aspectos processuais da responsabilidade penal da...

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS Programa de Pós-Graduação em Direito Empresarial ASPECTOS PROCESSUAIS DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA Herbert José Almeida Carneiro NOVA LIMA-MG 2008

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS Programa de Pós-Graduação em Direito Empresarial

ASPECTOS PROCESSUAIS DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

Herbert José Almeida Carneiro

NOVA LIMA-MG

2008

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Herbert José Almeida Carneiro

ASPECTOS PROCESSUAIS DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

Dissertação apresentada ao curso de Pós-graduação – Mestrado Strictu Sensu com área de concentração em Direito Empresarial da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito para obtenção do título de Mestre Orientador: Prof. Dr. José Barcelos de Souza

Nova Lima-MG

Faculdade de Direito Milton Campos

2008

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Herbert José Almeida Carneiro

A dissertação intitulada ASPECTOS PROCESSUAIS DA RESPONSABILIDADE

PENAL DA PESSOA JURÍDICA, foi avaliada como requisito final para a obtenção

do título de mestre em Direito, tendo sido

________________________________________________________________.

Foi analisada pela banca examinadora constituída pelos professores:

_________________________________________________

Orientador Prof. Dr. José Barcelos de Souza

______________________________ ______________________________

______________________________ ______________________________

______________________________ ______________________________

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Dedico este trabalho, em especial, aos meus queridos pais, esposa e

filhos.

Aos meus pais, pelo cultivo do dom divino de minha vida.

À minha esposa, Denise, pelo companheirismo incondicional,

preenchendo com seu dedicado amor todos os momentos de nossas

vidas; minha cumplicidade é o que tenho a oferecê-la.

Aos meus filhos, Thiago e Naiara, razão de minha motivação maior

para os desafios da vida; neles sintetizo o amor forte que bate em meu

coração e justifica toda minha existência.

À legião daqueles acreditam no avanço trazido pela responsabilidade

penal da pessoa jurídica e que lutam incessantemente pela efetividade

desse importante instituto jurídico-penal.

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AGRADECIMENTOS

A DEUS, pelo dom da vida, com saúde e paz, enchendo-me de

disposição para enfrentar os desafios cotidianos, sem perder o estímulo para

buscar crescimento intelectual-jurídico.

Aos meus pais, Bruno e Ivoniles, pela dedicação e exemplo que me

legaram.

À minha esposa, Denise, pelo apoio constante, traduzido em gestos de

incentivo e carinho permanentes.

Aos meus filhos, Thiago e Naiara, fontes permanentes de minha

inspiração, com gratidão a Deus por tê-los colocado em minha vida e enchê-la de

alegria.

Ao meu amigo, Wilson Benevides, que despertou em mim o interesse

pelo mestrado.

Aos ilustres Professores, Carlos Alberto Rohrmann e José Barcelos de

Souza, pela dedicação dispensada e pelas constantes lições de vida e de direito.

Aos meus assessores, Rafael e Silmara, pela presteza dispensada nas

pesquisas que embasaram este trabalho.

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RESUMO

A responsabilidade penal da pessoa jurídica, introduzida na realidade jurídica brasileira, através da Constituição Federal de 1988 (artigo 225, § 3°, CF) e Lei n. 9.605/98, tem despertado acirrados debates nos campos doutrinário e jurisprudencial, sobre sua efetiva viabilidade, porquanto representa, para alguns estudiosos da matéria, um rompimento radical e injustificado com a teoria geral do delito, que tem no indivíduo, enquanto pessoa humana, o único sujeito capaz de experimentar a sanção penal. Lado outro, posicionam-se aqueles adeptos da idéia de que a pessoa jurídica, definida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações, está apta, nessa condição, a figurar como sujeito de relação jurídica pacífica (relações contratuais) ou litigiosa (conflito de interesses), e, destarte, plenamente capacitada para integrar a relação processual penal, não só no pólo ativo, mas, também no pólo passivo. Essa corrente entende que a teoria de Savigny – atribuindo existência ficta à pessoa jurídica – acha-se, de há muito, abandonada, e mais, atualmente, vige a teoria da realidade objetiva, que admite os entes coletivos como seres reais e, portanto, portadores de vontade real, reconhecidos e regulados por lei. Partindo desse entendimento, coerente com a visão mais moderna do Direito Penal pátrio, a imputação penal da pessoa jurídica deve encontrar instrumentos processuais eficazes para sua viabilização, sob pena de tornar-se letra morta da lei. Esse o foco central a ser trabalhado, com o reconhecimento inicial de que a atual legislação processual penal brasileira, sabidamente ultrapassada para os tempos atuais e carente de reformulação profunda, encerra sérias dificuldades para fazer valer o propósito legal de assentar no banco dos réus a pessoa jurídica violadora do meio ambiente. Até que venha legislação própria e adequada, cabe a utilização, por analogia, das leis processuais civil e penal e legislação do trabalho existentes no Brasil, para fazer com que a pessoa jurídica processada assuma a responsabilidade penal por seus atos atentatórios ao meio ambiente. Sem se descurar da necessidade de uma ação legislativa mais ampla e sistemática, certo é que, de imediato e efeito prático, simples alteração processual para possibilitar defesa preliminar à pessoa jurídica, antes de se sujeitar à ação penal, já poderia representar significativo avanço no tratamento da responsabilidade penal da pessoa jurídica, evitando, destarte, desnecessário acionamento da máquina judiciária, à toda evidência sobrecarregada e ineficiente para o cumprimento de seu mister. Palavras-chave: Meio Ambiente. Crime. Pessoa Jurídica. Responsabilidade Penal. Processo Penal. Eficácia da Lei Ambiental

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ABSTRACT

The juristic person's penal responsibility, which was introduced in the juridical Brazilian context by the Federal Constitution in 1988 (art. 225, parag. 3, CF) and the law 9605/98, has arisen heated debates in the fields of dogmatism and jurisprudence about its effective viability since some experts of the subject state that it strongly opposes the general theory of crime, which claims that the individual as a human being is the only one capable of suffering punishment. On the other hand, other scholars believe that the juristic person, which is defined by law as a subject of pacific relations (contract relations) or litigious ones (interest conflicts), is totally capable of integrating the penal code, either as a victim or a defendant. The former claim that the Savigny theory – which gives the juridical person fictitious existence – has been left behind and at the present moment the theory of the objective reality is the one valid – the latter sees the corporations as real persons, therefore having free will, recognized and regulated by law. Taking all these facts into account as well as the most modern vision of the Brazilian penal code, the penal imposition of the juridical person must find efficient procedures to make it viable, otherwise it will become a pointless law. That is the main focus of the work. Acknowledging that the present Brazilian penal legislation is terribly old-fashioned and in need of a deep reformation, it will be extremely hard to impose a sentence to the juridical person which has committed an environmental crime. While a new law is not approved, it is necessary to use analogy between the existing civil, penal and labor laws to make the juridical person take full responsibility for the crimes against the environment. Moreover, a simple alteration in the juridical procedures, offering the opportunity for the enterprises to provide their defense before the lawsuit, might represent a great advance in the juridical person's penal responsibility. Consequently, the judicial system will not be overloaded. Key words: Environment. Crime. Legal entity. Penal responsibility. Penal process. Effectiveness of the Environmental Law.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

DOU Diário Oficial da União

HC Habeas Corpus

RBCCrim Revista Brasileira de Ciências Criminais

RT Revista dos Tribunais

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Supremo Tribunal de Justiça

TJMG Tribunal de Justiça de Minas Gerais

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 11

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESSOA JURÍDICA .................................... 15

2.1 Conceito...................................................................................................... 15

2.2 Notícia histórica ......................................................................................... 16

2.3 Natureza jurídica ........................................................................................ 20

2.3.1 Teoria da ficção ....................................................................................... 21

2.3.2 Teoria da realidade objetiva ................................................................... 23

2.3.3 Teoria da realidade jurídica.................................................................... 24

2.4 Classificação .............................................................................................. 25

2.5 Início da existência jurídica....................................................................... 26

2.6 Capacidade e representação..................................................................... 27

2.7 Fim da existência jurídica.......................................................................... 29

3 A RESPONSABILIDADE CIVIL COMO REFERÊNCIA ................................ 30

3.1 A responsabilidade civil subjetiva ou da culpa e a responsabilidade civil objetiva ou do risco ................................................................................. 30

3.1.1 Conduta humana ..................................................................................... 33

3.1.2 Dano ......................................................................................................... 34

3.1.3 Dano patrimonial ..................................................................................... 35

3.1.4 Dano moral .............................................................................................. 35

3.1.5 Culpa ........................................................................................................ 37

3.1.6 Nexo de Causalidade .............................................................................. 38

3.1.7 Definição .................................................................................................. 43

3.1.8 Tipicidade ................................................................................................ 43

3.1.9 Culpabilidade........................................................................................... 43

3.1.10 Imputabilidade ....................................................................................... 44

4 A VISÃO INTERNACIONAL SOBRE A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA .................................................................................... 46

4.1 Considerações gerais ................................................................................ 46

4.2 Países que adotam a responsabilidade penal da pessoa jurídica ......... 47

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4.3 Países que não adotam a responsabilidade penal das pessoas jurídicas ........................................................................................................... 52

5 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO...................................................... 58

5.1 A responsabilidade penal da pessoa jurídica na Constituição Federal de 1988 .............................................................................................................. 58

5.2 A Lei n. 9.605/98 – Lei dos crimes ambientais ........................................ 62

5.2.1 A Lei ambiental: dispositivos genéricos............................................... 65

5.3 O Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei de 7 de dezembro de 1940) e a responsabilidade penal da pessoa jurídica ............................................. 68

5.4 Aspectos processuais – definição da competência – regramento ........ 70

5.5 A citação da pessoa jurídica – representante legal – no processo penal.................................................................................................................. 76

5.5.1 Efeitos do não-atendimento à citação por edital e revelia .................. 79

5.6 O interrogatório da pessoa jurídica – considerações gerais ................. 80

5.6.1 Quem deve ser interrogado nos crimes ambientais envolvendo

pessoa jurídica?............................................................................................... 82

5.6.2 A prática do interrogatório – críticas ao modelo atual ........................ 83

5.6.3 Crimes ambientais – pessoa jurídica acusada – defesa escrita para

admissão ou não da denúncia – sugestão de alteração processual........... 85

5.6.4 Crimes ambientais – denúncia recebida – interrogatório da pessoa jurídica – representante legal, gerente ou preposto indicado ..................... 90

6 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA E A LEI DOS

JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS (LEI n. 9.099/95) ..................................... 94

6.1 Considerações iniciais ............................................................................. 94

6.2 Transação penal ........................................................................................ 95

6.3 Suspensão condicional do processo ...................................................... 103

7 AS PENAS APLICÁVEIS À PESSOA JURÍDICA .......................................... 107

7.1 As espécies de pena no direito brasileiro (Lei n. 9.605/98) .................... 107

7.1.1 A multa .................................................................................................... 109

7.1.2 As restritivas de direitos ........................................................................ 111

7.1.2.1 Suspensão parcial ou total de atividades............................................... 111

7.1.2.2 Interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade ................ 112

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7.1.2.3 Proibição de contratar com o poder público, bem como dele obter

subsídios, subvenções ou doações ................................................................... 113

7.1.3 Prestação de serviços à comunidade ................................................... 114

7.1.3.1 Custeio de programas e de projetos ambientais .................................... 115

7.1.3.2 Execução de obras de recuperação de áreas degradadas .................... 116

7.1.3.3 Manutenção de espaços públicos ......................................................... 116

7.1.3.4 Prestação de contribuições a entidades ambientais ou culturais

Públicas ............................................................................................................. 117

8 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE ALGUMAS JURISPRUDÊNCIAS

RELATIVAS À RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

NOS TRIBUNAIS PÁTRIOS .............................................................................. 118

8.1 A responsabilidade penal da pessoa jurídica no Supremo Tribunal Federal – STF.................................................................................................... 119

8.2 A responsabilidade penal da pessoa jurídica no Superior Tribunal de Justiça (STJ)..................................................................................................... 120

8.3 A responsabilidade penal da pessoa jurídica no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) ..................................................................... 125

8.4 A responsabilidade penal da pessoa jurídica em outros Tribunais de Justiça Estaduais............................................................................................. 127

9 CONSIDERAÇÕES SOBRE O MODELO PENAL E PROCESSUAL PENAL FRANCÊS (LEI DE ADAPTAÇÃO) PARA TRATAMENTO DA

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA ................................. 131

9.1 O Direito Penal Francês e a responsabilidade penal da pessoa jurídica .............................................................................................................. 131

9.2 O direito processual penal francês e a responsabilidade penal da pessoa jurídica ................................................................................................. 134

10 CONCLUSÃO ............................................................................................... 139

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................. 144

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1 INTRODUÇÃO

A responsabilidade penal da pessoa jurídica constitui inovação trazida

para o ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de

1998, que trata dos chamados crimes ambientais e, como tal, tem despertado

amplo debate doutrinário e jurisprudencial, vez que, para alguns juristas

respeitados, tem representado o rompimento com a tradição brasileira de um

Direito Penal voltado estritamente para o ser humano, um retrocesso para as

garantias individuais; para outros, não menos respeitados, trata-se de uma

evolução necessária das Ciências Criminais.

O tema é bastante polêmico e tem colocado em contraposição

renomados estudiosos da matéria: uns, a sustentarem que as pessoas jurídicas

são entidades fictícias, criadas pelo Direito, e que não possuem consciência e

vontade próprias e, destarte, não têm capacidade para figurarem como sujeito de

crime ("teoria da ficção"); outros, a entenderem que os entes morais são seres

reais, e, portanto, portadores de vontade real, reconhecidos e regulados por lei, o

que lhes garante condição de organismo social, portador de vontade complexiva,

distinta da vontade individual de seus membros, com capacidade, sim, de

realizarem fato ilícito ("teoria da realidade objetiva").

Some-se a isso, o fato de que as empresas, na atual quadra, exercem,

nas suas mais variadas atividades, papel de destaque no Estado, cumprindo-lhes

importante função social, que ora as coloca como benfeitoras da coletividade, ora

como eventuais violadoras de valores importantes para a coexistência social. É

nesse momento que o Direito Penal surge como mais uma via eficiente, a

despeito das esferas administrativa e civil, de contenção da ilicitude,

especialmente no tocante ao meio ambiente, quando se constata o crescente

número de empresas envolvidas na exploração ambiental. O tema, como dito, é

controvertido e está a exigir uma reflexão responsável, para tomada de posição

consciente.

Diante desse quadro, um trabalho que se propõe sério e comprometido

com o estudo responsável do Direito Penal, em se tratando de tema de

reconhecida importância, não se tem como furtar às considerações gerais sobre a

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origem da pessoa jurídica, suas bases históricas, natureza jurídica, classificação,

capacidade, e representação e a finalidade de sua existência jurídica. São

definições que têm por propósito o entendimento sobre a complexidade da

pessoa jurídica, de maneira a alicerçar uma visão mais consistente sobre a

imputação penal que lhe é imposta pela Lei Ambiental, facilitando a adesão a uma

das correntes de prós ou contras à matéria em foco.

Da mesma forma, apresenta-se como de suma importância o estudo

sobre a responsabilidade penal, à luz da responsabilidade civil, correlata com

aquela, e, em assim sendo, impõe-se considerações específicas sobre a

imputação penal da pessoa jurídica, sabidamente de natureza indireta, por fato

praticado pela pessoa física que age em seu nome e interesse, aplicando-se,

neste particular, os mesmos parâmetros dogmáticos utilizados para a

responsabilização civil da pessoa jurídica, por atos praticados pelas pessoas

físicas que agem em seu nome.

Em Capítulo específico, a dedicação estará voltada para a visão

internacional sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Não se trata de

um estudo de direito comparado, porque as limitações são impeditivas de tal

mister, mas, sim, de uma análise da evolução recente da responsabilidade penal

da pessoa jurídica em alguns países e de comentários breves sobre suas

legislações. Certo é que, neste particular, a análise puramente descritiva permite,

com certeza, um alargamento da visão estrangeira do tema, de modo a

equacioná-lo de maneira mais racional para a realidade brasileira.

Noutro Capítulo, talvez o mais importante e consistente de todo

trabalho, a atenção estará voltada para o instituto da responsabilidade penal do

ente coletivo no ordenamento jurídico brasileiro. Considerações hão de ser feitas

nos âmbitos constitucional e legal, sobre a edição do novo instituto jurídico; seu

posicionamento perante o Direito Penal pátrio; e, em sendo admitido no mundo

jurídico, como viabilizá-lo do ponto de vista processual penal? Quem é o

representante legal da empresa no juízo criminal; quem deverá ser citado, qual o

local da citação; quem deverá ser interrogado em nome da empresa-ré? Essas e

outras indagações hão de ser respondidas nesse tópico, com apresentação até

mesmo de sugestão legislativa que tenha por escopo a viabilização processual da

responsabilidade penal da pessoa jurídica.

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Ademais, um estudo que se pretende abrangente, não deve deixar de

lado questões como a pessoa jurídica responsabilizada penalmente e a Lei dos

Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/95), considerando que esta lei trouxe

para o arcabouço jurídico nacional relevantes inovações de cunho material e

processual, em se tratando de crimes de pequeno potencial ofensivo, a saber : a

transação penal, a composição civil de danos e a suspensão do processo, tudo

dentro de um rito processual comprometido com a informalidade, celeridade e

economia de atos processuais. A pessoa jurídica infratora de pequeno potencial

ofensivo, por certo, estará sujeita aos ditames desta norma legal, e, isso merece

destaque; de igual forma, as penas a serem impostas ao ente coletivo infrator,

tema que, pela sua relevância, também exige tratamento específico, o que será

feito ao longo deste trabalho.

Sob outro prisma, o trabalho terá capítulo especial dedicado ao exame

e comentários sobre a jurisprudência pátria relativa à responsabilidade penal da

pessoa jurídica. É importante conhecer o entendimento de nossos Tribunais sobre

o tema, como eles o estão encarando. Nesse particular, o propósito é deitar

estudos sobre os posicionamentos relativos às questões de direito substantivo e

também processual. A exemplo, o Habeas Corpus impetrado por pessoa jurídica

para trancamento de ação penal tem sido concedido? Uma vez condenada, qual a

pena tem sido mais admitida em desfavor da pessoa jurídica? Estas e outras

indagações deverão experimentar respostas, após acurada pesquisa sobre a

realidade jurisprudencial brasileira sobre o tema em tela.

