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AVALIAÇÃO AMBIENTAL DE PROCESSOS DE PAVIMENTAÇÃO RÍGIDA E FLEXÍVEL A PARTIR DA ANÁLISE DO CICLO DE VIDA Cristine Santos de Souza da Silva [email protected] Programa de Pós Graduação em Engenharia Civil UNISINOS Av. Unisinos, 950 - Bairro Cristo Rei CEP: 93.022-000 Porto Alegre RS João Rafael Severo Nogueira [email protected] Programa de Pós Graduação em Engenharia Civil UNISINOS Michele Goulart da Silva [email protected] Programa de Pós Graduação em Engenharia Civil UNISINOS Vinícius de Kayser Ortolan [email protected] Programa de Pós Graduação em Engenharia Civil UNISINOS Mauricio Mancio [email protected] Programa de Pós Graduação em Engenharia Civil UNISINOS Resumo: Os pavimentos rodoviários representam importante papel no desenvolvimento de qualquer país; em contrapartida, a preocupação com as questões ambientais vem crescendo significativamente nos últimos anos. Portanto, os processos de melhoria contínua e a escolha dos materiais de construção são importantes no campo da engenharia ambientalmente responsável. Neste trabalho são avaliados e comparados ambientalmente processos de pavimentação rígida (concreto) e pavimentação flexível (asfalto) a partir da análise do ciclo de vida. Os dados foram obtidos utilizando uma ferramenta computacional (software BEES®) com o intuito de compará-los e determinar o nível de impacto ambiental causado durante seus ciclos de vida. Os resultados mostram que o asfalto foi 44% menos impactante que o pavimento de concreto quanto ao desempenho ambiental. O fator determinante para o baixo desempenho do pavimento de concreto deve-se principalmente às emissões de CO2 relacionadas à fabricação de cimento e à sua respectiva contribuição para o aquecimento global. Palavras-chave: Pavimento asfáltico, Pavimento de concreto, Análise de ciclo de vida, Avaliação ambiental. ENVIRONMENTAL ASSESSMENT OF RIGID AND FLEXIBLE PAVEMENTS BASED ON A LIFE-CYCLE ANALYSIS Abstract: Roadway pavements play an important role in the development of any country, but the related environmental concerns have been rising in the last few years. Therefore, continuous improvement processes and the informed choice of construction materials are important to an environmentally responsible engineering. This paper aims to analyze and compare two different types of pavements, flexible pavement (asphalt) and rigid pavement (concrete), based on a Life Cycle Assessment (LCA) study. Software BEES (Building for Environmental and Economic Sustainability) was used as a tool and for the inventory analysis, with the objective to measure the level of environmental impact during the pavements’ life cycles. Results show that the impact of asphalt was 44% lower than concrete in terms of environmental performance. The

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AVALIAÇÃO AMBIENTAL DE PROCESSOS DE PAVIMENTAÇÃO RÍGIDA

E FLEXÍVEL A PARTIR DA ANÁLISE DO CICLO DE VIDA

Cristine Santos de Souza da Silva – [email protected]

Programa de Pós Graduação em Engenharia Civil – UNISINOS

Av. Unisinos, 950 - Bairro Cristo Rei

CEP: 93.022-000 – Porto Alegre – RS

João Rafael Severo Nogueira – [email protected]

Programa de Pós Graduação em Engenharia Civil – UNISINOS

Michele Goulart da Silva – [email protected]

Programa de Pós Graduação em Engenharia Civil – UNISINOS

Vinícius de Kayser Ortolan – [email protected]

Programa de Pós Graduação em Engenharia Civil – UNISINOS

Mauricio Mancio – [email protected]

Programa de Pós Graduação em Engenharia Civil – UNISINOS

Resumo: Os pavimentos rodoviários representam importante papel no desenvolvimento de qualquer país;

em contrapartida, a preocupação com as questões ambientais vem crescendo significativamente nos últimos

anos. Portanto, os processos de melhoria contínua e a escolha dos materiais de construção são importantes

no campo da engenharia ambientalmente responsável. Neste trabalho são avaliados e comparados

ambientalmente processos de pavimentação rígida (concreto) e pavimentação flexível (asfalto) a partir da

análise do ciclo de vida. Os dados foram obtidos utilizando uma ferramenta computacional (software

BEES®) com o intuito de compará-los e determinar o nível de impacto ambiental causado durante seus

ciclos de vida. Os resultados mostram que o asfalto foi 44% menos impactante que o pavimento de concreto

quanto ao desempenho ambiental. O fator determinante para o baixo desempenho do pavimento de concreto

deve-se principalmente às emissões de CO2 relacionadas à fabricação de cimento e à sua respectiva

contribuição para o aquecimento global.

