barroco Ópera

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    Histria da Cultura e das Artes Ano letivo: 2012/2013

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    BARROCO: ESPLENDOR, DRAMATISMOAPARECIMENTO DA PERA

    ndice

    1) Introduo ............................................................................................................................. 2

    2) A pera em Itlia .................................................................................................................. 6

    2.1 A Camerata Fiorentina e o advento da pera em Itlia ....................................................... 6

    2.2 Claudio Monteverdi: a pera LOrfeo, os oito livros de madrigais e a nova linguagem e

    conveco estilstica (prima prattica e seconda prattica) ........................................................ 10

    2.3 A pera em Itlia: Florena, Mntua, Veneza, Roma e Npoles ...................................... 15

    2.4 pera Sria e pera buffa ................................................................................................. 18

    3) A pera em Frana ............................................................................................................. 20

    4) A pera em Inglaterra ......................................................................................................... 27

    5) A pera na Alemanha ......................................................................................................... 31

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    1) Introduo

    Barroco: 1600-1750

    Une musique Baroque est celle dont lHarmonie est confuse, charge de Modulations et deDissonances, le chant dur et peu naturel, lIntonation difficile, le Mouvement contraint. Il y abien dapparence que ce terme vient du Barroco des Logiciens (Rosseau, Dictionnaire demusique, Paris, 1567)

    1600 Coexistem dois estilos (stile antico e stile moderno), nasce a pera (um dos principaisgneros do perodo barroco)1750 Morte de J. S. Bach (embora por volta de 1730 j se sintam mudanas estilsticasimportantes)

    O termo BARROCO

    Embora este termo fosse usado na arte e na crtica da msica j em meados do sculoXVIII, s foi recentemente adotado para designar um perodo histrico. Deriva do termo francsbaroque, que vem do termo portugus barroco, significando uma prola irregular.Normalmente, considera-se que o termo barroco foi utilizado pela primeira vez em referncia arquitetura, pois Charles de Brosses em Letters familires dItalie en 1739 et 1740 (Paris,c.1755) criticou o arquiteto de um palcio em Roma que transferiu o estilo de ornamentao dobarroco, mais adequado para objetos pequenos, para uma escala maior. Contudo, a aplicao

    deste termo s artes parece ter ocorrido antes, em referncia msica, numa carta satricasolicitada pela estreia de Hippolyte et Ericie de Rameau em Outubro de 1733, em Paris, eimpressa noMercure de France em 1734. O autor annimo entende que o que novo na peraera du baroquee reclamou que a msica no tinha uma melodia coerente, continha muitasdissonncias e havia uma constante mudana de tonalidade.

    tambm de destacar Noel Antoine Pluche que na sua obra Spectacle de la nature (Paris,1746) distingue a musique chantante (msica agradvel e melodiosa) de musique barroque(msica spera). Segundo o autor, na verso inglesa da sua obra, Spectacle de la nature: orNature Displayd(Londres, 1748):

    Uma retira a sua melodia dos sons naturais da nossa garganta e dos acentos da voz humana, quefala a respeito dos outros com o que nos toca, sempre sem trejeito, sempre sem esforo, quasesempre sem arte. Vamos chamar a esta musique chantante. A outra pretende surpreender pelaousadia dos seus sons e passa-lo para o canto enquanto palpitando com velocidade e barulho;chamamos de musique barroque.

    A utilizao do termo barroco no sentido de bizarro, irregular e extravagante continuou aocorrer na crtica de arte e msica no sculo XVIII e durante uma grande parte do sculo XIX,mas sem adquirir um significado estilstico mais generalizado. De facto, o termo no foiimediatamente aplicado de forma unnime msica e nem adotado por todos os escritores dehistria da msica. importante compreender que apesar de este termo ter originalmente

    conotaes negativas isto no nos impede de atribuir um sentido positivo ao estilo musical quese desenvolveu neste perodo.

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    Caractersticas gerais da msica barroca:

    Itliaalcana a supremacia mundial no campo da msica.

    Cultivam-se espetculos pblicosesplendorosos e com pompa. Valorizam-se os afetos, os sentimentos e as paixes humanas (Trait des passions,

    Descartes), mas de uma forma estilizada e genrica (diferente do romantismo) ohomem concebe-se como membro de um todo e no como um indivduo com liberdadepessoal, ou seja, na msica barroca no ocorre uma representao personalizadamassim estilizadados sentimentos.

    Teoria dos afetos (Affektenlehre): uma nova relao entre a msica e a poesia, em que amsica olhada como instrumento de intensificao das paixes (por exemplo,Athanasius Kircher delineou uma relao entre determinadas figuras musicais e

    certos efeitos psicolgicos).

    Valorizam-se os contrastes dinmicos, a ornamentao e a improvisao.

    Aperfeioamento do simbolismo musicaldo Renascimento (simbolismo numrico, por

    exemplo, o nmero 3 representando a Trindade, ou letras e slabas em que as notasrepresentam nomes - bach).

    Regresso monodia acompanhada com um suporte definido, o baixo (recuperar amonodia da Antiguidade) e consequente ocorre o abandono da polifonia e docontraponto (que alcanara no Renascimento a mxima perfeio formal).

    Desenvolvimento progressivo da ideia de harmonia (abandono dos antigos modosgregorianos a favor das tonalidades maiores e menores) Rameau, no seu Trai tdel harmonie (1722, Paris), sistematizou o sistema tonal (maior-menor), que j existiapelo menos h meio sculo na prtica musical. Abandona-se o discurso em sentidohorizontal e valoriza-se o encontro das partes no sentido vertical.

    Valorizao das vozes extremas: o Baixo como suporte harmnico e o Soprano comocontorno meldico.

    Advento do Baixo-Contnuo: o compositor escrevia a melodia e o baixo; o baixo eraimprovisado ao cravo ou no rgo, muitas vezes reforado por um instrumento de arco(normalmente, a viola da gamba), que tocava apenas a linha fundamental do baixo; eracaracterizado pela presena de nmeros que indicavam as harmonias pretendidas(baixo cifrado), cuja realizao variava segundo a natureza da composio e o gosto oupercia do intrprete. Isto conduz a uma harmonia mais rica e variada, aumenta adensidade harmnica, servindo como suporte para a monodia vocal ou instrumental.

    O cromatismoadquire importncia, sobretudo como meio expressivo.

    Os compositores passaram a considerar a dissonncia, no como um intervalo entreduas vozes, mas como notas individualizadas, que no se encaixavam numdeterminado acorde. Assim, comearam a ser toleradas estruturas dissonantes que noas simples notas de passagem por grau conjunto.

    Nova organizao meldica abandonam-se definitivamente os modos gregorianos eescreve-se em dois modos: modo maior e modo menor.

    Surge o moderno sistema de compassos e a barra de compasso assume umsignificado mtrico.

    Indicaes de dinmica (contrastes) so exploradas pelos e compositores e indicadascom maior exatido.

    Diferenciao entre estilo vocal e instrumental.

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    Afirmao da msica instrumental (o instrumentrio barroco segue o instrumentriorenascentista, as inovaes so raras, com a exceo do pianoforte importncia dotratado Syntagma Musicum de M. Praetorius) e estabelecimento da noo deorquestra (Monteverdi e Lully; contudo, no existia um prottipo de orquestrabarroca, pois faziam-se as mais diversas combinaes).

    Com o desenvolvimento da ideia de acompanhamento e do baixo-contnuo ocorre umavalorizao dos instrumentos que o realizavam, como o caso do cravo, do rgo e doalade (ou os seus modelos mais graves: a teorba e o chitarrone).

    Ocorre um aumento do nmero de msicos profissionais ou especializados,valorizando-se a tcnica interpretativa.

    Destaque para a famlia dos violinos: luthiers(Stradivarius, Amati e Guarneri), a partirde meados do sculo XVII.

    Nasce o mercado das impresses musicais, quer para uso particular, quer para aexecuo pblica de peras e concertos Estienne Roger e John Walsh, em Londres,so os mais importantes editores da era barroca.

    Os msicos barrocos: estavam ao servio dos reis, papas, imperadores e governantes. A Igrejacontinuou a promover a msica, mas o seu papel foi comparativamente menos importante.Relativamente aos compositores, em regra, no era a inspirao que os guiava, mas sim o

    interesse em satisfazer as exigncias musicais de um determinado nobre ou de uma corte,levando-os a moldar a sua produo ao tipo de msica que esse servio requeria. Para almdisto, os compositores viam-se limitados pelos msicos, cantores e instrumentistas que com elespartilhavam a dedicao ao protetor de quem dependiam.

    De destacar tambm a transformao do ofcio do msico: do amadorismo da poca em

    que tocar um instrumento era apenas uma distrao at profissionalizao de quemdesempenha um servio na cidade ou numa corte; desde o tempo em que a msica fazia partedas tarefas de um criado de corte at poca em que o compositor se tornou uma glria dacultura nacional.

    A msica composta nesta poca destinava-se a ser executada nas igrejas (capelas), nospalcios (cortes) e nos teatros de pera. No entanto, de destacar a msica reproduzida ao arlivre, nosjardins ou praas, assim como as capelas municipais. Estava sempre presente parasolenizar as grandes ocasies quando havia o que festejar, um aniversrio de um Rei, porexemplo, ou o final de uma guerra, ou ainda quando se organizava uma grande festa como a dos

    fogos-de-artifcio. De referir, como exemplos, a famosa obra de Telemann Msica na gua(1723), composta para a celebrao do centenrio do aniversrio da fundao do Colgio doAlmirantado (Hamburgo), ou a imponente Msica para os Fogos de Artifcio (1749), uma obraencomendada pelo Rei Jorge II para festejar a vitria inglesa na Guerra de Sucesso espanhola.

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    Comparao estilstica entre a msica renascentista e barroca

    Renascimento Barroco

    One practice Restrained representation of the words, musica

    reservata and madrigalism

    All voices equally balanced

    Diatonic melody in small range

    Modal counterpoint

    Intervallic harmony, and intervallic dissonancetreatment

    Chords are by-products of the part-writing

    Chord progressions are governed by modality

    Evenly flowing rhythm regulated by the tactus

    No pronounced idioms, voice and instrument are

    interchangeable

    Two practices Affective representation of the words, textual

    absolutism

    Polarity of the outermost voices

    Diatonic and chromatic melody in wide range

    Tonal counterpoint

    Chordal harmony and chordal dissonancetreatment

    Chords are self-contained entities

    Chord progressions are governed by tonality

    Extremes of rhythm, free declamation andmechanical pulsations

    Vocal and instrumental idioms, the idioms areinterchangeable

    (Musique in the Baroque Era, Manfred F. Bukofzer)

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    2) A pera em Itlia

    2.1 A Camerata Fiorentinae o advento da pera em Itlia

    PERA: pea de teatro na qual os atores cantam algumas ou todas as partes apesar daexistncia de vrios subgneros, a pera combina (embora em graus variados) trs elementos:msica, teatro e espetculo.

    pera

    Most narrowly conceived, the word opera signifies a drama in which the actors singthroughout. There are, however, so many exceptions among the operatic works of the Westsomany works popularly called operas in which some parts are spoken or mimed that the wordshould be more generically defined as a drama in which the actors sing some or all of theirparts. Numerous sub-genres, such as opera seria, opera buffa, tragdie en musiqueand the like,have grown up in the history of opera (information about these sub-genres will be found inseparate entries). Some of the sub-genres mix spoken and sung drama in conventional ways.Thus, in operetta, Singspiel, opra comiqueand musical comedy the dialogue is normallyspoken and musical numbers interrupt the action from time to time. The history of opera isinextricably intertwined with the history of spoken drama. Moreover, since all operatic workscombine music, drama and spectacle, though in varying degrees, all three principal elementsshould be taken into account in any comprehensive study of the genre, even though music hastraditionally played the dominant role in the conception and realization of individual works.

