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AVALIAÇÃO E MANEJO DA BAIXA ESTATURA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

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Page 1: AVALIAÇÃO E MANEJO DA BAIXA ESTATURA EM … em mente que uma criança com baixa estatura pode ser normal constitui a chave para um manejo adequado de cada caso

AVALIAÇÃO E MANEJO DA BAIXA ESTATURA

EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 3

AVALIAÇÃO DO CRESCIMENTO SOMÁTICO ....................................................................................................... 3

ANÁLISE DA PROGRESSÃO DO CRESCIMENTO .................................................................................................. 8

COMPONENTES DO CRESCIMENTO NORMAL ................................................................................................... 9

CONCEITO DE BAIXA ESTATURA ...................................................................................................................... 10

VARIANTES DA NORMALIDADE DE CRESCIMENTO - A BAIXA ESTATURA FAMILIAR (BEF) E O RETARDO

CONSTITUCIONAL DO CRESCIMENTO E MATURAÇÃO (RCCM) ....................................................................... 10

CRESCIMENTO INTRAUTERINO RESTRITO (CIUR) ............................................................................................ 11

CAUSAS PATOLÓGICAS DE BAIXA ESTATURA .................................................................................................. 12

MEDICAMENTOS QUE INTERFEREM NO CRESCIMENTO ................................................................................. 18

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DE BAIXA ESTATURA ..................................................................................... 18

CONCLUSÕES ................................................................................................................................................... 19

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INTRODUÇÃO

A progressão pré e pós-natal do crescimento constitui o melhor marcador do estado de saúde de uma

criança. Anormalidades diversas que interferem no funcionamento do organismo são refletidas no ritmo para

menos ou para mais do crescimento.

Ao lado disso, existe uma pressão social para a estatura mais elevada, condicionada ao conceito de que o

sucesso profissional está vinculado a individuos mais altos. Esse fato é mais relevante em crianças do sexo

masculino, gerando ansiedade nos pais para que seus filhos atinjam maior estatura que a condicionada pelo

padrão familiar.

Apesar de a baixa estatura ser uma queixa comum nos consultórios de pediatria e, principalmente, na

endocrinologia pediátrica, apenas a minoria das crianças pequenas (definidas como aquelas com estatura

inferior a -2 DP da média para idade e sexo) apresenta alguma patologia associada.

Ter em mente que uma criança com baixa estatura pode ser normal constitui a chave para um manejo

adequado de cada caso. Quando existe uma causa patológica para a baixa estatura, é quase sempre

observado algum sinal ou sintoma na história clínica ou no exame físico sugestivo de uma determinada

doença. Fatores tais como acometimento do estado geral, manifestações dismórficas, menor velocidade de

crescimento, baixa estatura com peso normal ou aumentado são chaves para a investigação de uma causa

patológica para a baixa estatura.

Este texto tratará dos aspectos a serem observados na história clínica e na avaliação física das crianças e dos

adolescentes em investigação de baixa estatura. Um modelo de investigação será proposto, abrangendo

sinais clínicos, laboratoriais e radiológicos de forma a direcionar racionalmente o diagnóstico. Um caso clínico

real ilustrará o modelo proposto.

AVALIAÇÃO DO CRESCIMENTO SOMÁTICO

Anamnese

A investigação inicial da criança com baixa estatura se inicia no período pré-natal. Devem-se avaliar as

condições maternas, clínicas e ambientais, assim como os sinais de restrição ao crescimento intrauterino

fetal. Exames ultrassonográficos com evidências de desaceleração do crescimento fetal podem fornecer

valiosas informações para a compreensão dos fenômenos epigenéticos que influenciarão não só o

crescimento pós-natal, mas os vários fenômenos metabólicos e hormonais. Os dados do nascimento, como

idade gestacional, peso, comprimento, perímetro cefálico e as condições perinatais do recém-nascido devem

ser pesquisados.

Deve-se investigar se há suspeita de desaceleração do crescimento e em que época aconteceu. Nos primeiros

três anos de vida, é muito comum as crianças crescerem em ritmos variados, muitas delas cruzando os canais

de crescimento do gráfico. Além da maior dificuldade de se conseguirem medidas precisas nessa fase da vida,

as mudanças do estado nutricional dos lactentes podem interferir diretamente no seu ritmo de crescimento.

De qualquer forma, nos primeiros anos de vida, as crianças passam a assumir um padrão de crescimento

compatível com a história familiar. Por exemplo, se há casos familiares de retardo constitucional do

crescimento e da maturação (RCCM), há a possibilidade de o mesmo fenômeno acontecer na criança em

avaliação, o que (atraso da maturação esquelética e desaceleração momentânea do crescimento) ocorrerá

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nos primeiros anos de vida. Também aquelas crianças cujos pais são baixos assumem um ritmo de

crescimento direcionado para os canais de percentil compatíveis com a família.

Na fase pré-escolar e escolar, em geral as crianças crescem paralelamente às curvas de referência. Os obesos,

por sua vez, tendem a atingir percentis de estatura maiores que a previsão familiar. No entanto, apesar de

estarem mais altos que seus pares por muitos anos, a estatura final será próxima do previsto inicialmente

(apenas a alcançam mais cedo que a média). A criança com excesso de peso que não cresce bem deve ser

avaliada, sob suspeita de endocrinopatia.

As doenças endócrinas, por sua vez, como a deficiência de hormônio de crescimento, têm a característica

fundamental de desaceleração do crescimento como base da sua suspeita. Destacam-se, ainda, como

possíveis diagnósticos de baixa estatura, as doenças genéticas, dentre as quais a síndrome de Turner, cujos

estigmas nem sempre são observados clinicamente.

As causas mais comuns de alterações do crescimento na infância, excetuando-se as variantes da

normalidade, são as doenças crônicas (geralmente com impacto maior sobre o peso que a estatura).