O último Capítulo do trabalho trata do modelo processual penal francês

utilizado para colocar em prática, naquele país, a responsabilidade penal da

pessoa jurídica (a chamada "Lei de Adaptação"). É importante dedicar atenção à

situação francesa, primeiro, porque tiveram os franceses a consciência cidadã

sobre a necessidade de enfrentamento responsável da questão da

responsabilidade penal da pessoa jurídica, tanto que cuidaram de criar uma lei

própria, inclusive processual, para dar efetividade ao instituto jurídico em

comento; segundo, porque a experiência francesa em muito pode vir a contribuir

para a realidade brasileira sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica, a

partir do momento que tivermos a humildade de copiar o modelo francês naquilo

que nos convier.

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Por derradeiro, oportuno registrar que o trabalho tem por propósito uma

visão panorâmica sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica no Direito

Penal pátrio, tema, repita-se, sabidamente polêmico, mas, que não deve ser

deixado de lado, a teor da previsão constante da Lei n. 9.605/98, que, em seu

artigo 3°, estabeleceu expressamente a imputação penal para o ente coletivo

infrator do meio ambiente e determinou quais as sanções compatíveis com sua

natureza peculiar. Trata-se, no caso, de norma legal cuja aplicabilidade está a

exigir postura firme e responsável por parte dos operadores do direito, porque, até

o presente momento, qualquer questionamento foi feito sobre a

constitucionalidade da referida lei. Se há dificuldades do ponto de vista processual

– para fazer valer a lei em comento – cabe aos responsáveis o enfrentamento

desse desafio, seja de construir uma legislação processual penal própria para a

Lei Ambiental, seja de encontrar outras alternativas viáveis para o alcance do

propósito maior de proteção do meio ambiente. O compromisso de efetividade da

Lei Ambiental configura um paradigma na história do Direito Penal brasileiro,

posto ao enfrentamento corajoso daqueles que têm compromisso responsável

com a almejada segurança jurídica.

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2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESSOA JURÍDICA

2.1 Conceito

Pessoa jurídica é uma entidade criada pela técnica jurídica, como

unidade orgânica e firme de pessoas para fins de natureza pública ou privada,

inteiramente distinta dos indivíduos que a integram, e dotada de personalidade

jurídica análoga à da pessoa natural, com a finalidade de ter direitos e adquirir

obrigações, ou seja, são pessoas que se reúnem para atingir seus objetivos, que

passam a fazer parte da vida jurídica, tornando-se sujeitos de obrigações e de

direitos, visando realizar certos fins.

São pessoas jurídicas de direito público interno: a União, os Estados, o

Distrito Federal, Territórios, Municípios e demais entidades de caráter público

criadas por lei.

De direito público externo são: os Estados estrangeiros e todas as

pessoas regidas pelo Direito Internacional.

Pessoas jurídicas de direito privado são as associações, sociedades e

fundações, sendo que as empresas públicas e as sociedades de economia mista

sujeitam-se ao regime jurídico das empresas privadas.

O dicionário Aurélio traz o seguinte conceito de pessoa jurídica:

[...] Entidade jurídica resultante dum agrupamento humano organizado, estável, e que visa a fins de utilidade pública ou privada e é completamente distinta dos indivíduos que o compõem, sendo capaz de exercer direitos e contrair obrigações, tais como a União, cada um dos Estados ou Municípios (pessoas jurídicas de direito público), e as sociedades civis, mercantis, pias, fundações, etc. (pessoas jurídicas de direito privado [...] (FERREIRA, 1993, p. 421).

Segundo ensinamento de Fernando Galvão, a pessoa jurídica pode ser

assim conceituada:

[...] A pessoa jurídica não se caracteriza por qualquer reunião de pessoas ou afetação de bens, mas somente quando a associação de pessoas ou o patrimônio se destinam a dar via a uma unidade orgânica

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de caráter duradouro que adquire individualidade própria, distinta da que é reconhecida a seus integrantes. A teoria tradicional concebe a pessoa sob duas formas: a corporação, cujo substrato é a associação de pessoas; e a fundação, que é constituída por um complexo de bens afetado por uma destinação específica [...] [...] Pode-se, assim, estabelecer como condições substanciais de existência da pessoa jurídica: 'uma organização de pessoas ou de bens, um fim, e o reconhecimento pelo Estado'[...] (ROCHA, 2002, p. 54).

Pessoas jurídicas são criadas por lei e constituídas pela união de

pessoas que se encorajam com a finalidade de alcançar um objetivo comum,

todavia, suas personalidades não se confundem, ou seja, são distintas e com

autonomia própria.

Neste sentido, o ensinamento de Silvio Rodrigues:

[...] A esses seres, que se distinguem das pessoas que os compõem, que atuam na vida jurídica ao lado dos indivíduos humanos e aos quais a lei atribui personalidade, ou seja, a prerrogativa de serem titulares do direito, dá-se o nome de pessoas jurídicas, ou pessoas morais.[...] (RODRIGUES, 2003, p. 86).

Destarte, conclui-se que as pessoas jurídicas são sujeitos de direitos e

obrigações independentes de seus sócios, havendo distinção de personalidades,

e seus patrimônios não se confundem.

Neste particular, pertinente o ensinamento também de Cézar Fiúza:

"[...] São entidades criadas para a realização de um fim e reconhecidas pela

ordem jurídica como pessoas, sujeitos de direitos e deveres. São conhecidas

como pessoas morais, no Direito Francês, e como pessoas coletivas, no Direito

Português [...]" (FIÚZA, 2008, p. 145).

2.2 Notícia histórica

Necessário se faz demonstrar uma breve exposição histórica sobre a

responsabilidade penal da pessoa jurídica envolvendo as variadas concepções

que o tema desencadeou ao longo da história da civilização humana para que se

possa ter uma melhor compreensão da discussão acerca do assunto.

A evolução da personificação começou no Direito Romano, um pouco

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embrionariamente, porém se desenvolveu com a expansão territorial romana, por

volta do Século II a.C, se estendendo até 300 d.C.

Naquele tempo, as sociedades eram impecavelmente reguladas, como,

p. exemplo, as sociedades dos banqueiros que firmavam contrato com o Estado

para arrecadação de impostos e prestação de serviços em obras públicas.

Inicialmente, o Direito Romano não conhecia a figura da pessoa

jurídica, distinguindo, corretamente, as figuras da sociedade e de seus membros;

todavia, o Município, como corporação mais importante, quando da cobrança

indevida de impostos, devia indenizar os contribuintes que foram lesados; assim,

o Direito Romano começava a aceitar a responsabilização de uma corporação, no

caso, o Município.

Sabe-se que na Idade Média instituiu-se a capacidade delituosa da

pessoa jurídica, sendo seus atos tidos como próprios da pessoa jurídica, e não de

seus representantes; porém, apenas no Século XIX que Savigny propôs a

expressão pessoa jurídica, e essa passou a fazer parte de todos os

ordenamentos jurídicos até hoje, fazendo com que fossem elaboradas normas de

proteção aos consumidores e trabalhadores, haja vista o enorme crescimento das

relações comerciais tendo como personagens principais as pessoas jurídicas.

Conclui-se, destarte, que entre a Idade Antiga e a Idade Média as

sanções de caráter coletivo é que imperavam. Com o surgimento do liberalismo,

as sanções coletivas foram suprimidas a favor das liberdades individuais, em

respeito às novas ideologias do mundo ocidental. Desta forma, as sanções penais

impostas às coletividades foram colocadas à margem do sistema punitivo do

Estado liberal.

Durante o século XIX, "o coletivo" permanecia esquecido pela

dogmática penal, apenas ressurgindo a inquietação de teorizar a seu respeito

com a vinda da Industrialização, ainda neste século, na medida em que aqueles

entes passariam a influenciar e monopolizar os meios de produção da economia.

No mesmo sentido, no período das duas grandes guerras, a

necessidade de intervir ativamente na ordem econômica veio à tona, pois forçoso

adequar a produção e distribuição de produtos e serviços visando proporcionar ao

cidadão um apropriado convívio social. Assim, necessário estabelecer medidas

repressivas pelos descumprimentos das determinações do Estado.

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As pessoas jurídicas, neste aspecto, tornariam objeto de tutela penal

dos Estados, tendo em vista sua participação direta nos meios de produção.

Sobre o tema em foco, imprescindível demonstrar, resumidamente,

algumas referências do Direito Comparado1:

Direito Holandês: a responsabilidade penal da pessoa jurídica foi

introduzida no Direito Penal Econômico por volta do ano de 1950, sendo que em

23 de junho de 1976, através de uma lei, tal responsabilidade foi estendida a todo

Direito Penal, permitindo ao Ministério Público fiscalizar tanto a pessoa física

quanto a jurídica.

Direito Inglês: desde o Século passado se tem notícia da

responsabilização penal das pessoas jurídicas na Inglaterra. Nos dias atuais, tal

responsabilidade encontra limite apenas na natureza do delito, p. ex.: homicídio,

adultério, etc. Sabe-se que na Inglaterra, a responsabilidade penal das pessoas

jurídicas é contemplada do mesmo modo por todos seus Estados.

Estados Unidos: assim como os demais países da Common Law2,

como p. ex. Canadá, Austrália, etc., os EUA adotam a responsabilidade penal da

pessoa jurídica. Importante salientar, que são imputadas às empresas todas as

infrações penais culposas que seu empregado, no exercício de suas funções,

praticar, mesmo que inexista vantagem para a empresa, como os crimes dolosos

praticados por executivo. No Canadá a regra geral é a responsabilização penal

das pessoas jurídicas, estabelecida da seguinte forma: por fato de outrem ou

pelas funções do agente da pessoa jurídica.

Dinamarca: não há previsão no Código de 1930 sobre a

responsabilidade penal da pessoa jurídica, mas diferentes leis posteriores foram

admitindo esta espécie de responsabilidade. Ao Ministério Público cabe escolher

contra quem oferecerá a acusação (pessoa física, jurídica, ou ambas), conforme

as provas obtidas.

1 CRISPIN, 2001. 2 Termo utilizado para referir-se a normas e regras de caráter jurídico não escritas, porém sancionadas pelo costume ou pela jurisprudência.

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França: a responsabilidade penal da pessoa jurídica só foi amplamente

aceita, após a reforma do Código Penal – Código Penal Francês de 1994. O

antigo Código Penal da França não dispunha sobre responsabilização ou não da

pessoa jurídica.

Itália: o princípio da responsabilidade individual é o que vigora na Itália,

sendo que é admitida a responsabilidade das pessoas jurídicas, subsidiariamente,

nos casos de pena pecuniária.

Japão: acolhe igualmente a responsabilidade penal da pessoa jurídica,

fundamentado na teoria de Gierke3 sobre a real responsabilidade dos entes

coletivos.

Brasil: a legislação brasileira trouxe, de forma expressa, a

possibilidade de se responsabilizar penalmente a pessoa jurídica, nos crimes

contra a ordem econômica, bem como em relação ao meio ambiente.

Portugal, os Decretos-lei n. 630/76 e n. 187/83, e o Decreto-lei n. 28,

de 20 de janeiro de 1984, consagraram a responsabilidade penal da pessoa

jurídica.

Espanha e Alemanha: resistem em aceitar a responsabilização penal

da pessoa jurídica, todavia, adotam a responsabilidade das pessoas jurídicas em

sede administrativa.

Assim, em linhas gerais, verifica-se que a responsabilidade penal da

pessoa jurídica no contexto mundial é seguida de modo tradicional na Inglaterra,

Estados Unidos e Austrália. Em tais países, vê-se que as pessoas jurídicas são

responsabilizadas de maneira habitual.

Ressalta-se, por oportuna, a lição do mestre Fernando Galvão:

[...] Os juristas mais apegados ao paradigma da responsabilidade individual resistem a idéia de que a pessoa jurídica possa ser penalmente responsabilizada, repetindo os argumentos da impossibilidade de aplicação da teoria do delito tradicional à pessoa

3 GIERKE, Otto Von. Professor de direito em Breslau, Heidelberg e Berlim. Sua teoria defende que pessoas jurídicas são de uma natureza simultaneamente corpórea e espiritual.

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jurídica. No cenário internacional, muitos são os doutrinadores de renome que sustentaram ou sustentam posição contrária à responsabilização da pessoa jurídica. Nos países cuja legislação não acolhe a responsabilidade da pessoa jurídica, destacam-se os doutrinadores alemães, italianos e espanhóis [...] Nos dias atuais, a necessidade e conveniência de se utilizar o direito penal contra a pessoa jurídica tem sido cada vez mais defendida [...] Com a opção da Constituição brasileira pela responsabilidade da pessoa jurídica e a entrada em vigor da Lei n. 9.605/98, os doutrinadores nacionais serão obrigados a tomar outra posição. Inobstante a necessidade de se repensar toda a formulação teórica do direito penal, o número de juristas que já se posicionam favoravelmente à responsabilização do ente moral no direito penal brasileiro cresce a cada dia. Os penalistas José Henrique Pierangelli, Sérgio Salomão Schecaira, João Marcelo de Araújo Júnior, Valdir Sznick, Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas sustentam válido o estabelecimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica pela ordem jurídica em vigor [...] Na verdade, interpretar os dispositivos constitucionais de modo a não admitir a responsabilidade penal da pessoa jurídica significa desatender à finalidade protetiva da norma jurídico-constitucional e afrontar a política criminal que legitimamente se consagrou [...] (ROCHA, 2002, p. 37 e segs).

2.3 Natureza jurídica

A natureza das pessoas jurídicas é das mais debatidas, existindo

diversas teorias que abordam o assunto, porém, a menção a esta questão

controversa é importante por ter ampla repercussão na prática, pois a

abrangência da relação formada entre o Direito e a pessoa jurídica depende

essencialmente de sua natureza. Ademais, é a sua natureza que elucidará a

possibilidade ou não de sua responsabilização civil e penal.

Existem enormes divergências doutrinárias a respeito da natureza

jurídica das pessoas jurídicas. Alguns defendem que a pessoa jurídica é um ente

real, incumbindo ao Direito somente conferir-lhe personalidade; de outro lado,

existem aqueles que defendem a pessoa jurídica como uma invenção do Direito,

ou seja, uma ficção jurídica.

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2.3.1 Teoria da ficção

Referida teoria originou-se do Direito Canônico, baseada no Direito

Romano, segundo a qual a pessoa jurídica é uma ficção legal, apenas um fruto da

imaginação, uma criação da lei, puro devaneio.

Pela teoria da ficção, a pessoa jurídica não possui vontade própria, tem

existência ficta, de pura abstração, há falta de consciência, vontade e finalidade

para que se configure o fato típico, bem como imputabilidade e possibilidade de

conhecimento do injusto, necessários para a culpabilidade, sendo assim, não há

possibilidade de delinqüir e responder por seus atos.

As decisões das pessoas jurídicas são tomadas por seus membros,

que são pessoas naturais passíveis de responsabilização por suas ações e

omissões. Devido à falta de vontade finalística, esse ente não pode realizar

comportamentos dolosos, tampouco culposos, porque o dever de cuidado só

pode ser exigido daqueles que possuem liberdade para optar entre prudência e

imprudência, cautela e negligência, acerto ou imperícia. Na verdade, quem

comete os delitos não é a pessoa jurídica e sim seus diretores ou funcionários

independente dos interesses ou dos motivos para o delito, mas, mesmo que elas

pudessem realizar fatos típicos, não poderíamos dizer que as empresas seriam

responsáveis por seus atos de censura ou culpabilidade.

Tem amparo no brocado romano "societas delinquere non potest"

(pessoa jurídica não pode cometer delitos), e seus principais argumentos são:

ausência de consciência, vontade e finalidade

ausência de culpabilidade

ausência de capacidade de pena

ausência de justificativa para a imposição da pena.

A Teoria da ficção baseia-se na Teoria da Vontade, ou seja, o direito

subjetivo é considerado um poder da vontade que apenas pode ser conferido ao

homem, que é único apropriado a ser titular de direitos. Segundo referida teoria,

as pessoas jurídicas são entes fictícios instituídas pelo Direito, não são reais.

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Segundo Savigny4 apud Rodrigues (1995, p. 65), as pessoas jurídicas

não poderiam ser responsabilizadas por atos ilícitos que seus administradores

venham a praticar, tendo em vista que tais atos não podem refletir nas

corporações criadas para desempenhar atos lícitos. A pessoa jurídica é

considerada uma entidade artificial, sem vontade e capacidade de ação, assim,

acredita-se que não poderá cometer um ato ilícito.

A idéia de realização de atos ilícitos pela pessoa jurídica forma uma

contradição entre seu conceito e sua destinação. Apenas por ficção, poder-se-ia

imaginar que a vontade e a capacidade de ação espontaneamente emanado de

uma pessoa física pudesse ser relacionada a uma pessoa jurídica para atribuir-lhe

personalidade jurídica.

Sustentar a irresponsabilidade da pessoa jurídica, contudo, importa em

violação do princípio da equidade. Se a pessoa jurídica tem capacidade de

receber benefícios, deve também ter capacidade de responder pelos danos

produzidos. A fundamentação dogmática para a responsabilidade da pessoa

jurídica é uma reivindicação de ordem prática que comina em conceber a pessoa

jurídica de modo que seja plausível instrumentalizar sua responsabilidade. A

teoria da ficção não permite fundamentar a responsabilidade da pessoa jurídica e,

por isso, não possui utilidade pública.

Luiz Vicente Cernicchiaro (1980), favorável a esta teoria, justifica que

como a pessoa jurídica não é provida de consciência e de vontade própria, a ela

conseqüentemente não se aplicariam os princípios da responsabilidade pessoal e

da culpabilidade, que se restringem à pessoa física. A sanção do Direito Penal é

dirigida como reprovação à pessoa física, a pessoa jurídica necessita ser vista

com suas particularidades e sua responsabilidade jurídica não deve decorrer

como se a pessoa jurídica fosse dotada de vontade, deverá, sim, sofrer sanções

quando necessário, mas, não sanções penais, já que a nossa Carta Magna não

afirmou a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

A teoria da ficção não consegue consolidar-se para elucidar a natureza

da pessoa jurídica e os empenhos dogmáticos avançam em outros sentidos.

4 SAVIGNY, Friedrich Karl von. Traité de droit romain. 2. ed. Trad. Guéneoux. Paris: Firmin Didot, 1949-1956. 8 v.

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2.3.2 Teoria da realidade objetiva

A teoria da realidade objetiva teve como seu precursor Otto Gierke.

Com base nessa teoria, as pessoas jurídicas são consideradas como entes de

vontade própria; a pessoa jurídica é tão pessoa quanto as pessoas naturais, que

tem existência e vontade própria, visando a realização de um objetivo social.

A teoria da realidade objetiva imagina a pessoa jurídica como uma

pessoa real, um ente social verdadeiramente existente, com vontade própria e

vida autônoma em relação aos seus dirigentes. Indagam os realistas, ainda, que

as pessoas jurídicas proporcionam perigosidade especial, pela característica e

abundância dos recursos que podem mobilizar. Os mais destacados

representantes dessa corrente doutrinária foram Gierke e Mestre. Entre nós,

Clovis Bevilaqua (1999, p. 237) sustenta que "com a associação, se forma um

mesmo modo que o indivíduo, deve ser, juridicamente, reconhecido como

existindo realmente, como dotado de atividade, e não como um ser fictício."