    The central importance of Italian musicians and poets in the development and early history ofopera is suggested by the fact that the word opera means simply work in Italian and as suchwas applied to various categories of written or improvised plays in the 16th and early 17thcenturies. To cite but one example arbitrarily, Francesco Andreinis playLingannata

    Proserpina(1611)according to its dedication intended to be either recited or sung dependingon the wishes of its producers was called an opera rappresentativa, e scenica. The earliestoperas either had no generic subtitle (like Ottavio RinuccinisDafneof 1598 and hisEuridiceof1600) or else adopted one or another ad hoc definition:favola, opera scenica, tragediamusicale, opera tragicomica musicale, dramma musicaleor the like (see Rosand, C(i)1991). Ithas been suggested (by Grout, A1947, and Pirrotta,Li due Orfei) that either the term opera

    scenicaor the term opera regia(the latter meaning a drama with royal protagonists and a happyending, a term applied to various commedia dellartescenarios as well as toMonteverdisLincoronazione di Poppeaof 1643) might be the origin of the usage that definesopera as a specifically musico-dramatic work. In the second third of the 17th century,however,dramma per musicabecame the normal term for opera, although in England the wordopera was used in this way as early as the 1650s to mean a dramatic work set to music (G.Strahle:An Early Music Dictionary: Musical Terms from British Sources, 15001740,Cambridge, 1995; John Evelyn used the term in 1644). Nevertheless, the use of the word opera

    with this meaning seems to have developed only gradually; it became widespread much laterthan the invention and early development of the genre.

    Howard Mayer Brown (Grove Music online)

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    pera barroca = espetculo da corte, exaltando a grandiosidade do prncipe cenriossumptuosos e elaborados, multiplicidade de efeitos (maquinaria complicada batalhas,naufrgios, tempestades, deuses que descem dos cus, etc.)

    O gnero pera surge em finais do sculo XVI, em Florena. Mas j na Grcia Antiga a

    msica estava inserida em peas de teatro. Canes corais, executadas na ocasio eacompanhadas de dana, serviam para dividir as peas em seces e para se comentar a ao natragdia e na comdia. Contudo, devem citar-se como importantes antecedentes da pera:

    Dramas litrgicos medievais algumas partes do servio religioso comearam a ser

    dramatizadas, a fim de se relatar os acontecimentos de forma descritiva (especialmente aressurreio de Cristo e o seu nascimento) e mais viva. Estes dramas litrgicos (pequenasdramatizaes), quer realizados na igreja como parte de um servio ou em outro lugar, eramcantados do incio ao fim.

    Intermediinterldios de carcter buclico, alegrico ou mitolgico, representados entre os

    atos de uma pea teatral (geralmente em ocasies festivas), com cenrios, dilogos,pantomima e msica (coros, solistas, conjuntos instrumentais). de destacar os intermedi,bastante elaborados (dana, maquinaria elaborada), realizados por ocasio dos casamentosdos Mdici, em Florena. Os mais famosos foram os 6 intermedi do casamento deFerdinando I de Mdici com Eleonora de Toledo, em 1589, realizados entre os atos dacomdiaLa Pellegrina de G. Bargagli. Foram imaginados pelo conde Giovanni de Bardi emtorno do poder da msica no mundo antigo (um dos temas discutidos pela Camerata),dirigidos por Cavalieri e compostos por Peri, Caccini, Marenzio, entre outros compositoresdo crculo Mdici. Contudo, embora tenha sido um acontecimento importante, o carter damsica no diferia muito de algumas formas musicais j existentes, como os madrigais.

    Comdias madrigalescas (ou ciclos de madrigais) sucesso de madrigais, normalmente

    com uma intriga cmica simples, que no se destinava a uma representao em cena, mas aoentretenimento. Destinavam-se a concertos ou entretenimento privado. Musicalmenteapresentavam um carcter ligeiro, animado e humorstico. O ciclo de madrigais mais famosoLAmfiparnaso (As Encostas do Parnaso) de Orazio Vecchi (1597).

    Para alm disto, importante compreender que nas tragdias do sculo XVI era comum aexistncia de coros, que dividiam as cenas, assim como existiam, de forma generalizada, outrostipos de msica que acompanhavam representaes encenadas ou semi-encenadas em cortes,academias, comemoraes cvicas, que acabaram por influenciar o aparecimento de umespetculo teatral todo cantado.

    ainda importante destacar a commedia del ar te, um tipo de teatro italiano, que floresceuno sculo XVI e XVII, realizado por atores e atrizes profissionais. Combinam-se elementosestereotipados com a improvisao, existindo uma linha de enredo padronizado, com mscaras epapis de personagens fixos. Era comum existir dois ou mais pares de namorados (osInnamorati, jovens belos, ricamente vestidos, que no usavam mscaras) e personagenscaricatas, muitas vezes com traos associados a vrias regies de Itlia e de outros paseseuropeus. De referir o Arlequin (personagem pobre, com um traje remendado colorido), o

    Pantalone (comerciante veneziano, rico, ganancioso, mas ingnuo), Il Dottore (de Bolonha,rico, sempre vestido de preto, bastante gordo, refletindo a crena exagerada numa cincia que serevela intil),Il Capitano(representa de forma exagerada a opresso por soldados mercenrios,

    brutos, ignorantes e violentos, que tiram proveito em todos os sentidos das populaessubordinadas), o Pulcinella (filsofo sonhador, eternamente melanclico, que representa a

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    cultura napolitana), o Brighella (personagem associado a disputas, intrigas, muitas vezesviolento e exagerado no seu comportamento um pouco mulherengo), a Colombina (mulherlivre, insolente, no escrava das obrigaes do amor, por vezes, bisbilhoteira),entre outrospersonagens. A msica, tal como a dana, era uma caracterstica regular das apresentaes dacommedia dell'arte, e muitos comediantes chegaram mesmo a ficar conhecidos pelas suas

    habilidades para cantar e tocar vrios instrumentos. A commedia dellarte teve uma grandeinfluncia nas personagens e nas cenas cmicas que se comearam a incluir na pera no sculoXVII, sendo relevante para o aparecimento posterior da opera buffaem Itlia.

    Deste modo, quando surge a pera j existiam obras musicais dramticas, incluso demsica em peas de teatro, debates e discusses na literatura sobre qual a msica apropriadapara o teatro, contudo, a mudana de um espetculo de entretenimento corts para o gneropera ocorre quando, no seio da Camerata Fiorentina (Peri, Caccini, Galilei e Cavalieri, todosreivindicam esta inveno), se cria um tipo de msica que consegue refletir um texto dramtico.

    Camerata Fiorentinaconsistia numa academia informal (tertlia acadmica) composta porum grupo de intelectuais (nobres, msicos, poetas, escritores, atores, filsofos, etc.) quefrequentava a casa do conde Giovanni de Bardi(1534-1612), em Florena (mais tarde, estasdiscusses continuaram no palcio do conde Jacopo Corsi). Segundo o filho de Bardi, Pietro deBardi, os nomes mais clebres e os jovens mais promissores da cidade reuniam-se no PalcioPitti para discutir sobre arte e literatura, mas sobretudo para refletir sobre a AntiguidadeClssica, recuperando e interpretando textos em latim e grego e discutindo sobre a natureza damsica grega e a fonte do seu poder emotivo.

    Girolamo Mei(1519-1594), erudito florentino, editou uma srie de tragdias gregas e fez

    uma minuciosa investigao sobre a msica grega. Entre 1562 e 1573 estudou, no originalgrego, quase todas as obras da antiguidade sobre msica que haviam subsistido e apresentou oresultado dessas pesquisas num tratado em quatro livros, De modis musicis antiquorum, escritoentre 1568 e 1573. Ao contrrio de algumas opinies que defendiam que no teatro grego s oscoros eram cantados, Girolamo Mei sustentava que todo o texto das tragdias gregas eracantado, incluindo as falas dos atores.

    Girolamo Mei era um assduo correspondente de Giovanni de Bardi e de Vincenzo Galilei(1533-1591), pelo que a sua informao foi decisiva para o interesse da Camerata pelaredescoberta do drama musical da Grcia Antiga. Ter sido Bardi quem provavelmente instigouVicenzo Galilei a estudar a msica grega que, segundo os documentos, consistia num cantosolista acompanhado ctara. Deste modo, Galilei publica o tratado Dialogo dell a musicaanti ca e del la moderna(1581, Florena), dedicado a Bardi, onde critica a polifonia de tradioflamenga, considerando-a inferior quilo que se imaginava ser a prtica musical grega ealegando que era incapaz de apresentar claramente um texto e de explorar integralmente o seucontedo emocional. Valoriza assim uma nova prtica musical, baseada em trs princpiosprincipais:

    Deve procurar-se a expresso dos afetos do texto; S se deve cantar uma melodia de cada vez e o contraponto s deve servir para

    enriquecer a harmonia do acompanhamento; Tanto o ritmo como a melodia devem seguir, da forma mais rigorosa possvel, a forma

    de falar de algum que est possudo de algum afeto.

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    Seguindo esta conceo, Galilei, em 1582, canta com acompanhamento de alade aslamentaes de Jeremias e de Ugolino, do Inferno de Dante. Mas foi Giulio Caccini (1551-1618), comLe nuove musiche(1601), quem comps as primeiras peas mondicas. Trata-se deconjunto de canes mondicas a solo, para voz e Baixo-Contnuo, tendo por base esta novaforma de recitar cantando (falar pormsica). O compositor denominou estas peas de

    rias, quando estrficas, ou de madrigais, quando so de composio desenvolvida. Nestaspeas podem-se j enunciar algumas caractersticas estilsticas da monodia (monos = sozinho eaiden = cantar): a voz solista segue o ritmo da lngua falada (Caccini evidencia quasi inarmonia favellare, quase falar em harmonia), a melodia est associada s seces das frases, aspalavras-chave coincidem com os tempos acentuados do compasso, o texto condiciona astonalidades, o baixo tem um carcter de fundamento e o preenchimento por meio de acordes (napoca improvisado) garante segurana e apoio voz e a execuo normalmente est repleta deafeto (cantare com affetto), com ornamentos e expresso gestual.

    Monodia = conduz a uma minimizao do acompanhamento (reduo a poucos acordes) epermite um estilo declamatrio de uma voz solista, seguindo-se a acentuao natural das

    palavras, com uma linha meldica entre a fala e o canto.