Palavras-chave: Pavimento asfáltico, Pavimento de concreto, Análise de ciclo de vida, Avaliação ambiental.

ENVIRONMENTAL ASSESSMENT OF RIGID AND FLEXIBLE

PAVEMENTS BASED ON A LIFE-CYCLE ANALYSIS

Abstract: Roadway pavements play an important role in the development of any country, but the related

environmental concerns have been rising in the last few years. Therefore, continuous improvement processes

and the informed choice of construction materials are important to an environmentally responsible

engineering. This paper aims to analyze and compare two different types of pavements, flexible pavement

(asphalt) and rigid pavement (concrete), based on a Life Cycle Assessment (LCA) study. Software BEES

(Building for Environmental and Economic Sustainability) was used as a tool and for the inventory analysis,

with the objective to measure the level of environmental impact during the pavements’ life cycles. Results

show that the impact of asphalt was 44% lower than concrete in terms of environmental performance. The

main reason for the low performance of concrete pavement was the CO2 emissions related to cement

manufacturing and its respective contribution to global warming.

Keywords: asphalt pavement, concrete pavement, life cycle assessment, Environmental assessment.

1. INTRODUÇÃO

A indústria da construção civil exerce impacto significativo sobre a economia de uma nação e,

portanto, pequenas alterações nas diversas fases do processo construtivo podem promover, além de

mudanças importantes na eficiência ambiental e redução dos gastos operacionais de uma obra, maior

incentivo em investimentos no setor. Nesse mercado de competitividade crescente, e considerando os

instrumentos de comando e controle (legislação e normas) e de melhoria contínua, a escolha de materiais de

construção representa um importante campo da engenharia ambientalmente responsável (SOARES, 2006).

A recomendação sobre o uso de Pavimento Flexível ou Pavimento Rígido, de forma a

estabelecer ou definir um ponto de equilíbrio que atenda aos aspectos técnicos, econômicos e políticos,

segundo Rodrigues Filho (2006), tem sido um desafio sem precedentes, que vem suscitando sobre o tema a

formação de diversas correntes, sob variados pontos de vista e interesses específicos.

Contudo, nos últimos anos, além dos aspectos citados pelo referido autor, há que se incluir o

aspecto ambiental, que embora algumas vezes negligenciado nesta escolha, não pode ser considerado menos

importante.

Uma ferramenta que pode auxiliar gestores e entes públicos na tomada de decisões é a análise

do ciclo de vida (ACV). Pois, analisando os ciclos de vida dos tipos de pavimentação viária é possível

realizar uma avaliação para o desenvolvimento mais sustentável através de metodologias que auxiliam na

coleta de dados e interpretação dos resultados. Segundo Hinz et al (2006), a Avaliação do Ciclo de Vida

(ACV) pode ser considerada uma das metodologias mais apropriadas, pois busca soluções para problemas

ambientais globais incluindo todas as etapas do ciclo de vida de um produto ou processo, desde a extração e

processamento de matérias-primas, fabricação e embalagem, transporte e distribuição, uso e reemprego,

reciclagem ou reutilização até a disposição final.

Rodrigues (2008) afirma que em cada uma das etapas do ciclo de vida de um produto pode

ocorrer consumo de energia e de recursos naturais, e também proporcionar liberação de emissões, efluentes e

geração de resíduos, podendo atingir distintos níveis de danos ambientais.

Neste estudo, foram avaliados dois tipos de pavimentos viários: um flexível (asfalto) e um

rígido (concreto de cimento Portland) através da análise do ciclo de vida. Os dados foram obtidos utilizando

uma ferramenta computacional (software BEES®) com o intuito de compará-los e determinar o nível de

impacto ambiental causado durante seus ciclos de vida. Sendo possível, desta forma, optar pela melhor opção

conforme as necessidades exigidas.

