barragens sandroni - 2006 - 4 percolação fundações

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C/SS/BARRAGENS:4 PERCOLAÇÃO FUNDAÇÕES 2006-REV 060928.doc 1 4 - PERCOLAÇÃO PELAS FUNDAÇÕES 4.1 - Gradiente Médio e Gradiente de Saída Nos terrenos naturais que compõe as fundações e ombreiras, os efeitos da percolação dependem de detalhes geológicos cuja posição, configuração e características hidráulicas são difíceis de definir com precisão. O apoio de geólogos com experiência em barragens é, nesse contexto, fundamental. È mais difícil garantir o controle da percolação pelas fundações do que nos aterros. Grandes e catastróficos desastres já ocorreram por entubamento pelas fundações. Um dos desastres mais antigos em barragens de grande porte é o da barragem de Puentes (ICOLD, 1974) em Lorca, Espanha, construída entre 1785 e 1791 e que rompeu catastroficamente em 1802. Esta barragem de peso em alvenaria, com 50 metros de altura e 282 metros de comprimento longitudinal, uma obra muito grande para a época, apoiava-se em rocha de boa qualidade em ambas as ombreiras. Na porção central do vale, ao longo de cerca de 17 metros, ocorriam aluviões profundos, como mostrado na figura 4.1. Neste trecho a barragem se apoiava em estacas o que sugere que as pessoas que conceberam a obra se preocuparam com o apoio da barragem sobre o aluvião. O estaqueamento foi estendido para além do pé de jusante, como mostrado na figura, podendo-se supor que assim fazendo procurou-se estabilizar o terreno e, possivelmente, combater o entubamento. Pelos padrões atuais, este partido de projeto seria considerado totalmente inadequado. Nos primeiros 11 anos de operação o lago não atingiu mais do que a metade do nível máximo de operação. Em 30 de abril de 1802, com o nível d'água na altura de 47 metros, às 2:30 da tarde observou-se uma grande quantidade de água avermelhada aflorando no pé de jusante na região do estaqueamento. Por volta das 3 horas foram ouvidos ruídos como de explosões e a água jorrou por baixo da barragem carregando solo e estacas. Em cerca de uma hora o volume total do reservatório escoou causando uma enchente catastrófica a jusante. Restou na barragem uma grande abertura com cerca de 17 metros de largura e 33 metros de altura. A repetição de um acidente como o de Puentes hoje em dia é impensável, porque a engenharia está amplamente alertada para o problema de carreamento e para os fatos físicos relevantes em sua análise. O conceito básico envolvido é o de GRADIENTE HIDRÁULICO (i) que se define como a relação entre a diferença de carga hidráulica total (δH) e a distância (δL). Ou seja: i = δH/δL onde: δH = diferença de carga hidráulica total entre os pontos A e B, quaisquer, situados em uma linha de fluxo. A carga hidráulica total é dada pela soma da carga de posição (altura em relação a um referencial arbitrário qualquer) com a carga de pressão (igual à pressão no ponto dividida pelo peso específico da água). Dimensionalmente é uma quantidade linear; δL= distância entre os pontos A e B ao longo da linha de fluxo.

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Apostila de barragens. Professor Sandroni. 2006.

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4 - PERCOLAÇÃO PELAS FUNDAÇÕES 4.1 - Gradiente Médio e Gradiente de Saída Nos terrenos naturais que compõe as fundações e ombreiras, os efeitos da percolação dependem de detalhes geológicos cuja posição, configuração e características hidráulicas são difíceis de definir com precisão. O apoio de geólogos com experiência em barragens é, nesse contexto, fundamental. È mais difícil garantir o controle da percolação pelas fundações do que nos aterros. Grandes e catastróficos desastres já ocorreram por entubamento pelas fundações. Um dos desastres mais antigos em barragens de grande porte é o da barragem de Puentes (ICOLD, 1974) em Lorca, Espanha, construída entre 1785 e 1791 e que rompeu catastroficamente em 1802. Esta barragem de peso em alvenaria, com 50 metros de altura e 282 metros de comprimento longitudinal, uma obra muito grande para a época, apoiava-se em rocha de boa qualidade em ambas as ombreiras. Na porção central do vale, ao longo de cerca de 17 metros, ocorriam aluviões profundos, como mostrado na figura 4.1. Neste trecho a barragem se apoiava em estacas o que sugere que as pessoas que conceberam a obra se preocuparam com o apoio da barragem sobre o aluvião. O estaqueamento foi estendido para além do pé de jusante, como mostrado na figura, podendo-se supor que assim fazendo procurou-se estabilizar o terreno e, possivelmente, combater o entubamento. Pelos padrões atuais, este partido de projeto seria considerado totalmente inadequado. Nos primeiros 11 anos de operação o lago não atingiu mais do que a metade do nível máximo de operação. Em 30 de abril de 1802, com o nível d'água na altura de 47 metros, às 2:30 da tarde observou-se uma grande quantidade de água avermelhada aflorando no pé de jusante na região do estaqueamento. Por volta das 3 horas foram ouvidos ruídos como de explosões e a água jorrou por baixo da barragem carregando solo e estacas. Em cerca de uma hora o volume total do reservatório escoou causando uma enchente catastrófica a jusante. Restou na barragem uma grande abertura com cerca de 17 metros de largura e 33 metros de altura. A repetição de um acidente como o de Puentes hoje em dia é impensável, porque a engenharia está amplamente alertada para o problema de carreamento e para os fatos físicos relevantes em sua análise. O conceito básico envolvido é o de GRADIENTE HIDRÁULICO (i) que se define como a relação entre a diferença de carga hidráulica total (δH) e a distância (δL). Ou seja:

i = δH/δL onde:

δH = diferença de carga hidráulica total entre os pontos A e B, quaisquer, situados em uma linha de fluxo. A carga hidráulica total é dada pela soma da carga de posição (altura em relação a um referencial arbitrário qualquer) com a carga de pressão (igual à pressão no ponto dividida pelo peso específico da água). Dimensionalmente é uma quantidade linear; δL= distância entre os pontos A e B ao longo da linha de fluxo.

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(b) Com freqüência o material de fundação contém estratificações ou zonas de solos com diferentes granulometria de forma que sua inserção nas categorias granulométricas de Lane apresenta-se duvidosa. Em casos assim, se o projetista insistir na utilização dos critérios de Lane, só resta utilizar a interpretação conservadora mencionada por Terzaghi & Peck (1967) e considerar a fundação como constituída pelo pior dos materiais; (c) O fator principal que baliza o risco de carreamento e entubamento é o gradiente de saída e não o gradiente médio (do qual Cw é uma expressão indireta). Casagrande (1934) mostrou, em discussão ao artigo de Lane, que o gradiente de saída varia dependendo de fatores que não modificam o Cw de Lane. Na figura 4.4 estão alguns exemplos; (d) Em muitos casos ocorre uma camada superficial de permeabilidade mais baixa. O gradiente de saída se concentra nesta camada e pode, como mostrado na figura 4.5, atingir valores elevados mesmo para contrastes relativamente pequenos de permeabilidade entre a camada superficial e a camada mais profunda do terreno. O estabelecimento de qual seria o gradiente tolerável a jusante no caso de existir uma camada menos permeável pode, em princípio, ser tratado teoricamente, como explicado acima. Em teoria, o gradiente crítico é da ordem de 0,8 a 1,2. Na prática porém, devido à complexidade inerente aos materiais de fundação, os valores de gradiente de saída que redundam em funcionamento inadequado da obra são diferentes dos teóricos e muito variáveis. Existe um interessante estudo prático sobre o assunto feito com base em medições piezométricas nas fundações de diques no rio Mississipi (Turnbull & Mansur,1959). Os resultados desse estudo estão resumidos na figura 4.6. Se observa que os problemas de percolação excessiva se manifestam a partir de gradientes de saída da ordem de 0,4 e que para gradientes a partir de 0,5 podem ocorrer "sand boils" (carreamento violento de areia situada abaixo da camada superficial de menor permeabilidade formando cones de material arenoso na superfície). Seria ingênuo imaginar que se pode fixar um critério universal de projeto para os gradientes aceitáveis de saída. As decisões de projeto referentes a este ponto devem ser sempre antecedidas de uma cuidadosa e experiente ponderação de todas as informações geotécnicas disponíveis, de estudos analíticos e de considerações de risco. Na maioria dos casos (para não dizer em todos), os gradientes de saída devem ser evitados (anulados) com obras de drenagem a jusante, tais como trincheiras drenantes e poços de alívio. Em obras de menor responsabilidade e risco, pendente de julgamento e avaliação criteriosos, pode-se utilizar um valor de 0,25 para o gradiente de saída como critério de projeto. Valores mais elevados do que estes foram advogados por Mansur & Kaufman (1956) para os diques do rio Mississipi os quais são obras de menor risco e com menor permanência das águas altas (só há água durante as cheias do rio). Estes autores mencionam como critérios de projeto os valores de gradiente de saída de 0,67 para áreas de agricultura e 0,50 para áreas industriais. Deve ainda ser considerado se o pé de jusante ficará emerso ou submerso. No caso de ficar submerso, um eventual processo de entubamento a jusante poderá passar desapercebido e, naturalmente, o projetista deve ser mais conservador.