    Para alm do tratado Dialogo della musica antica e della moderna de Galilei, destaca-setambm uma carta discursiva de Bardi (c.1578), muito influenciado pelas ideias de GirolamoMei, dirigida a Caccini, onde retrata o pensamento do grupo sobre a msica antiga. Bardi criticaa msica contrapontstica, aconselhando Caccini a declamar as palavras de uma forma clara,imitando os cantores-poetas gregos.

    Influenciado por esta nova perspetiva, assim como pelas ideias de Girolamo Mei de que osdramas gregos eram cantados do princpio ao fim, Jacopo Peri(1561-1633) escreve, nos anos

    90, msica para Daphne sobre texto de Ottavio Rinuccini (baseado em Metamorfoses deOvdio), um dos poetas que integrava a Camerata Fiorentina. Depois, Peri inicia umacolaborao com Caccini para a produo de Euridice (um drama per musica), tambm sobretexto de Rinuccini, por ocasio do casamento de Maria de Mdicis com o rei francs HenriqueIV, no Palcio Pitti. No entanto, a colaborao no resultou e, em 1600, foram apresentadasduas obras independentes com o mesmo ttulo. Entretanto, Emilio de Cavalieri(c.1550-1602)apresentava em Roma, nesse mesmo ano, uma pea musical sacra, La Rappresentatione dianima et di corpo, um longo espetculo dramtico inteiramente musical (pelo seu contedo, estaobra dramtica considerada o primeiro exemplo de oratria).

    Surge assim o chamado stil e recitativo (estilo de recitativo): criar uma cano faladasemelhante Antiguidade (como se as personagens estivessem a falar naturalmente), com umalinha vocal mondica (um intermdio entre o dilogo e o canto, em que a msica segue o texto),com acompanhamento de acordes, feito a partir de uma linha de baixo-cifrado, efetuada numinstrumento harmnico (cravo ou alade) e pouco movimentada.

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    2.2 Claudio Monteverdi: a pera L Or feo, os oito livros de madrigais e a nova linguagem econveco estilstica (prima pratticae seconda pratt ica)

    No fcil determinar, entre as experincias dos compositores italianos da transio dosculo XVI para o sculo XVII, qual pode ser classificada como a primeira pera (na poca,

    estas obras eram designadas por favole pastorale, drama per musica, uma vez que o termopera s se emprega a partir de c.1600. Se para alguns autores, aDaphne de Peri ou asEuridicede Peri e Caccini j so peras, por serem cantadas do princpio ao fim e demonstrarem umaunidade musical inexistente nos madrigais ou nos intermedi anteriores, para outros autores afalta de um contedo intenso leva-os a excluir estes exemplos da categoria de pera.Consideram L Or feo (1607, Mntua) de Claudio Monteverdi (1567-1643) a primeira pera,pois a que mais se aproxima do modelo de pera que se viria a consagrar posteriormente. Dedestacar nesta obra:

    A Abertura (Toccata) exclusivamente instrumental, com um conjunto orquestral

    variado, especificado na partitura (relevo no papel dos instrumentos, por exemplo,Monteverdi utiliza o regal com o seu timbre nasalado com o barqueiro Caronte ouento recorre ao rgo de tubos de madeira nas cenas marcadas pela presena deOrfeu), que proporciona variedade musical.

    Contm 16 nmeros instrumentais.

    Um Prlogo onde se definem e confrontam os valores em presena na obra.

    Uma estrutura em cinco atos.

    Personagens e situaes bem definidas do ponto de vista musical e dramtico.

    A alternncia entre solistas, interveno de coros que comentam a ao e interldios

    instrumentais (ritornellos).

    A alternncia entre rias, recitativos e ariosi.

    A utilizao sistemtica do Baixo-Contnuo.

    criada uma coerncia musical e formal, com estruturas simtricas, que se estendem atodos os atos e at mesmo pera inteira.

    A msica sublinha e completa as exigncias dramticas do texto, recorrendo aos

    chamados madrigalismos, to caractersticos do perodo renascentista.

    Todos os primeiros exemplos de pera foram produzidos num contexto social especficodas cortes do Norte de Itlia. A pera Orfeu, por exemplo, foi escrita para o aniversrio deFrancesco Gonzaga e destinava-se a um pblico culto que estava familiarizado com a literatura

    da Antiguidade Clssica. Assim, os temas escolhidos pelos poetas eram naturalmente retiradosda mitologia.

    L Or feo: o libreto foi escrito por Alessandro Striggio e baseia-se no antigo mito helnico deOrfeu, que tenta resgatar a sua amada Eurdice noTrtaro.No prlogo, o esprito da msicaretrata o seu poder, capaz de modificar a atitude dos prprios deuses. A pera comea com acomemorao do casamento de Orfeu e Eurdice. Evocam-se as tormentas suportadas por Orfeuantes de Eurdice aceitar o seu amor. Orfeu celebra a divindade do seu pai, o Sol (Apolo), eevoca a perfeio do seu amor. Tambm Eurdice expressa a sua enorme felicidade. O coro finalrecorda as provas passadas e termina com a evocao jubilosa da alegria de Orfeu. No Ato II,Slvia, a Mensageira, narra a morte acidental de Eurdice, ao ser mordida por uma serpente

    http://pt.wikipedia.org/wiki/T%C3%A1rtarohttp://pt.wikipedia.org/wiki/T%C3%A1rtarohttp://pt.wikipedia.org/wiki/T%C3%A1rtaro
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    enquanto apanhava flores. Orfeu decide descer aos Infernos para trazer a sua esposa, referindocomo a felicidade humana passageira. O coro final um lamento fnebre.

    No Ato III, Orfeu acompanhado por Esperana at porta dos Infernos. Contudo,Caronte, o guardio, probe-lhe a passagem. Orfeu tenta hipnotiz-lo com a beleza do seu canto,mas Caronte mantm-se irredutvel. Tenta novamente, mas desta vez tocando a sua lira, cujos

    sons adormecem Caronte. Assim, apodera-se da barca e atravessa o rio enquanto o coro dosespritos infernais celebra o seu triunfo.

    No Ato IV, Proserpina, a rainha do Trtato, emocionada pelos lamentos de Orfeu, suplicaao esposo Pluto que deixe partir Eurdice. Pluto aceita sob uma condio: Orfeu no poderolhar para a sua esposa enquanto no tiver abandonado os abismos. No entanto, no caminho deregresso Terra, Orfeu duvida da palavra de Pluto e vira-se para trs, o que faz com queEurdice parta pela segunda vez. O coro termina esta parte lamentando o facto de o heri tersido vencido pelas suas prprias paixes.

    No Ato V, a loucura apodera-se de Orfeu. Apolo desce em cima de uma nuvem e censura oseu filho por ter sido escravo das suas paixes. Convida-o, contudo, a ir para o Cu, onde

    poder comtemplar Eurdice. Depois desta apoteose, o coro dos Pastores e das Ninfas celebra aglria daquele que viveu na terra, sofreu a paixo, desceu aos Infernos por amor e subiu ao Cu.

    Cludio Monteverdi (1567-1643): Monteverdi pertencia a uma abastada famlia de Cremona,sendo o seu pai, Baldassare Monteverdi, um mdico de renome. Marc'Antonio Ingegneri,musicae perfectus da catedral de Cremona, foi o seu primeiro professor. Este excelentepedagogo e exmio polifonista teve grande influncia no discpulo, desenvolvendo-lhe ascapacidades criativas sem descurar o rigor do contraponto. Em 1573, j Monteverdi atingira umtimo nvel de proficincia como organista e alaudista, publicou as suas primeiras obras,seguidas dosMadrigali Spirituali e das Canzonette. Estas primeiras obras so j de uma mestriaincomparvel: Monteverdi, em to poucos anos, parecia ter assimilado todas as tcnicas dapolifonia renascentista. Entretanto, a fama que estas primeiras peas lhe aportam, atraem aateno do duque de Mntua que, por volta de 1590, o contrata na qualidade de cantor demadrigais. Este nobre, entre os anos de 1595 e 1599, vai envolver-se numa srie de campanhasmilitares relacionadas com o Danbio e a Flandres: Monteverdi acompanha-o e, pensa-se, que ocontacto com outras culturas musicais de que na altura usufrui, est na base da universalidade dasua arte. Tambm neste perodo, entra em contacto com a pera de Peri - Euridice - e, a partirda, os trabalhos da Camerata Fiorentina sero a sua principal referncia esttica. A primeirapera de Monteverdi, La Favola d'Orfeo, que estreou na Academia Degli Invaghiti emFevereiro de 1607, uma verdadeira obra-prima. No ano seguinte, Monteverdi apresenta duas

    novas peras,Arianna eIl Bailo delle Ingrate. A partitura destas duas obras perdeu-se quase nasua totalidade, sobrevivendo apenas o Lamento dArianna, talvez pelo facto de se ter tornadouma melodia popular de imediato.

    Entretanto, Monteverdi havia publicado o seu 4 Livro de Madrigais, tornando-seuniversalmente clebre. Porm, no sem polmica: uns consideram-no genial, outros(nomeadamente Artusi, cnego em Bolonha) vilipendiam-no de forma violenta atravs depanfletos e ensaios difamatrios. Em razo da hostilidade dos ataques que lhe so dirigidos,Monteverdi v-se obrigado a defender publicamente aquilo que chama de msica moderna. F-lo no prefcio do 5 Livro de Madrigais, retomando os seus argumentos, de forma ainda maisaprofundada, num incipit do livro Scherzi Musicali. a partir destes dois textos que se comea

    a utilizar as expressesprima pratica, em referncia ao estilo polifnico renascentista esecondapratica, designando o novo estilo opertico.

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    Monteverdi abandona Cremona aps a morte de Vincenzo Gonzaga, em 1612. Ao queparece, o filho deste, Francisco, no apreciava a sua arte e tratava-o como a um lacaio. Muitofamoso mas pobre, v-se na lamentvel situao de viver s expensas dos familiares. Noentanto, em 1613, elegem-no Maestro di cappellade So Marcos, em Veneza, sucedendo aGiulio Cesare Martinengo, mantendo-se nesta funes durante os ltimos trinta anos da sua

    vida. de uma atividade desmedida, ocupando-se da organizao de todos os eventosrelacionados com a liturgia musical da Serenssima Repblica: data deste perodo a maior parteda sua msica religiosa. A partir de 1615, vtima de uma srie de acontecimentos infelizes: aepidemia de peste negra assola Veneza, matando-lhe familiares muito prximos, os austracospilham Cremona e destroem as partituras de todas as suas peras, e um dos filhos, astrlogo, preso e torturado pela Santa Inquisio. Abatido por estes funestos eventos, em 1632, recebeordens e torna-se padre. S volta a escrever para o teatro em 1640. As suas trs ltimas peras,

    Il Ritorno di Ulisse in Patria(1640), Le nozze dEnea com Lavinia (1641) eLincoronazzionedi Poppea (1642), foram escritas para os primeiros teatros pblicos de pera em Veneza.Monteverdi morre aos setenta e seis anos, pouco depois de uma pequena viagem. Muito famoso,

    fazem-lhe sumptuosas exquias e choram-no como o maior compositor do seu tempo. Estsepultado na Igreja de S.ta Maria dei Frari.

