brasileiros enfrentam mais dificuldades que...

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Ano 7 nº 79 setembro 2007 ENTREVISTA CLAUDIO WEBER ABRAMO: COM EXCESSO DE NOMEAÇÕES, GRUPOS SE APODERAM DO ESTADO A BUROCRACIA QUE AS PREFEITURAS IMPÕEM E MAIS SENAI COLABORA NA AMPLIAÇÃO DO CANAL DO PANAMÁ INDÚSTRIA PLANEJA AMPLIAR A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL BRASILEIROS ENFRENTAM MAIS DIFICULDADES QUE OUTROS LATINO-AMERICANOS

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Ano 7nº 79setembro2007

ENTREVISTA CLAUDIO WEBER ABRAMO: COM EXCESSO DE NOMEAÇÕES, GRUPOS SE APODERAM DO ESTADO

A BUROCRACIAQUE AS

PREFEITURASIMPÕEM

E MAIS

SENAI COLABORA NA AMPLIAÇÃODO CANAL DO PANAMÁ

INDÚSTRIA PLANEJA AMPLIAR AEDUCAÇÃO PROFISSIONAL

BRASILEIROS ENFRENTAM MAISDIFICULDADES QUE OUTROS

LATINO-AMERICANOS

INDÚSTRIA BRASILEIRA 3WWW.CNI.ORG.BR

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SEGURANÇAINSTITUCIONALAs agências reguladoras têm sido fundamentais para garantir investimentos de longo prazo. Ao reformá-las, não se pode admitir nenhum retrocesso

Armando Monteiro Neto, presidente da CNI – Confederação Nacional da Indústria

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O CONGRESSO NACIONAL DISCUTE HÁ TRÊS ANOS

um novo arcabouço legal para as agências regula-doras brasileiras, implantadas a partir de meadosda década de 1990. A busca do aperfeiçoamentoinstitucional é bem-vinda. Mas é preciso tambémgrande cuidado para que as mudanças não preju-diquem as conquistas da economia brasileira. OMapa Estratégico da Indústria 2007-2015, queestabelece objetivos e metas para levar o País ao desen-volvimento sustentável, atribui às agências papel fun-damental para o ambiente de negócios no País.

Decisões de investimento dependem de pers-pectivas econômicas favoráveis e de segurança. NoBrasil, as empresas enfrentam vários fatores dedesestímulo: a carga tributária excessiva – e cres-cente; uma das maiores taxas de juros do mundo;e o câmbio sobrevalorizado. Apesar desses obstá-culos, tem aumentado o fluxo de investimentosdiretos estrangeiros no País. O volume financeiroatual é o triplo do registrado há três anos, conside-rando-se o acumulado em 12 meses. Isso se deve,em parte, à estabilidade proporcionada pelas agên-cias reguladoras. Seu funcionamento baseia-se nomodelo dos países desenvolvidos, em que as deci-sões de Estado para as questões de longo prazo sãoprotegidas de pressões episódicas.

Cada uma das agências reguladoras brasileiras foicriada por meio de lei específica. É importante, assim,que se busque a unificação das regras de funciona-mento. Deve-se garantir às instituições independên-cia decisória, autonomia financeira, delimitação pre-

cisa de suas atribuições e competência técnica dosdirigentes e funcionários. O projeto de lei com esseintuito ora em discussão na Câmara dos Deputadostraz avanços. É satisfatório no que tange à caracteriza-ção da autonomia e às propostas de mecanismos decontrole externo. Mas limita a atribuição das agênciasa fiscalizar empresas. Na avaliação da indústria, énecessário que essas instituições participem da mode-lagem dos contratos, da elaboração dos editais de lici-tação e dos atos de outorga. Aos ministérios, deve seratribuída a responsabilidade sobre a política setorial ea elaboração dos planos de outorga.

As discussões sobre as agências reguladoras têmsido, infelizmente, contaminadas por questiona-mentos sobre a capacidade de alguns de seus diri-gentes. Argumenta-se que é necessário facilitar ademissão em caso de desempenho insuficiente. Masas regras atuais permitem solução mais adequada aoproblema, desde que seguidas de modo rigoroso: noprocesso da escolha dos nomes, por parte doExecutivo, e da sabatina, no Legislativo, deve-se afe-rir a adequação das pessoas aos cargos. É indesejávelque se abra espaço para discutir a legitimidade dosdirigentes a cada situação de crise.

As agências reguladoras devem ser guardiãs daestabilidade jurídica do ambiente de negócios noPaís. Para isso, é essencial que lhes seja proporcio-nada estabilidade organizacional, além dos recur-sos necessários a seu funcionamento. São essas ascaracterísticas que fazem das agências não apenasórgãos de governo, mas sim órgãos de Estado.

ARMANDO MONTEIRO NETO

www.cni.org.br

DIRETORIA DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - QUADRIÊNIO 2006/2010

Presidente: Armando de Queiroz Monteiro Neto (PE);Vice-Presidentes: Paulo Antonio Skaf (SP), Robson Braga de Andrade (MG), Eduardo Eugenio GouvêaVieira (RJ), Paulo Gilberto Fernandes Tigre (RS), José deFreitas Mascarenhas (BA), Rodrigo Costa da Rocha Loures(PR), Alcantaro Corrêa (SC), José Nasser (AM), JorgeParente Frota Júnior (CE), Francisco de Assis BenevidesGadelha (PB), Flavio José Cavalcanti de Azevedo (RN), Antonio José de Moraes Souza (PI);1º Secretário: Paulo Afonso Ferreira (GO);2º Secretário: José Carlos Lyra de Andrade (AL);1º Tesoureiro: Alexandre Herculano Coelho de Souza Furlan (MT);2º Tesoureiro: Alfredo Fernandes (MS); Diretores: Lucas Izoton Vieira (ES), Fernando de Souza FlexaRibeiro (PA), Jorge Lins Freire (BA), Jorge MachadoMendes (MA), Jorge Wicks Côrte Real (PE), Eduardo Pradode Oliveira (SE), Eduardo Machado Silva (TO), JoãoFrancisco Salomão (AC), Antonio Rocha da Silva (DF), José Conrado Azevedo Santos (PA), Euzebio AndréGuareschi (RO), Rivaldo Fernandes Neves (RR), FranciscoRenan Oronoz Proença (RS), José Fernando Xavier Faraco(SC), Olavo Machado Júnior (MG), Carlos Antonio deBorges Garcia (MT), Manuel Cesario Filho (CE).

CONSELHO FISCALTitulares: Sergio Rogerio de Castro (ES), Julio Augusto Miranda Filho (RO), João Oliveira de Albuquerque (AC);Suplentes: Carlos Salustiano de Sousa Coelho (RR), Telma Lucia de Azevedo Gurgel (AP),Charles Alberto Elias (TO).

UNICOM - Unidade de Comunicação Social CNI/SESI/SENAI/IEL

ISSN 1519-7913Revista mensal do Sistema IndústriaDiretor executivo - Edgar LisboaDiretor institucional - Marcos Trindade

ProduçãoFSB ComunicaçõesSHS Quadra 6 - cj. A - Bloco E - sala 713CEP 70322-915 - Brasília - DF Tel.: (61) 3323.1072 - Fax: (61) 3323.2404

e Gerência de Jornalismo da UNICOMSBN Quadra 1, Bloco C, 14º andar Brasília - DF - CEP 70040-903 Tel.: (61) 3317.9544 - Fax: (61) 3317.9550e-mail: [email protected]ção IW Comunicações - Iris Walquiria Campos RedaçãoEditor: Paulo Silva Pinto Editor-assistente: Enio VieiraEditor de arte: Flávio CarvalhoRevisão: Shirlei NatalinePublicidade FSB ComunicaçõesMagno Trindade - [email protected] Visconde de Pirajá, 547 - Grupo 301Rio de Janeiro - RJ - CEP 22410-003 Tels.: (21) 2512.9920 / 3206.5061Gilvan Afonso - [email protected] Quadra 06 - Conj. A - Bloco C sala 322Brasília - DF - CEP 70316-109 Tel.: (61) 3039-8150Cel.: (61) 8447-8758Impressão - Gráfica CoronárioCAPA: FSB DESIGNAs opiniões contidas em artigos assinados são de responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, o pensamento da CNI.

16 CapaEstudo da International Finance Corporation (IFC) na AméricaLatina demonstra que as prefeituras brasileiras estão entre as maisburocráticas da região

24 Infra-estruturaSENAI irá colaborar na formação de instrutores para as obras de ampliação do Canal do Panamá, em que serão criados até 40 mil postos de trabalho

30 Mapa EstratégicoAs agências reguladoras são fundamentais para os investimentos de longo prazo, o que precisa ser levado em conta nas propostas de reformá-las

34 TributaçãoCom os atuais recordes de arrecadação, o governo federal poderiareduzir à metade a alíquota da CPMF

ARTIGO50 DANUZA LEÃO

A França vive uma nova fase com o presidente Nicolas Sarkozy,que foge à tradição na política e no casamento

SEÇÕES6 LUPA

10 ENTREVISTAClaudio Weber Abramo afirma que é necessário crescimento econômicopara que haja maior eficácia no combate à corrupção

24 TENDÊNCIAS ECONÔMICASO resultado da arrecadação até agora demonstra que mais uma vez acarga tributária baterá recorde

34 PONTO DE VISTAJorge Mendes escreve sobre a consolidação do corredor Centro-Nortee Jorge Côrte Real sobre a importância da educação no desenvolvimento

40 ANÁLISEJosé Roberto Mendonça de Barros explica o aumento dosinvestimentos brasileiros no exterior

44 CULTURAO centenário da pintoramexicana Frida Kahlo,que gostaria de ternascido três anosmais tarde

ESPECIALAcompanha Indústria Brasileira encarte sobre o programa Educaçãopara a Nova Indústria

BETTMANN/CORBIS /LATIN STOCK

6 INDÚSTRIA BRASILEIRA SETEMBRO 2007

O SENAI CATARINENSE ESTÁ INCENTIVANDO O ESPÍRITO

empreendedor de seus alunos. Começam afuncionar neste semestre as pré-incubadoras deCriciúma, Joinville, São Bento do Sul e Luzerna. A idéia é abrigar projetos de alunos que tenhamviabilidade econômica. Cada pré-incubadora temcapacidade para até quatro empreendimentos e cerca

de 20 estudantes. Em Florianópolis, funciona desde 2002 a primeira pré-incubadora do SENAI catarinense. Segundo a pesquisa Panorama2006 da Associação Nacional de EntidadesPromotoras de Empreendimentos Inovadores(Anprotec), o País conta hoje com 377 incubadorasde empresas.

EMPREENDEDORISMO NO SENAI

2º ENCONTRO NACIONALDA INDÚSTRIASERÁ NO MÊS QUE VEM, EM BRASÍLIA,a segunda edição do EncontroNacional da Indústria, organizadopela CNI. O evento, que ocorrerános dias 22 e 23 no hotel Blue TreePark, vai reunir presidentes defederações, associações setoriais esindicatos industriais de todo o Paíspara discutir desafios e formas dealcançar o crescimento sustentado.Terá também a participação delíderes do setor industrial de todo oPaís. Na página eletrônicawww.cni.org.br/encontrodaindustria, estão disponíveis mais informaçõessobre o encontro.

GIBI CONTRA A PIRATARIACOMBATER A PIRATARIA POR MEIO DA CONSCIENTIZAÇÃO

dos jovens é uma das metas do IEL fluminense, quedesenvolveu um gibi no estilo oriental mangá para serlançado ainda este ano no estado. O IEL pretendedistribuir a cartilha para a rede de ensino pública eprivada. A iniciativa integra o Programa de

Propriedade Industrial, desenvolvido pelo IEL eSENAI, em parceria com o Instituto Nacional de

Propriedade Intelectual (INPI). De acordo com asuperintendente do IEL-RJ, Patrícia Gonçalves, será

desenvolvida também outra cartilha para professores, demodo a ajudá-los a discutir a pirataria na sala de aula.

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INOVAÇÃO EM REVISTA

HÁ UM NOVO PRODUTO EDITORIAL NO MERCADO VOLTADO

à inovação: a Locus. A publicação surgiu 12 anos atráscomo um boletim informativo da Associação Nacional de Entidades Promotoras de EmpreendimentosInovadores (Anprotec). Evoluiu mais tarde para uma revista, que foi relançada em maio. A condução do projetoeditorial está agora sob a responsabilidade de um conselhoformado pelo diretor do Parque Tecnológico daUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), MaurícioGuedes; pelo secretário-adjunto de desenvolvimento econômico de São Paulo, Carlos Américo Pacheco; pelosprofessores Helena Lastres, da UFRJ, e Josealdo Tonholo,da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), e pela assessorada Fiep Gina Paladino, ex-diretora da Anprotec. Segundoela, a idéia é atingir um público de jovens empreendedores,por meio de reportagens e artigos que contemplem tantoassuntos das publicações de ciência e tecnologia quantodas que têm foco em economia e negócios. “Nosso diálogo será com pessoas que têm potencial para investirno empreendedorismo inovador de um modo amplo, nãorestrito à criação de empresas”, afirma Paladino. A Locus,publicada quatro vezes por ano, com tiragem de 5.000exemplares, é distribuída para o mailing da Anprotec.Quem estiver interessado em recebê-la deve procurar apágina eletrônica da entidade (www.anprotec.org.br). A meta do conselho editorial é que em dois anos a revista esteja também disponível para venda em bancas.

NOVOS SITESA CNI LANÇOU NO DIA 16 DE AGOSTO SEU

novo site na internet. Agora é possível teracesso on-line às informações sobre a defesa de interesses realizada pela entidade dentrodas grandes áreas temáticas que afetam o setorindustrial. O site, totalmente reformulado,facilita o acesso aos serviços e produtos daCNI e dá mais visibilidade para as ações dasfederações de indústrias. O site do SESI serárelançado no próximo dia 18.

INDÚSTRIA BRASILEIRA 7

TRÊS CIDADES DO PAÍS RECEBERAM NO MÊS

passado as primeiras unidades daIndústria do Conhecimento do SESI. São elas: Aruanã (GO), Blumenau (SC) e Manaus. Bibliotecas multimídia contamcom acervo de 3.000 livros, dez miltítulos de mídia eletrônica, cem CDs eDVDs, jornais locais e computadores. O objetivo é aproximar a comunidade daleitura e da informática. Lançado no anopassado, o projeto é resultado de umaparceria entre o SESI, o Ministério daEducação e o Fundo Nacional deDesenvolvimento da Educação (FNDE).

INDÚSTRIA DO CONHECIMENTO

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8 INDÚSTRIA BRASILEIRA SETEMBRO 2007

COOPERAÇÃO LATINO-AMERICANAO PRESIDENTE DA CNI, ARMANDO

Monteiro Neto, e presidente doConselho Empresarial Mexicano deComércio Exterior, Investimento eTecnologia (Comce), Valentín DíezMorodo, assinaram um comunicadoconjunto, no dia 6 de agosto, durante a7ª Reunião Plenária do ComitêEmpresarial Brasil-México. O objetivo éa promoção de encontros de negócios e aidentificação de oportunidades deinvestimentos entre os dois países. Oslíderes também se comprometeram aavaliar e levar aos seus governospropostas para o aprofundamento dosacordos comerciais entre Brasil e México.O evento, organizado pela CNI e peloComce, na capital mexicana, contoucom a presença dos presidentes dos doispaíses e cerca de 50 empresáriosbrasileiros e 250 mexicanos.