Portanto, a anamnese deve ser criteriosa e envolver todos os órgãos e sistemas. (TAB.1)[1]

TABELA 1- História clínica e revisão dos sistemas em crianças com crescimento estatural prejudicado*

História Perguntas Interpretação

História pregressa

Doenças, hospitalizações ou

cirurgias?

Gestação: intercorrências? Usou álcool, cigarro? Mãe teve diabetes gestacional? Foi PIG#?GIG∞? AIG⌂?

Podem sugerir doenças crônicas

que seriam responsáveis pela baixa estatura. Ex.: história de pneumonias, cirurgias íleo meconial sugerindo fibrose cística, doença celíaca, fatores pré-natais que podem levar ao

CIUR♣.

História familiar

Qual estatura dos pais? Tiveram maturação atrasada? Têm

história familiar de baixa estatura ou de doenças que podem afetar o crescimento?

Informa o potencial genético de crescimento, a estatura alvo da

criança. Pode levar ao diagnóstico de baixa estatura familiar ou ACCM.▲ Pode sugerir

uma causa genética de baixa estatura.

História social

Qual alimentação é fornecida? A renda familiar é compatível com oferta adequada de nutrientes? Como é a estrutura familiar? Como é o ambiente da criança? Como são o desenvolvimento

neuropsicomotor e o

desempenho escolar?

Desnutrição primária como possível causa da baixa estatura. Pode evidenciar fatores que poderiam levar ao nanismo privacional.

Revisão dos sistemas

Perguntas dirigidas para investigação de anormalidades em cada sistema.

Identificação de doenças crônicas ainda não diagnosticadas que poderiam já

estar afetando o crescimento. Por ex.: fibrose cística, doença celíaca.

*Modificado de Rogol A D. & and Hayden GF. Etiologies and Early Diagnosis of Short Stature and Growth Failure in

Children and Adolescents. J Pediatr ; 2014;164:S1-S14.

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,#PIG=Pequeno para idade gestacional; ∞ GIG= Grande para idade gestacional; ⌂AIG= Apropriado para idade

gestacional; ♣ CIUR= Crescimento intrauterino restrito; ▲ACCM= Atraso constitucional do crescimento e maturação.

Exame físico

O exame físico deve seguir o roteiro geral de avaliação pediátrica. Inicia-se pelas medidas antropométricas

(peso, estatura/comprimento, perímetro cefálico, envergadura, segmento superior e inferior, pressão

arterial), utilizando-se instrumentos confiáveis e precisos: balança, estadiômetro de parede, fita métrica,

orquidômetro de Prader (FIG. 1).

FIGURA 1 – Orquidômetro de Prader Fonte: Prader, A. Testicular size: Assessment and Clinical Importance. Triangle,1966; 7:240.

Avaliar criteriosamente possíveis dismorfismos, alterações de linha média, oculares, presença de bócio.

Avaliar os sistemas respiratório, cardiovascular, digestório, locomotor e neurológico.

Avaliar sempre as características puberais, utilizando-se os critérios de Tanner (FIG.2 e 3). Para tal, o

orquidômetro de Prader é essencial no sexo masculino – o testículo maior ou igual a 4 mL já caracteriza início

da puberdade (Tanner G2).[2] O atraso puberal é considerado ausência de caracteres sexuais secundários aos

13 anos no sexo feminino e aos 14 anos no sexo masculino.

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FIGURA 2 - Estágios de maturação sexual masculina – genitais e pelos pubianos.

Fonte: J Pediatr (Rio J) 2001;77(Supl.2):s135-s42

G1-Genitália pré-puberal ou infantil; G2- Aparece um afinamento e hipervascularização da bolsa escrotal e

aumento do volume testicular sem aumento do tamanho do pênis; G3- Ocorre aumento da bolsa escrotal e

do volume testicular, com aumento do comprimento do pênis; G4-Maior aumento e hiperpigmentação da

bolsa escrotal, maior volume testicular com aumento do pênis em comprimento e diâmetro e

desenvolvimento da glande; G5-Genitália adulta em tamanho e forma e volume testicular; P1-Pelugem pré-

puberal ou infantil, nenhum pelo pubiano; P2 -Ocorre o início do crescimento de alguns pelos finos, longos,

escuros e lisos na linha medial ou na base do pênis; P3-Aparecimento de maior quantidade de pelos, mais

escuros e mais espessos, e discretamente encaracolados, com distribuição em toda a região pubiana; P4-

Pelos escuros, espessos, encaracolados, do tipo adulto, mas ainda em menor quantidade na sua distribuição

na região pubiana; P5-Pelos do tipo adulto, em maior quantidade, cobrindo toda a região pubiana e

estendendo-se até a superfície interna das coxas.

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FIGURA 3 - Estágios de maturação sexual feminina–mamas e pelos pubianos Fonte: J Pediatr (Rio J) 2001; 77 (Supl.2): S135-s42

M1-Mama infantil, com elevação somente da papila; M2- Broto mamário com aumento inicial da glândula

mamária, com elevação da aréola e papila, formando uma pequena saliência. Aumenta o diâmetro da aréola,

com modificação de sua textura; M3-Maior aumento da mama e da aréola, mas sem separação dos

contornos: M4-Maior crescimento das mamas e da aréola, sendo que esta agora forma uma segunda

saliência acima do contorno da mama; M5-Mamas com aspecto adulto. O contorno aerolar é novamente

incorporado ao contorno da mama. P1-Ausência de pelos pubianos. Pode haver uma leve penugem

semelhante à observada na parede abdominal; P2-Aparecimento de pelos longos e finos, levemente

pigmentados, lisos ou pouco encaracolados, principalmente na base do pênis ou ao longo dos grandes lábios;

P3-Maior quantidade de pelos, agora mais grossos, escuros e encaracolados, espalhando-se esparsamente

pela sínfise púbica; P4-Pelos do tipo adulto, cobrindo mais densamente a região púbica, mas ainda sem

atingir a face interna das coxas; P5-Pilosidade pubiana igual à do adulto, em quantidade e distribuição,

invadindo a face interna das coxas.