Sendo atribuída tanto à pessoa natural quanto à pessoa física, a

vontade é analisada como apta a dar vida ao organismo e atribuir-se à qualidade

de sujeito. Na corporação, a vontade é complexa, diferente da vontade individual

de seus membros ou da soma destes. Todavia, a vontade é um instituto abstrato

e a construção de Zitelmannn é tão artificial como aquela que utiliza de ficção

para avaliar a pessoa jurídica como sujeito de direitos.

Para essa teoria a pessoa jurídica possui personalidade real, vontade

própria, sendo capaz de ação e de praticar atos ilícitos, sendo capaz, deste modo,

de responsabilidade civil e penal, sendo, portanto, reconhecida sua capacidade

criminal.

A pessoa jurídica tem vontade própria, pois, essa nasce e vive da

vontade individual de seus membros. Essa vontade se revela a cada etapa de sua

vida, pela reunião, pela deliberação, pelos votos de seus membros, acionistas,

conselho, direção. Desse modo, a vontade coletiva pode cometer crimes tanto

quanto a vontade individual, conforme a doutrina francesa.

Pode, também, ser responsável por seus atos e o juízo de

culpabilidade deverá adaptar-se às suas características; a reprovação na conduta

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da pessoa jurídica baseia-se na exigência de uma conduta diversa, que é

perfeitamente possível.

A vida da pessoa jurídica seria tão independente da vida de seus

membros como a vida do homem é independente da vida de suas células.

2.3.3 Teoria da realidade jurídica

Essa teoria é uma das mais defendidas hoje em dia e, por ela, as

pessoas jurídicas são criadas pelo Direito que lhes confere personalidade, assim

como confere às pessoas físicas.

Assim, a personalidade jurídica é considerada um atributo que o

ordenamento jurídico concede a determinados entes, não sendo ficção, e tem

como finalidade o bem-estar dos seres humanos.

Tal teoria é a que fornece a explicação mais adequada para a

existência da pessoa jurídica. Segundo essa teoria, a pessoa jurídica possui

existência real, mas sua realidade não equivale à das pessoas físicas. Não se

pode negar que as pessoas jurídicas existem no ambiente social e cumprem

atividades relevantes, como é o caso do Estado. Não seria possível idealizar a

pessoa jurídica sem atribuir-lhe direitos próprios. O ordenamento jurídico deve

tutelar não exclusivamente os interesses individuais, mas do mesmo modo os

interesses coletivos. Na corporificação desses interesses de grupo, a pessoa

jurídica pode ser titular de direito e esse fato não pode ser considerado como

ficção.

A realidade da pessoa jurídica é puramente técnica, jurídica, jamais

uma realidade ontológica. A pessoa jurídica não existe no mundo naturalístico,

mas no mundo abstrato criado pela ordem jurídica. O começo e o fim da

personalidade da pessoa jurídica estão condicionados ao acolhimento dos

requisitos legais. Não se trata de reconhecer algo que se constata na natureza,

mas de estabelecer a possibilidade da aglutinação de interesses coletivos em um

único centro de convergência. A pessoa jurídica só existe porque a ordem jurídica

prevê a sua existência, como instrumento de realização de fenômenos jurídicos. A

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pessoa jurídica é criação do Direito que, por sua vez, pode e deve regular os

efeitos jurídicos de suas intervenções no ambiente social.

2.4 Classificação

As pessoas jurídicas podem se classificar da seguinte maneira:

1. Pessoa Jurídica de Direito Público – divide-se em Direito Público

Interno e Externo;

2. Pessoa Jurídica de Direito Privado.

Em seus artigos 40 e 42, o Código Civil de 2002, assim classifica as

pessoas jurídicas:

Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado. Art 42. São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público.

Já em seus artigos 41 e 44, assim dispõe:

Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno: I – a União; II – os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; III – os Municípios; IV – as autarquias, inclusive as associações públicas; V – as demais entidades de caráter público criadas por lei [...]. Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I - as associações; II - as sociedades; III - as fundações. IV - as organizações religiosas; V - os partidos políticos [...].

Cabe, aqui, ressaltar o artigo 43 do Código Civil:

As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os

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causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. (grifei)

As pessoas jurídicas de Direito Público Externo são reguladas pelo

Direito Internacional, ou seja, pelos países e organizações internacionais como a

Organização das Nações Unidas.

A União é considerada uma pessoa jurídica de Direito Público Interno,

quando das relações com seus Estados-Membros e os Municípios que compõem

o País; já quando desempenha um papel em âmbito internacional, nas relações

com outros países, é considerada uma pessoa jurídica de Direito Público Externo.

As pessoas jurídicas de Direito Público Interno são grupos que

representam uma organização política ou entidades formadas com finalidade

pública, como p. ex. a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Já a pessoa jurídica de Direito Privado é todo ente constituído por

iniciativa privada, quer com interesses coletivos, quer com interesses particulares.

As sociedades, associações, fundações, sociedades mercantis e

partidos políticos são exemplos de pessoas jurídicas de Direito Privado.

2.5 Início da existência jurídica

Para que se tenha início a pessoa jurídica, fazem-se necessários

alguns requisitos: a pessoa jurídica deve ser constituída através de um ato

jurídico e depende de autorização do Estado. Dois critérios são indispensáveis

para sua formação: a autorização por ato do Estado e o cumprimento de algumas

formalidades exigidas por lei.

A pessoa jurídica sob o aspecto societário é a sociedade legitimamente

constituída através de instrumento escrito, público ou particular, devidamente

registrado no órgão competente. Sua existência começa legalmente a partir do

momento em que seus atos constitutivos (contrato ou estatuto) são registrados no

órgão competente. Este registro poderá, quando necessário, ser precedido de

autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as

alterações havidas no ato constitutivo.

O artigo 46, caput¸ do Código Civil de 2002, assim dispõe:

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[...] começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo [...]

2.6 Capacidade e representação

A partir de seu registro, a pessoa jurídica passa a figurar no mundo

jurídico, reconhecida sua capacidade para exercer todos os atos permitidos pelo

ordenamento jurídico, sendo que tal capacidade decorre naturalmente de sua

personalidade, tendo em vista que a mesma passa a ser sujeito de direitos e

obrigações. Todavia, seus direitos estão limitados à ordem patrimonial, tendo em

vista sua característica fictícia, pois não seria coerente conceder-lhe direitos

personalíssimos intrínsecos do ser humano.

A capacidade da pessoa jurídica emana da personalidade que a ordem

jurídica lhe reconhece por ocasião do seu registro; a pessoa jurídica tem

capacidade para exercer todos os direitos compatíveis com a natureza especial

de sua personalidade.

Importante salientar que as sociedades empresárias devem registrar

seus atos constitutivos no Registro Público de Empresas Mercantis, enquanto as

sociedades simples devem se registrar no Cartório Civil de Pessoas Jurídicas,

conforme prescreve o Código Civil.

Em situações normais, a pessoa jurídica responde pelos seus atos, ou

seja, é o patrimônio da pessoa jurídica que será vitimado ante as dívidas por ela

adquiridas; contudo, diante da necessidade de se proteger os credores da má-fé

de administradores que se abrigavam atrás da pessoa jurídica para cometerem

abusos e ilegalidades, criou-se a teoria da desconsideração da pessoa jurídica.

Por essa teoria, a responsabilidade pelos atos da pessoa jurídica é expandida

para a pessoa dos sócios, que poderão ter seus patrimônios particulares

atingidos, caso a mesma não consiga fazer face as suas obrigações.

No entanto, essa teoria só se aplica nas hipóteses de desvio de

finalidade e confusão patrimonial. O desvio de finalidade é caracterizado pelo

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abuso da personalidade e fraude à lei; já a confusão patrimonial se identifica

quando há identidade entre o interesse particular do sócio e o da sociedade.

Asseveram alguns doutrinadores que a confusão patrimonial sem que

seja apurada qualquer ilicitude não pode, por si só, aprovar a desconsideração da

personalidade jurídica, pois o que se deve reprimir é a fraude e a má-fé.

Desse modo, verifica-se que através da Teoria da Desconsideração da

Personalidade Jurídica não se destrói a pessoa jurídica, que continua a existir,

sendo desconsiderada apenas no caso concreto. Assim, a constituição da pessoa

jurídica não produz efeitos apenas no caso em julgamento, permanecendo válida

e inteiramente eficaz para todos os outros fins.

Atualmente, desconsidera-se a personalidade jurídica para atingir o

patrimônio pessoal de seus sócios quando a sociedade é utilizada como

instrumento para a fraude e abuso de direito.

O escopo da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica é

justamente possibilitar a coibição da fraude, sem afetar o próprio instituto da

pessoa jurídica, isto é, sem discutir a regra da separação de sua personalidade e

patrimônio em relação aos de seus membros. Em outros termos, a teoria tem o

desígnio de preservar a pessoa jurídica e sua autonomia enquanto instrumentos

jurídicos indispensáveis à organização da atividade econômica, sem deixar ao

desabrigo terceiros vítimas de fraude.

O novo Código Civil (2002) passou a tratar da desconsideração da

personalidade jurídica em seu art. 50:

[...] Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, o juiz pode decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica [...]

A desconsideração é abordada no novo Código Civil como uma forma

de coibição ao abuso na utilização da personalidade jurídica das sociedades,

alicerce primitivo da própria teoria da desconsideração.

A nova legislação deixa claro que a desconsideração não extingue a

pessoa jurídica, mas estende os efeitos de determinadas obrigações aos sócios e

administradores, vale dizer, há uma suspensão episódica da autonomia da

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pessoa jurídica.

É importante ressaltar, no entanto, que não se trata de uma novidade,

pois a aplicação da desconsideração independe de fundamento legal, e já podia

ser aplicada com os mesmos contornos. Todavia, nossa tradição, extremamente

ligada ao direito escrito, impõe o acolhimento da teoria da desconsideração pelo

direito positivo, facilitando sua aplicação, tendo em vista a existência de um

fundamento legal explícito. Logo, a positivação da teoria em tais termos mostra-se

extremamente interessante, para se reconhecer a relativização da personalidade

jurídica.

2.7 Fim da existência jurídica

As sociedades se extinguem de duas maneiras: pela dissolução e pela

liquidação. Pela primeira, ocorre a extinção da sociedade quando seus sócios

manifestam suas vontades ou com o fim de sua duração; pela liquidação, as

sociedades são extintas através de ato lavrado por autoridade competente.

Existe também a forma de extinção da sociedade pela verificação de

sua inexequibilidade; pela morte ou incapacidade de um dos sócios; pela

insolvência ou extinção do capital social.

Com o fim da pessoa jurídica, o patrimônio que a ela pertencia será

destinado da seguinte forma: se for sociedade, será dividido entre os sócios; se

for associação, será devolvido à pessoa a qual foi definida em estatuto; e, no caso

de omissão, àquela em que a lei determinar. Já uma fundação se extinguirá

quando for verificada que sua finalidade é nociva ou, ainda, pela impossibilidade

de sua manutenção, sendo seu patrimônio incorporado ao patrimônio de outra

fundação similar à anteriormente existente.

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3 A RESPONSABILIDADE CIVIL COMO REFERÊNCIA

3.1 A responsabilidade civil subjetiva ou da culpa e a responsabilidade civil objetiva ou do risco

Juridicamente o termo responsabilidade normalmente está ligado ao

fato de respondermos pelos atos que praticamos. Revela, então, um dever, um

compromisso, uma sanção, uma imposição decorrente de algum ato ou fato.

Toda manifestação da atividade humana acarreta, em si, o enigma da

responsabilidade. Referida palavra origina-se do latim, "re-spondere", que

consiste no conceito de segurança ou garantia da devolução ou indenização. Diz-

se, portanto, que responsabilidade demonstra a idéia de equivalência de contra-

prestação, de correlação.

Neste contexto, é muito feliz a definição de De Plácido e Silva

[...] dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe são impostas. Onde quer, portanto, que haja obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou penalidades, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção. (DE PLÁCIDO E SILVA, 1993, p. 125).

No sentido de suportar sanções, responsabilidade pode traduzir a idéia

de relação obrigacional secundária, que surge quando a relação de débito não

chega a bom termo, ou seja, quando a obrigação não é adimplida. Diz-se,

portanto, que uma situação obrigacional se desdobra em duas relações: uma de

débito, outra de responsabilidade. A segunda surge, quando a primeira não se

resolve a contento, isto é, quando o devedor não realiza a prestação a que se

obrigara. Neste caso, responde patrimonialmente perante o credor, daí se falar

em responsabilidade.

O Direito Civil moderno aplica o princípio da culpa como fundamental

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da responsabilidade extracontratual, trazendo, contudo, ressalvas para a

responsabilidade por risco, criando-se, assim, um sistema mesclado de

responsabilidade.

A responsabilidade civil pode ser subjetiva ou objetiva.

A subjetiva se refere à culpa do agente, que necessita ser comprovada

para provocar indenização. A responsabilidade do causador do dano somente se

configura quando ele agir com dolo ou culpa. Trata-se da teoria clássica, também

conhecida como teoria da culpa ou subjetiva, segundo a qual a prova da culpa

lato sensu (abrangendo o dolo) ou stricto sensu se funda numa suposição do

dano indenizável.

A responsabilidade civil objetiva independe do conceito de culpa,

ensejando a aplicação da Teoria do Risco, em que a responsabilidade do agente

decorre do seu próprio ato que oferece perigo de lesão ao patrimônio de outrem;

à responsabilidade civil subjetiva é indispensável a existência do elemento culpa

na conduta do agente, da qual resultou dano a alguém. A investigação da culpa

determina ao agente o grau de sua responsabilidade, impondo-lhe, ao mesmo

tempo, o dever de indenizar o prejudicado conforme seja a extensão do dano,

associada à culpa na sua ação.

Entretanto, a lei impõe, em algumas situações, a obrigação de se

reparar o dano, independentemente de culpa. É a teoria objetiva ou do risco, que

abstrai de comprovação da culpa para ocorrência da indenização. Havendo o

dano e o nexo de causalidade, justifica-se a responsabilidade civil do agente. Em

alguns casos, a culpa é presumida – responsabilidade objetiva imprópria – em

outros, a prova da culpa é absolutamente prescindível – responsabilidade civil

objetiva propriamente dita. Verifica-se que a obrigação de indenizar está

intimamente ligada à questão da prova da culpa.

É no sentido de satisfazer a prestação convencionada ou no de

suportar as sanções legais, que responsabilidade tem a ver com a prescrição, que

seria a extinção da responsabilidade do devedor, que não mais responderia

perante o credor por não ter adimplido a obrigação.

Tendo em vista que não é só na esfera do Direito Civil que

respondemos pelos atos que praticamos, que devemos satisfazer prestações ou

suportar sanções, pode falar-se em responsabilidade também em outros ramos

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do Direito. Assim, as responsabilidades penal, administrativa, tributária,

trabalhista, etc.

A teoria da responsabilidade civil não teve construção no Direito

Romano; todavia, não se pode abandonar a contribuição dos romanistas para a

evolução histórica de tal instituto. Das decisões de juízes, dos estudos de juristas

e das constituições imperiais, foram extraídos os princípios e conceitos da

responsabilidade civil.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu art. 37, § 6º, o

seguinte: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (VADE MECUM, 2007, p. 36).

O Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078, de 11 de setembro

de 1990, também previu a responsabilidade objetiva, estabelecendo o seguinte:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (VADE MECUM, 2007, p. 620).

O Código Civil de 2002, em seu artigo 927, parágrafo único, também

previu a responsabilidade civil objetiva e, em seu artigo 186, a reparação do dano

exclusivamente moral. (VADE MECUM, 2007, p. 192).

Todo aquele que causar dano a outrem é compelido a repará-lo e

alguns pressupostos da responsabilidade Civil são imprescindíveis.

O art. 186 do Código Civil de 2002 estabelece que:

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (VADE MECUM, 2007, p. 160).

São pressupostos da responsabilidade civil: conduta humana (ação ou

omissão); culpa ou dolo do agente; relação de causalidade; e o dano

experimentado pela vítima.

Contudo, nosso direito positivo não só admitiu, como priorizou muito

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mais a idéia de responsabilidade civil sem culpa, ou seja, a responsabilidade civil

objetiva, assim, não se pode aceitar a culpa ou dolo do agente como pressuposto

ou elemento essencial da responsabilidade civil.

Com o desenvolvimento do nosso Direito Civil, já não se acolhe a

ultrapassada concepção de que a responsabilidade civil está sempre interligada à

culpa. Ao contrário, o que se verifica é a predominância de demandas judiciais

indenizatórias constituídas em responsabilidade sem culpa. Caiu por terra,

destarte, a assertiva de que a responsabilidade subjetiva é a regra e a

responsabilidade objetiva a exceção.

Caio Mário da Silva Pereira, assim preleciona:

A abolição total do conceito da culpa vai dar num resultado anti-social e amoral, dispensando a distinção entre o lícito e o ilícito, ou desatendendo à qualificação da boa ou má conduta, uma vez que o dever de reparar tanto corre para aquele que procede na conformidade da lei, quanto para aquele outro que age ao seu arrepio. (PEREIRA, 1997, p. 256).

Também, segundo Sílvio Venosa, ao comentar o parágrafo único do

927, do Código Civil, relata:

O novo código civil não fará desaparecer a responsabilidade com culpa em nosso sistema. A responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada quando existe lei expressa que a autorize. Portanto, na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva, pois esta é a regra geral no direito brasileiro. Em casos excepcionais, levando em conta os aspectos da nova lei, o juiz poderá concluir pela responsabilidade objetiva no caso que examina. No entanto, advirta-se, o dispositivo questionado explica que somente pode ser definida como objetiva a responsabilidade do causador do dano quando este decorrer de 'atividade normalmente desenvolvida'' por ele. (VENOSA, 2007, p. 32).

3.1.1 Conduta humana

A conduta humana, como pressuposto da responsabilidade civil, é o

ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente

imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa

inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do

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lesado.

Assim, constata-se que a responsabilidade decorrente de ato ilícito

baseia-se no juízo de culpa, enquanto que a responsabilidade sem culpa

(objetiva) funda-se no risco.

Por outro lado, essa conduta, positiva ou negativa, passível de

responsabilidade civil pode ser praticada: a) pelo próprio agente causador do

dano; b) por terceiros, nos casos de danos causados pelos filhos, tutelados,

curatelados (art. 932, I e II), empregados (art. 932, III), hóspedes e educandos

(art. 932, IV); e, ainda, c) por fato causado por animais e coisas que estejam sob

a guarda do agente (art. 936).