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O SESI CATARINENSE PASSOU A RECICLAR

o óleo saturado residual das cozinhasque existem em 56 unidades noestado. São 12,8 mil litros, 96% do total de óleo utilizado pelainstituição. Depois de empregado na culinária, o resíduo pode seraproveitado na fabricação de produtos como cosméticos, sabão,biocombustível, vedação para vidrosem janelas e ração para animais. O óleo saturado é entregue àsempresas, com a condição de quevenham retirá-lo nas cozinhasindustriais do SESI catarinense. Osinteressados podem entrar em contatocom a unidade do SESI em sua região.

ÓLEO RECICLADO

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O EX-ALUNO DO SENAI TEÓFILO ALEXANDRE SANT’ANNA DOS SANTOS,um dos chefes da equipe Williams de Fórmula 1, acompanhou no mês passado a etapa estadual da Olimpíada do Conhecimento,em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, da qualparticiparam mais de mil alunos do SESI e do SENAI. Santos éconsiderado um exemplo para os alunos, segundo o gerente doCentro de Formação Profissional José Fagundes Neto do SENAI,Cláudio Biscotto. “Temos várias modalidades de ensinoprofissionalizante e usamos esse exemplo para mostrar que osonho deles é o limite. Isso serve como motivação para os alunosem sala de aula”, diz Biscotto.

DO SENAI PARA A FÓRMULA 1

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AÇÃO GLOBALO SESI E A REDE GLOBO PROMOVEM

no dia 22 deste mês, em todos osestados brasileiros e no DistritoFederal, a 14ª edição nacional da Ação Global. Durante o evento, sãooferecidos gratuitamente para apopulação serviços de saúde, lazer,educação e responsabilidade social. A Ação Global é organizada em regiões com grande concentração dedemandas sociais e tem como objetivopromover a cidadania. É um grandemutirão, de que participam pessoas eempresas. No ano passado, osnúmeros foram recordes: 37 milvoluntários e cerca de 2.000 empresas,que realizaram mais de dois milhõesde atendimentos.

TELECONGRESSO DE EDUCAÇÃOO SESI REALIZA NOS DIAS 17 E 18 DE OUTUBRO A

5ª edição do Telecongresso Internacional deEducação. Com o tema Educação, Competitividade e Desenvolvimento, o evento pretende discutir aimportância do ensino de qualidade para acompetitividade e o desenvolvimento do País. O Telecongresso é fruto da parceria do SESI com

a Universidade de Brasília (UnB) e a Organizaçãodas Nações Unidas para a Educação (Unesco). Será transmitido via internet e por videoconferênciapara pontos de recepção nos estados. No anopassado, 11 mil pessoas participaram do evento. Na página eletrônica www.telecongresso.sesi.org.br, é possível obter mais informações.

JOSÉ MINDLIN

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10 INDÚSTRIA BRASILEIRA SETEMBRO 2007

Combater a corrupçãonão é prioridade

POR PAULO SILVA PINTO

ENFRENTAR A CORRUPÇÃO ESTÁ LONGE DE SER UMA TAREFA ÓBVIA, COM ESTRATÉGIAS

consensuais, mesmo entre os especialistas no tema. No mês passado, a TransparênciaBrasil rompeu os laços formais com a entidade que inspirou sua criação, aTransparência Internacional. Divergências de procedimentos explicam a decisãounânime do conselho da entidade brasileira. Segundo o diretor-executivo, ClaudioWeber Abramo, uma das mais graves está no fato de representantes da TransparênciaInternacional concederem atestados de idoneidade a processos licitatórios dos quaisparticipam como consultores. “Há conflito de interesses”, critica.

Abramo acha que a ruptura não trará prejuízo à ação da Transparência Brasil,que mantém programas e pesquisas para aprimorar os mecanismos de controle dasociedade sobre o Estado. Os R$ 785 mil de orçamento da entidade no ano pas-sado vieram de três fontes, com participação equivalente: mensalidades de associa-dos, convênios com fundações privadas e convênios com governos. A última fontevem secando. “Há muita morosidade no Estado e dificuldade de enxergar ações delongo prazo”, critica.

Acabar com o desvio de dinheiro público não é prioridade no Brasil, “ao con-trário do que dizem o presidente da República e ministros”. Jornalista, Abramocritica a imprensa, que publica mais declarações do que informações investigadas. E também as empresas de modo geral, que costumam manter códigos de ética,mas não punem funcionários corruptos. Nas páginas a seguir, está um resumo desua entrevista a Indústria Brasileira.

Ao contrário do que se afirma no governo, não há açãocentralizada para impedir desvio de dinheiro público, diz odiretor da Transparência Brasil

CLAUDIO WEBER ABRAMO

INDÚSTRIA BRASILEIRA 11WWW.CNI.ORG.BRTHA

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12 INDÚSTRIA BRASILEIRA SETEMBRO 2007

Indústria Brasileira – A corrupção está crescendono Brasil?Claudio Weber Abramo – É impossível respon-der a essa pergunta porque não temos acesso aoscasos de corrupção queocorrem nas relações sociaistodos os dias. As pessoastendem a achar que a cor-rupção está aumentandoquando há aumento donoticiário sobre o tema.Mas isso também refleteoutros fatores, como o melhor funcionamentodos mecanismos de controle: como o MinistérioPúblico e a polícia.

IB – Esses mecanismos de controle estão funcionandomelhor?CWA – Parece que sim. É notório que a PolíciaFederal tem uma atuação mais intensa do que tinhano passado. Há um aumento do controle interno dogoverno federal por meio da Controladoria Geral daUnião (CGU), que pede à Polícia Federal que inves-tigue determinados indícios de malfeitorias.

IB – Mas por que é tão difícil punir?CWA – Há falhas no processo judicial brasileiro,que levam a atrasos muito grandes. Depois daoperação policial não acontece nada ou demorapara acontecer.

IB – É possível dizer se há mais ou menos corrupçãono Brasil do que em outros países?CWA – Os indicadores que pretendem refletir issonão cumprem o objetivo, e a explicação de novoestá no fato de que a corrupção é secreta. Tais indi-cadores são baseados em informações colhidas depessoas ligadas a negócios internacionais. São, por-tanto, opiniões, que têm alta correlação com arenda per capita dos países: os mais pobres tendema ser vistos como menos íntegros. É claro, porém,que um país pobre vai ter menos condições deinvestir no aperfeiçoamento de suas instituições.Não há nenhuma surpresa nisso.

IB – Mas é possível comparar instituições de países derenda semelhante?CWA – O Brasil tem vantagens, como a quantida-de de informação que flui do Estado para a socieda-de. Isso ocorre particularmente da esfera federal, nãoapenas do Executivo, mas também do Legislativo edo Judiciário. Isso é incomparavelmente maior no

Brasil do que no México,ou na Colômbia. Mas oJudiciário brasileiro nota-damente é um horror, nãofunciona. Nos países lati-no-americanos, de modouniforme, a Justiça funcio-na mal, só pune os pobres.

Os ricos ficam protegidos.

IB – O combate à corrupção é uma prioridade no Brasil?CWA – Não é, ao contrário do que dizem ministrose o presidente da República. Não há planejamentocentralizado de combate à corrupção. Se fosse priori-dade, existiria um plano estratégico do governoabrangendo todos os ministérios e empresas públi-cas. Não há trabalho preventivo. O organismo que seaproximaria dessa coordenação é a CGU, que nãotem, porém, poder sobre os ministérios. Não pode,por exemplo, determinar que o Ministério da Saúde,onde aconteceu o Escândalo dos Sanguessugas, apli-que mecanismos para reduzir a probabilidade de amesma coisa acontecer no futuro.

IB – É possível comparar nossas instituições entre si edizer onde estão os maiores problemas?

CLAUDIO WEBER ABRAMO

Uma vantagem do Brasilé a quantidade deinformação que flui doEstado para a sociedade

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apresentar as informações de maneira mais rica,mais organizada, algo que tem avançado lentamen-te no Brasil. Mas o primeiro dever é informar.

IB – É possível citar alguns exemplos positivos de usodessas informações?CWA – Na Transparência Brasil nós fizemos umbanco de dados sobre os históricos políticos dedeputados federais e senadores. Isso é um sucesso,porque reduzimos o custo de acesso à informação.Está tudo concentrado: declarações de bens, uso daverba de gabinete, processos na Justiça, noticiáriosobre corrupção. O eleitor poderia conseguir tudoisso, mas teria de consultar dezenas de lugares. Énecessário ter informações organizadas sobre custosunitários de serviços, algo que o Estado deveria pro-ver. Existem empresas especializadas nesse tipo deinformação, incluindo comparações internacionais.É uma maneira de checar os custos das obras públi-cas. Nos municípios de Santa Catarina, desde 1997se faz a análise dos custos unitários.

IB – O senhor já criticou o fato de os municípiosserem entes federados no Brasil. Por quê?CWA – A Constituição de 1988 dá aos municípiosesse caráter de ente federado. Eles gozam de total auto-nomia de gestão. Mas suas condições econômicas ecivis não são compatíveis com isso: 82% dos municí-pios brasileiros não têm arrecadação, vivem de repas-ses federais e estaduais. Não têm mecanismos internosde controle adequados. O Legislativo, em quase todosesses municípios, é cooptado pelo Executivo paragarantir as nomeações políticas e a relação entre oExecutivo e o Legislativo vira uma ação entre amigos.Chegam apenas as demandas do capital, das forçasorganizadas. As classes populares são sub-representa-das no Brasil. A autonomia exageradas dos municípiosvem em detrimento da maior eficiência de gestão.

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CWA – Existem vulnerabilidades fortes no geren-ciamento do Estado e no arcabouço normativo. Issocomeça pela Constituição, que permite administra-dores públicos nomearem grande quantidade depessoas para cargos de confiança. Nomeia-se muitasvezes em troca de apoio parlamentar. O objetivo égarantir que haja um fluxo de salários para certosgrupos, para os filiados de determinados partidos.Mas as nomeações favorecem também atos de cri-minalidade. Ao permiti-las, a Constituição propiciaa ocupação do Estado por quadrilhas.

IB – O Brasil tem mais cargos de livre nomeação doque outros países?CWA – Não temos esse levantamento. Os países ricoslimitam fortemente a capacidade de nomear, enquan-to os países pobres são muito liberais nesse aspecto.No Brasil, há 25 mil cargos de confiança no governofederal. O estado de São Paulo tem 20 mil cargos deconfiança. Mas o grande problema é que esses núme-ros não estão agregados em lugar nenhum, ainda queem cada governo a Casa Civil saiba perfeitamentequem foi nomeado e por quê. Apesar disso, o Brasil émelhor do que a Bolívia e o Equador, onde quasetodo mundo é nomeado. Mesmo no México, há 40anos não há concurso público.

IB – A transparência no Brasil tem aumentado?CWA – Sim, mas a imprensa e as ONGs usam malas informações disponíveis. A imprensa brasileiratem enfrentado problemas financeiros que compro-metem a qualidade do trabalho que faz, além disso,é muito declaratória. Nessa questão da informação,o Estado está à frente da sociedade. Mesmo noJudiciário, criticado por ser opaco, há muita infor-mação disponível que não é usada. Informação só éútil quando há fluxo. Se fica num armazém de papelnão é informação e sim um monte de dados.

IB – Mas a obrigação do Estado não é oferecer essas infor-mações de modo mais didático, diretamente aos cidadãos?CWA – Para os cidadãos diretamente, não. Essaidéia esconde complicações. O Estado se comunicapor intermediários: ONGs e imprensa, fundamen-talmente. Esses intermediários é que são responsá-veis pela transformação de um dado bruto em umdado inteligível. Naturalmente, o Estado poderia

ENTREVISTA

Dos municípiosbrasileiros, 82% nãoarrecadam impostos.Vivem de repasses

fenômeno de captura das instituições por inte-resses privados dos políticos e não pelo do elei-tor. Isso se verifica na discussão sobre a ReformaPolítica que está em pauta. A proposta é propo-sição de proibir financiamento privado paracampanhas eleitorais. E sob a justificativa de queao permitir o financiamento privado se favore-cem as pressões indevidas do capital sobre osindivíduos eleitos. Esquece-se que os interessesprivados procurarão influenciar as decisões polí-ticas, seja legalmente ou ilegalmente. As empre-sas, os setores da economia, não deixarão de terinteresses nem deixarão de agir conforme essesinteresses porque o financiamento tornou-se ile-gal. Eles financiarão ilegalmente. Vão empurrarpara o Caixa 2.

IB – Deve ser usado dinheiro público nas campanhaseleitorais?CWA – Pode e deve ser usado para aperfeiçoar o sis-tema eleitoral, a forma como os grupos sociais sãorepresentados na política. Os países desenvolvidosusam o dinheiro público para compensar desigualda-des. Ao observar o agregado dos financiamentos decampanha eleitoral para prefeitos nas eleições brasi-leiras de 2004, verifica-se que a porcentagem de pes-soas físicas que financiaram as campanhas é 1,5%. Orestante (98,5%) são empresas. O que se faz em mui-tos países para estimular a participação do cidadão éque o candidato que recebe doações de pequenamonta de pessoas físicas ganha uma contrapartida doEstado. Isso incentiva o esforço dos candidatos de seaproximar dos eleitores. É algo que há na Alemanha,na França e nos Estados Unidos. Na América Latina,que eu saiba, isso só existe na Costa Rica.

IB – A pesquisa do Latinobarômetro demonstra quehá decepção com a democracia nos países latino-ame-ricanos. Qual sua opinião sobre isso?CWA – Esse é um problema das sociedades que nãocrescem. Se o desenvolvimento econômico é repri-mido, não ocorre por diferentes motivos, não é pos-sível esperar progresso da sociedade. Há outra pes-quisa que demonstra a queda na confiança da popu-lação dos países ibéricos em todas as instituições,incluindo as igrejas e ONGs. E o Brasil estava emúltimo lugar. A população não tem confiança no

IB – Como mudar isso, se os políticos são beneficia-dos pela situação?CWA – É possível condicionar os repasses à obediên-cia de critérios de controle. Isso já acontece no País,por exemplo, nos recursos destinados ao saneamentobásico. Mas deveria valer para outras áreas também.

IB – É possível hierarquizar os poderes e os entes fede-rados quanto à transparência?CWA – O Executivo é mais transparente do que oLegislativo, que é mais que o Judiciário. Há umabismo entre o que acontece na esfera federal, nosTrês Poderes, e nos estados. E mais ainda em rela-ção aos municípios, onde nós vivemos na IdadeMédia sob o ponto de vista da transparência.

IB – Os parlamentares costumam dizer que o Legislativoé o mais transparente dos poderes. É verdade?CWA – Não, absolutamente. A exceção é a Câmarados Deputados, que é um modelo internacional.Poucas casas legislativas apresentam a quantidade deinformações que a Câmara dos Deputados apresenta.