2. PAVIMENTAÇÃO VIÁRIA

Segundo a NBR 7207 (1983), Norma Brasileira de Pavimentação, pavimento é uma estrutura

construída após terraplanagem e destinada, econômica e simultaneamente, em seu conjunto a: (a) resistir e

distribuir ao subleito os esforços verticais produzidos pelo tráfego; (b) melhorar as condições de rolamento

quanto à comodidade e segurança; (c) resistir aos esforços horizontais que nela atuam, tornando mais durável

a superfície do rolamento.

Segundo instrução do Manual de Pavimentação do DNIT (2006) os pavimentos podem ser de

três tipos: flexíveis, rígidos e semi-rígidos. O escopo deste artigo aborda dois tipos desses pavimentos,

conforme descrição a seguir:

2.1. Pavimento Rígido

São constituídos por placas de cimento Portland assentes sobre o solo de fundação ou uma sub-

base, onde as placas desempenham as funções de revestimento e base. A NBR 7207 também inclui nesta

classe os pavimentos revestidos com calçamentos de paralelepípedos rejuntados com cimento (NBR

7207,1982).

2.2. Pavimento Flexível

São constituídos por um revestimento betuminoso sobre uma base granular ou de solo

estabilizado (MEDINA, 1997). Inclui-se nesta classe os calçamentos com paralelepípedo de cimento, de

pedra, de cerâmica, betuminosos, de borracha e blocos de concreto e alvenarias poliédricas (NBR

7207/1982).

3. MATERIAIS E MÉTODOS

Para esta pesquisa foi utilizado o software BEES® 2012 (Building for Environmental and

Economic Sustainability). Para determinação do impacto ambiental foi estabelecido um critério semelhante

ao adotado pela EPA Science Advisory Board (Agência de Proteção Ambiental Americana), assumindo

diferentes pesos nos critérios de análise conforme a Tabela 1.

Tabela 1: Pesos adotados nos critérios de análise de desempenho ambiental.

Em ambos os casos, se adotou uma distância percorrida de 32 km do produto final (asfalto ou

concreto) até o local de consumo dos produtos. Também ficou estabelecido avaliar apenas o desempenho

ambiental, desconsiderando nesta análise o aspecto econômico.

Para que se dê início a uma Avaliação de Ciclo de Vida, um fluxograma do processo é

construído, especificando todos os fluxos de material e energia que entram e saem do sistema. A partir dos

dados pré-existentes do banco de dados do sistema se podem traçar parâmetros e comparar resultados,

baseado em informações ali contidas ou até mesmo informadas pelo usuário do sistema.

3.1. Análise de Ciclo de Vida (ACV)

Diferentes tipos de materiais ou técnicas para construir, confeccionar ou executar algo, podem

exercer a mesma função, porém considerando o ciclo de vida de cada um, pode-se chegar a diferenças

significativas quanto ao seu impacto sobre o meio ambiente. Conforme os autores Soares, Souza e Pereira

(2006), parte-se do princípio de que os materiais comparados entre si cumpram a mesma função, para, em

seguida, avaliá-los sob a ótica ambiental. A preocupação relacionada às questões ambientais vem crescendo

cada vez mais, sendo que as exigências do mercado também vêm aumentando. Desta forma, os

administradores, empresas e governo são estimulados a aplicar e adotar o conceito de ACV.

Os autores ainda afirmam que, nesse contexto, a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) se destaca

como ferramenta para análise e escolha de alternativas, sob uma visão ambiental. O seu princípio consiste

em analisar as repercussões ambientais de um produto ou atividade, a partir de um inventário de entradas e

saídas (matérias-primas e energia, produto, subprodutos e resíduos) do sistema considerado. As fronteiras de

análise devem considerar as etapas de extração de matérias-primas, transporte, fabricação, uso e descarte (o

ciclo de vida). Esse procedimento permite uma avaliação científica da situação, além de facilitar a

localização de eventuais mudanças associadas às diferentes etapas do ciclo que resultem em melhorias no seu

perfil ambiental.

Segundo Chehebe (1998), a Análise do Ciclo de Vida (ACV) estuda a complexa interação entre

um produto e o ambiente, utilizando para tanto a avaliação dos aspectos ambientais e dos impactos potenciais

associados ao ciclo de vida do produto. Da mesma forma, o autor destaca que a ACV deve compreender as

etapas que vão desde a retirada da natureza das matérias-primas no sistema produtivo, passando por todas as

operações industriais e de consumo até a disposição do produto final quando se encerra sua vida útil.