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4.2 - Controle da Percolação 4.2.1 - Fundação em solo A melhor e evidentemente mais efetiva maneira de controlar a percolação pela fundação é a interceptação total do material permeável com uma trincheira ou cortina. Quando este recurso pode ser utilizado, e é corretamente executado, tanto a vazão pela fundação como os gradientes de saída se tornam irrisórios. Mas nem sempre é possível ou economicamente viável interceptar totalmente os estratos mais permeáveis da fundação. Às vezes a profundidade é muito grande ou o custo de abertura da vala para a trincheira, onerado por um sistema de rebaixamento, é muito elevado ou, há problema de prazo. A utilização de trincheira ou cortina parcialmente penetrante é pouco eficiente tanto no que tange à vazão como no que se refere às perdas de carga e aos gradientes de saída. As figuras 4.7 e 4.8 ilustram estes pontos. Na figura 4.7, por exemplo, se vê que a diminuição de vazão só se torna significativa para penetrações superiores a 90% da espessura total da camada permeável. Na figura 4.8 se vê que o gradiente de saída, da mesma forma, só cai acentualmente para penetrações praticamente integrais. Não sendo possível a interceptação total, utilizam-se ou combinam-se outros recursos para controle das vazões e dos gradientes de saída tais como (ver figura 4.9): tapete impermeável a montante, tapete drenante a jusante, trincheira drenante a jusante e poços de alívio. Esses recursos foram utilizados em diversas obras Brasileiras (ver, por exemplo, Vargas, Pacheco & Moretti, 1997) que tiveram comportamento satisfatório. Estes partidos de projetos são discutidos a seguir. A cortina de injeção em solo, mostrada esquematicamente no diagrama inferior da figura 4.9, utilizada com sucesso pela engenharia européia, não é usual no Brasil. Dependendo do sedimento que constitui a fundação, são utilizados produtos químicos especiais e cimentos especiais de granulometria fina. No Brasil, na UHE Porto Primavera, foi realizado um teste visando criar interceptação de fluxo com colunas jet-grout justapostas. Esta única experiência não teve bons resultados (fato que não deve servir para condenar uma técnica promissora). Na barragem de Balbina, foram utilizadas injeções de nata de cimento para tratamento de fundação em solo com canalículos (tubos com diâmetro centimétrico a decimétrico feitos por cupim no solo). No caso de Balbina causou-se o fissuramento deliberado pela pressão de injeção (denominado "clacagem") de forma a facilitar a interconecção e enchimento dos canalículos. Os elementos teóricos que interessam aos tapetes impermeáveis a montante estão apresentados na figura 4.10. Existe um comprimento efetivo (Le, distância contada a partir do pé de montante da barragem) no qual a carga hidráulica na fundação sob o tapete é igual à carga no reservatório. Esta distância correspondem ao ponto em que a vazão vertical através do tapete se iguala à vazão horizontal através da fundação e depende das permeabilidades e das espessuras da fundação e do tapete, tal como

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refletido no parâmetro "a", figura 4.10. O cálculo do comprimento efetivo vale também para jusante o que permite que se estime, por simples geometria de semelhança de triângulos, o gradiente de saída sob uma camada impermeável situada a jusante, desde que se conheçam as espessuras e as permeabilidades da camada superficial e da fundação. A figura 4.10 ilustra. O tapete de montante deve ser protegido para que não trinque por ressecamento antes de enchimento do reservatório e não deve conter descontinuidades sob pena de perder sua eficiência. A consideração de camadas naturais superficiais como tapete deve ser cercada de bastante cuidado. A figura 4.11 ilustra os efeitos de falhas no tapete de montante sobre a carga hidráulica no pé e sobre a vazão. Como se vê, uma falha de apenas 10% já praticamente anula os efeitos benéficos do tapete. A figura 4.12 mostra os gradientes de saída para o caso de não existir camada superficial de menor permeabilidade. Situações como esta só costumam acontecer no trecho do leito principal dos rios. Um fato relevante que se observa na figura 4.12 é que os gradientes imediatamente a jusante do pé da barragem são muito elevados. No pé, em particular, o gradiente é teoricamente infinito. É por este motivo que não se termina bruscamente um aterro argiloso sobre a fundação: sempre se coloca pelo menos um dreno de pé de forma que o trecho inicial de gradientes elevados fique protegido por um sistema filtrante. A parte inferior da figura 4.12 mostra a relação entre o comprimento (m) de um tapete drenante e a carga hidráulica total (H) para que o gradiente de saída seja menor do que um certo valor arbitrário (no caso escolheu-se 0,3). Como se vê, para as relações comprimento/carga (L/H), que em barragens homogêneas de terra se situam tipicamente entre 5 e 7, o comprimento do tapete deve ser da ordem de 15 a 25% da carga. 4.2.2 Fundação em Rocha Quando se apoia um aterro de solo sobre fundação rochosa, a principal preocupação costuma ser referente a uma eventual penetração do solo nas fraturas da rocha, em particular no caso de núcleos de barragens mistas. Em presença deste tipo de receio, o que se costuma fazer é tratar a superfície da fundação rochosa de forma a vedar as fraturas. Este tratamento vai desde uma simples obturação das principais juntas abertas com nata de cimento até, nos casos em que a rocha é intensamente fraturada, à colocação de uma laje contínua de concreto. O recurso mais comum de controle da percolação em fundações rochosas são as cortinas de injeção de cimento. Elas são utilizadas na rocha de fundação de praticamente todas as obras de barramento de concreto. Sua função primordial é diminuir a vazão pela fundação de forma a reduzir a solicitação do sistema de drenagem. As cortinas de injeção de cimento não são eficientes na redução da carga hidráulica. Sob barragens de terra e enrocamento o tratamento de fundações rochosas com injeções profundas de cimento é, quase sempre, desnecessário. Este é um assunto sempre muito debatido em projeto e, pelo menos nas obras grandes, se termina por executar pelo menos uma linha de furos com o objetivo (muitas vezes