    Da sua obra constam dezoito peras, das quais doze desapareceram. Escreveu diversosbailados e vrias outras obras dramticas, entre as quais se destaca Il Combatimento diTancredi e Clor inda (1624, T.Tasso). Tambm comps msica vocal sacra (canes em latim,italiano e alemo, salmos, missas, etc.) e msica vocal profana (canes, nove livros demadrigais, etc.).

    I l Combatimento di Tancredi e Clor inda: o oitavo livro de madrigais (Madrigali guerrieri etamorosi Madrigais Guerreiros e Amorosos) s surgiu em 1628, mas contm dois ballets

    semidramticos e uma outra obra em estilo teatral, Il Combatimento di Tancredi e Clorinda,escrita originalmente em 1624-25 e estreada em Veneza. Esta obra dramtica baseia-se numpoema de Torquato Tasso, La Gerusalemme Liberata, cujo enredo se passa nas PrimeirasCruzadas (1096-1099). Tancredo, que est nas Cruzadas, apaixona-se pela sarracena Clorinda.Num duelo noturno, em que Tancredo, cavaleiro cristo, desafia um cavaleiro mouro, mataClorinda, pois no a tinha reconhecido. Esta suplica-lhe para que a batize antes que morra, deforma a se encontrarem no Paraso.

    Existem dois cantores (soprano e tenor) e um narrador. Esta obra um exemplo desimbolismo ou pictorismo musical (to caracterstico do perodo renascentista), uma vez queMonteverdi utiliza a orquestra de modo a representar a excitao da cena da batalha (os golpes

    de espada, a clera, a luta, os movimentos, etc.) por intermdio de padres repetidos desemicolcheias (o chamado stile concitato ou estilo agitado), mas tambm do pizzicato(aparentemente inventado por Monteverdi), do trmolo e do trotto del cavallo (ritmo do cavalo:longa-breve-longa-breve). De destacar ainda a prpria orquestrao, consistindo apenas numquarteto de cordas com viola da gamba baixo e contnuo, o que contribui para a primazia dascordas dentro da orquestra.

    Estilo concertato (do latim concertare - atuar em conjunto; estilo concertante): processomusical caracterstico do perodo barroco (a era do estilo concertante), presente em muitos dosmadrigais de Monteverdi. Consiste em se conjugar foras distintas, ou seja, fazer dialogar vozes

    e instrumentos num todo harmonioso. No entanto, nesta conjugao de vozes e instrumentos, osinstrumentos no se limitam a dobrar as vozes, pois tm a sua prpria importncia. Este estilo

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    concertante, em que se explora tambm o contraste entre vozes e entre instrumentos(convergncia e divergncia), desenvolveu-se a partir da policolaridade veneziana, de finais dosculo XVI, e dominar o estilo musical barroco, dando origem ao gnero concerto.

    Prefcio do 8 Livro de Madrigais:[] A fim de obter uma prova melhor, tomei o divino Tasso, por ser um poeta que exprime,

    com a maior propriedade e naturalidade, as qualidades que desejo descrever, e selecionei a suadescrio do combate de Tancredo e Clorinda como uma oportunidade de descrever, pormsica, paixes contrrias como o esprito guerreiro, a splica e a morte. No ano de 1624,consegui representar esta composio [...].Mais tarde, este gnero encontrou tal favor junto dos compositores que eles no s o louvaramatravs de palavras mas, para meu grande prazer e honra, tambm o demonstraram escrevendoobras imitando a minha. Por isso achei que era melhor dar a conhecer que a investigao e aprimeira experincia deste gnero, to necessrio arte da msica, vieram de mim. Com razo

    se pode dizer que, at agora, a msica tem sido imperfeita, possuindo apenas os dois gnerossuavee moderado.Ao princpio pareceu aos msicos, especialmente aos que tinham a seu cargo a execuo dobasso continuo, mais ridculo do que louvvel ter de arranhar uma nica corda dezasseis vezesnum compasso e, por essa razo, reduziram essa multiplicidade a uma nica nota, tocando o pespondeu em vez do prrico e destruindo a semelhana com o discurso agitado. Por isso, tomemnota que nesta espcie, o basso continuo deve ser tocado, juntamente com as partes doacompanhamento, na forma e maneira como est escrito. Da mesma forma, nas outrascomposies, de um tipo diferente, todas as indicaes necessrias execuo esto apontadas.

    Porque a forma de execuo tem de ter em conta trs coisas: o texto, a harmonia e o ritmo [].

    Desde cedo, a msica de Monteverdi foi considerada moderna. De destacar os ataques docrtico e terico Giovanni Maria Artusi (1540-1613), um defensor da tradicional prticacomposicional ao estilo de Palestrina. Assim, ops-se ao uso disseminado da dissonncia, o queoriginou uma distino entreprima pratica eseconda pratica.

    Excertos do 2 discurso de L 'Artusi, ovvero, Dell e imperfezzione dell a moderna musica,1600[...] (Luca) Ontem, senhor, depois de ter deixado Vossa Senhoria, e ao atravessar a Piazza, fuiconvidado por alguns cavalheiros a ouvir uns certos madrigais novos. Deliciado com aamabilidade dos meus amigos e com a novidade das composies, acompanhei-os a casa doSignor Antonio Goretti, um nobre de Ferrara, jovem virtuoso e to grande amante de msicacomo qualquer outra pessoa das que tenho conhecido. Encontrei a o Signor Luzzasco e oSignor Hippolito Fiorini, homens distintos com os quais estavam reunidos muitos espritosnobres e versados em msica. Os madrigais foram cantados e repetidos mas sem a indicao donome do autor. A textura no era desagradvel. Mas, como Vossa Senhoria ver, na medida emque introduziam novas regras, novos modos e novas configuraes da frase, eram duros e poucoagradveis ao ouvido e nopodia ser de outra forma;pois se violam as boas regrasem partebaseadas na experincia, a me de todas as coisas, em parte observadas na natureza e em parteprovadas pela demonstrao - temos de crer que so deformaes da natureza e da propriedadeda verdadeiraharmonia, muito distantes do objeto da msica o qual, como Vossa Senhoria disseontem, odeleite.

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    Mas, para poder observar toda a questo e dar-me a sua opinio, aqui esto aspassagens,espalhadas aqui e ali pelos madrigais acima mencionados, as quais anoteiontem tarde, parameu divertimento.Signor Luca, traz-me novas coisas que no pouco me espantam. Agrada-me,na minha idade,ver um novo mtodo de composio mas agradar-me-ia muito mais se verificasse que estas

    passagens se baseavam numa razo quepudesse satisfazer ointelecto. Mas, como castelos no ar,quimeras baseadas na areia, estas novidades no me agradam; merecem censura, no louvor.Vejamos, no entanto, as passagens. [...]

    Resposta de Monteverdi, Prefcio do 5 Livro de Madrigais (1605)No vos admireis por eu dar estampa estes madrigais sem primeiro responder s objees queArtusi apresentou acerca de alguns detalhes mnimos dos mesmos pois, estando ao servio desua alteza serenssima, no disponho do tempo que para isso seria necessrio. No entanto, paramostrar que no componho as minhas obras ao acaso, escrevi uma resposta que aparecer, logoque a tenha revisto, com o ttulo Seconda Pratica;ovvero, Perfezione della Moderna Musica.

    Algumas pessoas, no suspeitando que existe qualquer outra prtica alm da que foi ensinadapor Zarlino, maravilhar-se-o com isto mas podem ficar seguras que, no que diz respeito sconsonncias e dissonncias, existe ainda uma outra maneira de as considerar, diferente daforma estabelecida, a qual, com satisfao para a razo e os sentidos, sustenta o modernomtodo de composio. Desejei dizer-vos isto para que mais ningum se venha a apropriar daexpresso segunda prtica, e, mais ainda, para que o que hbil possa refletir sobre coisassecundrias respeitantes harmonia e acreditar que o compositor moderno constri sobre osalicerces da verdade. Adeus.

    Monteverdi faz assim uma diferenciao estilstica entre primeira prtica, associada arte polifnica vocal e ao contraponto (a msica domina o texto), e segunda prtica,

    relacionada com a arte moderna que estava emergir, mais livre, um novo estilo (o texto dominaa msica). Segundo o seu irmo, Giulio Cesare, Monteverdi considera:

    Prima Prattica: aquela que se baseia na perfeio da harmonia, isto , aquela que considera a

    harmonia no como comandada mas como comandante, no a serva mas a senhora daspalavras.Seconda Prattica: a que se baseia na perfeio da harmonia, isto , a que considera que aharmonia no comanda mas comandada, a que torna as palavras a senhora da harmonia. Poressa razo chamou-lhe segunda e no nova.

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    2.3 A pera em Itlia: Florena, Mntua, Veneza, Roma e Npoles

    PERA VENEZIANA

    Aps a ida de Monteverdi, em 1613, para Veneza como mestre-de-capela da catedral de S.Marcos, a cidade abre caminho para a pera.

    Em 1637, abre nesta cidade o primeiro teatro pblico de pera, o Teatro S. Cassiano, umaempresa que se autofinanciava, com a finalidade de apresentar dramas por msica(nome peloqual eram geralmente designadas as primeiras peras). Seguiu-se depois a criao de muitosoutros teatros de pera. No sculo XVIII, por exemplo, chegaram a existir em Veneza 16 teatrosem simultneo, apresentando constantemente novas peras.

    Estes novos teatros, pblicos e com entrada paga, fizeram emergir um novo tipo depblico: burgueses, artesos, gondoleiros, etc. que vieram juntar-se nobreza. Assim, a perapassou a ser uma ocasio frequente de encontros sociais. Consequentemente foram criadas

    modificaes na estrutura e na temtica dos libretoso prlogo tornou-se mais curto e passou arelacionar-se mais diretamente com a ao, os cinco atos das primeiras peras passaram a trs,os temas mitolgicos foram sendo abandonados e substitudos por temas histricos, sempreheroicos, comearam a ser introduzidos elementos cmicos e personagens comuns, ocorrendotambm uma reduo da elaborao musical e dos meios disponveis (como o nmero demsicos, por exemplo). A nvel musical, o tipo de pera desenvolvido em Veneza segue aspisadas do modelo de pera apontado por Monteverdi ( nesta cidade que Monteverdi compeas suas trs ltimas peras Il Ritorno di Ulisse in Patria, As bodas de Lavnia e

    Lincoronazzione di Poppea): alternncia entre recitativos (secos ou acompanhados), rias(maioritariamente estrficas, com acompanhamento de cravo ou da orquestra) e ariosos; asaberturas apresentavam um nmero varivel de andamentos; os coros e os bailados no eramfrequentes; a coloratura e o bel canto estavam reservados aos deuses e aristocracia; e aorquestra era relativamente pequena. Nesta poca, existia ainda grande liberdade deinterpretao, por exemplo, a instrumentao das rias era geralmente deixada em branco pelocompositor. Cabia ao mestre-de-capela escolher os instrumentos para a encenao, segundo ascircunstncias, os gostos, etc. O mesmo acontecia nos ritornelli, cuja distribuio das vozes erada responsabilidade do mestre-de-capela. Ainda hoje a partitura de uma pera antiga tem der serorganizada pelo maestro.

