boletim uaem brasil 20-10-16

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ACESSO A MEDICAMENTOS UM OBJETIVO, PERSPECTIVAS DIVERSAS boletim Out/16 NESTA EDIÇÃO: Patentes e acesso a medicamentos Assistência Farmacêutica no SUS Acesso a medicamentos para Hepatite C Notícias internas, eventos e mais...

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ACESSO A

MEDICAMENTOSUM OBJETIVO, PERSPECTIVAS DIVERSAS

boletim

Out/16

NESTA EDIÇÃO:Patentes e acesso amedicamentos

AssistênciaFarmacêutica no SUS

Acesso a medicamentospara Hepatite C

Notícias internas,eventos e mais...

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Notas EVENTOS E OPORTUNIDADES:

21ª Conferência Mundial de Médicos da Família – WONCA: inscrições ainda abertas pelo site: http://www.wonca2016.com/index.php

Seminário #GovernoSemVoto discute o golpe no SUS: 24 de outubro, às 19h30, na sede do Instituto Pólis, no centro de São Paulo; com transmissão ao vivo, link na página: https://www.facebook.com/events/756176261188504/

II Congresso Internacional de Saúde Pública do Delta do Parnaíba: inscrições abertas pelo site: http://deltacientifica.com.br/copisp2016/

NOTÍCIAS

Manifesto do Fórum da Reforma Sanitária contra a PEC 241: https://www.abrasco.org.br/site/2016/10/manifesto-do-forum-da-reforma-sanitaria-contra-a-pec-241/

“A referida PEC busca implementar a mesma política de austeridade que condenou diversos países desenvolvidos à estagnação econômica, ao desemprego, à elevação da desigualdade e da pobreza e ao desmonte do Estado Social. (…)

Especificamente no caso do Sistema Único de Saúde (SUS), a austeridade constitucionaliza o crônico subfinanciamento do SUS por 20 anos (até 2036), ironicamente, num cenário de envelhecimento e mudança no perfil epidemiológico da população, que pressionará o sistema de saúde e o levará ao colapso pela insuficiência de recursos”.

Abrasco se manifesta contra cortes nas bolsas do CNPq: https://www.abrasco.org.br/site/2016/10/nota-oficial-abrasco-pela-manutencao-das-bolsas-de-produtividade-do-cnpq/

“Tendo em vista as notícias divulgadas por membros de Comitês Assessores do CNPq, reunidos em Brasília, no dia 17/10/16, que dão conta de possíveis cortes no número de bolsas de produtividade, assim com o ofício nº 469, de 29 de setembro de 2016, da presidência do CNPq que informa que “os cortes realizados no número de bolsas e auxílios concedidos refletem o contexto orçamentário atual do país e a indicação, para 2017, de nova redução do orçamento do CNPq”, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva vem a público manifestar sua apreensão quanto à efetivação desses cortes”.

Fiocruz se manifesta a respeito da PEC 241: http://agencia.fiocruz.br/fiocruz-divulga-carta-sobre-pec-241-e-os-impactos-sobre-direitos-sociais-saude-e-vida

“A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição estratégica do Estado para a ciência e a tecnologia em saúde, dirige-se, por resolução de seu Conselho Deliberativo, ao conjunto da sociedade brasileira e, em especial, ao Governo Federal e o Congresso Nacional para alertar sobre os efeitos negativos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, assim como os de outros projetos legislativos em curso, que conformam um projeto de revisão dos preceitos constitucionais de garantia do direito universal à saúde e o desenvolvimento da cidadania e que, se aprovados, implicariam danos significativos à saúde e à vida das pessoas”.

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CEBES publica nota de desagravo sobre a exoneração de pesquisadora do IPEA e alerta sobre os perigos da PEC 241: http://cebes.org.br/2016/10/nota-de-repudio-sus-perdera-com-a-aprovacao-da-pec-241/

“PEC 241 É O INÍCIO DO FIM do incipiente estado de bem-estar social brasileiro. Como o gasto público em saúde gira apenas em torno de 4% do PIB, a aprovação da PEC parece arriscada para a segurança dos trabalhadores e das famílias brasileiras, uma vez que, para implantar o ajuste fiscal, pretende-se estabilizar a trajetória da dívida pública, subtraindo direitos sociais na educação, saúde, previdência e assistência social”.

LEITURAS RECOMENDADAS:

Revista Ensaios & Diálogos em Saúde Coletiva: https://www.abrasco.org.br/site/revistas/ensaios-dialogos-em-saude-coletiva/edicao-atual/

R&D crisis in drug discovery for neglected diseases: scope for an open source approach to pharmaceutical research, Narendran Thiruthy, disponível em: http://jiplp.oxfordjournals.org/content/11/8/599.extract

Lives on the Edge - Time to align medical research and development with people’s health needs, MSF, disponível em: http://www.msfaccess.org/content/report-lives-edge-time-align-medical-research-and-development-people%E2%80%99s-health-needs.

NOTÍCIAS DA UAEM:

Capacitações internas:

Iniciamos nossas capacitações internas! As duas sessões realizadas até agora (“Desafios da Saúde Global” e “Patentes e acesso a medicamentos”) podem ser acessadas em nossa página no Youtube: https://www.youtube.com/channel/UC5zdBEQafJ0DwYTLFEaSmkg.