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conceitualmente insustentável) de aumentar a quantidade de informações geotécnicas sobre a rocha de fundação. O que parece existir é um hábito que não se justifica. O uso de injeções em rocha sob aterros deve ser norteado, tal como para as estruturas de concreto, pelo eventual benefício em diminuir a vazão incidente no sistema de drenagem interna da barragem. Não existe um critério consagrado para definir se uma fundação rochosa deve ou não ser injetada (nem seria de se esperar que existisse pois depende de um número grande de circunstâncias específicas do local como altura e tipo da barragem, tipo de rocha e arranjo de seu fraturamento, importância das perdas d'água, etc). Apesar disto, diversos critérios, baseados em resultados de ensaios de perda d'água, tem sido propugnados por diferentes autoridades geotécnicas. Redlich e Terzaghi, por exemplo, sugerem que se deve injetar se a perda d'água absoluta for maior do que 0,5 l/min/m/atm. Hvorslev e algumas publicações do LNEC falam em 0,2 l/min/m/atm. Havendo recursos e tempo, é desejável que se examine esta questão em maior profundidade na fase de projeto através de ensaios de campo adequados e análises de percolação. Um conjunto de limites práticos, razoáveis para uma primeira avaliação está apresentado na tabela abaixo. DENOMINAÇÃO PERDA DE ÁGUA

(l/min/m/atm) ABSORÇÃO DE CIMENTO (*)

(kg/m) Baixa a Nula Menor que 1 Menor que 10

Média 1 a 8 10 a 50 Alta 8 a 20 50 a 100

Muito alta Maior que 20 Maior quer 100 (*) descontando a nata necessária para encher o furo de injeção A profundidade que uma cortina de injeção deve atingir também costuma ser motivo de muita troca de idéias na fase de projeto das barragens. Evidentemente, deve ser norteada pelos aspectos geológicos da rocha de fundação (por exemplo, um plano de contato entre derrames em rocha basáltica). Existem indicações gerais, como a da ASCE (que, de forma alguma, devem ser seguidas sem avaliação experiente): Altura da Barragem Profundidade da cortina

(m) (m) 8 a 25 12

30 a 66 25 60 a120 45 maior que 150 60

4.3 - Vazão pela Fundação A quantidade de água que passa pelas fundações e ombreiras de uma barragem pode ser estimada com precisão razoável desde se conheça a geometria da fundação e a permeabilidade dos materiais. Acontece que ambas, geometria e permeabilidade, costumam ser muito complexas. Assim, as estimativas de vazão são feitas (exceto em

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projetos de grande porte que justifiquem estudos e prospecções detalhados) utilizando modelos bastante idealizados (fundação com espessura constante e permeabilidade única e isotrópica, por exemplo). A figura 4.13 permite a estimativa de vazão para condições geométricas simples e material homogêneo. Vazões em fundação homogênea e para condições geométricas um pouco mais complicadas podem ser estimadas a partir da figura 4.7. Havendo camada superficial menos permeável, como mostrado na figura 4.10, a vazão pode ser estimada utilizando o comprimento efetivo de percolação (Ld+2Le) como comprimento Lo na figura 4.13. Não existem critérios fixos que estabeleçam qual a "vazão aceitável" pelas fundações de uma barragem. É possível, contudo, examinar esta questão considerando as vazões observadas em obras em funcionamento e separando aquelas cujo desempenho foi considerado satisfatório, daquelas cuja vazão pelas fundações foi considerada excessiva. Um estudo realizado considerando vazões observadas em um grande número de barragens em operação sugere que os valores da coluna da esquerda da figura 4.6 podem servir como limites entre as vazões específicas (isto é, vazão por metro longitudinal) consideradas como "pequenas", "médias" e "altas". Assim, uma vazão específica de 5 l/min/m ou menos seria, em princípio, aceitável. Já uma vazão específica maior do que 15 l/min/m seria considerada excessiva. Estes limites são consistentes com o levantamento realizado por Silveira (1983) com dados de 15 barragens Brasileiras. Enfoques como o acima, evidentemente, só se aplicam a casos em que o fluxo é razoavelmente uniforme ao longo da barragem como um todo. Eles não devem ser utilizados quando a vazão se concentra em um ou uns poucos pontos de saída ou quando há suspeita de carreamento de grãos. Na barragem de Jaburú, no Ceará, por exemplo, registrou-se surgência com vazão da ordem de 3000 l/min em um único ponto da ombreira esquerda cerca de 30 m a jusante da barragem (Carvalho, 1981). Só a vazão desse ponto corresponde a cerca de 4 l/min/m para os 770 m de coroamento da barragem. Na barragem de Saracuruna, no Rio de Janeiro (Ruiz et al, 1976), a vazão média de 12 l/min/m foi considerada alta, por estar associada a carreamento de grãos. Após as obras de melhoramento, a vazão foi reduzida para algo como 4 l/min/m. 4.4 - Casos e acidentes (a) Um caso de percolação pela ombreira (Camaçari, Bahia) A figura 4.14 mostra um caso de percolação pela ombreira com início de formação de entubamento. Esta pequena barragem, com cerca de 13 metros de altura e 100 metros de comprimento pela crista, foi construída em Camaçarí, Bahia, em 1974 como parte do sistema de combate a incêndios de um complexo industrial. Desde de 1975 a obra apresentou surgências a jusante. Na ombreira direita, a jusante, ocorreu um deslizamento associado à percolação (não mostrado na figura) que foi reparado, construindo-se uma berma drenante com dreno de brita envolto em bidim. Na ombreira esquerda, que na época não apresentava problemas de desmoronamento, foi implantada uma trincheira drenante que se inicia a cerca de 10 metros a jusante do pé de barragem (indicada por "drenagem existente" na figura). Em 1985 foi constatada