3.1.2 Dano

É indispensável a comprovação do dano para que a conduta humana

acarrete a responsabilidade civil do agente. Se o dano não ficar comprovado, não

há falar em responsabilização, tendo em vista ser o mesmo um dos pressupostos

da responsabilidade civil, assim, inexistindo o dano, inexiste a indenização.

Não se pode falar em indenização, em ressarcimento, em

compensação se não existir o dano. A responsabilidade sem culpa pode ser

caracterizada, contudo, a responsabilidade sem o dano não se caracteriza.

O dano é elemento essencial na responsabilidade civil. A

responsabilidade civil somente se caracteriza, obrigando o infrator à reparação,

no caso de seu comportamento antijurídico infligir a outrem um prejuízo. A noção

de dano supõe que a vítima seja atingida em uma situação de que ela se

beneficiava, lesada em uma vantagem que possuía.

Está sujeito a indenizar aquele que causa prejuízo em termos

matematicamente reduzidos, da mesma forma aquele outro que cause dano de

elevadas proporções. É o que resulta dos princípios e que é amparado na

jurisprudência. A importância quantitativa do dano é muito relativa. O que

orientará a Justiça, no tocante ao dever ressarcitório, é a lesão ao direito ou o

interesse da vítima, e não a sua extensão pecuniária. Na ação de perdas e danos,

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a vítima procede para evitar o prejuízo e não para obter vantagem; nem por isso é

despicienda a valoração do prejuízo.

O dano pode ser caracterizado da seguinte forma: patrimonial ou

extrapatrimonial.

3.1.3 Dano patrimonial

Consiste na lesão, no estrago concreto ao patrimônio da vítima, que

ocasiona perda ou deterioração dos bens materiais pertencentes à vítima,

podendo ser a mesma indenizada monetariamente pelo responsável.

O dano patrimonial engloba, ainda, o dano emergente – que é o

efetivamente perdido – e os lucros cessantes – aquilo que se deixou de ganhar

em virtude do dano.

Se o acometimento se dirigir ao bem material, o dano será material,

chamado pela doutrina de patrimonial – verifica-se que se o dano for patrimonial,

já, por si, será indenizável. Tal é o caso de alguém que destrói um objeto alheio.

No entanto, para que ocorra o dever de indenizar não bastam, portanto,

um ato ou conduta ilícita e nexo causal; é necessário que tenha havido decorrente

repercussão patrimonial negativa no acervo de bens de quem reclama.

Segundo a Profª. Maria Helena Diniz, dano patrimonial é

[...] a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial , dos bens materiais que lhe pertencem sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável. Mede-se pela diferença entre o valor atual do patrimônio da vítima e aquele que teria, no mesmo momento, se não houvesse a lesão. (DINIZ, 2008, p. 22).

3.1.4 Dano moral

Trata-se de lesão de interesse não patrimonial de pessoa física ou

jurídica. Nossa Constituição de 1988 fortaleceu a posição da pessoa humana,

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bem como de sua dignidade, conseguindo determinar, de maneira incisiva, o

dever de reparar os prejuízos injustamente causados à pessoa humana, a saber:

ofensas à personalidade, alguma forma de dor, sofrimento ou angústia.

O instituto do dano moral cujo direito à reparabilidade durante muitos anos

foi elemento de debates pelos doutrinadores, foi decisivamente adotado pela

nossa Constituição de 1988, expresso no Artigo 5º, incisos V e X; o direito à

reparação por danos morais sofridos, sendo este instituto uma garantia dos

direitos individuais.

Para a configuração do dano moral, com seus aspectos preventivo e

pedagógico, necessária a manifestação dos seguintes pressupostos: ação ou

omissão do agente, ocorrência de dano, culpa e nexo de causalidade.

Apenas haverá direito à indenização por danos morais,

independentemente de a responsabilidade ser subjetiva ou objetiva, se existir um

dano a se reparar, e o dano moral que pode e deve ser indenizado é a dor, pela

angústia e pelo sofrimento relevantes que cause grave humilhação e ofensa ao

direito de personalidade.

Importante salientar que não é qualquer dissabor ou coação que deve

ser considerado dano moral, necessitando de ser visto e entendido, o dano moral,

como uma dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade,

interfira intensamente no comportamento psicológico da pessoa, causando-lhe

sofrimento, angústia e desequilibro em seu bem-estar e sua integridade psíquica.

No dias atuais, o entendimento referente ao dano moral é no sentido de

que ele não corresponde a dor, mas revela efeitos danosos marcados pela dor,

pelo sofrimento, pelas humilhações, modificadas em insensibilidade, morbidez

mental, que tomam conta do ofendido, como o surgimento do desgosto íntimo, a

humilhação, a dor, a vergonha, o constrangimento de quem é molestado em sua

honra ou dignidade, vexame e a repercussão social pela ofensa a um direito de

personalidade. Objetivando o abrandamento desse estado de melancolia, de

desânimo, há de se proporcionar o ressarcimento adequado para a recuperação

da vítima.

De modo óbvio que não se está pagando a dor, nem lhe atribuindo um

preço e, sim, abrandando o sofrimento da vítima.

Desta forma, a condenação do ofensor em danos morais, implica em

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reparar o necessário para que se propicie os meios de atenuar o sofrimento

experimentado pela vítima.

3.1.5 Culpa

A teoria da Culpa, no Direito brasileiro, originou-se da Lei Aquiliana do

Direito Romano, sendo esta conhecida como a primeira lei que regulamentou a

questão da responsabilidade civil, assumindo o elemento culpa como sua

característica. Também conhecida como Teoria Aquiliana ou Teoria Clássica.

É na Lei Aquiliana que se esboça, fundamentalmente, o princípio da

reparação do dano. Não obstante se reconheça que não continha ainda uma

regra de conjunto, nos moldes do direito moderno, era, sem nenhuma dúvida, o

agente da jurisprudência clássica com relação à injúria, e fonte direta da moderna

concepção da culpa aquiliana, que tomou da Lei Aquiliana o seu nome

característico.

Assim, no Direito brasileiro, com base na lei romana, fora adotada a

teoria da culpa.

A culpa, na teoria da responsabilidade subjetiva, é o elemento distintivo

em relação à teoria objetiva, sendo introduzida pelo Código Civil Francês de 1804

a noção de culpa na responsabilidade civil. (KFOURI NETO, 1996).

Culpa é a infração de uma obrigação preexistente, de que a lei ordena

a reparação quando causou um dano a outrem, sendo elemento basilar da

responsabilidade civil.

A culpa é caracterizada quando o agente age com negligência,

imperícia ou imprudência.

Negligência significa desprezar, desatender. É a falta de diligência na

prática ou realização de um ato. Em termos jurídicos pode-se concluir pela

omissão ou inobservância de um dever a cargo do agente, compreendido nas

precauções necessárias para que fossem evitados danos não desejados e, por

conseguinte, evitáveis.

Imprudência é a falta de cautela, a precipitação ou a ousadia no modus

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agendi em contradição com as normas do procedimento racional.

Imperícia significa inexperiente, não hábil. Em termos jurídicos

corresponde à falta de prática ou à ausência de conhecimentos que, no exercício

de determinada profissão ou de alguma arte, seriam necessários ou precisos.

3.1.6 Nexo de causalidade

O nexo de causalidade entre a conduta humana e o dano é

evidenciado no artigo 186 do Código Civil de 2002:

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (VADE MECUM, 2007, p. 152).

Sem o nexo causal, não há a obrigação de indenizar. Se a causa do

dano não estiver ligada ao comportamento do agente, não há falar em relação de

causalidade, assim, também não há obrigação de indenizar. Daí, entende-se que

o nexo de causalidade é a ligação entre a conduta humana e o dano.

No campo do Direito Processual Civil, com a obrigação de se reparar o

dano independentemente de comprovação de culpa, alguns aspectos

controversos surgirão, em demandas judiciais, acerca da responsabilidade civil

objetiva.

Em uma ação judicial, o juiz deverá motivar sua decisão baseando-se,

sempre, nas causas de pedir. Na responsabilidade subjetiva analisará, sempre, a

conduta humana, o nexo causal, o dano e a culpa. Na responsabilidade objetiva,

por sua vez, deverá analisar a conduta humana, o nexo causal, o dano e o risco.

A culpa e o risco são, portanto, elementos que diferenciam as causas de pedir

desses dois sistemas de responsabilidade.

Inexistindo identidade entre as causas petendi dos dois sistemas de

responsabilização, por óbvio, não poderá o juiz inovar no processo, alterando a

causa de pedir da demanda.

Assim dispõe o art. 264 do Código de Processo Civil:

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Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei. Parágrafo único: A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo. (VADE MECUM, 2007, p. 263).

O art. 460, do mesmo estatuto processual, estabelece que:

É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

Das disposições processuais acima transcritas, extrai-se, ainda que

durante a instrução do processo comprove-se o nexo de causa e efeito entre a

conduta, o risco e o evento danoso, se a pretensão do autor não se fundamentou

no risco, mas sim na culpa, não há falar em responsabilidade objetiva do agente

causador do dano.

Conseqüentemente, não poderá o juiz, numa ação judicial baseada

apenas na responsabilidade civil subjetiva, condenar o agente causador do dano

a indenizar a vítima com base na ocorrência da responsabilidade civil objetiva,

sob pena de nulidade da sentença.

Para se caracterizar a obrigação de indenizar devem estar presentes

os seguintes requisitos: ação ou omissão voluntária, relação de causalidade ou

nexo causal, dano e, finalmente, culpa. No tocante à culpa, advertimos que a

tendência jurisprudencial cada vez mais marcante é de dilatar seu conceito.

Nasceu, daí, a noção de culpa presumida, sob o prisma do dever comum de não

prejudicar. Esse embasamento fez também nascer a teoria da responsabilidade

objetiva, presente na lei em várias ocasiões, que desconsidera a culpabilidade,

ainda que não se confunda a culpa presumida com a responsabilidade objetiva.

Daí, porque a escassez da fundamentação da teoria da culpabilidade

induziu à concepção da teoria do risco, a qual admite que o sujeito é responsável

por riscos ou ameaças que sua atuação promove, ainda que coloque toda

atividade para evitar o dano. Trata-se da chamada teoria do risco criado e do

risco-benefício. O sujeito obtém vantagens ou benefícios e, em razão dessa

atividade, deve indenizar os danos que ocasiona. Em síntese, cuida-se da

responsabilidade sem culpa em inúmeras situações nas quais sua comprovação

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inviabilizaria a indenização para a parte presumivelmente mais vulnerável. A

legislação dos acidentes do trabalho é o melhor exemplo.

O Código Civil de 2002 inovou neste aspecto, no parágrafo único do

artigo 927, prescrevendo que a responsabilidade objetiva aplica-se, além dos

casos descritos em lei, também "quando a atividade normalmente desenvolvida

pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

(VADE MECUM, 2007, p. 193).

Assim, o magistrado poderá definir como objetiva, ou seja,

independente de culpa, a responsabilidade do causador do dano no caso

concreto. Essa expansão da noção de responsabilidade compõe, na verdade, a

maior inovação do novo Código Civil em matéria de responsabilidade e requererá,

sem dúvida, um cuidado extremo da nova jurisprudência. Nesse preceito há,

inclusive, implicações de caráter processual que devem ser dirimidas, mormente

se a responsabilidade objetiva é definida somente no processo já em curso.

O Código de Defesa do Consumidor é a legislação mais recente de

responsabilidade objetiva no nosso ordenamento jurídico. (VADE MECUM, 2007,

p. 619). Portanto, o âmbito da responsabilidade sem culpa aumenta

significativamente em vários segmentos dos fatos sociais. Nesse diapasão,

acentuam-se, no direito ocidental, os aspectos de causalidade e reparação do

dano, em detrimento da imputabilidade e culpabilidade de seu causador. Daí

porque, por exemplo, o novo código estampa a responsabilidade do incapaz; a

possibilidade de seu patrimônio responder por danos por ele causados, ainda que

de forma mitigada.

Não nos sugestiona que o novo Código Civil fará desaparecer a

responsabilidade com culpa em nosso ordenamento. A responsabilidade objetiva,

ou responsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada quando existe lei

expressa que a autorize. Portanto, na ausência de lei expressa, a

responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva, pois esta é a regra geral no direito

brasileiro. Em casos excepcionais, levando em conta os aspectos da nova lei, o

juiz poderá concluir pela responsabilidade objetiva no caso que examina. No

entanto, advirta-se, o dispositivo questionado explica que somente pode ser

definida como objetiva a responsabilidade do causador do dano quando este

decorrer de "atividade normalmente desenvolvida" por ele. O juiz deve avaliar, no

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caso concreto, a atividade costumeira do ofensor e não uma atividade esporádica

ou eventual, qual seja, aquela que, por um momento ou por uma circunstância

possa ser considerada um ato de risco. Não sendo levado em conta esse

aspecto, poder-se-á transformar em regra o que o legislador colocou como

exceção.

A teoria da responsabilidade objetiva não pode, portanto, ser admitida

como regra geral, mas somente nos casos contemplados em lei ou sob o aspecto

enfocado pelo novo código. Levemos em conta, por outro lado, que a

responsabilidade civil é matéria viva e dinâmica na jurisprudência. A cada

momento estão sendo criadas novas teses jurídicas como decorrência das

necessidades sociais. Os novos trabalhos doutrinários da nova geração de

juristas europeus são prova cabal dessa afirmação. A admissão expressa da

indenização por dano moral na Constituição de 1988 é tema que alargou os

decisórios, o que sobreleva a importância da constante consulta à jurisprudência

nesse particular, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça, encarregado de

uniformizar a aplicação das leis. Desse modo, também em relação à definição da

responsabilidade objetiva no caso concreto, há que se aguardar o rumo dos

julgados nos próximos anos.

Como anteriormente mencionado, a responsabilidade civil consiste na

obrigação de indenizar o prejuízo ocorrido por violação de norma legal ou

contratual, que o agente causou a outrem, podendo recair sobre algum terceiro,

como na situação de pagamento de aluguéis pelo fiador, caso o locatário não os

possa pagar ou não os pague. Limita-se o Direito Civil a garantir o equilíbrio

patrimonial e interessa ao Direito Penal a vontade íntima do agente e o porquê de

seu ato.

Responsabilidade Penal é aquela resultante de um fato criminoso, seja

praticado na forma comissiva ou omissiva. Traz uma sanção ou um castigo, como

conseqüência para o agente do fato criminoso ou da omissão criminosa. Essa

responsabilidade surge no caso dos delitos previstos pela lei penal, que são

suscetíveis ou não de serem apreciados no âmbito civil. As normas penais têm

um caráter subjetivista, pois visam assegurar a defesa da sociedade pela

aplicação da pena entendida extracontratual, seja como fator intimidativo ou

repressivo, seja como meio de readaptar o infrator à vida social. Assim, temos

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ilícitos penais que não são civis e vice-versa. Em muitos casos, porém, o ilícito

penal é também civil, todavia, conforme estabelece o art. 1.525 do Código Civil de

2002, a responsabilidade civil independe da penal. No entanto, não se pode mais

discutir no juízo cível a existência do fato ou autoria do mesmo, quando já

decididas no juízo criminal (art. 65 do Código de Processo Penal), ou seja, o

indivíduo quando condenado no âmbito penal, automaticamente estará

condenado na esfera cível, se demandado em ambos os juízos.

É importante salientar que ambas as responsabilidades, civil e penal,

possuem o mesmo fundamento: visam a restauração da ordem social.

A responsabilidade penal incide face à transgressão de um tipo penal,

caracterizando um crime ou contravenção. O Direito Penal cuida dos ilícitos

considerados mais graves e lesivos à sociedade como um todo. Por isso as

normas penais são consideradas de direito público. Neste caso, não haverá

reparação e, sim, a aplicação de uma pena pessoal e intransferível ao

transgressor, em virtude da gravidade de sua infração, pois a finalidade neste

caso é dupla: a reparação da ordem social e a punição.

A responsabilidade civil é marcada pelo dano que ocorre face à

transgressão de um direito juridicamente tutelado, sem a prática do crime. Neste

caso, haverá reparação do dano (moral ou patrimonial) por meio de indenização

ou recomposição.

Maria Helena Diniz, ao tecer comentários sobre o tema, assim se

manifestou:

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. (DINIZ, 2008, p. 22).

A responsabilidade civil pode ser transferível, pois "o direito de exigir

reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança" (art. 943,

Código Civil de 2002 - VADE MECUM, 2007, p. 193) e pode também incidir sobre

pessoas que não são as praticantes do ato ilícito, quando a lei assim determinar.

O ilícito civil se distingue do ilícito penal em determinados pontos, a

saber:

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3.1.7 Definição

O ato ilícito civil é cometido por aquele que, por ação ou omissão

voluntária, negligência, imprudência ou imperícia, transgride direito e enseja dano

a outrem, ainda que este dano seja apenas moral. O ato ilícito penal é cometido

por aquele que, por ação ou omissão culpável, viola direito tipificado em lei

3.1.8 Tipicidade

O ilícito penal é tipificado pelo Direito Penal, ou seja, só pratica o ato

ilícito penal causador da responsabilidade penal aquele que contraria o tipo penal

específico. Importante salientar que tipo penal é a descrição legal de uma conduta

definida como crime. Referida descrição está a cabo do legislador. Já o ato ilícito

civil não possui uma tipificação numerus clausus como tem o ilícito penal, todo

aquele que pratica um ato conforme o art. 186 do Código Civil (VADE MECUM,

2007, p. 161) comete ato ilícito civil.

3.1.9 Culpabilidade

O aspecto da culpa no ato ilícito civil é diverso da do ato ilícito penal.

No primeiro, havendo a presença da culpa há o dever de reparação. No último,

para que o sujeito o pratique e seja condenado à reparação, a culpa deve ter

certo grau ou intensidade.

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3.1.10 Imputabilidade

Apenas é imputável na esfera penal a pessoa maior de 18 anos. Já na

esfera cível, o incapaz pode responder pelos danos que causar, se as pessoas

por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de

meios suficientes para isto (art. 928, Código Civil) (VADE MECUM, 2007, p. 193).

A reparação pode tomar diversas formas: indenização, retorno ao

estado anterior, compensação, perdas e danos e até mesmo com o cumprimento

de uma pena. A reparação civil é feita fundamentalmente através da indenização

e da restituição do bem jurídico o tanto quanto possível à situação anterior ao fato

danoso.

Outra situação significa de igual forma esta "intervenção" de uma

jurisdição em outra, é o caso da sentença penal condenatória, que faz coisa

julgada no cível quanto ao dever de indenizar o dano decorrente de conduta

criminal.

Entretanto, se faltarem provas em relação ao fato, à autoria, ou que

resolvam ou justifiquem o ato, sem estabelecer a culpa, por meio de sentença

absolutória, o juízo criminal não alcançará o cível.

