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BOA PRÁTICA EM GESTÃO PÚBLICA NO PARANÁ
MATRIZ DE OBJETIVOS PARA CONTROLE ESTRATÉGICO E DE PRODUTIVIDADE
EM DELEGACIAS DE POLÍCIA
1. Dados de Identificação do Autor
Nome do autor: Rafael Ferreira Vianna
Coautor 1: Ricardo Blauth
Coautor 2: Sebastião Afonso Ferreira
E-mail: [email protected]
Fone (com): (41) 3335-6439
Secretaria/órgão: Sesp/Departamento da Polícia Civil do Paraná
2. Identificação da Boa Prática de Gestão
Área: Segurança Pública
Cidade: Curitiba
Ano de implantação: 2015-2016
3. Situação anterior
Como na maioria das Delegacias de Polícia do Paraná, talvez do Brasil e do mundo,
trabalha-se muito e resolve-se pouco. Quando assumi a titularidade da Delegacia de
Furtos e Roubos de Curitiba, uma das maiores e mais demandadas unidades da Polícia
Civil, constatei que todos os investigadores, escrivães e delegados lá lotados,
trabalhavam intensamente, dedicando até mais horas diárias e semanais do que as
obrigatórias, mas os resultados alcançados eram ínfimos.
A verdade é que não conseguíamos enxergar para onde estávamos canalizando nossa
energia, nossas ações e onde desejávamos chegar. Em resumo: muito esforço, muito
trabalho, boa vontade da maioria, mas resultados inexistentes e descontrole total da
produção e do resultado obtido. Parece-me que a maioria das delegacias de polícia,
senão dos órgãos e departamentos públicos, também sofrem com esse problema. As
pessoas de boa vontade trabalham muito, mas sentem-se desestimuladas porque não
conseguem ver qualquer resultado de seus esforços. Na outra ponta, a população
enxerga que a gestão é indefinida, sem metas e sem controle, sendo afetada ao receber
um resultado ruim ou insatisfatório do órgão público.
Especificamente na polícia, forma-se um círculo vicioso em que novas equipes assumem
delegacias sem história, tendo que iniciar sempre uma gestão do zero. Com isso, há um
desestímulo generalizado nos policiais e a população enxerga a polícia como um órgão
cada vez pior, com servidores mais desmotivados. Os índices de solução de crimes
consequentemente são menores e a segurança pública de um modo geral piora.
No caso em análise, a cada mudança de delegado chefe da unidade era preciso
recomeçar do zero, como se nunca tivesse existido aquela delegacia. Assim, era
necessário conhecer rotinas e procedimentos básicos, buscar dados estatísticos, definir
funções novamente e organizar (raramente com algum documento ou formalização que
permitia um controle externo da população) como passaria a ser o funcionamento da
unidade policial, em suas funções mais elementares.
A definição de metas e acompanhamento da produtividade das atividades, raramente
ocorre nas instituições policiais, e quando ocorre, é de forma amadora e apenas devido à
iniciativa de um ou outro delegado de polícia. Na maioria das vezes, para não dizer
sempre, o único fator que permite a medição do trabalho são notícias vinculadas nos
meios de comunicação em geral e no site da polícia civil em particular. É desnecessário
dizer que isso restringe sobremaneira a avaliação de um trabalho organizado, sério, de
longo prazo e que permita mudanças e melhorias estruturais na Polícia Civil e no serviço
público como um todo.
O Ministério Público, que exerce o controle externo da atividade policial e acompanha as
atividades das delegacias de polícia, dificilmente consegue dados precisos sobre todas as
atividades realizadas, restringindo-se normalmente à verificação dos registros
eletronicamente controlados no sistema geral da polícia, que são os boletins de
ocorrência registrados e os inquéritos policiais em andamento.
4. Descrição da ação
Durante o mês de setembro de 2015, fiz um curso de aperfeiçoamento em gerenciamento
policial na Escola Superior de Polícia Civil do Paraná (ESPC). Em uma das aulas, o
professor Ricardo Blauth, Mestre em Administração e Engenheiro Eletricista, apresentou o
sistema “Matriz de Objetivos”, desenvolvido por ele e já aplicado em indústrias,
comércios, instituições filantrópicas e em alguns órgãos públicos.