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uma nova surgência na ombreira esquerda, com vazão de cerca de 10 litros/minuto, entre a drenagem existente e o pé da barragem. Em 1986 esta surgência já tinha causado pequenos desmoronamentos em suas adjacências, como mostrado na figura. O terreno na região compõe-se de estratos sedimentares da formação São Sebastião, nos quais camadas siltosas e arenosas centimétricas e decimétricas se alternam dentro de pacotes métricos nos quais predomina o silte ou a areia. Duas sondagens são mostradas na parte inferior da figura 4.14: a sondagem A executada antes da construção e a sondagem B executada com a barragem pronta. Elas indicam que na região da última surgência observada ocorre uma areia siltosa com SPT variando entre 3 e 10. A surgência foi tratada cobrindo todo o trecho abaixo da cota 48 (que vai do pé da barragem até a drenagem existente) com um tapete filtrante. Adotou-se assim, a postura de projeto mais indicada em casos onde se registram surgências a jusante de barragens em operação: deixar que a água siga passando pelas rotas que já escolheu ao mesmo tempo que se garante que a erosão interna não progredirá. Tais surgências não são problemas graves porém devem ser tratadas imediatamente posto poderem se agravar. (b) Um caso de percolação por fundação aluvionar (Barragem do Carão, CE) A barragem do Carão situa-se em Tamboril, CE. Como mostrado na figura 4.15, esta barragem de terra homogênea, cujo sistema de drenagem interna se restringe a um filtro-tapete horizontal, apoia-se em aluviões com predomínio de areias médias e grossas. Como medidas de controle de percolação foram construídos um tapete a montante e uma trincheira parcialmente penetrante (cerca de 5 metros para uma profundidade total média de aluvião de 10 metros). Quando do enchimento do reservatório observou-se uma vazão de cerca de 2400litros/minuto, sob carga hidráulica da ordem de 9 metros. Isto corresponde a cerca de 20 a 30 litros por minuto por metro ao longo da calha aluvionar sob a carga plena de operação do lago (15 metros). Esta vazão é elevada tanto por comparação com a boa prática (comparar com os valores da figura 4.6) como considerando as perdas do reservatório (que atingiriam algo como 2 milhões de m3 por ano). Ocorreram ainda entubamentos e borbulhamentos a jusante, como indicado na figura 4.15. O perfil de terreno na calha aluvionar a jusante da barragem caracteriza-se por dois trechos distintos, denominados de perfis tipo A e B na figura. O trecho ocupado originalmente pelo leito principal do rio, com perfil do tipo B, tem areia à superfície e dava livre saída à água. Lateralmente o perfil é do tipo A, camada menos permeável sobrejacente à areia e, por consequência, ocorreram subpressões. Assim, no trecho tipo A observaram-se "olhos d'água ("borbulhamentos" ou "boils"). Na zona de contato entre os trechos tipo A e B, ocorreram tubos resultantes do escoamento da água sob a camada superficial do trecho A em direção ao trecho B. A posição de um dos borbulhamentos e de um dos tubos observados está mostrada na figura. Foram consideradas diversas soluções para o problema tais como a implantação de parede diafragma e de injeções químicas através do aluvião (atravessando a barragem próximo à crista). Ao final, considerada a escassez de recursos, optou-se por implantar um filtro invertido a jusante. Esta solução aumenta a estabilidade hidráulica no pé de

