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Escola da Cidade Faculdade de Arquitetura e Urbanismo BELO MONTE: UMA CARTOGRAFIA DA AUSÊNCIA OS BEIRADEIROS ATINGIDOS Relatório Final Pesquisa de Iniciação Científica Pesquisadora: Bruna Ribeiro Alves (IFSP) Orientadores: Profa. Dra. Marta Lagreca (EC) e Prof. Dr. José Paulo Gouvêa (EC) Colaboradores: Prof. Dr. José Guilherme Schutzer (EC) e Prof. Dr. Paulo Bomfim (IFSP) São Paulo 2016

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Escola da Cidade

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

BELO MONTE: UMA CARTOGRAFIA DA AUSÊNCIA –

OS BEIRADEIROS ATINGIDOS

Relatório Final – Pesquisa de Iniciação Científica

Pesquisadora: Bruna Ribeiro Alves (IFSP)

Orientadores: Profa. Dra. Marta Lagreca

(EC) e Prof. Dr. José Paulo

Gouvêa (EC)

Colaboradores: Prof. Dr. José Guilherme

Schutzer (EC) e Prof. Dr.

Paulo Bomfim (IFSP)

São Paulo

2016

BRUNA RIBEIRO ALVES

Belo Monte: Uma cartografia da ausência – Os beiradeiros atingidos

Relatório apresentado à Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo Escola da Cidade

como requisito para a realização de

Iniciação Científica inserida no Projeto

Contracondutas.

Orientadores: Profa. Dra. Marta Lagreca

(EC) e Prof. Dr. José Paulo

Gouvêa (EC)

Colaboradores: Prof. Dr. José Guilherme

Schutzer (EC) e Prof. Dr.

Paulo Bomfim (IFSP)

São Paulo

2016

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 5

1.1 Justificativa do trabalho ........................................................................................................ 6

2 OBJETO E OBJETIVO DA PESQUISA ............................................................................ 7

3 METODOLOGIA .................................................................................................................. 8

4 ESTUDO INICIAL ................................................................................................................ 9

4.1 Referencial teórico ................................................................................................................ 9

4.2 Contexto Nacional .............................................................................................................. 17

4.3 Aproximações cartográficas ............................................................................................... 22

4.3.1 Mapa IBGE ...................................................................................................................... 22

4.3.2 Mapa EIA/RIMA ............................................................................................................. 24

4.3.3 Reflexões ......................................................................................................................... 26

5 DISCURSOS CONFLITANTES ........................................................................................ 28

5.1 Discurso oficial – RIMA .................................................................................................... 29

5.2 Discurso não-oficial – ISA ................................................................................................. 52

5.3 Reflexões ............................................................................................................................ 64

6 ANÁLISE DA CARTOGRAFIA OFICIAL – EIA .......................................................... 73

6.1 Desterritorializações e Reterritorializações ........................................................................ 73

6.1.1 ADA Rural ....................................................................................................................... 74

6.1.1.1 Reservatório do Xingu .................................................................................................. 75

6.1.1.2 Reservatório dos Canais ............................................................................................... 78

6.1.1.3 Reflexões ...................................................................................................................... 80

6.1.2 ADA Urbano ................................................................................................................... 80

6.1.2.1 Igarapé Altamira ........................................................................................................... 80

6.1.2.2 Igarapé Ambé ............................................................................................................... 82

6.1.2.3 Igarapé Panelas ............................................................................................................. 85

6.1.2.4 Reflexões ...................................................................................................................... 86

6.2 Modos de Vida ................................................................................................................... 88

6.2.1 Reflexões ......................................................................................................................... 93

6.3 Usos do Rio Xingu ............................................................................................................. 93

6.3.1 Reflexões ......................................................................................................................... 96

7 CARTOGRAFIA DA AUSÊNCIA .................................................................................... 97

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 99

9 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 101

10 GLOSSÁRIO ................................................................................................................... 103

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1 INTRODUÇÃO

Pretende-se nesta pesquisa discutir a rede de impactos gerados pelas obras da

hidrelétrica de Belo Monte, localizada na bacia do rio Xingu, no estado do Pará, sobretudo no

que se refere aos processos de desterritoralização (Haesbaert, 2008) afetando diretamente o

modo de vida das populações locais e nativas, os ribeirinhos e os indígenas, que se localizam

às margens do rio Xingu, portanto os beiradeiros. Ainda há na extensão destes impactos

outras instâncias nos processos de deslocamento, provocados pela implementação da usina,

que englobam fluxos materiais e imateriais, como a massiva migração de trabalhadores para a

própria usina, aumentando a densidade populacional dos municípios nos quais esses

trabalhadores são assentados, assim, acarretando em diversos desdobramentos nas populações

locais, que inclui também a questão de trabalho análogo a escravo, por muitas vezes

identificado em grandes obras da construção civil, como também aumento da prostituição, das

DST, do tráfico humano, drogadição e demais mazelas.

Apresentada como a joia da coroa do Plano de Aceleração Econômica (PAC), a Usina

Hidrelétrica de Belo Monte tem seu projeto original previsto desde o período da ditatura

militar, inclusa do II Plano Nacional de Desenvolvimento (BRASIL, 1974). Seu projeto tem

sido contestado desde então, por diversos setores da sociedade, principalmente, tocante a

danos ambientais. Porém, para além do impacto ambiental, há de se considerar que vários

empreendimentos na história do planejamento nacional contribuem, infelizmente, para o

desmantelamento e deslocamento territorial, de sociedades locais, já em si vulnerabilizadas,

problemática apresentada na presente pesquisa.

De acordo com o ISA (Instituto Socioambiental), o projeto gerenciado pelo Consórcio

Norte Energia, atraiu cerca de 75 mil pessoas para a construção da obra, acarretando um

aumento drástico e significativo no requerimento de infraestrutura e serviços públicos, já

precarizados na região da implementação da usina. Os investimentos previstos e

implementados para atender a melhoria na infraestrutura de saúde, educação, saneamento

básico e segurança do entorno impactado foram identificados como insuficientes e carentes de

um planejamento mais minucioso, qualitativo e efetivo. No âmbito do realocamento das

populações afetadas, é possível também identificar a precariedade em seu planejamento, pois

tais contingentes foram obrigados a desocupar suas residências de maneira ágil e compulsória,

impostos a escolher alguma medida ofertada de compensação, que em suma, não atendiam às

reais necessidades e nem de aproximada compensação justa, perdurável e competente em sua

6

totalidade. Há ainda, as questões envolvendo a pratica pesqueira tradicional que além do

cerceamento espacial do exercício pesqueiro pela implementação da usina, também altera

características físicas do rio, criando alagamentos em determinadas regiões para seus

reservatórios e pontuais retificações e demais alterações ao longo do curso do rio,

modificando aspectos da água, como turbidez, afetando o meio biótico dos peixes (Leonel,

1998). Outra medida justificada como compensatória para a população indígena foi

implementada por intermédio de indenizações monetárias arbitrárias e não por medidas para

ressarcir qualitativamente essas populações, gerando conflitos internos nas aldeias e uma má

implementação da verba direcionada.

1.1 Justificativa do trabalho

De tal maneira, busca-se a partir da análise das representações cartográficas oficiais

identificar não somente como esses impactados são representados, mas também as possíveis

ausências contidas nessas representações, compreendendo e questionando sua

intencionalidade e por intermédio da produção de uma cartografia alternativa representar,

contemplar e compreender a organicidade dos conflitos gerados.

Essa pesquisa faz parte do Projeto Contracondutas sob responsabilidade da Escola da

Cidade, financiado pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) acordado pelo Ministério

Público do Trabalho, que busca a partir de atividades inter-relacionadas, que englobam

pesquisas cientificas, intervenções públicas e meios de comunicação, levantar questões

pertinentes às obras de infraestrutura, território e a trabalho análogo a escravo. Questões que

são intrínsecas nesta linha de pesquisa, “As representações cartográficas oficiais e não oficiais

sobre Belo Monte: uma comparação”, o que justifica sua presença no Contracondutas.

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2 OBJETO E OBJETIVO DA PESQUISA

A presente pesquisa tem como objeto aprofundar o estudo acerca dos impactos da

construção da usina de Belo Monte, sobretudo em relação às populações tradicionais e

autóctones, à margem das grandes políticas públicas. A partir de um levantamento e análise

comparativa dos dados sobre os municípios impactados pela Usina de Belo Monte (Altamira,

Vitória do Xingu, Brasil Novo), especialmente as representações cartográficas divulgadas

pelos órgãos oficiais, os quais legitimam políticas de planejamento que possuem traços

desenvolvimentistas de otimização do capital, provocando processos de desterritoralização e

reterritorizalização destas populações intencionalmente emudecidas, expropriadas e pouco

relevadas em favor ao avanço acelerado da modernidade, cujo discurso apela para o

imperativo do “progresso” negando os conflitos já existentes e gerados por esse mesmo

sistema.

Tem-se como objetivo a partir desse estudo confeccionar e apresentar produtos

cartográficos fundamentados na cartografia geográfica crítica, que busca melhores formas de

utilização dos mapas para a análise do espaço geográfico, por meio da uma proposta teórico-

metodológica, contextualizar procedimentos e metodologias de mapeamento na teoria crítica

do mapa (GIRARDI,2008), que contenham uma representação alternativa, uma cartografia

“simbólica” dessas populações ausentes com a premissa de ser um instrumento para melhor

compreensão científica dos processos gerados que abarcam a formação territorial do Brasil

contemporâneo, especificamente da região afetada pela usina hidrelétrica de Belo Monte.

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3 METODOLOGIA

Para o desenvolvimento do trabalho de pesquisa foi adotada a leitura e discussão dos

textos escolhidos entre pesquisadoras, orientadores e colaboradores, a fim de fundamentar o

referencial teórico de cada pesquisadora, para constituir uma base conceitual que

possibilitasse uma melhor análise cartográfica, iniciada na etapa denominada aproximações

cartográficas, elaborada em conjunto pelas duas pesquisadoras.

9

4 ESTUDO INICIAL

4.1 Referencial teórico

Partindo de leituras e discussões dos textos contidos na dissertação de mestrado de

José Paulo Neves Gouvêa “Cidade do mapa: A produção do espaço de São Paulo através de

suas representações cartográficas” (2010), dos artigos “Quem impede o desenvolvimento

circular” (2008) de Dominique Perrot e “Território e multiterritoralidade: um debate” de

Rogério Haesbaert (2007) e do livro “A morte social dos rios” (1998) de Mauro Leonel,

busca-se embasamento para construir uma compreensão mais assertiva e conceitual sobre os

processos gerados pelos projetos de desenvolvimento, dos quais esta pesquisa dispõe-se a

estudar o caso da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, e seus impactos, analisando como são

cartograficamente representados pelos órgãos oficiais.

Deste modo, compreendeu-se que as atividades humanas, portanto sociais, só podem

se dar no espaço, e este afeta é afetado pelas atividades sociais sob ele exercidas. Gouvêa

propõe em sua dissertação a análise do espaço por uma ótica do entendimento do espaço

produto-produtor segundo Lefebvre, que para analisar os processos decorrentes dessa relação

destaca a importância em compreender a produção do espaço, que muda a perspectiva do

espaço de não ser somente um fato da natureza ou da cultura, mas para um produto decorrente

das interações e apropriações do espaço pela sociedade, que não se limita em ser definida pelo

espaço, mas que também o modifica de acordo com seus imperativos econômicos e políticos.

Pensar o espaço como produto, analisar e expor a produção do espaço,

significa “elegê-la como um momento da sociedade atual, isso é,

como uma reveladora dessa mesma sociedade que permita apreendê-la

como totalidade. Momento onde, por meio de uma agudização

extrema da contradição é possível visualizar seu fim, a possibilidade

de sua superação. Não somente caracterizar o espaço que vivemos em

sua gênese, mas reencontrar através do, e pelo espaço produzido, a

gênese da sociedade atual. (GOUVÊA, 2010, p. 36-37).

Portanto, se há uma intervenção no espaço pela sociedade, uma relação

sociedade/natureza, pode-se encarar que há um engendramento entre os modos de produção

de cada sociedade e a produção do espaço por elas desenvolvidas, que percorrem a história,

assim, sendo possível identificar uma história do espaço, passível de ser periodizada e

relacionada às características de determinada sociedade, “uma história dos espaços segundo o

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modo de produção” (GOUVÊA, 2010, p. 38), identificando assim, processos da ordenação

social.

O modo de produção diz respeito a forma de organização socioeconômica de certa

sociedade, incluindo a relação entre forças produtivas, que são as forças de trabalho humano

aplicados para dominar e transformar a natureza visando a produção de bens materiais, com as

relações de produção, que são as maneiras com as quais as sociedades desenvolvem suas

relações de trabalho e a distribuição de seu processo e produção material, incluindo a noção

de propriedade. Assim, entende-se a complexidade que envolve as relações humanas com a

natureza para além de fatores sociais, às instâncias do desenvolvimento econômico e político

das sociedades, afinal, ao apropriar-se da natureza para sua transformação em bens materiais e

de consumo, se produz uma intervenção no espaço, determinando os imperativos no

significado do espaço que estão ligados a uma perspectiva de desenvolvimento.

Tratando-se no período contemporâneo de uma organização sob o modo de produção

capitalista, essa se reflete na forma da produção do espaço atual, portanto, um espaço

capitalista, “espaço homogêneo, fragmentado, hierarquizado” (GOUVÊA, 2010, p. 44),

características observáveis nas cartografias elaboradas até então, impulsionadas pelos anseios

do mercado mundial, portanto encarado com um olhar economicista, sustentado pelo Estado,

que por intermédio da urbanização se justifica pelo discurso de desenvolvimento. Homogêneo

por se tratar de um espaço urbanizado, de modo que em uma grande escala pode ser

observado como unidade; Fragmentado porque está ligado ao caráter econômico, pois é

passível de ser geometrizado, logo vendido e consumido em lotes; E hierarquizado pela

separação funcional e de valor de uso que se atribui a determinado espaço, ligado a níveis de

poder econômico e político, observável na segregação entre centro e periferia.

Com a leitura de Dominique Perrot, há o entendimento de que o discurso do

desenvolvimento contém uma perspectiva utilitarista do espaço, o que remete ao

posicionamento de Milton Santos em conceituar “espaço usado”, ligado a uma interpretação

econômica do espaço e dos recursos naturais contidos nele, logo expropriados pelo e para o

capital (SANTOS, 2005). A perspectiva de “progresso” almejada permeia essas noções de que

o desenvolvimento, sobretudo em grandes projetos desenvolvidos sob este discurso, tais quais

o da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, sempre será para bem-estar coletivo, logo uma

inevitável solução para os problemas, que muitas vezes, são agravados justamente por estes

projetos que carregaram tal discurso, interferindo negativamente tanto nos recursos naturais

quanto nas populações tradicionais e autóctones.

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Se quisermos entender o que acontece realmente, independente das

intenções e desejos por mais louváveis que sejam, é melhor desde já

considerarmos o desenvolvimento enquanto relação inscrita em um

dado jogo de forças que revela a História. A natureza dessa relação é

caracterizada por uma valorização geral das pessoas e recursos

naturais através dos mecanismos do mercado. Ou, em outras palavras,

por uma transformação sistemática da natureza e das relações sociais

em bens e serviços para o mercado. Visto desse ângulo, o

desenvolvimento aparece como o empreendimento de destituição e

expropriação em proveito de minorias dominantes mais vasto e mais

abrangente que já existiu. (PERROT, 2008, p.221)

Em certa passagem de Perrot é possível fazer uma correlação ao que Gouvêa diz a

respeito do espaço capitalista ser considerado homogêneo ao explicitar a ocultação intencional

dos povos autóctones para legitimação do modelo desenvolvimentista.

Os povos autóctones e as minorias não estão explicitamente

nomeados, e com razão: o direito ao desenvolvimento associado ao

direito à autodeterminação diz respeito somente às populações

nacionais consideradas em sua homogeneidade fictícia. Isso não

impede que esse artigo reúna no papel o que esses povos indígenas

sempre exigiram, a saber, a autodeterminação, a inalienabilidade das

terras e dos recursos e a soberania sobre seu território. Ao mesmo

tempo, esses princípios não estão, a nosso ver, e como pretende a

Declaração, incluídos no direito ao desenvolvimento. Por um lado,

porque eles o precedem, e de longe, no tempo; e por outro lado porque

a autodeterminação é um princípio cujas diferentes modalidades de

aplicação não saberíamos julgar. Estas dependerão do projeto social e

existencial de cada grupo, tendo em vista o seu meio ambiente e a

natureza da relação que o coloca em conflito com a sociedade

nacional, do Estado e das forças econômicas transnacionais.

(PERROT, 2008, p.225)

Com isto, compreende-se a relação conflituosa e paradoxal entre essas populações e o

desenvolvimento, que se dá “por uma transformação sistemática da natureza e das relações

sociais em bens e serviços para o mercado” (PERROT, 2008, p.221), e ao se tratar de projetos

da alçada da construção civil, como no caso da usina hidrelétrica de Belo Monte, “o

desenvolvimento aparece como o empreendimento de destituição e expropriação em proveito

de minorias dominantes” (PERROT, 2008, p.221), causando um deslocamento forçado de

populações que se encontram em determinado raio de impacto do empreendimento,

provocando processos de “desterritorializações e reterritorializações’ segundo Haesbaert

(HAESBAERT, 2007), que desconsideram as relações particulares destas populações

autóctones com o espaço.

12

De acordo com Haesbaert, a noção de território possui dupla conotação, uma pautada

em um significado simbólico e outra material, já que etimologicamente, há a aproximação do

conceito de dominação, que abrange a política e ao jurídico e também a ideia de identificação

para com o território de quem consegue, ou como diz, tem o privilégio de usufruí-lo em

totalidade, gerando uma relação de “apropriação” com esse território. Tais significâncias

podem ser observadas na questão entre os povos autóctones e o desenvolvimento (estatal) em

relação ao território, afinal, para os autóctones, o território possui um caráter mais simbólico,

de apropriação, partindo de uma identificação cultural, composto por marcas do “vivido”,

obtendo valor de uso, já para o Estado possui um atributo de poder político e econômico,

interpretado de maneira mais concreta e funcional, associado ao valor de troca, portanto de

dominação, relacionado ao conceito de propriedade (HAESBAERT, 2007, p.21). O autor para

diferenciar apropriação de dominação cita o filósofo e sociólogo Lefebvre num excerto onde

elucida sobre essa diferenciação:

O uso reaparece em acentuado conflito com a troca no espaço, pois ele

implica "apropriação" e não propriedade". Ora, a própria apropriação

implica tempo e tempos, um ritmo ou ritmos, símbolos e uma prática.

Tanto mais o espaço é funcionalizado, tanto mais ele é dominado

pelos "agentes" que o manipulam tomando-o unifuncional, menos ele

se presta a apropriação. Por quê? Porque ele se coloca fora do tempo

vivido, aquele dos usuários, tempo diverso e complexo. (Lefèbvre

apud HAESBAERT, 2007, p.21).

Desta maneira, identifica-se uma característica de apropriação do espaço pelos povos

autóctones, onde se torna intrínseca e explicita sua relação com o espaço como laços culturais

específicos que caracterizam sua particularidade, onde o território é entendido como símbolo,

meio de subsistência e perpetuação e palco de sua cultura, por isso valor atribuído ao uso que

se faz do território. Tal valor não considerado pelas forças desenvolvimentistas, entendendo

autóctones como não desenvolvidos, portanto justificativa para razões de intervenção,

investindo em supostas necessidades estranhas ao seu projeto social. (PERROT, 2008, p.218)

Quando a relação de desenvolvimento visa os povos indígenas, ela se

choca com alguns paradoxos. O primeiro considera que não se pode

desenvolver o que já está desenvolvido. Sem querer negar a grande

diversidade de situações e histórias particulares, podemos adiantar que

os povos autóctones se distinguem dos outros segmentos da sociedade

nacional pelo fato de que não são “desenvolvidos” no sentido comum

do termo. Na verdade, as sociedades tradicionais não aderem à noção

de lucro individual infinito. Tais sociedades praticam uma economia

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da reciprocidade, muitas vezes mais importante que aquela do

comércio de mercado; elas não têm acesso ao avanço científico do

conhecimento, isto é, à reflexividade sistemática e ao deslocamento

cognitivo em seu axioma e produzem uma racionalidade holística do

social, antes que uma racionalidade puramente econômica, para

evocar apenas alguns traços fundamentais que as caracterizam. Ser

desenvolvido é ter aceitado de maneira irreversível a lógica

essencialmente transitiva do desenvolvimento. Em compensação,

rejeitar o desenvolvimento é recusar uma relação assimétrica que visa

converter as pessoas em elementos atomizados e enfraquecidos de um

vasto movimento controlador e impessoal. Recusar o desenvolvimento

é assumir seu próprio destino e não estagná-lo ou retardá-lo, como

considera a visão mítica de uma história linear própria do Ocidente.