A existência de sentença criminal absolutória não vincula a atuação do

Juízo Cível, salvo se a absolvição criminal basear-se na inexistência do fato ou da

autoria. O valor da indenização por danos morais deve ser arbitrado

eqüitativamente pelo Juiz, em conformidade com as circunstâncias do caso

concreto.

A esse respeito, leciona o Prof. Sílvio de Salvo Venosa:

Como a descrição da conduta penal é sempre uma tipificação restrita, em princípio a responsabilidade penal ocasiona o dever de indenizar. Por essa razão, a sentença penal condenatória faz coisa julgada no cível quanto ao dever de indenizar o dano decorrente da conduta criminal, na forma dos arts. 91, I do Código Penal, 63 do CPP e 584, II do CPC. As jurisdições penal e civil em nosso país são independentes, mas há reflexos no juízo cível, não só sob o mencionado aspecto da sentença penal condenatória, como também porque não podemos discutir no cível a existência do fato e da autoria do ato ilícito, se essas questões foram decididas no juízo criminal e encontram-se sob o manto da coisa julgada (art. 64 do CPP, art. 935 do novo Código Civil). De outro modo, a sentença penal absolutória, por falta de provas quanto ao fato, quanto à autoria, ou a que reconhece uma dirimente ou justificativa, sem

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estabelecer a culpa, por exemplo, não tem influencia na ação indenizatória que pode resolver autonomamente toda a matéria em seu bojo. (VENOSA, 2003, p. 19).

A responsabilidade civil pelo proveito do crime também é outra

hipótese de ingerência da jurisdição criminal na cível. Dispõe o inciso V do art.

932 do Código Civil de 2002 (VADE MECUM, 2007, p. 193) sobre a

responsabilidade daqueles que, de forma gratuita, houverem participado nos

frutos do crime.

Vejamos o citado art. 932:

São também responsáveis pela reparação civil: (...) V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

Destarte, os indivíduos que, gratuitamente, houverem participado nos

produtos do crime são responsáveis de forma indireta, solidária e objetiva pela

reparação civil. Apesar disso, cumpre asseverar que esta responsabilidade

solidária é cominada apenas sobre a parte em que houve proveito no crime.

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4 A VISÃO INTERNACIONAL SOBRE A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

4.1 Considerações gerais

O tema sobre a Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica ainda

padece de discussão mais acirrada na legislação estrangeira, sendo que o

mesmo só veio à baila face à crescente degradação do meio ambiente diante da

exploração devastadora de grandes empresas, na ânsia pela disputa do capital.

Necessário registrar que, no cenário internacional, alguns grandes

eventos marcaram a abordagem do tema, a saber: o IV Congresso Internacional

de Direito Penal de Roma, em 1953, onde se concluiu sobre a necessidade de

extensão do conceito de sujeito ativo do delito relativamente ao meio ambiente; o

XII Congresso Internacional de Direito Penal de Hamburgo na Alemanha, que

pugnou pela responsabilização penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais; e,

ainda, o VI Congresso da ONU para Prevenção do Direito e Tratamento do

Delinqüente, reunido em Nova York, com recomendação de responsabilização

penal da pessoa jurídica nos delitos de abuso do poder econômico.

Certo é que, a partir das alterações no Código Penal Francês e na

legislação brasileira sobre o crime ambiental, a expectativa é de que o tema seja

mais debatido na doutrina e na jurisprudência internacionais, o que, certamente,

redundará em ganhos para o Direito Penal.

Neste particular, as fontes de pesquisa resumiram-se a livros de

doutrina nacional, porque mais acessíveis, embora em número reduzido, entre

eles, destaca-se, a saber: CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Responsabilidade penal da pessoa jurídica – Estudo crítico. Curitiba: Juruá, 2003; CASTELO

BRANCO, Fernando. A pessoa jurídica no processo penal. São Paulo: Saraiva,

2001; SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2002.

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4.2 Países que adotam a responsabilidade penal da pessoa jurídica

Na Holanda

O Código Penal holandês, desde 1976, passou a prever a

responsabilidade penal da pessoa jurídica, sendo que, em seu artigo 51, está

expressamente afirmado que os fatos puníveis podem ser cometidos pela pessoa

física e jurídica.

Cabe registrar, ainda, que, na Holanda, não é imprescindível, para a

caracterização da responsabilidade penal da pessoa jurídica, que a atividade

lesiva seja fruto de decisão de um órgão da empresa, podendo caracterizar o

injusto penal se a ação for considerada própria da pessoa jurídica dentro de um

contexto social. E mais, a jurisprudência holandesa tem aceitado a

responsabilidade penal das pessoas jurídicas de direito público.

Na França

Na França, o Código Penal, desde 1994, consagrou a responsabilidade

penal da pessoa jurídica de forma textual, a saber:

Título II – Da responsabilidade penal Artigo 121-2: As pessoas morais, à exceção do Estado, são responsáveis penalmente, segundo as distinções dos artigos 121-4 à 121-7 e nos casos previstos em lei ou regulamento pelas infrações praticadas por sua conta, pelos seus órgãos ou representantes.Entretanto, as coletividades territoriais e suas entidade só são responsáveis pelas infrações praticadas no exercício de atividades suscetíveis de ser objeto de convenções de delegação de serviço público.A responsabilidade penal das pessoas físicas não exclui a das pessoas jurídicas quando autores ou partícipes dos mesmos fatos.

No caso, a responsabilidade penal da pessoa jurídica tem como

motivação político-criminal o "binômio utilidade-justiça, no desejo de aumentar a

eficácia da repressão penal".

No pertinente à fundamentação da capacidade de ação do ente

coletivo, é adotada a "teoria da responsabilidade penal por ricochete", assim

definida:

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Trata-se de responsabilidade penal por ricochete, de empréstimo, subseqüente ou por procuração, que é explicada através do mecanismo denominado "emprunt de criminalite", feito à pessoa física pela jurídica, e que tem como suporte obrigatório a intervenção humana. Noutro dizer: a responsabilidade penal da pessoa moral está condicionada à prática de um fato punível suscetível de ser reprovado a uma pessoa física. Desse caráter subseqüente ou de empréstimo resulta importante conseqüência: a infração penal imputada a uma pessoa jurídica será quase sempre igualmente imputável a uma pessoa física.

Diferentemente da legislação brasileira, o Código Penal Francês define,

de forma expressa, os delitos que podem ser cometidos pela pessoa jurídica,

resultando num extenso rol de infrações, incluindo crimes contra a vida.

Anote-se, por último, que a Lei de Adaptação francesa n. 92-1336, de

16 de dezembro de 1992, criou diversas disposições de cunho procedimental,

visando harmonizar a legislação adjetiva com as mudanças que seriam, mais

tarde, provocadas pelo Código Penal, instituindo, inclusive, um cadastro judicial

nacional das pessoas jurídicas, para registro de condenações.

Em Portugal

No sistema penal português a responsabilidade penal dos entes

coletivos, apesar de não ter sido expressamente acolhida pelo legislador daquele

país, não se pode afirmar, de plano, descartada naquela legislação. Mesmo

superficial leitura do artigo 11 do Código Penal português o demonstra: "Salvo

disposição em contrário, só as pessoas singulares são susceptíveis de

responsabilidade criminal".

O entendimento vigente é de que o texto legal citado consagra o

princípio do caráter pessoal da responsabilidade penal. A regra geral é a de que

só as pessoas físicas ou singulares são passíveis de responsabilidade penal;

porém, excepcionalmente, pode haver fortes razões pragmáticas que aconselham

outra solução. Por isso, considerou-se necessário ressalvar eventuais disposições

em contrário, em que a lei pode mandar punir pessoas coletivas, cabendo-lhes,

então, penas pecuniárias ou medidas de segurança.

Para reconhecimento da responsabilidade penal, há que haver uma

conexão entre o comportamento do agente (pessoa natural) e a entidade coletiva.

Assim dispõe expressamente o Dec.-lei 28/84, afastando a responsabilidade do

ente coletivo se a pessoa natural houver agido exclusivamente em seu próprio

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interesse, sem nenhuma conexão com os interesses da pessoa jurídica, ou

mesmo tiver extrapolado os poderes que lhe foram confiados no mandato.

O rol de penalidades na legislação lusitana é extenso e se classifica em

principais e acessórias, sendo que a jurisprudência, coerente com as previsões

legais, admite amplamente a responsabilidade penal dos entes coletivos, desde

que haja precedente cominação legal.

Na Dinamarca

O Código Penal Dinamarquês, através da Lei n. 474 de 12 de junho de

1996, com a modificação de seu artigo 5º e a introdução de disposições gerais,

fez o tratamento da responsabilidade penal da pessoa jurídica, desde que haja

previsão expressa neste sentido para o delito praticado.

Não é necessário que o crime seja cometido por decisão do corpo

diretivo, podendo estar caracterizada a responsabilidade penal da pessoa jurídica

se o crime foi cometido por qualquer empregado dentro do âmbito da organização

empresarial.

Na Dinamarca, as pessoas jurídicas de direito público podem ser

punidas criminalmente, desde que o fato punível tenha sido praticado no âmbito

de atividades equiparáveis àquelas que possam ser realizadas por particulares.

Nos Estados Unidos

A responsabilidade penal da pessoa jurídica foi introduzida no direito

norte americano através do Código Penal de Nova York, em 1º de dezembro de

1882. Seu artigo 13 dispõe:

Em todos os casos que uma corporação for condenada por uma ofensa que tenha sido cometida por uma pessoa natural, em que esta seja condenada a prisão, ou também por crime, esta corporação é punível com uma multa de não mais de 5 mil dólares.

Embora a responsabilidade penal das corporações seja a regra,

necessário registrar que alguns estados norte-americanos não a adotam. E mais,

a responsabilidade corporativa é tão ampla que atinge até mesmo os sindicatos.

Naquele país, com as reservas já destacadas, admite-se que as

infrações culposas sejam imputadas às empresas quando cometidas por um

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empregado no exercício de suas funções, mesmo que a empresa não tenha

obtido proveito com o fato delituoso. Além disso, a corporação também será

responsável quando o fato criminoso for cometido a título de dolo, se praticado

por um executivo de nível médio.

As penas pelo cometimento do delito são de multa e de inabilitações.

No entanto, o sistema norte americano, no atual momento, passa por uma

reformulação, sendo que a penalidade deverá ser fixada com base nas

precauções previstas por parte da pessoa jurídica antes do cometimento do delito,

de forma que se valorizam as medidas preventivas tomadas internamente pela

própria empresa. Trata-se de um ambicioso processo interno de regulação

estabelecido pela própria lei, com o fim de formular uma cultura de prevenção

através de medidas dissuasórias internas.

No Canadá

A regra geral é a admissão da responsabilidade penal das pessoas

coletivas, apresentando-se a mesma sob as seguintes formas: a)

responsabilidade penal por fato de outrem; b) responsabilidade penal por ato

próprio, sendo exigido que as pessoas físicas autoras neste caso ajam com

vontade criminosa e dentro do âmbito de suas funções como representantes da

pessoa jurídica. A atuação deve cingir-se aos limites hierárquicos que vinculam as

pessoas físicas ao ente coletivo.

Na Inglaterra

O crescimento industrial acentuado com a proliferação das corporations

levou a Inglaterra a admitir a capacidade penal das pessoas jurídicas, sendo que,

a princípio, os tribunais ingleses só a aceitavam de maneira a excetuar o princípio

da irresponsabilidade para delitos omissivos culposos (non feasance) e

comissivos dolosos (misfeasance).

Sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica no sistema inglês,

assim leciona Prado, com absoluta precisão:

A idéia da responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma criação jurisprudencial que data do início do século XIX. Nas primeiras decisões, os tribunais ingleses só a admitiam como exceção ao princípio da irresponsabilidade para delitos omissivos culposos (non feasance) e

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comissivos dolosos (misfeasance). Posteriormente, por intervenção legislativa, foi reconhecida a responsabilidade penal da pessoa jurídica no Interpretation Act (1889), por meio de um dispositivo geral que passou a considerar o termo pessoa como abrangendo também o ente coletivo. Essa espécie de responsabilidade foi aplicada, inicialmente, às sanções menos severas e de forma objetiva (independentemente de culpa). A partir de 1940, consideravelmente ampliada, alcançou crimes de qualquer natureza (v.g. estupro, homicídio).

Naquele país, a responsabilidade penal resulta muito mais de ordem

prática do que de previsão dogmática, sendo que a teoria da identificação serve

para justificá-la, ou seja, as ações próprias da pessoa física podem ser imputadas

à pessoa jurídica, desde que necessário para prevenção de atos lesivos à

sociedade. E mais, ali, pode haver punição mesmo sem elemento subjetivo –

strict liability – isto é, ainda que o dirigente tenha atuado sem dolo ou culpa, será

responsabilizado criminalmente.

Atualmente a Inglaterra admite a responsabilidade penal da pessoa

jurídica, seja por infrações mais leves (misdemeanours), seja por infrações mais

graves (felonies), com especial destaque para os campos das atividades

econômicas, de segurança no trabalho, de contaminação atmosférica e de

proteção ao consumidor.

Na Áustria

A responsabilidade penal e as sanções respectivas para os membros e

órgãos que se utilizarem da associação com fins econômicos não justificados está

prevista na Lei Federal dos Cartéis, de 22 de novembro de 1972, em seu artigo

108, vazado textualmente nos seguintes termos:

[...] se um dever de atuar ou omitir, cujo não cumprimento esteja ameaçado com pena por esta lei federal, incumbe a uma pessoa jurídica ou a uma comunidade de pessoas jurídicas, as disposições penais serão aplicáveis aos órgãos que exercem a representação das mesmas segundo a lei ou os estatutos.

As sanções condenatórias poderão ser aplicadas através de multa,

além do fechamento temporário ou definitivo dos armazéns, oficinas ou fábricas

do condenado, não eximindo a pessoa física implicada no delito de sua respectiva

punição.

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No Japão A influência norte americana em seus hábitos fez com que o Japão

adotasse uma medida mais pragmática como a vigorante nos países do common

law. O reconhecimento da responsabilidade penal das pessoas jurídicas baseia-

se na teoria de Gierke sobre a real responsabilidade dos entes coletivos e na

analogia que o direito anglo-americano faz com a responsabilidade delituosa das

pessoas jurídicas no direito civil.

Na China

A princípio, considerando a base socialista do país – as pessoas

jurídicas têm natureza socialista, e, em assim sendo, seus interesses são

idênticos aos do Estado, vale dizer, torna-se inimaginável um cometimento de

crime contra o interesse comum. No entanto, alguns contrariam este

entendimento, partindo da idéia básica de que num modo de produção que ainda

prevê formas "capitalistas" de organização, ou seja, formas combinadas com o

sistema socialista, não se deve ignorar a existência concreta de empresas e do

eventual cometimento de delito por elas.

Em havendo violação do interesse social e seguindo-se o interesse

específico da pessoa jurídica esta poderá ser punida, sendo-lhe aplicável a pena

pecuniária e não exclui a detenção, reclusão ou mesmo a prisão perpétua para as

pessoas físicas responsáveis.

4.3 Países que não adotam a responsabilidade penal das pessoas jurídicas

Na Alemanha

As eventuais infrações praticadas pelas pessoas jurídicas são punidas

somente no campo administrativo, com destaque para a aplicação de multas e

outras sanções de caráter acessório como o confisco e a repetição do indébito.

Embora o quadro legislativo não apresente a possibilidade de pensar-

se numa responsabilização penal das pessoas morais na Alemanha, a doutrina

daquele país tem se desenvolvido bastante no estudo do tema, tendendo a

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acolher a conclusão da necessidade de reformas, visando a adoção da

responsabilidade penal das pessoas jurídicas.

H. J. Hirsch, Professor da Universidade de Colônia, elaborou um

relatório para o IV Congresso Internacional de Direito Comparado, apresentando,

entre outras, as conclusões a seguir elencadas: a) na Alemanha constata-se uma

tendência doutrinária crescente, no sentido de reconhecer de lege ferenda a

responsabilidade penal das empresas; b) a responsabilidade penal das empresas

não é incompatível com o sistema jurídico alemão. Elas podem agir e, por isso,

pode-se estabelecer um juízo de reprovação contra a corporação, comparável à

culpabilidade das pessoas naturais; c) no direito administrativo penal já existe

uma sanção autônoma para as empresas; d) hoje em dia o problema não é a

questão de estabelecer-se ou a responsabilidade penal das pessoas jurídicas,

pois a tendência do acolhimento desse tipo de responsabilidade é avassaladora; o

verdadeiro problema é estabelecer e respeitar os limites de tal responsabilidade

para que sejam evitados os exageros que ocorrem nos Estados Unidos e o direito

de retorsão da União Européia.

Conclui-se, conforme atesta Goti, que o direito positivo alemão

estabelece uma "responsabilidade penal vicariante" quanto às empresas, pois

lhes reserva somente as penalidades administrativas, enquanto as medidas de

caráter criminal (Direito Penal propriamente dito) são restritas às pessoas físicas e

baseadas em critérios de responsabilidade individual e culpabilidade.

No processo alemão vigora o princípio da oportunidade e não o da

legalidade. A acusação é exercida pela autoridade administrativa e não pelo

Ministério Público. Da decisão da autoridade administrativa cabe recurso para o

Tribunal administrativo regional.

Na Suíça

O Código Penal suíço de 1942, nos seus artigos 172 e 326, nega a

responsabilidade coletiva, afirmando que somente os representantes das

empresas é que podem ser culpados por um fato delituoso. Aplicam-se multas ou

sanções funcionais às empresas, de natureza visivelmente administrativa.A

jurisprudência só admite a responsabilidade pessoal.

O Tribunal Federal orienta-se quanto à responsabilidade por uma visão

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meramente preventiva e não repressiva, motivo pelo qual somente admite

sanções no campo administrativo punitivo.

Na Itália

Na Itália, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas encontra

vedação expressa por norma constitucional (art. 27, I).

Nos casos de penas pecuniárias, admite-se a responsabilidade

subsidiária das pessoas jurídicas (Código Penal, artigo 197). Essa

responsabilidade é de natureza meramente civil e só ocorre quando o empregado

ou representante esteja insolvente, exigindo-se, mais, um liame entre ele e a

empresa que se beneficiou do delito.

Embora inicialmente refratária à responsabilidade penal das pessoas

jurídicas, a Itália evolui, na linha do pensamento defendido pela maioria da

doutrina alemã, para uma responsabilidade penal-administrativa, em uma zona de

proteção intermediária entre essas duas esferas de proteção aos bens jurídicos

tutelados pelo Estado.