Conferência em Berkley:

Aconteceu entre os dias 14 e 16 de outubro a conferência anual da UAEM dos Estados Unidos. Organizada pelo capítulo de Berkley na Califórnia, este ano a conferência foi especial: marcou a comemoração do aniversário de 10 anos da UAEM nos EUA. A Conferência contou com a presença de UAEMers que participaram dos primeiros passos da organização, membros novos, UAEMers da Europa, Canadá e da Índia. A UAEM Brasil marcou presença no evento com a participação de Sara Helena Pereira e Letícia Braga. Sara apresentou um painel sobre a experiência na 69ª Assembleia da Organização Mundial de Saúde. Passado, presente e futuro se reuniram neste evento, e além de boas histórias, fica o maior propósito: a certeza de que estamos no caminho certo, com o ativismo crescendo a todo vapor, em todas as partes do mundo!

Foto da capa: Pills (white rabbit), por Erich Ferdinand. Disponível em: https://flic.kr/p/dBQqK.

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EDITORIAL ACESSO A MEDICAMENTOS, UM PROBLEMA COMPLEXO

Nesta edição do boletim, o nosso tema central é o acesso a medicamentos. Falar em acesso soa óbvio: é intuitivo que as pessoas deviam poder usar os medicamentos que tratam as suas condições de saúde. Se não for assim, qual o propósito da pesquisa em saúde e do sistema de atenção à saúde? No entanto, o acesso se complica à medida que lhe dedicamos um olhar mais minucioso.

O acesso tem dimensões que o politizam nos cenários nacional e global. Ele se configura não apenas na disponibilidade do tratamento, mas em sua forma adequada, sua eficácia, distribuição, a adesão dos pacientes ao t ra tamento e o preço . Na l i te ra tura especializada, esses elementos são chamados availability, affordability, accessibility e acceptability.

Quando existe uma lacuna de acesso, a raiz do problema pode estar em qualquer um desses aspectos. Um tratamento que não chega às prateleiras é um problema de acesso, bem como um medicamento caro demais para os sistemas de saúde ou para os consumidores individuais, a produção insuficiente do medicamento ou de seus compostos e uma forma inadequada ou que não é bem aceita pelos pacientes.

Dando um passo atrás, a inovação em saúde também é uma questão de acesso. Quando se a d o t a u m m o d e l o d e p e s q u i s a e desenvo lv imento (p&d) que assoc ia necessariamente o preço de um produto final ao seu potencial de lucro e o direcionamento da pesquisa a esse mesmo critério, nasce um problema de acesso.

É por conta disso que hoje falamos em doenças negligenciadas – aquelas que não interessam, economicamente, à indústria –, grupo para o

qual se dedicou apenas 1% dos investimentos totais em pesquisa em 2010 e para o qual foram registrados apenas 37 novos produtos, de um total de 850, entre 2000 e 2011. Com o sistema de p&d como está, não há incentivos suficientes para que novos medicamentos sejam desenvolvidos e postos à disposição das populações que precisam a preços que elas possam pagar.

Quando se adota um modelo de pesquisa e desenvolvimento que associa necessariamente o preço de um produto final ao seu potencial de lucro e o direcionamento da pesquisa a esse mesmo critério, nasce um problema de acesso

O acesso também é um problema regulatório. O controle de preços, o uso do poder de compra do Estado, a definição das normas licitatórias, a separação de competências entre os entes federativos e a maneira como se estrutura a distribuição de medicamentos em escala nacional, tudo isso está conectado a e interconectado pelo acesso.

Em particular, as normas que regem o sistema patentário podem determinar o acesso. Quando um produto demora para entrar em domínio públ ico , com consequente a t raso na concorrência de versões genéricas, os preços mais altos de um monopólio se estendem. Quando um Estado deixa de usar as flexibilidades que lhe são autorizadas pela legislação nacional e os acordos internacionais, como as licenças compulsórias e o uso público não-comercial, perduram os desafios ao acesso.

O acesso é também uma questão complexa do ponto de vista das contas do Estado. Com gastos públicos exorbitantes em compras diretas de medicamentos, sem contar sentenças judiciais e programas específicos, é necessário assegurar a eficiência dessa despesa.

Isto significa negociar com severidade os melhores preços para o SUS, evitar as táticas

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de patenteamento com o objetivo único de estender os prazos patentários e, quando necessário, lançar mão do licenciamento compulsório. Significa, ainda, otimizar os investimentos: o fortalecimento da atenção básica à saúde pode evitar muitas complicações de saúde que se traduziriam em gastos prolongados com tratamentos e procedimentos; e o fortalecimento de uma rede de p&d em universidades e institutos públicos de pesquisa e produção em laboratórios oficiais pode suprir as lacunas deixadas pelo mercado.

Finalmente, mas não menos importante: o acesso a medicamentos é uma questão de direitos. Direito social, garantido pela constituição, de atendimento universal e integral à saúde. Direito de cidadania, visto que a manutenção da saúde é condição existencial da pessoa e elemento fundamental na sua integração à sociedade e na sua relação com o Estado. Direito humano, componente essencial da manutenção do "melhor estado possível de saúde física e mental", na linguagem da Organização Mundial da Saúde.

Finalmente, mas não menos importante: o acesso a

medicamentos é uma questão de direitos

O acesso a medicamentos é uma peça-chave no quebra-cabeças da saúde coletiva. Garanti-lo, em seus diversos aspectos, é função do Estado; e é função da sociedade civil supervisionar esta função e apontar suas insuficiências. No plano global, é importante lutar por um sistema mais justo e equitativo de p&d e acesso. No plano nacional, é importante que lutemos por cada vez mais direitos, universalmente acessíveis com qualidade e equidade. Esta edição do boletim pretende contribuir a este fim.

PATENTES E ACESSO A MEDICAMENTOS Este artigo é um excerto adaptado do Trabalho de Conclusão de Curso “Concorrência e acesso a

medicamentos: evergreening em perspect iva comparada”, disponível em: http://hdl.handle.net/10438/14713.