Figura 01 – Modelo da Matriz de Objetivos para os Delegados
Fonte: os Autores
O sistema é uma aplicação do Balanced Scorecard (BSC), o qual consiste em:
- Definir os fatores críticos de sucesso na atuação da instituição, no caso, da delegacia de
polícia e em cada um dos três grandes setores (Delegados, Investigadores e Escrivães);
- Definir os indicadores de produtividade em cada um desses campos;
- Medir os indicadores atuais, ou seja, produzir um raio-x da delegacia, de suas funções e
de sua produtividade.
A partir desse diagnóstico:
- Planejar as ações que serão feitas e como serão feitas, estabelecendo objetivos e
metas;
- Medir a produtividade em diferentes setores da unidade e assim verificar a eficiência do
trabalho e o atingimento dos objetivos;
- Possibilitar a criação de cenários estimando antecipadamente a realização das metas e
com isso prever planos de ação ou modificação da forma como se desenvolve o trabalho.
Conhecendo essa ferramenta, decidi ao contar com o apoio do investigador Afonso
Ferrreira/Ninja, que era o superintendente da unidade, para implementar essa nova
metodologia de trabalho na Delegacia de Furtos e Roubos de Curitiba (DFR).
Durante os meses de outubro e novembro de 2015, foram relacionadas todas as
atividades desempenhadas na delegacia, setor por setor, pessoa por pessoa.
Esse, já foi o primeiro resultado positivo da ferramenta.
Pode-se verificar então que havia pessoas que não tinham função definida e setores com
funções sobrepostas, duplicadas ou sem utilidade atual, uma vez que outros setores
assumiram suas funções. As primeiras mudanças ocorreram neste momento.
Durante o mês de dezembro de 2015, junto com o professor Ricardo, construímos a
Matriz de Objetivos da DFR, definindo-se quais indicadores seriam medidos e as metas a
serem alcançadas.
Figura 02 – Reunião de alinhamento dos envolvidos na ação
Fonte: os Autores
Essa atividade é a de maior impacto positivo, na minha visão, na mudança para a boa
gestão que ocorreu na unidade. Com esse trabalho, pudemos conversar com todos os
envolvidos na mudança, pudemos ter uma visão clara e abrangente de todas as
atividades que realizamos em uma Delegacia de Polícia e pensar, discutir e refletir quais
são nossos objetivos e o porquê existimos como instituição.
Essa primeira fase, com o estímulo de construir nossa Matriz de Objetivos, conseguimos
traçar um planejamento estratégico para a DFR e visualizá-lo de maneira objetiva e direta
na tabela da matriz de objetivos.
Com isto, os indicadores elencados a partir dos fatores críticos de sucesso para cada uma
das três sessões na Delegacia Furtos e Roubos, alinhado com os responsáveis, foram
assim definidos:
Para os Delegados (figura 01):
- Quantidade de presos;
- Quantidade de inquéritos policiais instaurados;
- Quantidade de inquéritos policiais relatados SEM indiciamento;
- Quantidade de inquéritos policiais relatados COM indiciamento;
- Representações por prisões, buscas e apreensões e interceptações telefônicas;
- Autos de prisão em flagrante;
- Quantidade de cumprimentos de buscas e apreensões;
- Quantidade de Atendimentos.
Para os Investigadores:
- Boletins de Ocorrência registrados;
- Ordens de Serviço cumpridas;
- Atendimentos a locais de crime;
- Relatórios de inteligência conclusos;
- Mandados de prisão cumpridos;
- Treinamentos.
Figura 03 – Matriz de Objetivos para os Investigadores
Fonte: os Autores
Para os Escrivães:
- Autos de Prisões em Flagrante;
- TCIPs;
- Oitivas;
- Ips Conclusos;
- VPIs Conclusas;
- Ofícios;
- Orientações / Atendimento Advogado Vítimas.
Figura 04 – Matriz de Objetivos para os Escrivães
Fonte: os Autores
Da mesma forma, cada setor conseguiu acompanhar os objetivos e metas que poderiam
ser atingidos, a partir da produtividade existente. Isso pode ser verificado nos gráficos a
direita da matriz. Cada indicador é expresso por um gráfico que poderá ir de 0% a 125%,
como fundo de escala.