(PERROT, 2008, p.227)

Assim, percebe-se a necessidade de as políticas públicas adotarem uma lógica de

projeto que tenha condições de cumprir uma função protetora indispensável e avaliar se o

desenvolvimento desejado pela minoria será ou não impedido por essa intervenção exterior

(Rediske apud PERROT, 2008, p.224). A compreensão da existência de multiterritoralidades,

uma sobreposição lógica de territórios, hierarquicamente articulados, "encaixados"

(HAESBAERT, 2007, p.35), exemplifica este paradoxo entre o Estado e povos autóctones, na

medida em que se sobrepõem, pois são perspectivas diferentes para uma mesma porção do

território, entendidas por concepções de escalas distintas. Portanto, a ótica da

multiterritoralidade pode ser uma alternativa para melhor assimilação do engendramento dos

impactos gerados por projetos de desenvolvimento, já que contempla a multiplicidade de

expressões no/do território, a territorialidade, que pode incorporar as diversas relações

econômicas, culturais e políticas que se dão no território, ligada diretamente ao modo de

utilização, organização e significação do espaço por determinada sociedade/comunidade

(HAESBAERT, 2007, p.22).

Pode-se observar o conceito de territorialidade no ponto cerne do livro “A morte social

dos rios” de Mauro Leonel, que é a elucidação do uso social dos rios principalmente pelos

beiradeiros, justamente a população diretamente afetada pela implantação de hidrelétricas.

Leonel desenvolve a constatação de uma identificação social com os rios, sendo a água um

fator decisivo de escolha do espaço de concentração dos seres humanos, elemento

fundamental para a vida biológica da região, portanto o foco na água permite ampliar o estudo

das correlações socioambientais (LEONEL,1998, p.23), pois está ligada intrinsecamente ao

modo de vida e subsistência, conformando, assim, uma relação de territoralidade. O

beiradeiro ou ribeirinho, como definido no livro, é o pescador artesanal e rural, que reside em

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vilas, colocações ás margens do rio, caracterizando o modo de vida do interior amazônico,

não possuem a pesca como uma profissão, mas como uma atividade de auto sobrevivência e

de acesso ao mercado. (LEONEL,1998, p.28)

O ribeirinho necessita estar no centro de uma política de promoção do

desenvolvimento sustentável da pesca na Amazônia e de seu

gerenciamento ambiental. As soluções a serem buscadas vão desde o

reconhecimento de sua condição de pescador eventual, até o conjunto

de sua difícil condição de sobrevivência. Frequentemente, são menos

organizados do que os dedicados em tempo integral à pesca comercial.

As estradas, a colonização, a pecuária, tendem a valorizar suas terras,

empurrando-os a biscates na periferia das cidades, perdendo em

qualidade de vida. No interior, sua situação de baixa renda é agravada

pelo analfabetismo dominante, pelo quadro de carências de

atendimento à educação, saúde e comercialização, embora sua

nutrição seja melhor assegurada do que nas periferias carentes dos

grandes centros. (LEONEL, 1998, p. 29)

O paradoxo entre povos autóctones e desenvolvimento presente no texto de Domique

reaparece no livro de Leonel, onde também é possível observar o conflito entre

beiradeiros/ribeirinhos com as políticas públicas de desenvolvimento. Ao tratar dos interesses

do planejamento energético, Leonel tese críticas que dizem respeito a ética do processo do

planejamento, inclusive sobre a utilização do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), que

poderiam vir a servir, somente, para fins burocráticos de licenciamento da obra. Denomina

como “política de avestruz” as práticas que tendem a ignorar as interferências que podem

acarretar em um redimensionamento das obras em curso por demandas socioambientais,

sobretudo, em grandes obras de infraestrutura (pôde-se incluir às hidrelétricas) onde “há no

setor a tendência a considerar qualquer estudo como irreversível, e quanto mais longo e

custoso, mais difícil o recuo: uma pratica de fato consumada, sustentado por fortes interesses.

Argumenta-se que um estudo prévio custa em média US$ 16 milhões, ou seja, num país

pobre, estudou-se a obra, há que executá-la. Com os projetos semi-aprovados na mão, as

construtoras ficam de tocaia nos Correa públicos para viabiliza-los, quando não os antecipam,

comprometendo previamente o orçamento governamental” (LEONEL, 1998, p.193). Pode-se,

então, traçar uma semelhança com o trajeto do projeto da UHE Belo Monte, no que se refere

ao estudo, que já se encontra previsto desde o período de ditadura militar, incluso no II Plano

Nacional de Desenvolvimento (BRASIL, 1974), perdurando como investimento viável,

mesmo em meio a controvérsias burocráticas, incluso no PAC (Programa de Aceleração de

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Crescimento), lançado em 2007, na primeira gestão do presidente Lula, vindo a ser licenciado

somente em 2010, portanto um estudo que percorreu as mesas do planejamento público por

mais de 30 anos.

Os EIA e RIMA previstos para obtenção de licenciamento, não

chegam como garantia. Num país de cultura cartorial, legado colonial,

tendem a ser mais papéis carimbados e assinados por notáveis, do que

verdadeiras advertências com independência crítica multidisciplinar

sobre a obra a ser julgada e suas consequências socioambientais. A

comunidade científica, em particular, em reunião da SBPC (7/1987),

advertiu sobre o risco de tal instrumento transformar-se em uma farsa

destinada a encobrir desastres com o verniz da chancela científica.

(LEONEL, 1998, p. 200)

Outro ponto abordado é o dos fatores determinantes para a escolha da localização da

implantação das hidrelétricas, que em sua maioria, se localizam em regiões interioranas,

geralmente afastadas dos grandes centros, afim de diminuir a vigilância da opinião pública

devido a esta distância, onde pode-se manter um ritmo de construção acelerado, semelhante

ao do período militar, além de impasses financeiros que podem se orientar à privatização ou

ainda à manipulações ilícitas do orçamento federal (LEONEL, 1998, p.186-187).

Produz-se energia fundamentalmente por necessidades da vida urbana,

mas se busca realizar os empreendimentos em regiões isoladas, onde

se reduzem os custos. Mas as obras são els mesmas grandes

promotoras de cidades. A população atraída chega a ser dez vezes

maior que a diretamente atingida. Há poucos estudos sobre as

mudanças introduzidas nas aglomerações das redondezas, embora não

submetidas ao impacto direto do alagamento, ou seja, sobre os

chamados impactos indiretos. (LEONEL, 1998, p.207)

Também é possível observar o otimismo pelo advento de um desenvolvimento

sustentável, que releve seriamente seus impactos e compreenda a organicidade dos seus

processos, através de um planejamento integrado que preveja e rastreie os custos

socioambientais que esta política cobra, pelo entendimento do uso múltiplos dos rios

(LEONEL, 1998, p. 188). O autor salienta que tende-se a esquecer o além do aproveitamento

energético, “os rios servem a outras atividades produtivas, como a navegação, controle de

cheias, irrigações, abastecimento, diluição de afluentes, à vida dos animais, à pesca e/ou,

simplesmente, ao lazer do cidadão, à paisagem, e sobretudo, como água potável

(LEONEL,1998, p.188).

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Um dos instrumentos utilizados pelo Estado para a legitimação desse modelo

desenvolvimentista, que podemos classificar com base nas leituras descritas, para representar

seu valor de troca, portanto o espaço passível de ser monetizado, que é, sobretudo, uma

relação de poder e exploração, é a cartografia. Os mapas não são produzidos somente para e

pelo Estado, com expressão política e econômica, mas a sua utilização por ele é significativa

porque em uma representação cartográfica consegue-se apreender objetivamente os elementos

que compõem o território, desta maneira, são uma representação do espaço (Lefebvre apud

GOUVÊA, 2010, p.45), ou seja, uma mediação entre o espaço e as atividades sociais, suporte

material da quantificação para troca do/no espaço, uma interpretação da sociedade,

dissimulando a realidade, contendo uma intencionalidade na sua produção determinada pela

sua funcionalidade (GOUVÊA, 2010). Pode-se exemplificar pela existência do IBGE

(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), uma fundação de administração federal, que

possui um caráter público, realizando e divulgando censos, utilizando, entre outros, a

linguagem cartográfica, que englobam as esferas da geociências, economia, estatística e

demografia, mas que, sobretudo, pela cartografia afirma permanentemente a autoridade

territorial. Ou ainda no caso da utilização cartográfica no EIA de grandes projetos de

infraestrutura, onde há a representação do espaço que se deseja dominar/interferir em

detrimento da expropriação do mesmo, sugerindo uma importância hierárquica do projeto em

relação com as características do espaço até então existentes. Com isso, entendesse-se que “os

mapas redescrevem o mundo, assim como qualquer outro documento, respeitando relações e

práticas de poder, preferências e prioridades culturais” (GOUVÊA, 2010, p.61)

A fascinação exercida pelos mapas como documentos criados pelo ser

humano está não unicamente no fato de serem objetivos ou exatos,

senão também na sua ambivalência inerente e em nossa habilidade

para encontrar novos significados, agendas ocultas e visões do mundo

opostas nas entrelinhas da imagem. (Harvey apud GOUVÊA, 2010, p.

61)

Por fim, compreende-se que para contemplar e assimilar as subjetividades e

multiplicidades presentes no território, seria necessária uma visão para além da premissa

neutra do cientificismo, característico da modernização, logo da contemporaneidade, e do

discurso desenvolvimentista, através de uma desconstrução das representações, um olhar para

as ausências manifestadas, com a intuito de revelar os acontecimentos sociais e

consequentemente seus conflitos (GOUVÊA, 2010, p.63).

17

4.2 Contexto Nacional

A lógica do planejamento energético brasileiro pauta-se no aproveitamento do recurso

hídrico, devido à própria geografia do Brasil – constituída por uma malha hídrica vasta,

avaliada com um potencial significativo. Portanto, este potencial

é associado à necessidade de progresso e de geração de energia, configurando-se em um dos

maiores complexos hidrelétricos do mundo.

FIGURA 1 – Brasil – Hidrografia e Usinas Hidrelétricas

18

Fonte: Produção própria sobre base cartográfica do IBGE - Mapa Brasil Grandes Regiões [Cartas e Mapas-

Folhas Topográficas]

Esta cartografia busca demonstrar, justamente, este aspecto do desenvolvimento

nacional associado à construção de usinas hidrelétricas. É notável a geração de

energia tanto numa esfera de progresso econômico, como no âmbito social, pois o consumo

de energia elétrica está intrinsecamente ligado à qualidade de vida social, indispensável na

escala do indivíduo e na institucional. Todavia, através da apreensão anterior, em proporção

regional, a implantação de usinas do porte da Usina Hidrelétrica de Belo Monte tem fortes

desdobramentos e impactos socioambientais. Estas alteram o curso natural dos rios e o

volume de suas vazões e desmatam regiões inteiras nas quais serão construídas e onde se

instalarão seus reservatórios, que alcançam dimensões monumentais. Portanto, resultam, de

forma direta, em um grande impacto sobre o meio físico, biótico e socioeconômico do local

em que serão inseridas. A proporção destes impactos pode ser observada a exemplo da UHE

Belo Monte, que possui um reservatório de 516 km², área maior que a do município de Porto

Alegre – assim, podendo transformar antigos rios em efetivos lagos.

19

FIGURA 2 – Brasil – Hidrografia, Usinas Hidrelétricas e Desmatamento

Fonte: Produção própria sobre base cartográfica do IBGE - Mapa Brasil Grandes Regiões [Cartas e Mapas-

Folhas Topográficas]

A questão que envolve a região da Floresta Amazônica e as grandes obras de

infraestrutura contidas no plano de desenvolvimento nacional estabelece em si controvérsias

20

ao longo da história do país. A partir da década de 1960, a região da Amazônia como um

todo, passou a ser objeto de um processo de integração nacional. Este processo, através de

projetos de incentivo do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária),

atraiu significativos fluxos migratórios para a região, motivando novas demandas de

infraestrutura para comportar tais populações.

O próprio município de Altamira foi um dos municípios afetados por este plano.

A construção da rodovia Transamazônica, anterior à implantação do AHE (Aproveitamento

Hidrelétrico) Belo Monte, iniciada em 1968, ocasionou impactos semelhantes aos já citados

decorrentes da Usina, como o aumento do fluxo migratório, portanto o inchaço

demográfico; a desestruturação das dinâmicas locais, o que modificou aspectos tradicionais da

região; o desmatamento da área onde foi construída a infraestrutura, além do incentivo ao

desmatamento das localidades no entorno; e a ocupação urbana desordenada, que propiciou

processos de favelização e pauperização social, como no caso das palafitas (ocupações junto

aos igarapés, motivadas por necessidades de subsistência). Justamente estas últimas,

estruturas mais vulneráveis, estão contidas na área levantada pelas Avaliações de Impacto

Ambiental da UHE Belo Monte como a área diretamente afetada pela sua construção.

Com isto, compreende-se também a implantação de rodovias como impulsionadora de

impactos ambientais e sociais de destaque e amplidão similares aos de

usinas hidrelétricas. Estas infraestruturas, portanto, impulsionadas há décadas pelos planos de

desenvolvimento para o país, impactam diretamente no desmatamento. Estes processos se

tornam claros ao se sobrepor a malha rodoviária às manchas de desmatamento configuradas

no território brasileiro.

21

FIGURA 3 – Brasil – Rodovias e Desmatamento

Fonte: Produção própria sobre base cartográfica do IBGE - Mapa Brasil Grandes Regiões [Cartas e Mapas-

Folhas Topográficas]

Deste modo, a partir das cartografias aqui explicitadas, infere-se de suma importância

a elaboração de produtos cartográficos para se construir o entendimento crítico acerca dos

22

processos conflitantes entre desenvolvimento e povos autóctones. As cartografias propostas,

então, conformam-se em ferramentas elementares para embasamento do debate a respeito

das controvérsias presentes no paradigma do desenvolvimento sustentável e passíveis de

serem empregadas como representações espaciais reveladoras das ausências contidas nos

discursos em questão.

4.3 Aproximações cartográficas

Com base nas leituras descritas anteriormente, entende-se que as representações

cartográficas demonstram uma perspectiva e uma intencionalidade, apesar de parecerem

neutras e científicas. Deste modo, busca-se ler e analisar mapas da região da Usina

Hidrelétrica de Belo Monte através dos conceitos discutidos.

4.3.1 Mapa IBGE

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é o órgão público responsável

por produzir mapas, de caráter institucional e científico, que representam e indicam os

processos que ocorrem no território brasileiro. Com isso, selecionou-se o mapa político de

Belém de 2005, que contém em sua representação a área impactada pela Usina. Por ser um

mapa político, centra-se em identificar somente os nomes de cidades e municípios e

elementos de infraestrutura urbana, como as principais rodovias, ferrovias e a rede hídrica,

incluindo a indicação da localização da Usina de Belo Monte, de Terras Indígenas e de

localidades rurais. Deste modo, seu discurso permanece neutro e caracteriza o espaço como

homogêneo.

No que diz respeito à representação das terras indígenas, não há informações que as

qualifiquem, inclusive, não indicando a localidade da Terra Indígena Arara da Volta do Xingu

que se localiza a margem do rio Xingu contrária à da Terra Indígena Paquiçamba.

23

FIGURA 4 – Mapa político de Belém - PA (2005)

Fonte: IBGE

24

FIGURA 5 – Recorte do “Mapa político de Belém - PA (2005)”

Fonte: IBGE

4.3.2 Mapa EIA/RIMA

Para viabilizar a construção da obra, a Empresa Norte Energia S.A. elaborou estudos

de Avaliação de Impacto Ambiental, medida imposta pelo IBAMA (Instituto Brasileiro de

Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) a empreendimentos de grande potencial

poluidor. Este estudo contém o EIA (Estudo de Impacto Ambiental), que visa avaliar os

impactos ambientais decorrentes da UHE Belo Monte e estabelecer programas de mitigação e

monitoramento dos mesmos.

25

A cartografia selecionada representa a ADA (Área Diretamente Afetada) e os imóveis

urbanos afetados em uma parcela do município de Altamira, o maior município da região.

Representa, além dos sistemas viário e hidrográfico, o uso das edificações da área afetada, o

limite do reservatório, a cota 100 (cota prevista de impacto direto) e a APP (Área de

Preservação Permanente).

FIGURA 6 – Área diretamente afetada – Imóveis urbanos afetados

Fonte: EIA (2008)

Entretanto, esse mapa só representa as edificações diretamente afetadas por meio da

delimitação da cota 100, não as diferencia das demais edificações. Ao representá-las da

mesma maneira, por exemplo, uma edificação de uso educacional dentro da cota 100 e uma

fora, a cartografia em questão negligencia o real impacto sofrido pelas edificações na ADA,

neutralizando as diferenças e a ação de remoção involuntária. Além disso, reduz ainda mais o

problema ao representar somente os imóveis afetados, a construção em si, ocultando a

população que reside e se utiliza deles. Os outros mapas do EIA também não apresentam uma

qualificação social e econômica desse público impactado. Portanto, cabe ressaltar ainda que

26

ao se pensar na população afetada, deveria estar representada no mapa uma parcela muito

maior de edificações, dentre elas também onde residem os beiradeiros além da cota 100.

FIGURA 7 – Recorte do mapa “Área diretamente afetada – Imóveis urbanos afetados”

Fonte: EIA (2008)

4.3.3 Reflexões

Nota-se, portanto, que as duas fontes cartográficas selecionadas para a análise

representativas do padrão de cartografia oficial, não apresentam os reais impactos decorrentes

da implementação da UHE Belo Monte e pasteurizam as diferenciações sociais, deixando

invisíveis a desestruturação da vida local (trabalho, lazer, família) a que a parcela da

população será submetida. Ao sobrepor informações de ambos os mapas, é possível fazer uma

interpretação mais abrangente desses processos, dentro da cota 100, ainda assim, uma

representação insuficiente por não abordar questões que envolvem o encadeamento dos

27

efeitos sociais, pois somente a indicação do raio dos impactos não englobam as dinâmicas que

de fato ocorrem no espaço, levantando o questionamento de como esses efeitos acontecem e

deveriam ser representados cartograficamente, portanto, entende-se a necessidade de uma

cartografia alternativa, que supere o caráter neutro tecnicista.

FIGURA 8 – Cartografia Alternativa da UHE Belo Monte – Os Beiradeiros

Fonte: Autoria própria, elaborada a partir do mapa do IBGE e do EIA apresentados anteriormente.

28

5 DISCURSOS CONFLITANTES

Esta etapa da pesquisa tem como objetivo apresentar duas perspectivas distintas que

configuram uma situação de conflito, ao tratarem dos impactos da Usina Hidrelétrica Belo

Monte. Uma contida na Avaliação de Impacto Ambiental, elaborado pela Leme Engenharia,

que busca caracterizar a área afetada pela implantação da Usina, incluindo o âmbito dos

estudos relacionados à dimensão Socioeconômica, que interessa de perto a esta pesquisa.

O Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental, contidos nesta Avaliação, demonstram

as dimensões e abrangência dos impactos negativos e positivos da implantação da Usina nas

áreas afetadas, em seus aspectos sociais e econômicos e nos meios físico e biótico. A fim de

solucionar, mitigar ou compensar estes impactos, são propostos planos, ações e projetos,

como condicionantes ambientais, para as diversas fases de licenciamento da obra (instalação,

implantação, operação).

Por outro lado, o Dossiê Belo Monte, elaborado pelo Instituto Socioambiental (ISA),

apresenta uma perspectiva mais crítica e atenta aos prejuízos trazidos ao território e à

população local pela implantação da Usina. Este documento visa trazer a público a efetividade

da implementação das condicionantes ambientais como parte do licenciamento da Usina de

Belo Monte. Demonstra claramente que tais medidas revelaram-se, posteriormente, como

insuficientes, desarticuladas e, em alguns casos, não foram cumpridas. Observaram-se

também muitos descompassos entre o compromisso assumido no processo de licenciamento,

o cronograma da obra e a implementação efetiva das medidas de equiparação de danos.

O intuito do presente capítulo é confrontar dois discursos que atualmente mostram-se

conflitantes, a fim de explicitar o debate e as reflexões acerca das lógicas de produção, mais

detidamente das cartografias, gráficos e infográficos elaborados nos dois documentos, e

apontar as divergências atuais entre os documentos produzidos no âmbito do licenciamento

ambiental pela concessionária – EIA/RIMA – e as lacunas e dificuldades para a

implementação dos planos e programas de mitigação, assim como o descumprimento destas

condicionantes ambientais exigidas pelo IBAMA e evidenciadas no Dossiê Belo Monte.

Desta forma, pode-se contribuir para a formação de uma visão mais crítica da produção

cartográfica associada ao licenciamento ambiental de grandes obras no país.

29

5.1 Discurso oficial – RIMA

O RIMA – Relatório de Impacto Ambiental do AHE Belo Monte – é o documento que

visa trazer, de forma acessível e sucinta, as informações analisadas no EIA (Estudo de

Impacto Ambiental): informações sobre o empreendimento, sobre a região anterior a

construção da Usina Hidrelétrica e os principais efeitos decorrentes da mesma. A Leme

Engenharia foi a empresa responsável pela realização tanto do EIA, quanto do RIMA. A

Themag, a Intertechne e a Engevix foram as responsáveis pelos estudos das comunidades,

terras e áreas indígenas. O EIA e o RIMA fazem parte do processo de licenciamento para a

Usina ser construída e entrar em funcionamento e, para isto, foram aprovados pelo IBAMA.

O Relatório afirma, inicialmente, que a construção da Usina Hidrelétrica de Belo

Monte é uma decisão muito importante, que precisa ser estudada e avaliada pelo poder

público, pelo órgão ambiental, pelos moradores da região, pelas entidades e pelos

representantes da sociedade civil.