    Entre os discpulos de Monteverdi, no sculo XVII, destacam-se Francesco Cavalli(1602-1676), nomeadamente com a pera Giasone (1649), e Antonio Cesti(1623-1669), sobretudocom a pera Il pomo doro (1668). Entretanto, Veneza abre-se cada vez mais influncia

    externa (abertura francesa, recitativo seco, ria da capo), sendo que este estilo de pera acaboupor ser ultrapassado no sculo XVIII pelo estilo napolitano.

    PERA ROMANA

    A pera em Roma segue inicialmente o modelo da Camerata Fiorentina, devido ao factode alguns compositores, como Giovanni de Bardi e E. Cavalieri para l se terem mudado. EmRoma, desenvolveu-se de forma autnoma a pera sacra, a oratria e, posteriormente, a operabuffa. Na msica das peras romanas comum a distino clara entre rias e recitativos,

    privilegiando-se os cenrios faustosos, as grandes massas corais e uma orquestra poderosa. Oslibretos baseavam-se em temas mitolgicos, religiosos e cmicos. Entre os compositores mais

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    importantes salientam-se S. Landi(1586-1639), D. Mazzocchi(1592-1665), M. Rossi(1598-1653) e A. Stradella(1642-1682).

    PERA NAPOLITANA

    Em finais do sculo XVII, a escola napolitana de pera adquire grande importncia,assumindo um lugar proeminente no sculo XVIII. Entre as caractersticas deste estilo de peradestaca-se a utilizao de uma textura musical simples, centrada na linha meldica da vozsolista, a qual apoiada por harmonias agradveis ao ouvido. De salientar tambm oaparecimento de dois tipos de recitativo: o recitativo simples(mais tarde, designado porseco),acompanhado apenas pelo cravo e por um instrumento baixo de apoio, utilizado para musicarpartes de dilogo ou monlogo, de forma to prxima quanto possvel da fala; e o recitativoacompanhado (tambm chamado de accompagnato, obligato ou stromentato) apoiado pelaorquestra e utilizado em situaes dramticas mais tensas. As rias (aria da capo) permitiam

    demonstrar o virtuosismo dos cantores, um reflexo do ideal do bel canto.Apreciava-se uma ao cnicabastante agitada, com mquinas voadoras, nuvens suspensas,

    ondas do mar, fumo, fogo, etc. Os cantores apareciam sumptuosamente vestidos, moda dapoca. Comeam a privilegiar-se os castratti, que cantavam papis heroicos e tambmfemininos, considerados verdadeiras estrelas.

    Um dos primeiros compositores deste centro opertico Francesco Provenzale (1626-1725),mas a figura central da escola napolitana Alessandro Scarlatti (1660-1725). Nasceu emPalermo e por volta de 1672 foi para Roma, onde se torna discpulo de Carissimi e mestre-de-capela da rainha Cristina da Sucia. A partir de 1648 torna-se mestre-de-capela na Corte deNpoles, onde exerce uma grande atividade at 1702. Aps um perodo de algumas viagens

    (Roma, Florena, Veneza, etc.), mestre-de-capela na Baslica de Santa Maria Maior, emRoma. Acaba por regressar a Npoles em 1709, novamente como mestre-de-capela, cargo queocupar at sua morte. Viajando por toda a Itlia, a sua produo musical muito extensa einfluente, sendo de ressaltar as suas cantatas de cmara (cerca de 600), bem como as suas 114peras, entre elas La Rosaura (Roma, 1690), Il trionfo dellonore (Npoles, 1718) e Griselda(Roma, 1721).

    Outros compositores representativos do estilo napolitano foram, no sculo XVIII, NicoloPorpora (1686-1768), Leonardo Vinci (1690-1730), G. B. Pergolesi (1710-1736), N. Jomelli(1714-1774) e T. Traetta (1727-1779). De notar ainda a importncia da qualidade do libreto,nomeadamente com os poetas Apostolo Zeno (1668-1750) e Pietro Metastasio (1698-1782),cujos libretos subsistiram, enquanto muitas das partituras que os serviram foram sendoesquecidas.

    Entre as contribuies de Alessandro Scarlatti destaca-se o estabelecimento da chamadaabertura italiana, uma introduo instrumental em trs andamentos, com a seguinte ordem:rpido, lento, rpido.

    De notar tambm a utilizao da ria da Cappo. A ria, desde o sculo XVII at ao XIX,foi o principal meio expressivo do cantor a solo na pera italiana. A forma da Capo dominou aria em Itlia no incio do sculo XVIII, desenvolvendo-se sobretudo a partir dos anos 80/90 dosculo XVII. Os seus antecedentes surgem com Monteverdi, em Mntua e Veneza,

    convertendo-se, na poca de florescimento da pera napolitana,na principal forma de ria doperodo barroco, sobretudo com a contribuio de Scarlatti. Do ponto de vista formal, a ria da

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    Capo uma ria tripartida, formada por duas partes distintas, a parte A e B, e terminando comuma repetio da primeira parte (A), atravs da indicao Da Capo. Este tipo de ria

    dependia da capacidade do cantor para improvisar, uma vez que a ltima seco incluanormalmente uma ornamentao livre da melodia, dando ao intrprete uma oportunidade dedemonstrar o seu virtuosismo. O cantor podia brilhar com a improvisao de ornamentos, as

    coloraturas, a elaborao das cadncias, etc.No que diz respeito ao texto, esta ria composta apenas por duas estrofes, sendo que a

    segunda, que contrasta com a primeira ao nvel do carcter, seguida por uma repetio daprimeira.

    Do ponto de vista harmnico tambm existe um contraste: a parte A encontra-senormalmente na tnica, tal como a parte A, sendo de referir que a parte B pode estar nadominante, no relativo maior ou menor ou na subdominante. Podendo existir uma introduoinstrumental, muitas vezes o padro da ria da Capo, embora tradicionalmente expresso comoABA, pode ser considerado como tendo cinco partes, AABAA, com cada parte a serdelineada por ritornellos RARARBRARARA. Sendo a ria um momento de paragem e de

    reflexo, muitas vezes exprimindo os afetos e os estados de alma, distingue-se do recitativo,mais associado a um avano da ao, de modo a que a combinao recitativo e ria se tornafrequente na pera.

    A PERA EM ITLIA

    FLORENA E MNTUA Jacopo Peri (1561-1633)

    Giulio Caccini (c.1545-1618)

    Claudio Monteverdi (1567-1643)

    VENEZA Claudio Monteverdi (1567-1643) Francesco Cavalli (1602-1676)

    Antonio Cesti (1623-1643)

    Antonio Vivaldi (1675-1741)

    ROMA S. Landi (1590-1655) D. Mazzocchi (1592-1665)

    M. Rossi (1598-1653)

    A. Stradella (1642-1682).

    NPOLES

    Francesco Provenzale (1627-1704) Alessandro Scarlatti (1660-1713)

    Nicolo Porpora (1686-1768)

    Leonardo Vinci (1690-1730)

    G. B. Pergolesi (1710-1736)

    Nicolo Jomelli (1714-1774)

    T. Traetta (1727-1779)

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    2.4 pera Sriae pera buf fa

    No final do sculo XVII comea a surgir um novo gnero de pera, centrado numa temticacmica. Em vez da utilizao de temas mitolgicos e histricos surgem temas puramente

    cmicos, muito baseados nas personagens da Commedia dellArte e centrados em aspetos davida quotidiana, em que os heris j no so retirados da mitologia ou da histria, mas sopessoas da vida comum. A msica singela, popular, no h castrattinem o bel canto. Sendoassim, em paralelo com a pera sria, comea a surgir uma pera de temtica cmica, a operabuffa, que procede da escola napolitana, em meados do sculo XVIII, culminando em Mozart eextinguindo-se em 1830/40 com Donizetti.

    Influncias e antecedentes:

    I ntermezzo: pequeno espetculo cmico apresentado nos intervalos da pera sria e do teatro

    falado. O gnero floresceu em meados do sculo XVIII, desaparecendo depois gradualmente.Muitas vezes, especialmente em anos posteriores, o seu nome utilizado no plural, comointermezzi ou intermedii. Apresenta normalmente dois solistas vocais, sendo frequente aintroduo de personagens mudos, acompanhados por um pequeno grupo instrumental,geralmente um quarteto de cordas com cravo. Relativamente estrutura, de referir queinicialmente eram apresentados intermediidiferentes em cada intervalo, independentes e comtemticas diferentes. Depois, comeou a existir uma continuidade e apenas um nicointermezzo, em que ocorre a apresentao de uma primeira parte no primeiro intervalo quecontinua depois no intervalo seguinte (um executado entre os Atos I e II e o outro entre os AtosII e III); apea ficava assim em suspenso. Cada parte contm normalmente uma ou duas riaspara cada personagem, separadas por recitativos, sendo habitual um dueto no final. Deste modo,trata-se de pequenas cenas de comdia, breves, com poucos recursos, que parecem quase queimprovisadas, destinando-se essencialmente a criar momentos de distrao ou de diverso numapea de maiores dimenses.

    No que diz respeito temtica, as personagens procedem da commedia del lar te e osargumentos so da vida quotidiana da burguesia, populares, sentimentais e sobretudo, cmicos.A msica singela e popular, no utilizando o castratti nem o bel canto,sendo de ressaltar autilizao de gestos, da repetio textual e de uma msica muitas vezes prxima daconversao. Do ponto de vista musical, as harmonias so simples, predominam osacompanhamentos homofnicos e o carcter melodioso e a estrutura simtrica das frasesanuncia o estilo clssico da msica da segunda metade do sculo XVIII. ainda de notar que o

    intermezzo representado frente do palco, no proscnio, e com o pano fechado, durante o qualse mudavam os cenrios.

    Os primeiros intermedii foram executados em Veneza. O primeiro exemplo parece ter sidoFrappolone e Florinetta, executado no Teatro S. Cassiano, em 1706, entre os atos da peraStatira de Francesco Gasparini. Contudo, um dos exemplos mais populares La ServaPadrona, um intermezzo com duas partes, para orquestra de cmara de cordas e baixo-contnuo,de Giovanni Battista Pergolesi, com libreto de Gennaro Antonio Federico, executado pelaprimeira vez em Npoles, em 1733, entre os atos de uma pera sria do mesmo compositor, IlPrigioniero Superbo, encomendada para as celebraes do aniversrio da Imperatriz ElisabethChristina, esposa de Carlos VI. Tornou-se muito popular, executada em mais de 60 teatros em

    Itlia e em todas as partes da Europa, desde Malta a Espanha, no Sul, e S. Petersburgo, noNorte.

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    La Serva Padrona: no existe abertura e a obra comea com uma ria de Uberto (Aspettare enon venire), um senhor solteiro, que se encontra irritado e impaciente com a sua serva, Serpina,pois no lhe trouxe o seu chocolate habitual. Serpina tornou-se to arrogante que acha que adona da casa. Na verdade, quando Uberto lhe pede o seu chapu, peruca e casaco, ela probe-ode sair de casa, acrescentando que a partir de ento ele ter que obedecer s suas ordens. Uberto

    fica descontente, pois cuidou de Serpina durante toda a sua adolescncia e agora ela comporta-se de maneira ingrata e insolente. Ento, ordena que Vespone, o seu servo mudo, v encontraruma mulher para se casar com ele e assim ir livrar-se de Serpina. Um dueto de opiniescontrrias fecha a primeira parte do intermezzo.Na segunda parte, Serpina convence Vespone aenganar Uberto de forma a que ele se case com ela, prometendo-lhe em troca um empregoseguro no futuro. Assim, informa Uberto que se ir casar com um soldado chamado Tempesta enuma ria extremamente sentimental (A Serpina penserete) manipula as emoes de Uberto,convencendo-o de que sentir a sua falta quando partir. Vespone, disfarado de Tempesta, chegae, sem dizer uma palavra, exige 4000 coroas com dote. Uberto recusa-se a pagar talquantia. Tempesta ameaa-o a pagar o dote ou ento ter ele mesmo de se casar com Serpina.