Um dos objetivos da ACV é estabelecer uma sistemática confiável e que possa ser reproduzida a

fim de possibilitar a escolha entre várias atividades, aquela que terá menor impacto ambiental (HINZ et al,

2006).

Entretanto, a aplicação da ACV para a avaliação de impactos ambientais associados à

construção civil apresenta algumas limitações, especialmente quando comparada à sua utilização no meio

industrial. Primeiramente, é importante ressaltar a dificuldade em obtenção de informações e bases de dados

confiáveis e completos para os materiais utilizados no setor da construção civil. Scheuer et al. (2003) citam a

dificuldade em se obter informações quantitativas a respeito de impactos ambientais gerados, por exemplo,

durante as fases de construção e demolição. Tais barreiras existem, principalmente, devido à grande

variedade e composição dos materiais utilizados na indústria da construção civil e na própria dinâmica de

alteração e renovação, à qual estão sujeitos os espaços arquitetônicos e o meio ambiente urbano (SOARES et

al., 2006).

3.2. Pavimentação Asfáltica

O asfalto corresponde a um material ligante, termoplástico, de comportamento viscoeslástico,

impermeável à água, constituído por mistura de hidrocarbonetos derivados do petróleo de forma natural ou

por destilação, onde o principal componente é o betume, podendo conter ainda em pequenas proporções

oxigênio, nitrogênio e enxofre. O betume é uma denominação genérica para materiais ligantes naturais ou

manufaturados, cujos principais componentes são hidrocarbonetos de alto peso molecular, solúvel no

bissulfeto de carbono, sendo que esta denominação inclui alcatrões e piches obtidos a partir do carvão

(CERATTI, 2010). A Figura 1 demonstra a comparação entre dois esquemas transversais de pavimento

asfáltico. O primeiro, baseado em Bernucci (2010), segue o padrão brasileiro; enquanto que o segundo,

baseado no software BEES®, segue o padrão fornecido pela base de dados americana.

Figura 1: Comparação entre esquema transversal pavimento asfáltico a partir de referência bibliográfica (BERNUCCI,

2010) e software BEES® (2012). (Fonte: Autores)

Balbo (2010) expõe que a pavimentação asfáltica mais utilizada no Brasil, na ordem de 98% das

rodovias em extensão, corresponde à utilização de concretos asfálticos, em sua grande maioria os Concretos

Asfálticos Usinados a Quente (CAUQ). O autor coloca que este concreto asfáltico é uma mistura

racionalmente dosada entre agregados graúdos e miúdos, material de enchimento (fíler) e Cimento Asfáltico

de Petróleo (CAP). A Figura 2 apresenta o fluxograma considerado pelo software para obtenção da ACV.

Figura 2: Diagrama de fluxos para pavimentação asfáltica, com manutenção tradicional. (BEES®, 2012).

O software BEES® (2012) considerou um pavimento composto de uma camada de base granular

de 15 cm de espessura sobre o solo, com um revestimento de concreto asfáltico usinado a quente (CAUQ)

com espessura de 8cm, com um teor médio de 15 % de pavimento asfáltico reciclado. A área utilizada na

amostragem do BEES® (a unidade funcional para a ACV) é de 1 ft

2 (0,09m²). A quantidade de materiais

utilizada nesta área corresponde a 16,4 kg de asfaltoe 30,6 kg de agregados britados, além de 3 parcelas de

manutenção de 7,7 kg cada. Também foi considerado, nesta análise, o transporte da matéria prima para a

produção do concreto asfáltico, por caminhão, com distância média de 48 km.

Da energia requerida para produção do asfalto, 85% é consumida no tambor de contra fluxo e

15% na mistura de lote. Em todo o processo de produção do concreto asfáltico não há geração significativa

de resíduos. A energia requerida por todos os equipamentos para execução da pavimentação asfalto está

apresentada na Tabela 2.

Tabela 2: Energia requerida para produção da mistura de concreto asfáltico usinado a quente. (Fonte: BEES®, 2012).

As emissões para produção da mistura do concreto asfáltico estão relatadas na Tabela 3, e a

energia requerida para execução do pavimento asfáltico está presente na Tabela 4.