A apresentação do mesmo consiste em ressaltar a necessidade de analisar os efeitos

decorrentes da construção de uma usina hidrelétrica, sendo eles negativos ou positivos – o que

foi feito pelo EIA ao se estudar o meio físico, o meio biótico, o meio socioeconômico e as

comunidades indígenas. Deste modo, o EIA pôde apontar grandes mudanças no projeto inicial

de engenharia presente nos Estudos de Viabilidade de 2002, a fim de construir uma usina que

“possa ser construída e operada com sustentabilidade” (RIMA, 2009, p.7), ao diminuir seus

efeitos negativos e potencializar os positivos.

A Introdução do RIMA consiste na explicação breve do que é uma usina hidrelétrica e

dos processos que precedem e decorrem de sua construção, explicando de forma sucinta as

etapas para uma usina entrar em funcionamento. Apresenta, então, o AHE Belo Monte, que

faz parte dos planos do Governo Federal de produzir mais energia até 2030, representando

5,5% do que o Brasil necessita, com uma capacidade de 11.233,2 MW. Faz parte, também, do

SIN – Sistema Interligado Nacional, que distribui e recebe grande parte da energia elétrica

que percorre o país.

O documento exibe, posteriormente, as mudanças propostas pelo EIA ao Projeto de

Engenharia a fim de diminuir os efeitos negativos: a mudança para a cidade Vitória do Xingu

de 2.500 casas para funcionários das obras (previstas anteriormente para uma vila residencial

próxima ao local da casa de força principal), a construção de 500 casas para funcionários

espalhadas pela cidade de Altamira (prevista anteriormente como uma vila fechada), a

construção de um canal ao lado da barragem principal para passagem de peixes, a construção

30

de um mecanismo próximo à barragem principal para travessia de barcos e a definição de um

hidrograma ecológico para o trecho do rio Xingu entre a barragem principal e a casa de força,

para navegação e sobrevivência de peixes e plantas.

Além de citar de forma impessoal e simplista as mudanças propostas, exibidas em

forma de itens, cita da mesma forma as mudanças que já ocorreram durante o processo de

licenciamento do AHE Belo Monte: a redução da área de inundação de 1.225 km² para 516

km², a não-inundação de Terras Indígenas e a construção de apenas uma usina no Rio Xingu.

Descreve, então, um breve histórico de todo o processo, de forma sucinta e esquemática,

assim como os mapas que mostram o reservatório da proposta antiga e o da atual,

naturalizando os impactos na região que o próprio documento revela.

FIGURA 9 – Reservatório do Estudo Anterior (anos 80 e 90)

Fonte: RIMA (2009)

31

Mostra, por meio de outro mapa, o local das obras principais da usina: sítio Pimental,

Bela Vista, Belo Monte e região de Canais e Diques, localizados nos municípios de Vitória do

Xingu e de Altamira. Neles, estão localizadas as áreas das construções da barragem principal,

das casas de força principal e complementar, dos reservatórios dos canais e diques e do

Xingu, e dos canais de derivação, além do Trecho de Vazão Reduzida. Este último, por sua

vez, é um trecho de 100 quilômetros do rio Xingu que terá suas águas reduzidas devido ao

desvio para a formação do Reservatório dos Canais. Entretanto, segundo o RIMA, deve ser

mantida uma quantidade mínima de água para a navegação e manutenção da vida aquática

pré-existente no local. Já as Terras Indígenas, não aparecem mais no mapa, estão ausentes.

FIGURA 10 – Como Será o AHE Belo Monte

Fonte: RIMA (2009)

Além disso, discorre sobre as demais infraestruturas necessárias para a construção da

obra, como a implantação ou melhoria de acessos, canteiros de obras, moradias e alojamentos

para trabalhadores e residências para funcionários. O prazo, segundo o documento, para a

32

implantação da usina seria de dez anos: os cinco primeiros destinados à construção das

estruturas da AHE Belo Monte e os cinco últimos, às máquinas responsáveis pela geração

total de energia e funcionamento das casas de força.

Segundo o texto, haveria um treinamento para a formação de trabalhadores

especializados para maior contratação de mão-de-obra local. Estima-se o terceiro ano da

construção como o pico das obras, necessitando de um maior número de funcionários: 18.700.

Deste modo, os trabalhadores migrantes e suas famílias seriam instalados em residências e

alojamentos em Altamira e Vitória do Xingu, além da instalação de mais infraestrutura para

suprir a nova demanda populacional: postos de saúde, escolas, áreas para prática de esporte,

além de uma rede de abastecimento e tratamento de água, esgoto e lixo. Estas novas moradias

são mostradas de forma “romantizada” através de uma representação gráfica, onde há uma

série de casas, todas de mesmo formato, cor e aparência, em um campo verde por onde passa

somente uma rua de terra batida. É visível a falta de veracidade da ilustração, que demonstra

um local imaginário, não definido na prática, sem arquitetura ou entorno em que está inserido.

Os canteiros de obras, de acordo com o RIMA, também seriam equipados de sistema

de abastecimento e tratamento de água e esgoto, sistema de drenagem, controle de incêndios e

sistema para separação de óleos e graxas, a fim de impedir a contaminação do rio e dos

igarapés nos Sítios Belo Monte, Bela Vista, Pimental e nos Canais de Derivação e Diques.

Além disso, também seria fornecido um sistema de energia, de telefonia e de retransmissão de

TV para a região das obras.

A fim de melhorar os acessos e complementar os já existentes pela Rodovia

Transamazônica e pelo Rio Xingu, é proposta também uma melhoria nos travessões e a

criação de um porto próximo ao Sítio Belo Monte, para transporte de materiais, insumos e

equipamentos durante o período das obras.

Para a construção das estruturas principais nos sítios Pimental e Belo Monte, é

necessário o uso e exploração das Áreas de Empréstimo (identificadas nos estudos do EIA),

de pedreiras e de jazidas de areia. A sobra de material teria como finalidade os chamados

bota-foras, grandes aterros definitivos – localizados em áreas escolhidas seguindo critérios

técnicos e ambientais, segundo afirma o RIMA. Além disso, também recebe um incentivo à

produção local de tijolos e madeiras.

No capítulo “Conhecendo a Realidade da Região”, é apresentado o local determinado

para a construção da Usina. Descreve-se a Bacia do rio Xingu como uma área importante para

conservação do meio ambiente, por ser formada por Terras Indígenas e Unidades de

33

Conservação, áreas protegidas por lei. Entretanto, há uma ressalva de que a área em questão

não se encontra preservada mesmo antes da implantação do AHE Belo Monte: “Mas, mesmo

bastante protegida, existe desmatamento na bacia do rio Xingu” (RIMA, 2009, p.28). Lista

então, em forma de itens, as causas principais de desmatamento, como o cultivo de soja e de

gado, a extração de madeira e o crescimento da população decorrente das principais estradas

da região. O documento não prevê o possível impacto da construção da Usina nestas áreas

protegidas, apesar de listar os impactos decorrentes de outros agentes da região.

A seguir, apresenta uma caracterização feita de acordo com as áreas de influência da

usina hidrelétrica e seus respectivos impactos estudados pelo EIA. São elas: Área de

Influência Indireta (AII), que sofrem impactos de forma indireta através dos sofridos pelas

áreas vizinhas às obras; Área de Influência Direta (AID), áreas no entorno do AHE Belo

Monte e do reservatório; e a Área Diretamente Afetada (ADA), áreas ocupadas pelas

principais estruturas e infraestruturas, incluindo as áreas dos reservatórios, as Áreas de

Preservação Permanente e o Trecho de Vazão Reduzida. O documento apresenta um estudo

detalhado de cada uma dessas áreas, descrevendo o meio físico, o biótico e o socioeconômico.

Populações tradicionais ribeirinhas – cerca de 350 famílias – moram

nas Reservas Extrativistas (Resex) do Rio Iriri, do Riozinho do

Ânfrísio, Verde para Sempre e do Médio Xingu, às margens dos rios

Xingu, Iriri e Curuá. Essas populações têm seu modo de vida

dependente do rio, de onde tiram seu sustento, utilizando e

conservando, ao mesmo tempo, os recursos naturais dos quais

dependem. (RIMA, 2009, p. 45)

Apesar de ressaltar e caracterizar as populações tradicionais estudadas, baseadas no

modo de vida ribeirinho, os impactos por elas sofridos nas áreas de influência, entretanto, são

tratados de forma apenas informativa, independente de serem negativos ou positivos. Dentre

as ocupações tradicionais presentes no território, há 21 comunidades quilombolas, nos

municípios de Gurupá e Porto de Moz, presentes na Área de Influência Indireta, que não

possuem território demarcado segundo o jurídico (RIMA, 2009). Apesar de citados no RIMA,

não há nenhuma análise ou medida pensada para esta população, que também está situada na

área afetada pela construção da Usina.

A seguir, são apresentadas as Comunidades Indígenas. Divididas em Grupo 1

(composto pelas Terras Indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande do Xingu e pela Área

Indígena Juruna), fruto de estudos mais detalhados por fazer parte da AID, e Grupo 2

(composto pelas Terras Indígenas Trincheira Bacajá, Araram Cachoeira Seca, Kararaô,

34

Koatinemo, Araweté/Igarapé Ipixuna e Apyterewa). A Fundação Nacional do Índio (Funai)

também ressaltou a importância do estudo da população indígena que vive na cidade de

Altamira e nas margens do rio Xingu.

FIGURA 11 – Terras Indígenas Localizadas na Região do AHE Belo Monte

Fonte: Rima (2009)

Ao descrever as Comunidades Indígenas e os impactos sofridos pelas mesmas, o

Relatório ressalta os impactos positivos, ao relatar que as Comunidades se tornam mais

conhecidas devido aos anúncios e discussões gerados pelo AHE Belo Monte, o que torna suas

organizações internas ainda mais fortes. Além disso, propõe diversos programas e planos de

auxílio e ajuda a estas comunidades a fim de diminuir as influências externas e os impactos

35

negativos, como o Programa de Comunicação com a População Indígena, o Plano de

Fortalecimento Institucional e de Direitos Indígenas e o Plano de Sustentabilidade Econômica

da População Indígena.

Assim, ressalta os aspectos positivos decorrentes da influência da construção da obra e

cria ações de mitigação para diminuir os impactos, mas não cita os reais impactos negativos a

que estão expostas estas comunidades e suas terras. O trecho “Os Juruna de Paquiçamba

habitam a margem esquerda do rio Xingu, entre o Igarapé Paraíso e Mangueira, na região da

Volta Grande do Xingu onde haverá redução de vazão caso o AHE Belo Monte venha a ser

construído” (RIMA, p. 49) exemplifica um dos casos em que o relatório descreve um impacto

que interfere no modo de vida da população em questão, mas o naturaliza, deixando ausentes

os reais impactos ocasionados.

Parte destes índios terá que ser reassentada por causa do AHE Belo

Monte. Isto porque habitam as margens dos Igarapés Ambé e

Altamira, na cidade de Altamira, e as margens do rio Xingu, nos

trechos que sofrerão os efeitos do Reservatório do Xingu. (RIMA,

2009, p. 57)

Neste trecho, também é possível observar como as medidas e os planos propostos pelo

EIA-RIMA não abarcam todos os impactos sofridos por esta população, especialmente em

relação à população indígena mais afetada, que reside na cidade de Altamira e não possui seu

território demarcado e protegido como nas TIs, que por sua vez também sofrem os impactos.

O desenvolvimento do documento retoma as informações ditas anteriormente, com

mais detalhes e informações. Assim como foi feito com as populações ribeirinhas, descreve e

caracteriza as Áreas de Influência Direta e Indiretamente Afetada. Diferencia as áreas

ressaltando o que elas abrangem.

Sobre a ADA, há um mapa de localização com os equipamentos da UHE Belo Monte.

Neste, há a representação somente do rio, das estradas principais, travessões e dos

equipamentos decorrentes da construção da obra, como os reservatórios, os diques e canais, as

casas de força e o vertedouro, além do Trecho de Vazão Reduzida. Entretanto, o mapa não

mostra estes elementos em um contexto real, mas sim em um pano de fundo verde.

Ausentando, assim, o real contexto dos sistemas ambientais e das populações impactados

pelos mesmos.

36

FIGURA 12 – Área Diretamente Afetada

Fonte: Rima (2009)

FIGURA 13 – Trechos Ambientais - AID

Fonte: Rima (2009)

37

Ao iniciar a discrição das áreas, discorre sobre a AID, onde houve estudos

socioeconômicos nos municípios de Altamira, Anapu, Brasil Novo, Senador José Porfírio e

Vitória do Xingu e onde encontram-se as principais estradas da região e os Núcleos de

Referência Rural (locais onde há equipamentos de saúde, educação e lazer utilizados pelos

moradores da região e do entorno). A fim de uma maior compreensão dos impactos nesta

região, o EIA-RIMA a divide em trechos de acordo com o meio ambiente e modo de vida da

população: Trecho do Reservatório do Xingu, do Reservatório dos Canais, de Vazão

Reduzida e de Restituição de Vazão. O mapa acima, em que são mostradas estas divisões,

apresenta as mesmas ausências que o mapa da ADA, apesar de indicar as Terras Indígenas.

Segundo o Relatório, a área urbana da AID, que abriga a maior parte da população

(oitenta por cento), consiste em menos de um por cento do total de sua área de influência

direta, de 13.940 quilômetros de extensão. São apresentadas características de cada área,

como as características dos meios físico e biótico, os usos dos lotes, a presença ou não de

estradas, a composição urbana e rural, as principais atividades das populações residentes e as

localidades que a compõe (como aglomerados, povoados e núcleos de referência rural,

localizados em um mapa similar aos já mostrados nas figuras 4 e 5).

Ao analisar esta caracterização, é possível destacar ainda o caráter asséptico do

discurso do RIMA, como no caso em que o mesmo somente cita o rio como um meio muito

utilizado pela população ribeirinha, sendo em alguns casos a única alternativa de transporte.

Ao enfatizar, em seguida, que as principais atividades econômicas são a criação de gado e a

plantação de cacau e pupunha, o Relatório diminui a importância do rio como modo de vida

da população que vive no entorno – importância, esta, reconhecida em outros momentos do

relatório, apresentando uma contradição no discurso, que pode ser visto no seguinte trecho:

A pesca é muito importante para quem mora nos imóveis rurais que

ficam às margens do rio Xingu e nas ilhas. Ela tanto pode ser uma

atividade para completar a agricultura, como pode ser a principal

atividade econômica de várias pessoas. O rio também é muito

importante para as pessoas irem a outras localidades e até Altamira,

onde vendem os produtos da agropecuária, da pesca e do extrativismo.

É também em Altamira que as pessoas buscam vários serviços, como

médicos, bancos e compras em geral. (RIMA, 2009, p. 79)

Este caráter impessoal, discursivo, informativo, reduz os efeitos negativos causados

pela implantação da UHE de Belo Monte, como demonstra o trecho a seguir, onde é

apresentada a desterritorialização de uma vila inteira, informando somente dados quantitativos

38

sobre o local e ausentando os reais impactos gerados para esta população que terá seu modo

de vida completamente abalado e transferido para outro local:

A Vila de Santo Antônio será diretamente afetada pela construção do

AHE Belo Monte. Está entre a Transamazônica e o rio Xingu e vai

precisar mudar de lugar. São 105 imóveis e 35 famílias que fazem um

total de 151 moradores. Os lotes são usados para a agricultura de

subsistência (principalmente o plantio de feijão) e para lazer. (RIMA,

2009, p. 69)

Ao iniciar o capítulo seguinte, sobre os Impactos Ambientais, é apresentado como fato

as mudanças provocadas pela implantação da Usina, como mudanças na paisagem, no rio

Xingu e nos Igarapés, na fauna e na flora e na vida das pessoas da região, além dos novos

moradores que chegariam para trabalhar nas obras e compartilhariam do sistema médico,

escolar, de saneamento e de segurança. Cita, ainda, que “muitos imóveis na área rural e na

cidade de Altamira serão atingidos. Por causa disso, muitos moradores terão que morar e

trabalhar em outros lugares” (RIMA, 2009, p. 80). Ao relatar o brusco processo de

transformação a ser enfrentado pela população local, o RIMA o apresenta de maneira mais

uma vez naturalizada, como demonstrado no exemplo anterior. Só que desta vez, reaparece

seguido de uma compensação por impactos positivos como novos empregos na região ou a

grande quantidade de energia gerada para o país.

O mesmo ocorre ao longo deste capítulo inteiro: apresenta-se uma ação decorrente da

implantação do aproveitamento hidrelétrico, a seguir seus impactos negativos, compensados

pelos positivos e por fim os programas e as medidas estabelecidos pelo EIA-RIMA a fim de

“prevenir, diminuir ou compensar os efeitos dos impactos negativos e para aumentar os

benefícios dos impactos positivos” (RIMA, 2009, p. 80). A primeira ação descrita é a dos

estudos de campo que se iniciaram desde 1975, impactando a região com pesquisas, reuniões,

reportagens, visitas técnicas às residências, etc. As expectativas da população em relação aos

possíveis impactos negativos são compensadas, no texto, pela expectativa de novos empregos.

A fim de minimizar este impacto, é proposto o Plano de Relacionamento com a População,

dentro do qual há o Programa de Interação Social e Comunicação.

Também há uma grande geração de expectativa nas populações indígenas, como visto

anteriormente. Neste caso, é proposto um Programa de Comunicação com a População

Indígena, ligado ao Plano de Relacionamento com a População, além do Plano de

39

Fortalecimento Institucional e Direitos Indígenas e um Plano de Sustentabilidade Econômica

da População Indígena.

Devido à contratação de mão-de-obra prevista para o máximo de 18 mil empregos

diretos e 23 mil indiretos, os impactos analisados pelo documento são o aumento da

população e da ocupação de forma intensa e desordenada do solo, congestionando também os

equipamentos pré-existentes nas cidades e aumentando a drogadição, a violência e a

prostituição. Isto afeta também as populações e áreas indígenas, que sofrem ainda mais com a

pressão sobre suas terras. Para tanto, são propostos os Projetos de Educação Ambiental,

ligados ao Programa de Comunicação com a População Indígena; o Programa de Saúde

Indígena, ligado ao Plano de Saúde Pública; o Plano de Readequação do Serviço de Educação

para a População Indígena; o Plano de Melhoria das Habitações Indígenas; o Programa de

Segurança Territorial das TIs; o Plano de Saneamento Básico para as TIs e o Plano de

Sustentabilidade Econômica da População Indígena, que abrange o Programa de Capacitação

de Mão-de-obra Indígena; além da articulação institucional com Programas do Governo

Federal, a fim de “melhorar as condições de vida das populações indígenas e fazer com que

suas TIs fiquem mais atraentes para elas lá permanecerem” (RIMA, 2009, p. 89)

O Relatório cita ainda aspectos positivos decorrentes do grande fluxo migratório de

trabalhadores, como o aumento do número de trabalhos, o estímulo a novas atividades

produtivas, a regularização fiscal de empresas e a consequentemente o aumento da

arrecadação de impostos. As ações preventivas propostas são: o Plano de Articulação

Institucional, o Programa de Incentivo à Capacitação Profissional e ao Desenvolvimento de

Atividades Produtivas, o Plano de Requalificação Urbana, o Projeto de Acompanhamento e

Monitoramento Social das Comunidades do Entorno da Obra e das Comunidades Anfitriãs e o

Plano de Saúde Pública.

Dentro destes planos e programas, estão incluídas as medidas propostas para a Vila de

Santo Antônio, integralmente desterritorializada. A fim de minimizar os impactos da

transposição desta população, portanto, o EIA propõe a discussão com a população para a

escolha de um novo local, de forma transparente e participativa através do Plano de

Atendimento à População Atingida, além da participação na recomposição dos equipamentos

sociais e econômicos na área rural, dentro do Plano de Atendimento à População Atingida.

Nas áreas onde serão formados os Reservatórios, na parte rural da ADA, a

implantação da Usina impacta 2.822 pessoas, segundo o RIMA. A aquisição dos imóveis, a

transferência da população para outras áreas e a perda das atividades produtivas locais são os

40

impactos que seriam compensados ou minimizados pelo Plano de Atendimento à População

Atingida, pelo Programa de Negociação e Aquisição de Terras e Benfeitorias, pelo Programa

de Recomposição de Atividades Produtivas Rurais e pelo Plano de Atendimento à População

Atingida, que contém o Programa de Acompanhamento Social, em que há monitoria e

acompanhamento das populações que tem seu modo de vida interferido.

Já na área considerada urbana pelos estudos em questão, o impacto alcança 16.420

pessoas, que “deverão sair antes do enchimento do reservatório” (RIMA, 2009, p. 93) por

estarem localizados em terrenos abaixo da cota 100. Além dos moradores que serão

desterritorializados, o Relatório reconhece os que moram na vizinhança também como

impactados, por sofrerem grandes mudanças com isto. As medidas propostas também estão

incluídas no Plano de Atendimento à População Atingida, além do Programa de Negociação e

Aquisição de Imóveis e Benfeitorias, o Programa de Recomposição de Atividades Produtivas

Urbanas, o Programa de Acompanhamento Social e o Programa de Intervenção em Altamira,

que faz parte do Plano de Requalificação Urbana, que visa planejar a realocação destas

populações.