Na Espanha

Neste país, a regra é a irresponsabilidade criminal da pessoa jurídica,

posição adotada pela doutrina e também pela jurisprudência. O crime é cometido

pela pessoa física com a utilização de meios e o auxílio de uma pessoa coletiva,

sendo aplicada, em desfavor desta, uma medida acessória de segurança,

consistente na suspensão de funcionamento, dissolução e privação de direitos e

privilégios.

O artigo 129 do Código espanhol prevê conseqüências acessórias e

tem por objetivo prevenir a continuidade da atividade delitiva e os efeitos da

mesma, o que representa uma modificação da doutrina espanhola que começa a

admitir a responsabilidade penal coletiva, até por força da doutrina estrangeira e

que já influencia fortemente o legislador daquele país.

Na Bélgica

No direito belga a irresponsabilidade penal da pessoa jurídica não vem

consagrada nem pela Constituição, nem pelo Código Penal de 1867. A legislação

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daquele país só prevê a responsabilidade penal da pessoa física.

Em havendo uma condenação a uma pena de multa, a empresa, desde

que tenha vínculo com o condenando (seu diretor, representante, etc.) poderá ser

civilmente responsabilizada, de forma solidária, com o agente do delito. Não

sendo para a multa, a empresa pode ter confiscados bens de sua propriedade, ou

até mesmo receber ordem de seu fechamento, desde que reste comprovado que

a empresa obteve vantagens com o cometimento do delito.

Na jurisprudência belga ganhou especial destaque a decisão da Corte

de Cassação na demanda entre a viúva de um piloto militar que foi morto em

serviço e o Estado. Nesse caso o Tribunal admitiu a tese da possibilidade da

prática de infrações penais pelas pessoas jurídicas.

No âmbito administrativo punitivo é reconhecida a regra da

responsabilidade das pessoas morais.

Por fim, registre-se que é aguardada a reforma do Código Penal da

Bélgica,quando deverá ser introduzida a responsabilidade penal das pessoas

jurídicas, nos moldes da legislação francesa.

Na América Latina

Na América Latina, a regra é a não-incriminação da pessoa jurídica,

sendo que esta só recai sobre a pessoa natural, abrindo-se exceção para o

México e Cuba.

O artigo 16 do Código de Defesa Social Cubano prevê que

[...] as pessoas jurídicas poderão ser consideradas criminalmente responsáveis nos casos determinados neste Código, ou em leis especiais, em razão das infrações cometidas dentro da própria esfera de ação das ditas pessoas jurídicas, quando forem levadas a cabo por sua representação, ou por acordo de seus associados, sem prejuízo da responsabilidade individual em que houverem incorrido os autores dos fatos puníveis.

Várias penalidades eram aplicadas às pessoas jurídicas (dissolução,

fechamento temporário, proibição de realizar determinadas operações ou

negócios e multa) e outras tantas acessórias, tais como: a vigilância da

autoridade, a publicação da sentença e o confisco dos instrumentos e produtos do

crime.

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Registre-se, ainda, que a legislação – após a revolução cubana – foi

reformulada em outros parâmetros de forma que o referido Código foi revogado e

um outro, com base em outros paradigmas, acabou por ser aprovado e por entrar

em vigor.

O México, em seu artigo 11, prevê a possibilidade de, em caso de

crime cometido por algum membro ou representante de pessoa jurídica, desde

que sob amparo da representação social da empresa, ou em seu benefício,

decretar-se na sentença a suspensão do agrupamento, ou sua dissolução,

quando necessário para a segurança pública. Tal medida, a bem da verdade,

pode ser entendida como uma medida de caráter administrativo complementar, e

não como uma plena responsabilidade da pessoa coletiva.

Na Colômbia, o Projeto de Código Penal de 1978 prevê a

responsabilidade penal não individual, sendo bastante criticado neste particular,

porque a parte geral do mesmo Código prevê a responsabilidade penal individual.

Mais recentemente, a Corte Constitucional daquele país julgou constitucional um

projeto aprovado pelo Congresso, que afirmava a responsabilidade penal das

empresas para os crimes ecológicos. Referida decisão é um marco, pois firma

que a imputação de alguns delitos à pessoa jurídica podem e devem ser punidos,

desde que haja um nexo de autoria que a violação penal se faça no interesse

objetivo da pessoa jurídica, ou que esta tenha obtido vantagens materiais com o

crime. A pessoa jurídica está sujeita, pois, a variados padrões de diligência no

exercício de seu objeto (culpa in eligendo e culpa in vigilando), atuando como

garante do não cometimento do crime.

A Venezuela também inclinou-se à adoção da responsabilização penal

das pessoas jurídicas "quando o fato punível descrito na lei tenha sido cometido

por decisão de seus órgãos, no âmbito da atividade própria da entidade e com

recursos sociais e sempre que se perpetre o ato em seu exclusivo interesse". O

artigo 3º da Lei Ambiental é claro ao admitir a responsabilização penal da pessoa

jurídica. As sanções previstas são multa, proibição do exercício da atividade,

publicação da sentença do condenado, proibição de contratar com a

administração, dentre outras.

Na Argentina, alguns autores sustentam a impossibilidade de

imputação penal à pessoa jurídica, mas, lado outro, já há outros autores que

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sustentam o contrário, sendo que, alguns deles, contribuíram na elaboração do

Projeto de Código Penal da República da Guatemala, no ano de 1991, que seu

artigo 11 estabelece a base para um modelo de imputação especial de

responsabilização da empresa em que circunscreve-se a esfera de ilicitude ao

âmbito normativo de existência do ente ideal.

O Peru também vem trabalhando o tema da responsabilização penal

das pessoas jurídicas, levando em conta desde argumentos de índole político-

criminal (a impunidade dos delitos sócio-econômicos) como dogmáticos (a

insuficiência do sistema atual e a abertura político-criminal do mesmo para

apresentar soluções).

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5 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

5.1 A responsabilidade penal da pessoa jurídica na Constituição Federal de 1988

Inicialmente, necessário registrar que a Constituição Federal de 1988

trouxe para o mundo jurídico importante mudança no paradigma tradicional, com

a admissão da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Ressai claro do artigo

173, § 5º, da Carta Magna, que

[...] a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a a punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Não há como interpretar de outra forma o dispositivo citado - vez que o

legislador constituinte foi incisivo ao se referir à pretensão punitiva, a ser exercida

pelo Estado - deixando clara a sua intenção de responsabilizar criminalmente a

pessoa jurídica por seus atos lesivos aos bens jurídicos declinados anteriormente.

Com igual propósito, fez editar o artigo 225, § 3º, da Constituição

Federal, ao dispor que "[...] as condutas e atividades consideradas lesivas ao

meio ambiente sujeitarão seus infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções

penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos

causados". Neste dispositivo, a imputação da responsabilidade penal da pessoa

jurídica é ainda mais incisiva e não deixa margens para tergiversações.

Na prescrição constitucional anteriormente referida, certo que o

legislador constituinte foi taxativo no seu propósito de instituir uma nova política

criminal preventiva e repressiva às lesões danosas ao meio ambiente,

distinguindo a sanção penal da administrativa, e mais, deixou evidente a

obrigação civil de reparação do dano causado. Não há como não admitir a

intenção do legislador, sendo, que, no caso, impõe-se a interpretação literal,

lógico-sistemática ou teleológica do dispositivo citado, ressaindo dele a evidente

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conclusão de que a Constituição Federal de 1988 permite a responsabilidade

penal da pessoa jurídica.

Os constitucionalistas, na sua maioria, ao fazerem a interpretação

literal e sistemática da Constituição Federal de 1988, concluem pela admissão da

responsabilidade penal da pessoa jurídica em razão de atividades lesivas à ordem

econômica, financeira, contra a economia popular e também lesivas ao meio

ambiente.

José Afonso da Silva, em sua obra Curso de direito constitucional positivo, ao tratar do tema, asseverou:

[...] Cabe invocar, aqui, a tal propósito, o disposto no artigo 173, § 5º, que prevê a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas, independente da responsabilidade de seus dirigentes, sujeitando-as às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica, que tem como um de seus princípios a defesa do meio ambiente. (SILVA, 1994, p. 718).

No mesmo sentido, os eminentes Mestres Celso Ribeiro Bastos e Ives

Gandra Martins, em Comentários à Constituição do Brasil, asseguram que "a

atual Constituição rompeu com um dos princípios que vigorava plenamente em

nosso sistema jurídico, o de que a pessoa jurídica, a sociedade, enfim, não é

passível de responsabilização penal". (BASTOS e MARTINS, 1990, p. 103-4). E o

fez, segundo esses autores, em mais de um passo, ao encampar a punibilidade

criminal das pessoas morais. Não obstante discordarem da postura do legislador

maior, não deixam de reconhecer que a vontade do texto constitucional é

incontroversa.

Pertinente, na espécie, invocar as lições do Mestre Walter Claudius

Rothenbug, em sua obra A pessoa jurídica criminosa, que ao tratar do tema em

tela, assevera com muita propriedade:

[...] tais normas constitucionais, conquanto não-auto-aplicáveis (de eficácia limitada, definidoras de princípio programático ou diretivo), impedem sob pena de inconstitucionalidade omissiva que se venha a tratar criminalmente das questões referidas (ordem econômica e financeira e economia popular, e meio ambiente) – inclusive modificando a legislação em vigor – sem que se preveja a responsabilidade criminal da pessoa jurídica. (ROTHENBURG, 1995, p. 362).

E, acrescenta o Mestre citado:

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[...] Os dispositivos constitucionais deixam indene de dúvida, inclusive, que não se confundem a responsabilidade do ente coletivo e a responsabilidade individual, nem as sanções administrativas com aquelas de caráter criminal (penas).

Importante, também, trazer à colação a lição dos eminentes

Doutrinadores – Paulo José da Costa Jr. e Luiz Vicente Cernicchiaro – que, em

obra conjunta, intitulada Direito Penal na Constituição, ao tratarem da

responsabilidade penal da pessoa jurídica, constroem trecho crítico, vazado nos

seguintes termos:

[...] Alguns reparos devem ser feitos à norma constitucional vigente. Primeiramente, a superfetação inicial, em que são enumeradas condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente. Condutas, sendo sinônimo de atividade, parece despicienda a referência a ambos os vocábulos. Ou condutas lesivas, ou atividades lesivas. Nada mais. Poder-se-ia tentar justificar o legislador, alegando que conduta diz respeito às pessoas físicas, enquanto que atividade às pessoas jurídicas. Uma distinção que se afigura igualmente desnecessária, mesmo porque a pessoa jurídica age mediante a conduta das pessoas físicas que a integram. (COSTA JR. e CERNICCHIARO, 1995, p. 262).

Para arrematar – de forma contundente e não exaustiva – o rol dos

adeptos da responsabilidade penal da pessoa jurídica, oportuna a advertência

feita pelo ilustre estudioso do tema – Paulo Affonso Leme Machado – em suas

obras intituladas Direito penal na Constituição e A incapacidade criminal da pessoa jurídica (uma perspectiva do direito brasileiro), nos termos seguintes:

[...] Taxativamente que o legislador constituinte adotou a responsabilidade penal da pessoa jurídica em matéria ambiental e adverte que o que importa é que a pena que venha a ser cominada à empresa seja realmente dissuasiva com relação à atividade agressora ao meio ambiente e que a pessoa física, cuja responsabilidade em concurso se apurar, não seja isenta da pena adequada, em sua esfera pessoal. (MACHADO, 1995a, p. 405, passim; 1995b, p. 187-96, passim).

Mas, se por um lado há forte corrente de adeptos da responsabilidade

penal da pessoa jurídica, de outro, há também aqueles que não admitem este

novo instituto jurídico, rechaçando-o através da interpretação do texto

constitucional, seja de natureza literal, seja de ordem teleológico-sistemática.

Entre os não-adeptos da responsabilidade penal da pessoa jurídica,

cabe destaque para as posições adotadas por Luiz Vicente Cernicchiaro e René

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Ariel Dotti em Direito penal na Constituição e A incapacidade criminal da pessoa jurídica (uma perspectiva do direito brasileiro); respectivamente), para

eles,

[...] aos menos dois princípios básicos do direito penal, insertos na Constituição, seriam atingidos se houvesse a responsabilidade penal da empresa: o princípio da culpabilidade e o da responsabilidade pessoal; haveria , pois, ofensa à idéia de que sem culpabilidade não existe pena, dogma de segurança individual; além disso, a pena passaria da pessoa do condenado, atingindo terceiros que não houvessem praticado qualquer conduta delituosa, ou que nem mesmo tivessem dado alguma contribuição nesse sentido. (CERNICCHIARO; DOTTI, 1995a, p. 405, passim; 1995b, p. 187-96, passim)

Para responder e refutar os argumentos contrários à responsabilização

penal da pessoa jurídica, necessário exercitar o processo histórico-evolutivo e

comparatístico de um texto de lei, reconhecendo que, muitas das vezes, há uma

progressiva generalização de disposições legais – como que copiadas de um país

para o outro – levando-se em conta as diferentes condições socais e os diversos

processos civilizatórios. Nos tempos atuais, presentes os conglomerados políticos

e econômicos, os paises têm buscado alternativas semelhantes para o

enfrentamento de seus problemas comuns, ainda que com isso tenham que

implementar modificações nas suas legislações internas. A adoção da

responsabilidade penal da pessoa jurídica – por violação do meio ambiente – tem-

se tornado uma realidade mundial, e disso não há como fugir.

No tocante aos dois princípios constitucionais referidos – princípio da

culpabilidade e principio da responsabilidade individual/pessoal – tidos como

violados com a admissão da responsabilidade penal da pessoa jurídica, a

resposta ressai clara da lição do Mestre Sérgio Salomão Schecaira, em sua obra

intitulada Responsabilidade penal da pessoa jurídica, nos termos seguintes:

[...] ao se admitir a responsabilidade da empresa, não se faz com que a pena passe da pessoa do condenado. Isso só aconteceria se houvesse o reconhecimento da responsabilidade objetiva na esfera penal, felizmente banida com a Reforma Penal de 1984. O princípio da responsabilidade individual só seria maculado quando um diretor de uma empresa fosse processado por ato praticado por outro diretor. Não tendo havido contribuição pessoal, não há responsabilização; não há crime; não há pena.Reconhecer a responsabilidade da empresa, e isso só ocorrerá nos casos em que se evidenciar sua contribuição para o fato delituoso, é reconhecer só a sua responsabilidade.Nenhuma pessoa física será processada e apenada pelo reconhecimento de que a

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empresa contribuiu para a prática do delito.Isso só ocorrerá quando a pessoa natural de alguma forma praticar o ato delituoso, ou concorrer de algum modo para sua prática, razão pela qual – aqui também – não se pode falar em atingimento de um princípio norteador do direito penal, com a admissibilidade da responsabilidade da pessoa jurídica. (SCHECAIRA, 2003, p. 143).

Em resumo, o certo é que o legislador ao definir a responsabilidade

penal da pessoa jurídica por violação ao meio ambiente definiu os contornos de

uma nova política criminal, que se pretende implantada no nosso meio social.

Cabe, portanto, aos operadores do direito encontrar meios para viabilizar essa

pretensão legislativa, com a construção de uma estrutura dogmática capaz de

cumprir esse mister - mesmo que para isso tenham que ser estabelecidos outros

limites paralelos aos da responsabilidade penal individual - sob pena de ficarmos

ultrapassados no tempo e na história. Esse é o grande desafio que se apresenta

nos tempos atuais, que deverá ser enfrentado com coragem e respeito às regras

vigentes no Estado Democrático de Direito.

5.2 A Lei n. 9.605/98 – Lei dos crimes ambientais

O Código Penal brasileiro (Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de

1940), em resumidos artigos constantes dos Títulos "Dos Crimes Contra o

Patrimônio" e "Dos Crimes Contra a Incolumidade Pública", trata, de forma

superficial, da proteção aos animais e da saúde dos seres humanos, sem descer

a detalhes específicos no que diz respeito à proteção do meio ambiente.

A Lei n. 6.453, de 17 de outubro de 1977, trata especificamente da

Responsabilidade Civil e Criminal por Danos Nucleares, com definição clara de

tipos penais pertinentes à atividade de exploração e utilização de energia

nuclear, com imposição de penas reclusivas pesadas para as condutas ilícitas

nela previstas.

No entanto, somente nos idos de 1998, veio ao mundo jurídico a Lei n.

9.605, de 12 de Fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e

administrativas derivadas de condutas e atividade lesivas ao meio ambiente e

recomenda providências. Foi este diploma legal que regulamentou,

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infraconstitucionalmente, a responsabilidade penal da pessoa jurídica – por

violação ao meio ambiente – tal como previsto no § 3º, do artigo 225, da

Constituição Federal de 1988.

Ressai do artigo 3º, da Lei n. 9.605/98, que as pessoas jurídicas serão

responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto na lei,

nos casos em que a infração venha a ser cometida por decisão de seu

representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou

benefício da sua entidade. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas não

exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato, o

que demonstra a adoção do sistema de dupla imputação. Através deste, a

punição de um agente (individual ou coletivo) não permite deixar de lado a

persecução daquele que concorreu para a realização do crime.

Os tipos penais previstos na lei ambiental encampam a teoria da co-

autoria necessária entre o agente individual e a coletividade, sendo certo que o

ente moral – por si só – não comete delitos, precisando sempre de um agente

natural para fazê-lo em seu nome e proveito, nem por isso deve ficar impune à

responsabilidade penal. Ocorre, sim, entre o ente coletivo e a pessoa natural um

concurso de pessoas, que desafia punição, em razão da conduta/atividade

delituosa. Esse o propósito fundamental da lei citada e não se tem como fugir

dele.

No artigo 4º, da Lei n. 9.605/98, está prevista a desconsideração da

personalidade da pessoa jurídica, instituto a ser utilizado sempre que a

personalidade da empresa constituir-se em obstáculo ao ressarcimento de

prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. Aqui, mais uma demonstração

clara do legislador infraconstitucional de não permitir impunidade nos crimes

ambientais.

No tocante às penas, o legislador ambiental fez opção por três gêneros

distintos de penas e algumas espécies, a saber: multa, restritivas de direitos,a

prestação de serviços à comunidade e liquidação forçada. Importante anotar que

estas penas podem ser aplicadas isolada, cumulativa ou alternativamente às

pessoas jurídicas, sem que importem prejuízos à aplicação de pena à pessoa

natural, que, por acaso, tenha concorrido para a prática delituosa.

Tem-se preconizado que a multa é a pena por excelência para a

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punição da pessoa jurídica. Para aplicá-la o Juiz - tanto para a pessoa física

quanto para a pessoa jurídica – deve atentar-se à situação econômica do infrator

(artigo 6º inciso III). Ainda neste sentido, o artigo 18, do mesmo diploma legal,

prescreve que a multa será calculada segundo os critérios do Código Penal, e, em

seu revelando ineficaz, ainda que aplicada no valor máximo, poderá ser

aumentada em até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica

auferida. Neste particular, forçoso reconhecer que o legislador foi prudente ao

fixar tal sanção pecuniária máxima, pois que tais valores podem se apresentar

significativos até para as empresas de grande porte, tornando-se a pena de multa

apta para cumprir as funções de reprovação e prevenção geral e especial.