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jusante mas, evidentemente, não resolve o problema de vazões excessivas. As vazões que passam pela fundação, no entanto, são menores do que aquelas necessárias a jusante. (c) O desastre de Teton O desastre da barragem de Teton, por entubamento no primeiro enchimento em 5 de junho de 1976, foi um dos mais traumáticos da engenharia de barragens. O projeto e a construção tiveram a supervisão do Bureau of Reclamation, um dos órgãos com maior experiência em barragens. O número de vidas humanas perdidas, onze em vez de milhares, foi reduzido devido tanto ao alarme providencial dado pelo proprietário como pelo fato, feliz nas circunstâncias, dos sinais claros da iminência do desastre terem se manifestado à luz do dia. A barragem de Teton (US Gov Print Office, 1976; Penman, 1977; Sowers, 1977), construída em um vale do tipo cânion do rio mesmo nome, em Idaho, EUA, tinha 92 metros de altura e um comprimento pela crista de 810 metros. Um resumo dos elementos necessários à compreensão da obra e do desastre está apresentado na figura 4.16. A rocha dominante no local é um riolito, descrito como cinza vulcânica cimentada contendo camadas irregulares de escória vulcânica. Este material aflora nas paredes do vale. Um derrame basaltico ocorre no fundo do vale, no lado esquerdo, sobreposto a um aluvião antigo relativamente delgado. A camada superior em todo o fundo do vale é um aluvião recente cuja espessura chega aos 30 metros o qual contém areia e cascalho exceto na base onde aparecem siltes e argilas. Em profundidade, abaixo do riolito, encontra-se depósitos fluviais e lacustres do plioceno. No alto do plateau ocorre um capeamento de silte eólico. O riolito é leve porém cimentado, apresentando a dureza e a textura de um arenito. A porosidade é irregular por causa de diferentes feições vulcânicas localizadas como veios de escória, nódulos de lava, etc. mas, no conjunto, é alta. Cavernas subterrâneas foram observadas. Em um furo, a noroeste da ombreira direita, uma peça de sondagem (um baldinho) foi perdida em uma cavidade e o furo teve que ser abandonado e repetido ao lado. O segundo furo também atingiu a caverna e a peça perdida no primeiro foi recuperada. O fraturamento é intenso com sistemas subverticais e subhorizontais, tanto montante-jusante como perpendicularmente ao rio. Observaram algumas fraturas abertas com grandes dimensões. Em um caso, durante a escavação de trincheira à direita do vertedouro, duas destas fraturas abertas foram observadas distantes de 25 metros. Em uma delas um homem podia penetrar 30 metros para montante, para jusante e abaixo da base da trincheira. A outra, embora igualmente extensa, não era larga o suficiente pra que um homem entrasse. O sítio apresenta um nível d'água regional profundo, por volta da cota 1500, cerca de 54 metros abaixo do nível do rio. Isto quer dizer que o rio cede água para o aluvião. Existem níveis d'água empoleirados no riolito que não parecem ter relação com o nível d'água profundo.

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O maciço de terra foi concebido com de 5 materiais diferentes, ver seções na figura 4.16. O material 1 era um núcleo de solo siltoso oriundo dos depósitos de capeamento do plateau. Este material foi compactado, em camadas com 15cm de espessura, até 98% de grau de compactação (segundo o padrão do Bureau que é semelhante ao Proctor Normal) e com umidade 0,5 a 1,5% abaixo da ótima, utilizando 12 passadas de rolo pé de carneiro pesando 6 t/m. O material 2 é um cascalho arenoso obtido do aluvião do rio a jusante da barragem e, embora não processado ou submetido a outros cuidados especiais, destinava-se a atuar como transição filtrante. O material 3 é uma transição contendo silte e cascalho do rio. O material 4 corresponde à ensecadeira incorporada de montante. O material 5 é um capeamento de pedra utilizado nos taludes de montante e jusante. Na fundação sob a barragem, atravessando tanto o aluvião como o material vulcânico, foi implantada uma trincheira de vedação como cerca de 20 metros de profundidade e cerca de 24 metros na base a qual, atravessando as fraturas mais aberta e as zonas mais permeáveis expostas nas ombreiras, se apoiava na rocha sã. A rocha sob a trincheira, por sua vez, foi injetada com três linhas de furos distantes 3 metros uma da outra, até profundidades da ordem de 70 a 90 metros. Um capeamento contínuo de concreto foi implantado em uma cava, com 1 metro de largura e 1 metro de profundidade, unindo os furos de injeção da linha central a qual foi injetada com mais intensidade do que as duas linhas laterais. Ao todo foram 35500 metros de furos nos quais se injetaram 214.000 metros cúbicos de calda de cimento, areia e bentonita. As fraturas abertas foram preenchidas com concreto. A obra ficou pronta em novembro de 1975. O projeto previa o enchimento com uma velocidade de 0,3 metros por dia e esta foi a taxa que ocorreu até março de 1976. Entre março e maio de 1976, devido a um afluxo de água superior ao previsto, o nível do lago subiu com velocidade entre 0,3 e 0,6 metros por dia. Uma extrapolação das taxas de enchimento observadas indicou que o reservatório poderia ser preenchido até junho de 1976 e, portanto, já irrigar no verão daquele ano, antecipando o prazo previsto. Os projetistas permitiram a drástica subida do nível do lago e entre maio e 5 de junho o reservatório cresceu até 1 metro por dia. Em 5 de junho (o dia do desastre) o reservatório atingiu a cota 1616, um pouco abaixo do nível normal de operação. A seqüência de eventos observados que culminou no desastre teve início no dia 2 de junho e está resumida na figura 4.16. Neste dia duas pequenas surgências, situadas a 200 e a 300 metros a jusante do aterro, foram observadas na ombreira direita (ponto 1 na figura). A vazão era de 180 e 270 litros por minuto. Em 4 de junho uma terceira surgência, com vazão de 120 litros por minuto, apareceu a 45 metros a jusante (ponto 2 da figura). As três surgências apresentavam água limpa que parecia sair de pequenas fraturas na rocha. No dia 5 de junho (dia do desastre) às 8 horas da manhã foi constatada uma grande surgência de água barrenta com vazão de 42.000 litros por minuto (0,7m3/Seg) logo acima do pé de jusante da barragem (ponto 3 na figura). Às 9:30 a face da barragem se apresentou encharcada próximo à ombreira direita e água fluía de um pequeno furo na barragem situado a 5 metros da ombreira e a 40 metros abaixo da crista (pontos 4 e 5 na figura). A vazão surgente passou então a crescer a