    Uberto concorda em se casar e Serpina e Vespone revelam o seu truque, mas mesmo assimUberto casam-se.

    A pera sria, associada escola napolitana, ao Ancien Rgime, ao entretenimento e aristocracia, privilegiando o bel canto,utilizando o recitativo para fazer avanar a ao e a ariada capo para finalizar as cenas de forma virtuosstica, vai acabar por se extinguir noClassicismo, apesar das numerosas reformas de meados do sculo XVIII (por exemplo, areforma opertica de Gluck). Pelo contrrio, aps o xito deLa Serva Padronade Pergolesi, aopera buffa ir converter-se no principal gnero opertico do Classicismo.

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    3) A pera em Frana

    semelhana de Itlia, em finais do sculo XVI, fundada em Frana a Acadmie deposie et de musique, que procurava recuperar o ideal grego de reunio das artes. Daqui surge oballet-de-cour(bailado de corte), no reinado de Henrique III, cuja obra mais representativa foi o

    Ballet comique de la Royne (1581,Ballet cmico da Rainha). O ballet de courreunia a poesia, adana (danado ainda de forma amadora pelos prprios membros da corte, quase sem bailarinosprofissionais) e a msica (coros a 4 e 5 vozes, designados por chants, cantos a solo, chamadosde rcits, e msica instrumental, como acompanhamento orquestral e de dana) e utilizava trajese cenrios opulentos. Terminava sempre com um grande ballet final. Os temas provinham damitologia, com muitos elementos alegricos. Este gnero foi popular na corte francesa nosreinados de Henrique III, Henrique IV, Lus XIII e Lus XIV.

    De facto, o bailado adquire grande importncia em Frana por um lado, era uma forma deentreter a aristocracia, por outro lado, um meio de faze resplandecer o poder rgio, ao promoveratividades artsticas nas quais o prprio Rei e a aristocracia participavam.

    Apesar da importncia das peras italianas (algumas chegaram a ser apresentadas emFrana e duas peras italianas, Orfeode Luigi Rossi eErcole amente de Cavalli, foram escritaspara a corte francesa), durante muito tempo, os franceses no adotaram a pera italiana, nemcriaram o seu prprio modelo de pera. O facto de a pera italiana exigir cantores profissionais,excluindo a participao da nobreza, assim como o facto de implicar grandes despesas, no erado agrado da corte. Para alm disto, o interesse em criar algo nacional, fez instalar, desde cedo,rivalidades entre a influncia italiana e um certo esprito nacionalista.

    Entretanto, destaca-se o compositor francs Jean Baptiste Lully (1632-1687). Pouco ou

    nada se sabe da sua primeira infncia, pois ele prprio, talvez para no dar a conhecer as suasorigens humildes, inventou uma srie de histrias, cada uma delas mais fantasiosa do que aoutra. Sabe-se que veio de Florena para Paris com Roger de Lorraine, Cavaleiro de Guise, queo colocou ao servio da sua sobrinha, a princesa de Montpensier. Comeou por trabalhar nacozinha do palcio da princesa, estudando sempre que podia num velho violinoque tinha levadoconsigo. Certo dia, a princesa ouviu-o por acaso e, pensando que lhe podia dar um trabalhomelhor, nomeou-o violinista da sua orquestra de cmara particular. No entanto, em 1652, aprincesa toma partido dos frondistas contra o cardeal Mazarino e, como este ganha o confronto, obrigada a exilar-se. No querendo abandonar Paris, Lully consegue que a princesa o despea:pensa-se que escreveu uma cano satrica onde a tratava muito mal e teve a audcia de lha

    fazer chegar s mos. O jovem rei Lus XIV (o Rei Sol) tomou conhecimento deste desaforo e,encantado pela ofensa feita prima que detestava, mandou-o contratar. Deste modo, a partir de1653, Lully entra ao servio do Rei Lus XIV, sendo por este nomeado responsvel pela vidamusical da corte. Obtm autorizao para trabalhar com os 24 violons du roi, nome atribudo aogrupo de cordas da corte, muitas vezes designado por Grande Bande. Foram a primeiraorquestra a organizar-se em funo de um grupo de instrumentos de cordas.

    Dessus Haute contre Taille Quinte Basse de violon6 4 4 4 6

    Por volta de 1648, o jovem Lus XIV criou os 16 petitis violins du roi, muitas vezesdesignados por Petit Bande, oficialmente por causa do desleixo de alguns msicos, que no

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    correspondiam ao ideal orquestral de Lully, pois tocavam de forma pouco apurada e utilizandode forma pouco estruturada os ornamentos. Pensa-se que Lully pretendia sobretudo ter a suaprpria orquestra para pr em prtica os seus conceitos e tcnicas de execuo orquestral.

    Dessus Haute contre Taille Quinte Basse de violon

    6 2 2 2 4

    A sua fama como comediante, danarino, compositor e o bom trabalho como maestro dospetits violons do-lhe reconhecimento pelo pblico francs. Em 1661, consegue de Lus XIV anomeao para os cargos de Superintendente da Msica, Compositor de Msica de Cmara eMestre de Msica da Famlia Real. Nesta altura, Lully domina completamente o panoramamusical francs: nada feito sem a sua aprovao e quem no a tem, pura e simplesmente nofaz msica. Tambm nesta poca, inicia uma frutuosa colaborao com Molire, com quemproduz, at 1671, uma srie de comdias com bailado(comdie-ballet), mas depressa se zangacom o dramaturgo. Em 1672, Lully fundou a Acadmie Royale de Muisque e comea a cultivar

    um tipo de pera francesa, a tragdie-lyrique, abafando os possveis rivais com uma avalanchede patentes, obtidas astuciosamente do Rei.A sua ambio faz com que os outros msicos o detestem. Prossegue, indiferente aos inimigos,e em treze anos compe treze peras, onze das quais com libretode Philippe Quinault.

    A 8 de Janeiro de 1687, durante a apresentao do seu TeDeumem honra da cura do Rei,fere-se num p, batendo-lho com o basto de diretor de orquestra, que brandia entusiasmadomarcando a pulsao. A ferida depressa ganha gangrena e, em trs meses, vitima-o.

    Comdie-bal let (comdia com bailado): forma msico-dramtica do final do sculo XVII,

    criada por Molire (1622-1673) e Lully, procurando uma unio entre o ballet e a comdia.Trata-se do equivalente buffo do solene ballet de cour. A base a comdia falada, em que seintegram bailados e se acrescentam solos cantados (recitativos, rias) e nmeros de conjunto. Adana o fio condutor da ao, que normalmente relata episdios da vida quotidiana, excluindoa Antiguidade ou o mstico. Os protagonistas da ao so indivduos vulgares sendo ocasamento o centro de todas as intrigas. A colaborao Molire/Lully neste tipo de obrascomeou em 1664 com Le Mariage force e acabou em 1670 com Le bourgeois gentilhome.Ambos os autores tinham igual importncia, pois a inteno era atingir um equilbrio entre amsica, a dana e ao principal da comdia. A parceria com Molire terminaria com ocompositor francs a fazer uso da sua influncia junto do rei. Em 1572, Lully tinha o monoplio

    da msica francesa.

    Tragdie-lyr ique (ou tragdie en musique ou tragdie-opra): nome dado pera sria(embora no necessariamente trgica) francesa dos sculos XVII e XVIII. Trata-se de umatragdia completamente posta em msica. Este gnero foi criado por Lully e Quinault (1635-1688), primeiro em Cadmus et Hermione(1673), depois em mais 10 obras, entre elas Alceste(1674), Thse(1675), Perse (1682) e Armide (1686). Do ponto de vista musical, a aberturautilizada era a chamada abertura francesa, diferente do modelo italiano.

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    Abertura italiana Abertura francesa

    Trs andamentos:

    Rpido

    Lento

    Rpido

    Trs andamentos:

    Lento

    Rpido

    Lento

    (como no era muito brilhante terminar com umandamento lento, por vezes, a abertura possui quatroandamentos: lento, rpido, lento, rpido)

    Aps a abertura, segue-se o prlogo, geralmente laudatrio do Rei, e cinco atos. A peracontm trechos instrumentais, nmeros de conjunto, recitativos, rias e coros e incluiobrigatoriamente bailados. O recitativo francs bastante melodioso, breve e segue de formaexata o texto. As rias francesas so menos ornamentadas do que as peras italianas, bastantemelodiosas, muitas vezes silbicas e com um refro depois de cada estrofe, o que permite quaseque uma declamao natural do texto. Lully conseguiu conjugar os elementos franceses que jeram cultivados (como os ballets elaborados, exuberantes, e as maravilhosas apresentaescnicas, por exemplo) com as fortes tradies do teatro falado. A combinao do ballet com aspartes instrumentais e vocais, reforados pela orquestra de renome de Lully e pelas coreografiasde Carlo Vigaran, fez nascer a pera nacional francesa.

    Para alm de Lully, outros compositores se dedicaram a compor pera em Frana, entre elesRobert Cambert (1628-1677), Marc-Antoine Charpentier (c.1645-1704), Michel de Lalande(1657-1726), Andr Campra (1660-1744q3) e Andr-Cardinal Destouches (1672-1749). Entreos autores literrios utilizados destacam-se, para alm de Philippe Quinault, Pierrre Corneille(1606-1684), Jean-Baptiste Molire (1622-1673), Pierre Perrin (c.1620-1675), Simon-Joseph

    Pellegrin (1663-1745) e Jean Racine (1639-1699).

    No final do sculo XVII surge a opra-ballet, um espetculo de grande sumptuosidade. Oballet desempenha um papel mais importante do que o elemento dramtico. Tratava-se de umabailado heroico, formado de 3, 4 ou 5 entradas/atos. Desenvolveu-se a partir da juno de doisou trs divertissements(bailados que eram intercalados em peas teatrais). A intriga simples,de fcil perceo, e os temas so retirados da antiguidade, das artes, das festas e principalmentedo amor (contexto extico). A opra-ballet coexistiu com a tragdie lyrique at ao incio dosculo XVIII. semelhana de Itlia, tambm em Frana, por volta de 1750, se comea acultivar a opra-comique.

    pera Sria

    Itlia Frana

    pera em 3 atos pera em 5 atos

    Se tiver prlogo, no enaltece ningum, a no seras virtudes que sero tratadas no espetculos, servepara destacar a temtica abordada (amor, valentia,

    coragem, esperana, etc.)