IB – E o Senado?CWA – O Senado é zero. As verbas que são gastasno gabinete dos senadores não estão alocadas nosgabinetes, estão alocadas na mesa diretora. Não sesabe como gastam o dinheiro. Mas quando olha-mos as assembléias legislativas, descemos váriosdegraus abaixo. A falta de comunicação é regra. E as câmaras de vereadores são umas tragédias.

IB – E o custo do Legislativo?CWA – É muito alto no Brasil. Um deputadodistrital de Brasília custa R$ 10 milhões por ano.O Legislativo brasileiro é mais caro em termosabsolutos do que o da Itália, da Alemanha, daGrã-Bretanha. Trata-se de outra manifestação do

14 INDÚSTRIA BRASILEIRA SETEMBRO 2007

CLAUDIO WEBER ABRAMO

Sem crescimentoeconômico, não se

pode esperar progressoda sociedade

Legislativo e no Sistema Judiciário. Na minha opi-nião, isso é resultado da alta incidência de casos decorrupção, que faz as pessoas perderem a confiança.

IB – O desenvolvimento econômico reduz a corrup-ção ou é o contrário?CWA – O desenvolvimento econômico vemantes. Só assim há recursos para aplicar no desen-volvimento do Estado. Para mim, isso é claríssimo.

IB – Um dos conflitos de interesse entre a esferapública e a privada está no fato de a pessoa que exer-ceu um cargo de confiança usar informações depoisque sai do governo. O que fazer quanto a isso?CWA – São os famosos anfíbios, que transitamentre o setor público e o setor privado. Isso é algoque não é bem administrado. O governo federalpretende regulamentar a questão por meio de umprojeto de lei já enviado ao Congresso. Foi conce-bido pelo Conselho da Transparência Pública eCombate à Corrupção, do qual eu faço parte, quefunciona na CGU. A esperança é que isso seja vota-do só nas comissões. Se forao plenário, vão derrubar. Énecessário, por exemplo,impedir que um funcioná-rio público se licencie eexerça determinadas ativi-dades. Um fiscal da ReceitaFederal não deveria poder selicenciar para trabalhar nu-ma empresa de assessoria fiscal, mas isso acontecemuito. Hoje, só 400 pessoas são submetidas àComissão de Ética Pública da Presidência.

IB – Isso deveria ser estendido a outros funcionários?CWA – Sim, para todos os funcionários públicosque exerçam função de responsabilidade, concur-sados ou nomeados. É isso que determina o proje-to de lei que enviamos ao Congresso.

IB – Quanto ao lobby, o que deveria ser feito?CWA – As empresas que fazem lobby deveriam serlegalmente obrigadas a registrar seus interesses naCâmara dos Deputados e no Senado. Não defen-do a proibição do lobby, que existiria de qualquermodo, mesmo que fosse proibido.

IB – Qual é o comportamento dos empresários emrelação à corrupção?CWA – Nós iniciamos uma pesquisa em 2003 quenão foi concluída por falta de recursos.

Perguntamos se as empre-sas têm código de ética queproíbe o pagamento defuncionários públicos.Mais de 80% disseram quetêm. Mas quando se per-gunta se no seu setor opagamento de propinapara vencer contrato é uma

prática aceitada, a resposta é positiva. Perguntamostambém quantos funcionários da empresa tiveramque responder a processo interno por suspeita depagamento de propina. A resposta foi nenhum.Essa questão do combate à corrupção fica no abs-trato, é só marketing.

IB – A valorização da responsabilidade social nãopode favorecer o combate à corrupção?CWA – Sou cético, porque isso é voltado para osinteresses da empresa. Antigamente isso era marke-ting especial voltado à comunidade. A empresa gastaR$ 5 mil para pintar uma escola e R$ 100 mil parafazer propaganda da sua ação. A corrupção deve sercombatida pela sociedade, que pode e deve estabele-cer códigos de conduta para as empresas.

INDÚSTRIA BRASILEIRA 15WWW.CNI.ORG.BR

ENTREVISTA

Empresas têm código de ética, mas não

investigam funcionáriosuspeito de pagar propina

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16 INDÚSTRIA BRASILEIRA SETEMBRO 2007

O crescimentopede licença

POR ANDRÉ SOLIANI

Prefeituras impõem mais obstáculos burocráticos do que outras esferasde governo. E as administrações municipais brasileiras têm desempenhoinferior quando comparadas a de outras da América Latina em eficiência

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 17WWW.CNI.ORG.BR

CAPA

DEUS SÓ CRIOU O MUNDO EM SEIS dias e pôde des-cansar no sétimo porque não precisou nem delicença de funcionamento nem de alvará de cons-trução de um dos 25 municípios brasileiros ava-liados pela Corporação Financeira Internacional(IFC, na sigla em inglês), braço do BancoMundial que trabalha com o setor privado. Secaísse na burocracia da prefeitura de Guarulhos, amais lenta para permitir a abertura de um negó-cio, perderia 210 dias. Precisaria de outros 219dias para obter o alvará de construção se depen-desse do sistema de Goiânia, o mais vagaroso doPaís. Mesmo os municípios brasileiros melhoravaliados estão longe do que a IFC considera umparâmetro ideal: de 2 a 3 dias para abrir umaempresa e no máximo 20 dias para obter permis-são para iniciar uma obra. Vitória, a primeira noranking de licença de funcionamento, leva 18dias para emitir o documento; São Luís, a maiscélere em alvará de construção, gasta 24 dias.

É na esfera da administração municipal queos empresários enfrentam as maiores barreiraspara tocar seus negócios. O Movimento BrasilCompetitivo (MBC), uma associação de empre-sários e instituições, estima que 80% dos entra-ves burocráticos estão nas cidades. Os órgãos daUnião consomem apenas 5% do tempo gastopelos cidadãos com o preenchimento de guias,pagamento de tributos e cumprimento de exi-gências legais. Os demais 15% são de responsa-bilidade dos estados. “A burocracia perpassatodas as esferas de governo, mas no município oimpacto é maior”, afirma o consultor de projetosdo MBC Jorge Lima.

O Municipal Scorecard 2007, como é chamada apesquisa realizada pela IFC, busca avaliar a qualida-de dos serviços prestados aos cidadãos para obter nosmunicípios licença para funcionamento (abertura deempresa) ou alvará de construção. Leva em contadois índices para montar a classificação: desempenho(tempo, custo, número de visita e indeferimentos) eprocesso (informação, infra-estrutura, ferramentas,inspeções e treinamento). A instituição investigouos trâmites de obtenção desses dois documentos em65 municípios latino-americanos, espalhados porcinco países: Brasil (25), Peru (12), Nicarágua (10),Bolívia (9) e Honduras (9).

As cidades brasileiras não estão bem classificadasno quadro geral. Vitória, capital do Espírito Santo, é aúnica brasileira entre as dez primeiras do ranking delicença de funcionamento. Na classificação de alvaráde construção, mais uma vez, só uma cidade brasilei-ra: Curitiba. “Existe uma burocracia excessiva”, afirmao coordenador do levantamento, Kristtian Rada, aocomentar o desempenho dos municípios nacionais.

PADRÃO DE COMPARAÇÃOO mais grave é que a maior parte das cidades latino-americanas que estão na pesquisa tampoucoatinge o padrão ideal de eficiência. Ou seja, os muni-cípios brasileiros não foram comparados com muni-cípios, ressalvadas algumas exceções, que possam serconsiderados modelos. “Os empresários, em muitosmunicípios da América Latina, relatam que os pro-cedimentos atuais de licenciamento são lentos, carose altamente incertos”, diz o Relatório Brasil, doMunicipal Scorecard 2007. “Pior ainda, em algunsmunicípios os empresários relatam que precisamfazer pagamentos extras para tramitarem os processosde forma mais rápida”, acrescenta o texto.

A análise dos dados regionais (latino-america-nos) e nacionais revela que a qualidade do serviçonão tem relação com o nível de renda ou desenvol-vimento econômico. São Paulo, a cidade mais ricado Brasil, é a penúltima classificada no ranking delicença de funcionamento, na frente apenas deManaus. De acordo com o professor de Gestão daTecnologia da Informação da Fundação Escola deSociologia e Política de São Paulo (Fespsp), AluízioTeixeira Junior, a correlação mais evidente é entreo tamanho da população e a eficiência do serviço.A Fespsp foi responsável em aplicar a metodologiade pesquisa do Municipal Scorecard no País.

Total de municípios avaliados naAmérica Latina (IFC)

FONTE: INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION (IFC)

Brasil Peru Nicarágua Bolívia Honduras

5

10

15

20

25

30

25

1210 9 9

cidadãos, que deverá apresentar resultados a partirdo próximo ano.

Os empecilhos para abrir negócios e construirdentro da lei estimulam a informalidade. “Paraevitar esse processo doloroso, muitos – em parti-cular os empresários de micro e pequenos negó-cios – preferem manter-se sem licenças, isto é, nainformalidade”, resume o texto sobre o Brasil.Conseqüentemente, a expansão das cidades ocorrede forma desordenada, sem a execução das legisla-ções de zoneamento, saúde e segurança.

A informalidade prejudica também o desem-penho econômico das cidades. “Os negóciosinformais são freqüentemente pequenos, menosprodutivos, menos avançados tecnologicamente ecrescem menos em um curto espaço de tempo,sendo que tudo isso leva a menos quantidade deempregos na comunidade”, avalia o IFC.

Rada, do IFC, enfatiza que facilitar a vida doempresário não significa diminuir as exigênciasfeitas pelas prefeituras em termos de segurança ezoneamento. “A Suíça, o Canadá e o Chile são paí-ses com pouca burocracia e, ao mesmo tempo,impõem regulamentos mais duros”, alerta. Regras

Cidades nas quais há um grande volume depedidos devido ao próprio dinamismo local e quenão implementaram reformas dos seus sistemas deconcessão de licença e alvará, caso de São Paulo,costumam ter um baixo desempenho. Ciente dafragilidade do seu processo, que resulta numambiente desfavorável para os negócios, a prefei-tura paulistana iniciou um processo de revisão dosprocedimentos para melhorar o serviço para os

18 INDÚSTRIA BRASILEIRA SETEMBRO 2007

Países Municípios Ranking IFCPeru Lima 1Honduras Choluteca 2Honduras Choloma 3Honduras Comayagua 4Nicarágua Estelí 5Nicarágua Jinotega 6Nicarágua Chinandega 7Nicarágua Matagalpa 8Brasil Vitória 9Honduras La Ceiba 10

O Brasil só tem um município entre os 10 primeiros no rankingde licença de funcionamento

FONTE: INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION (IFC)

COMÉRCIO EMLima, Peru:tempo paraabertura de

negócio caiu de160 para três dias

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semelhantes resultam em desempenhos dísparesdevido à qualidade do serviço prestado aos empre-sários. Nos municípios brasileiros avaliados peloIFC, diferenças na legislação não explicam a dispa-ridade de resultados no desempenho, pois os pro-cedimentos são muito parecidos.

O tempo para conseguir uma licença de funcio-namento ou um alvará, no entanto, varia em mais deseis meses entre o primeiro e o último classificado noranking brasileiro (veja quadro na página 20). Umadas mais graves deficiências dos municípios brasilei-ros, na opinião de Rada, é a inexistência de umaúnica fiscalização multidisciplinar, que substituiria asdiversas visitas que o empresário precisa enfrentar.Para acelerar o processo e evitar a constante apresen-tação de novas obrigações, um único fiscal exigiria ocumprimento das regras impostas pelos diferentesórgãos do poder municipal envolvidos no processo.De acordo com o coordenador do MunicipalScorecard 2007, nenhum dos municípios brasileirosadota esse procedimento, que fez toda a diferença nodesempenho de Lima. São Paulo pretende ser o pri-meiro município a fazer isso, até o final deste ano.

A capital peruana, ao adotar a fiscalização mul-tidisciplinar, conseguiu reduzir o tempo de con-cessão de licença de funcionamento de 160 diaspara três dias. No caso do alvará de construção, otempo caiu de 320 diaspara 20 dias. O esforço daprefeitura resultou numaumento da atividade eco-nômica formal. Antes dareforma, que começou em2003 em parceria com oBanco Mundial, havia aconcessão de mil licençasde funcionamento porano. Esse número passoupara mais de 8.000. Entreos benefícios de umamaior formalidade de ne-gócios está o aumento daarrecadação de tributos.

A falta de sistemas declassificação de risco para osempreendimentos é outrofator que aumenta a buro-

INDÚSTRIA BRASILEIRA 19WWW.CNI.ORG.BR

CAPA

Municípios Ranking Rankingnacional latino-americano

Vitória 1 9Londrina 2 13Florianópolis 3 17Joinville 4 19Curitiba 5 22São Bernardo do Campo 6 27Porto Alegre 7 29Salvador 8 32São Luís 9 33Maceió 10 34Goiânia 11 36Diadema 12 38Campo Grande 13 39Belo Horizonte 14 42Teresina 15 43Cuiabá 16 45Aracaju 17 46Fortaleza 18 49Duque de Caxias 19 50João Pessoa 20 51Guarulhos 21 54Recife 22 55Belém 23 56São Paulo 24 59Manaus 25 61

Classificação na concessão delicença de funcionamento

FONTE: INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION (IFC)

A PREFEITURAde São Paulo,atolada emburocracia,pretende reverexigências àsempresas

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cracia. A IFC recomenda que negócios de baixo riscoobtenham a licença de funcionamento ou alvará deforma imediata. “Nesses casos, a fiscalização podeocorrer com o negócio já funcionando”, diz Rada.Segundo ele, não é possível tratar a abertura de umapequena livraria da mesma forma que a concessão deum alvará de construção para um prédio de 40 anda-res. Ao tratar os processos mais simples de formamais célere, desafoga-se o sistema.

A cidade de Vitória, a mais eficiente no Brasilna concessão de licença de funcionamento, já usano seu dia-a-dia um sistema de classificação derisco. Segundo o gerente de Controles Urbanos daSecretária de Desenvolvimento de Vitória,Jackson Renato Abreu de Araújo, a capital capixa-ba concentrou os serviços necessários para obten-ção da licença num único local, a Central Fácil.Adotou também procedimentos diferenciadospara a instalação de empresas conforme o porte.

A terceira questão que o IFC considera essencialpara a oferta de serviços de boa qualidade é a capa-citação profissional. Os servidores públicos precisaminformar o empresário sobre como se dará o proces-so, qual o tempo necessário para obter o documen-to e qual o custo. “Vitória, por exemplo, já tem clas-sificação de risco, mas precisa melhorar a qualifica-ção dos funcionários”, diz Rada, ao comentar umdos critérios em que a prefeitura não se saiu bem.