Uma patente é um instrumento de garantia de monopólio de exploração comercial sobre uma invenção. A contrapartida à concessão da patente é a divulgação e ingresso em domínio público do conhecimento nela contido. O sistema de patentes foi criado com o intuito de incentivar a inovação. No entanto, este intuito se mostrou mal direcionado com a formação de um sistema de pesquisa e desenvolvimento global baseado no incentivo das patentes, que reforçam o caráter de mercado das tecnologias de saúde e minimizam sua caracterização como bem público. Esta falha se traduz em maus resultados do sistema em termos de produtividade da p&d, formação do grupo de doenças negligenciadas e, entre outras consequências, práticas com o intuito de extensão e manutenção desse monopólio. Estas são chamadas de evergreening, e são o tema tratado brevemente a seguir.

O monopólio concedido por uma patente poderá ser estendido por meio de sucessivos patenteamentos – patenteamentos secundários. Este processo é denominado por PAINE (2003, p. 502) como double patenting e por GIBSON (2013, p. 109) como drug reformulation.

A extensão afeta o chamado nominal patent term (termo nominal da patente), a diferença de tempo entre a data de aprovação da primeira patente para um medicamento e a expiração da última patente para este mesmo medicamento (HEMPHILL, SAMPAT, 2011, p. 622; KAPCZYNSKI, PARK, SAMPAT, 2012, p. 4).

Isto é resultado concreto da conformação de patent thickets ou patent clusters, conforme descrevem OTTERSON, FIUZA e PEREIRA (2013, p. 5) em sua análise da entrada de medicamentos genér icos no mercado farmacêutico brasileiro. Especificamente, é decorrência do efeito de desincentivo da entrada de competidores devido ao risco de litigância e do custo de desvendar o emaranhado de patentes.

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A questão do patenteamento secundário está presente no mercado farmacêutico brasileiro, como revelam os resultados preliminares do Inquérito Brasileiro sobre a Concorrência no Setor Farmacêutico Brasileiro (IBSCSF) apresentados por PEREIRA e FIUZA (2013). Seus efeitos já foram documentados fora do Brasil: HEMPHILL e SAMPAT (2011, p. 622) estimam a extensão provida por patentes secundárias em mais de três anos, enquanto KAPCZYNSKI, PARK e SAMPAT (2012, p. 6) estimam entre desde 4 até 11 anos de extensão do termo nominal da patente.

Com foco no cenário nacional, OTTERSON, FIUZA e PEREIRA (2013, p. 29) comprovam o efeito que o patenteamento secundário – que os autores denominam “incremental” – tem sobre o tempo de entrada de genéricos no mercado: “Incremental patents of Product, Delivery, Constraining, Component, and Process types tend to have […] a positive impact on time to entry”.

Tudo isto indica a relevância e concretude da questão do evergreening no Brasil e em outros países. Isto é ainda mais claro ao se observarem os benefícios que a concorrência genérica pode trazer.

OS BENEFÍCIOS DA CONCORRÊNCIA GENÉRICA

Indicar os benefícios da concorrência genérica importa ao tema do evergreening porque demonstra os potenciais benefícios do controle do comportamento abusivo. Ou seja, a concorrência genérica é o benefício à sociedade em consequência do controle de tentativas de evergreening.

Publicação da OMS (2004, p. 3) reconhece a concorrência genérica como fator de controle de preços de medicamentos. Apresenta o dado de que, nos Estados Unidos, a concorrência de apenas uma companhia de genéricos reduz o preço de um medicamento a 60% do preço do de marca; e, com 10 competidores, o preço cai a 29% do preço monopolista.

KAPCZYNSKI et al. (2005, pp. 1048-1049) corroboram a informação ao revisarem a literatura a respeito do tema, ressaltando que a g ê n c i a s d e c o o p e r a ç ã o p a r a o desenvolvimento, organizações internacionais e da sociedade civil, como MSF e Oxfam, reconhecem a concorrência genérica como “the single most important tool to remedy the access gap”.

A Diretoria-Geral para Concorrência da Comissão Europeia (2009, pp. 78 a 85), ao descrever as características do mercado farmacêutico europeu, reconheceu o impacto que a entrada de genéricos tem na diminuição de preços ao consumidor. Este impacto, no mercado europeu, se configura não apenas na queda de preço médio ao consumidor, mas também na queda dos preços praticados pela companhia previamente detentora do monopólio patentário.

O estudo aponta uma entrada genérica no mercado a 0,75 do preço do medicamento original, um índice médio que pode cair até 0,55. O impacto desta diferença se evidencia no cálculo da economia dos sistemas públicos de saúde caso os medicamentos do grupo selecionado para o estudo entrassem em domínio público imediatamente após o vencimento do tempo de proteção patentária, e não apenas após os sete meses que são a média no mercado estudado: 3 bilhões de euros, ou 20% dos 15 bilhões que a entrada de genéricos posteriormente de fato representou.

No Brasil, dados referentes a preços de medicamentos encontrados por MIRANDA et al. (2009) em estudo seccional se alinham a esta avaliação. Os autores caracterizam a concorrência genérica como elemento importante de redução do preço médio ao consumidor – entre 19,6% e 23,3% (p. 2155).

Ou seja, no mínimo uma política de controle de evergreening poderá reforçar a concorrência já existente entre genéricos. No limite, observando a efetiva concorrência entre medicamentos de marca e genéricos no

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mercado europeu, poderá tornar mais acirrada a concorrência entre medicamentos de marca e genéricos no mercado farmacêutico brasileiro.

ACESSO A MEDICAMENTOS

Há muitas vias pelas quais o sistema de patentes dificulta o acesso a medicamentos. O patenteamento secundário é uma delas, sobrecarregando o sistema com patentes que não representam avanço inovativo em relação ao produto originário e desincentivando a entrada de concorrentes.