    O prlogo celebra a grandeza do Rei, enaltece osvalores da monarquia francesa ou a prpria nao

    francesa

    Mais restrita ao nvel das encenaes Mais faustosa em termos de encenao

    Menor nmero de bailados Um grande nmero de bailadosQualidade dos textos menos requintada Textos literrios de grande qualidade

    Temtica mais popular Temtica mais sriaMaquinaria

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    Opinies sobre a pera italiana e francesa

    Opinio sobre a pera venezianaLa Vi l le et la Rpubl ique de Venise, Saint-Didier, Paris,1680

    Apresentam-se, em Veneza, diversas peras em simultneo; os teatros so grandes e magnficos,as decoraes soberbas e bem diversificadas mas muito mal iluminadas, as mquinas so porvezes passveis e por vezes ridculas; o nmero de actores sempre muito grande e todos estoricamente vestidos; mas a aco geralmente desagradvel; as peas so longas e, no entanto,no deixariam de divertir durante quatro horas que duram se fossem compostas por melhorespoetas que soubessem melhor as regras do teatro do que aquilo que a sua composiotestemunha: a qual no merece, muitas vezes, a despesa que feita para a representar. Vem-senas peras bailados, entre os actos, to lastimveis que valeria muito mais que nem sequerexistissem. Dir-se-ia, ao ver danar tais pessoas, que tm sapatos de chumbo e, no entanto,recebe, os aplausos de toda a assembleia porque esta nunca viu nada melhor. A beleza das vozes

    recompensa todos os defeitos de que acabo de falar; esses homens-sem barba tm vozesargentinas que preenchem admiravelmente bem a grandeza do teatro; escolhem-se, alis, asmelhores cantoras de toda a Itlia e no se lamenta de todo 400 pistolas e as despesas de viagempara fazer vir de Roma, ou de outro lugar, uma rapariga de reputao, apesar de as peras nodurarem mais do que o Carnaval; as suas rias so lnguidas e tocantes mas toda a composioest recheada de vrias canonetas muito agradveis que despertam a ateno; a sinfonia coisapouca, inspirando mais melancolia do que alegria: composta por alades, tiorbas e cravos queacompanham as vozes com uma afinao admirvel.Se os franceses tm, eles prprios, dificuldade em compreender as palavras, os italianos e todosos estrangeiros ainda tm mais em Frana, onde se canta mais baixo e onde se pronuncia muito

    menos distintamente. Esse grande coro musical que preenche tantas vezes todo o teatro francse no qual quase se no podem distinguir as palavras choca os italianos que dizem que issoconvm melhor igreja do que pera; a grande quantidade de violinos que faz desaparecer,quando toca, todos os outros instrumentos da sinfonia s pode agradar aos franceses, a no serquando tocam sozinhos, noutras ocasies. E ainda que em Frana se seja perfeitamente sucedidona dana, pe-se tanta nas peras, segundo eles, que ela constitui, muitas vezes, a sua maiorparte; o assunto da composio demasiado breve para o gosto dos italianos que tambm noencontram intrigas suficientes nas nossas peas de pera; a intriga das suas composies sempre conduzida pela personagem de uma velha que d bons conselhos aos jovens e que,apaixonando-se ela prpria, sem poder ser amada, diz geralmente coisas muito divertidas.

    Comparao entre a msica francesa e italianaParallle des I tal iens et des Franais en cequi regarde la musique et l es opras, Franois Raguenet, Paris, 1702

    Existem tantas coisas em que a msica francesa tem vantagens sobre a italiana e outras tantasmais em que a italiana superior francesa que sem um exame minucioso de cada uma delaspenso ser impossvel estabelecer um paralelo justo entre elas ou avali-las correctamente. [...]

    As nossas peras so muito melhor escritas que as italianas; so regulares, concebidas com

    coerncia; e, mesmo que apresentadas sem a msica, so to interessantes como qualquer dasnossas outras peas que so puramente dramticas. Nada pode ser mais natural e vivo que os

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    seus dilogos; os deuses so feitos para falar com a dignidade conveniente sua personagem, osreis com toda a majestade que a sua posio exige e as ninfas e pastores com uma delicadeza ealegria inocente caractersticas dos simples. Amor, cime, ira e o resto das paixes soabordadas com a maior arte e beleza e poucas das nossas tragdias ou comdias so mais belasdo que as peras de Quinault.

    Por outro lado, as peras italianas so rapsdias pobres e incoerentes, sem ligao ou objectivo;todas as suas peas so formadas, a bem dizer, por magros e inspidos retalhos cosidos uns aosoutros; as suas cenas consistem em alguns dilogos ou solilquios triviais no fim dos quaisintroduzem um das suas melhores rias, a qual conclui a cena. Estas rias raramente constituemuma unidade com o resto da pera, sendo geralmente escritas por outros poetas, querisoladamente, quer dentro de uma outra obra. Quando o empresrio de uma pera se fixa numacidade e rene a sua companhia, escolhe o tema que prefere tal como Camila, Temstocles,Xerxes, etc. Mas essa obra, tal como tenho observado, no passa de uma manta de retalhos,recheada com as melhores rias que os seus cantores conhecem, as quais so como selas que seajustam a qualquer cavalo; [...]

    Para alm disso, as nossas peras tm uma maior vantagem sobre as italianas no que dizrespeito s vozes, e isto aplica-se ao baixo que to frequente entre ns e to difcil deencontrar em Itlia. [...]

    Para alm das vantagens que temos com a beleza dos nossos contedos e a variedade das vozes,temos ainda mais com os nossos coros, danas e outros entretenimentos, nos quais excedemosinfinitamente os italianos. Estes, em vez destes ornamentos que fornecem s nossas peras umaagradvel variedade e lhes imprimem um particular ar de grandeza e magnificncia, no tmgeralmente mais do que algumas cenas com um bobo, com alguma mulher velha que se

    apaixona por um jovem criado, [...]. E, quanto aos bailarinos, so as mais miserveis criaturasdo mundo; so todos feitos de uma pea s, sem braos, pernas, forma ou aparncia. No que dizrespeito aos instrumentos, os nossos mestres tocam muito melhor o violino e com muito maisbeleza do que em Itlia. [...]

    Para abreviar, temos vantagens sobre eles nos fatos. [...]

    A lngua deles est adaptada msica de uma maneira muito mais natural que as nossas; as suasvogais so sonoras enquanto que metade das nossas so mudas ou, na melhor das hipteses,desempenham um papel muito pequeno na pronncia de forma que, em primeiro lugar, no sepode formar uma cadncia ou bela passagem sobre as slabas constitudas por essas vogais e, emsegundo lugar, as palavras so s meio pronunciadas pelo que somos levados a adivinhar o queos franceses cantam enquanto o italiano se percebe perfeitamente. Alm disso, apesar de todasas vogais italianas serem cheias e abertas, os compositores escolhem entre elas as que julgammais adequadas para os seus mais belos ornamentos. [...]

    Os italianos so muito mais ousados e intrpidos nas suas rias do que os franceses; vo muitomais longe, tanto nas canes temas e nas mais alegres como nas suas outras composies; eno s, pois frequentemente unem estilos que os franceses consideram incompatveis. Osfranceses, nas composies que consistem em muitas partes, raramente olham para alm da que principal enquanto que os italianos trabalham geralmente por forma a tomar todas as partes

    igualmente brilhantes e belas. [...]

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    No admira que os italianos considerem a nossa msica maadora e entorpecedora pois, deacordo com o seu gosto, ela surge como chata e inspida, se considerarmos a natureza das riasfrancesas em comparao com as italianas. [...]

    Reflexo de Saint-Evremond sobre a pera, numa carta dirigida a um amigo, que data dosanos 70 do sculo XVII

    H muito tempo, Senhor, que tinha vontade de vos falar dos meus sentimentos sobre as peras.[]

    Comearei, com grande franqueza, por vos dizer que no admiro muito as comdias por msicatal como as vemos presentemente. Confesso que a sua magnificncia me agrada bastante: que asmquinas tm algo de surpreendente; que a msica, em alguns lugares, comovente; que todo oconjunto parece maravilhoso: mas tenho de confessar tambm que estas maravilhas logo se

    tomam aborrecidas; pois quando o esprito tem to pouco que fazer, uma necessidade que ossentidos se impacientem. [...] O desencanto habitual em que caio nas peras vem de nunca tervisto nenhuma que no me tenha parecido desprezvel quer no contedo do tema, quer nopoema. Ora, em vo que se alicia o ouvido e que se encanta o olhar se o esprito no ficasatisfeito. [...] Uma tolice carregada de msica, de danas, de mquinas, de decoraes, umatolice magnfica mas no deixa de ser uma tolice; um terreno vil sob uma bela aparncia noqual penetro com muito desagrado.

    H outra coisa nas peras de tal maneira contra a natureza que a minha imaginao fica feridacom isso; o facto de fazer cantar toda a pea, desde o princpio ao fim como se as pessoas que

    se querem representar se tivessem combinado, de uma forma ridcula, para tratar por msicatanto os assuntos mais triviais como os mais importantes das suas vidas. Pode imaginar-se umamo que chama o seu criado e que lhe d uma ordem a cantar? Que um amigo faa, a cantar,confidncias ao seu amigo? Que, a cantar, se delibere num conselho? Que se exprima atravs docanto as ordens que se do e que, melodiosamente, se mantenham homens a golpes de espada ede lana num combate? E perder a noo da representao que , sem dvida, prefervel daharmonia; pois a harmonia no deve ser mais do que um simples acompanhamento e os maioresmestre do teatro acrescentaram-na,porque agradvel e no porque necessria, depois de teremregulamentado tudo o que diz respeito ao tema e ao discurso. No entanto , a ideia do msicoultrapassa a do heri nas peras; Loigi [Luigi Rossi], Cavallo [Cavalli], Cesti quem seapresenta imaginao. O esprito, no podendo conceber um heri que canta, agarra-se a quemo faz cantar e no possvel negar que, nas representaes do palcio real, se pensa cem vezesmais em Baptiste [J.B. Lully) do que em Teseu ou Cadmus. [...]

    Rivalidade italiano-francesa, Margaret M. McGowan

    Estabeleceu-se cedo, principalmente quanto tcnica de cantar. Os italianos tinham maistcnica e mais virtuosismo. Houve tambm razes polticas para os franceses recusarem amsica italiana. Os franceses no apreciavam o estilo bombstico dos italianos. Achavam-noextravagante, muito emocional. Diziam que parecia mais que estavam a gritar do que a cantar.

    No gostavam dos recitativos que achavam longos e montonos e sentiam-se incomodados coma exibio de paixes.

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    Os franceses eram exmios em canes curtas e sons langorosos e melanclicos. Lully tentafundir o estilo francs e o italiano criando uma linguagem propcia ao aparecimento de umapera em francs. Introduz um dilogo entre a msica francesa e a italiana em duas das entradasdoBallet de la raillerie (1659); apesar de, no ballet, as duas chegarem a um compromisso, Lullyno consegue resolver totalmente o problema. Mais tarde acabaria por usar o estilo italiano para

    situaes cmicas e o estilo francs para os ballets nas peras tardias.