Outra ação que interfere na região da obra é a construção de estradas, canteiros e

outras estruturas principais, como alojamentos, linhas de transmissão e etc. Segundo o RIMA,

estas atividades geram impactos como desmatamentos, grandes movimentos de terra

(interferindo diretamente na paisagem), exploração de áreas de empréstimo, de pedreiras e

jazidas de areia, além das novas áreas de bota-fora para descarte de material. Os impactos

positivos decorrem do maior acesso à região, que facilita o transporte de mercadorias para

compra e venda, o acesso aos serviços públicos, além da consequente diminuição do custo do

transporte. A população indígena também é beneficiada pelo melhor acesso para

comercializar, entretanto, também sofre impactos negativos, como a pressão sobre as TIs

decorrente do maior acesso à região, a piora da qualidade do ar e o aumento do nível de

ruídos. Para potencializar os impactos positivos, o RIMA prevê o Plano Ambiental de

Construção, que inclui o Projeto de Segurança e Alerta. Para os negativos, o Plano de

Relacionamento com a População, que abrange o Programa de Interação Social e

Comunicação, o Programa de Educação Ambiental e o Programa de Recuperação de Áreas

Degradadas, contido no Plano Ambiental de Construção – apesar deste programa, os estudos

preveem que há locais que sofrerão mudanças definitivas na paisagem.

Para a instalação da infraestrutura e a construção das obras principais do AHE Belo

Monte, foram previstos pelos estudos grandes interferências nos meios físicos e bióticos da

41

região, como a supressão de vegetação e matas ciliares, a produção de poeira e consequente

modificação do ar, o aumento do nível de ruídos, deslizamentos de terras, erosões, a piora da

qualidade da água, a interrupção dos Igarapés do Trecho do Reservatório dos Canais e,

consequentemente, o afastamento de espécies de animais de seus biomas naturais e a extinção

de algumas espécies. Como forma de compensação e diminuição destes impactos, há o

Programa de Recuperação de Áreas Degradadas; os Planos de Conservação dos Ecossistemas

Terrestres e dos Ecossistemas Aquáticos; o Programa de Monitoramento da Estabilidade das

Encostas Marginais e de Processos Erosivos, que faz parte do Plano de Acompanhamento

Geológico/Geotécnico e de Recursos Minerais; o Programa de Monitoramento dos Igarapés

Interceptados pelos Diques e o Programa de Monitoramento Limnológico e da Qualidade da

Água, incluídos no Plano de Gestão de Recursos Hídricos; e o Programa de Conservação e

Manejo de Habitats Aquáticos, incluído no Plano de Conservação dos Ecossistemas

Aquáticos.

Apesar destes impactos negativos que causam influências e interferências diretas no

meio ambiente, o EIA ainda chama atenção para possíveis aspectos positivos, de forma a

compensar os efeitos negativos da obra, como é mostrado no trecho a seguir:

Os peixes que vivem nesses Igarapés, e que dependem das planícies

que serão inundadas, sofrerão consequências negativas, com o

desaparecimento de espécies. Mas esse impacto poderá ser

compensado em parte no futuro, com a inundação dos Igarapés na

margem esquerda para a formação do Reservatório dos Canais,

criando novos ambientes para peixes. (RIMA, 2009, p. 101)

Ainda devido às obras principais, especificamente no Sítio Pimental, o Relatório prevê

grandes impactos para a população indígena, como a interrupção temporária dos canais do

Rio Xingu e o consequente aumento da velocidade das águas em outros canais livres,

comprometendo a navegação na área do Sítio Pimental e nos arredores, o que dificulta o

acesso a população indígena para outras regiões (onde se encontram equipamentos e serviços

públicos, além de possíveis familiares) e a comercialização de seus produtos também. Além

disso, a piora da qualidade da água, afeta diretamente a pesca, fonte de subsistência e renda de

grande parte da população indígena e pode afetar a água também utilizada para consumo. A

fim de diminuir todos estes impactos, são propostos o Projeto de Segurança e Alerta, que faz

parte do Plano Ambiental de Construção; o Programa de Comunicação com a População

Indígena; o Programa de Monitoramento da Qualidade das Águas Superficiais e Subterrâneas,

42

incluído no Plano de Gerenciamento de Recursos Hídricos; o Projeto de Monitoramento da

Pesca, incluído no Plano de Conservação dos Ecossistemas Aquáticos; o Programa de

Garantia de Segurança Alimentar e Nutricional, incluído no Plano de Sustentabilidade

Econômica da População Indígena; o Programa de Abastecimento de Água, que faz parte do

Plano de Saneamento Básico da População Indígena; e os Projetos de Incentivo à Pesca

Sustentável e de Aquicultura de Peixes Ornamentais, incluídos no Plano de Conservação dos

Ecossistemas Aquáticos.

O Núcleo de Referência Rural São Pedro se encontra na mesma região e,

consequentemente, sofre estes mesmos impactos. Portanto, o RIMA propõe o Plano de

Atendimento à População Atingida, responsável pelo reassentamento dos 60 moradores da

região; o Programa de Interação Social e Comunicação, que faz parte do Plano de

Relacionamento com a População, responsável por proporcionar uma escolha consciente da

população sobre a forma de negociação mais adequada para cada um; e o Plano Ambiental de

Construção e o Programa de Acompanhamento Social, incluídos no Plano de Atendimento à

População Atingida, responsáveis por possibilitar o reassentamento dos moradores.

A partir dos estudos realizados, o RIMA prevê que, a partir do quinto ano da obra,

dois terços da população migrante (cerca de 32 mil pessoas) vão embora da região, causando

grandes impactos principalmente nas cidades de Altamira e Vitória do Xingu. Dentre eles, é

prevista a diminuição do número de empregos e consequentemente de renda de parte da

população. Propõe, então, o Plano de Articulação Institucional, o Programa de Incentivo à

Capacitação Profissional e ao Desenvolvimento de Atividades Produtivas, o Plano de

Relacionamento com a População e o Programa de Orientação e Monitoramento da População

Migrante, para preparar e auxiliar as pessoas a encontrarem novos empregos e fontes de

renda, sendo eles dentro ou fora da região da Usina.

Para reaproveitar os equipamentos existentes e que sofrerão diminuição em seu uso,

como serviços sociais, escolares e de saúde, é proposto o Plano de Articulação Institucional.

Também propõe o Programa Federal Territórios da Cidadania, na área rural, responsável pelo

fortalecimento da economia agropecuária. Para a proteção das áreas indígenas e a diminuição

da pressão nas proximidades das Tis, é proposto o Plano de Segurança Territorial das Terras

Indígenas.

O Estudo de Impacto Ambiental também prevê e analisa os grandes impactos causados

pelo enchimento dos reservatórios sobre a vegetação da região, que afeta tanto o próprio meio

ambiente local, sua fauna e flora, quanto os proprietários e trabalhadores rurais. Segundo o

43

Relatório, 24% da área total dos reservatórios corresponde às florestas. Além do

desmatamento, há a consequente formação de “ilhas florestais”. Estas alterações também

afetam as populações indígenas, causando um aumento de pressão sobre as TIs vindo da

população rural extrativista, as possíveis perdas culturais, devido à grande alteração da

paisagem, e alteração de meios de subsistência e renda.

Frente a estes impactos, são propostos o Programa de Desmatamento e Limpeza das

Áreas dos Reservatórios, o Projeto de Reestruturação do Extrativismo Vegetal, que faz parte

do Plano de Atendimento à População Atingida, o Plano de Conservação dos Ecossistemas

Terrestres, o Plano de Conservação do Ecossistema Aquático, o Programa de Monitoramento

da Qualidade das Águas, incluído no Plano de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, o

Programa de Proposição de Áreas de Preservação Permanente, o Plano Ambiental de

Conservação e Uso do Entorno dos Reservatórios Artificiais e o Programa de Compensação

Ambiental, que faz parte do Plano de Conservação dos Ecossistemas Terrestres, responsável

pela criação de novas Unidades de Conservação (UCs).

O Relatório reconhece, ainda, que o enchimento dos reservatórios e as mudanças

decorrentes dele na paisagem interferem nas áreas de lazer da população local: muitas das

praias existentes na região serão atingidas. Além de utilizadas como lazer, há muitas

atividades econômicas e infraestruturas no local, como comércios e balneários. Para

minimizar este impacto, é proposto o Plano de Atendimento à População Atingida, através do

Programa de Restituição/Recuperação das Atividades de Turismo e Lazer.

A área dos reservatórios abrange também sítios e patrimônios arqueológicos. O

Relatório propõe, para minimizar e compensar estes impactos, o Plano de Valorização do

Patrimônio, através dos Programas de Prospecção e de Salvamento Arqueológico, e o Plano

de Relacionamento com a População, a fim de diminuir a perda cultural local e regional e

valorizar o patrimônio cultural.

Segundo o RIMA, há jazidas de argila nas planícies de inundação e nos aluviões dos

igarapés Ambé e Panelas que não poderão mais ser exploradas devido ao enchimento do

Reservatório do Xingu. Propõe, então, que a extração passe para uma nova área em Altamira,

supervisionado pelo Programa de Acompanhamento das Atividades Minerárias dentro do

Plano de Acompanhamento Geológico/Geotécnico e de Recursos Minerais.

É ressaltado, mais uma vez, no documento analisado, o enorme impacto sofrido pelos

peixes e pescadores do Rio Xingu. O barramento do rio e a formação dos reservatórios

interferem muito nas espécies de peixes ali presentes, sendo algumas mais favorecidas e

44

outras muito prejudicadas, mudando a dinâmica de quem vende ou se alimenta dos peixes do

rio. A solução mais adequada, segundo o Relatório, é um Projeto de Implantação e

Monitoramento de Mecanismo para Transposição de Peixes, responsável pela formação de

um canal que deriva da margem direita do rio, no Sítio Pimental – ao invés da escada de

peixes proposta pelos Estudos de Viabilidade de Engenharia. O RIMA ressalta os benefícios

que podem decorrer disto: os peixes adaptados às novas condições são de maior valor

econômico e de consumo. Apesar disto, propõe o Plano de Conservação dos Ecossistemas

Aquáticos, para monitoramento das espécies de peixes, e o Projeto de Incentivo à Pesca

Sustentável, para auxiliar a adaptação dos pescadores.

Os estudos realizados indicam que os igarapés de Altamira, ao ser formado o

Reservatório do Xingu, sofrerão modificações: o aumento dos níveis das águas (podendo

chegar na cota 100 m nos períodos de cheia) e a diminuição da velocidade das mesmas,

devido ao bloqueio causado pelo reservatório, que impede a circulação das águas. Estas

modificações, somadas à quantidade de esgoto sem tratamento lançada nas águas, causarão a

piora de sua qualidade e, consequentemente, o crescimento de plantas aquáticas que, por sua

vez, prejudicam os peixes e o uso da água (RIMA, 2009, p. 117). São propostos, então, o

Programa de Intervenção em Altamira, dentro do Plano de Requalificação Urbana,

responsável pela implantação da rede de saneamento básico nas áreas mais próximas, e o

Plano de Gestão de Recursos Hídricos, para melhoria da qualidade das águas através da

diminuição de resíduos poluentes, da mudança da população que reside e será transferida

deste local para outro e a criação de áreas verdes nas margens dos igarapés.

O problema da qualidade das águas ocorre também no Reservatório dos Canais,

devido à sua grande profundidade, à formação de poças e áreas alagadas nas laterais do

reservatório, onde as águas ficam mais paradas, ao apodrecimento das vegetações pré-

existentes que serão alagadas e ao crescimento de plantas aquáticas. Além do Plano de Gestão

dos Recursos Hídricos já citado, as medidas propostas estão dentro do Plano Ambiental de

Conservação e Uso do Entorno do Reservatório Artificial, obrigatório para todos os

reservatórios segundo o Conselho Nacional de Meio Ambiente, sendo elas: a retirada da

vegetação existente, o mantimento de água corrente para renovação da água dentro do

reservatório e o enriquecimento da vegetação das margens através do planto e

reflorestamento.

Já as localidades da ADA, situados próximas aos reservatórios, sofrerão impactos

socioeconômicos, segundo o documento analisado, como: perda de imóveis, benfeitorias,

45

renda, fontes de subsistência e equipamentos sociais e interrupção de estradas e acessos. Para

minimizar estes impactos e auxiliar a população, é proposto o Plano de Atendimento à

População Atingida, que abrange projetos como o de Recomposição da Infraestrutura Viária,

responsável pela diminuição dos impactos sofridos pela população rural devido à interrupção

dos acessos aos equipamentos sociais e à cidade de Altamira. Dentro desta cidade, diversas

ruas e acessos também serão interrompidos, separando diversos bairros e regiões

anteriormente conectadas. Frente a isto, o RIMA propõe o Programa de Intervenção em

Altamira, dentro do Plano de Requalificação Urbana, responsável por novos acessos.

Os estudos em questão propõem, ainda, que o Projeto de Recomposição da

Infraestrutura Viária construa o máximo possível de acessos terrestres ao Reservatório dos

Canais, a fim de potencializar sua utilização, junto ao Reservatório do Xingu, como uma nova

opção de acesso. Entretanto, relatam também o aumento do “banzeiro” no reservatório –

ondas provocadas pelo vento –, que dificultam a navegação e o acesso entre as localidades

beiradeiras. Propõem, então, o Programa de Monitoramento do Microclima, incluído no Plano

de Gerenciamento de Recursos Hídricos, e o Projeto de Segurança e Alerta, dentro do Plano

Ambiental de Construção, a fim de auxiliar e permitir a readequação das populações

beiradeiras às novas condições de navegação. Em específico à situação da população

indígena, há o Programa de Garantia das Condições de Acessibilidade das Populações

Indígenas a Altamira. O mapa que demonstra este novo acesso apresenta os mesmos

problemas dos já citados anteriormente, omitindo o entorno e a real condição em que está

inserido, além de ausentar também a formação original do rio Xingu.

46

FIGURA 14 – Novo Trajeto para Navegação nos Reservatórios do Xingu,

dos Canais e nos Canais de Derivação

Fonte: Rima (2009)

O RIMA cita, ao falar sobre a Etapa de Operação do AHE Belo Monte, um impacto

positivo: o aumento da quantidade de energia a ser gerada e transmitida para o SIN (Sistema

Interligado Nacional), regulada pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) do

Governo Federal, que tem como objetivo distribuir energia elétrica de forma segura e com

custos baixos. Isto ocorrerá através da Subestação Xingu (localizada no mapa a seguir, que

segue o modelo dos mapas anteriores), que levará a energia para o norte do país através do

futuro linhão Tucuruí-Macapá-Manaus e para a ligação Norte-Sul através da ampliação de

linhões a partir da UHE Tucuruí. A Subestação Altamira, já existente, também receberá

47

energia por meio da construção de um novo linhão, beneficiando também a cidade de

Altamira.

FIGURA 15 – Interligação do AHE Belo Monte ao SIN

Fonte: Rima (2009)

Segundo os estudos em questão, o aumento de energia proporcionado à cidade de

Altamira e à região de seu entorno, somado à medida compensatória determinada pelo

Governo chamada Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos para fins

de Geração de Energia (CF) (através de recursos financeiros para os locais de terras inundadas

por empreendimentos hidrelétricos para os municípios de Altamira, Vitória do Xingu e Brasil

Novo), impulsionará o desenvolvimento das atividades econômicas, que, por sua vez,

aumentará também a arrecadação de impostos e tributos e, consequentemente, gerará mais

recursos para os municípios da região. Frente a isto, o RIMA propõe o Plano de Articulação

Institucional, a fim viabilizar este impacto e capacitar os municípios a administrar os recursos

gerados.

48

O Estudo de Impacto Ambiental também analisou, segundo o RIMA de forma

cuidadosa, os impactos gerados pela diminuição do volume das águas no Trecho de Vazão

Reduzida, “para se saber qual deve ser o Hidrograma Ecológico a ser liberado no rio Xingu, a

partir do sítio Pimental, para diminuir os impactos negativos sobre o meio ambiente e os

modos de vida da população” (RIMA, 2009, p.129). Os impactos analisados são: a

interrupção ou maior dificuldade de navegação nos períodos de seca, que afeta diretamente no

modo de vida da população beiradeira; a perda de ambientes para reprodução, alimentação e

abrigo de espécies de peixes e outros animais; a formação de poças no entorno, que favorece a

criação de mosquitos que transmitem doenças; a piora da qualidade das águas, que favorece o

desenvolvimento de plantas aquáticas; o prejuízo para a pesca e seu papel como fonte de

renda e de subsistência de grande parte da população beiradeira; e o possível aumento da

atividade garimpeira, o que aumenta o conflito com as populações indígenas e a pressão sobre

as TIs.

O Hidrograma Ecológico proposto visa o equilíbrio entre a geração de energia – que é,

segundo o relatório, um projeto estruturante para o país – e a liberação de vazões mínimas

para o Trecho de Vazão Reduzida, a fim de diminuir em alguma escala os impactos citados.

Aliado a ele, é proposto o Plano de Gerenciamento Integrado da Volta Grande do Xingu, que

envolve, dentre outras ações, o Programa de Monitoramento das Condições de

Navegabilidade e das Condições de Vida, o Projeto de Monitoramento da Atividade

Garimpeira, o Projeto de Monitoramento da Largura, Profundidade e Velocidades em Seções

do Trecho de Vazão Reduzida, o Programa de Monitoramento da Qualidade das Águas

Superficiais, o Programa de Monitoramento da Dinâmica das Águas Subterrâneas, e, voltados

para as questões das populações indígenas, o Projeto de Monitoramento do Dispositivo de

Transposição de Embarcações, o Projeto de Monitoramento da Navegabilidade e das

Condições de Escoamento da Produção das TIs e o Projeto de Monitoramento das Condições

de Vida das Populações Indígenas das TIs Paquiçamba, Arara da Volta Grande do Xingu e

Trincheira Bacajá.

No fim deste capítulo, é apresentada uma tabela na qual são categorizados os

principais impactos, o período em que ocorrerão e as correspondentes etapas da construção do

AHE Belo Monte, divididas em Estudos e Projetos, Construção da Infraestrutura, Enchimento

dos Reservatórios e Operação. Deste modo, os impactos são demonstrados, como mencionado

anteriormente, de forma asséptica, neutra, pragmática. São categorizados em alguns grupos,

delimitando o tempo em que ocorrerão – o que traz a ideia de que são finitos, limitados, têm

49

início, meio e fim. Esta forma de apresentação, em forma de tabela, racionaliza e ausenta os

reais impactos e as possíveis influências e decorrências destes, mesmo que de forma indireta.

FIGURA 16 – Tabela de Impactos Causados pelo AHE Belo Monte

Fonte: Rima (2009)

50

No capítulo seguinte do documento, “Planos, Programas e Projetos Ambientais”, são

reapresentadas as ações propostas através dos estudos e das análises dos impactos. Estas,

segundo o Relatório, são de responsabilidade do empreendedor da obra, em parcerias com o

Governo Federal, o Governo Estadual, as prefeituras municipais, além de ONGs e outras

instituições. Ademais, o empreendedor deve conciliá-las com os planos e programas já

existentes por parte dos Governos Federal, Estadual e Municipal que visam ao

desenvolvimento sustentável da região. Um dos princípios básicos para a realização destas

ações, segundo o EIA, é o Processo de Participação Popular, que propõe que as comunidades

envolvidas conheçam e participem das ações, acompanhando a forma em que são realizadas

pelo empreendedor.

Vale ressaltar que, dentro do Plano de Atendimento à População Atingida, há os

Programas de Negociação e Aquisição de Terras e Benfeitorias nas Áreas Rural e Urbana.

Estes visam ao tratamento das questões que envolvem as transferências obrigatórias das

populações residentes das ADAs, a definição da melhor opção para cada grupo de acordo com

suas especificidades e demandas e a garantia de transparência sobre os direitos da população e

sobre a aplicação de critérios jurídicos e técnicos das indenizações.

Para as comunidades rurais, o EIA propõe formas de aquisição ou indenização, como:

Indenização em Dinheiro, Relocação Assistida (relocação do proprietário em uma área na

região com condições equivalentes às originais, com direito a uma assessoria para apoio

social e jurídico e informações para auxiliar na compra do novo imóvel), Reassentamento em

Áreas Remanescentes (permite a permanência do proprietário nas áreas que sobram após a

desapropriação, desde que atendido à legislação) e Reassentamento Rural (implantado pelo

empreendedor, o reassentamento deve ser um projeto resultado de discussão coletiva, para

pequenos proprietários e posseiros, para trabalhadores ou quem tem posse de minifúndios,

para atingidos que não possuem direito à propriedade ou para quem se encontra em condições

de vulnerabilidade social).

A fim de categorizar e funcionalizar a relação entre os atingidos e as possíveis formas

de indenização, o RIMA apresenta uma nova tabela, que, pelo seu próprio caráter de

apresentação, reduz e ausenta as especificidades de cada morador e a complexidade de suas

desterritorializações e reterritorializações. O mesmo ocorre com a população urbana atingida,

para as quais são oferecidos tratamentos similares aos da população rural, resumidos também

em forma de tabela:

51

FIGURA 17 – Tabela de Grupos Atingidos pelo AHE Belo Monte

e Projetos para a Área Rural

Fonte: Rima (2009)

FIGURA 18 – Tabela de Grupos Atingidos pelo AHE Belo Monte

e Projetos para a Área Urbana.

Fonte: Rima (2009)

52

Por fim, o RIMA frisa a importância da construção do AHE Belo Monte, tanto para o

desenvolvimento do país devido ao aumento significativo de energia proporcionado para o

SIN (Sistema Interligado Nacional) e a contribuição deste sistema para as regiões Norte,

Nordeste, Sudeste e Sul, quanto para o desenvolvimento da própria região em que será

implantado. Entretanto, ressalta a importância da preparação desta região como um passo

imprescindível para a concessão da obra. Para isto, considera necessário que os planos dos

Governos Estadual e Federal e os propostos pelo EIA-RIMA sejam colocados em prática.