Entre outras espécies de sanções, como restritivas de direitos, cabe

destaque para a suspensão parcial ou total das atividades da pessoa jurídica; a

interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, e, a proibição de

contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou

doações (artigo 22, incisos I, II e III, respectivamente). A suspensão será aplicada

quando a pessoa jurídica não estiver obedecendo as disposições legais ou

regulamentares relativas ao meio ambiente; a interdição quando o

estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização,

ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou

regulamentar; a proibição de contratar com o Poder Público e dele obter

subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.

O artigo 23 da Lei de Crimes Ambientais prevê como pena restritiva de

direito a prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica, a qual será

executada pelo custeio de programas e de projetos ambientais (inciso I);

execução de obras de recuperação de áreas degradadas ( inciso II); manutenção

de espaços públicos (inciso III) e, contribuições a entidades ambientais ou

culturais públicas ( inciso IV).

E mais, é no artigo 24 da Lei de Crimes Ambientais que está prescrita a

mais grave das sanções impostas à pessoa jurídica, ou seja, a liquidação forçada,

a ser aplicada quando o ente coletivo é constituído ou utilizado, com o fim,

preponderantemente, de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido na

lei ambiental. O patrimônio da pessoa jurídica, segundo se colhe do artigo citado,

será considerado instrumento de crime, e como tal, imposto seu perdimento em

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favor do Fundo Penitenciário Nacional. Significa, em suma, a morte da pessoa

jurídica.

Sob outro aspecto, forçoso reconhecer que o legislador

infraconstitucional, ao editar a Lei dos Crimes Ambientais, deixou de estabelecer

mecanismos mais concretos e eficientes no pertinente ao plano procedimental. O

Capítulo IV da lei é totalmente silente no que concerne à ação e ao processo

penal contra as empresas, deixando margens para questionamentos sobre a

efetivação da citação da empresa-ré; definição sobre o domicílio da pessoa

jurídica; sobre quem interrogar, quando instaurada a ação penal em desfavor da

pessoa jurídica. Neste particular, sabido que legislação francesa foi editada (Lei

de Adaptação ao Código Penal, de 16/12/1992), contendo importantes

modificações no Código Processual Penal daquele país, o que certamente servirá

de importante subsídio para nossos estudos, visando a aplicação eficaz da

responsabilidade penal da pessoa jurídica no Direito pátrio.

5.2.1 A Lei ambiental: dispositivos genéricos

A Lei n. 9.605/98 (que trata de condutas e atividades lesivas ao meio

ambiente) representou importante marco na legislação ordinária brasileira,

servindo de paradigma na regulamentação infraconstitucional da responsabilidade

penal dos entes coletivos no mundo jurídico nacional, tendo como referência o

artigo 225, § 3º, da Constituição Federal de 1988.

O texto legal citado, a despeito dos variados questionamentos que

experimenta (ex. dificuldade de se responsabilizar a pessoa jurídica face ao

princípio da culpabilidade vigente no direito penal brasileiro) trouxe, em si, um

substancioso avanço postural – de colocar nas barras da Justiça Criminal agentes

de delitos que outrora se acobertavam sob a égide da ficção da pessoa jurídica –

a exigir do Direito Penal o rompimento com o clássico princípio do societas

deliquere non potest. Não pode mais a pessoa jurídica ser vista com os olhos

conceituais da doutrina clássica. Necessário atentar-se para as particularidades

da pessoa jurídica, impondo-se a distinção entre ela e a pessoa física que age em

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seu nome.

Luiz Régis Prado, em artigo intitulado "Crime ambiental:

responsabilidade da pessoa jurídica", diz:

[...] mesmo questionando a responsabilidade penal coletiva, não deixa de admitir a possibilidade do surgimento de um subsistema penal : não há como, em termos lógico-jurídicos, transgredir o princípio fundamental como o da irresponsabilidade da pessoa jurídica, ancorado solidamente no sistema de responsabilidade da pessoa natural, sem fornecer, de outro lado, elementos básicos e específicos conformadores de um subsistema ou micro-sistema de responsabilidade penal, inclusive com previsão explícita de regras processuais penais. (PRADO, 1998, p. 3).

E para reforçar o argumento sobre o acerto da admissão, no Direito

pátrio, da responsabilidade penal da pessoa jurídica, necessário registrar que o

reconhecimento desta não exclui a responsabilidade das pessoas físicas, autoras,

co-autoras ou partícipes do mesmo fato, o que demonstra a adoção do chamado

sistema de dupla imputação. "Sistema de dupla imputação" é o nome dado ao

mecanismo de imputação da responsabilidade pessoal das pessoas físicas que

contribuíram para a consecução do ato. Através desse mecanismo, a punição de

um agente (individual ou coletivo) não permite deixar de lado a persecução

daquele que concorreu para a realização do crime, seja ele co-autor ou partícipe

da conduta ou atividade delituosa.

Nessa mesma pegada, não se deve perder de vista que para a

admissão da responsabilidade penal da pessoa jurídica, necessário que a

infração seja praticada no interesse da pessoa coletiva e não pode situar-se fora

da esfera da atividade da empresa; e mais, a infração deve ser executada por

pessoa física que esteja ligada à pessoa coletiva, sempre com o apoio do poderio

desta, de modo a justificar a adoção da chamada " dupla imputação", que permite

a persecução criminal contra a pessoa jurídica , e, paralelamente, contra a pessoa

individual.

Nesse diapasão, comentando sobre o tema em tela, Fernando Quadros

da Silva, em artigo intitulado "Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: a Lei n.

9.605/98 e os princípios constitucionais penais", publicado na Revista de Direito Ambiental, afirmou:

[...] Com a publicação da Lei 9.605/98, de 12/02/98, o legislador pátrio

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admitiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica e, ao que parece, adotou o sistema francês, pois exige um substractum humano, no caso, a decisão do representante legal ou do colegiado da empresa. Em suma, o legislador adotou a teoria do reflexo,exigindo a dupla imputação ou o concurso necessário entre pessoa física ou jurídica. (SILVA, 2000, p. 195).

Sob outro aspecto, cabe anotar, ainda, que a Lei Ambiental trouxe à

lume um importante instituto jurídico, qual seja, o da desconsideração da

personalidade da pessoa jurídica, constante do artigo 4º, da Lei n. 9.605/98.

Ressai do referido artigo de lei a prescrição seguinte: "Poderá ser desconsiderada

a pessoa jurídica sempre que ela for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos

causados à qualidade do meio ambiente".

Trata-se, na espécie, de audacioso instituto – também previsto no

artigo 28 do Código do Consumidor – que tem por escopo a desconsideração da

pessoa jurídica para atingir a pessoa dos sócios que dela se estavam utilizando

indebitamente.Para sua caracterização, forçosa a ocorrência de quatro requisitos,

quais sejam: o desvio de poder, o abuso de direito, fraude e prejuízos causados a

terceiros. Somente o consórcio destes quatro requisitos justificará a

desconsideração da pessoa jurídica.

Sérgio Salomão Schecaira, com a argúcia jurídica de sempre, ao tratar

do tema, em sua obra intitulada Responsabilidade penal da pessoa jurídica,

faz a seguinte observação:

[...] Em nossa opinião, o art. 4º não alcança aqueles casos oriundos da responsabilização penal das empresas. Se assim fosse, estar-se-ia ofendendo o princípio constitucional segundo o qual nenhuma pena passará da pessoa do condenado.Quando o processo penal se volta contra a empresa é somente ela que poderá ser punida.Ela terá ampla defesa, o devido processo legal e o contraditório, princípios processuais garantidores de um julgamento justo.No entanto, em se admitindo a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, em face de uma condenação pecuniária que aflora de um processo penal contra a pessoa coletiva, nós estaríamos a admitir a punição das pessoas físicas sem que a elas lhes fosse dado o direito de defesa.Chegaríamos ao absurdo de uma pena sem processo. Assim, mesmo entendendo ser um grande avanço na esfera extrapenal a teoria da desconsideração da personalidade, não há que se admitir sua incidência na órbita penal. (SCHECAIRA, 2003, p. 154-5).

Com as considerações anteriores, claro ficou o posicionamento do

legislador infraconstitucional e sua opção por uma nova construção dogmática

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relativamente ao Direito Penal, cabendo aos operadores do direito – homens e

mulheres de seu tempo – a construção desse caminho, que há de ser longo e

perene. A afirmação da responsabilidade penal da pessoa jurídica, no Direito

brasileiro, é um desafio colocado a nossa frente e dele não se tem como fugir.

5.3 O Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei de 7 de dezembro de 1940) e a responsabilidade penal da pessoa jurídica

Não é novidade que o Código Penal brasileiro, com a reforma

introduzida pela Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984, é infenso à responsabilidade

penal das pessoas jurídicas, assentando-se nos princípios tidos como básicos de

que a imputação penal é pessoal (depende de atuação do sujeito) e subjetiva

(depende de culpa).

Sabido que no Código Penal vigente a culpa é o fundamento para a

escolha e medição da pena, enquanto que a periculosidade é a base para a

imposição da medida de segurança.

Segundo os não-adeptos da responsabilidade penal dos entes

coletivos, não há falar, portanto, em "culpabilidade da pessoa jurídica", expressão

manifestamente incompatível não apenas com a realidade ontológica das

pessoas coletivas, mas, também, com o conceito minucioso de culpa, vista como

reprovabilidade da conduta ilícita (típica e antijurídica) de quem tem capacidade

genérica de entender e querer (imputabilidade) e podia, nas circunstâncias em

que o fato ocorreu, conhecer a sua ilicitude, sendo-lhe exigível comportamento

que se ajuste ao Direito.

Alguns doutrinadores do tema – não simpatizantes da responsabilidade

penal da pessoa jurídica – ponderam que a pretensão de incriminar a pessoa

jurídica pela conduta de seus prepostos esbarra na impossibilidade de se

conceber numa empresa comercial a formação da consciência de ilicitude de sua

atividade. E continuam: não será razoável, também, formular um juízo de

reprovabilidade penal pelo desempenho de uma instituição financeira, embora

seja possível um juízo de valor sobre a sua atuação no mercado mobiliário.

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Porém, juízo que irá desaguar na atribuição de responsabilidade administrativa,

fiscal ou civil; jamais de responsabilidade penal.

E para fechar o rol das objeções à imputação de responsabilidade

penal à pessoa jurídica, importante trazer à lume o argumento de que

inconcebível falar-se em execução da pena criminal – que se pressupõe aflição e

reinserção social – sobre as pessoas jurídicas. Tanto a pena como a medida de

segurança destinam-se ao homem de carne e osso, destinatário da reações

antidelituais. E mais, a pena deve ser necessária e suficiente para a reprovação e

prevenção do crime (artigo 59 do Código Penal), não se ajustando, destarte, ao

ente coletivo.

No entanto, deve ser registrado que inúmeras leis especiais têm se

colocado em oposição ao princípio de que o crime é fruto da ação do homem.

Entre elas, cabe menção: 1. Lei n. 4.728, de 14/7/65 (disciplina o mercado de

capitais), dispõe, em seu artigo 73, que "a violação de qualquer dos dispositivos

constituirá crime de ação pública, punido com pena de um a três anos de

detenção, recaindo a responsabilidade, quando se tratar de pessoa jurídica, em

todos os seus diretores"; 2. Lei n. 4.729, de 14/7/65 (crime de sonegação fiscal),

embora ressalve que a responsabilidade penal é debitada às pessoas físicas

ligadas à empresa sonegadora, admite que a infração penal seja atribuída ao ente

coletivo, como se poderá ver pelo início de redação do art. 6º: "Quando se tratar

de pessoa jurídica, a responsabilidade penal pelas infrações previstas nesta lei

será de todos que [...]"; 3. Lei n. 6.435, de 15/7/77, também insinua que a pessoa

jurídica possa cometer o delito de atuar como entidade de previdência privada

sem a devida autorização, ressalvando que, em tal caso, "seus diretores e

administradores incorrerão na mesma pena" (art. 80).

Todo esse processo culmina, a despeito do Código Penal brasileiro

vigente, com a Constituição Federal de 1.988, que, de forma clara e incisiva, fez

opção pela responsabilidade penal da pessoa jurídica, em seu artigo 225, § 3º. E

mais, a Lei n. 9.605/9 regulamentou as condutas e atividades lesivas ao meio

ambiente, representando uma nova tendência do Direito Penal moderno, de

rompimento com o clássico princípio societas delinquere non potest.

Relativamente à Lei Ambiental, necessário registrar que comentários

mais explícitos – sobre seus aspectos materiais e processuais – alguns já feitos,

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outros serão feitos ao longo deste trabalho, em capítulos específicos, sem que

cada ponto atinente à matéria seja abordado de forma clara e corajosa, como

requer o desafio posto com a inclusão da responsabilidade penal da pessoa

jurídica no Direito Penal brasileiro.

E, para arrematar, pertinente as considerações feitas pelo ilustre

Advogado Criminalista Fábio Raatz Bottura, em artigo intitulado "Inovação

Constitucional – Pessoa Jurídica responde criminalmente por dano ambiental",

publicado na Revista Consultor Jurídico, nos termos seguintes:

[...] Embora haja críticas quanto a possibilidade de sua aplicação sem ferir princípios constitucionais que regem o /Direito Penal individual, notadamente quanto a possibilidade de aplicação de pena que não macule esses princípios, a pessoa coletiva indubitavelmente pode ser sujeito passivo de processo criminal, independentemente da apuração do crime cometido pela pessoa física que a integra, por se tratar de responsabilidade penal cumulativa e independente. (BOTTURA, 2007).

[...] Ademais, o grande impeditivo ressaltado pelos críticos desta possibilidade de responsabilização, qual seja, a culpabilidade como elemento do injusto penal, que consistiria no juízo de reprovabilidade da conduta humana nos crimes cometidos pela pessoa natural, passa a ser superado e definido inclusive por decisão de Tribunal Superior, apoiada em vasta e moderna doutrina, estabelecendo que a culpabilidade da pessoa jurídica infratora da norma penal ambiental se personifica na responsabilidade social desta, que retrataria seu juízo de reprovabilidade diante da sociedade na qual está inserida. (BOTTURA, 2007).

5.4 Aspectos processuais – definição da competência – regramento

Inicialmente, forçoso registrar que o legislador infraconstitucional, ao

elaborar a Lei Ambiental, pecou pelo laconismo no que diz respeito à falta de

criação de normas processuais específicas para o trato dos casos envolvendo as

entidades coletivas, especialmente sobre a responsabilidade penal da pessoa

jurídica. Certo é que a ausência de regras processuais específicas poderá levar à

estagnação do Direito Substantivo, editado com o claro propósito inovador de

prevenir e reprimir as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Trata-se

uma nova política criminal – consentânea com a modernidade dos tempos atuais

– e que não pode carecer de um instrumental (procedimento/processo) capaz de

lhe dar eficácia prática.

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No tocante à matéria processual, a Lei Ambiental (Lei n. 9.605/98),

resume-se a três artigos, quais sejam: Art. 26 – Trata-se da ação penal, dispondo

que sempre será pública incondicionada, em relação às infrações elencadas no

próprio texto; Art. 27 – Aborda a aplicação da Lei n. 9.099/95, sempre que os

crimes ambientais sejam de menor potencial ofensivo, relativamente à conciliação

cível e à transação penal; Art. 28- Disciplina a incidência do art. 89 da Lei n.

9.099/95, em se tratando de crimes de menor potencial ofensivo, definidos na Lei

n. 9.605/98. O laconismo legal é evidente e terá que ser contornado, para

sobrevivência da Lei Ambiental, em nome dos bons propósitos ecológicos que a

forjaram.

Luiz Regis Prado, em sua obra intitulada Crimes contra o meio ambiente, ao comentar sobre o tema em pauta, asseverou com muita

propriedade:

[...] o legislador de 1.998, de forma simplista, nada mais fez do que enunciar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, cominando-lhe penas, sem lograr, contudo, instituí-la completamente".Para ele essa responsabilidade não seria "passível de aplicação concreta e imediata, pois faltam-lhe instrumentos hábeis e indispensáveis para a consecução de tal desiderato". Não seria possível quebrar o tradicional sistema de responsabilidade subjetiva sem "elementos básicos e específicos conformadores de um subsistema ou microssistema de responsabilidade penal, restrito e especial, inclusive com regras processuais próprias. (PRADO, 1998, p. 21).

Como alternativa ao vácuo processual existente na Lei Ambiental,

oportuno lembrar doutrinas que sustentam - no caso da aplicação processual da

responsabilidade penal da pessoa jurídica - a adoção do rito ordinário do

processo penal e até mesmo a possibilidade de utilização de subsídios do Código

de Processo Civil, considerando o permissivo do artigo 3º do Código de Processo

Penal, que se justifica com base na doutrina seguinte:

[...] as regras ou normas do processo civil aplicam-se susbsidiariamente ao processo penal. No art. 1º do Código de Processo Penal Português, o princípio vem exposto com a declaração de que, nos casos omissos, quando as disposições do Código não possam aplicar-se por analogia, observar-se-ão as regras do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicar-se-ão os princípios gerais do Processo Penal.No Projeto Vicente Ráo, preceito análogo existia. In verbis: Art. 10 – Nos casos omissos, não sendo possível a aplicação por analogia das próprias regras do processo penal, observar-se-ão as regras do processo civil adaptáveis, e, na falta destas, os princípios

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gerais sobre a matéria. Essa orientação sobre interpretação encontra acolhida na lei processual vigente em face do que dispõe o art. 3º, quando admite os suplementos dos princípios gerais do direito. Claro que, dentre esses princípios, devem ocupar o primeiro lugar os de Direito Processual, que, por ser unitário, está formado por normas e regras contidas em ambos os seus ramos; e como o processo civil é a parte tecnicamente mais aperfeiçoada do Direito Processual, dele é que são extraídos, em sua maioria, esses princípios gerais. (MARQUES, 2000, p.52-3).

Ainda sobre o tema em foco, sempre oportuna a lição de Ada Pellegrini

Grinover, ao constatar que a Lei Ambiental não contém normas processuais ou

procedimentais, mas conclui que

[...] "a falta de tratamento específico não acarreta prejuízos à aplicação do dispositivo" (Lei n. 9.605/98, art. 3º) "que será integrado, simplesmente, pelas regras existentes no ordenamento sobre temas como a representação em juízo, a competência, o processo e o procedimento, os atos de comunicação processual, o interrogatório etc. Sem falar nas garantias processuais". E arremata: "parece que nenhuma falta fez a ausência de regras processuais específicas quanto à responsabilização penal da pessoa jurídica." O ordenamento jurídico deve ser visto como um todo e nele se encontram as respostas adequadas para o tratamento da questão, observadas, naturalmente, as diferenças que existem entre as diversas disciplinas processuais. (GRINOVER, 1999, p. 46-50).