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olhos vistos e começou-se a observar erosão de porções da face do talude junto à ombreira (local 6 na figura). Às 11 horas apareceu um vórtice no lago a 5 metros da face de montante e a 40 metros da ombreira direita (ponto 7 n figura). Tentativas de encher a cavidade empurrando material resultaram na perda de duas máquinas cujos operadores, por sorte, conseguiram escapar. Às 11:57 a erosão progredira talude acima até que o maciço foi brechado. A água fluiu por um buraco com diâmetro de 10 a 15 metros mantendo-se a crista em posição por algum tempo. Poucos minutos depois a crista desabou para dentro da cavidade e a brecha começou a ampliar-se rapidamente. Oito horas depois do brechamento o reservatório estava vazio tendo descarregado 300 milhões de metros cúbicos de água. Três milhões de metros cúbicos de aterro foram destruídos. Um alarme inicial foi dado pelas autoridades às 10:45 horas. A evacuação de pessoas da planície até 15km a jusante começou às 11:30. Às 13:30 a evacuação tinha terminado. A enchente se moveu com uma velocidade inicial de 30 km/hora (cerca de 8,5 m/s) com o nível d'água a jusante da barragem subindo 30 metros. Quando a onda de cheia atingiu a beira da planície, 10 km a jusante, sua velocidade era de 10 km/hora (cerca de 2,5 m/s) e sua profundidade de 2 a 3 metros. Onze pessoas morreram e 2500 ficaram feridas. Foram destruídas 761 casas, 3.550 edificações de fazendas e 40.000 acres de terra cultivada. Foram perdidos 13.700 animais, na maioria gado vacum. O prejuízo material ultrapassou 1 bilhão de dólares. Em suma, o desastre se deveu a entubamento do material do aterro. Duas rotas de percolação foram consideradas como prováveis: (a) fluxo por juntas abertas pré-existentes na fundação e, (b) trincamento do núcleo ou da trincheira na ombreira direita. A falta de controle granulométrico do cascalho arenoso a jusante do núcleo pode ter permitido o entubamento do silte para seu interior. (e) Laguna A barragem de Laguna (Marsal & Pohlenz, 1975) pertence ao complexo hidrelétrico de Necaxa no México. Desde a sua entrada em operação, em 1908, se observaram surgências em vários pontos a jusante. Não há registro quantitativo das vazões até 1927, quando o fluxo a jusante aumentou e elas passaram a ser observadas. A barragem rompeu por entubamento em 31 de outubro de 1969, ou seja 61 anos depois da entrada em operação e com 44 anos de observações de vazão a jusante. Na figura 4.17 está apresentada uma planta, mostrando o trecho da ombreira esquerda onde ocorreu o brechamento e a posição dos medidores de vazão a jusante (aforador 1 e 2, dos lados direito e esquerdo, respectivamente). A figura apresenta ainda uma seção geológica longitudinal, que indica que o trecho rompido se apoiava em basalto alterado, uma seção transversal da barragem e as observações de vazão, chuvas e nível do reservatório entre 1927 e 1969. As vazões totais medidas a jusante se mantiveram semelhantes às registradas em anos anteriores até agosto de 1969. Em setembro a vazão total cresceu para 37 l/seg. Este valor não causou alarme pois em 1942 fora registrada uma vazão de 78 l/seg sem