A manutenção de monopólios configura-se em desafio ao acesso a medicamentos na medida em que os preços praticados são mais altos e as decisões sobre produção e distribuição dependem de um único pólo decisório. A concorrência genérica tem a capacidade de reduzir preços e ofertar produtos para atender às necessidades de saúde da população. O direito da concorrência deve ocupar-se, portanto, do evergreening, assim como a sociedade civil deve estar atenta aos abusos das companhias e o INPI e a ANVISA devem exercer suas funções de controle da patenteabilidade e impedir a entrada e prolongamento no sistema de patentes sem mérito.

Referências:

PAINE, C. S. Brand-name drug manufacturers risk antitrust violations by slowing generic production through patent layering. Seton Hall Law Review, v. 33, n. 479, 2003.

GIBSON, S. The use and abuse of drug reformulation in pharmaceutical life-cycle management: a comparison of the market defence of Tricor in the U.S. and Lipidil in Canada. Health Law Journal, v. 20, p. 107–143, 2013.

HEMPHILL, C. S.; SAMPAT, B. N. When do generics challenge drug patents? Journal of Empirical Legal Studies, v. 8, n. 4, p. 613–649, 2011.

KAPCZYNSKI, A.; PARK, C.; SAMPAT, B. N. Polymorphs and prodrugs and salts (oh my!): an empirical analysis of “secondary” pharmaceutical patents. PLoS One, v. 7, n. 12, 2012.

OTTERSON, J.; FIUZA, E. P. S.; PEREIRA, D. G. Entry and competition in the Brazilian generic drug market. 40th Annual EARIE Conference. Anais… Évora: 2013.

PEREIRA, D. G.; FIUZA, E. P. S. Os direitos de propriedade intelectual nas estratégias de ciclo de vida para medicamentos de segunda geração: resultados parciais do inquérito brasileiro sobre a concorrência no setor farmacêutico. Radar Ipea, v. 29, p. 27–37, 2013.

OMS. Equitable access to essential medicines: a framework for collective action. WHO Policy Perspectives on Medicines, v. March, p. 1–6, 2004.

KAPCZYNSKI, A. et al. Addressing global health inequities: An open licensing approach for university innovations. Berkeley Technology Law Journal, v. 20, p. 1032–1114, 2005.

EUROPEAN COMMISSION COMPETITION DG. Pharmaceutical Sector Inquiry Final Report. [s.l: s.n.]. Disponível em: <http://ec.europa.eu/competition/s e c t o r s / p h a r m a c e u t i c a l s / i n q u i r y /staff_working_paper_part1.pdf>.

MIRANDA, E. S. et al. Disponibilidade no setor público e preços no setor privado: um perfil de medicamentos genéricos em diferentes regiões do Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 25, n. 10, p. 2147–2158, 2009.

WALTER BRITTO GASPAR É FORMADO EM DIREITO PELA FGV DIREITO RIO E MESTRANDO EM SAÚDE

COLETIVA PELO IMS/UERJ.

O SUS E O ACESSO A MEDICAMENTOS Está estabelecida na Constituição Federal de 1988, no capítulo dedicado à seguridade social, artigo 196, a criação de um Sistema Único de Saúde (SUS):

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas, que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (BRASIL, 1988)

Baseada na constituição, em 1990, foi feita a Lei Orgânica da Saúde (Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990), a qual estabelece que, entre seus campos de atuação, está incluída a execução da “assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica” e entre as ações, “a formulação da política de medicamentos,(...) de interesse para a saúde (...)” (BRASIL, 1990).

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Mas como isso está relacionado com o acesso a medicamentos? Muito simples, caro leitor: ambas as leis citadas garantem como direito de todos e dever do Estado o acesso universal igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Inclusive no que diz respeito à Assistência Farmacêutica tendo o medicamento como insumo essencial e visando ao acesso e ao seu uso racional.

Sendo um pouco mais detalhista, esse conceito de acesso a medicamentos significa ter o medicamento certo para uma finalidade específica, na dosagem correta, pelo tempo que for necessário, no momento e no lugar adequados, com a garantia de qualidade e a informação suficiente para o uso adequado. Dessa forma, quando falamos de “acesso”, não é de maneira irresponsável, mas sim seguindo um contexto de uso racional e seguro, e, por isso, envolve a atuação de todos os profissionais de saúde no conjunto de ações de atenção à saúde, com serviços qualificados.

É impor tan te f r i sa r que as s i s t ênc ia farmacêutica, apesar de só ter o nome de “farmacêutica”, deve ser entendida como as atividades realizadas por farmacêuticos e também por outros profissionais da saúde. Ou seja, todos da saúde estão envolvidos e são responsáveis por essa ação.

Este tipo de assistência engloba P&D e a produção de medicamentos e insumos, bem como a sua seleção, programação, aquisição, distribuição, dispensação, qualidade dos produtos e serviços, acompanhamento e avaliação de sua utilização, tendo como objetivo a obtenção de resultados concretos que levem à melhoria da qualidade de vida da população.

Dito isto, podemos seguir em frente e mostrar o que o SUS fez para garantir esse acesso. Em 1998, foi criada a Política Nacional de Medicamentos (PNM), que tem como objetivo principal

“garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção

do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais” (BRASIL, 1998).

Assistência farmacêutica, apesar de só ter o nome de “farmacêutica”, deve ser entendida como as atividades realizadas por farmacêuticos e também por outros profissionais da saúde

Concomitantemente, foi criada a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF) como parte essencial da Política Nacional de Saúde. Podemos destacar dentre suas diretrizes: a garantia de acesso e de equidade às ações de saúde; a promoção do uso racional de medicamentos, por intermédio de ações que disciplinem a prescrição, a dispensação e o consumo; e a manutenção de serviços de assistência farmacêutica na rede pública de saúde.