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ANÁLISE DA PROGRESSÃO DO CRESCIMENTO

É importante ter em mente que não se faz diagnóstico de problema de crescimento em uma única consulta.

A utilização das curvas de crescimento, amplamente disponíveis, é essencial para se avaliar a progressão do

peso e da estatura/comprimento. O preenchimento deve ser realizado de forma detalhista. A curva de

velocidade de crescimento deve ser valorizada, já que a persistência de baixa velocidade de crescimento é

indicativa de patologia e deve ser investigada. O que aponta para o problema de crescimento é a velocidade

de crescimento (FIG. 4). Velocidade significa espaço dividido pelo tempo (ganho de altura em cm/ano). Em

crescimento, isso se traduz em altura ganha em determinado intervalo de tempo. Idealmente, as medidas

devem ter intervalo mínimo de 6-12 meses, e o ponto no gráfico deve ser marcado na idade média do

intervalo analisado. A criança cresce em média 25 cm no primeiro ano, sendo 15 cm no primeiro semestre e

10 cm no segundo. Já no segundo ano inteiro, a criança cresce 10 cm, e, a partir dos dois anos de idade,

cresce entre 5 e 7 cm por ano até o início da puberdade, quando a velocidade de crescimento torna a

aumentar, atingindo um pico médio de velocidade de 9 cm/ano para a menina e 10 cm/ano para o menino.

Como o ganho em estatura é pequeno, medidas tomadas em curto prazo podem ser mascaradas pelo erro

do medidor (quando realizadas por períodos muito curtos). Assim, recomenda-se que medidas de estatura

sejam feitas com, pelo menos, três meses de intervalo. Para uma avaliação mais precisa, seria interessante

usar os gráficos da Organização Mundial de Saúde (OMS).[3-5] É importante ter em mente que nem sempre a

velocidade é ascendente. Nos dois primeiros anos de vida, ela é descendente, depois ela fica estável; em

alguns casos, fica descendente novamente próxima ao estirão da puberdade, ascendente na primeira parte

da puberdade e descendente na segunda parte, até atingir velocidade zero na idade adulta.[6]

FIGURA 4. Gráficos de velocidade de crescimento (meninos e meninas), com destaque para os percentis 3, 50 e 97. Fonte: Tanner J. M. and Whitehouse R. H. Arch Dis Child 1976; 51: 170.

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Ao nascimento, classificar a criança quanto ao peso e ao comprimento para a idade gestacional, utilizando-

se curvas padronizadas (FIG. 5).

FIGURA 5. Curvas de peso e comprimento fetais para a idade gestacional, de acordo com o sexo. Fonte: (Freeman JV. Arch Dis Child 1995; 73:17)

COMPONENTES DO CRESCIMENTO NORMAL

O fator de crescimento insulina-símile tipo 1 (IGF-1 – insulin-like growth fator 1) – denominação mais antiga

Somatomedina – é o principal mediador periférico da atividade do hormônio de crescimento (GH). Além do

IGF-1, o GH mede a secreção de IGF-2. A ação do GH secretado pela hipófise no crescimento se dá via IGF-1

na placa de crescimento dos ossos e na cartilagem, aumentando a síntese proteica, o tamanho e o número

de células para promover o crescimento linear. Atua também nos demais órgãos e tecidos, promovendo

aumento do seu tamanho e da sua função. A secreção de IGF-1 ocorre principalmente no fígado (a fração

dosada no sangue periférico), mas a secreção parácrina é substancial. A síntese de IGF-1 é também

estimulada pelos hormônios tireoidianos, esteroides sexuais, insulina e influenciada pelo estado nutricional,

dentre outros fatores. Os IGFs são carreados no sangue periférico em associação comum à família de seis

proteínas transportadoras (IGFbinding proteins, IGFBP-1, -2, -3, -4, -5 e -6). Cada uma dessas proteínas

transportadoras apresenta reguladores distintos que envolvem GH, insulina, cortisol, citocinas, nutrição, os

próprios IGFs, PTH, etc. A interação do eixo GH-IGF, com outros eixos e sistemas do organismo, faz com que

modificações do crescimento sejam manifestações precoces de diversas doenças em indivíduos que ainda

não completaram a maturação óssea. [7] Na avaliação laboratorial da baixa estatura, são utilizadas as

dosagens de IGF1 e IGFPB-3 séricas, as quais são consideradas de boa sensibilidade para o diagnóstico de

deficiência de GH.[8] Concentrações séricas dessas proteínas são utilizadas para prever a resposta ao

tratamento de GH. [9]

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CONCEITO DE BAIXA ESTATURA

A criança tem baixa estatura quando sua altura se encontra abaixo de -2 DP da média, ou seja, no abaixo do

percentil 2 para idade e sexo.[10] Idealmente, deve-se comparar a criança à população de mesma etnia e

características demográficas. Considera-se ainda a estatura dos pais (idealmente medidos), já que a

probabilidade de haver patologia em uma criança cujos pais são baixos (mas normais) é diferente de quando

uma criança de mesma altura é filha de pais altos. O cálculo da estatura-alvo está detalhado a seguir.

Como o crescimento humano é um processo dinâmico, não somente a avaliação transversal da estatura deve

ser valorizada, mas o acompanhamento longitudinal em todas as suas fases, com suas conhecidas variações.

Portanto, devem-se sempre valorizar as variações da velocidade de crescimento, com base em referências

publicadas.

VARIANTES DA NORMALIDADE DE CRESCIMENTO - A BAIXA ESTATURA FAMILIAR (BEF) E O RETARDO CONSTITUCIONAL DO CRESCIMENTO E MATURAÇÃO (RCCM)

A maioria de crianças que apresenta baixa estatura deve-se a duas variantes normais do crescimento: a baixa

estatura familiar (BEF) e o retardo constitucional do crescimento e da maturação. As crianças e os

adolescentes são proporcionados e não existem evidências de anormalidades que comprometem o

crescimento. É essencial fazer o reconhecimento dessas condições, para o manejo adequado dos pacientes

e orientações aos familiares, pelo pediatra, dispensando investigações amplas e o encaminhamento ao

especialista.