Desta forma, segundo o documento, a região – que já passa por problemas de desmatamento,

de pressão e disputas de terra, de ameaça à pesca tradicional e às espécies de alguns animais e

peixes, além de problemas de falta de infraestrutura, de saneamento básico e de sistemas de

saúde – poderá se fortalecer institucionalmente e alcançar um desenvolvimento econômico

sustentável, através também dos impactos positivos decorrentes da nova usina.

O Relatório de Impacto Ambiental, portanto, apesar de relatar os estudos e as análises

feitas pelo Estudo de Impacto Ambiental sobre os meios físicos, bióticos e socioeconômicos

da região em que será implantada a UHE Belo Monte, demonstra algumas faces da fragilidade

do estudo em questão. Ainda que cumpra a função de tornar acessível o conteúdo do EIA, as

informações contidas no RIMA são demonstradas de forma asséptica, neutra. Esta

neutralidade reduz os impactos negativos sofridos pela população afetada e pelo meio

ambiente da região, sempre acompanhados de ressalvas ou possíveis impactos positivos.

Alguns destes efeitos negativos, por sua vez, além de minimizados, são omitidos, se perdem,

no discurso fragmentado e contraditório do documento. Já os planos e projetos

compensatórios ressaltados pelo mesmo e expostos como imprescindíveis, muitas vezes

genéricos, não ocorreram de fato ou ocorreram somente de forma parcial, como pode ser

compreendido na análise a seguir do Dossiê Belo Monte.

5.2 Discurso não-oficial – ISA

O Dossiê Belo Monte, cujo o subtítulo é “Não há condições para a licença de

operação”, lançado em junho de 2015, consiste em um documento organizado pelo Instituto

Socioambiental (ISA), uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) de

caráter defensivo em relação à luta por direitos sociais e ambientais que tem como foco a

implantação da usina de Belo Monte e sua rede de impactos. O ISA, fundado em 1994, tem

53

como objetivo principal a defesa de bens de direito coletivos relativos ao meio ambiente,

patrimônio cultural e direitos humanos pela implantação de programas e projetos que

promovam soluções socioambientais.

O dossiê analisado tem como finalidade trazer a público por meio da produção de

entrevistas e artigos elaborados por especialistas e atores regionais -um debate qualificado e

pautado em constatações materiais acerca do processo de licenciamento da usina de Belo

Monte. Em sua apresentação, o referido Dossiê, de início já explicita o que denomina de

descompasso entre os documentos elaborados e de apoio à empresa concessionária da Usina,

a Norte Energia S.A., onde há a constatação do não cumprimento ou do parcial cumprimento

das condicionantes apresentadas quando da construção de Belo Monte, mesmo já havendo

investimentos monetários nas áreas de impacto direto e indireto em razão da construção da

usina. Estes se apresentaram aplicados de maneira equivocada, insuficiente, além de, em

alguns casos, nem sequer terem saído do papel.

Em 2010 houve a concessão, por meio do IBAMA, da licença prévia de Belo Monte,

que contemplava uma espécie de pacote de medidas de mitigação e compensação, chamadas

de “condicionantes socioambientais de viabilidade da usina”, que previam ações

antecipatórias nos setores da saúde, educação e saneamento básico, a fim de precaver e

reduzir, em certa escala, os impactos sobre estes setores do serviço público. Depois de

finalizadas as obras o dossiê constata atrasos na implementação de infraestruturas necessárias

e previstas nestas ações antecipatórias, que incluem também ações de regularização fundiária

e proteção das Terras indígenas (TI) e das Unidades de Conservação (UC) afetadas, o que

afirmam acarretar uma piora nas condições de qualidade de vida das populações locais e a

perda de recursos naturais fundamentais à manutenção do modo de vida dos povos indígenas

e das comunidades tradicionais da região.

Desde a emissão da primeira licença, já estava claro que sérios

problemas na condução do processo de licenciamento não estavam

satisfatoriamente equacionados. Por exemplo, a insuficiência de

estudos sobre a qualidade da água dos reservatórios e as incertezas

quanto às condições ambientais da volta grande do Xingu após o

desvio do rio, já que se trata de uma região de rica biodiversidade,

berço de espécies endêmicas de fauna e flora, e território

tradicionalmente ocupado pelos povos indígenas Juruna e Arara.

(Dossiê Belo Monte, 2015, p.8)

54

No que se refere ao reassentamento da parcela da população tanto de origem da área

rural quanto da urbana, estas são obrigadas a se desterritoralizar, portanto, são deslocadas

impositivamente de suas residências devido à construção da usina , por se encontrarem na

área delimitada para o alagamento que servirá de reservatório (acima da cota 100m). Trata-se

de um processo traumático, que afeta quantitativamente, mais de oito mil famílias, as quais o

empreendimento denomina de “interferidos”, adjetivo inadequado e pouco transparente.

Atualmente, constata-se que cerca de 3000 famílias já foram transferidas e passaram a

residir em novos loteamentos previstos pelo programa de realocação urbana, os

Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUC), que não possuem serviços públicos essenciais,

como transporte, saúde e educação. Além disso, mesmo havendo a construção de 220

quilômetros de redes de esgoto e 170 quilômetros de redes de água potável instaladas, as

tubulações que ligariam a rede coleta de esgotos aos domicílios e imóveis comerciais não

estão conectadas, pois os ramais e ligações não foram implantados pelo empreendedor, um

aspecto de descaso e planejamento deficitário sob a responsabilidade da Norte Energia, já que

esta, nas medidas condicionantes socioambientais de viabilidade da usina, assumiu o

compromisso de proporcionar a Altamira os sistemas completos de abastecimento de água, e

de coleta, afastamento e tratamento de esgotos. Existem impasses referentes à gestão destes

sistemas que nem a prefeitura consegue equacionar e sanar.

Ademais, destacam-se questões que envolvem exclusivamente as populações

ribeirinhas, obrigadas a se deslocar das áreas beiradeiras do rio, assentadas em regiões

urbanas, afastadas do rio. Ou seja, é desconsiderada sua identificação social com os rios, sua

ligação de subsistência, seu modo de vida. As propostas de compensação apresentadas pela

Norte Energia em relação a essa população se limitaram a: reassentamento rural coletivo,

reassentamento individual, indenizações em dinheiro e carta de crédito/reassentamento

assistido. Cerca de 75% das famílias contempladas por esta medida escolheram a opção de

indenizações monetárias, 21% a opção de carta de crédito e somente 1,5% o reassentamento

rural coletivo. Estas, como aponta o Dossiê, são soluções limitadas e pouco estruturadas, pois

apontam que os reassentamentos, tanto o rural coletivo, quanto o individual, são distantes da

localidade original das famílias, além de possuir problemas de infraestrutura, localizados

longe de serviços básicos e comércio, as indenizações em dinheiro não foram em valor

suficiente para que conseguisse contemplar a compra de terrenos próximos da antiga moradia

destas famílias, já que os terrenos próximos a margem do rio encareceram justamente pela

implementação da usina, já a carta de crédito argumentam ser impraticável para esta parcela

55

da população, já que muitos são analfabetos, com pouco acesso à informação, assistência

especializada.

Os dados demonstram que a conversão de populações ribeirinhas em

populações exclusivamente urbanas ou agricultoras vem se

consolidando, devido à ausência de opções que assegurem sua

manutenção na beira do rio. (Dossiê Belo Monte, 2015, p.13)

Além disto, há o registro de não terem sido feitos estudos acerca das populações

ribeirinhas que se encontravam no entorno de Altamira e das comunidades que viviam nas

reservas extrativistas da Terra do Meio. Descreve-se que os pescadores reclamam de impactos

negativos da usina que interferem diretamente na pesca, como em razão das diversas

explosões de dinamite e das luzes fortes dos holofotes do canteiro de obras causaram uma

descaracterização física dos rios, que diminuiu a quantidade de peixes e até relatando uma

possível extinção de determinadas espécies. Também é relatado o aumento dos conflitos por

disputa pelas áreas de pesca restantes.

Outros fatores abordados pelo Dossiê (e estabelecidos pela Fundação Nacional do

Índio - FUNAI) que dizem respeito às medidas de mitigação e compensação e que também

são apresentados como problemáticos e relacionados aos povos indígenas, consistem em 13

ressalvas estabelecidas no Plano Básico Ambiental do Componente Indígena (PBA-CI) de

responsabilidade do empreendedor e do poder público tendo duração de 35 anos. O dossiê

indica que uma parcela significativa destas medidas ainda não começou a ser implementada e

as que foram implantadas se deram de maneira desordenada. Apresentam que, segundo a

Norte Energia, cerca de R$ 215 milhões já foram repassados para os povos indígenas, porém

foi constatado que este investimento foi utilizado de modo equivocado, para fornecimento de

bens materiais. Descrevem que até março de 2015 foram comprados 578 motores para barco,

322 barcos e voadeiras, 2,1 milhões de litros de gasolina, entre outros, o que reforça um

caráter apaziguante e de certo controle e manipulação dos povos indígenas. Além dos recursos

aplicados anteriormente dentro do período de outubro de 2011 a setembro de 2013, houve

uma espécie de mesada, em torno de R$ 30 mil mensais por cada aldeia, o que demonstra uma

prática de controle por parte do empreendedor e do Estado que afetou diretamente o

andamento da organização e resistência indígena.

Para ilustrar esse comparativo entre o que foi pactuado oficialmente pela Norte

Energia com as instâncias do governo e como se encontra o andamento dos programas na

realidade, o Dossiê Belo Monte do ISA elaborou uma série de infográficos ilustrando de

56

forma didática os temas que englobam saneamento básico; remoção compulsória das famílias

e perda do modo de vida ribeirinho; plano emergencial indígena e desestruturação das aldeias;

impactos na pesca não reconhecidos no licenciamento. Eles apresentam estes infográficos de

forma sintética para uma assimilação rápida e resumida sobre os impactos dentro destes

temas, contendo ilustrações simples para um entendimento didático. Uma crítica a ser feita a

este material gráfico, em especifico, poderia ser que ao tornar ilustrativo demais o infográfico,

com o possível intuito positivo em fazer com que qualquer pessoa consiga compreender os

impactos gerados pela UHE Belo Monte, o material, de certa forma, simplifica os processos

provocados. Talvez como apoio, pudesse ser feito, com o mesmo intuito didático, um material

que conseguisse transparecer a emergência e magnitude dos impactos, esmiuçando a

complexidade do assunto sem perder os detalhes. Obviamente, ressalta-se a importância do

Dosssiê, inclusive deste material infográfico, como ferramenta essencial para divulgar e

revelar ao público as complexas dinâmicas impulsionadas pela implantação da usina.

FIGURA 19 – Saneamento básico

Jogo de empurra põe em risco a qualidade da água

Fonte: Dossiê Belo Monte (2015)

57

FIGURA 20 – Remoção forçada das famílias e perda do modo de vida ribeirinho

Fonte: Dossiê Belo Monte (2015)

FIGURA 21 – Plano emergencial indígena e desestruturação das aldeias

Fonte: Dossiê Belo Monte (2015)

58

FIGURA 22 – Impactos na pesca não reconhecidos no licenciamento

Fonte: Dossiê Belo Monte (2015)

No que diz respeito das consequências do descumprimento destas condicionantes

relacionadas à UHE Belo Monte, há a indicação de impactos negativos em diversos setores

que implicam diretamente na qualidade de vida e segurança das populações afetadas. O

Dossiê descreve diversas destas consequências, como por exemplo, a ocorrência de

sobrecarga dos serviços públicos de saúde. Alega que o atraso na entrega de hospitais

previstos ocasionou numa superlotação dos hospitais locais, inclusive porque há também a

procura por atendimento no centro pela população indígena e tradicional. De acordo com

dados do Hospital Municipal São Rafael entre 2009 e 2014 o número de atendimentos (entre

atendimentos hospitalares, emergenciais e ambulatoriais) teve uma elevação de 101%,

constatando-se ainda, de forma geral nos hospitais locais, a falta de itens básicos, como leitos

para atendimento e internação.

Apresenta uma estimativa de que durante os últimos quatro anos, a quantidade de

acidentes de trânsito por ano em Altamira se elevou em torno de 144%. Segundo dados do

Hospital Regional de Altamira, em 2014, o número de pacientes vítimas de acidente de

trânsito no hospital aumentou 213% em relação a 2013. Além da apuração de que existe um

grande risco de que hospitais entregues pelo empreendedor acabem por serem subutilizados

59

ou até mesmo inutilizados, já que há por parte das prefeituras a falta de orçamento para geri-

los. O setor da educação também revela ter sido afetado pela implementação da UHE Belo

Monte. Há a notação de uma queda nos índices de qualidade da educação. Apesar da Norte

Energia informar que os cinco municípios que constam na AID receberam 378 salas de aula,

onde as estruturas já existentes foram ampliadas e reformadas, e novas estruturas foram

construídas como medidas antecipatórias, os dados do Inep, indicam que após o início da

construção de Belo Monte, houve um registro nas zonas urbanas dos municípios da AID uma

sobrecarga de alunos no ensino fundamental. Concomitantemente, há relatos sobre

equipamentos de educação ociosos, que foram construídos, mas não utilizados, como

exemplo, há escolas rurais em Vitória do Xingu desativadas.

Em resumo, de acordo com o levantamento do Dossiê Belo Monte, entende-se que no

âmbito da educação as medidas antevistas para minimizar os impactos na educação foram

inábeis, notando-se a falta de planejamento municipal adequado tanto no quesito de estrutura

física quanto no âmbito social pela ausência de participação e controle público, incluindo a

ausência de articulação das políticas públicas no período da obra que exigisse as obrigações e

programas de responsabilidade da Norte Energia, acrescentando ainda a debilidade da gestão

dos serviços por uma ótica integrada, que contemplasse o corpo docente disponível na região

e os impactos sobre os processos pedagógicos de ensino (Dossiê Belo Monte, 2015).

Das consequências que abarcam o saneamento básico, há a constatação pelo Dossiê

que em Altamira 220 quilômetros de redes de esgoto e 170 quilômetros de redes de água

potável foram instalados e que na somatória de todos os municípios incluídos na AID, cerca

de R$ 485 milhões foram utilizados para a contratação de projetos de saneamento básico.

Entretanto, havia a projeção de que esses projetos não estariam finalizados e funcionando

antes do termino da construção da barragem, o que colocaria em risco a qualidade da água dos

aquíferos subterrâneos e do reservatório do Xingu que atende população.

O impasse consiste na constatação de que as estações de tratamento estão finalizadas,

mas as tubulações não estão conectadas aos domicílios e imóveis comerciais para receberem o

esgoto, já que os ramais e ligações domiciliares não foram implantados pela Norte Energia. A

empresa alega que as ligações domiciliares não estão na alçada de suas obrigações incluídas

no PBA estabelecidas pelo Ibama, e que a responsabilidade estaria a cargo dos moradores ou

do poder público. Alegação que beira a irresponsabilidade, atribuindo à população solucionar

um problema gerado pela própria empreendedora. Foi constatada também certa negligência

nas remoções compulsórias da população reassentada pela UHE Belo Monte. É denunciada a

60

ausência de publicidade e transparência na execução do cadastro desta parcela afetada,

resultando na exclusão de parte da população atingida neste processo.

O primeiro processo de cadastramento que ocorreu entre os anos de 2011 e 2012,

notou-se que falhas graves prejudicaram na caracterização das pessoas e núcleos familiares

afetados. Em razão disto, no ano de 2013 foi executado um novo cadastramento por uma nova

empresa contratada a fim de corrigir as falhas anteriores, reconsiderando famílias que

anteriormente não haviam sido contempladas, porém constatou-se que esta situação passada

impactou nessas novas negociações. Este cadastramento, de uma forma geral, deveria refletir

a realidade local e ser utilizado como base para que a construção dos reassentamentos fosse

mais adequada aos modos de vida dessas populações, mas o que aconteceu de fato foi um

distanciamento desta realidade típica amazônica, caracterizando um não reconhecimento

desses beiradeiros em suas novas moradias, que anteriormente habitavam as ilhas sazonais e

margens do rio Xingu, sendo essas novas locações muito distantes do próprio rio e do centro

da cidade, não havendo um cadastro socioeconômico distinto para a parcela que se configura

como pescadores, um agravante em serem deslocados da beira rio.

Além dos impactos diretos provocados pela instalação da usina, a

região experimenta graves conflitos sociais, já que cada uma das áreas

de pesca, tradicionalmente, é explorada por determinado grupo de

pescadores, de modo que a destruição de certas áreas tem levado os

pescadores que ali exerciam suas atividades a migrar para as áreas já

exploradas por outros. (Dossiê Belo Monte, 2015, p.42)

O Dossiê informa que a Norte Energia não executou o reassentamento considerando

que suas casas beira rio ou as que se localizam nas ilhas sazonais são essenciais para os

beiradeiros, entendendo que essas colocações seriam como “ponto de apoio” e determinantes

para sua subsistência e identidade, utilizando-as como moradia e para pesca e coleta, inclusive

como lazer e ambiente de desenvolvimento da família, pois não foi assegurada pela

empreendedora algo semelhante a uma dupla opção de reassentamento a quem possuía

também esta moradia as margens do rio. Constataram que os que optam pelo reassentamento

urbano obtiveram apenas indenização monetária pela casa da ilha/margem, e os que optaram

pelo reassentamento rural só obtiveram indenização apenas pela casa na cidade. O que

configura num risco de desaparecimento desse modo de vida tradicional e ao desamparo dessa

população, que não tem alternativa de trabalho além da pesca.

61

Já os Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUC’s), também tiveram sua localização

como decisão exclusiva da Norte Energia, sem comunicação com a população assistida,

desacatando a definição contida no PBA, que estabelecia que os RUC’s se localizassem em

até dois quilômetros de distância dos centros urbanos, o que não ocorreu. Igual situação se

deu na definição do material construtivo, que impede que haja expansão da moradia, e

dimensões das residências, descumprindo medidas anteriores que diziam considerar as

particularidades de cada família, porém o que se deu foi a construção de residências padrão

único, e distantes dos centros urbanos. Outra crítica a apontar neste processo é que as famílias

não puderam escolher em qual reassentamento gostariam de ir, desarticulando vizinhanças,

desagregando comunidades e relações sociais.

Outro fator é de que nos RUC’s, de maneira geral, há a ausência de equipamentos

sociais necessários, constata-se que três Unidades Básicas de Saúde (UBS) foram construídas

pela Norte Energia conjuntamente com a prefeitura de Altamira, porém estas não contemplam

todos reassentamentos, além de faltarem escolas e acesso ao transporte público. Serviços que

de acordo com o PBA, deveriam estar prontos e funcionando integralmente antes da

instalação das famílias.

A exiguidade de transporte público que atende aos RUC’s é um aspecto grave, pois

grande parte dos reassentados está se locomovendo a pé diariamente por muitos quilômetros,

o que os prejudica o acesso a serviços e a oportunidade de trabalho, sendo que em alguns

casos, têm que arcar com o encargo financeiro de utilizarem moto-táxis para chegar ao centro.

Tais fatores impedem também a continuidade da atividade pesqueira, em razão da distância

significativa ao rio Xingu.

Decorrente desses elementos, por pressão de grupos de atingidos, a Norte Energia se

incumbiu em construir um RUC nas margens do rio Xingu, o RUC Pedral, visando a atender

os beiradeiros que se engaram a permanecer na realocação distante e distinta de suas

condições de vida específica. O Dossiê ressalta que ainda que a obra não contemplará toda a

população beiradeira necessária.

Outro aspecto preocupante é da degradação florestal e da intimidação de comunidades

indígenas e ribeirinhas por madeireiros que exercem a exploração ilegal de madeira na região.

O Dossiê alega o descumprimento de um conjunto de ações que visava o controle de extração

de madeira realizado pela própria Norte Energia para a instalação dos canteiros de obra e dos

reservatórios, onde significativa parte da madeira extraída pela obra apodreceu, não sendo

reaproveitadas na construção da usina, como previsto no PBA. Com isto, a Norte Energia

62

adquiriu vasta quantidade de madeira de fornecedores externos, cerca de 17 mil m³ até

dezembro de 2012, ação reprovada e que os programas ambientais procuravam evitar, posto

que a madeira comercializada na região, é em suma, ilegal.

O saldo desta situação demonstrou o aumento dos índices de degradação florestal, ou

seja, da exploração ilegal de madeira, na área de influência da obra, agravando a

vulnerabilidade da floresta a queimadas e risco de redução da biodiversidade, além do

aumento de casos de violência contra os moradores das áreas de atuação dos madeireiros, o

que figura em ameaças e cooptação. Como exemplo, o Dossiê traz dados de que na Terra

Indígena Cachoeira Seca, desde o ano de 2014, foram extraídos cerca de 200 mil metros

cúbicos de madeira, o equivalente a 13 caminhões madeireiros cheios.

Sobre as consequências que afetam especificamente os povos indígenas há a

constatação de que as medidas de mitigação foram inadequadas, agravadas pelo fato da usina

estar praticamente construída em sua totalidade e as medidas previstas para proteção dos

territórios indígenas, como regularização fundiária e fiscalização, não terem sido

implementadas, prejudicando a autonomia indígena sob o seu próprio território.