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    4) A pera em Inglaterra

    Tanto o drama per musica italiano, como a tragdie-lyriquefrancesa eram conhecidos emFranapor exemplo, a pera italianaErismena de Cavalli foi executada em Londres em 1674

    e a tragdie-lyrique Cadmus de Lully foi apresentada em 1686. Contudo, existiram fatores quefizeram com que no se cultivasse um drama totalmente cantado, nomeadamente a existncia deuma tradio dramtica em que a msica tinha um papel menos importante, bem como umatradio de celebrao de eventos reais com masques elaboradas que combinavam msica,dana e espetculo cnico. Deste modo, o gnero dramtico-musical mais antigo eespecificamente ingls, que se desenvolveu nos sculos XVI e XVII, a Masque. Foi criado apartir dos cortejos e das representaes mascaradas do Renascimento europeu.

    Este espetculo msico-teatral continha um prlogo, ao qual se seguia o cortejo dasmscaras. Depois, vinha a parte principal, de temtica alegrica e mitolgica, com poesia,danas, pantomimas, canes (geralmente acompanhadas com alade), coros, etc. Por fim, o

    final continha um baile, no qual todos participavam, antes de retirarem as suas mscaras. Osexemplos mais perfeitos so as masques de corte realizadas pelo poeta Ben Jonson e peloarquiteto Inigo Jones, entre 1605 e 1631, destacando-se The Masque of Queens (1609) e The

    Masque of Augurs (1622). Este gnero acabou por se tornar numa forma de entretenimento,sobretudo quando surge no final do sculo XVII um gnero opertico ao estilo ingls,nomeadamente com Purcell.

    As primeiras experincias revelam uma mistura de influncias francesas e italianas:

    The Siege of Rhodes (Londres, 1656) considerada a primeira pera inglesa, pois todo otexto (libreto de William Davenant) colocado em msica. Esta pera contm: aberturafrancesa, recitativos e rias de influncia italiana, coros e danas de influncia francesa. Est

    dividida em cinco atos (entres), com msica de vrios compositores: Henry La wes, HenryCooke, Mattew Locke, Charles Coleman e George Hudson.

    Venus and Adonis(c.1684) para alguns autores, esta obra uma masque, embora se possaconsiderar como sendo uma pera pastoril. O texto de um autor desconhecido e a msica deJohn Blow. Contm um prlogo e trs atos. uma obra que conjuga o estilo ingls cominfluncias italianas e francesas: a abertura segue o modelo da pera francesa, muitas das rias erecitativos adaptam o bel canto italiano s letras inglesas, outras canes apresentam ritmos econfiguraes meldicas mais puramente inglesas.

    Di do and Aeneas (Londres, 1689) no entanto, esta obra, de Henry Purcell (1659-1695), considerada por muitos autores como sendo a primeira pera inglesa. a nica pera de Purcellcom todo o texto cantado. Foi escrita para um internato feminino em Chelsea. O texto deNahum, a partir da sua pea Brutus of Alba. A pera inicia-se com uma abertura francesa,seguindo-se um prlogo e trs atos, sendo a orquestra composta por cordas e contnuo. umaobra que conjuga a influncia italiana e francesa com um estilo tipicamente ingls.

    Henry Purcell compe tambm cinco semiperas (The Prophetess, 1690; King Arthur,1691; The Fairy Queen, 1692; The Indian Queen, 1695, The Tempest, c.1695): obras teatrais,tpicas da restaurao inglesa, com encenao espetacular e com cenas musicais extensas. A

    ao era fala e a representao baseava-se geralmente em seres sobrenaturais. Na realidade, so

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    peas de teatro com uma grande proporo de solos e conjuntos vocais, coros e msicainstrumental.

    Di do and Aeneasuma pera trgica em trs atos e um prlogo, com libreto de Nahum Tate. Ahistria baseia-se no IV Canto daEneida, do pico latino Virglio. A ao desenrola-se ao longo

    de um dia, retratando o drama da rainha Dido, que se enamora de Eneias e se v abandonada,em detrimento da epopeia que o prncipe troiano est profetizado a viver. No Ato I, depois dosaque de Tria pelos Gregos, Eneias, prncipe troiano, na sua viagem em busca de um lugar parafundar uma nova cidade, acaba por ir ter a Cartago e ao palcio da Rainha Dido. Esta,perturbada pela presena do prncipe, revela a sua inquietao a Belinda, a sua confidente.Belinda e a restante corte encorajam a Rainha a ceder insistncia do Prncipe e a casar, dandoassim uma nova alegria cidade de Cartago. No Ato II,uma bruxa inimiga de Dido, sabendodo que est em curso, prepara uma destruio de todos os planos reais. Com outras bruxas,resolve enviar um esprito que, sob a aparncia de Mercrio, dir a Eneias que Jpiter ordena asua imediata partida, e o abandono de todos os planos de casamento com Dido. Eneias anda

    caa enquanto Dido e a sua corte preparam um divertimento para o prncipe, no bosque.Subitamente estala uma tempestade. A Rainha e a corte regressam a Cartago, e o espritoaparece a Eneias, com a mensagem das bruxas. Este resolve partir, apesar de profundamentecontrariado. No Ato III, j no cais, os marinheiros de Eneias divertem-se enquanto preparam anova viagem. No palcio, Dido d largas sua dor, e acusa Eneias de fraqueza de carcter,recusando os argumentos de origem divina. Perturbado, Eneias resolve ficar, mas Dido recusa:ter pensado em partir uma s vez foi traio suficiente. A Rainha prepara-se para morrer,dirigindo as ltimas palavras sua fiel confidente Belinda.

    Henry Purcell (1659-1695): Purcell iniciou os seus estudos com o pai, Thomas Purcell,

    Gentleman ofthe Chapel Royal. De seguida, frequenta o coro infantil da Capela real, dirigidopor Henry Cooke e, a partir de 1572, assiste s aulas de composio do professor PelhamHumfrey. Quando entra na puberdade e, consequentemente, muda de voz, nomeado assistentedo fabricante de rgos John Hingeston e, quando este se reforma, substitui-o. Em 1679, nomeado compositor do rei para os violinos, e assume o cargo de organista de WestminsterAbbey. A partir de 1680, compe, com grande rapidez e fluncia, pequenas peras, anthems eodesde encomenda. Entretanto, havia sido nomeado organista da Capela Real. Manteve os seuscargos oficiais durante toda a sua vida, apresentando a ltima obra - o belssimo Save me, OGod - em 1695, aquando das exquias fnebres da rainha Mary. Purcell apenas escreveu umapera completa, composio pouco extensa, baseada na histria trgica de Dido and Aenas.Purcell morre em 1695, de causas que se desconhecem. Foi sepultado a 26 de Novembro naWestminster Abbey, junto do rgo onde fez carreira. Teve sempre uma grande atividade comocompositor, comps msica dramtica, mas tambm msica sacra (hinos e canes) einstrumental (fantasias, sonatas, etc. para conjuntos instrumentais, e danas, suites, marchas, etc.para cravo e rgo).

    O papel de Haendel (1685-1759): Aps a morte de Purcell, Inglaterra sentiu um certo vazio nasua vida musical. A pera inglesa foi relegada para segundo plano, pois o pblico consagravatodo o seu entusiasmo s produes dos compositores italianos, franceses e alemes.

    Contudo, surge G. F. Haendel. O pai de Haendel, barbeiro-cirurgio e camareiro do duque

    de Saxe-Weissenfels, reputava as artes de fteis e mundanas. Assim sendo, exigiu que Georgfizesse slidos estudos gerais no Gymnasium de Halle e baniu da sua casa todos os instrumentos

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    Histria da Cultura e das Artes Ano letivo: 2012/2013

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    musicais. Mas o jovem Haendel tinha desgnios prprios e conseguiu, desde muito cedo(segundo reza a lenda, com a cumplicidade de um criado, que o ajudou a esconder uma pequenaespineta no sto da casa) aprender a tocar cravo, isto sem saber uma nota musical e apenas comos seus prprios esforos. Aos 7 anos, quando, como era costume, acompanhava o seu pai aWeissenfels, conseguiu tocar o rgo da capela da corte quando o duque assistia eucaristia.

    Este, encantado com os seus dotes, manda-o estudar com Friedrich Wilhelm Zachow, organistada Liebfrauenkirche de Halle. Em 1695, com 10 anos, Haendel era exmio em todos osinstrumentos de tecla e conhecia, pela anlise cuidadosa das partituras dos mestres, as regras decomposio. Apesar desta atividade frentica, consegue, em 1702, acabar o Gymnasium,inscrevendo-se, de seguida, na Universidade para tirar o curso de Direito, a fim de satisfazer avontade do seu pai, que entretanto tinha falecido. Em 1703, nada mais o detendo no Saxe, rumaa Hamburgo, onde ento se pratica a melhor pera alem. De imediato, trava amizade com doisoutros jovens compositores, Telemann e Mattheson, e obtm um modesto lugar de segundoviolino na orquestra da pera. Porm, por sorte, quando, nesse mesmo ano, preciso substituiro maestro Reinhard Keiser, que se escondera para fugir s dvidas, consegue que o nomeiem

    para o lugar dele e, para surpresa dos prprios colegas, f-lo com rara habilidade eprofissionalismo.

    A 8 de Janeiro 1705, estreia a pera Almira, Reine de Castille e, apenas seis semanasdepois,Nron (escritas a partir de libretos que Keiser havia rejeitado), obtendo ambas as peasum xito honroso. A partir desta poca, faz-se silncio a seu respeito nos anais da pera deHamburgo, pelo que os bigrafos deduzem que tenha, entretanto, partido para a Itlia. Uma vezinstalado em Roma, conhece Arcangelo Corelli e os Scarlatti (Alessandro e Domenico)aprofundando a sua mestria nas tcnicas composicionais italianas. Aclamado como um gnio,declaram-no um mulo dos compositores seus contemporneos. A sua pera Rodrigo representada em Florena em 1707 e Agrippina em Veneza, em 1709. No ano seguinte,

    abandona definitivamente a Itlia e instala-se em Hannover, que lhe era totalmentedesconhecida. No entanto, Agostino Steffani, Kapellmeister do Eleitor, recebe-o muito bem,apresenta-o ao prncipe e, como se queria reformar, designa-o seu sucessor. Haendel aceita ocargo, mas pede de imediato uma dispensa para ir visitar Inglaterra, onde tinha relaes deamizade com o antigo embaixador britnico em Veneza. Chega a Londres em Dezembro de1710, e imediatamente contactado pelo diretor do Teatro de Haymarket. Este encomenda-lheuma pera, Rinaldo, que Haendel escreve no tempo recorde de 15 dias e obtm um enormexito. Aps uma ausncia de quase seis meses, regressa a Hannover onde, de contguo, escrevedoze duos de cmara, especialmente dedicados princesa Carlota, futura rainha de Inglaterra.Em 1712, est de volta a Londres. Nesta segunda estadia, Haendel compe uma ode laudativapara celebrar o aniversrio da Rainha Ana, Queen Anne's Birthday, e esta, muito bemimpressionada, encomenda-lhe um Te Deumpara celebrar o tratado de paz do Utreque. Estesxitos e o de uma terceira pera, entretanto levada cena, fazem-lhe esquecer completamente osseus deveres para com a corte de Hannover. Em 1714, a rainha de Inglaterra morre, sendochamado a suceder-lhe o seu pr