Na tabela 2, são listados os aspectos que distinguem essas condições. As medidas das estaturas e o padrão

de maturação dos pais são fundamentais para a avaliação da estatura-alvo e a previsão de início da

puberdade dos pacientes. Embora a estatura final, condicionada pela estimativa de estatura-alvo, seja uma

variável semelhante nas duas condições, no RCCM, pela maturação lenta, ela será alcançada mais

tardiamente, mas sempre mantendo o potencial genético de crescimento. Em geral, as crianças com RCCM

apresentam comprimento normal ao nascer. Até os 3-5 anos, é observada uma desaceleração da velocidade

de crescimento, com a manutenção de uma velocidade uniforme até a puberdade. Nessa fase, ocorre

novamente outra queda na curva de crescimento e, em seguida, o estirão puberal tardio. Já nas crianças e

nos adolescentes com BEF, o estirão de crescimento ocorre no mesmo tempo esperado dos seus pares. O

tratamento dessas crianças e desses adolescentes consiste no seguimento clínico. Em alguns casos, o suporte

psicológico é importante e deve ter ênfase na normalidade da condição. Em geral, portanto, não há indicação

de nenhum tratamento medicamentoso.[1]

Estatura-alvo = média da estatura dos pais + 6,5 (meninos) ou -6,5 (meninas)

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TABELA 2- Aspectos diferenciais entre a Baixa Estatura Familiar (BEF) e o Retardo Constitucional do Crescimento e Maturação (RCCM)*

BEF RCCM

Características clínicas do

crescimento

Criança com altura abaixodo percentil 3 ou abaixodo -2,5DP.

Velocidade de crescimentoestatural normal.

IO compatível com aidade cronológica

Idade puberal compatívelcom os pares.

Pais com baixa estatura,usualmente abaixo dopercentil 10.

Estimativa da estatura

alvo baseada na estaturados pais.

Características clínicas do

crescimento

Comprimento normal ao nascer Velocidade de crescimento

diminuída nos primeiros 3-5 anosde vida.

Idade estatural em concordânciacom a idade óssea e ambasabaixo da idade cronológica.

Estado de saúde adequada,proporções corporais adequadas.

Velocidade de crescimentonormal com alguma,desaceleração antes do estirãopuberal.

Puberdade atrasada em relaçãoaos seus pares, mas com

progressão normal. Crescimentonormal durante a puberdade.

Historia familiar de maturaçãolenta.

Familiares baixos ou altos.

Imagens e outros exames laboratoriais

Avaliação da idade óssea. Investigação de doenças

sistêmicas crônicas, paraafastar causas patológicasde baixa estatura.

Se a avaliação laboratorialde GH e IGF1 forrealizada, não mostraalteração.

Imagens e outros exames laboratoriais

Avaliação da idade óssea Investigação de doenças

sistêmicas crônicas, para afastarcausas patológicas de baixaestatura.

Se a avaliação laboratorial de GHe IGF1 for realizada, não mostraalteração.

Em alguns casos pode serrealizada a avaliação dehormônios sexuais naadolescência.

Abordagem terapêutica

Não está indicado nenhumtratamentomedicamentoso.

Monitorização docrescimento, utilizandocurvas padronizadas.

Educação eaconselhamento dopaciente e seus familiares.

Abordagem terapêutica

Não está indicado nenhumtratamento medicamentoso

Monitorização do crescimento,utilizando curvas padronizadas.

Educação e aconselhamento dopaciente e seus familiares.

Em alguns casos pode sernecessário um curso curto detestosterona no menino ouestrógeno na menina.

*Modificado de Rogol A D. & and Hayden GF

CRESCIMENTO INTRAUTERINO RESTRITO (CIUR)

É definido quando o peso fetal está abaixo do percentil 10 para a idade gestacional, quando determinado

pela ultrassonografia, tendo como consequência um feto ou recém-nascido pequeno para idade gestacional

(PIG). A diminuição do crescimento pode ser decorrente de causas ambientais, maternas e/ou fetais (TAB.

3). Apesar de o termo CIUR ser frequentemente utilizado como o PIG, é consenso que o primeiro deve ser

utilizado apenas quando se estabelece uma causa básica que prejudica o crescimento pré-natal. Recém-

nascidos que apresentam ao nascer peso e/ou comprimento inferiores a -2DP para idade gestacional e sexo

são considerados PIG (FIG. 5).

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TABELA 3-CAUSAS DE CRESCIMENTO INTRAUTERINO RESTRITO

Anormalidades intrínsecas

do feto

Anormalidades cromossômicas;

Síndromes genéticas associadas à baixa estatura:

Russell-Silver syndrome;

Seckel ;Noonan; Progéria; Cockayne; Bloom; Prader-Willi; Rubinstein-Taybi.

Infecções congênitas;

anomalias congênitas;

anormalidades primárias do eixo GH/IGF1

Anormalidades placentárias

Implantação anormal de placenta;

insuficiência placentária vascular;

infarto placentário.

Anormalidades materna

Má nutrição;

contração do crescimento uterino;

hipertensão;

toxemia;

diabetes mellitus grave;

malformação uterina;

ingestão de drogas,

tabagismo;

álcool e narcóticos.

A maioria das crianças classificadas como PIG apresenta recuperação de crescimento (catch-up growth), que

geralmente ocorre em torno de 2 anos de idade, podendo ser mais tardio, especialmente nos prematuros.

Entretanto cerca de 10-15% não efetuarão o crescimento de recuperação, persistindo com baixa estatura.