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problemas. Porém, se analisar separadamente os medidores (ver figura), se observa que o medidor 2, que mede as vazões do lado esquerdo (que veio a romper), teve um aumento considerável no mês de outubro, muito acima de seus maiores valores históricos. O hábito de analisar as vazões somadas dos dois medidores, estabelecido na obra ao longo dos anos, (aliado ao fato da chuva influenciar os valores medidos de vazão), impediram que este crescimento anormal de vazão fosse percebido. Na manhã de 31 de outubro observou-se uma vazão de 75 l/seg (4500 l/min). Às 18 horas observou-se um tubo na fundação cuja vazão e dimensão cresceram rapidamente, erodindo o talude de jusante da barragem. Às 22 horas e 45 minutos o muro de alvenaria e concreto, situado no centro do aterro, ficou descoberto e poucos minutos depois o dique foi brechado. (f) João Penido O caso da barragem de João Penido em Juiz de Fora, MG, que não sofreu acidente grave ou desastre, merece menção devido a longa série de tentativas que se fez para controlar as surgências a jusante. Os elementos geométricos estão mostrados na figura 4.18. A barragem foi construída em 1934 e, já na década de 40 registrava vazões consideráveis a jusante. Com a ruptura da barragem da Pampulha (1954), do mesmo projetista, as preocupações com relação a João Penido aumentaram. Em 1956 foi implantada, a montante, uma cortina de estacas-prancha metálicas, executaram-se injeções de argila na união da cortina com as ombreiras e construiu-se um dreno de pé a jusante. Em 1959 foram executados 170 furos de injeção de calda de cimento e 200 furos de injeção de misturas de cimento e argila no corpo do maciço, nas galerias e nas ombreiras. No início da década de 70 foram executados 43 furos de injeção de cimento na ombreira esquerda. Em 1976 o filtro de pé a jusante (instalado em 1956) foi substituído. Durante esta substituição notou-se a ocorrência generalizada de concrecionamento das areias do filtro com óxidos transportados pelas águas percolantes. Finalmente, em 1981 foi implantada uma parede diafragma de concreto atravessando todo o corpo da barragem (5 metros a montante do eixo) e penetrando parcialmente nas fundações e ombreiras. Sob a cortina executaram-se furos de injeções de calda de cimento. No pé de jusante da barragem instalaram-se poços de alívio. Problemas semelhantes, com infiltrações pelas ombreiras e fundações, foram observados na barragem de Saracuruna (Ruiz et al, 1976). Nesta barragem, tal como em João Penido, foram realizadas vultuosas obras de controle da percolação e, até hoje, a barragem opera com nível inferior ao que é capaz e, é objeto de vigilância permanente por parte de sua proprietária (a Petrobras; a água desta barragem serve à Refinaria Duque de Caxias). (g) Outras Obras do Brasil Diversas obras brasileiras requereram cuidados e despesas adicionais para controle de percolação pelas fundações.

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Um caso, sem ruptura desastrosa, de percolação intensa nas fundações é o da barragem do Caldeirão, no Piauí, que sofreu entubamento com surgência de água turva através dos arenitos e folhelhos interestratificados. Pessôa (1964) relata que "o maciço da barragem não apresentava qualquer movimento proveniente do solapamento da fundação nessa região" ao passo que Miguez de Mello (1981) menciona o "aparecimento de cavidade no corpo barrante". Diversas barragens de grande porte requereram atenção e despesas adicionais devidas a percolação por ombreiras após o primeiro enchimento, como por exemplo: Ilha Solteira, Xavantes, São Simão e Curua-Una (BCOLD, 1982). Os problemas, que em alguns casos haviam sido previstos, foram contornados com a execução de reforços na drenagem a jusante tais como poços de alívio e tapetes drenantes. Na barragem de Euclides da cunha (que, posteriormente, veio a ser destruída por galgamento) notou-se, dois meses após o primeiro enchimento, uma surgência d'água com vazão da ordem de 12 l/min em um ponto do talude de jusante cerca de 35 metros abaixo da crista e a cerca de 10 metros da ombreira. O fluxo foi atribuído à percolação pela ombreira com a água escapando por fissuras no maciço. Há ainda outros casos de barragens nas quais se registraram problemas de percolação em ombreiras, como, por exemplo, Paranoá em Brasília (infiltrações na ombreira, Gaioto, 1981). Em ensecadeiras, por conta, principalmente, do prazo curto de exposição, costuma-se correr riscos (em geral previstos ou “calculados”) maiores do que nos maciços definitivos. Por consequência, não é rara a ocorrência de problemas de percolação em ensecadeiras. Infelizmente, poucas dessas experiências são acompanhadas em detalhe (por óbvias razões de prioridades da obra) e menos ainda são divulgadas (com algumas exceções tão honrosas como interessantes, ver Eletronorte, 1987). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRON, R.A. (1946), "Discussão Artigo de Bennett, P.T.: The Effect of Blankets on Seepage Throug Peervious Fondations", Transactions ASCE, vol. III, Paper no 2270. BCOLD (1982), " Main Brazilian Dams", Comitê Brasileiro de Grandes Barragens; BLIGHT, W.G. (1910), " Practical Design of Irrigation Works", 2a Edição. CASAGRANDE, A. (1934), "Discussão Artigo de Lane, E.W.: Security from Under-seepage Masonry Dams on Earth Foudations", Transactiosn ASCE, Paper no 1919. CASAGRANDE, A. (1950), "Notes on the design of earth dams", Journal Boston society of Civil Engineers, vol XXXVII, número 4; CEDREGREN, H.R. (1967), "Seepage, Drainage, and Flow Nets", J. Willey &Sons, Inc. ELETRONORTE (1987), "UHE Tucuruí, Projeto de Engenharia das Obras Civis Consolidação da Experiência", Consórcio Engevix-Themag, Brasília. GAIOTTO, N. (1981), Barragem de Paranoá, Brasília; HARR, M.E. (1962), " Groundwater and Seepage", Mcgraw-Hill Book Company.

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