Tabela 3: Emissões para produção da mistura de concreto asfáltico usinado a quente (Fonte: BEES®, 2012)

Processo de produçãoPartículas

g/kg

Orgânicos

voláteis g/kg

Contrafluxo de tambor 0,07 0,016

Mistura de lote 0,0225 0,0041

Peso médio 0,0629 0,0143

Tabela 4: Energia requerida para execução do pavimento asfáltico (Fonte: BEES®, 2012).

As emissões são baseadas em banco de dados dos Estados Unidos, fornecidos pelos sistemas

LCI Database para a energia de transporte e EPA AP-42 para emissões na produção.

A vida útil do pavimento asfáltico é de 50 anos, com manutenção a cada 15 anos, que consiste

na fresagem do pavimento em uma espessura de 3,8 cm e posterior aplicação, em mesma espessura, da nova

camada de asfalto com também 15% de asfalto reciclado. Ao fim de sua vida útil o pavimento é sobreposto

ao invés de removido.

3.4. Pavimento de Concreto

O Pavimento Rígido é constituído por placas de concreto de cimento Portland assentes sobre o

solo de fundação ou uma sub-base, onde as placas desempenham as funções de revestimento e base

(DANIELESKI, 2004)

Os pavimentos rígidos têm sido empregados no meio técnico para denominar uma placa de

concreto simples, com ou sem barras de ligação ou transferência, ou mesmo armada, de elevados módulos de

elasticidade, que distribui ao subleito as cargas transientes superficiais. O pavimento flexível, por outro lado,

não dispõe de suficiente resistência à tração e é de baixo módulo equivalente de elasticidade e assim requer

maior número de camadas e espessuras mais significativas (PITTA, 1999).

As vantagens do pavimento de concreto, segundo SENÇO (1997) apud GIUBLIN et al. (2010),

são as seguintes: resistência ao tráfego intenso e pesado; vida útil projetada de pelo menos 20 anos, podendo

durar mais caso tenha manutenção periódica; superfície não se deforma com o tráfego; tem maior

visibilidade se comparado ao pavimento asfáltico; oferece melhor aderência entre pneus e superfície; maior

resistência ao ataque químico dos óleos que vazam dos veículos; e custos de manutenção reduzida, em

função da alta durabilidade do concreto.

A Figura 3 demonstra a comparação entre dois esquemas transversais de pavimento de concreto.

O modelo adaptado de Bernucci (2010), que segue o padrão brasileiro, e o modelo do software BEES® que

segue o padrão da base de dados americana.

Figura 3: Comparação entre esquema transversal para pavimento rígido de concreto a partir de referência bibliográfica

(BERNUCCI, 2010) e software BEES® (2012). (Fonte: Autores)

O software BEES® considera um concreto de 24 MPa de resistência um pavimento de 15 cm de

espessura sobre uma camada de sub-base de 20 cm de pedra britada ou areia. Neste concreto ainda pode ser

adicionado cinza volante com substituição parcial de cimento Portland na mistura.

Na Figura 4 é apresentado o fluxograma considerado pelo sistema para verificação da ACV

através do sistema BEES®.

Figura 4: Diagrama de fluxos do sistema de pavimentação de concreto (BEES®, 2012).

Da mesma forma, a análise foi realizada para uma uma área de 1 ft2 (0,09 m²) de concreto, com

um peso de 32,9 kg de concreto e 33,3 kg da camada granular de base.

A Tabela 5 apresenta os materiais constituintes do concreto e as respectivas quantidades para o

concreto de 24 MPa considerado nesta análise.

Quanto à fabricação do concreto, na Tabela 6 é apresentada a energia requerida para produção

do material em centrais de mistura de concreto. Este tipo de sistema compreende 20% da produção total,

enquanto os outros 80% são produzidos em centrais dosadoras e misturados em caminhões.

Tabela 5: Materiais constituintes do concreto (Fonte: BEES®, 2012).

Tabela 6: Energia requerida para centrais de mistura de concreto (Fonte: BEES®, 2012).

Energia p/ transporte MJ/m³ MJ/kg

Pesado óleo combustível 124 0,05

Eletricidade 124 0,05

Total 248 0,1

A Tabela 7 apresenta a quantidade de energia requerida para produção em centrais dosadoras e

mistura em caminhões. São requeridos um galão de óleo diesel a cada 5 ou 6 km, com velocidade média de

64km/h. Para mistura, são necessários 30% do combustível utilizado pelo caminhão.