O estudo da IFC, mais do que divulgar um ran-king, tem o objetivo de catalogar boas práticas eidentificar os gargalos existentes em cada uma dasprefeituras. Três fatores são essenciais para melhoraro desempenho: vontade política de mudar o quenão funciona, um diagnóstico correto dos proble-mas e o desenho de soluções adequadas. “Todas asprefeituras que participaram do processo demons-tram uma vontade política positiva de mudar, poissó participaram da pesquisa aquelas que queriam,

20 INDÚSTRIA BRASILEIRA SETEMBRO 2007

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2103

VitóriaPorto Alegre

MaceióRecife

LondrinaJoão PessoaFlorianópolis

Campo GrandeTeresinaJoinvilleSão Luís

GoiâniaSalvador

Duque de CaxiasAracaju

São PauloCuritibaCuiabá

São Bernardo do CampoDiademaFortaleza

BelémBelo Horizonte

ManausGuarulhos

Benchmark*

*TEMPO QUE O INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION (IFC) CONSIDERA IDEAL

FONTE: INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION (IFC)

Tempo para obter licença defuncionamento (Em dias)

0,21,01,2

1,71,8

2,62,72,83,03,0

3,63,6

4,65,15,25,35,5

6,56,97,0

7,57,97,9

9,29,3

FONTE: INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION (IFC)

Custo para obter licença defuncionamento (Em % do PIB per capita )

Porto AlegreDiademaLondrina

CuiabáSão Bernardo do Campo

Belo HorizonteCuritiba

GuarulhosJoinville

FlorianópolisManaus

Campo GrandeSão Paulo

VitóriaDuque de Caxias

AracajuGoiânia

João PessoaFortaleza

MaceióSalvadorTeresina

RecifeBelém

São Luís

que não tinham medo de aparecer com uma per-formance ruim”, diz Rada, do IFC. Segundo ele,São Paulo, Recife, Salvador e Fortaleza já assumi-ram o compromisso de investir para reformar seussistemas. Para medir o avanço e identificar aolongo do tempo os gargalos que permaneceram, aIFC vai realizar o Municipal Scorecard anualmente– a versão 2008 já está em elaboração. A corpora-ção irá também publicar um documento comrecomendações de boas práticas.

O secretário de Finanças de Curitiba, LuizEduardo Sebastiani, enfatiza a vontade políticacomo uma característica essencial para o bomresultado da cidade na classificação de alvará deconstrução. “A prefeitura reconhece que o setorprivado é o pólo dinâmico da economia, que pos-sibilita a mobilidade social e é fundamental noprocesso de inserção de boa parte da população”,afirma Sebastiani, ao explicar a motivação quelevou a municipalidade a adotar práticas mais efi-cientes, como possibilitar a execução de parte dostrâmites por meio da internet.

Liderar o ranking nacional de alvará de cons-trução, no entanto, não é suficiente, na opinião deSebastiani. “A pesquisa oferece um retrato e iden-

tifica lacunas que ainda precisamos resolver, comoa questão do tempo para obter os documentos”,diz ele. Apesar de ser a primeira na classificaçãogeral, no critério tempo está em 17ª posição. A prefeitura também está preocupada com o custodos processos. O secretário afirma que há um pro-jeto para isentar as micro e pequenas empresas queparticipam do Supersimples das taxas de licencia-mento. Quando o serviço é caro, os pequenosnegócios têm dificuldades para se legalizar.

A eficiência dos serviços prestados para a pre-feitura serve como um indicador da qualidade doambiente de negócios e da competitividade dascidades. Não é o único fator, no entanto, ainfluenciar a decisão de negócios, afirma Lima,do MBC. Apesar de estar em penúltimo no ran-king de licença de funcionamento, a economiapaulistana é uma das mais dinâmicas. Lima apon-ta outros fatores essenciais para a competitivida-de de uma região: infra-estrutura adequada, aces-so a mercado consumidor, oferta de mão-de-obraqualificada e capacidade de inovação. “Não bastater o melhor sistema de cartórios do País, se nãohá, por exemplo, bons profissionais para contra-tar”, explica Lima.

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CAPA

FISCALIZAÇÃOdeveria sermultidisciplinar,aponta a IFC

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22 INDÚSTRIA BRASILEIRA SETEMBRO 2007

TRIBUTAÇÃOT E N D Ê N C I A S E C O N Ô M I CA S

A carga continuaa crescer

POR MÁRIO SÉRGIO CARRARO TELLES

A TENDÊNCIA DE CRESCIMENTO DA CARGA

tributária no Brasil foi mantida em 2006. Comexceção de 2003, o montante de recursosapropriados pelo setor público aumentouconstantemente nos últimos dez anos. Segundo aReceita Federal, a carga tributária alcançou 34,23%do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado.Dessa forma, o indicador acumula um aumento de7,3 pontos percentuais do PIB desde 1997.

Levando em consideração o comportamentoda arrecadação nos primeiros seis meses do ano, émuito provável que a carga tributária volte a subirem 2007. No âmbito federal, a receita líquidaapresentou crescimento real de 9,4% com relaçãoao mesmo período de 2006. No caso de estados emunicípios, a expansão foi um pouco menor, de

7,9%. Em ambos os casos, o aumento superaaquele esperado pela CNI para o PIB em 2007,que é de 4,5%. Dessa forma, a relação entre receitalíquida do governo federal e PIB subiu de 19,4%,em dezembro de 2006, para 19,7% em junho de2007. No caso dos estados e municípios, a relaçãopassou de 12,3% em dezembro para 12,4% emjunho. Vale notar que, nesse último caso, oindicador considera apenas a parcela da receitacujos dados são disponibilizados mensalmente.Não inclui a maior parte das receitas próprias dosmunicípios, como aqueles provenientes doImposto sobre Serviços (ISS) e do Imposto Prediale Territorial Urbano (IPTU).

MOTIVOS DO AUMENTOCom relação à receita do governo federal, orecolhimento de impostos e a arrecadação doInstituto Nacional do Seguro Social (INSS)responderam pela maior parte da expansão.Esse padrão difere daquele observado nos anos anteriores, quando o recolhimento decontribuições era o principal responsável pelocrescimento da receita.

O volume de recursos arrecadados comtributos no primeiro semestre de 2007 superouem 11,9% o total recolhido no mesmo períododo ano anterior. O comportamento da arreca-dação do Imposto de Renda e dos impostos

Em 2007, os brasileiros estão desembolsando uma parcela ainda maior darenda com o pagamento de impostos e contribuições, principalmente osque são recolhidos pelo governo federal

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1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

FONTE: SRF/MF

OBS.: INDICADOR DE 2007 É PROJEÇÃO DO AUTOR.

25

Carga Tributária Total (Em % do PIB)

no primeiro semestre de 2007, na comparaçãocom o mesmo período do ano anterior. A receitade estados e municípios só não apresenta umdesempenho superior em função do compor-tamento da arrecadação do Imposto sobre aCirculação de Mercadorias e Serviços (ICMS),que responde pela maior parcela da receita ecresceu 5% na mesma base de comparação.Embora esse desempenho seja ligeiramentesuperior ao crescimento estimado para aeconomia, fica bem abaixo daquele observadonas transferências e nos demais tributos – cujaexpansão real foi de 14,8%.

EXPECTATIVAS PARA 2007Se essa dinâmica da arrecadação de tributos semantiver até o final do ano, a carga tributária de2007 deverá ter crescimento equivalente a 1,04ponto percentual do PIB. Nesse caso, a cargatributária alcançaria 35,3% do PIB. É importanteressaltar que a maior parte desse crescimento –mais de um ponto percentual do PIB – seriaproveniente de tributos arrecadados pelo governofederal, ainda que uma parcela desses recursos sejarepassada a estados e municípios.

Portanto, a tendência é que continue a seagravar um dos grandes entraves à aceleração docrescimento da economia brasileira: a excessivacarga tributária.

ligados às importações explica o expressivocrescimento dessa receita. Basicamente, pode-seatribuir esse desempenho a cinco fatores: i) ampliação dos lucros das empresas em função doaquecimento da economia brasileira e mundial; ii) retomada do recolhimento regular de IR-PessoaJurídica das empresas do setor financeiro; iii) incidência do IR-Pessoa Física sobre ganho decapital na alienação de bens; iv) crescimento damassa salarial, com efeitos sobre o IR-Retido naFonte; e v) aumento das importações e da alíquotaefetiva média do Imposto de Importação e doImposto sobre Produto Industrializados (IPI)vinculado às importações.

A ampliação da massa salarial também explicao crescimento real de 10,3% na receitaprevidenciária no primeiro semestre de 2007, comrelação ao mesmo período do ano passado.Segundo o IBGE, na mesma base de comparação,a massa de salários cresceu 10,7%.

O forte aumento da arrecadação de impostos,notadamente do Imposto de Renda e do IPI,também é um dos principais fatores explicativospara a expansão – acima do crescimento daeconomia – da receita de estados e municípios. Omaior recolhimento desses impostos amplia abase de tributos compartilhados. Dessa forma, astransferências do governo federal para os entesfederados apresentaram crescimento real de 11%

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União 551.619,06 23,75 622.744,16 24,72

Impostos 182.035,11 7,84 209.145,12 8,30

Contribuições 186.941,99 8,05 208.420,81 8,27

INSS 123.520,00 5,32 139.836,99 5,55

Demais 59.121,96 2,55 65.341,23 2,59

Estados 209.424,65 9,02 228.926,83 9,09

ICMS 171.668,62 7,39 185.934,28 7,38

Outros Tributos e Taxas 37.756,03 1,63 42.992,54 1,71

Municípios 33.966,77 1,46 36.869,07 1,46

Total 795.010,48 34,23 888.540,05 35,27

PIB 2.322.818,40 2.519.583,91

R$ milhões % PIB R$ milhões % PIB

2006 2007

Carga Tributária Total e por esfera de governo - 2006 e 2007 (projeção)

FONTE: SRF/MF - OBS.: PROJEÇÃO PARA 2007 FEITA PELO AUTOR.

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Novo caminhoentre dois oceanos

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INFRA-ESTRUTURA

O Canal do Panamá precisa de um novo conjunto de eclusas para se mantercompetitivo depois de completar cem anos. E o SENAI ajudará a prepararprofissionais para a obra

POR FERNANDA PARAGUASSU

26 INDÚSTRIA BRASILEIRA SETEMBRO 2007

O CANAL DO PANAMÁ FUNCIONA 24 HORAS POR

dia e 365 dias por ano desde a sua inauguração em1914. Faz parte de 140 rotas marítimas que ope-ram navios de diferentes tipos e tamanhos. Quaseum século depois de inaugurado, o Canal se pre-para para uma grande renovação. Um terceirojogo de eclusas permitirá que trafeguem por ali ossupercargueiros que se tornam cada vez maiscomuns no comércio mundial. A ampliação tor-nará o Canal mais competitivo, impulsionará aeconomia do Panamá e terá impacto até mesmono fluxo do comércio internacional.

Para decidir ampliar o Canal, houve um referen-do no ano passado, em que os panamenhos aprova-ram as obras. O custo total será de US$ 5,5 bilhões,e a conclusão está marcada para 2014, a tempo dascomemorações do centenário. “Será uma das maio-res obras de engenharia da atualidade e poderá abriroportunidades para empresas brasileiras naquelepaís. O Panamá é a Cingapura da América Latina”,afirma o gerente-executivo da Unidade de Coope-ração Internacional do SENAI-DN, RicardoRezende, em alusão ao pequeno país asiático que éum centro global de serviços.

Empresas de vários países deverão se candidatarpara executar o projeto, incluindo construtoras bra-sileiras já instaladas no Panamá. É o caso da AndradeGutierrez, que, junto com a Queiroz Galvão e aCamargo Corrêa, formou o Consórcio Interoceânicodo Panamá. “Os primeiros editais de licitação devemsair nos próximos meses. As empresas brasileiras têm

As obras para construção do Canal do Panamácomeçaram em 1904, um ano depois de assinadoum tratado entre o país e os Estados Unidos. Os problemas de engenharia incluíram aescavação da Cordilheira Continental, a construçãoda maior represa do mundo na época, o desenho e construção de eclusas e comportas de tamanhoinédito. Foi necessária também a solução deproblemas ambientais de grandes proporções.

Um dos maiores desafios, porém, foi enfrentaras doenças tropicais, como malária e febreamarela, que mataram muitos operários. Por contadas doenças, mas também de problemasfinanceiros, os franceses desistiram anos antesdos primeiros esforços de construção do Canal.

O novo jogo de eclusas utilizará escavaçõesfeitas no início da década de 1940 pelos EstadosUnidos, que interromperam o processo de

expansão quando entraram na Segunda GuerraMundial. A administração do Canal, e até mesmo aárea em torno do Canal, ficou com os norte-americanos até 31 de dezembro de 1999. O trajetodos navios é de 80 km. As eclusas são comoelevadores de água, levando os navios do marpara o Lago Gatún e, de lá, para outro oceano.

A cada ano, de 13 mil a 14 mil embarcaçõesutilizam o Canal. Desde a sua abertura, passaramquase um milhão de navios. São navios comcontêineres, veículos, líquidos, frigoríficos,cruzeiros, além de pesqueiros, pesquisadores ecargas em geral. Recentemente, o segmento decarga em contêiner ultrapassou o de cargas agranel e tornou-se o principal usuário do Canal.Com as obras de ampliação, o Produto InternoBruto (PIB) do Panamá deverá ter um crescimentode 5% anuais nos próximos 20 anos.

FRANCESES DESISTIRAM DA OBRA

DÉCOURT, DOSYNDARMA:

Ampliar o Canal éa melhor opção

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governo do Panamá, assinou um convênio com oSENAI para atualizar os técnicos que prestarão asses-soria às empresas que participarão do projeto.

O acordo prevê visitas de profissionais paname-nhos a laboratórios de tecnologia do SENAI, ondeserão capacitados em programas de curta duração.Em seguida, consultores do SENAI irão ao Panamáestruturar programas de qualificação. Quatro uni-dades móveis do SENAI adquiridas pelo INADEHfuncionarão como salas de aulas. O programa aindaestá em processo de estruturação, mas já foi decidi-do que o SENAI treinará instrutores panamenhospara a capacitação de operários nas áreas de cons-trução civil, movimentação de terra, análise de solo,armação de estruturas de ferro e concretagem.“Uma parceria com o SENAI, organização muitoimportante, evoluída, com grande projeção inter-nacional, será certamente favorável aos objetivos doINADEH”, diz o embaixador do Panamá noBrasil, Juan Bosco Bernal.

Estudos indicam que o volume de carga quetransita pelo Canal crescerá, em média, 3% ao anodurante os próximos 20 anos. Hoje, só podempassar embarcações com até 32 metros de largura,

INDÚSTRIA BRASILEIRA 27WWW.CNI.ORG.BR

grande potencial, por seu know-how em obras degrande porte e complexas”, diz o presidente daAgência de Promoção de Exportações e Investimen-tos (Apex-Brasil), Alessandro Teixeira, que integroua comitiva na viagem do presidente Luiz InácioLula da Silva ao Panamá em agosto.

O projeto de ampliação apresentado pelaAutoridade do Canal do Panamá (ACP), adminis-tradora do Canal, prevê a criação de 35 mil a 40mil postos de trabalho durante a construção doterceiro jogo de eclusas. Esses números incluementre 6.500 a 7.000 novos empregos diretamenterelacionados com as obras durante os anos de picoda construção. Será necessário contratar técnicos,especialistas, operadores de equipamentos pesa-dos, profissionais de projetos, supervisão de cons-trução, desenho, inspeção, logística, compras,segurança, manutenção e informática.