Ao final, há um gráfico que elucida o desempenho total dos indicadores observados no
mesmo corte transversal do tempo, ou seja, mês a mês. Nesta mesma matriz, pode-se
acompanhar o resultado acumulado até o mês vigente, o restante do ano e uma
simulação de como o ano fecharia se as metas fossem cumpridas a partir do mês
subsequente à análise. Esta técnica é chamada de forecast ou de previsão de
fechamento do ano.
Assim, o gestor de cada processo pode tomar as devidas ações, antecipando o resultado
do final do ano antes que este termine. A partir do primeiro mês, com os resultados, o
gestor já pode observar o comportamento de cenário com os indicadores e, assim, fazer
que os planos de ação sejam menos radicais quando comparados com planos de ação
vistos ao final do ano, se não houvesse um histórico. Desta maneira, há tempo para o
gestor planejar seu setor e com isto causar um impacto menor nas pessoas ao tomar
ações antecipadamente.
Como os servidores foram ouvidos, todos se sentiram parte do processo e não existiu
maior resistência na medição da produtividade mensal de cada setor na próxima etapa,
que ocorreu nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2016.
Desde o início do ano, também foi instalado e disponibilizado um Painel de Controle
Estratégico no corredor principal da delegacia, bem em frente à porta de entrada da sala
do delegado titular.
Figura 05 – Quadro onde foram expostas as Matrizes de Objetivos
Figura 06 – Quadro onde foram expostas as Matrizes de Objetivos
Fonte: Site da Polícia Civil
Com isso, foi possível o acompanhamento das atividades da unidade pela população de
uma forma geral e pelos setores de supervisão da Polícia Civil e do Ministério Público.
Como sempre frisei junto aos servidores, o painel não serviria para criar uma
competitividade ruim entre os setores da unidade, mas para demonstrar que todos ali
estavam de boa-fé, dispostos a verificar os problemas e corrigi-los. Afinal de contas, os
que permaneceram na unidade efetivamente trabalhavam muito, ainda que sem atingir os
resultados mínimos esperados.
O Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR), por meio da Promotora de Justiça
Nayani Kelly Garcia, foi um dos entusiastas e apoiadores do projeto, divulgando em seu
Informativo Criminal 339, de 04 de março de 2016, a iniciativa e os avanços que
possibilitava para uma gestão transparente e efetiva da atividade policial1.
Da mesma forma, o Departamento da Polícia Civil (DPC) também achou interessante o
projeto piloto, ainda que não o aderindo de forma institucionalizada. Contudo, uma
reportagem na página da internet da Polícia Civil possibilitou a introdução do assunto
“controle de gestão e mediação de resultados e produtividade” em um ambiente altamente
refratário a qualquer tipo de controle e a mudanças como é o da polícia2.
No início de abril deste ano, ocorreu uma mudança de gestão na unidade, sendo que
passei para a função de delegado titular da Delegacia de Furtos e Roubos de Cargas e o
delegado Matheus Layola assumiu a função de delegado chefe da DFR.
O projeto ficou parado durante alguns meses, mas voltou a ser utilizado pela nova equipe
devido à contribuição e facilidade que traz para o desempenho da função policial, ao
auxiliar na organização das atividades e permitir a visualização gráfica dos resultados
alcançados.
Depois da medição da produtividade em janeiro e fevereiro, já foi possível a
implementação de mudanças em minha rotina de trabalho, já que pude verificar onde
despendia mais tempo durante meu horário de trabalho e a partir disso, otimizar minhas
atividades e melhorar minha produtividade.
1 Disponível em: http://www.criminal.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1618. Acesso em: 28
ago. 2016. 2 Disponível em: http://www.policiacivil.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=11929&tit=DFR-implanta-
projeto-de-controle-estrategico-e-produtividade. Acesso em: 28 ago. 2016.
5. Resultados obtidos
Como já descrito acima, acredito que os mais benéficos resultados obtidos com o projeto
apresentado são os ocorridos já na elaboração da Matriz de Objetivos, pois é a partir da
construção da tabela que se conhece profundamente a unidade policial em que você está
lotado, passando a conhecer cada setor e sua função. Isso faz com que todos os
servidores pensem e repensem sobre o que fazem, como fazem e para que/por que
fazem.
Boa parte dos funcionários, antes dessa etapa, não questionava qual a utilidade de se
fazer as atividades que desempenhavam, qual o motivo e a contribuição para o resultado
final almejado pela instituição à qual pertence. Tão somente faziam porque sempre se fez
daquele jeito.