O Dossiê apresenta que em uma nota técnica datado de março de 2015, a Funai

demonstrou que entre 2008 e 2013 houve 193,4 quilômetros quadrados de desmatamento na

região das terras indígenas localizadas na área afetada pela UHE Belo Monte, o que

apresentou um aumento de 16,31% em comparação a dados anteriores. Há também o aumento

do número de queimadas e a abertura de estradas improvisadas e ilegais que facilitam a

invasão nessas terras. Nas terras indígenas Apyterewa, Trincheira Bacajá, Xipaia,

Paquiçamba, Curuaia e Cachoeira Seca houve a incidência de desmatamento ilegal e/ou

extração de madeira ilegal, já nas terras indígenas de Arara, Koatinemo e Ituna/Itatá

constatou-se o aumento de invasões de caçadores e de uma expansão de loteamentos rurais, já

nas terras indígenas Bacajá, Paquiçamba e Arara da Volta Grande houve o crescimento no

número de invasões de pescadores comerciais e nas Terras Indígenas Xipaia e Curuaia e no

entorno da Arara intensificou-se a presença de garimpos ilegais. Situação alarmante e

preocupante que coloca em risco a vida destas comunidades indígenas.

Ainda há as críticas e consequências referentes ao Plano Emergencial recorrido para

apoio as populações indígenas, que ocorreu de maneira desordenada, onde foi cedida uma

espécie de mesada as comunidades, na qual atendia às listas de mercadoria elaborada pelos

indígenas, que incluía bens de consumo, a serem fornecidas pela Norte Energia. Consequência

deste ato, foi a perda da capacidade de produção de alimentos de maneira continua,

63

resguardada no parâmetro de segurança alimentar indígena do empreendedor, gerando

complicações no âmbito da saúde e autonomia destes povos, aumentando significativamente

os índices de desnutrição das crianças menores de cinco anos dessas comunidades.

E, apesar de ser verdade que Belo Monte não alaga nenhuma TI (Terra

Indígena), vale lembrar que a usina praticamente seca o rio Xingu

entre as TI’s Arara da Volta Grande e Paquiçamba, desviando até 80%

da vazão hídrica para o reservatório de geração de energia. (Dossiê

Belo Monte, 2015, p.40)

As medidas de construção de infraestrutura de serviços públicos ainda não foram

executadas, nem estão em prática os projetos produtivos que deveriam assegurar a segurança

alimentar e melhoria nas condições de subsistência e autonomia material dessas populações.

Para estas terras indígenas só estão previstas medidas de monitoramento de impactos.

Por fim, o Dossiê Belo Monte, após apresentar o comparativo entre o que foi

estabelecido oficialmente e legalmente pela Norte Energia com o Governo Federal e local e

como na realidade essas medidas foram realizadas, apresentando as consequências da

execução e ausência desses mecanismos de mitigação e compensação de impactos, busca

apresentar uma espécie de lições apendidas, em própria descrição, onde, em resumo, procura

indicar os problemas institucionais que envolveram a UHE Belo Monte que precisam ser

superados e não mais repetidos, com a premissa evitar qualquer desrespeito às instituições

democráticas, que incluam em seu planejamento o diálogo com a sociedade civil,

considerando o conhecimento das populações atingidas sobre o território a fim de firmar um

comprometimento socioambiental transparente e eficaz, havendo um alto grau de

comprometimento por parte do empreendedor e do Estado, para evitar tragédias e

agravamento de mazelas e vulnerabilidade de populações que se encontram afetadas e à

margem de grandes obras de infraestrutura.

Quando a usina hidrelétrica (UHE) de Belo Monte foi a leilão, vieram

à tona muitos questionamentos sobre a viabilidade do

empreendimento. Uma crítica recorrente era de que os impactos

previstos estavam mal dimensionados e os custos socioambientais,

subestimados, mesmo havendo sido destinados R$ 3,2 bilhões às

condicionantes de mitigação da obra. O planejamento e a construção

da UHE foram marcados por autoritarismo e falta de participação e

controle social, expressos em audiências públicas de ‘faz de conta’ e

na ausência de processos de consulta prévia, livre e informada.

(Dossiê Belo Monte, 2015, p.56)

64

O tom do Dossiê além de denunciar os graves impactos gerados pela UHE Belo Monte

é de suscitar uma nova visão de planejamento, que busque o desenvolvimento sustentável.

Para tal conscientização, ao final, o Dossiê compila uma série de artigos denominados “Vozes

do Xingu”, reunidos de forma colaborativa, onde buscam reunir “vozes”, perspectivas

diversas, não consideradas nesses anos de execução da UHE Belo Monte. Esses artigos

reúnem textos de pesquisadores, agentes públicos e representantes de movimentos sociais, que

descrevem desde testemunhos pessoais a relatórios técnicos sobre as consequências

decorrentes da ausência ou ineficácia de como se deram as medidas de mitigação

socioambiental realizadas pela Norte Energia e pelo poder público, buscando traçar a

dimensão dos impactos sofridos pelas populações afetadas pela obra.

5.3 Reflexões

Quando se trata das populações tradicionais, sobretudo as que usufruem e/ou habitam

a margem do rio Xingu, há a relação intrínseca entre essas populações e o rio: uma relação de

dependência física e cultural, ligada a uma questão de subsistência, ao modo de vida, tendo a

pesca como principal fonte de alimento e renda. Configuram-se, assim, como beiradeiros.

População que, segundo Mauro Leonel em seu livro “A morte social dos rios”, se define como

de pescadores artesanais e rurais que residem em vilas e localizações às margens do rio, o que

caracteriza uma parte do modo de vida do interior amazônico. A pesca não é somente uma

profissão, mas uma atividade de sobrevivência e de acesso ao mercado (LEONEL, 1998).

Justamente tais características, segundo é apontado pelo Dossiê Belo Monte, não são levadas

em consideração nas propostas de compensação e mitigação dos impactos apresentados pelo

EIA-RIMA.

A apresentação feita pelo RIMA sobre os beiradeiros se dá de maneira superficial,

neutra. O Relatório indica, em números, quantas pessoas estão dentro do parâmetro

estabelecido de áreas diretamente afetadas (ADAs), inclusive reconhecendo que o rio e a

atividade pesqueira são importantes para esta parcela da população que mora às margens do

Xingu. Porém, ao se tratar de soluções, somente apresenta as que são de âmbito material

como alternativa ao desalojamento, como as indenizações monetárias, as cartas de crédito e os

reassentamentos urbanos e rurais coletivos. Deste modo, justifica que, em contrapartida a este

65

impacto, haverá outros investimentos em infraestrutura local, visando a uma futura

necessidade decorrente, justamente, da implantação da usina.

Estes investimentos, por sua vez, são constatados pelo Dossiê Belo Monte como

aplicados de maneira equivocada ou que, em muitos casos, nem sequer foram aplicados na

prática. Um exemplo é o caso da solução ofertada aos beiradeiros, população por muitas vezes

carente de informação, onde muitos são analfabetos, encontrando dificuldades em escolher e

se posicionar frente a essas medidas compensatórias apontadas pelo Dossiê como limitadas,

problemáticas e insuficientes para minimizar os impactos gerados e de fato solucionar os

danos causados pelas suas remoções.

Entende-se que se está frente à paradoxal relação sobre a qual discorre Dominique

Perrot, em seu artigo já mencionado de 2008, ou seja, a relação, na maior parte das vezes

dicotômica, entre desenvolvimento e povos autóctones. No artigo citado, Perrot aponta que o

desenvolvimento se dá “por uma transformação sistemática da natureza e das relações sociais

em bens e serviços para o mercado” (PERROT, 2008, p.221). Assim, ao observar a UHE Belo

Monte, compreende-se que os impactos gerados nas populações autóctones se tornam

minimizados frente a um projeto de escala federal e de grandes proporções em âmbito

nacional, que diretamente movimentará a matriz energética do país e subsequentemente o

setor da economia. Eufemizam-se, assim, os impactos diretos, como no presente caso, onde,

“o desenvolvimento aparece como o empreendimento de destituição e expropriação em

proveito de minorias dominantes” (PERROT, 2008, p.221), afinal já é sabido que grande

parte da geração elétrica da UHE Belo Monte se destinará ao setor industrial.

Este deslocamento forçado de populações que se encontram nos parâmetros da ADA,

provoca processos de “desterritorializações e reterritorializações” que, segundo Rogério

Haesbaert, desconsideram as relações particulares destas populações autóctones com o

espaço, pois são destituídos de suas áreas de moradia, onde já desenvolviam seu cotidiano e

cultura, mas que impositivamente têm que se realocar em outras regiões, sejam elas por

escolha própria possibilitada pela carta de crédito ou determinada pela Norte Energia com os

reassentamentos coletivos.

Em particular, os RUCs (Reassentamentos Urbanos Coletivos) apresentam problemas

significativos. As unidades ofertadas não contemplaram a totalidade de famílias atingidas. A

maior parte das unidades, por sua vez, não teve sua infraestrutura finalizada antes de ser

ocupada, além de se localizar distante da moradia de origem desta população, longe do rio.

Também não há uma rede de transportes públicos eficiente e eficaz que faça a ligação entre os

66

RUCs, o centro da cidade e as margens do Rio Xingu. Assim, longe de serviços e de

oportunidades de emprego, há um maior incentivo aos processos informais de criação de

comércios e equipamentos dentro dos reassentamentos, os quais, além de suprirem uma

demanda local de produtos e serviços de necessidade cotidiana, servem como uma alternativa

de renda, mesmo que ínfima. Ainda, a própria estrutura das moradias é padronizada,

homogeneizadora, e não possibilita modificações e ampliação, propiciando a criação de

“puxadinhos” (cômodos anexos no lote construídos de forma improvisada) e estruturas

informais.

FIGURA 23 - Imóveis do reassentamento urbano coletivo (RUC)

Fonte: Autoria de Júlia de Francesco (2016)

67

FIGURA 24- Imóveis do reassentamento urbano coletivo (RUC)

Fonte: Autoria de Júlia de Francesco (2016)

FIGURA 25 - Imóveis do reassentamento urbano coletivo (RUC)

Fonte: Autoria de Júlia de Francesco (2016)

68

Ao se tratar da população indígena, o RIMA aborda os impactos nas Terras Indígenas

relacionados ao Trecho de Vazão Reduzida do rio, de um aumento de tráfego próximo ao

local dessas comunidades e do aumento de pressão sobre as TIs. O relatório, apesar de listar e

descrever modos de vida e características particulares de cada comunidade, que também estão

ligadas intrinsecamente com o rio como modo de subsistência ou modo de vida, apresenta

algumas propostas que afirmam servirem de proteção e fortalecimento de suas relações

culturais singulares. Isso se daria por intermédio de ações previstas no Plano de

Sustentabilidade Econômica da População Indígena, que em suma, alicerceado em um

discurso de melhoria da condição de vida indígena, visa à capacitação de mão de obra

indígena, além de programas que abordam temas como segurança alimentar, saneamento

básico, educação que possibilite trocas culturais com demais povos indígenas e melhoria das

habitações. Inclui também um programa de segurança territorial, para, assim, “tornar as terras

indígenas atraentes” para que se permaneçam preservadas e possuam articulações com demais

programas do governo federal, o que resulta na melhoria na própria organização interna de

cada comunidade indígena.

O Dossiê Belo Monte traz a informação de que estas medidas de mitigação e

compensação adotadas para os povos indígenas – reunidas no Plano Básico Ambiental do

Componente Indígena (PBA-CI) de responsabilidade do empreendedor e do poder público,

tendo duração de 35 anos – ainda não foram implementadas, se deram de maneira

desorganizada ou ocorreram por meio de repasse financeiro. Este último foi aplicado de forma

arbitrária para aquisição de bens de consumo e não aplicado em medidas de melhoria

estrutural em longo prazo, gerando uma desarticulação das organizações e resistências

indígenas.

Esse caráter do discurso do EIA em levar melhoria às populações indígenas se

assemelha a uma característica do desenvolvimento abordado por Dominique Perrot, onde o

valor simbólico do indígena em relação ao seu território não é considerado pelos atores

desenvolvimentistas ao interpretarem essas populações como não desenvolvidas. Logo,

justificam as razões de intervenções, investindo em pressupostas necessidades externas as das

suas próprias estruturas sociais. Interpretam a vulnerabilidade dessas sociedades e apontam

como solução a implementação de medidas e metodologias estabelecidas externamente e não

por uma demanda e modo de fazer interno, que na prática cerceiam uma maior autonomia

indígena. Portanto, através destes sincretismos, sutis ou profundos, que se estabelecem nesses

projetos de assistência, a imposição de novas formas de sobrevivência ameaça a dissolução da

69

identidade tradicional por intermédio do avanço da modernidade que corre a um ritmo

acelerado, descompassado das condições dos povos autóctones.

Quando a relação de desenvolvimento visa os povos indígenas, ela se

choca com alguns paradoxos. O primeiro considera que não se pode

desenvolver o que já está desenvolvido. Sem querer negar a grande

diversidade de situações e histórias particulares, podemos adiantar que

os povos autóctones se distinguem dos outros segmentos da sociedade

nacional pelo fato de que não são “desenvolvidos” no sentido comum

do termo. Na verdade, as sociedades tradicionais não aderem à noção

de lucro individual infinito. Tais sociedades praticam uma economia

da reciprocidade, muitas vezes mais importante que aquela do

comércio de mercado; elas não têm acesso ao avanço científico do

conhecimento, isto é, à reflexividade sistemática e ao deslocamento

cognitivo em seu axioma e produzem uma racionalidade holística do

social, antes que uma racionalidade puramente econômica, para

evocar apenas alguns traços fundamentais que as caracterizam. Ser

desenvolvido é ter aceitado de maneira irreversível a lógica

essencialmente transitiva do desenvolvimento. Em compensação,

rejeitar o desenvolvimento é recusar uma relação assimétrica que visa

converter as pessoas em elementos atomizados e enfraquecidos de um

vasto movimento controlador e impessoal. Recusar o desenvolvimento

é assumir seu próprio destino e não estagná-lo ou retardá-lo, como

considera a visão mítica de uma história linear própria do Ocidente.

(PERROT, 2008, p.227)

Essa situação conflituosa entre a UHE Belo Monte e os povos indígenas remete à

origem do projeto, previsto desde o período da ditatura militar, incluso no II Plano Nacional

de Desenvolvimento (BRASIL, 1974). Foi contestado justamente pelos danos ambientais que

seu impacto afetaria sobretudo o próprio rio Xingu, defendido veementemente pelas

lideranças indígenas, principalmente pelos Kayapós e Raonis. Em 1989, no primeiro Encontro

de Povos da Floresta em Altamira, onde um representante do governo foi escalado para

defender a construção da Usina, que na época se chamava Kararaô (grito de guerra dos

Kayapós) houve momentos de tensão entre os atores opostos, onde a índia Tuíra encostou um

“facão” no pescoço do representante da Usina em atitude de reprovação e protesto contra a

construção da mesma.

Mesmo com o recuo que acarretou em um engavetamento do projeto, na modificação

de seu nome em respeito às manifestações indígenas e na alteração do próprio projeto de

implantação (onde a usina e seu reservatório sofreram diminuição em seu tamanho), a UHE

Belo Monte permaneceu dentro dos interesses do planejamento público de desenvolvimento,

independente do descontentamento de setores da sociedade, principalmente da população

70

indígena, em relação aos impactos identificados. Leonel, em seu livro, tece críticas acerca da

ética que envolve o processo do planejamento, onde os Estudos de Impacto Ambiental (EIA),

que, em geral, servem somente para fins burocráticos de licenciamento da obra, tendem a

ignorar as interferências que podem acarretar em um redimensionamento das obras em curso

por demandas socioambientais.

Há no setor a tendência a considerar qualquer estudo como

irreversível, e quanto mais longo e custoso, mais difícil o recuo: uma

prática de fato consumada, sustentado por fortes interesses.

Argumenta-se que um estudo prévio custa em média US$ 16 milhões,

ou seja, num país pobre, estudou-se a obra, há que executá-la. Com os

projetos semi-aprovados na mão, as construtoras ficam de tocaia nos

cofres públicos para viabilizá-los, quando não os antecipam,

comprometendo previamente o orçamento governamental. (LEONEL,

1998, p.193)

Aborda também que a implementação de hidrelétricas possui um fator determinante na

escolha do local de sua implantação. São preferidas regiões interioranas, pouco

desenvolvidas, como no caso de Altamira e municípios lindeiros, onde se pode manter um

ritmo de construção acelerado a baixo custo. Além da facilitação de impasses financeiros, que

podem se orientar a privatização ou ainda a manipulações ilícitas do orçamento federal.

Ademais, são obras “promotoras de cidades”, o que atrai uma população externa, que pode se

dar pelo aumento de oferta de trabalho, como no caso da UHE Belo Monte em Altamira.

Neste caso, a oferta chega a ser significativamente maior do que a da área diretamente

atingida, produzindo também mudanças nas áreas não submetidas ao impacto direto do

alagamento: os chamados impactos indiretos, que ainda carecem de estudos mais

aprofundados (LEONEL, 1998). O projeto das vias de borda e parque ao longo do Rio Xingu,

pós alagamento da cota 100m, nunca foram conhecidos pela população atingida ou

interessada.

A fim de minimizar os impactos decorrentes da migração de trabalhadores e beneficiar

a população da região, segundo o RIMA, haveria um treinamento para formação de

trabalhadores especializados para maior contratação local. Ainda assim, é necessário um

grande contingente de trabalhadores de outras regiões, principalmente durante o terceiro ano

da obra (período de maior necessidade de mão-de-obra), como pode ser visto também no

Dossiê Belo Monte. Deste modo, o repentino crescimento populacional – composto pelos

trabalhadores migrantes e suas famílias – demandam maior infraestrutura, como as previstas

71

pelo EIA-RIMA: postos de saúde, escolas, áreas para prática de esporte, rede de

abastecimento e tratamento de água, esgoto e lixo, além da construção de alojamentos e

residências.

Estas, entretanto, não foram construídas ou foram construídas parcialmente, como

pode ser visto no documento do ISA. As redes de tratamento de esgoto e água, por exemplo,

estão construídas, mas não foram devidamente ligadas às residências. Além disso, o Dossiê

também apresenta impactos sociais causados pelo inchaço populacional, ausentes nos Estudos

de Impacto Ambiental. Dentre eles, são destacados os casos de violência contra mulheres e

adolescentes, homicídios, acidentes de trânsito, furtos e roubos, prostituição e drogadição, que

aumentaram significativamente após o início da obra da UHE Belo Monte.

O Dossiê, ainda, problematiza o futuro uso destas novas infraestruturas e residências

ao analisar o processo de deslocamento dos trabalhadores da obra, que começam a sair da

região após o período de maior necessidade de mão-de-obra (terceiro ano). Este processo de

esvaziamento e subutilização das infraestruturas também ocorre nos RUCs, onde houve a

construção e criação de serviços e comércios (como visto anteriormente) que perdem grande

parte de seus clientes devido ao retorno das famílias para seus locais de origem ou novos

locais de trabalho. Deste modo, os povos autóctones, além de sofrerem um processo de

desterritorialização como apreendido no artigo de Haesbaert (2007), ainda sofrem danos

diretos ao tentarem recriar seu modo de vida nas novas condições que lhes foram conferidos.

Por ser uma obra pertencente ao PAC (Plano de Aceleração de Crescimento), visa

acelerar o desenvolvimento nacional a qualquer custo. Ou seja, assim como demonstra o texto

de Dominique Perrot, os povos autóctones, mais vulneráveis, são expropriados e reduzidos

em nome desta prática desenvolvimentista. O espaço é visto como necessário somente para

este fim. As dinâmicas já existentes no território não cabem na lógica citada, que cria outras a

partir da implantação da Usina de Belo Monte, exemplificando, assim, o conceito estudado de

multiterritorialidade. Dessa forma, a mesma porção do espaço pode ser utilizada por diversas

camadas das comunidades de diversas maneiras. O mesmo espaço abrange processos de

territorialidade diferentes, contrastantes: o rio como fonte de energia em uma escala nacional,

como forma de produto, ao mesmo tempo em que se busca atender às demandas locais das

populações que vivem à beira.

No que diz respeito aos projetos de desenvolvimento que

supostamente beneficiariam as minorias, deveríamos, em geral, partir

da hipótese segundo a qual os projetos correm o risco de serem

72

implantados em detrimento das populações e inverter o fardo da

prova: estabelecer primeiro se o projeto tem condições de cumprir

uma função protetora indispensável e avaliar se o desenvolvimento

desejado pela minoria será ou não impedido por essa intervenção

exterior. (PERROT, 2008, p.224)

Além disso, os impactos decorrentes da obra não abrangem somente os territórios na

beira do rio, dentro da cota 100m, mas também impactam os territórios do entorno ao

interferir e recriar processos como no caso dos Reassentamento Urbanos Coletivos, por

exemplo. Neste caso, as populações beiradeiras sofrem um processo de desterritorialização e

posteriormente de reterritorialização, ao serem reassentados nos RUCs. Já o território onde

foram construídos os reassentamentos sofre igualmente um processo de desterritorialização,

ao ser modificado, e também de reterritorialização, ao receber um novo uso e novos

processos. O mesmo acontece com o território de onde a população beiradeira sai: além de

perder a função e a dinâmica que acontecia antes, criam-se novas, a água invade.