Os panamenhos terão preferência para o preen-chimento das vagas, e a ACP desenvolverá, em parce-ria com outras entidades, um programa de capacita-ção dos profissionais que trabalharão nas obras. Paraisso, o Instituto Nacional de Formação Profissionalpara o Desenvolvimento Humano (INADEH), do

NO INÍCIO do século 20, as eclusas doPanamá eramalgo de tamanhoinédito

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290 metros de comprimento e 12 metros de cala-do. São os chamados navios Panamax. Mas sãocada vez mais comuns navios bem maiores, osPost-Panamax (com custo bem mais baixo porunidade de carga), que não cabem nas eclusaspanamenhas. Mesmo entre os navios que passampelo Canal, a tendência de aumento de tonelagemtem sido perceptível: 20% em média nos últimoscinco anos.

Se nada fosse feito, o Canal alcançaria sua capa-cidade máxima entre 2009 e 2012. A qualidade dosserviços ficaria comprometida e, conseqüentemen-te, a competitividade. Os trabalhos periódicos demanutenção, que exigem o bloqueio de vias daseclusas, estão diminuindo ainda mais a capacidadede operação do Canal. A ACP relata que o fecha-mento de uma via para trabalhos de manutençãoem junho de 2004 resultou em uma fila de cerca de120 navios. As operações somente foram normali-zadas depois de 15 dias, durante os quais o períodode espera de embarcações que não tinham feitoreserva para atravessar o Canal triplicou.

A construção de novas eclusas permitirá a pas-sagem de navios maiores. Com o trânsito de um

maior volume de carga em menos viagens e menorutilização de água das eclusas, o Canal se tornarámais eficiente e competitivo, capaz de atender ademanda projetada para além de 2025. Entre2007 e 2025, o pedágio para atravessar o Canalficará mais caro, mas, segundo os administradores,ainda assim será uma opção mais competitiva.

ROTAS CONCORRENTESCerca de 30% do transporte marítimo mundial éfeito em contêineres que não cabem no Canal doPanamá. E há contratos firmados para a construçãode 250 navios maiores do que o padrão Panamaxnos próximos quatro anos. Estima-se, segundo aACP, que em 2011, 37% da capacidade da frotamundial de porta-contêineres serão de navios quenão conseguem passar pelo Canal, tendo que optarpor rotas concorrentes, como o sistema intermodal(ferrovias) dos Estados Unidos e o Canal de Suez.Um navio que sai de Nova York com destino aXangai pode optar pela rota via canal do Panamáou, em sentido oposto, pela que atravessa o canal deSuez, mais longa, porém com a vantagem de com-portar navios maiores.

Na rota entre o nordes-te da Ásia e a Costa Lestedos Estados Unidos, porexemplo, o Canal doPanamá tem uma partici-pação de 38%, contra61% do sistema intermo-dal norte-americano e de1% do Canal de Suez.Sem a ampliação do Canaldo Panamá, sua participa-ção cairia para 23% em2025, enquanto o sistemaintermodal atingiria 65%e o Canal de Suez, 12%.O Canal de Suez já permi-te o trânsito de naviosPost-Panamax.

É possível transportarcargas da Costa Leste dosEstados Unidos para oLeste Asiático por meio dosistema intermodal do país.

ALUNO DEconstrução civildo SENAI: uma

das áreas em quea entidade

trabalhará comos panamenhos

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PELO CANAL DESUEZ já passamos maioresnavios cargueirosdo mundo

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Essa opção é até mesmomais rápida que a doCanal do Panamá, mas ocusto é até 70% maior.“O processo de tirar acarga do navio paracolocá-lo em outro meiode transporte é muitoalto”, explica o diretor-geral da transportadoraCMA CGM no Brasil,Nelson Carlini.

Com 350 navios emoperação, a CMA CGMé a maior empresa dosetor na França e a tercei-ra maior transportadoramarítima de contêineresdo mundo. O Canal doPanamá, portanto, conti-nua a ser competitivo, mas não se sabe por quantotempo. Seus administradores destacam que osprincipais portos da Costa Leste dos EstadosUnidos investem cada vez mais em infra-estrutu-ra para receber navios Post-Panamax.

O vice-presidente executivo do SindicatoNacional das Empresas de Navegação Marítima(Syndarma), Cláudio Décourt, conta que freqüente-mente surgem estudos de viabilidade para construiroutras ligações entre os oceanos Atlântico e Pacífico,pela Nicarágua, por exemplo. Mas ele acha que difi-cilmente esse tipo de alternativa se consolidará. Porvia férrea, há o problema do custo para descarregar ecarregar navios. E um novo canal teria de ser muitomais longo do que o do Panamá, onde está a distân-cia mais curta entre o Atlântico e o Pacífico.

COMO FICA O BRASILA possibilidade de construtoras brasileiras partici-parem das obras de ampliação do Canal do Panamáabrirá caminho para a expansão do comércio doBrasil com aquele país. Segundo o presidente daApex-Brasil, não há cálculos sobre o impacto dire-to para o Brasil, porque ainda não se sabe de queforma as obras serão divididas. No entanto, Teixeiradestaca que, com a participação do Brasil, haveráaumento de demanda de outros produtos, como

material de construção e uniformes. “É uma opor-tunidade para o Brasil levar seus produtos e sua tec-nologia para o Panamá. A demanda poderá inclusi-ve ser feita por outras empresas estrangeiras quetambém estejam trabalhando nas obras”, explica.

O governo brasileiro tem tanto interesse emparticipar do processo de construção das novaseclusas que discute com o Panamá a realização deuma feira específica voltada para o setor de constru-ção civil no ano que vem. “A economia vai bem, eo Panamá virou um canteiro de obras”, diz Teixeira.

O Brasil pode ser beneficiado também pelaredução do custo dos fretes, com o aumento doespaço nos navios. Carlini, da CMA CGM, diz queo transporte de soja do Centro-Oeste brasileiro,que sai pelo Norte do País, e de minério doMaranhão, poderá se beneficiar das vantagens daampliação do Canal do Panamá, assim como peçasde produtos eletrônicos da Ásia que chegam àsindústrias de Manaus. “Haverá uma diminuição darestrição e um rearranjo do comércio”, prevê.

Os administradores do Canal traçam umcenário de crescimento contínuo da carga emcontêineres, que será impulsionado pelo aumen-to do comércio mundial e pelo redirecionamentoda produção para o Nordeste da Ásia, especial-mente para a China.

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Segurança para investirDiscussão sobre a estabilidade dos dirigentes das agências reguladoras tira ofoco da questão principal: a necessidade de regras claras para projetos delongo prazo

POR FERNANDA PARAGUASSU

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MAPA ESTRATÉGICO

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AS AGÊNCIAS REGULADORAS BRASILEIRAS COMEÇARAM

a ser criadas em meados da década de 1990 – a pri-meira foi a Agência Nacional de Energia Elétrica(Aneel), em 1996 – em meio ao processo de privati-zação e de redefinição da atuação do Estado. São ins-tituições jovens quando comparadas com agênciasde outros países, como as da Inglaterra, criadas nosanos de 1980 e consideradas referência de sucesso. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) é acaçula da família, completou um ano em março (vejaquadro abaixo) e está no centro da crise aérea.

Essas instituições tão novas já vivem, emalguns casos, um período de retrocesso. Na ava-liação da CNI, têm perdido qualidade técnica, oque pode prejudicar o ambiente de negócios noPaís. O Mapa Estratégico da Indústria 2007-2015, que desenhou o País que a indústria quernos próximos anos e norteou a elaboração deoutros documentos, destacou que as agênciasreguladoras são uma resposta do Estado às neces-sidades de geração de um marco jurídico e regu-latório que contribua para um ambiente institu-cional propício ao investimento.

Cada agência foi criada por uma lei específica.Há mais de três anos, discute-se no CongressoNacional o estabelecimento de regras comuns atodas as agências. Mas a crise do setor aéreo e as crí-ticas aos dirigentes da Anac levaram o foco do deba-te para as possibilidades de afastamento dos dirigen-tes. Atualmente só podem ser demitidos depois deprocesso administrativo disciplinar ou de uma deci-são judicial à qual não caiba mais recurso.

Durante reunião em agosto da comissão geraldas agências reguladoras na Câmara dos Depu-tados, o ministro das Comunicações, Hélio Costa,chegou a afirmar que as agências devem ser fortes eque seus diretores devem ser estáveis, “mas nãointocáveis”. É assim que ocorre com os conselheirosdo Conselho Administrativo de Defesa Econômica(CADE), que, em situação especial, podem ter suaindicação revista pelo Congresso Nacional a pedidodo presidente da República. “O exemplo interna-cional mostra que todos os diretores podem serremanejados”, afirmou Costa.

O diretor-presidente da Agência Nacional deEnergia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman, afirmaser favorável a facilitar a saída dos dirigentes.

Isso deve acontecer quando houver consenso deque ele não atende aos três vértices: consumidor,governo e empresas.

O assunto é considerado delicado. Para alguns,esse tipo de mudança na diretoria das agências poderepresentar um sinal de instabilidade para os inves-tidores. Na opinião do presidente da AssociaçãoBrasileira de Agências de Regulação (Abar), ÁlvaroMachado, a discussão deveria estar centrada naindicação, em que seria exigida reconhecida capaci-dade técnica do dirigente, e não na demissão. Para o diretor-executivo da CNI, José AugustoFernandes, as regras para a indicação e aprovação dedirigentes devem ser sólidas, com acompanhamen-to do desempenho, mas sem afetar a autonomia dasagências. “As hipóteses de substituição devem serlimitadas, com caracterização objetiva, e cada pro-cesso deve ser aprovado pelo Congresso”, afirma.

As agências reguladoras federais

ANEEL – Agência Nacionalde Energia Elétrica 1996 94

ANP – Agência Nacional do Petróleo,Gás Natural e Biocombustíveis 1997 175

ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações 1997 212

ANVISA – Agência Nacional deVigilância Sanitária 1999 292

ANS – Agência Nacionalde Saúde Suplementar 2000 93

ANA – Agência Nacional de Águas 2000 78

ANTAQ – Agência Nacional deTransportes Aquaviários 2001 31

ANTT – Agência Nacionalde Transportes Terrestres 2001 89

ANCINE – AgênciaNacional do Cinema 2001 32

ANAC – Agência Nacionalde Aviação Civil 2005 63

ANO DACRIAÇÃO

DESPESA DE 2006,EM R$ MILHÕES

FONTE: CONTAS ABERTAS (WWW.CONTASABERTAS.COM.BR)

32 INDÚSTRIA BRASILEIRA SETEMBRO 2007

O presidente da Sociedade Brasileira de Estudosde Empresas Transnacionais e da GlobalizaçãoEconômica (Sobeet), Luis Afonso Lima, acha que adiscussão não acontece de forma adequada nestemomento. “Há oportunismo. Estão aproveitandouma situação específica para criar uma regra geral. Eisso acontece porque a regra geral não é aplicada”, diz.

Segundo Lima, a proliferação das agências levouao desvirtuamento do conceito inicial. Essas insti-tuições deveriam atuar apenas nos setores em quehouvesse monopólio ou oligopólio natural, comoem energia elétrica e de telecomunicações. Não é ocaso do setor regulado pela Agência Nacional deCinema (Ancine). O professor emérito da Fun-dação Getúlio Vargas Luiz Carlos Bresser-Pereira,ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, eda Ciência e Tecnologia, destaca que, no Brasil, dasdez agências reguladoras que existem, apenas a deenergia elétrica e a de telecomunicações merecemesse nome, porque devem estabelecer preços emmercados não-competitivos.

Em artigo publicado no mês passado no jornalFolha de S.Paulo, Bresser-Pereira lembra que essasduas agências foram criadas na época da privatização,um momento em que, segundo ele, era essencial aautonomia política real aos seus diretores. Para o ex-ministro, já naquela época não fazia sentido dar auto-nomia política às agências dos setores de petróleo,cinema, água, transportes, medicamentos, provedoresde sistema de saúde privados e também do tráfegoaéreo. “Dar autonomia política a essas agências, alémde ser antidemocrático, é perigoso”, escreveu.

Um estudo feito pela Sobeet mostra que o arca-bouço regulatório tem favorecido o investimentodireto estrangeiro no país. Apesar do câmbio valoriza-do, que encarece os insumos importados e desfavore-ce as exportações, nos últimos três anos cresceram osinvestimentos estrangeiros no País.

Do fim de 2003 a junho de 2007, o investi-mento direto estrangeiro acumulado em 12 mesesaumentou de US$ 10,1 bilhões para US$ 32,3 bi-lhões. No mesmo período, a taxa de câmbio dodólar variou de R$ 2,90 a R$ 1,93 e o horizonte éde estabilidade. Quanto mais claras e estáveisforem as regras, mais investimentos de longamaturação virão para o País. Por isso, as agênciasreguladoras interferem mais no projeto de investi-mento do que o câmbio”, diz Lima, da Sobeet.

Na avaliação da CNI, a qualidade e a eficáciadas ações reguladoras são fatores determinantespara a realização de investimentos privados delongo prazo de maturação. No Brasil, onde hácrescente deterioração da oferta e da qualidadeda infra-estrutura, a crise fiscal do Estado nãopermite indefinições. Dados do Banco Mundialrevelam que o risco regulatório ainda é alto noBrasil. Em investimentos de infra-estrutura, orisco embutido é, em média, duas vezes maior doque no México e no Chile e que a participaçãoprivada em infra-estrutura no Brasil está abaixoda média da América Latina e da maioria dospaíses emergentes.

COSTA: tentativade mudar as

regras dedemissão de

dirigentes

BRESSER-PEREIRA:autonomia deveriaser restrita asetores commonopólio natural

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CONSTRUÇÕESem Cancún, noMéxico: queminveste no paísenfrenta metadedo risco de queminveste no Brasil

A CNI representa tanto os investidores priva-dos que se comprometem com contratos de 20,50 anos quanto os consumidores industriais deempresas com interesse em qualidade e preçoscompetitivos. O elo que une esses dois segmentosé a segurança regulatória. Portanto, as agênciasrepresentam proteção para os usuários em relaçãoa preço e qualidade do serviço prestado, e previsi-bilidade para os investidores.

O diretor-presidente da Aneel relata que, naArgentina, a extinção da agência que regulava o setorde energia culminou no racionamento que o país vivehoje. Para controlar a inflação argentina, as tarifasforam congeladas. Sem função, a agência foi extinta.Foi o suficiente para que se cancelassem investimentos.

Fernandes, da CNI, destaca que há cincoregras básicas para que uma agência reguladora, dequalquer setor, seja eficiente. A primeira é quetenha independência decisória. “Uma agência éum órgão de Estado e não de governo”, diz. Emsegundo lugar, a agência deve ter autonomiafinanceira. O terceiro quesito é dar uma delimita-ção precisa para suas funções. Também é impor-tante transparência na sua atuação. A quinta regraé a exigência técnica. “A escolha dos diretores efuncionários tem de ser a mais meritocrática pos-sível, sem interferência política”, defende.