Ok, ainda estamos muito na teoria. Como que essas políticas garantem o acesso concreto e prático a medicamentos? Dentre as formas de promover o uso racional de medicamentos e a assistência farmacêutica, podemos destacar como “frutos” dessas políticas a implantação e utilização de Relação de Medicamentos E s s e n c i a i s ( R E N A M E ) , F o r m u l á r i o Terapêutico Nacional (FTN), Protocolos Clínicos e Terapêuticos (PCDTs) e os Componentes Estratégico e Especializado da Assistência Farmacêutica.

Para esclarecer: a RENAME é o instrumento mestre, pois é ela que guia a seleção de medicamentos e a organização da assistência farmacêutica no âmbito do SUS. Às equipes de saúde dos gestores estaduais e municipais, em especial aos prescritores, a RENAME, juntamente com o Formulário Terapêutico Nacional, pode ser um importante auxílio na escolha da melhor terapêutica.

À população e aos usuários do SUS, a RENAME expressa um compromisso com a

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d i s p o n i b i l i z a ç ã o d e m e d i c a m e n t o s selecionados nos preceitos técnico-científicos e de acordo com as prioridades de saúde de nossa população (BRASIL, 2002a).

Garantia de acesso e de equidade (…); a promoção do uso racional

de medicamentos (…); e a manutenção de serviços de

assistência farmacêutica na rede pública de saúde.

Já o FTN contém informações científicas, objetivas e embasadas em evidências sobre os medicamentos selecionados na RENAME visando a subsidiar os profissionais de saúde em prescrição, dispensação e uso dos medicamentos essenciais (BRASIL, 2002b).

Finalmente, os PCDTs são importantes ferramentas de gestão de medicamentos do SUS e harmonizam condutas terapêuticas em conformidade com a medicina baseada em evidências, facilitando o seu acesso. Eles garantem o acesso às demandas por medicamentos que muitas vezes não são passíveis de execução ou incorporação imediata ao SUS, em face de restrições operacionais e orçamentárias.

Não menos importante, há o Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica, previsto no artigo 26 da Portaria 204/2007, que explicita o seguinte:

“o financiamento para custeio de ações de assistência farmacêutica nos seguintes programas de saúde estratégicos: I – Controle de endemias, tais como a Tuberculose, Hanseníase, Malária, Leishmaniose, Chagas e outras doenças endêmicas de abrangência nacional ou regional; II – Anti-retrovirais do programa DST/AIDS; III – Sangue e Hemoderivados; e IV – Imunobiológicos” (BRASIL, 2007a).

Mas porque essas doenças em específico e não todas as outras? Porque estes são os

medicamentos destinados a patologias de controle específico do Ministério da Saúde, para atingirem as metas de controle e eliminação exigidos pela Organização Mundial de Saúde, ou por serem medicamentos cuja aquisição depende de processos de licitação internacional.

Paralelamente, o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica destina-se ao “f inanciamento de Medicamentos de Dispensação Excepcional, para aquisição e distribuição do grupo de medicamentos, conforme critérios estabelecidos em portaria específica” (BRASIL, 2007a). Dessa forma, e s s e c o m p o n e n t e t e m p o r o b j e t i v o disponibilizar medicamentos no âmbito do Sistema Único de Saúde para tratamento de agravos inseridos nos seguintes critérios:

doença rara ou de baixa prevalência, com indicação de uso de medicamento de alto valor unitário ou que, em caso de uso crônico ou prolongado, seja um tratamento de custo elevado; e

d o e n ç a p r e v a l e n t e , c o m u s o d e medicamento de alto custo unitário ou que, em caso de uso crônico ou prolongado, seja um tratamento de custo elevado desde que:

§ haja tratamento previsto para o agravo no nível da atenção básica, ao q u a l o p a c i e n t e a p r e s e n t o u n e c e s s a r i a m e n t e i n t o l e r â n c i a , refratariedade ou evolução para quadro clínico de maior gravidade, ou

§ o diagnóstico ou estabelecimento de conduta terapêutica para o agravo e s t e j a m i n s e r i d o s n a a t e n ç ã o especializada. (BRASIL, 2007f)

PCDTs são importantes ferramentas de gestão de medicamentos do SUS e harmonizam condutas terapêuticas em conformidade com a medicina baseada em evidências.

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Estas práticas e o embasamento teórico do SUS trazem alguns desafios, como ter uma gestão eficiente de recursos e otimizar os recursos financeiros existentes a fim de continuar a ampliação do acesso e garantia do uso racional de medicamentos, integrando a assistência farmacêutica às demais políticas de saúde. O enfrentamento desses desafios requer ações articuladas dos gestores da saúde das três esferas de governo e ainda exige dos gestores do SUS compromissos sérios com a estruturação, a qualificação dos profissionais da saúde e sua necessária articulação multiprofissional e intersetorial.

Neste texto podemos ver em linhas gerais qual a a t u a ç ã o d o S U S n o A c e s s o a o s Medicamentos, desde a sua criação, passando pelos princípios teóricos do sistema até chegarmos às suas atividades práticas. Os demais textos vão aprofundar um pouco mais alguns dos programas do SUS como DST/AIDS e hepatite C.

Referências e bibliografia:

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. 1988.

BRASIL. Lei Federal 8.080, de 19 de dezembro de 1990. Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde, Brasília. 1990

BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Portaria 3916 GM/MS. Aprova a Política Nacional de Medicamentos. Brasília. 1998.