Tabela 7: Energia requerida para centrais dosadoras de concreto (Fonte: BEES®, 2012).

Neste estudo foi considerada a distância percorrida da matéria prima até o local de mistura

equivalente à 97 km para o cimento e à 80 km para os agregados. A energia requerida para preparação do

local e para colocação das pedras britadas de pavimentação é de 7,5 MJ/m², já para produção do concreto é

considerada a mistura no caminhão e transporte. Entre 3 a 5% do concreto para pavimento não é usado no

local e volta para a concreteira. Destes, 75% do concreto volta como agregado os outros 25% são usados

para outros fins. Caso sejam instaladas centrais de concreto no trecho, o combustível requerido é de 0,75

MJ/m². Considera-se que por volta 1% de resíduo é gerado na obra como derramado. Foi considerado, ainda,

um projeto para 30 anos, onde, no fim da vida, o concreto é sobreposto ao invés de substituído.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste capítulo, são apresentados os resultados obtidos através da Análise de Ciclo de Vida,

destacando-se os impactos ambientais verificados para cada tipo de pavimento analisado.

4.1. Quanto à acidificação

A acidificação está relacionada aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2) na

atmosfera. O gás se dissolve nas águas, reage e altera o equilíbrio químico, trazendo prejuízos para a

biodiversidade dos mares e produção de alimentos. Expressa em mg H+, contribuem para este critério a

formação de amônia (NH3), ácido clorídrico (HCl), ácido cianídrico (HCN), ácido fluorídrico (HF), ácido

sulfídrico (H2S), óxidos de nitrogênio, óxidos de enxofre e ácido sulfúrico (H2SO4). O asfalto apresentou

menor impacto. (Figura 5).

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

100% CPG Asfalto

Oxidos de Enxofre (SOx como SO2)

1.389,91 870,80

Oxidos de Nitrogênio (NOx como NO2)

1.697,30 879,51

Ácido Fluorídrico (HF) 3,54 1,57

Ácido clorídrico (HCl) 37,98 7,18

Amônia (NH3) 4,97 3,84

Aci

dif

icaç

ão (

mg

H+

)

Figura 5: Acidificação (fonte: adaptado de BEES®).

4.2. Quanto aos danos à camada de ozônio

São considerados fatores que contribuem para causar danos à camada de ozônio: tetracloreto de

carbono (CCl4), CFC 12 (CCl2F2), halon 1301 (CF3Br), HCFC 22 (CHF2Cl), brometo de metila (CH3Br) e

tricloroetano (1,1,1-CH3C). Na análise realizada, os danos na camada de ozônio não apresentaram valores

significativos e por isso não foram aqui expressados.

4.3. Quanto à ecotoxicidade

Expresso em g de 2,4-D (ácido 2,4- diclorofenoxiacético com fórmula molecular C8H6Cl2O3), o

asfalto é menos impactante e a matéria-prima é o fator mais significativo. São consideradas emissões de

monóxido de carbono (CO), dioxinas, mercúrio (Hg), óxidos de nitrogênio, prata (Ag+) e outros. No caso

estudado, mercúrio (Hg) é o fator mais crítico para os produtos contendo cimento e prata (Ag+) para o

asfalto. Os demais fatores contribuem com menor importância (Figura 6).

Figura 6: Ecotoxicidade (fonte: adaptado de BEES®).

4.4. Quanto aos poluentes do ar

Expresso em µDALY (Disability Adjusted Life Years), esta unidade se refere a soma de anos de

vida potenciais perdidos devido a mortalidade prematura e aos anos de vida produtiva perdidos devido as

deficiências. Para esta avaliação são consideradas as emissões de óxidos de nitrogênio, emissões de material

particulado e óxidos de enxofre. No estudo, a emissão de material particulado teve a contribuição mais

negativa para o impacto. Óxidos de enxofre também são importantes. Verificamos que o asfalto é o produto

de menor impacto conforme pode ser observado na Figura 7.

Figura 7: Poluentes do ar (fonte: adaptado de BEES®).

4.5. Quanto ao consumo de combustíveis fósseis

Expresso em MJ, o concreto de cimento Portland possui o menor impacto. O consumo de

petróleo de destaca para ambos tipos de revestimento (Figura 8).