FIGURA 26 – Multiterritorialidade no processo de reassentamento dos beiradeiros

Fonte: Autoria própria

Desta maneira, configura-se uma justaposição de territórios, hierarquicamente

articulados, uma multivariada quantidade de pertencimentos e interpretações do território. Há

um paradoxo entre o espaço usado – conceito de Milton Santos, onde o Estado considera o

beiradeiros

desterritorialização

RUCs

reterritorialização

descaracterização do território

reterritorialização

73

valor de uso, portanto econômico, do território de seu domínio, exemplificando a UHE Belo

Monte, onde o rio é visto como potencial hidráulico de um empreendimento que visa o capital

– com o espaço banal, território vivido, local onde se desenvolve o cotidiano destes povos

autóctones, tendo o rio como característica intrínsecamente cultural e de subsistência.

Portanto, perspectivas que se chocam e entram em conflito. Assim, a partir da perspectiva da

multiterritorialidade (HAESBAERT, 2007), uma interpretação que possibilita a compreensão

do encadeamento de processos de maneira crítica, pode-se assimilar com devida profundidade

as múltiplas leituras dos diversos agentes presentes no mesmo território, que configuram

territorialidades distintas, que integram múltiplas especificidades, sejam na esfera econômica,

cultural e política.

6 ANÁLISE DA CARTOGRAFIA OFICIAL – EIA

A partir das os estudos realizados sobre os discursos contidos nas fontes oficiais e não

oficiais sobre o AHE Belo Monte, pôde-se compreender o contraste existente entre ambos. O

EIA-RIMA, realizado pela Leme Engenharia, uma fonte oficial, portanto, apresenta um

discurso neutro, asséptico, como visto anteriormente. Desta forma, apesar de apresentar

estudos e expor características sobre as regiões impactadas pela construção da obra e sobre as

populações afetadas, ainda omite ou reduz a real esfera de impactos a que estão submetidas

estas regiões e populações.

Por meio dos conceitos já estudados na presente pesquisa e com base no entendimento

acerca dos discursos conflitantes, esta etapa da pesquisa busca analisar alguns mapas, imagens

e tabelas presentes no Estudo de Impacto Ambiental. Desta forma, pretende-se elaborar um

pensamento crítico sobre essas figuras, ao desconstruir o discurso analisado anteriormente e

revelar alguns aspectos que o mesmo omite ou esconde.

6.1 Desterritorializações e Reterritorializações

Através dos conceitos elaborados por Rogério Haesbaert em seu artigo “Território e

multiterritoralidade: um debate”, é possível elaborar assimilações acerca dos fatores inerentes

que relacionam as ações sociais com o espaço ocupado. Busca-se, então, entender a

74

denominada noção de múltiplas territorialidades, que manifestam-se, segundo o autor, em

uma dupla implicação. Uma que abarca um caráter simbólico, ligado ao espaço vivido, logo,

apropriado, conectado intrinsecamente a identificação cultural estabelecida pelas populações

com certa região, e outra ligada a um caráter de dominação, portanto, regida por relações de

poder político e econômico, associadas às lógicas do capital e da propriedade, identificáveis,

por exemplo, na supremacia da autoridade estatal sobre o espaço de sua jurisdição, que

legitimam obras de infraestrutura como as da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, objeto de

análise.

Nesse sentido, pretende-se, identificar nos estudos levantados – sobretudo nos

produtos cartográficos – elaborados pela concessionária Norte Energia, responsável pela

implantação da obra da UHE Belo Monte, as possíveis correspondências teóricas com os

processos gerados pelo impacto da usina. Onde, em suma, observa-se o encadeamento de

desterritoralizações, ou seja, a perda do território vivido pelo deslocamento forçado

decorrente de forças externas hierarquicamente superiores no âmbito político e/ou econômico.

No caso específico, isto ocorre com as populações levantadas que habitam na Área

Diretamente Afetada pela Usina, condicionadas ao desalojamento compulsório, submetendo-

as a reterritorializações, subsequentes à desterritorialização, e compelindo em novas relações

com um novo território, no caso, região de sua realocação, impactando diretamente nos seus

modos de vida e vínculos anteriores. Deste modo, aspira-se revelar algumas perdas de sujeitos

sociais decorrentes da implantação desta obra de expressivo impacto.

6.1.1 ADA Rural

A Área Diretamente Afetada (ADA) abrange as áreas definidas para construção das

obras principais da UHE Belo Monte, da infraestrutura de apoio e pelos locais de inundação,

como, por exemplo, as casas de força, a barragem, os vertedouros, os reservatórios do Xingu e

do Canal e o Trecho de Vazão Reduzida. Na pesquisa apresentada, as representações

cartográficas, que buscam mostrar os imóveis presentes nesta área, se valeram da constatação

de 261 imóveis rurais (lotes basicamente constituídos por projetos de assentamento sob

jurisdição do INCRA).

75

6.1.1.1 Reservatório do Xingu

Os imóveis investigados na margem direita do Rio Xingu correspondem aos seguintes

números: 261 imóveis rurais para a caracterização fundiária, 246 estabelecimentos produtivos

para a caracterização da estrutura produtiva e 155 grupos domésticos, abrangendo um total de

487 pessoas com vistas a obter informações sobre condições de vida da população residente.

Já na margem esquerda do rio, o levantamento apontou, ao se tratar dos imóveis, que 46,20%

do total de imóveis rurais localizados no setor são utilizados para moradia e produção e

38,01% apenas para a produção, num total de 144 imóveis rurais destinados às duas

categorias; entre os demais 2,34% são destinados à produção e lazer e 0,58% ao comércio e

moradia; 1,75% apenas ao lazer e 0,58% a outros usos. A pesquisa também demonstrou que

apenas 7,60% dos proprietários não usam o imóvel rural.

Seguem os produtos cartográficos produzidos pelo EIA que sintetizam tais dados e os

objetivam espacialmente, respectivamente descritos acima, pela identificação e indicação do

lote e a caracterização da situação do imóvel nele encontrado.

FIGURA 27 – Situação Jurídica dos Imóveis Rurais no

Setor Margem Direita do Reservatório do Xingu

Fonte: EIA (2008)

76

Legenda ampliada – Figura 21

FIGURA 28 – Situação Jurídica dos Imóveis Rurais no

Setor Margem Esquerda do Reservatório do Xingu

Fonte: EIA (2008)

77

Legenda ampliada – Figura 22

78

6.1.1.2 Reservatório dos Canais

O levantamento sobre os imóveis presentes na área do Reservatório dos Canais

também foi efetuado da mesma maneira dos setores do Reservatório do Xingu. A área total

correspondente ao Reservatório dos Canais compreende-se em um total de 495 imóveis rurais

(lotes basicamente constituídos por projetos de assentamento sob jurisdição do INCRA), que

através da pesquisa socioeconômica e censitária identificou a presença de 495 imóveis rurais

de caracterização fundiária; onde 547 são estabelecimentos produtivos para a caracterização

da estrutura produtiva; 354 identificados como grupos domésticos; e até onde foi possível

averiguar há cerca de 323 proprietários e 370 produtores rurais nesta área. A título de

porcentagem, que se registrou cartograficamente nos mapas anexados abaixo, reconheceu-se

que 62,42% do total obtém posse de escritura e o título definitivo do INCRA, 38,38% possui

a escritura definitiva de sua propriedade, 11,52% obtém documento de compra e venda e

12,32% não possui nenhuma documentação.

Estes dados, como anteriormente, foram representados de forma cartográfica e

conforme a lógica representativa apresentada nas outras regiões: identificam o loteamento e

classificam a situação do imóvel presente.

79

FIGURA 29 – Situação Jurídica dos Imóveis Rurais na

Faixa de Domínio das Linhas de Transmissões

Fonte: EIA (2008)

FIGURA 30 – Situação Jurídica dos Imóveis Rurais no

Setor Reservatório dos Canais

Fonte: EIA (2008)

80

6.1.1.3 Reflexões

Apesar de saber que durante o programa de reassentamento das famílias serão

realizadas avaliações mais detalhadas das propriedades apresentadas, nota-se, em todos os

casos acima apresentados, uma representação neutra e, de certa forma, de caráter

homogeneizador das diversas condições dos imóveis levantados. Isto ocorre mesmo que haja

a descrição dos imóveis e a indicação deles no espaço de acordo com suas situações

singulares. A cartografia e o texto que os suportam em momento algum se referem às famílias

moradoras destes lotes em si e não há identificação das áreas construídas dentro dos lotes ou

atividades produtivas realizadas, mesmo que em sua maioria. Deste modo, resulta em uma

representação pragmática, neutra, pouco comprometida em configurar e revelar, de forma

explícita, a expropriação dessas áreas pela concessionária durante a construção da UHE Belo

Monte.

A desterritorialização se faz presente nestas cartografias pela ausência nas

representações das mudanças de uso do território, apartado pelos processos sociais e pela

disputa que se dá nestes territórios entre a população local e os interesses do empreendimento.

As cartografias em questão negligenciam o real impacto sofrido pelas edificações na ADA,

neutralizando as diferenças e a ação de remoção involuntária, reduzindo o problema à

representação somente dos lotes afetados e suas condições jurídicas, apoiadas na análise

burocrática feita pelo EIA. Oculta, portanto, as fotos e cadastros, o patrimônio reprodutivo e

não reprodutivo e a população que reside e se utiliza do território – elementos que, para um

entendimento assertivo e mais lídimo, deveriam ser entendidos e representados juntos no

espaço.

6.1.2 ADA Urbano

6.1.2.1 Igarapé Altamira

A região do Igarapé Altamira é a levantada, pelo EIA, como a de maior densidade

populacional dentre as regiões dos Igarapés apresentados. É descrita como localizada em meio

à região central, contendo a urbanização mais antiga da cidade de Altamira. Compreende as

áreas dos bairros Alberto Soares, Aparecida, Brasília, Centro, Jardim Altamira, Sudam I e

81

Sudam II, totalizando uma área de 55,30 ha. De acordo com a pesquisa socioeconômica

censitária apresentada no EIA-RIMA, foram constatados 2.002 imóveis, ou seja, cerca de

42,6% do total dos imóveis da ADA Urbana. Dentre estes, 98 foram descritos como

desocupados, representando cerca de 4,9%, e 1.904 ocupados, portanto 95,1%.

Já o levantamento feito acerca das edificações locais constatou 2.831 unidades, sendo

96,70% destas ocupadas, somando 2.737 edificações, e as edificações desocupadas

contabilizaram 94 edificações, figurando 3,32%. Assim, o documento conclui que a

quantificação de edificações e de imóveis apresenta índices de adensamento construtivo

maiores do que as outras zonas da ADA Urbana, formando uma média de 1,4 edificações por

imóvel.

Ao discorrer sobre os tipos de ocupações dos imóveis, destaca-se o uso exclusivo

residencial, levantado como 73,51% do total, posteriormente o uso misto foi contabilizado em

11,38% e o comercial em 3,61%. Foi observado somente 12 imóveis institucionais,

correspondendo a uma escola e 11 imóveis utilizados como igrejas.

Sobre a caracterização da população, observou-se uma maior quantidade de homens

residentes, predominantemente jovens, na faixa entre os zero e quatorze anos, quantificados

em 34,34% do total da população. Foi relatado também que 8,87% da população se

encontrava na faixa etária superior aos 56 anos.

O levantamento acerca do tempo de residência no Igarapé Altamira demonstrou que

80% da população era oriunda da própria cidade de Altamira. Dentre a população residente,

20,7% eram residentes por um período entre dez e vinte anos, 18,4% residiam a menos de um

ano. Sobre os migrantes de outros estados, representavam 7% da população, dos quais 1,8%

proviam do estado do Maranhão.

O apoio cartográfico referente a este levantamento foi sistematizado em uma imagem

de satélite da região, denominada como croqui de localização, destacando a área diretamente

afetada que compreende o setor Igarapé Altamira, onde através de uma mancha que visa

demonstrar a dimensão e abrangência da localidade, são identificados também os limites dos

bairros, contendo as informações das vias urbanas e do curso d’água.

82

FIGURA 31 – ADA Urbana - Igarapé Altamira

Fonte: EIA (2008)

6.1.2.2 Igarapé Ambé

A área referente ao Igarapé Ambé foi apresentada pelo EIA como abrangendo 2.29,44

hectares, na qual 43,6% dos imóveis levantados são classificados como ocupados. Dentre os

ocupados, foi quantificado 2.211 destes imóveis como edificações. Entre estes, 2.694 imóveis

configuram-se como próprios dos moradores e os demais na situação de alugados ou cedidos.

Ao total o Igarapé Ambé configura-se como 37,23% da área total dos imóveis levantados na

ADA Urbana, onde a dimensão média dos lotes figura em 197 m².

Segundo as pesquisas do EIA, as edificações cadastradas estimaram o número de

2.503, dos quais 83% apresentam seu uso como residencial e 1,5% como contendo alguma

atividade econômica. Também cadastrou-se a existência de somente uma escola, particular, o

Centro de Ensino Pequeno Cidadão (CEPEC), de 426 edificações vazias e 1.901 edificações

em uso - não conseguindo a pesquisa identificar todos os grupos domésticos diretamente

afetados neste setor - além de 18 edificações destinadas a atividades religiosas.

83

Dentre estas edificações, 38% foram identificadas como palafitas e o restante

instaladas no solo. Foi constatado, em suma, que as construções em palafita estão localizadas

em áreas sujeitas a inundação periódica, compreendendo poucos lotes localizados nas áreas

mais altas, como no bairro Boa Esperança. A área média destas edificações estima-se em 28,4

m², analisada como a menor das áreas médias das edificações levantadas na ADA Urbana. O

documento traz a descrição da tipologia básica das edificações, contendo então ambientes

como sala, um ou dois quartos e um corredor que faz ligação com a cozinha.

Sobre as condições sanitárias, foram avaliadas como bastante precárias, 66% das

edificações possuem instalações de uso exclusivo, porém se encontram impróprias no quesito

do saneamento ambiental, porque se caracterizam como fossas rudimentares. Somente três

dessas edificações são atendidas pela rede geral de esgoto sanitário e nove contêm fossas

sépticas.

No que se trata do abastecimento de água, há 69,6% edificações com poços

particulares e 5,7% ligadas à rede geral gerenciada pela Prefeitura. Foi relatado no documento

que não foi possível coletar informações acerca da qualidade da água desses poços, mas é

salientada a possível contaminação ou poluição referente às condições gerais das áreas de

contribuição e a ausência de critério para suas implantações. Constatou-se pelo estudo que em

muitos lotes o despejo do esgoto se dava no próprio Igarapé Ambé, interferindo, portanto, na

qualidade da água, impossibilitando seu uso doméstico, e consequentemente se tornando fator

de contaminação e proliferação de doenças.

Ao tratar da caracterização da população, levantou-se que predomina o número de

jovens com menos de 20 anos, de pessoas nativas de Altamira, destacando também que uma

parcela significativa é oriunda do Maranhão, onde a maioria dos habitantes se encontra

solteira e residente da região entre dez e vinte anos.

Sobre as atividades econômicas predominantes no Igarapé Ambé, contabilizando o

número de 226 edificações levantadas pelo estudo, destacando-se a existência de pequenos

comércios, seguido pelos setores de serviços e de indústrias.

Assim como o apoio cartográfico do Igarapé Altamira, o pertencente ao Igarapé Ambé

também é um croqui de localização, que por meio de uma sobreposição a uma imagem de

satélite por uma mancha que limita a área correspondente, busca ilustrar a localização deste

setor em Altamira, também identificando os limites dos bairros e informações das vias

urbanas e do curso d’água. Além deste, é a única análise contida na ADA Urbana que possui

outro elemento cartográfico, igualmente com uma imagem de satélite como base, que

84

identifica espacialmente em sua área, a localização das edificações destinadas a atividades

econômicas, com o intuito de demonstrar a distribuição das mesmas, possibilitando então, a

visualização espacial da disposição das atividades econômicas existentes, apresentando sua

diversidade em constatar pontos de comércio, serviços, indústria e suas variações, traçando os

limites referentes a área do setor de pesquisa Ambé e a que compreende ao reservatório,

exibindo suas justaposições.

FIGURA 32 – ADA Urbana - Igarapé Ambé

Fonte: EIA (2008)

85

FIGURA 33 – Distribuição das Edificações Destinadas a Atividades Econômicas

Igarapé Ambé

Fonte: EIA (2008)

6.1.2.3 Igarapé Panelas

A área referente ao Igarapé Panelas compreende 10,93 ha, sendo o menor setor urbano

classificado pelo EIA, com apenas 75 imóveis. Sua foz situa-se no limite da zona urbana de

Altamira e parte de sua zona rural, a noroeste. Esta região é caracterizada, pelo estudo em

questão, pelas grandes áreas vazias não parceladas, contendo algumas propriedades rurais, e

pelo difícil acesso, que ocorre de forma precária.

Entretanto, o EIA considerou, para a pesquisa da área urbana, uma pequena porção da

bacia do Igarapé Panelas, devido à maior ocupação do território e o acesso que ocorre pela

Avenida Tancredo Neves, além de sua importância para a população da região por abranger a

Praia do Page, na margem esquerda do Rio Xingu.

Nesta área, dentre os 75 imóveis citados (de tamanho médio de 166 m²), 64 são classificados

como contendo edificações, correspondente a 86,33%, e 11 como vazios, correspondente a

14,66%. 64 destes imóveis são apresentados pelo estudo como contendo algum tipo de uso,

sendo eles: 57 edificações de uso residencial (90,6%), 64 deles apresentam algum tipo de uso

(77,7%). Predomina o uso exclusivamente residencial em 90,6% dos casos (57 edificações);

em apenas 5 edificações (6,2%) foram detectadas alguma atividade econômica, sendo que em

duas delas o uso é misto (também residencial). Foram registradas 10 edificações vazias

(12,35%). Não foram registrados equipamentos sociais e comunitários na ADA no Igarapé

86

Panelas. Quanto à condição de ocupação das edificações, a grande maioria é do próprio

morador (72,83%), sendo restritos os imóveis alugados (8,7%) ou cedidos (6,52%) e

inexistentes a situação de imóvel ocupado.

FIGURA 34 – ADA Urbana - Igarapé Panelas

Fonte: EIA (2008)

6.1.2.4 Reflexões

A partir da apresentação do EIA acerca dos Igarapés contidos na área diretamente

afetada (ADA) da zona urbana, observa-se os mesmos problemas analisados nas

representações cartográficas contidas no ADA Rural, fazendo-se a possível leitura de que há,

inerentemente, a proposição de neutralidade e de homogeneização da multiplicidade espacial,

87

tanto em caráter material, relacionado aos imóveis levantados, quanto imaterial,

compreendendo as dinâmicas sociais e a pluralidade da população pertencente à área

averiguada.

Ainda que o estudo contenha os dados quantitativos inferidos por meio das pesquisas

censitárias, da variedade populacional em seus diferentes âmbitos e também dos diferentes

usos dos imóveis, estes dados não transparecem na cartografia elaborada, a não ser na

representação das atividades econômicas presentes no Igarapé Ambé, que mesmo de maneira

plana, traz um panorama de distribuição espacial da variedade dessas atividades,

possibilitando ao observador compreender, de certa maneira, a disposição associada às

dinâmicas deste compartimento, aspecto não utilizado na representação de outras temáticas,

nem dos outros igarapés.

Observa-se que apesar de se tratar de áreas urbanas com dinâmicas físico-funcionais

preexistentes, estas são emudecidas. O discurso apresentado no estudo e nas representações

cartográficas elaboradas, mesmo se tratando de croquis, esconde sua importância, valor ou

realidade, bem como os impactos gerados com a supressão de ruas, escolas, postos de saúde,

comércios e demais moradias entre um Igarapé e outro, como se não houvesse nenhuma

relação entre eles.

Portanto, a ausência emerge nas representações superficiais que não contém em seu

conteúdo a indicação dos resultados obtidos pelas pesquisas a campo, não contemplando a

desterritorialização a que foi submetida a cidade e a população e que requer uma indicação

mais profunda e detalhada cartograficamente, para assim haver confluência entre os dados

levantados e como estes se dão espacialmente. Afinal, as relações e dinâmicas sociais são

imanentes ao espaço, sempre e só podem existir coexistindo com este espaço.

O conteúdo apresentado neste momento ainda não aponta as soluções para o

reassentamento das famílias. Nota-se de extrema necessidade que, conjuntamente à exposição

do produto da pesquisa, após descrever suas condições levantadas, fosse feita alguma

consideração sobre o reassentamento dos desterritoralizados e sobre as novas formulações

urbanas frente à desestruturação dessas áreas. O que se observa, ao contrário, é a ausência de

compromisso e a carência de quaisquer definições mais claras e capazes de demonstrar as

medidas de compensação para os impactos sofridos.

88

6.2 Modos de Vida

A cientista política Marie-Dominique Perrot em seu artigo “Quem impede o

desenvolvimento “circular”? ”, explicita a relação intrínseca entre o espaço e os traços

culturais da população identificada como autóctone a certa região, portanto há especificidades

inerentes que configuram o espaço, além de materiais, como imateriais e simbólicas,

englobando tanto relações de subsistência desses povos, como possibilitando a preservação e

as expressões culturais dos mesmos. Deste modo, pode-se compreender que a população

beiradeira será afetada em seu modo de vida, impactando suas dinâmicas relacionais

geográficas, em suma, a maneira com que vivenciam o espaço e como se estabelecem no

território.