BRASIL. Ministério da Saúde. Assistência Farmacêutica na Atenção Básica: instruções técnicas para sua organização. Brasília: Ministério da Saúde. 2002a.

BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria de Assistência à Saúde, Departamento de Sistemas e Redes Assistenciais. Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas: Medicamentos Excepcionais. Brasília: Ministério da Saúde, 2002b

BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 204, de 29 de janeiro de 2007. Regulamenta o financiamento e a transferência dos recursos federais para as ações e os serviços de saúde, na forma de blocos de financiamento, com o respectivo monitoramento e controle. Brasília. 2007ª

A assistência farmacêutica no SUS / Conselho Federal de Farmácia , Conselho Regional de Farmácia do Paraná; organização Comissão de Saúde Pública do Conselho Federal de Farmácia , Comissão de Assistência

Farmacêutica do Serviço Público do CRF-PR. – Brasília: Conselho Federal de Farmácia, 2010. 60 p.

BEATRIZ KAIPPERT É FARMACÊUTICA PELA UFRJ, CURSA MESTRADO PROFISSIONAL EM TECNOLOGIA DE

IMUNOBIOLÓGICOS EM BIOMANGUINHOS E FAZ PARTE DA EQUIPE DE FARMACOVIGILÂNCIA DA ASSESSORIA CLÍNICA

DE BIOMANGUINHOS.

POLÍTICA DE DST/AIDS NO BRASIL DESAFIOS ATUAIS Na era da terapia antirretroviral altamente ativa (HAART em inglês), a infecção pelo HIV se tornou uma doença com características crônico-degenerativas. O número de Pessoas Vivendo com HIV e Aids (PVHA) utilizando terapia antirretroviral no mundo aumentou de 1 milhão em 2001 para 15 milhões em 2015.

A UNAIDS estima que o acesso ao tratamento antirretroviral evitou 7,8 milhões de mortes por aids globalmente1. Entretanto, atualmente é estimado que apenas 40,3% das pessoas com HIV no mundo têm acesso à terapia antirretroviral, o que ainda é um desafio para a epidemia de HIV.

O Brasil, desde a década de 1990, possui uma política de HIV pioneira dentre países em d e s e n v o l v i m e n t o e r e c o n h e c i d a internacionalmente. A epidemia de HIV/Aids surgiu, no Brasil, em um momento de redemocratização, após longo período de ditadura militar.

Neste início, de 1985 a 1991, a resposta à epidemia evidenciava os resquícios da ditadura, com uma resposta burocratizada, com pouco diálogo com a sociedade civil e com campanhas que reforçavam a estigmatização2.

Na década de 90, os movimentos sociais começaram a ganhar força, o que se consolidou em uma política pioneira que envolveu Estado e indústria farmacêutica nas discussões, e que teve a sociedade civil como protagonista3 (NUNN, 2009).

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O Brasil, desde a década de 1990, possui uma política de HIV pioneira dentre países em desenvolvimento e reconhecida internacionalmente

Neste período, o Brasil recebeu expressivos financiamentos, inclusive um empréstimo do Banco Mundial. Esses investimentos incluíam o apoio a organizações da sociedade civil que realizavam ações de educação e prevenção4. Em 1996, a Aids entra para o espaço público nacional com a Lei 9.313/96 que garante acesso universal e gratuito ao tratamento antirretroviral a todas as pessoas com HIV/Aids, sendo este fornecido pelo governo.

Foi estruturada uma rede de assistência ao tratamento de HIV/Aids, que posteriormente passou a incluir outras DSTs e as Hepatites Virais. Os serviços se organizam em ambulatórios gerais ou de especialidades, hospitais e ambulatórios, administrados por municípios, estados, governo federal, universidades, organizações filantrópicas e não-governamentais. Os serviços se estruturam para realizar prevenção, diagnóstico e assistência, que inclui assistência farmacêutica.

Apesar do pioneirismo e reconhecimento da política de HIV/Aids, diante do cenário de crise político-econômica que o país vivencia, o Brasil passa a ser reconhecido pelo retrocesso. A desarticulação entre os setores, a perda da voz dos movimentos sociais na política, trazem à tona as lacunas atuais da política de HIV/Aids pautada em um modelo de resposta biomédica, em que se medicaliza inclusive a prevenção, e se deixa de lado as respostas sociais.

Foi estruturada uma rede de assistência ao tratamento de HIV/Aids, que posteriormente passou a

incluir outras DSTs e as Hepatites Virais

Assim, estigma, preconceito, discriminação, desconsideração das vulnerabilidades marcam

a política de HIV/Aids brasileira. As ações referentes à prevenção e à assistência pautada nos princípios dos direi tos humanos apresentam uma lacuna, bem como as questões de propriedade intelectual representam uma barreira de acesso a um tratamento de qualidade.

A incapacidade de construir uma resposta efetiva à epidemia de Aids traz à tona a necessidade de se rediscutir a política de HIV/Aids, que deve ser pautada pelo princípio da universalidade, com participação da sociedade, envolvendo os diversos setores e inserida na discussão e processo de reconstrução do nosso Sistema Único de Saúde, atualmente ameaçado por interesses de planos de saúde privados, financiadores das campanhas políticas do atual Ministro da Saúde e do Presidente Michel Temer.

Lacunas atuais da política de HIV/Aids pautada em um modelo de resposta biomédica, em que se medicaliza inclusive a prevenção, e se deixa de lado as respostas sociais.

É preciso que sociedade civil, governos, cientistas, ativistas, agências de cooperação se unam para recriar a resposta à epidemia de HIV/Aids com base nos direitos humanos e justiça social, em um modelo de enfrentamento coletivo e que considere as vulnerabilidades. Caso contrário, teremos novamente uma catástrofe: a epidemia de HIV se alastrando pela e muitas mortes por aids se tornando realidade novamente.