0,0

2,0

4,0

6,0

8,0

10,0

12,0

14,0

16,0

100% CPG Asfalto

Óleo 4,16 12,12

Gás natural 1,27 2,64

Carvão 0,35 0,07

Co

nsu

mo

de

co

mb

ust

íve

l fó

ssil

(MJ)

Figura 8: Consumo de combustíveis fósseis (fonte: adaptado de BEES®).

4.6. Quanto à eutrofização

A eutrofização é gerada pelo aumento de compostos químicos ricos em fósforo ou nitrogênio na

água, causando um aumento de algas. As algas auxiliam no desenvolvimento de consumidores primários, que

levam a diminuição de oxigênio dissolvido causando a morte de muitos organismos, alterando a qualidade da

água. Expresso em gramas de N, o asfalto possui o menor impacto. Óxidos de nitrogênio são mais

impactantes (Figura 9).

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

2,50

100% CPG Asfalto

Fósforo (P) 0,0003 0,0000

Matéria nitrogenada 0,0001 0,0000

Nitrato (NO3-) 0,0097 0,0003

COD (demanda de oxigênio químico)

0,0525 0,1451

BOD5 (demanda de oxigênio bioquímico)

0,0283 0,0777

Amônia (NH4+, NH3, como N) 0,0611 0,1508

Óxido nitroso (N2O) 0,0019 0,0023

Óxidos de nitrogênio (NOx como NO2)

1,8775 0,9729

Amônia (NH3) 0,0062 0,0048

Eu

tro

fiza

ção

(g

N)

Figura 9: Eutrofização (fonte: adaptado de BEES®).

4.7. Quanto ao aquecimento global

Atualmente está ocorrendo um processo de mudanças climáticas causado pelo aumento da

emissão de gases poluentes na atmosfera, provenientes da queima de combustíveis fósseis como gasolina e

diesel. A emissão de gases como dióxido de carbono, metano, ozônio, óxido nitroso e monóxido de carbono,

forma uma camada de gases, de difícil dispersão, o chamado efeito estufa, que ocorre, devido a absorção da

radiação infravermelha emitida pela Terra pelos gases, o que dificulta a dispersão do calor (IPCC, 2013).

Este impacto é medido pela geração em g de CO2-equivalente. O asfalto representa o menor impacto. A

emissão de dióxido de carbono fóssil é significativamente maior que a emissão de outros contribuintes,

aproximadamente cinco vezes maior no cimento. Metano também pode ser destacado (Figura 10).

0

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

100% CPG Asfalto

Óxido Nitroso (N2O) 6,272 7,266

Diclorometano (CH2Cl2) 0,001 0,001

Metano (CH4) 242,880 297,583

CFC 12 (CCl2F2) 0,001 0,002

Dioxido de carbono (CO2, fóssil) 10.368,000 2.864,400

Aq

ue

cim

en

to g

lob

al (

g C

O2

)

Figura 10: Aquecimento Global (fonte: adaptado de BEES®).

4.8. Quanto ao consumo de água

A escassez de água juntamente com as modificações climáticas passou a preocupar alguns

setores produtivos, que passaram a adotadas medidas para racionalizar o consumo de água. Expresso em

litros (l), verifica-se que o asfalto possui menor impacto neste critério, que ocorre principalmente na fase de

produção da matéria-prima (Figura 11).

0,00

2,00

4,00

6,00

8,00

10,00

12,00

100% CPG Asfalto

Água utilizada 11,50 0,06

Co

nsu

mo

de

águ

a (l

)

Figura 11: Consumo de água (fonte: adaptado de BEES®).

4.9. Quanto à poluição

Expressa em gramas de Nox, são considerados: monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos

(exceto metano), hidrocarbonetos (não especificado), óxidos de nitrogênio, partículas (não especificado) e

outros. O asfalto se apresenta como menos poluente (Figura 12).

0

10

20

30

40

50

60

100% CPG Asfalto

Outros 0,20 0,36

Partículas (não especificado) 3,14 1,77

Óxidos de nitrogênio (NOx como NO2)

52,56 27,24

Hidrocarbonetos (não especificado)

1,17 1,34

Hidrocarbonetos (exceto metano)

1,45 4,19

Monóxido de carbono (CO) 0,38 0,51

Po

luiç

ão (

g N

Ox)

Figura 12: Poluição (fonte: adaptado de BEES®).