Na avaliação da CNI, a nova versão do substitu-tivo do deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), orelator do Projeto de Lei que regulamenta a atuaçãodas agências, apresenta avanços em relação ao textoanterior. Houve melhoria na caracterização da auto-nomia das agências. O novo texto também propõeum controle externo sem a interferência do Tribunalde Contas da União (TCU) no mérito das decisões.

O principal problema do substitutivo, para aCNI, está no processo de outorga. O texto atribuiàs agências apenas a responsabilidade da fiscaliza-ção. A CNI defende que a modelagem dos contra-tos, a elaboração do edital, a licitação e a ediçãodos atos de outorga devem ser também atribuiçõesdas agências. Com os ministérios deveria ficar apolítica setorial e o plano de outorga. Portanto, naopinião da entidade, as regras devem ser estáveis etecnicamente construídas sem sofrer a influênciada conjuntura política.

Entre as outras questões que também merecematenção está a autonomia financeira que, segundo aCNI, requer mecanismo para ser assegurada. O dire-tor-presidente da Aneel contou que, somente em2006, a arrecadação com taxas de fiscalização de ser-viços de energia elétrica atingiu R$ 330 milhões. Noentanto, apenas 36% desse valor foram para a agên-cia. O restante foi bloqueado pelo governo.

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SETEMBRO 200734 INDÚSTRIA BRASILEIRA

O momentode mudarAlíquota da CPMF poderia cair pela metade, graças aosrecordes de arrecadação federal, mas o governo insisteem renovar, pela terceira vez, o tributo provisório

POR ENIO VIEIRA

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TRIBUTAÇÃO

POUCOS TEMAS ECONÔMICOS CONSEGUEM HOJE

receber uma quantidade tão grande de críticascomo a Contribuição Provisória sobre Movi-mentação Financeira (CPMF). Em vários esta-dos, o setor empresarial se mobilizou contra aproposta de conseguir sua renovação pela tercei-ra vez no Congresso Nacional. A cobrança daCPMF acaba no final de 2007 e precisa de umaprorrogação por emenda constitucional paracontinuar a existir. De sua parte, o Ministério daFazenda resiste às queixas e defende com vee-mência que o governo não pode perder receitas.A CNI, no entanto, avalia que esse tributo pode-ria ser extinto ou ter sua alíquota reduzida dosatuais 0,38% para 0,2% já em 2008.

Pela estimativa da CNI, a receita líquida dogoverno deve crescer R$ 46 bilhões no próximoano. Esse valor supera o volume de R$ 39 bi-lhões previstos com a CPMF. Portanto, o pró-prio aumento de arrecadação é capaz de suprir aausência do tributo que incide nas transações

financeiras. “Com a CPMF, o governo achará umaforma de criar novas despesas e não de cortar gas-tos, o que seria necessário”, diz o gerente-executi-vo da Unidade da Política Econômica da CNI,Flávio Castelo Branco. Embora tenha alíquotabaixa, a receita da CPMF representou 1,38% doProduto Interno Bruto (PIB) em 2006, mais doque a parcela de 1,22% do Imposto sobreProdutos Industrializados (IPI).

Um dos argumentos do governo é que o modelo da CPMF permite o combate mais efi-caz da sonegação e da informalidade. A Secretariada Receita Federal utiliza os dados da contribuiçãopara verificar quanto empresas e pessoas físicasmovimentam e se os valores são compatíveis comos demais impostos pagos. Segundo CasteloBranco, porém, os sistemas tributários no mundopossuem mecanismos de fiscalização que prescin-dem de impostos de movimentação financeira.Alguns defensores da CPMF alegam que seria pos-sível reduzir a alíquota da CPMF para um pata-mar simbólico de 0,01%, que assim registraria astransações no mercado financeiro.

Especialista em finanças públicas, o economis-ta Amir Khair afirma que a CPMF possibilita ocruzamento de cadastros de empresas e pessoasfísicas pelo fato de ser um tributo obrigatório emqualquer operação financeira. “É um balizadorpara a Receita Federal medir os outros impostos”,diz ele, que defende uma redução da alíquota de0,38% ao longo de cinco anos até chegar a umvalor de 0,01%. Assim, o governo federal não teriaum impacto forte de arrecadação. “Se olharmos acarga tributária do Brasil, o peso maior é oImposto sobre Circulação de Mercadorias eServiços (ICMS) que têm alíquotas elevadas paraenergia elétrica, telefonia e combustíveis.”

Segundo a Receita Federal, a carga tributáriado Brasil subiu no ano passado de 33,38% doPIB para 34,23%. A estimativa de Khair é quehaja uma elevação de um ponto percentual em2007, em vista do maior crescimento da ativida-de econômica. O que mais influenciou a alta de2006 foi o Instituto Nacional de SeguridadeSocial (INSS) com 0,29 ponto percentual e oICMS com 0,18. O setor público (União, estadose municípios) arrecadou R$ 795,01 bilhões em

36 INDÚSTRIA BRASILEIRA SETEMBRO 2007

2006, bem acima dos R$ 716,97 bilhões em 2005.A arrecadação de CPMF subiu de R$ 29,15 bi-lhões (1,36% do PIB) para R$ 32,06 bilhões(1,38%) no ano passado.

O Instituto Brasileiro de PlanejamentoTributário (IBPT) calculou o peso da CPMF no bolso dos contribuintes e consumidores.Segundo o advogado tributarista Gilberto doAmaral, do IBPT, cada brasileiro vai pagar, emmédia, R$ 187,95 de CPMF em 2007. Esse valor

é mais do que os R$ 171,76 desembolsados noano passado e muito acima dos R$ 42,23 por pes-soa em 1997, quando o governo federal iniciou acobrança do tributo com o argumento de quefinanciaria a área de Saúde por tempo determina-do. No consumo, o imposto do cheque correspon-de atualmente a 1,7%, em média, do preço finalde mercadorias e serviços. Os produtos de maiorvalor agregado têm maior incidência, porque acadeia produtiva é mais complexa.

A trajetória da CPMF é recheada de idas evindas que expõe o emaranhado do sistematributário. A primeira tentativa foi o ImpostoProvisório sobre Movimentação Financeira(IPMF), com uma alíquota de 0,2% ecobrança entre agosto de 1993 e o final de1994. A idéia desse tributo hibernou nosanos seguintes, até ser encampada peloministro da Saúde, Adib Jatene.

Ficou marcada a imagem de Jatenetentando convencer os parlamentares emvisitas ao Congresso Nacional. A primeiraversão da CPMF começou em janeiro de

UMA HISTÓRIA DE REMENDOS

CPMF FOI CRIADApara financiar a

Saúde, mas partedas receitas é usada em

outras áreas

Receitas cada vez maiores(IPMF/CPMF, em R$ milhões)

FONTE: IBPT COM DADOS DA RECEITA FEDERAL. * PREVISÃO.

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007*

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162 1

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26.432

23.047

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TRIBUTAÇÃO

1997, também com alíquota de 0,2%. A proposta era que durasse apenas dois anos e fosse destinada apenas para a Saúde. A Receita Federal gostou do modelo, por contada facilidade de arrecadação junto aos bancos.

Em 1999, em meio à crise da desvalorizaçãodo real, o governo arrancou uma aprovaçãopolêmica no Congresso Nacional. Osparlamentares aceitaram a prorrogação com oargumento de que o País estava em apurosfinanceiros e elevaram a alíquota para 0,38%. Masdividiram o percentual: 0,2% para a Saúde e0,18% para a Previdência Social. De junho de

2000 a março de 2001, a alíquota caiu para 0,3%.O então senador baiano Antônio Carlos

Magalhães (DEM-BA) condicionou aprorrogação em 1999 a um dispositivo quedestinou 0,08%, a partir de março de 2001, aoFundo de Combate e Erradicação da Pobreza.Com isso, a alíquota voltou a 0,38%.

A segunda prorrogação veio em dezembrode 2003, com validade até o final de 2007.Apesar de haver sido criada para a área social,o governo utiliza 20% da CPMF em outrasáreas por conta da Desvinculação de Receitasda União (DRU).

O consultor financeiro Miguel de Oliveiraaponta os defeitos da CPMF nos empréstimos enos investimentos. Segundo ele, uma operaçãode crédito gera duas cobranças da contribuição:uma no momento em que o banco libera odinheiro e outra quando o devedor saca os recur-sos para quitar as parcelas do empréstimo. “Ogoverno vem estudando isentar de CPMF osempréstimos. Será algo benéfico”, diz Oliveira.Há dois anos, o governo criou a chamada conta-investimento com a qual se pode mudar de umaaplicação em ações para títulos públicos sempagar o imposto do cheque. A cobrança só ocor-re no saque final do investimento.

Os investimentos financeiros sofrem com aincidência de tributos sobre movimentação finan-ceira. Oliveira fez um estudo mostrando que aCPMF consumia, em média, 23% do rendimen-to mensal de um fundo de renda fixa, os conheci-dos FIFs, no ano de 1997. Naquela época, os juroseram altíssimos e compensavam quaisquer efeitosde impostos sobre os ganhos dos investidores.Hoje, segundo ele, a CPMF abocanha quasemetade do rendimento. Há, portanto, perda deatratividade das aplicações financeiras devido aopeso da tributação. Esse foi um fenômeno registra-

do em outros países que adotaram os chamadosimpostos sobre débitos bancários (IDBs).

Analista do Banco Central e hoje professorda Universidade de Minnesota Duluth nosEstados Unidos, o economista Pedro Albuquer-que analisou as experiências internacionais detributos semelhantes à CPMF e os efeitos dessemodelo no mercado brasileiro. Entre 1984 e1990, a Suécia adotou um imposto para os mer-cados de ações e títulos. Os resultados foramcatastróficos: metade das operações no paísmigrou para o exterior, sobretudo Inglaterra, e abase de arrecadação encolheu. E houve aumen-to das taxas de juros de mercado.

Na América Latina, os IDBs foram criados emmomentos de crise econômica para aumentarrapidamente a arrecadação. As alíquotas variaramde 0,2% a 2% e foram utilizadas em países comoArgentina, Peru, Venezuela, Colômbia e Equador.A experiência argentina durou apenas de 1989 a1992, e houve uma fuga de recursos para o vizi-nho Uruguai. No Brasil, segundo Albuquerque,a CPMF funcionou melhor em comparação aesses países porque o mercado financeiro é maissofisticado e os brasileiros operam menos comcontas no exterior.

A TAXA DE INVESTIMENTOS DO BRASIL A PREÇOS CONSTANTES, EMBORA CRESCENTE, AINDA É INFERIOR À DE UMA DÉCADA.Projetamos que a relação entre investimentos e Produto Interno Bruto (PIB) atinja 17,4% nesteano, comparada aos 19% registrados em 1997 e 1998. Os investimentos brasileiros no exterior,ao contrário dos internos, são recordes. No ano passado saíram US$ 29,3 bilhões, o maiormontante de todos os tempos.

38 INDÚSTRIA BRASILEIRA SETEMBRO 2007

O investimentono exterior éestratégico

Em 2006, pela primeira vez, a conta de inves-timento direto ficou negativa no País: o que saiusuperou largamente o que entrou, resultando numdéficit de US$ 9,4 bilhões de dólares. Apenas acompra da canadense Inco pela Vale do Rio Doceimplicou remessa de US$ 13,7 bilhões.

Entre 2004 e 2006, a média do investimentobrasileiro no exterior (saídas) foi de US$ 14,8 bi-lhões, contra US$ 2,6 bilhões nos três anos an-teriores. Além da mencionada operação da Vale,pode-se destacar o investimento da Ambev em2004, da ordem de US$ 4,9 bilhões.

Não há dúvidas que estamos falando de umanova tendência na economia brasileira, impor-tante de ser analisada e entendida. Nos últimostrês anos, catalogamos mais de 120 empresasbrasileiras que começaram a se mover para o exterior, algumas de forma bastante agressiva. A maioria é do setor industrial.

Mesmo empresas médias começam a participardo processo. Um bom exemplo é a Olsen, umaempresa catarinense que fabrica equipamentosmédicos e odontológicos, que vai se instalar nesteano nos Estados Unidos, inicialmente com umescritório e logo em seguida com uma fábrica.

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

A Metalfrio comprou uma fábrica no México e vai abrir outra unidade na Turquia.

Antes de prosseguir, é necessário esclarecer quenão estamos aqui olhando a questão do ponto devista do fluxo cambial, em que o investimentodireto líquido tem sido muito menos importanteque o saldo comercial (ao contrário do que ocorriano fim dos anos 1990). Muitas operações, como ada Vale, são cobertas por concessão de crédito noexterior. Outras, como a da Ambev, representamuma troca de ações, sem impacto cambial.

Estamos neste artigo olhando a questão doponto de vista macro, da taxa de investimento daeconomia e do ponto de vista micro, da interna-cionalização das empresas brasileiras. Neste últimoponto, o investimento no exterior representa umaterceira fase do processo, que vem depois dainternacionalização das vendas, via exportações, e éconcomitante à internacionalização dos suprimen-tos, via importações de partes, peças, conjuntos,máquinas e produtos finais.

Por que as empresas hoje investem tanto lá fora?Acredito que a resposta comporte pelo menos

sete partes. Em primeiro lugar, muitos investi-mentos são feitos para dar suporte às exportações.

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ANÁLISE

FRAS-LE (GRUPO RANDOM)Vai instalar centros de distribuição nos Estados Unidos e na Argentina e escritórios no Chile, noMéxico, na Alemanha, nos Emirados Árabes,na África do Sul e na China

COTEMINAS (62%) E SPRINGS (38%)Vão instalar duas fábricas na China

TIGREVai instalar uma fábrica no estado de Wisconsin e outra no Equador

EMBRACOVai instalar duas fábricas na China

GERDAUComprou a Siderurgia Tultitlán, no México. Já tem plantas nos Estados Unidos, Canadá, Colômbia, Chile, Argentina, Uruguai e Peru,e 40% do Grupo Sidernor, da Espanha

VOTORANTIMComprou a Siderurgia Paz del Rio, na Colômbia

DÂNICAEstá construindo uma fábrica de câmaras frigoríficas no México, depois de ter instalado fábricas no Chile, Peru e Argentina

LUPATECHComprou três empresas na Argentina: Itasa, Válvulas Worcester e Esferomatec

COMPANHIA BRASILEIRA DE CARTUCHOSComprou a MEN, da Alemanha

METALFRIOVai instalar uma fábrica na Turquia. Comprou arefrigeração Nieto, no México

VICUNHAComprou La Internacional, produtora de índigo no Equador

ARTECOLAComprou a chilena Artiquim, a argentina Asequim e aperuana Pegamentos Sintéticos

SÃO PAULO ALPARGATASComprou 31,45% da Alpargatas Argentina

MUNDIALConstituiu a Mundial Asia, com sede em Hong Kong, para contratar e coordenar a produção de talheres eferramentas na China, cortadores de unha na Coréia doSul e panelas e baixelas na Índia; desses países, exportarápara a Europa, Estados Unidos e América do Sul

COOXUPÉAbriu com sócios belgas e chineses a segundacafeteria em Xi´an, na China

BERTINAbriu fábrica para processamento de couros acabados esemi-acabados em Guanding, na China, com sócio local

FRIBOIComprou a operação da Swift nos Estados Unidos eAustrália; já era dona da Swift na Argentina

MARFTIGComprou três frigoríficos no Uruguai; tem umaunidade no Chile e outra na Argentina

VULCABRÁSComprou na Argentina a fábrica de calçadosdesportivos Indular Manufacturas

VALE DO RIO DOCEComprou 51% da mina Belvedere, na Austrália eanunciou a intenção de ficar com 100% da empresa

OO QQUUEE AASS EEMMPPRREESSAASS BBRRAASSIILLEEIIRRAASS EESSTTÃÃOO FFAAZZEENNDDOO NNOO EEXXTTEERRIIOORR

PARA FORA

40 INDÚSTRIA BRASILEIRA SETEMBRO 2007

De fato, a partir de certos volumes, as empresascomeçam a montar escritórios de representação,centros de distribuição, assistência técnica etc.Entre outros, este é o caso da Embraer e da Fras-le.