Nesse grupo de crianças, os estudos têm demonstrado resultados satisfatórios no crescimento estatural pelo

tratamento com GH com doses suprafisiológicas.[1, 7, 11]

CAUSAS PATOLÓGICAS DE BAIXA ESTATURA

Doenças crônicas não endócrinas

Uma das manifestações das doenças crônicas sistêmicas pode ser a baixa estatura, incluindo a desnutrição

primária, a doença renal crônica, as doenças inflamatórias intestinais, as doenças do tecido conjuntivo, a

doença celíaca, a fibrose cística, as neoplasias hematológicas ou sólidas. Em alguns casos, a redução da

velocidade de crescimento pode ser a manifestação mais evidente dessas doenças. Portanto, na avaliação da

criança e do adolescente com baixa estatura, deve-se sempre fazer uma investigação laboratorial para se

afastar uma doença crônica (TAB. 4). Nessas situações, geralmente ocorre uma deficiência pôndero-

estatural, isto é, o déficit de ganho de peso vai ocorrendo em associação com a redução da velocidade de

crescimento.[7]

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TABELA 4 - Avaliação laboratorial inicial de uma criança com baixa estatura

EXAME LABORATORIAL PATOLOGIA

Hemograma completo Anemias

Dosagem sérica de cálcio, fósforo e fosfatase alcalina

Doenças do metabolismo de cálcio

Proteínas totais e frações Desnutrição

Ureia e creatinina sérica Doença renal crônica

Glicemia de jejum Diabetes Mellitus

Colesterol total e frações Dislipidemias

Gasometria venosa Doença renal crônica

Anticorpos antiendomísio (IgA, IgG), anticorpos

antitransglutaminase tecidual (IgA) com dosagem de IgA sérica

Doença celíaca

Exame parasitológico de fezes Parasitoses intestinais

Urina rotina Infecção urinária, diabetes insípidos

Teste do suor Fibrose cística

Na desnutrição, a inadequada ingestão calórica e/ou proteica é a causa da deficiência de crescimento. Nessa

condição, o prejuízo no crescimento é caracterizado pela secreção de GH basal e/ou pós-estímulo elevado e

baixas concentrações de IGF-1, uma forma de resistência ao GH. É possível que a elevação de GH seja uma

resposta adaptativa, na qual a proteína é poupada pela atividade lipolítica e ação anti-insulina mediada pelo

GH. O IGF-1 diminuído seria um mecanismo usado para o uso preferencial de calorias para atividades nobres

do organismo em detrimento ao crescimento. Também a baixa ingestão calórico-proteica poderia ser

complicada por doenças crônicas, caracterizadas por baixa estatura. A anorexia é uma manifestação comum

da insuficiência renal, doença intestinal inflamatória crônica, doença cardíaca cianótica, insuficiência cardíaca

congestiva, doença do sistema nervoso central, entre outras. Algumas dessas doenças podem ser

caracterizadas por deficiências específicas de componentes nutricionais, tais como zinco, ferro e vitaminas,

necessários para um crescimento normal.

A desnutrição também pode ser voluntária, como no caso de modismos, por exemplo, modelos, bailarinas e

ginastas durante a adolescência. Os transtornos de conduta alimentar, como bulimia e anorexia nervosa,

representam privação nutricional extrema, comumente associada ao déficit de crescimento, se a alteração

ocorrer antes do fechamento das epífises. Quando ocorrem mais tardiamente, são associadas ao atraso

puberal e/ou da menarca e a uma variabilidade de anormalidades metabólicas.[1]

A doença renal crônica pode ser decorrente de várias condições, incluindo distúrbios congênitos,

glomerulares e infecções. A baixa estatura é causada por acidose, raquitismo renal, resistência ao GH,

desnutrição e anorexia. Geralmente, o déficit estatural começa a aparecer quando a taxa de filtração

glomerular cai abaixo de 50% do normal. Quando o tratamento com glicocorticoides é utilizado nesses

pacientes, é acrescentado outro fator para prejudicar o seu crescimento. O tratamento com GH pode ser

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uma opção para a recuperação do crescimento nesses casos, quando há estabilização metabólica, inclusive

nos pacientes submetidos à hemodiálise ou à diálise peritoneal.

As anormalidades que levam à má absorção intestinal resultam em inadequada absorção de calorias ou

proteínas e são associadas à deficiência de crescimento pelos mesmos fatores descritos na desnutrição

primária. Não é incomum o retardo de crescimento preceder às manifestações específicas das doenças.

Nesse grupo, destacam-se a doença celíaca e a doença intestinal inflamatória crônica (doença de Crohn,

retocolite ulcerativa), sendo essencial a investigação do diagnóstico dessas doenças em caso de baixa

estatura não explicada.

Anemias crônicas, tais como doença falciforme, são caracterizadas pelo crescimento diminuído devido à

oxigenação tecidual prejudicada, ao aumento do sistema cardiovascular, à demanda energética mais intensa

pela diminuição da hematopoiese e prejuízos na nutrição. Na talassemia, além das causas da anemia crônica,

o baixo crescimento principalmente no adolescente pode ser decorrente de deficiências endócrinas (síntese

diminuída de IGF-1, hipotireoidismo, insuficiência gonadal e hipogonadismo hipogonadotrófico) e da

hemossiderose resultante de transfusões crônicas. Deve-se sempre avaliar se houve pesquisa de tais doenças

no teste de triagem neonatal.

Os erros inatos do metabolismo de proteínas, carboidratos e lipídios frequentemente são acompanhados de

crescimento deficiente, que pode ser intenso. Em algumas dessas doenças, o crescimento também poderia

ser prejudicado pela associação de displasias ósseas.

A fibrose cística é o exemplo clássico de doença pulmonar crônica que acomete o crescimento, sendo esse

efeito intensificado pelo desenvolvimento de insuficiência pancreática, de diabetes mellitus, infecções

repetidas e uso de glicocorticoides. Outras doenças respiratórias que provocam hipoxemia crônica poderiam

levar ao baixo crescimento. No caso da asma, o uso frequente de glicocorticoides é um fator adicional para

o prejuízo estatural.