5. CONCLUSÃO

Levando em consideração as informações apresentadas nos resultados da pesquisa

desenvolvida, verifica-se a importância de se realizar um projeto de infraestrutura rodoviária onde os

aspectos ambientais sejam considerados, pois os materiais e processos de cada alternativa irão abranger

várias condicionantes que irão influenciar no ciclo de vida. Deve-se levar em conta todos os aspectos que

implicam desde a produção dos materiais envolvidos até a finalização do empreendimento, além de

manutenção, conservação e vida útil. A Tabela 8 demonstra os critérios, bem como o valor percentual

atribuído a cada um deles, e o desempenho dos pavimentos estudados nos quesitos pré-selecionados.

Tabela 8: Sinalização de critérios de análise de desempenho ambiental.

Assim, considerando a hierarquização de critérios baseada no EPA Science Advisory Board,

como descrito anteriormente [acidificação (8%), poluição atmosférica (10%), ecotoxicidade (18%),

eutrofização (8%), consumo de combustível fóssil (8%), aquecimento global (25%), danos à camada de

ozônio (8%), poluição (10%) e consumo de água (5%)], chegou-se a conclusão que o impacto gerado pelo

uso de asfalto é 44% menor que o pavimento de concreto.

A Figura 13 apresenta o desempenho ambiental de ambos os materiais estudados em cada

quesito avaliado. Pode-se perceber que o maior impacto é devido ao aquecimento global para o cimento e ao

consumo de combustível fóssil para o asfalto. Também são significativos a poluição e poluentes do ar.

Figura 13: Desempenho ambiental nos quesitos avaliados (fonte: adaptado de BEES®).

A Figura 14 apresenta o desempenho ambiental nos processos do Ciclo de Vida dos materiais

estudados, que foram: Matéria Prima, Manufatura, Transporte, Uso e Final do Ciclo (pós-uso). Para ambos a

etapa de Matéria Prima foi a mais crítica.

Balbo (2010) corrobora com esse resultado, afirmando que há vantagem ambiental na utilização

do asfalto, pois o mesmo representa um destino final e nobre ao resíduo da destilação dos crus de petróleo.

Bernucci et al. (2010) apontam várias razões para a utilização do asfalto em pavimentação, tais como: a forte

união aos agregados, sua flexibilidade controlada, impermeabilidade e sua resistência à ação de ácidos,

álcalis e sais, podendo ser utilizado aquecido ou emulsionado em diversas combinações.

0,0000

0,0020

0,0040

0,0060

0,0080

0,0100

0,0120

0,0140

0,0160

0,0180

0,0200

100% CPG Asfalto

Fim de ciclo 0,0000 0,0000

Uso 0,0004 0,0011

Transporte 0,0009 0,0007

Manufatura 0,0008 0,0013

Matéria-prima 0,0161 0,0071

Des

empe

nho

ambi

enta

l (p

tos)

Figura 14: Desempenho ambiental nos processos do Ciclo de Vida (fonte: adaptado de BEES®)

Entretanto, cabe ressaltar que o software BEES® (2012) utiliza para suas análise dados

americanos e estes, quando comparados ao padrão adotado no Brasil, são relativamente divergentes e esse

fato chama a atenção para que se invista em pesquisas ambientais deste porte, onde a comparação através da

análise do ciclo de vida adotada seja compatível com a realidade local.

Agradecimentos Ao Engenheiro Civil Guilherme Kerber que compartilhou seu conhecimento na área de pavimentação,

contribuindo assim para realização desta pesquisa. Ao colega do PPGEC - Unisinos, Engenheiro Civil

Daniel Gustavo Brusius Wilbert, pelo apoio prestado.

6. REFERÊNCIAS E CITAÇÕES

ANP - AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO, GÁS E ENERGIA. Cimentos asfálticos de petróleo-

Resolução nº 19. Rio de Janeiro: ANP, 2005.

ABNT - NBR 6576 - Materiais Betuminosos – Determinação da penetração. Rio de Janeiro: ABNT. 2007.

______- NBR 7207 - Terminologia e classificação da pavimentação. Rio de Janeiro/RJ. ABNT. 1982.

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Petrobras/ABEDA, 2010.

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