Mais recentemente, muitas empresas partirampara reforçar suas marcas, ao invés de apenasproduzir para terceiros. É o caso da calçadista ViaUno que exporta seus produtos para abastecercerca de 80 franquias no exterior. A Arezzo, domesmo setor, tem 11 lojas lá fora e anunciourecentemente um acordo para abastecer mais de300 lojas de um varejista na China. A Alpargatas,por sua vez, montou um programa agressivo paratransformar as havaianas numa marca mundial.Entre outras coisas, está abrindo um escritório emNova York e um centro de distribuição no Japão.

Em segundo lugar, algumas vezes o fornecedortem de investir para ficar perto do seu cliente,especialmente quando uma indústria montadoratrabalha com o sistema just in time, caso do setorautomotivo. O caso mais conhecido aqui é O quefaz a Sabó?, que há vários anos tem plantas naArgentina, Áustria, Hungria e Alemanha, além deinúmeros escritórios ao redor do mundo. Com orenascimento da indústria automotiva, vai dupli-car a fábrica Argentina e elevar em um terço acapacidade na Áustria. Está construindo umafábrica nos Estados Unidos e montará centrostécnicos na França, China e Japão.

Outro caso de proximidade do comprador é oda Marcopolo. Mas aqui também tem relevância acompensação pela perda da competitividade doBrasil. Uma parte dos investimentos brasileiros naAmérica Latina tem esta mesma motivação, agorareforçada pelo crescimento muito mais vigorosoem muitos países da região. Por exemplo, a

Artecola, que já fabrica adesivos para calçados noMéxico, Colômbia e Argentina, comprou nesteano uma fábrica no Chile, mais uma na Argentinae outra no Peru.

Em terceiro lugar, vem o esgotamento dasoportunidades apresentadas pelo mercadointerno: quando a participação no mercado localcomeça a bater em certos limites, a solução é partirpara o exterior. Este é claramente o caso jámencionado da Ambev; também é o que explicaos investimentos do grupo Votorantim e váriosoutros na área de cimento na América do Norte.É claro que o baixo crescimento recente daeconomia brasileira acelera esse movimento eminúmeros outros setores, como na construçãopesada, gestão de estradas etc.

Em outros casos, a mola impulsora é a reduçãode risco e do custo de capital. O exemplo mais claroaqui é o da Vale do Rio Doce: para crescer ecompetir, a companhia necessitava de grandesvolumes de recursos a custos baixos, o que só podiaocorrer no mercado internacional. Entretanto, omercado avaliava que a forte concentração de ativosnum único país representava risco, o que levou aomovimento de realizar importantes investimentosno exterior. Com a diversificação de base territorialde ativos e produtos, o custo do capital caiu.

Uma quinta razão para investir no exteriordecorre da necessidade de pular barreiras comerciais.O fiasco da política comercial do Itamaraty nosúltimos anos agravou o quadro. É o que explica osinvestimentos em plantas de desidratação de álcoolno Caribe, dos projetos têxteis no Chile e naAmérica Central, de plantas no México (WEG eDanica, por exemplo), todos buscando acessopreferencial ao mercado americano. É também o

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

Investimentos brasileiros diretos no exterior: saídas (US$ milhões)

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10.000

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02003 2004 2005 2006 Jan-Jun 2007

1.9856.180

4.900

3.931

15.609

13.700

7.014

Ambev/ InterbrewVale do rio Doce/Inco

(1) ASSOCIAÇÃO DA AMBEV COM A INTERBREW, COM SAÍDAS NO VALOR DE US$ 4,9 BILHÕES

(2) AQUISIÇÃO DA INCO PELA VALE DO RIO DOCE, COM SAÍDAS NO VALOR DE US$ 13,7 BILHÕES

FONTE: MB ASSOCIADOS CONSULTORIA ECONÔMICA

2003 2004 2005 2006 Jan-Jun 2007

Participação no capital 1.707 7.796(1) 3.875 24.416(2) 5.279

Empréstimosintercompanhias 279 3.284 57 4.893 1.736

Total 1.985 11.080 3.931 29.309 7.014

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caso de investimentos no setor de aço nos EstadosUnidos (Gerdau, CSN, Vale).

Em alguns casos a busca do acesso a mercados éreforçada pela necessidade de reposicionamento dasempresas frente a uma reestruturação global daindústria. É caso do aço e certamente também daindústria têxtil: as associações da Santista com aTavex e da compra da Springs pela Coteminas sãomovimentos ofensivos que buscam responder àsameaças provenientes da indústria têxtil asiática.Um caso bem recente e muito interessante é o daindústria de carnes: o aparecimento de casos devaca louca e de febre aftosa na Europa e nos EstadosUnidos alterou de forma muito importante ofornecimento mundial, abrindo um espaço que oBrasil aproveitou muito rapidamente. De fato,estamos nos transformando no maior ofertante decarnes no mercado mundial. A indústria nacionalestá melhorando sua governança, e as maioresindústrias começaram a investir no exterior, sejapara dar suporte às exportações, seja paradiversificar seu suprimento. Assim, Friboi, Marfrig

ANÁLISE

e Bertin têm investimentos na América do Sul,Estados Unidos e Europa.

Finalmente, e esta razão tem tido importânciacrescente, em muitos casos os investimentosbuscam compensar perdas de competitividade daprodução nacional. Isso vai além da questão docâmbio e dos juros, incluindo os crescentes custostributários, trabalhistas, a deterioração contínuada infra-estrutura, a má regulação etc. Muitosprojetos de investimento no exterior visam gerarsuprimentos para as plantas brasileiras, oumesmo atender clientes externos a partir de basede produção no exterior. A nova onda de inves-timentos na Argentina e China tem esta lógica.Parte da reestruturação do setor de calçados viráde investimentos no exterior, além do jámencionado setor têxtil.

Os movimentos acima apontados melhoram asempresas e, como tal, são bem-vindos. Entretanto,em muitos casos o nosso PIB potencial e oemprego crescem muito menos do que seriapossível de outra forma.

José Roberto Mendonça de Barros, economista, com a equipe da MB Associados Consultoria Econômica

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FÁBRICA DAGERDAU nosEstados Unidos: aempresa foi umadas pioneiras nainternacionalização

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Jorge Machado Mendes, presidente da Fiema, diretor da CNI.

JORGE MACHADO MENDES

Integração parao desenvolvimentoFerrovias e hidrovias devem aumentar o intercâmbioeconômico dos estados do Corredor Centro-Nortecom o restante do Brasil e o mercado internacional

O 13º ENCONTRO SOBRE O CORREDOR CENTRO-Norte reuniu no ano passado, em São Luís, umgrupo de importantes lideranças empresariais epolíticas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. As discussões resultaram na proposta para atransformação do Corredor numa grande área dedesenvolvimento. Inicialmente, o projeto foi con-cebido como uma teia complexa de transportemultimodal (ferrovias, rodovias e hidrovias) para aexportação de produtos minerais e agropecuáriosdas três regiões brasileiras que o integram. A infra-estrutura implantada é fator preponderante para oestabelecimento de novos arranjos e cadeias pro-dutivas que se encontram nas regiões.

A exploração de minério de ferro da Serra dosCarajás, no Pará, permitiu a implantação de umainfra-estrutura importante ao longo dos últimos25 anos. A partir desse projeto, foram criados ocomplexo portuário do Itaqui e a Estrada de FerroCarajás. Na última década, começaram as obraspara construção da Ferrovia Norte-Sul e daHidrovia Araguaia-Tocantins. Também surgiramos eixos rodoviários no sentido Sul-Norte, interli-gando o Planalto Central do Brasil às regiõesNorte e Nordeste. Esses são os principais eixos doCorredor Centro-Norte.

Visualizadas em conjunto, as ferrovias,hidrovias e rodovias demarcam uma grandeárea de influência que, além da atividade demineração, estimulam diversos projetos econô-micos do setor privado brasileiro. Um dos des-taques é o agronegócio da soja e da pecuária.Essas atividades já contam com um caminhomais favorável de saída para o mercado interna-

cional por meio do Porto do Itaqui, que temvantagens competitivas notórias em relação aosdemais portos brasileiros.

Os estados que abrigam o Corredor Centro-Norte estão unidos em torno de sua consolida-ção, formulando e adotando políticas comunsde interesse econômico. As cidades podem sefortalecer como centros prestadores de serviços eabrir espaço à iniciativa privada para agregarvalor a produtos regionais por meio da indus-trialização. Haveria assim uma definitiva e sus-tentada integração à economia nacional detodos os setores produtivos.

Tais objetivos exigem de governos e agenteseconômicos a adoção de políticas comuns para oagronegócio (a grande vocação regional) e políticasindustriais de consenso, que estimulem o investi-mento das empresas e atendam à demanda nacio-nal e à exportação. Políticas consistentes de atraçãode investimentos podem assegurar o desenvolvi-mento equilibrado e compatível com os recursos ea vocação natural de cada estado.

Para tanto, é fundamental concluir e moder-nizar a infra-estrutura do Corredor Centro-Norte com a Ferrovia Norte-Sul, a HidroviaAraguaia-Tocantins, o Porto de Itaqui e osgrande eixos de rodovias, como a Belém-Brasília . Essa será uma decisão estratégica que,ao incorporar um patrimônio incomensurável àatividade produtiva nacional, permitirá aoBrasil operar uma economia regionalmenteintegrada, competitiva e capaz de gerar maisrenda e desenvolvimento para um número bemmaior de brasileiros.

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Jorge Côrte Real, presidente da Fiepe, diretor da CNI.

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AJORGE CÔRTE REAL

O MAPA ESTRATÉGICO DA INDÚSTRIA 2007-2015da CNI coloca a educação entre os fatores básicosdo desenvolvimento sustentado e de longo prazono Brasil. Ali, destaca-se a influência da educaçãoem seus vários níveis e categorias, distinguindo-sea importância do Ensino Básico, da inclusão digi-tal, da qualidade e adequação do EnsinoSuperior, do papel transformador da culturaempreendedora e, bem assim, da instrução pro-fissional e tecnológica.

A forte manifestação do pensamento empresa-rial brasileiro sobre a relevância do conhecimentopara modernização do setor produtivo, tarefa queteremos de enfrentar de modo inevitável e defini-tivo a partir de agora, gera expectativas concretasde mudanças nesse setor crítico para as transfor-mações fundamentais necessárias ao resgate docrescimento econômico e à promoção do bem-estar social no Brasil.

Estamos atrasados no campo da educação,relativamente a muitos dos nossos concorrentes,com graves conseqüências para a produtividade,para o emprego, para a geração de renda e para apaz social. A escolaridade média de nossa popula-ção está abaixo do que se observa na Coréia do Sule em Taiwan e mesmo em países da América doSul como o Chile e a Argentina.

Nossas deficiências se refletem em alguns parâ-metros chaves da competitividade, a exemplo denossa capacidade produtiva, que se situa bem abai-xo da Índia e da China. Também se manifesta noconteúdo tecnológico das exportações: 13%, con-tra 20% no México e um índice superior a 30%na Coréia e na China.

O nível qualitativo que se pretende alcançaré ainda mais relevante para estados, comoPernambuco, que lutam contra as desigualda-des regionais, fincadas em raízes históricas, comsérias implicações para o próprio acesso à edu-cação de qualidade. A importância dos investi-mentos educacionais se revela de grande impor-tância no momento atual em nosso estado. Está se concretizando a instalação de empreen-dimentos estruturadores como a RefinariaAbreu e Lima, parceria da Petrobras com avenezuelana PDVSA, e o Estaleiro AtlânticoSul, ambos com expressiva demanda de mão-de-obra qualificada.

A questão do conhecimento tornou-se decisivapara garantirmos espaço aos pernambucanos den-tro do novo mercado de trabalho. É essencial apermanente capacitação empresarial e da mão-de-obra. O Sistema Fiepe tem atuado no atendimen-to às demandas que surgem, preparando o traba-lhador e a indústria. Somente nas escolas doSENAI, estão sendo investidos mais de R$ 11milhões, em modernização de estrutura e equipa-mentos, respondendo de maneira eficaz aosanseios dos que buscam participar, direta ou indi-retamente, dessas oportunidades.

As ações voltadas à educação, no entanto, exi-gem um esforço maior, envolvendo principal-mente o setor público. O empresariado moder-no está engajado na missão de contribuir para o aperfeiçoamento da educação no País, mastambém está alerta na cobrança de medidas que,de maneira definitiva, façam o Brasil se consoli-dar na Era do Conhecimento.

O Brasil na erado conhecimento Todos os estados podem contribuir para o desafio de melhorar a qualidade da educação brasileira nos próximos anos

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CULTURA

Exposições, descoberta de obras inéditas,digitalização de arquivos e até um desenhoanimado marcam o centenário da pintoraFrida Kahlo, que não queria ter nascido em 1907

POR CARLOS HAAG

Aniversárioa contragosto

Um século depois, ela ainda é associada à contestação. Em julho, na abertura da exposição em suahomenagem no Museu do Palácio de Belas Artes, na cidade do México, uma multidão aproveitou oevento para se manifestar contra o presidente Felipe Calderón. “Se estivesse viva, Frida estaria conos-co!”, foi um dos gritos entoados pelos descontentes do lado de fora do museu, onde estão expostas354 obras, entre as quais 65 óleos, 45 desenhos, 11 aquarelas e várias gravuras, sem falar de centenasde fotografias e cartas com textos e desenhos da pintora. É a maior mostra de Frida Kahlo de que setem notícia, que seguirá em turnê por museus americanos e europeus.

SE DEPENDESSE DA PRÓPRIA FRIDA KAHLO (1907-1954) VOCÊ NÃO ESTARIA LENDO ESTE TEXTO SOBRE

o centenário de seu nascimento. A pintora mexicana até a sua morte insistiu ter nascido em 1910. Nãoque quisesse diminuir a idade, afinal era uma mulher de vaidade heterodoxa. Em seus 55 auto-retratos,registrou-se com sobrancelhas grossas como taturanas e o buço que seria melhor descrito como bigode.Manipular o próprio aniversário tinha para Frida uma razão simbólica, como quase tudo em sua vida:desejava que seu nascimento coincidisse com o início da revolução mexicana e a derrubada do presiden-te Porfírio Diaz. Por mais fantásticos que seus quadros nos pareçam, Frida sempre contou a verdade,mesmo embalada em mentira. Daí querer ter sido parida com o novo México.