Tanto no estudo referente à ADA rural quanto no da ADA urbana, são ressaltadas as

atividades de lazer da população, sendo estas fatores de expressão das atividades tradicionais

dos habitantes locais, que se desdobram em práticas culturais e de características locais. Nas

tabelas utilizadas como síntese dos levantamentos contidos no ADA acerca das atividades de

lazer, da ADA rural e da ADA urbana, respectivamente apresentadas a seguir, demonstram-se

quantitativamente aspectos típicos da população tradicional ao evidenciar a penetração social

das religiões de matriz cristã, indicadas pela quantidade de respostas que relacionam sua

atividade de lazer a ir à igreja, assim como, o expressivo número que frisa a importância do

rio Xingu na caracterização do modo de vida singular da população beiradeira, por meio das

respostas associadas a tomar banho de rio e à pesca. É possível, então, observar a relevância

do rio, mesmo obtendo posições mais baixas na zona urbana, nos dois setores contemplados

pela ADA.

FIGURA 35 – ADA Rural - Atividades de Lazer - Setor Santo Antônio

Fonte: EIA (2008)

89

FIGURA 36 – ADA Rural - Atividades de Lazer - Setor Santo

Fonte: EIA (2008)

FIGURA 37 – ADA Urbana - Tipos de Atividades de Lazer dos Grupos Domésticos

Fonte: EIA (2008)

90

Independentemente do conhecimento do Dossiê Belo Monte e das ocorrências pós-

obras da UHE Belo Monte, este levantamento, por si só, já coloca em dúvida a manutenção do

modo de vida da população diretamente afetada UHE de Belo Monte. Seguramente o

processo de desterritorialização dessa população com a expropriação da região onde habita e a

demolição das estruturas urbanas de referência, afetou a possibilidade de manutenção destas

mesmas práticas sociais, tanto pela população que foi realocada para longe das imediações do

rio Xingu ou da igreja que se habituou a frequentar, quanto pela população limítrofe, que

também tem sua dinâmica social e espacial interferida devido à perda destes territórios.

Somente no estudo referente à ADA rural foi utilizada a linguagem cartográfica para

explicitar a localização dos estabelecimentos de comércio e serviços na região diretamente

afetada. Estas representações, que compreendem a margem esquerda e direita do rio Xingu, as

ilhas e o local da implantação do reservatório dos canais da Usina, trazem em seu conteúdo a

locação dos postos de saúde, igrejas, escolas, comércios e cemitérios contidos nesta zona,

possibilitando visualizar como estes estavam dispostos espacialmente, porém mantém ausente

a percepção da abrangência destes estabelecimentos, inclusive exterior à Área Diretamente

Afetada, desta maneira, não sanando as dúvidas acerca da sua desterritorialização, aspecto

principal dos impactos do projeto.

91

FIGURA 38 – Equipamentos e Comércio no Setor Margem Esquerda

do Reservatório do Xingu

Fonte: EIA (2008)

FIGURA 39 – Equipamentos e Comércio no Setor Margem Direita

do Reservatório do Xingu

Fonte: EIA (2008)

92

FIGURA 40 – Equipamentos e Comércio no Setor Ilhas

do Reservatório do Xingu

Fonte: EIA (2008)

FIGURA 41 – Equipamentos e Comércio no Setor Reservatório dos Canais

Fonte: EIA (2008)

93

6.2.1 Reflexões

Assim como as demais peças cartográficas contidas no estudo das áreas diretamente

afetadas, os elementos representados são apresentados de uma maneira inexpressiva em

relação aos deslocamentos destes equipamentos, não ilustrando, ou sequer propondo, as

possibilidades acerca de novas implantações destes estabelecimentos ou das medidas de

compensação e mitigação praticáveis frente a este processo de desterritorialização, portanto,

indicando eventuais reterritorializações. Além disto, ao observar o número de entrevistados

acerca das atividades de lazer, nota-se um número bastante pequeno de moradores

consultados, não compreendendo, assim, a totalidade quantitativa da população total,

possibilitando o questionamento sobre as proporções obtidas.

Desta maneira, pode-se analisar que o empreendimento da UHE Belo Monte acarretará

mudanças significativas no modo de vida da região, já que compreende áreas de expressiva

dimensão territorial e de populações ligadas profundamente com o espaço que lhes é

particular, sobretudo, pela conexão considerável com o rio Xingu, ou seja, um processo

compulsório de desterritorialização. Tais fatores carecem de transparência nestes

documentos, suscitando a interpretação de que as forças que regem projetos

desenvolvimentistas encontram justificativa e legitimação para suas intervenções na

pauperização de populações autóctones. Desta forma, isentam seus impactos adjetivados

‘como inevitáveis’, conferindo-lhes pressupostas necessidades atribuídas ao projeto, mesmo

que estas sejam distintas das identificadas e urgentes para as populações afetadas.

6.3 Usos do Rio Xingu

A partir da fundamentação teórica contida no livro “A morte social dos rios” do

cientista político e social Mauro Leonel, exibe-se a intrínseca relação com o rio presente nas

populações beiradeiras, assim, contendo em suas práticas culturais e cotidianas a presença do

rio como fator de destaque que permeia as relações sociais de tais populações. Portanto, deve-

se sublinhar, ao analisar populações beiradeiras, como as enquadradas nas áreas diretamente

afetadas pela usina hidrelétrica de Belo Monte, os processos sociais em que o rio Xingu

demonstra-se como essencial e determinante.

94

A partir dos levantamentos sobre os usos do rio Xingu, tanto no âmbito da ADA rural,

quanto da ADA urbana, o rio explicitado nas atividades de lazer como pesca e local de banho

é atribuído a um dos principais elementos deste contexto, de evidente importância para a

compreensão do modo de vida tradicional.

Em suma, a pesca é constatada pelos levantamentos na ADA, em três formas

substanciais, como constatado na qualidade de subsistência, praticada de maneira tradicional,

configurando-se como uma atividade para renda complementar e subsistência familiar, sendo

identificada mais notadamente no setor rural. O segundo desdobramento da pesca identificado

é como atividade exclusivamente comercial, dada de formas artesanais, voltada para a venda

nos mercados. E por fim, há a prática da pesca voltada para o âmbito esportivo, encarada

como atividade de lazer, tanto praticada pelos moradores locais, como também uma atividade

turística.

O modo representativo, utilizado para explicitar tais usos do rio nas duas zonas da

ADA, foi sistematizado por meio de tabelas. As pesquisas foram realizadas junto à população

local e resultaram em dados estatísticos que conformaram uma quantificação média acerca

dos usos referentes ao rio Xingu. Tais tabelas são apresentadas a seguir e referem-se,

respectivamente, à ADA rural e à ADA urbana.

FIGURA 42 – Finalidade da Atividade da Pesca – Setor Santo Antônio

Fonte: EIA (2008)

95

FIGURA 43 – Usos do Rio Xingu – Setor Santo Antônio

Fonte: EIA (2008)

FIGURA 44 – Alternativas de Uso dos Igarapés e do Rio Xingu

Mais Utilizadas pelos Moradores

Fonte: EIA (2008)

96

6.3.1 Reflexões

Equivalente à análise apresentada acerca do número de entrevistados no âmbito do

modo de vida local, no quesito dos usos do rio, a quantificação de moradores consultados

também se apresenta como pequeno, suscitando indagações se as proporções médias

auferidas, de fato, englobam a totalidade da população impactada.

É importante salientar o fato de entre os principais usos levantados, estar contido a

utilização do rio Xingu como transporte, aspecto negligenciado no conteúdo dos estudos da

ADA, como também nas medidas de mitigação e compensação firmadas pela empreendedora.

Este impacto é um ponto excepcional, já que o funcionamento do AHE Belo Monte altera o

curso e o volume do rio e afeta diretamente aqueles que o utilizam, além de ao deslocar as

populações impactadas, inviabilizando que essas utilizem o rio como transporte, já que podem

ser realocadas para longe de seu leito.

Por fim, outro ponto a ser levantado é a respeito de não haver nenhuma análise

cartográfica que referencie e represente as atividades que o rio exerce socialmente. Assim,

não é possível uma perspectiva espacial do local onde estas ocorrem, tolhendo uma

compreensão relacional de como as mudanças físicas do rio afetam diretamente essas

atividades, destacadas pelo próprio levantamento como significantes para a população local.

Portanto, ausenta-se da alçada do empreendedor uma análise especializada dos conflitos

diretamente vinculados ao fator de interesse principal da Usina: o recurso hídrico, que

também se configura como primordial para as dinâmicas sociais locais já existentes.

97

7 CARTOGRAFIA DA AUSÊNCIA

Com base nas análises anteriores, nota-se que as ausências das cartografias oficiais são

de suma importância para o entendimento dos processos desencadeados pela implantação da

Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Como pôde ser observado nas reflexões predecessoras, as

informações acerca dos impactos ocasionados pela implantação da Usina são demonstrados a

público de maneira desconectada, sem que se possa observar e compreender, em uma escala

adequada e relacional, os devidos impactos. Deste modo, ocultam-se elementos fundamentais

de modo intencional no discurso das fontes oficiais, demonstrados em suas cartografias.

Portanto, faz-se necessário revelar as ausências e articulá-las aos aspectos já expostos.

Substancialmente, o espaço se torna o elemento essencial para a assimilação dos

processos sociais, sendo ele próprio um produto social e também um elemento de interação

com a sociedade. Deste modo, partindo do princípio apreendido na presente pesquisa, do

espaço enquanto produto-produtor (GOUVÊA, 2010), torna-se mais clara a apreensão da rede

complexa de processos que se dão sob o mesmo. Com isto, considera-se indispensável a

representação dos fenômenos e processos em material cartográfico, pois, desta maneira, é

possível visualizar a dimensão e a correlação de aspectos que, a um primeiro momento,

podem parecer ou fazerem-se parecer estarem apartados.

Um ponto observável nos produtos cartográficos elaborados pela Leme Engenharia,

contidos no EIA-RIMA, é a divisão em recortes das representações cartográficas em pequenas

regiões, mesmo que estas retratem um mesmo tema. Sabe-se que quanto menor a escala da

representação cartográfica, mais aproximada e possivelmente mais detalhada se torna o

produto que se gera. Porém, no caso das cartografias referentes no levantamento da ADA

rural e da ADA urbana, não há uma cartografia de maior escala que contemple toda a região

afetada e, que consequentemente, apresente os locais presumidos para realocação da

população removida. Deste modo, proporcionam uma interpretação fragmentada do processo

de desterritorialização e reterritorialização acometido à população local. Logo, não

proporcionam uma definição precisa do deslocamento da população, muito menos de suas

perdas tanto de valor material, como imaterial, como as relações simbólicas e afetivas com o

lugar, as mudanças de modos de vida, etc.

Assim, em um primeiro momento, faz-se necessária uma cartografia que revele as

dimensões contidas neste processo de reassentamento em um único produto, desvelando as

98

relações entre a implantação destes reassentamentos com a cidade e a relação entre eles com a

localidade de origem da população desterritoralizada e consequentemente com o rio Xingu.

FIGURA 45 – Desterritorialização dos beiradeiros - Altamira

Fonte: Produção própria sobre base cartográfica do IBGE (Mapa urbano digital - Contagem

da população – folhas 01-01; 01-02; 02-01; 02-02. 2007)

A proposição cartográfica acima busca explorar e dar passos iniciais a um estudo de

representação cartográfica que estruture espacialmente os elementos possíveis de serem

cartografados em um único material, sem que este se torne poluído ou impossibilite a sua

apreensão. Visa, ainda, à representação da rede de impactos de forma objetiva, ao revelar

elementos relacionais e suas consequências. Deste modo, torna-se possível a realização de

constatações críticas, despindo-se da premissa e do discurso de neutralidade que a cartografia

oficial é imbuída.

99

No mapa acima, pretende-se demonstrar a distância espacial entre a localidade de

origem da população desterritoralizada e a região prevista para sua reterritorialização. Pela

identificação das vias estruturantes da região, confere-se a falta de conectividade dos

reassentamentos propostos com a cidade em si e, portanto, com a localidade de origem desta

população. Consequentemente, é visível, também, a distância destes com o rio Xingu, o

que reforça um ponto fundamental denunciado pelo Dossiê Belo Monte: a perda do modo de

vida ribeirinho, condição também levantada pelo EIA como característica intrínseca da

região e ausente na concepção da implantação dos reassentamentos coletivos.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, percebe-se que a cartografia da ausência se faz além de uma possível

produção cartográfica, como um modo de perspectivar a interpretação cartográfica,

compreendendo a importância de assimilar os contextos e processos que envolvem o mapa a

ser analisado. Compreender quais são as intencionalidades e finalidades presentes e ocultas na

cartografia e como tais elementos se articulam se demonstra como um ponto crucial para uma

análise mais profunda e crítica, um movimento dialético.

Com a presente pesquisa, foi possível observar de forma mais concreta a maneira

como a autoridade se infere ao mapa pelas instâncias oficiais que detêm suas produções. A

etapa de garimpagem das bases cartográficas oficiais para utilização como estudo frente às

elaboradas pela concessionária Norte Energia se mostraram árduas de encontrar, pois há

poucos produtos cartográficos disponíveis e utilizáveis para a análise que a presente pesquisa

se propôs a elaborar. Deste modo, fica evidente que informações cartográficas elaboradas por

órgãos estatais se encontram, atualmente, disponibilizados aos civis de maneira dificultosa,

principalmente ao se tratar de regiões não metropolitanas e com pouco destaque na conjuntura

nacional. No caso de Altamira, o objeto principal da pesquisa, mesmo sendo uma região

historicamente marcada por intervenções de infraestrutura que tiveram grande destaque (como

a implantação da rodovia Transamazônica e da UHE Belo Monte), é um município

abandonado por investimentos de ordem social voltados à população, em que as informações

cartográficas encontradas disponíveis se demonstraram insuficientes.

Em suma, os produtos que serviram de base para análise aqui desejada, se resumiram

às elaboradas pela Norte Energia, a qual intencionalidade do representável se pauta no

licenciamento da Usina. Portanto, de desígnio já explícito, distinto da problemática exposta

100

por órgãos de defesa ao meio ambiente e à parcela social vulnerável, que é o caso do ISA,

abordado anteriormente na análise do Dossiê Belo Monte, documento de denúncia às

inviabilidades inerentes a implantação da Usina.

Todavia, a percepção de que o essencial está na ótica da ausência e não

necessariamente de um produto que a represente, pois, a interpretação das representações

cartográficas disponíveis, independentemente de seu tema, contém em si a ambiguidade das

presenças e das omissões, sendo estas inevitáveis, “não sendo nem verdadeira nem falsas, mas

verdadeiras e falsas ao mesmo tempo, pois são respostas a necessidades concretas, ao mesmo

tempo que dissimulam objetivos reais” (GOUVÊA, 2010, p. 45). Portanto, mesmo não

havendo cartografias que se contrapõem, os imperativos de autoridade se explicitam no oculto

e cabe ao olhar crítico revelá-las e questioná-las frente à compreensão dos processos

contextuais e ao que se declara manifesto de maneira nítida.

Os processos aqui salientados de impacto à população beiradeira das áreas afetadas

pela UHE Belo Monte se dão para avante a implantação da Usina. Tanto no que se trata das

consequências que influenciarão o desenvolvimento local e o modo de vida da população (a

reassentada e também a que permaneceu em sua localidade), quanto por se tratar de uma

lógica intervencionista estatal de desenvolvimento, que tende, historicamente, a repetir os

mesmos processos de exploração territorial e desarticulação de comunidades tradicionais e

vulneráveis.

101

9 REFERÊNCIAS

GOUVÊA, José Paulo Neves. A cidade do mapa: a produção do espaço de São Paulo através

de sua produção cartográfica. Dissertação de Mestrado – capítulos Introdução, 1 e 2.

FAU/USP. São Paulo, 2010.

HAESBAERT, Rogério. Dos Múltiplos Territórios à Multiterritorialidade. Universidade

Federal Fluminense, Rio de Janeiro: GEOgraphia - Ano IX - No 17 – 2007.

ISA – INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. PROGRAMA XINGU. Dossiê Belo Monte. Não

há condições para a Licença de Operação. São Paulo, Junho 2015.

LEONEL, Mauro. A Morte Social dos Rios. Conflito, natureza e cultura na Amazónia. São

Paulo: Ed. Perspectiva, FAPESP, 1998.

PERROT, Dominique. Quem impede o desenvolvimento "circular"? Tradutora: Ligia Romão.

São Paulo: Cadernos de Campo, NAU, n.17 p219-232, 2008, Ciências Sociais/USP.

Traduzido de “Les empêcheurs de développer em rond”, Ethnies. Droits de h’homme et

peuples autochtones, nº13, La fiction et la feinte. Développpmente et peuples autochtones.

Survivel International France , 1991.

SANTOS, Milton. O retorno do territorio. En: OSAL : Observatorio Social de América

Latina. Ano 6 no. 16, Jun. 2005.

VELÁSQUEZ, Cristina; VILLAS BOAS, André; SCHWARTZMAN, Stephen. Desafio para

a gestão ambiental integrada em território de fronteira agrícola no oeste do Pará. RAP Rio de

Janeiro 40(6):1.061-75, Nov. /Dez. 2006.

Figura 39: ALTAMIRA. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mapa do município de

Altamira do Estado do Pará, [Contagem da população - Mapa urbano digital]. Folhas 01-01;

01-02; 02-01;02-02. 2007.

102

Figura 40; 41; 42: BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mapa Brasil –

Grandes regiões, [Cartas e mapas – Folhas topográficas].

103

10 GLOSSÁRIO

Beiradeiro: População que usufrui e/ou habita à margem de um rio, no caso o rio Xingu,

afetada pela UHE Belo Monte.

Desenvolvimento: Política pública que visa o avanço crescimento econômico, social e

político de um país, região, município. (LEONEL,1998)

Desterritorialização: Perda do território apropriado e vivido; deslocamento forçado

decorrente de processos de forças externas hierarquicamente superiores no âmbito político

e/ou econômico.

Espaço: É a porção da superfície terrestre onde as atividades humanas acontecem; lugar onde

atua as sociedades servindo para seu desenvolvimento e exploração e extração de recursos

naturais.

Espaço capitalista: Espaço organizado sob o modo de produção capitalista. Podendo ser

caracterizado como “espaço homogêneo, fragmentado, hierarquizado”

Homogêneo por se tratar de um espaço urbanizado, de modo que em uma grande escala pode

ser observado como unidade; fragmentado porque está ligado ao caráter econômico, pois é

passível de ser geometrizado, logo vendido e consumido em lotes; e hierarquizado pela

separação funcional e de valor de uso que se atribui a determinado espaço, ligado a níveis de

poder econômico e político, observável na segregação entre centro e periferia.

Espaço produto-produtor: Conceito atribuído à relação do espaço com a sociedade, onde a

sociedade não somente interfere no espaço através de seu modo de produção, mas o espaço é

entendido também como agente interativo, não pelo viés de ser fato dado da natureza.

Forças produtivas: Combinação de força de trabalho com os meios de produção, utilizada

para transformação da natureza; segundo teoria marxista.

Modo de produção: Relação entre propriedade e trabalho relacionada à determinada

sociedade.

Multiterritorialização : Sobreposição lógica de territórios, hierarquicamente earticulados,

"encaixados"; Vivência concomitante de diversos territórios em uma mesma porção do

espaço.

Povo Autóctone: Se refere a povos que são naturais de uma dada região, contextualizado na

pesquisa, diz respeito aos povos indígenas e populações tradicionais beiradeiras a região

impactada pela UHE Belo Monte.

104

Produção do espaço: Produto decorrente das interações e apropriações do espaço por uma

sociedade, modificando-o de acordo com seus imperativos econômicos e políticos, em dado

momento histórico.

Propriedade: Apropriação das condições naturais; Pertencimento ou direito legal de possuir

algo; Porção considerável de terra pertencente a um dono.

Relações de produção: Relação que o ser humano estabelece com o trabalho e a distribuição

através do processo de produção e reprodução; segundo teoria marxista.

Representação do espaço: Espaço concebido, segundo Lefebvre; que constitui o espaço da

cartografia, do conhecimento, da ciência, do progresso.

Reterritorialização: Processo decorrente e/ou subsequente a desterritorialização; implica em

uma relação com um novo território ou com uma mudança significativa do mesmo, afetando o

modo de vida dos afetados pelo processo.

Ribeirinho: Aquele que habita as margens do rio ou o usufrui em seu modo de vida, podendo

ou não possuir a atividade pesqueira como profissão ou para subsistência. De acordo com

Mauro Leonel, ribeirinho é um modo de vida do interior amazônico que pratica a pesca

artesanal, sendo ele rural, com moradia em vilas e colocações nas margens dos rios, seu

acesso à renda monetária e ao mercado é menor do que a do pescador especializado.

Territorialidade: Incorporação das relações econômicas, culturais e políticas que se dão no

território, está ligada ao modo de utilização, organização e significação do espaço por

determinada sociedade/comunidade.

Território: Espaço delimitado com o qual se tem uma relação de poder, este podendo ser

político e/ou representativo; portanto dominado e/ou apropriado, manifesta hoje um sentido

multi-escalar e multi-dimensional, configurando a conceituação de multiterritorialidade.

Valor de troca: Deriva da relação de dominação que se tem com o território, relacionado ao

conceito de propriedade; pertence a noção de território funcional.

Valor de uso: Deriva da relação de apropriação que se tem com o território, relacionado a

identificação cultural e de vivência que se desenvolve com o território, pertence a noção de

ser composto por marcas do “vivido”.