Parasitoses intestinais com manifestações sistêmicas poderiam interferir na nutrição e ter como

consequência a baixa estatura.[7]

Doenças endócrinas

Deficiência de GH

Quando suspeitar: 1) no neonato: hipoglicemia, icterícia prolongada, micropênis ou trauma de parto; 2)

irradiação craniana; 3) trauma de crânio ou infecção do sistema nervoso central; 4) consanguinidade ou

história familiar; 5) e anormalidades craniofaciais. Manifestações clínicas: além da baixa estatura, a

deficiência de GH leva à diminuição da massa magra e aumento relativo de gordura de predomínio central,

iniciados já em criança. Fácies característico “de boneca” ou “de querubim” e voz de timbre alto e agudo são

encontradas nas formas mais graves. Em muitos casos, a baixa estatura é o único sinal clínico. Os achados

clínicos que frequentemente indicam a investigação estão dispostos na tabela 5.

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TABELA 5- Avaliação laboratorial específicas de uma criança com baixa estatura

EXAME LABORATORIAL PATOLOGIA

IGF1∞; IGFBP3,#

Deficiência de GH

Testes de estimulo para GH♣

Após clonidina

Após insulina

Após argininaRessonância magnética de hipófise

Cariótipo (perda do cromossoma X ou defeitos relacionados)

Síndrome de Turner

Análise cromossômica (metilação de DNA e outras análises cromossômicas)

Síndrome Prader-Willi

TSH, T4 livre Hipotireoidismo

Avaliação radiológica de antebraços Deficiência do gene SHOX

∞ = Fator Insulina-like (Somatostatina); # = Globulina ligadora de IGF1; ♣ = Hormônio de Crescimento

Existem duas categorias de anormalidades principais como causas de deficiência de GH: as congênitas,

provocadas por defeitos genéticos e anatômicos e as adquiridas, que incluem os tumores suprasselares,

processos inflamatórios, infecções do sistema nervoso central, traumatismo craniano, evolução pós-

neurocirurgia, pós-irradiação craniana e privação psicossocial.

Avaliação laboratorial: como a síntese de IGF-1 é dependente do GH, a sua avaliação sérica é uma ferramenta

importante para avaliar a secreção de GH (é mais estável). Em crianças menores de 5 anos, também deve ser

dosada a IGFBP-3, considerando-se que as concentrações de IGF-1 geralmente são fisiologicamente baixas

nessa faixa etária. Para o IGF-1 e IGFBP-3, os valores de referência padronizados para idade e sexo são

mandatórios. Valores abaixo de –2 DP para o IGF-1 e/ou IGFBP-3 sugerem fortemente uma anormalidade no

eixo GH, quando excluídas outras causas de deficiência de IGF. Entretanto, valores normais não afastam

completamente o diagnóstico de deficiência de GH. Para a confirmação diagnóstica da deficiência de GH, são

padronizados os testes funcionais de estimulo do GH (são necessários dois testes positivos, exceto se houver

diagnóstico de malformação da região hipotálamo-hipofisária, e/ou pan-hipopituitarismo, quando houver

necessidade de um teste positivo apenas). O diagnóstico da deficiência de GH é de alta probabilidade se o

pico de GH após estímulo e a concentração sérica de IGF-1 forem baixos, e improvável se ambos forem

normais. Em tais casos, se forem excluídas cuidadosamente causas genéticas, doenças crônicas e

desnutrição, a baixa estatura é considerada idiopática.[12]

Apesar de toda a ênfase na propedêutica para o diagnóstico da deficiência de GH, é essencial ter em mente

que o padrão ouro para esse diagnóstico é a baixa velocidade de crescimento. Portanto, medidas seriadas do

crescimento são essenciais para se determinar o canal de crescimento da criança e para solicitar dosagem

sérica de IGF-1 e testes de estímulos para avaliação do GH, com o objetivo de se estabelecer o diagnóstico

de deficiência de GH, e, só então, indicar a reposição hormonal. O tratamento consiste na administração do

GH recombinante humano, nas doses substitutivas preconizadas.[13]

Ao se instituir o tratamento com GH, é fundamental ter segurança na sua indicação e levar em conta os raros,

mas possíveis efeitos colaterais, tais como erupção cutânea e dor no local da aplicação, febre transitória,

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ginecomastia pré-puberal, artralgia, edema, hipertensão intracraniana benigna, resistência insulínica,

progressão de escoliose e epifisiólise da cabeça do fêmur. É importante levar em conta que, em casos de

neoplasia, deve-se ter cautela na administração do hormônio pelo fato de sua ação na multiplicação

celular.[14]

Outras doenças endócrinas

O atraso de crescimento provocado pelo hipotireoidismo pode estar relacionado a múltiplas causas,

incluindo condições ambientais (deficiência de iodo), anormalidades hipofisárias congênitas, por tumores ou

traumas cranioencefálicos (hipotireoidismo central) ou pelo hipotireoidismo primário congênito ou adquirido

não tratado. Portanto, pode ocorrer na criança de qualquer idade, do recém-nascido (RN) ao adolescente,

dependendo da causa, da gravidade e da duração da deficiência hormonal. O diagnóstico do hipotireoidismo

congênito deve ser realizado pela triagem neonatal, confirmado pelos níveis elevados de TSH e baixos de T4

livre. Nas formas adquiridas, é necessário dosar os autoanticorpos antitireoidianos e, nas formas centrais,

destaca-se a importância dos exames de imagem (ressonância nuclear magnética do encéfalo) e das

dosagens dos hormônios hipofisários. O tratamento consiste na reposição do hormônio tireoidiano,

utilizando-se a levotiroxina sódica, em dose que depende da idade. Na forma congênita, o tratamento deve

ser o mais precoce possível com o objetivo de se evitar o retardo mental.