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A Casa Azul, local onde ela nasceu e morreu, tam-bém abriu suas portas com a mostra Tesouros, comobjetos pessoais e documentos que permaneceramfechados num quarto por mais de meio século. São22.105 objetos inéditos, entre cartas, fotografias,desenhos e roupas. A instituição aproveitou o cente-nário para classificar, restaurar e digitalizar o acervo,que contém 5.387 fotografias, 3.874 revistas, 2.170livros, dezenas de desenhos, além da notável coleçãode 168 vestidos, os célebres costumes Tehuana, demulheres índias, que Frida gostava de vestir e retratarem suas pinturas.

Este ano marca igualmente o cinqüentenárioda morte da grande paixão da artista, o pintor,muralista e ativista político Diego Rivera (1886-

1957). “Sofri dois graves acidentes em minhavida; num deles, o ônibus onde eu estava se cho-cou com um bonde e destruiu meu corpo; o outroacidente é Diego”, costumava dizer a artista, que,ainda assim, nunca deixou de amar o rotundo emulherengo pintor desde que o conheceu, jáfamoso, em 1928. Por anos, Frida Kahlo era ape-nas “a mulher de Rivera”. Hoje Diego é mais fre-qüentemente visto como “o marido de Frida”,numa grande injustiça.

Uma demonstração do estranho amor dos doisestá no quarto recém-aberto na Casa Azul. Foi porvontade do casal que centenas de desenhos e docu-mentos de ambos foram emparedados num dosdormitórios da casa, para serem abertos após anos

A PINTORA EMseu estúdio na

Casa Azul

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da morte dos dois. “Por que escondeu tudo isso?Talvez pela mesma razão que, ao lado das pinturas ecartas, tenha ocultado seus vestidos e objetos pes-soais. Mais do que para não deixá-los à vista dosoutros, foi para que ela mesma não mais os visse”,acredita o crítico de arte mexicano Javier Aranda.Frida Pata de Palo, Friducha, Freiducha, Tu NinaChicuitita, La Chicha, Friedita, La Poderosa, LaMalinche, Fisita, La Malhora (seus muitos apeli-dos) ou apenas Frida Kahlo, antes de morrer, cansou-se de mostrar ao mundo e a si mesma suas entranhas.

Nascida na Cidade do México em julho de1907, Frida era a terceira filha de Guillermo eMatilda Kahlo. O pai, de origem húngaro-judaica,nascido na Alemanha, era o fotógrafo oficial dopresidente Porfírio Diaz. A mãe era espanhola etinha raízes indígenas. Apesar da vida financeira-mente tranqüila da família Kahlo, a existência dapintora foi marcada por muitos traumas: passoupor mais de 30 cirurgias. Aos seis anos, tevepoliomielite, que deixou severas seqüelas. O aci-dente de ônibus, em 1925, destruiu sua pernadireita e a pélvis, condenando-a a conviver, até amorte, com dores atrozes e longos períodos deconvalescença na cama. Num desses repousos,em 1926, pintou seu primeiro auto-retrato, iní-cio de uma longa série em que representava oseventos de sua vida e as reações emocionais quetomavam conta dela.

“Ela nunca teria se transformado em pintora senão fosse o acidente. Entediada por estar confina-da ao leito e também necessitando fazer algo paraajudar a família a pagar o seu tratamento caro,Frida agarrou-se à arte, pintando sua imagemrepetidamente, como uma maneira de criar algoque ela podia realizar de concreto, apesar docorpo fragilizado”, analisa Hayden Herrera, auto-ra da grande biografia da artista, na qual foibaseado o filme Frida. Salma Hayek, que inter-pretou a protagonista, recebeu o Oscar de melhoratriz. Para Herrera, os auto-retratos eram umanecessidade de Frida, uma forma de ela se sentirreal, parte do mundo: “Ela não queria ser esque-cida e seus retratos eram, em geral, presentes paraamigos, uma maneira de ligá-los estreitamente aela. Curiosamente, ao colocar Diego nas telas, ela

o pintou em sua testa, como a dizer que ele esta-va em seu pensamento. Da mesma forma, suaspinturas serviam para que ela ficasse sempre nacabeça das pessoas por quem se interessava”.

Ela encontrou Rivera pela primeira vez em1928, por meio da amiga em comum, a fotógra-fa e revolucionária Tina Modotti. O pintor aca-bara de retornar da França, onde criara ummural e sua fama estava no ápice. Isso atraiu ajovem que, sem saber como lidar com o ícone,expressou o misto de amor e admiração por meio

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COM O MARIDO,Diego Rivera, em 1939

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de piadas ácidas que irritavam Rivera e atiçavamo ciúme da esposa dele, Lupe Marin. Um anodepois, ele já havia descasado, para casar-se comFrida. O clima no México estava se deteriorandopara o novo casal de militantes de esquerda. Em1930, eles se viram quase que obrigados a aceitaro convite para visitar os Estados Unidos, onde,em 1931, foi organizada uma retrospectiva deRivera no Museu de Arte Moderna de NovaYork. A “mulher de Diego” em pouco tempomostrou suas garras artísticas e seu estilo de con-tar a verdade embalada em imagens fantásticas.

Em 1932, depois de um aborto involuntário,ainda se recuperando Frida pinta o seu primeiroauto-retrato revelador, chamando-o cruamente deAborto. Num estilo totalmente diverso do marido,baseado na arte popular mexicana e nas pequenaspinturas votivas conhecidas como retábulos, Fridacomeça a trilhar seu próprio caminho. “Apesardisso, ela não considerava sua arte como sendoimportante, preferindo, por longos anos, ser vistacomo uma personalidade irrequieta do que comouma pintora”, diz Herrera. Bissexual voraz (Rivera

aceitava bem suas investidas em mulheres, massaía do sério quando ela ficava com outroshomens), precursora do feminismo, dona de ati-tudes fortes e mal-vistas em sua época, tambémFrida se intitulava comunista.

“Suas relações com a política, porém, erammuito superficiais. Não creio que fosse efetivamen-te comunista, pois era, em verdade, uma panteísta,apaixonada pelo mundo e todas as criaturas vivas.Ela adorava sacralizar o mundo por meio de suaarte, ao contrário de Rivera, que não se interessavatanto pela natureza, mas pelos rostos, pelo povo,pela história”, explica o escritor mexicano CarlosFuentes. “Eram, literalmente, o grande e o pequenocomplementares, embora, por vezes, o menor possaser muito maior do que o grande. Frida era outradimensão da arte mexicana ao lado da monumenta-lidade de Rivera. Era uma união perfeita”, observa.

Em 1938, o pintor André Breton (1896-1966), que também se apaixonou por Frida,decidiu rotulá-la de “surrealista”, um grande elo-gio vindo do maior teórico do movimento. Maso agrado seria correto? “Não creio. Ela era uma

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FRIDA entreNatalia e Leon

Trotsky, comquem a pintora

se envolveuafetivamente

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pintora do real, uma mulher que só podia reve-lar a sua dor interna por meio da arte. Um filó-sofo grego disse certa vez que se pudéssemosolhar para dentro de nós mesmos, morreríamosde medo diante do que veríamos. Frida olhou epintou o que viu”, acredita Fuentes.

Assim, mais do que espelhos da mulher, Fridadesenhou retratos de sua alma. Em alguns elanos olha impassiva, sua face parecendo-se comuma máscara; em outros, temos representaçõesgráficas de seus órgãos internos, revelando oscorrespondentes estados de seu espírito. A vidade Frida é uma reunião de evidências da lutapara ser honesta consigo mesma, incluindo-se atransferência do nascimento para 1910.

Frida não escondia do marido seus casosextraconjugais, como se jogasse na cara dele quepodia fazer o que queria. Rivera não tivera umaffair com a irmã de Frida? Pouco tempodepois, ela usaria o mesmo quarto em que osdois mantiveram seu romance para amar o revo-lucionário russo exilado Leon Trotsky, ironica-mente trazido ao México por intermediação deRivera junto ao presidente Lázaro Cárdenas, em1936. Fugido da perseguição stalinista, Trotskye a mulher, Natalia, ganharam asilo político e apresença intromissora de Frida, que, no aniver-sário de 58 anos do bolchevique, presenteou-ocom um auto-retrato que trazia a inscrição “ALeon Trotsky com toda a minha afeição”. Efeti-vamente ele o recebeu. Rivera, furioso, deu, aosaber mais tarde do caso, um outro presentepara Trotsky no Dia dos Mortos: uma caveiracom o nome Stalin gravado na testa.

Em 1940, ela e Rivera se separaram. No mesmoano, Trotsky foi assassinado a golpes de picareta, amando de Stalin. O culpado era um grande amigode Frida. Ela foi interrogada pela polícia e, assusta-da, deixou o México para se juntar, nos EstadosUnidos, ao ex-marido, com quem voltou a se casar.De 1944 em diante, sua saúde se deteriorou com asinúmeras operações na coluna e no pé paralisado(por fim, teria a perna direita amputada). Sua repu-tação artística, porém, cresceu.

“Hoje falamos de uma artista ressuscitadaporque, apesar da fama daqueles anos, ela foi

CULTURA

esquecida após sua morte por um longo tempo.Só voltou à luz por causa do movimento femi-nista que decidiu elegê-la como ícone pioneiro,sem levar em conta o seu lado artístico, apenasas ações pessoais”, nota Fuentes. Entretanto,falou-se muito da superfície de suas atitudes epouco se sabia das motivações internas de Frida,tanto que só agora, no ano de seu centenário, foirevelada a extensa correspondência que mante-ve, entre 1932 e 1951, com seu médico e confi-dente, o doutor Leo Eloesser.

O livro Doctorcito querido, que é como inicia-va suas cartas, recém-lançado, preenche lacunasimportantes na sua biografia. “Doutorzinhoquerido: estou para escrever há tempos. Estavatão feliz em dar a luz a um Dieguito que choreimuito ao perdê-lo. Mas isso já passou, não hánada que eu possa fazer a não ser guardar essador comigo e seguir em frente”, confessou aomédico logo após o seu aborto. “O grande lega-do de Frida como artista foi dar aos pintores a‘permissão’ de serem pessoais e auto-biográficose lidar com seus corpos de uma forma aberta,usando a fantasia para cavar trincheiras no seuser”, avalia a biógrafa Herrera.

Em julho de 1954, Frida fez sua última apa-rição pública, participando de uma manifesta-ção contra a derrubada do presidente esquerdis-ta da Guatemala, Jacobo Arbenz. Naquelamesma noite, morreu durante o sono, provavel-mente vítima de embolia, embora existam sus-peitas de que tenha se matado ou de que tenhasido envenenada pelas amantes de Rivera.“Espero que o fim seja alegre e espero que nuncamais retorne”, foi a última frase que anotou emseu diário. Retornou, porém, de um modo quedificilmente imaginou.

Frida Kahlo é agora uma marca do magnatada moda Carlos Dorado, que comprou o direi-to de seus descendentes. Vende tequila, sabone-tes, tênis, cutelaria, produtos de beleza e cerâmi-cas. Em outubro, estréia o desenho animado O Tigre, inspirado em Frida e Rivera, seguindoa linha das Meninas Superpoderosas. Talvez Fridaestivesse certa: 2007 não é um bom ano para oseu centenário.

50 INDÚSTRIA BRASILEIRA

UMA NOVA FRANÇAO presidente Sarkozy rompe com o perfil e a tradiçãodos presidentes do país, na política e na vida pessoal

Danuza Leão, colunista da Folha de S. Paulo

PELA PRIMEIRA VEZ A FRANÇA TEM NA PRESIDÊNCIA

um casal que não tem suas raízes no que chamama França profunda. Nicolas Sarkozy é filho de paihúngaro e mãe judia, convertida ao catolicismo. Esua bela mulher, Cecilia Maria Sara Isabel, é filhade mãe espanhola e pai de origem cigana; ela foimanequim, toca bem piano (chegou a receber umprêmio no conservatório), mede 1m78. E decla-rou numa entrevista não ter uma só gota de san-gue francês nas veias, o que na França é considera-do quase um insulto.

Seu primeiro marido era animador de televisão eo casamento foi realizado pelo então prefeito deNeuilly, na época Sarkozy, que quando a viu, se apai-xonou perdidamente. Determinado, passou os qua-tro anos seguintes tentando conquistá-la – e conse-guiu. Quando Cecilia deixou o marido já tinha duasfilhas, uma de dois anos, a outra com seis meses, eSarkozy separou-se da mulher com quem tinha doisfilhos; os dois se casaram e, juntos, tiveram mais um.

Mas o casamento não foi um conto de fadas.Em 2005, Cecilia desapareceu e passou um mêsem Nova York com um conhecido publicitáriofrancês, e Paris Match deu capa com a foto dosdois; durante a separação, Sarkozy teve um affaircom uma jornalista do Figaro. Mas ela voltou, ocasal se reconciliou, e não se falou mais do assun-to. Nas últimas eleições, dez dias antes do segun-do turno, Cecilia desapareceu e não votou. Masesteve presente na comemoração da vitória, naPlace de la Concorde, vestindo Prada e calçandosapatos balerina; é bem mais alta do que o mari-do, que não declara sua altura, mas que dizem ter

1m70 – talvez ainda menos.Eleito um dos homens mais elegantes do mundo,

junto com David Beckham e Brad Pitt, Sarkozy nãobebe álcool. Irritou o Partido Socialista ao convidar asmaiores cabeças para participar de seu governo.Detalhe: todos aceitaram.

Seu ministério é pequeno: são apenas 15 titu-lares, oito homens e sete mulheres, sendo quealguns nunca tinham exercido um cargo público.Ele tem cumprido, com a rapidez que lhe é pecu-liar, todas suas promessas de campanha. Umadelas: se um menor cometer um crime, será puni-do com a pena que a lei impõe; se reincidir, a penaserá dobrada; e se vier a cometer ainda mais umcrime, a pena será triplicada. A França, que não semexe há vários anos, está apoiando o novo presi-dente – menos os socialistas, é claro, que estãofuriosos com a debandada que está havendo nopartido. Sua última proposta foi em relação aosque cometem crimes de pedofilia, para os quais apena seria a castração “química”.

Apesar de ele telefonar 20 vezes por dia parasua mulher, não há dúvida que ela vai dar traba-lho, pois seu perfil é bem diferente das últimas pri-meiras damas da França; nada a ver com Yvonnede Gaulle, Claude Pompidou, Anne Aymone,Danielle Mitterrand e Bernadette Chirac. Cecilianão tem o menor constrangimento em se declarar,em entrevistas, livre e politicamente incorreta.

Mas convenhamos: não existe delicadezamaior da parte de uma mulher que é mais alta queo marido, do que não usar salto alto. E isso Cecilianunca deixa de fazer.

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