem do prprio Deus que deixa de ser espiritual para ter a imagem e a semelhana do homem e o evangelho deixa de ser Poder, para ser movimento; e os cristos deixam de ser sal e luz, e portanto a minoria do caminho estreito, para serem massa num pseudo evangelho chamado social, ecumnico, tolerante e, sobretudo, tolervel e tolerado pelo mundo]. Haveria, ento, razes suficientes para ter vergonha do evangelho! Paulo, porm, refere-se ao Poder do Deus desconhecido: O que olho algum viu, nenhum ouvido ouviu, o que jamais chegou ao corao humano. E por isso que ele no se envergonha do evangelho. O poder de Deus poder para a salvao. O homem, neste mundo, est em cativeiro. Nenhuma luz adicional encontraremos se nos aprofundarmos na conscientizao de nossas limitaes humanas, antes, sentir-nos-emos cada vez mais distantes de Deus; ficaremos mais compenetrados da enormidade de nossa queda (1, 18; 5, 12) e as suas seqelas sero cada vez maiores (1, 24; 5, 12) do que, sequer nos permitiremos sonhar. que o homem agora [aps a queda e aqum da ressurreio] o seu prprio senhor. Asua unidade com Deus foi to profundamente destruda, dila- cerada, que o reatamento dessa unio absolutamente inimaginvel para o ho- mem. A sua condio de criatura o seu grilho; seu pecado, a sua culpa; sua morte, o seu destino. Seu mundo um caos disforme que flutua ao lu sob a ao de foras naturais, anmicas e algumas outras. Sua vida uma aparncia. O Tema da Epstola 1, 16
  43. 43. 42 Esta a nossa situao. Existe um Deus? Uma pergunta muito boa. Pretender entender este mundo em sua unidade com Deus ser, ou con- denvel arrogncia religiosa ou, a ltima [a mais profunda] viso [ou perspec- tiva] da verdade que existe para alm do bero e do tmulo: uma viso vinda do lado de Deus. Aarrogncia ter que desaparecer quando a perspectiva do lado de Deus tiver lugar. [Todavia] enquanto existirem moedas falsas em circulao as ver- dadeiras so postas em dvida. O evangelho proporciona a viso pela ltima perspectiva, partindo do lado de Deus [isto pela ressurreio que mostra o Poder de Deus, com a investidura de Jesus como o Cristo]; todavia, para a sua eficcia, [para que pelo Poder de Deus se restabelea o vnculo da unio do homem com o Criador] necessrio que as outras perspectivas, as penltimas [as arrogantes pretenses que ganham curso e circulao na categoria de moedas falsas] sejam banidas. O evangelho fala-nos de Deus, como ele ; refere-se a ele, e a ele s! Fala do Criador que se torna nosso Redentor e do Redentor que nosso Criador. O evangelho tem o intuito de nos virar completa e absolutamente.Anun- cia-nos a transformao de nossa condio de criaturas livres; oferece o perdo de nossos pecados. A vitria da vida sobre a morte; a devoluo de tudo quanto perdemos. O evangelho o toque de alarme, o sinal de fogo, de um mundo novo que est chegando. O que quer dizer isso tudo? Agora e aqui, atados ao isso e aquilo, no o sabemos, Apenas pode- mos perceber o que acontece e captamos esta percepo pelos sentidos volta- dos a Deus, depois que foram devidamente despertados pelo evangelho. O mundo, porm, no deixa de ser mundo e o ser humano continua sendo um ser humano; cabe-lhe suportar toda a carga do pecado e arcar com a total maldio da morte, [a despeito de haver percebido os sinais da graa de Deus]. Que no haja qualquer auto-iluso sobre o estado de fato da nossa exis- tncia e de nosso modo de ser. A ressurreio, que a nossa sada, tambm o nosso cerceamento: mas o cerceamento tambm sada! O no que veio a nosso encontro, o NO de Deus: o que nos falta tambm o que nos socorre; o que nos cerceia [o que barra a nossa sada] a nova terra [a porta que nos enclausura tambm o umbral que nos leva ao reino dos cus]. 1, 16 O Tema da Epstola
  44. 44. 43 O que destri todas as verdades do mundo, tambm o que as alicera. E, exatamente porque o NO de Deus total, ele tambm o divino SIM! assim que temos no Poder de Deus a perspectiva do portal da esperan- a e, com essa viso ante os olhos, a possibilidade de avanar o passo seguinte, ainda que vacilante, na senda estreita deste mundo, prosseguindo em consola- do desespero (Lutero). O prisioneiro transformado em atalaia que, confinado ao seu posto de vigia, qual enclausurado em sua cela, anseia pelo raiar da aurora: Aqui estou eu, de atalaia, e subo ao alto da fortaleza para perscrutar atentamente o horizon- te, para ver o que ele acaso tem para dizer-me e o que responder minha queixa. Ento respondeu-me o Senhor e disse: escreve a revelao; registra-a sobre uma lousa para que seja claramente legvel. A revelao espera ainda por seu tempo prprio, mas se aproxima rapidamente do fim, e no enganara. Se ela demorar, aguarda-a com perseverana porque ela se cumprir com certeza. (Hab. 2, 1-3). O evangelho requer f. Somente para os crentes ele o Poder de Deus para a Salvao. Portanto, a sua v