O diabetes mellitus tipo 1 afeta o crescimento e o desenvolvimento puberal de crianças por mecanismos

diversos, tais como duração da doença, idade de início, estatura ao diagnóstico e, principalmente, mau

controle metabólico.[11, 15]

No hipercortisolismo (síndrome de Cushing), a diminuição do crescimento é associada à obesidade

generalizada, com “fácies cushingoide”, manifestação característica. O diagnóstico é realizado com medidas

dos níveis circadianos do cortisol (sérico e salivar), dosagem de cortisol livre urinário (urina de 24 horas) e

teste de supressão com baixas e altas doses de dexametasona. O estudo de imagem é importante para se

identificar a causa, além de outras avaliações de comorbidades associadas. O tratamento depende da

etiologia, sendo observada recuperação do crescimento na maioria dos casos.[1, 7]

Síndromes genéticas

A síndrome de Turner (ST), caracterizada pelo fenótipo feminino com perda de um cromossoma X, tem

prevalência de 1:2500 a 1:4000 recém-nascidos femininos vivos. As anomalias associadas à síndrome são

muito variadas, e a baixa estatura pode ser a manifestação única que pode ocorrer em 95 a 100% dos casos,

geralmente mais frequente que a insuficiência ovariana ou cubitus valgus. Outros estigmas que podem ser

encontrados: pescoço alado; baixa implantação de cabelos; mandíbula pequena; nevus pigmentado múltiplo;

face característica; quarto dedo curto; palato em ogiva; edema de mãos e pés, anomalias cardíacas da

esquerda e anomalias renais.

O déficit de crescimento da ST inicia-se desde a fase pré-natal, já com discreto CIUR, evoluindo com peso e

comprimento médios ao nascer de 2800 g e 48,3cm, respectivamente. Há então progressivo declínio da

velocidade de crescimento, especialmente após 2-3 anos de idade, com uma prolongada fase de crescimento

na adolescência com parcial retorno à altura, seguido de fusão atrasada de epífises. A estatura adulta média

é de 142 a 146 cm. A deficiência de crescimento na ST é multifatorial, com o maior contribuinte a perda de

uma cópia do gene SHOX (short stature homeobox-containing gene).[7, 16]

A síndrome de Russell-Silver constitui um grupo heterogêneo de pacientes, sendo uma das causas de CIUR e

de baixa estatura pós-natal, como manifestação mais comum da síndrome. Outros estigmas constantes na

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síndrome são face pequena e triangular; hemi-hipertrofia congênita; clinodactilia, puberdade precoce, atraso

de fechamento de fontanelas; atraso de idade óssea. Ainda não está definida a causa genética ou bioquímica

da síndrome.[1]

A síndrome de Seckel é uma condição autossômica recessiva. Também é considerada causa de CIUR com

baixa estatura pós-natal grave, associada à microcefalia, nariz proeminente e micrognatia.

A síndrome de Noonan apresenta manifestações fenotípicas semelhantes às encontradas na ST (pescoço

alado, baixa implantação de cabelos posterior, cubitus valgus, ptose, malformação cardíaca (principalmente

do lado direito, diferentemente da ST). A puberdade é atrasada ou incompleta. São descritos alguns genes

implicados, o que diferencia as duas síndromes. A síndrome de Noonam pode acometer ambos os sexos. O

retardo mental ocorre em 25% a 50%. A resposta ao tratamento com GH tem sido descrita como semelhante

à da ST.[1]

Na síndrome de Prader-Willi, o atraso de crescimento pode ser evidente ao nascimento, mas geralmente é

mais pronunciado no período pós-natal. Uma manifestação muito frequente é a hipotonia. Nos primeiros

anos de vida, a criança passa a apresentar a polifagia por compulsão alimentar, evoluindo para rápido ganho

de peso e obesidade progressiva e grave. O micropênis e hipogonadismo são manifestações que persistem

na vida adulta. É observada a diminuição dos níveis séricos de GH, mas não está claro se seria a causa da

baixa estatura na síndrome ou seria o impacto da obesidade. Entretanto, tanto o hipogonadismo, quanto os

baixos níveis de GH podem refletir a disfunção hipotalâmica-hipofisária. A síndrome é decorrente de

anomalias genéticas no cromossomo 15, e os pacientes podem apresentar boa resposta ao tratamento com

GH, com melhora do tônus, da composição corporal e do crescimento.[1]

Várias outras síndromes genéticas são associadas à baixa estatura de intensidade variável (TAB. 3).

Doenças ósseas - osteocondrodisplasias

As osteocondrodisplasias são causas primárias de baixa estatura, pelo acometimento intrínseco das

cartilagens e dos ossos. Constituem um grupo heterogêneo de doenças ósseas, geneticamente transmitidas.

Mais de 100 formas foram descritas, conforme as características clínicas e radiológicas. Podem acometer os

ossos do crânio, da coluna e/ou dos membros, levando a anormalidades no comprimento e na forma dos

ossos. Existe uma classificação internacional que divide as osteocondrodisplasias em três subgrupos: 1.

acondroplasias – englobam as anormalidades que levam a defeitos nos ossos tubulares e chatos e/ou no

esqueleto axial; 2. desenvolvimento desorganizado dos componentes cartilaginosos e fibrosos do esqueleto

e 3. osteólises idiopáticas. O grupo das acondoplasias compreende as anormalidades mais comuns,

aproximadamente 1/26.000 nascimentos, são de herança autossômica dominante, mas também podem ser

transmitidos por mutações novas no gene FGFR3 (fibroblast growth facter receptor-3), no cromossomo

4p16.3. A baixa estatura é evidente após 2 anos de idade, sendo a diminuição na velocidade de crescimento

progressiva, com estatura adulta em média de 131 cm no sexo masculino e 124 cm no sexo feminino. Foram

desenvolvidas curvas específicas para esse grupo de pacientes, importantes no seguimento de seu

crescimento. Com o passar da idade, as outras manifestações características da acondroplasia começam a

surgir, tais como megacefalia, ponte nasal baixa, lordose lombar, mãos curtas e encurtamento de membros

superiores e inferiores (rizomelia).[7]

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MEDICAMENTOS QUE INTERFEREM NO CRESCIMENTO

Alguns medicamentos têm influência negativa no crescimento, intensificando o prejuízo provocado pela

própria doença para a qual a medicação foi prescrita.