Referências:

UNAIDS. United Nations Programe on HIV/AIDS. AIDS by the numbers. World AIDS day 2015. Disponível em <http://www.aidsinfoonline.org/devinfo/libraries/aspx/Home.aspx>. SEFNER, F., PARKER, R. A neoliberalização da prevenção do HIV e a resposta brasileira à aids. Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV e aids em 2016. Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA). Rio de Janeiro, 2016.

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NUNN, A.S. et al. AIDS Treatment in Brazil: Impacts and Challenges. National Institutes of Health (NIH) Public Access, 2009. CORREA, S. A resposta brasileira ao HIV e à aids em tempos tormentosos e incertos. Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV e aids em 2016. Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA). Rio de Janeiro, 2016.

LETÍCIA PENNA BRAGA É FARMACÊUTICA GRADUADA PELA UFMG COM MESTRADO EM

MEDICAMENTOS E ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NA MESMA UNIVERSIDADE. ATUALMENTE, É LÍDER DO CAPÍTULO DE BELO HORIZONTE DA UAEM BRASIL.

ACESSO A MEDICAMENTOS PARA TRATAR A HEPATITE C

Este texto tem por finalidade mostrar as dificuldades no acesso ao tratamento e a luta contra o vírus da hepatite C (HCV) realizada no Brasil através do SUS, desde a sua identificação até os dias de hoje. O autor é engenheiro e analista de sistemas (aposentado), ex-portador de hepatite C (curado), e presidente do MBHV - Movimento Brasileiro de Luta Contra as Hepatites Virais.

O HCV, vírus da Hepatite C, foi identificado em 1989 e, a partir de 1992, foi disponibilizado um teste para a triagem na doação de sangue, que era uma importante causa de transmissão do vírus. Em fevereiro de 2002, por pressão da Sociedade Civil, foi criado o PNHV – Programa Nacional para a Prevenção e Controle das Hepatites Virais; e em 2003 foi publicado o primeiro protocolo para tratamento da hepatite C, que previa o uso das drogas: Interferon e Ribavirina.

Ainda hoje o interferon peguilado custa, nas farmácias, entre 1.050 e

1.500 reais por um frasco a ser usado em uma semana.

O tratamento provocava muitos efeitos adversos e hoje sabemos que a taxa de cura foi de 47% em média, embora as farmacêuticas mencionassem 50 a 80%. A compra dos medicamentos para distribuição através do

SUS era feita pelos estados, e cada frasco de interferon peguilado custava entre 1.100 e 1.600 reais por semana (dependendo do volume adquirido). A interrupção da distribuição de medicamentos ocorria com frequência, razão pela qual muitas das ONGs de defesa da causa foram fundadas neste período.

O SUS indenizava os estados em 400 reais por frasco usado. Os tratamentos duravam de 6 meses a um ano (dependendo do genótipo do vírus), ao custo de 30 a 60 mil reais por paciente. Na maioria dos estados, o tratamento era disponibilizado apenas nas capitais.

Hoje sabemos que a taxa de cura foi de 47% em média, embora as farmacêuticas mencionassem 50 a 80%.

Em 2006 o Ministério da Saúde (MS) iniciou a compra centralizada do interferon e o preço caiu bastante, por conta do volume adquirido, desonerando os estados. Daí em diante o fo rnec imento dos med icamentos fo i estabilizado.

Entre 2002 e 2014 foram tratados, com interferon e ribavirina, aproximadamente 104.119 brasileiros, com taxa de cura de apenas 47%, implicando em falha terapêutica de 55.183 pacientes. As farmacêuticas Roche e Schering Plough receberam integralmente pelas vendas; o SUS e os pacientes arcaram com o prejuízo. Ainda hoje o interferon peguilado custa, nas farmácias, entre 1.050 e 1.500 reais por um frasco a ser usado em uma semana.

Em 2013 o SUS passou a fornecer os Inibidores de Protease (IPs) Boceprevir e Telaprevir, que foram acrescentados ao tratamento do genótipo 1 do HCV, apenas para pacientes com níveis 3 e 4 de fibrose no fígado, elevando em muito os efeitos adversos e tornando o tratamento insuportável para grande parte dos pacientes. O tratamento durava de 48

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a 52 semanas (1 ano ou mais) e os custos ficavam entre 52 e 60 mil reais.

As drogas prometiam cura para até 75% dos tratados, mas no Brasil curaram, segundo o MS, apenas 40%. O resultado foi tão ruim que as drogas lançadas em 2011, com muita propaganda, deixaram de ser fabricadas em 2014, por conta do lançamento de novos medicamentos muito melhores.

O tratamento com IPs foi realizado em aproximadamente 7.542 brasileiros e, devido ao grande número de eventos adversos, foram montadas estruturas complexas para dar suporte aos pacientes, o que elevou o custo para sua utilização, tendo sido disponibilizado apenas nas capitais e algumas cidades maiores.

Novamente as farmacêuticas faturaram alto explorando a vulnerabilidade de pacientes que entravam na justiça, em grande número, para conseguir o acesso às drogas. Cabe ressaltar que os pacientes não curados pelo tratamento desenvolveram cepas do vírus mais resistentes, provocando, posteriormente, o encargo de maiores recursos financeiros para obter a cura.