Esse objetivo de mudança já foi alcançado imediatamente, pois precisávamos das
informações e sugestões de indicadores e parâmetros para construir a Matriz de Objetivos
da DFR.
Ao gestor da unidade, essa visão geral possibilita, como no meu caso, visualizar qual será
o setor prioritário e como iremos distribuir nossos recursos. No caso em análise, a partir
da minha visão de segurança pública de polícia judiciária, coloquei como principais
indicadores as atividades diretamente ligadas à investigação criminal e coleta de provas
para o inquérito policial.
Com isso, as metas de relatórios de investigação e de relatórios finais de inquérito policial
foram elevadas, para que as rotinas diárias de trabalho se concentrassem na atividade fim
da unidade.
Aqui, cabe ressaltar outra qualidade da ferramenta. Ela é um instrumento útil que pode
ser utilizado para diferentes visões e estratégias de segurança pública, servindo para
diferentes políticas ou visões de mundo. Ela não engessa o gestor, o delegado ou o
policial. Cada qual ainda pode implementar sua estratégia de segurança pública, mas
agora de forma organizada, coerente e eficaz.
Após dois meses de medição (janeiro e fevereiro de 2016), já foi possível visualizar que
boa parte dos setores da unidade dedicavam a maior parte do tempo para atendimento ao
público e não em sua atividade fim.
No meu caso, por exemplo, já que a função de um delegado de polícia é coordenar
investigações (formalizadas em um inquérito policial) para coletar indícios de
materialidade e autoria de um crime, consegui visualizar que meu trabalho era irrisório,
insignificante para a população ou para justificar a função de Delegado de Polícia. Outras
falhas foram detectadas, mas para evitar qualquer menção que possa causar algum
constrangimento ou mal estar em relação à divulgação do projeto, utilizo o meu caso para
exemplificar os resultados obtidos e o potencial do projeto.
Observou-se que se passava muitas horas na delegacia, trabalhava-se muito mais do que
as oito horas diárias ou quarenta horas semanais, pensava no funcionamento da unidade
e em seus problemas quase vinte e quatro horas por dia. No entanto, trabalhava errado,
sem método, tentando resolver os problemas que apareciam sem parar, aleatoriamente,
na delegacia.
Com os indicadores, consegui visualizar que quase oitenta por cento das atividades que
realizava em um dia eram dedicadas a atender vítimas, advogados e envolvidos na
investigação. Se eu considerar que a atividade principal de um delegado titular de uma
unidade é atender ao público em geral, tenho certeza que minha atividade estava sendo
muito bem realizada. Afinal de contas, minha média de atendimento era em torno de trinta
pessoas por dia nos dois primeiros meses.
Mas por acreditar que não é esse o papel principal da Polícia Civil como um todo, nem o
meu como atividade primordial, organizei minha agenda para o mês de março atender ao
público em geral apenas três dias na semana, com agendamento prévio nos outros dias
ou imediatamente nos dias em que me dedicaria a isso. Segunda, quarta e sexta-feira
atenderia ao público. Nas terças e quintas-feiras, dedicaria todo o meu tempo
exclusivamente para a investigação policial e elaboração de relatórios finais em inquéritos
policiais.
As pessoas que compareciam ou ligavam na terça ou quinta-feira para falar comigo eram
atendidas por uma secretária e já tinha uma reunião agendada para o dia seguinte. Não
existiu qualquer problema no não atendimento imediato das demandas nesses dois dias,
mas a possibilidade de dedicar no mínimo oito horas diárias para apenas analisar os
inquéritos e o estágio das investigações, permitiu que no mês de março eu relatasse e
desse andamento em cinco vezes mais inquéritos do que nos meses anteriores,
mantendo as mesmas atividades administrativas da delegacia, de representação da
Polícia Civil e de atendimento ao público em geral.
Uma medida simples que, com a continuidade do projeto vai ser visualizada em cada
setor, possibilitando que a produtividade da Polícia Civil alcance patamares dignos de
justificar a sua existência como instituição.
De forma evidente, a transparência da gestão e o acompanhamento das atividades
policiais foram melhoradas desde o primeiro mês, pelo Painel de Controle instalado na
unidade, fazendo com que todos se sentissem um pouco mais partícipes da segurança
pública.