Os glicocorticoides são os medicamentos que mais se enquadram nessa categoria, por ser uma classe das

drogas mais utilizadas na prática clínica para tratamento de várias doenças. Muitas vezes, o clínico não

evidencia o potente efeito negativo sobre a velocidade de crescimento na criança em uso crônico de

glicocorticoides. Há inibição do crescimento longitudinal por atuação direta na placa de crescimento, com

diminuição da proliferação dos condrócitos e inibição da transcrição do receptor de GH localmente. Assim,

há diminuição da transcrição local de IGF-1 e inibição da síntese da matriz de proteoglicanos, mostrando

interferência evidente no eixo GH/IGF-1. Os glicocorticoides aumentam o tônus somatostatinérgico, inibindo

a secreção de GH, reduzem a expressão de receptores de GH no hepatócito, provocando a redução da

produção de IGF-1, havendo, assim, uma resistência à ação do GH perifericamente. Vários estudos

demonstram a diminuição da estatura final de pacientes que fizeram uso crônico de glicocorticoides, mesmo

por via inalatória ou tópica.[17, 18]

Outros medicamentos usados na criança que interferem no crescimento são alguns anticonvulsivantes, tais

como ácido valproico, oxcarbazepina, topiramato.

Também se tem observado diminuição no crescimento em pacientes que utilizaram isotretinoina (Roacutan®)

para tratamento de acne, pela sua ação na diminuição de IGF-1 e IGFBP-3. É também citado o efeito no

crescimento pré-puberal da exposição a pesticidas organoclorados.

Nos últimos anos, com o grande aumento do uso de medicamentos para o tratamento de crianças com

diagnóstico de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), em especial o metilfenidato,

questionou-se a sua influência sobre o crescimento infantil. Geralmente, trata-se de situações clínicas

difíceis, com grande interferência no bem-estar da criança e no seu relacionamento social, com prejuízos de

seu desenvolvimento escolar. Até o momento, não há consenso sobre um possível efeito negativo no

crescimento, mas que, mesmo quando isso ocorre, não são suficientemente intensos para impedir o

tratamento. Uma cuidadosa monitorização da curva pôndero-estatural permite que o médico vigie com

segurança o tratamento prescrito e possa tomar decisões se julgar que o prejuízo estatural compromete o

bem-estar do paciente.[19]

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DE BAIXA ESTATURA

A avaliação laboratorial inicial de uma criança ou um adolescente com a queixa de baixa estatura visa à

abordagem geral da saúde, com base em parâmetros clínicos. Nessa avaliação, investigam-se os diversos

fatores que potencialmente poderiam interferir no crescimento do paciente. Conforme as patologias

identificadas, são instituídas as medidas terapêuticas direcionadas, mantendo-se o seguimento clínico do

paciente, para determinação da curva (canal) e sua velocidade de crescimento. Com esse objetivo, são de

grande importância as medidas anteriores realizadas pelo pediatra, devendo-se sempre solicitar à família

esses dados (TAB. 4).

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Idealmente, os exames devem ser solicitados apenas posteriormente à obtenção dos dados antropométricos

prévios, exceto nos casos em que já existiam sinais clínicos característicos de uma doença específica ou

estigmas de síndromes genéticas, por exemplo, os quais já direcionariam a propedêutica (TAB. 5).

A determinação da idade óssea (IO) consiste na avaliação da maturação óssea, sendo essencial para análise

do potencial de crescimento, por meio de estudo da progressão da ossificação das epífises, que ocorre em

sequência previsível em crianças normais. A maturação é avaliada nos punhos e mãos esquerdos e

comparada com padrões, para gênero e idade, publicados no atlas de Greulich and Pyle, ou analisada por um

sistema de escore, desenvolvido por Tanner and Whitehouse. O primeiro é mais fácil, porém menos sensível

que o segundo. Deve-se ter cuidado com os laudos emitidos pelos serviços, devendo ser conferidos no atlas.

A IO deve ser correlacionada com a idade cronológica (IC) e a idade estatural (IE), que significa a idade em

que 50% das crianças do mesmo sexo têm a altura do paciente. Em casos de baixa estatura familiar, a IO

geralmente é compatível com a IC, e ambas maiores que a IE. Já no atraso constitucional de crescimento e

maturação, a IO é compatível com a IE, sendo ambas menores que a IC. Em casos de puberdade precoce, a

IO está acelerada, levando ao fechamento precoce das epífises com consequente baixa estatura final.

CONCLUSÕES

O diagnóstico precoce, a referência ao especialista quando indicada e o tratamento adequado são fatores de

sucesso no prognóstico de uma criança ou um adolescente com baixa estatura.

Quanto mais afastada a estatura de uma criança ou um adolescente da média da população e do alvo de

estatura parental, mais provável será a existência de uma patologia de base. Crianças ou adolescentes com

deficiência de GH têm baixa velocidade de crescimento, peso mais elevado e não têm musculatura bem

definida. Diante de uma criança ou um adolescente com atraso pôndero-estatural, é mais provável a

presença de uma doença crônica.

Muitas vezes, o pediatra encaminha uma criança ou um adolescente com baixa estatura que não necessita

de se submeter à investigação por se tratar de uma variante da normalidade do crescimento. Uma criança

com bom estado geral, tranquila com a sua altura e dentro do alvo familiar de altura, em geral não necessita

ser investigada por especialista.

O diagnóstico diferencial de anormalidade de crescimento patológica é muito complexo em decorrência da

variedade de doenças e síndromes associadas com baixa estatura. Os pacientes com baixa estatura com

evidências clinicas de causa patológica devem ser referidos ao endocrinologista pediátrico, para que seja

realizada uma investigação criteriosa com a finalidade de definição do diagnóstico da doença de base e

instituição de terapêutica específica.

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