Em novembro de 2013 a Gilead, dos EUA, lançou no mercado o sofosbuvir. O preço estabelecido foi de mil dólares a pílula (84 mil dólares por 12 semanas de tratamento e 168 mil para 24 semanas de tratamento), um verdadeiro absurdo, que balizou o preço dos outros medicamentos, lançados posteriormente. Medicamentos que poderiam estar salvando vidas eram disponibilizados apenas para aqueles que pudessem pagar. Uma ganância injustificável, sob qualquer ponto de vista, exceto do lucro máximo em detrimento da vida, possibilitado pelo monopólio do sistema de Patentes. A Gilead já vendeu, em menos de 3 anos, 39 bilhões de dólares de sofosbuvir e sua associação com ledipasvir. Ela não criou as drogas, apenas comprou a Pharmasset por 11 bilhões de dólares, atuando como um atravessador, e colocou a droga no mercado a preço extorsivo. A Pharmasset havia sido criada por Raymond Schinazi, um Funcionário

público do Departamento de Assuntos de Veteranos de Guerra, professor e pesquisador da Universidade Emory – EUA.

Em novembro de 2013 a Gilead, dos EUA, lançou no mercado o sofosbuvir. O preço estabelecido foi de mil dólares a pílula

Em julho de 2015 o MS lançou um novo PCDT-HCV – Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para tratamento da Hepatite C e Coinfecções – contemplando o uso de novos Antivirais de Ação Direta (DAA na sigla em inglês) com promessa de cura acima de 90% e praticamente sem efeitos adversos. Devido ao alto preço do tratamento, somente pacientes em estado mais grave (níveis 3 e 4 de fibrose no fígado, coinfectados HCV-HIV, transplantados de fígado, e outros com patologias agravantes) foram contemplados, deixando de lado a UNIVERSALIDADE - princípio do SUS.

As primeiras negociações para importação dos DAAs (sofosbuvir, daclatasvir e simeprevir) obtiveram um preço médio de 9.435 dólares por tratamento de 12 semanas e, com o dólar a 4 reais, o tratamento inicialmente custou mais de 37 mil reais para 12 semanas e mais de 75 mil para 24 semanas. Foram tratados, até setembro de 2016, 23.599 pacientes, com cura superior a 90%, sendo que 30% destes tratamentos foram realizados em 24 semanas.

Os pacientes não curados pelo tratamento desenvolveram cepas do vírus mais resistentes, provocando, posteriormente, o encargo de maiores recursos financeiros para obter a cura.

Em julho de 2016, novas negociações foram realizadas para a compra de 35 mil tratamentos de 12 semanas ao custo de 6.293 dólares. Esta nova compra já está sendo distribuída aos estados.

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Devido ao alto preço do tratamento, somente pacientes em

estado mais grave foram contemplados, deixando de lado a UNIVERSALIDADE - princípio do SUS.

A demanda estimada para tratamentos em 2015, levando em consideração todos os tratamentos que falharam, era de 79.587 pacientes, mas foram tratados apenas 14.273. Para 2016 a demanda estimada é de 80.265, mas este número é apenas a ponta do iceberg, pois a maioria dos 1,6 milhão de portadores crônicos estimados no Brasil não foram identificados ainda. A tabela abaixo mostra o número de tratamentos estimados entre 2010 e 2015.

Hoje sabemos que, no Brasil, a maior incidência de pessoas contaminadas com este vírus tem mais de 40 anos. Estima-se que cerca de 77% dos brasileiros contaminados estejam nesta faixa etária e, por isso, as Campanhas que visam encontrar estas pessoas incentivam que os maiores de 40 anos façam o teste para a hepatite C, uma doença silenciosa que pode levar à cirrose hepática e ao câncer de fígado, entre outros males.

Sabemos também que os altos preços dos medicamentos, sustentados pelo monopólio concedido pela LPI (Lei de Propriedade Industrial, a Lei das PATENTES), é o maior obstáculo à Universalidade do Tratamento. Isto se opõe à Constituição Federal, que em seu artigo 5º inciso XXIX estabelece:

“A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o

interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”.

A LEI DAS PATENTES não promove o desenvolvimento tecnológico e econômico do país, tampouco protege o interesse social. Ela protege interesses econômicos estrangeiros, em detrimento de direitos fundamentais, como os direitos à saúde e à vida.

Assim, com relação à busca por menores preços para o tratamento da hepatite C, nossas esperanças recaem sobre:

- A avaliação que está sendo realizada pela ANVISA sobre a patente do Sofosbuvir;

- A produção local do sofosbuvir pela FIOCRUZ e o consórcio BMK - Blanver Farmoquímica, Microbiológica Química e Farmacêutica e Karin Bruning; e

- Os resultados da Pesquisa promovida pela DNDi – Drugs for Neglected Diseases Initiative – em parceria com a PHARCO do Egito para produção de tratamento da Hepatite C por 300 dólares.

Nota: Os dados constantes deste texto foram coletados nas diferentes Comissões em que o MBHV tem representante (CNAIDS, CAMS e CTA), bem como de relatórios da CONITEC e mídia internacional.

ARAIR AZAMBUJA É PRESIDENTE DO MOVIMENTO BRASILEIRO DE LUTA CONTRA AS HEPATITES VIRAIS.

EXPEDIENTE

UAEM BRASIL É UMA ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL SEM FINS LUCRATIVOS QUE

EMPODERA ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS PARA ASSUMIREM UM PAPEL COMO PROTAGONISTAS NO

ACESSO A MEDICAMENTOS A NÍVEL LOCAL E GLOBAL.

NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO DA UAEM BRASIL. EQUIPE:

WALTER BRITTO GASPAR

LETÍCIA PENNA BRAGA

CLARISSA PAIVA

BEATRIZ KAIPPERT

LUCIANA LOPES

KALYTON ALVES

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Ano 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Tratam. estimados 11.628 11.505 14.138 13.662 15.812 14.273

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