Resumidamente, as lacunas da Lei Ambiental poderão ser contornadas

emergencialmente – com alguma criatividade – valendo-se analogicamente da

legislação processual penal e civil, no entanto, é preciso ter em mente que esta

situação não pode perdurar por muito tempo, o que está a exigir do legislador

pátrio uma nova postura face à excepcionalidade da responsabilidade penal da

pessoa jurídica, de modo a oferecer ao mundo jurídico mais segurança, com a

criação e edição de regras processuais próprias e pertinentes à matéria tratada.

Feitas estas considerações preliminares, adentraremos

especificamente a questão da competência, com a observação inicial de que a

legislação brasileira – notadamente o Código de Processo Penal e leis especiais –

em se tratando de competência, são absolutamente condizentes com a

responsabilização penal da pessoa jurídica. No entanto, oportuno frisar que a Lei

Ambiental, em si, não tratou de forma expressa sobre a competência, deixando ao

operador do direito a missão de interpretá-la à luz da legislação vigente, no que

diz respeito ao processo-crime envolvendo a pessoa jurídica, sob acusação da

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prática de dano ao meio ambiente.

A princípio, a competência jurisdicional, no processo penal,

sabidamente é definida pelo lugar em que se consumou o delito. Essa a regra

geral. Em se tratando de crime tentado, a competência será definida pelo lugar

onde se deu a consumação do último ato de execução do delito. Até aqui,

nenhuma dificuldade de se aplicar tais regras para a pessoa jurídica envolvida em

processo-crime.

No entanto, se desconhecido o lugar do crime, certo que a

competência seria definida pelo domicílio ou residência do réu. Neste particular,

começa a surgir dúvida para definição da competência relativamente à pessoa

jurídica, porque esta não tem residência, mas, sim, domicílio, podendo ter mais de

um, em se tratando de vários estabelecimentos pertencentes a mesma empresa

espalhados por locais diversos.

Na hipótese acima, a definição da competência deverá levar em conta

a autonomia de cada estabelecimento da pessoa jurídica (objeto de indicação nos

seus estatutos ou atos constitutivos) e, em assim sendo, o local do domicilio

empresarial – seja ele sede ou filial – será o competente para a fixação da

jurisdição criminal, desde que desconhecido o local da prática do delito.

Em se tratando de competência pela natureza da infração, necessário

atentar-se para as previsões constantes da Lei de Organização Judiciária de cada

uma das unidades da federação. Especificamente sobre os crimes ambientais, a

questão da competência não é pacífica – repita-se porque a Lei Ambiental foi

omissa, neste particular – e, destarte, algumas considerações hão de ser feitas

para melhor esclarecer o tema.

Guilherme Souza Nucci, em sua obra intitulada Manual de processo e execução penal, ao tratar do tema da competência, expõe o seguinte

entendimento:

[...] em primeiro plano, o lugar da infração penal (ratione loci); a partir disso, visualiza-se o contexto das exceções à regra: a) quando houver matéria especial a ser cuidada (ratione materiae), levando-se em conta a natureza da infração (é o que ocorre com a Justiça Militar ou Eleitoral, para crimes militares ou eleitorais); b) quando houver privilégio especial em função da pessoa a ser julgada (ratione personae), como ocorre no julgamento de altas autoridades. Em sendo desconhecido o local da infração, elegeu-se uma segunda regra geral, embora supletiva, que é o lugar do domicílio ou residência do réu. Por derradeiro, não havendo

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condições de determinar o lugar da infração ou do domicílio do réu, porque a infração penal desenvolveu-se em várias localidades, ou porque há incerteza quanto às divisas da Comarca, usa-se a regra subsidiária da prevenção, que é residual (ESPÍNULA FILHO5 apud NUCCI, 2005, p. 221)

Sob outro prisma, ressai do artigo 109, inciso IV, da Constituição

Federal vigente, que compete aos Juizes Federais processar e julgar

[...] os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.

Acresce-se a isso, a disposição contida no artigo 225, § 1º, inciso VII,

também da Carta Magna, que coloca o meio ambiente como de interesse da

União, a quem incumbe "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as

práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem extinção de

espécies ou submetem os animais a crueldade".

O posicionamento esposado anteriormente não é pacífico e encontra

resistência na trincheira de pensamento daqueles que entendem que os Estados

federados têm competência concorrente com a União para fiscalizar e legislar

sobre a fauna existente nos seus territórios. Invoca-se, em prol desta tese, as

prescrições constantes dos artigos 23, incisos VI e VII, e 24, §§ 1º e 2º, todos da

Constituição Federal. Daí, em se tratando das matérias atinentes ao meio

ambiente, forçoso concluir que os Estados federados concorrem com a União na

fiscalização e criação legislativa a elas pertinentes.

Sobre a natureza da competência comum, que envolve União e

Estados no tocante ao meio ambiente, oportuna a lição do Mestre José Afonso da

Silva, em Comentário contextual à Constituição, que assim definiu o tema:

[...] Trata-se de competência material relativa à prestação de serviços da mesma natureza da competência prevista no art. 21, com diferença de que esta é exclusiva da União, enquanto aquela é comum dela, dos Estados, Distrito Federal e Municípios".Competência comum significa que a prestação do serviço por uma entidade não exclui igual competência de outra – até porque aqui se está no campo da competência-dever, porque se trata de cumprir a função pública de prestação de serviços à população.Liga-se igualmente com o art. 24, onde se dá competência legislativa concorrente sobre as matérias

5 ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado, v. II, p.70-71.

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arroladas. O art. 23 dispõe sobre o conteúdo das matérias indicadas; o art. 24 define a forma normativa que se lhes dá. (SILVA, 2007, p. 165).

Para a arrematar a questão da competência – à toda evidência

polêmica, porque não tratada de forma expressa na Lei Ambiental – oportuna a

lição do estudioso Fernando Castelo Branco, em sua obra intitulada A pessoa jurídica no processo penal, quando pondera:

[...] a competência, em regra, para processar e julgar ilícitos penais contra a flora será da Justiça Federal, se a unidade de conservação pertencer à União, ou da Justiça Estadual, se dos Estados e Municípios. Já a competência para processar e julgar crimes contra a fauna é da União, nos termos do art. 1º da Lei n. 5.197, de 3 e janeiro de 1.967. Entretanto, a competência para apreciar crimes contra a pessoa predatória poderá ser da Justiça local ou federal. Isso dependerá do interesse da União no caso e da época em que se tenha realizado a pesca. Ainda: a competência para apurar crime contra o ar, as águas, o solo, etc. deverá ser analisada em cada caso concreto, bem como a extensão dos danos ( local, regional, nacional ou internacional). E mais, a competência para processar e julgar os crimes contra o patrimônio cultural será da Justiça Federal, se o patrimônio pertencer à União, e da Justiça Estadual, se dos Estados ou dos Municípios. Por fim, o julgamento dos contra a administração ambiental será da Justiça Federal, se se tratar de funcionário público federal, e da Justiça Estadual, se se tratar de funcionário público estadual. (BRANCO, 2001, p. 138).

No que diz respeito às contravenções e a conexão de crimes,

necessário registrar que as primeiras foram expressamente excluídas da

competência da Justiça Federal, conforme se extrai do artigo 109, inciso IV, da

Constituição Federal, valendo anotar que o tema já se acha sumulado no Superior

Tribunal de Justiça ( Súmula n. 38); sobre a conexão, se ocorrer entre um crime

ambiental da competência da Justiça Federal e outro da Justiça Estadual,

prevalece o entendimento constante da Súmula n. 52, do extinto Tribunal Federal

de Recursos, que diz:

Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, inciso II, alínea a, do Código de Processo Penal. Portanto, a competência da Justiça Federal, por ser constitucional, atrai a remanescente da Justiça Estadual.

Sobre os Juizados Especiais Criminais, vale a pena anotar que a Lei

Ambiental manda, nos seus arts. 27 e 28, que se aplique a Lei n. 9.099/95, que

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trata dos Juizados Especiais Criminais, o que significa: a) se o crime for apenado

com sanção máxima acima de um ano, será feito inquérito policial comum; b) se a

pena máxima for de um ano (p. ex., matar espécime da fauna, art. 29), a atividade

policial se limitará a elaborar um termo circunstanciado que será enviado ao Juízo

Federal competente (Lei n. 9.099/95, art. 69).

Cabe anotar, por derradeiro, que a legislação francesa já se posicionou

expressamente sobre a questão da competência – em se tratando de processo-

crime envolvendo a pessoa jurídica – através do artigo 706-42, do Código de

Processo Penal francês, que prevê, para a instrução e julgamento das infrações

cometidas pelas pessoas jurídicas, a competência das jurisdições tanto do local

da infração quanto do local no qual o ente coletivo estiver sediado. A trilha

seguida pelo Direito francês tem parecido segura e vem surtindo bons resultados,

pelo que poderá ser seguida pelo Direito pátrio, desde que se faça a opção por

regras processuais próprias para eficácia da matéria ambiental substantiva.

5.5 A citação da pessoa jurídica – representante legal – no processo penal

Preambularmente, necessário registrar que a ordem constitucional

brasileira vigente abriu as portas para a responsabilização penal da pessoa

jurídica, o que foi regulamentado pela Lei Ambiental, no entanto, esta pecou no

pertinente às regras da ação e do processo penal, fazendo-o tão-somente através

de normas genéricas e que não dizem respeito aos procedimentos específicos a

serem adotados para as pessoas jurídicas (conforme arts. 26 a 28).

Sobre o tema, Luiz Regis Prado, em sua obra Direito penal ambiental: problemas fundamentais, pontuou, com a argúcia de sempre:

Em França tomou-se o cuidado de adaptar de modo expresso essa espécie de responsabilidade no âmbito do sistema tradicional. A chamada Lei de Adaptação (Lei 92-1336/1992) alterou inúmeros textos legais para torná-los coerentes com o novo Código Penal, contendo inclusive disposições de processo penal, no intuito de uma harmonização processual, particularmente necessária com a previsão da responsabilidade penal da pessoa jurídica. (PRADO, 1992, p. 3).

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Para reforçar o argumento acima, Sérgio Salomão Schecaira, em sua

obra Responsabilidade penal da pessoa jurídica, foi incisivo:

[...] Ora, em nosso País, deu-se o contrário, visto que o legislador de 1.998, de forma simplista, nada mais fez do que enunciar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, cominando-lhe penas, sem lograr, contudo, instituí-la. Isto significa não ser ela passível de aplicação concreta, pois, faltam-lhe os instrumento hábeis e indispensáveis para tal propósito. (SCHECAIRA, 2003, p. 168).

A despeito destes posicionamentos, certo é que a Lei Ambiental está

em vigor e não será por falta de instrumentos procedimentais específicos que a

mesma não terá eficácia- notadamente na questão da responsabilização penal da

pessoa jurídica - se outros caminhos podem ser buscados através dos processos

penal e civil brasileiros e até mesmo de outras legislações especiais. Não se pode

perder a oportunidade de frear a fúria neo-liberal que coloca em risco diversos

valores humanitários, sociais e econômicos, entre eles, o meio ambiente.

Especialmente sobre a citação, imperioso reconhecer que é o

chamamento do réu a juízo, dando-lhe ciência do ajuizamento da ação penal,

imputando-lhe a prática de uma infração penal, bem como oferecendo-lhe a

oportunidade de se defender pessoalmente ou através de seu representante por

meio de defesa técnica. Trata-se de um corolário natural do devido processo

legal, funcionalmente desenvolvido através do contraditório e da ampla defesa

(art. 5º, LIV e LV). Aliás, pode-se dizer que a citação é o instrumento mais

evidente tanto do contraditório como da ampla possibilidade de defesa, pois sem

ciência da ação penal seria inviável qualquer manifestação do réu.

No que diz respeito à citação – como ato processual de fundamental

importância para o início da ação penal – certo é que ela, no processo penal,

diferentemente do processo civil, deverá ser feita, exclusivamente, à pessoa do

réu, através de mandado, precatória, rogatória, ofício requisitório ou carta de

ordem, dependendo das circunstâncias elencadas no Código de Processo Penal

e legislação especial. Tal regra tem aplicação para a pessoa física, surgindo, a

partir daí, a indagação de como se efetivar a citação da pessoa jurídica? A

resposta ressai clara da interpretação analógica do Código de Processo Civil, qual

seja, a citação pessoal da pessoa jurídica no processo penal deve ser feita na

pessoa de seu representante legal ou procurador expressamente autorizado a tal.

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E acrescenta-se, a representação da pessoa jurídica em juízo, ativa e

passivamente, dar-se-á por quem os respectivos estatutos ou atos constitutivos

designarem, ou não os designando, por seus diretores, ou ainda, procuradores

legalmente autorizados para receberem a citação.

De outro ângulo, em se tratando de citação da pessoa jurídica no

processo penal, oportuno registrar que não se aplicam as normas do Código de

Processo Civil, eis que o ato de chamamento do réu ao processo deve se dar de

forma pessoal – não valendo pelos correios – porque se trata de direito de defesa.

A citação é ato indispensável à validade do processo, e o processo penal tem

requisitos de validade que podem ser mais rigorosos do que os exigidos para a

validade do processo civil. A analogia não encontra aplicação nesse campo, e a

citação da pessoa jurídica deverá seguir as formas previstas no Código de

Processo Penal (arts. 531 e seguintes) ou na Lei n. 9.099/95, em se tratando de

crime ambiental de pequeno potencial ofensivo.

Frustrada a citação pessoal do representante legal da pessoa jurídica,

a lei processual prevê a possibilidade da citação por edital, conhecida como

citação ficta ou presumida, que deverá ser operada por meio de jornal de grande

circulação, na imprensa oficial ou afixado o edital no átrio do fórum, com o prazo

de quinze dias, admitindo-se a possibilidade de que o acusado, ou pessoa a ele

ligada, leia, permitindo a ciência da existência da ação penal. Vale, aqui, anotar

que se aplica à pessoa jurídica o regime estabelecido pelos arts. 366 e 367 do

Código de Processo Penal, na redação que lhes foi dada pela Lei n. 9.271/96,

com a ressalva da inexistência de citação por edital na Lei n. 9.099/95, que trata

dos Juizados Especiais Criminais.

No entanto, não se pode omitir que a citação por edital experimenta

agudas críticas, taxando-a até mesmo de inútil, pois em nada contribui para o

aprimoramento do processo penal. Há forte corrente de doutrinadores que clama

pela sua abolição, argumentando que se o acusado forneceu um endereço,

quando foi investigado e ouvido pela polícia, deve ser cientificado de que eventual

mudança precisa ser comunicada; e mais, não o fazendo deve arcar com o ônus

da alteração sem aviso à Justiça; de outro lado, não sendo encontrado na fase

policial, logo, não tendo endereço nos autos, deve ser procurado por todos os

meios possíveis. A não localização faz com que o Juiz determine a paralisação do

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feito, até que seja encontrado. Neste particular, a regra que serve à pessoa física,

também serve ao representante legal da pessoa jurídica, para fins de citação no

processo penal.

Em arremate, em se tratando de processo-crime contra a pessoa

jurídica, por prática de crime ambiental, a citação, tanto pessoal quanto ficta,

poderá ser feita na pessoa do representante legal da empresa e, havendo

irregularidade no ato citatório, a nulidade há de ser reconhecida judicialmente,

desde o início do processo.

5.5.1 Efeitos do não-atendimento à citação por edital e revelia

O réu, citado por edital, se não comparecer, nem constituir advogado,

não será processado enquanto durar a sua ausência. Suspende-se o curso do

processo e igualmente da prescrição. Pode-se determinar a produção de provas

urgentes, e, conforme o caso, decretar-se a prisão preventiva, medida esta que

não se aplica à pessoa jurídica por impossibilidade material de sua adoção.

A Lei Ambiental não trata especificamente das medidas – suspensão

do processo e da prescrição e produção antecipada de provas urgentes – em se

tratando de pessoa jurídica cujo representante legal foi citado por edital e não

atendeu ao chamamento judicial para ingresso na ação penal em seu desfavor.

No entanto, o operador do direito não pode ficar inerte diante de tal situação – em

havendo processo penal contra a pessoa jurídica- e deve buscar socorro nas

legislações processuais penal e civil para solução do impasse, relativamente aos

efeitos da citação editalícia não atendida pelo representante legal do ente

coletiva. Até que apareça a legislação específica, a ordem é valer-se da

interpretação analógica da legislação vigente.

Fernando Castelo Branco, em sua obra intitulada A pessoa jurídica no processo penal, ao tratar do tema em foco, teceu os seguintes comentários:

[...] Medidas cautelares diversas, objetivando salvaguardar direitos, poderiam ser previstas, desde que condizentes com natureza da pessoa jurídica. Seria o caso, por exemplo, da aplicação da "injunção judiciária" – determinação do Poder Judiciário ordenando ao agente que cesse

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imediatamente, ou no prazo que lhe for indicado, a atividade ilícita, com o intuito de pôr fim a uma situação irregular ou potencialmente perigosa e restabelecer a legalidade; da interdição temporária do exercício de certas atividades; ou da aplicação de uma caução de boa conduta, que implica a obrigação de depositar uma quantia em dinheiro, à ordem do Poder Judiciário, e que seria declarada perdida se, ao final do processo, a pessoa jurídica fosse condenada, sendo-lhe restituída no caso contrário. (BRANCO, 2001, p. 143).

E no tocante à revelia, a Lei Ambiental também é omissa, porque não

deixa claro se a mesma deverá ser reconhecida em desfavor da pessoa jurídica,

cujo representante legal não atende, sem justificativa, o chamamento judicial para

integrar ação penal em seu desfavor, por prática de crime ambiental. Neste

particular, o Código de Processo Civil não oferece solução para o impasse.

Sabido que inexiste, no processo penal, a figura da revelia, tal como

ocorre no processo civil. Neste, conforme prevê o art. 319, caso o réu não

conteste a ação, quando devidamente citado, reputar-se-ão verdadeiros os fatos

afirmados pelo autor na inicial. É o efeito da revelia, isto é, o estado de quem,

cientificado da existência de ação contra si proposta, desinteressa-se de

proporcionar a defesa. Tanto assim que o art. 320 do Código de Processo Civil

menciona que a revelia não induz esse efeito, quando, havendo pluralidade de

réus, algum deles contestar, quando o litígio versar sobre os direitos indisponíveis

e se a inicial não estiver acompanhada de instrumento público indispensável à

prova de algo.

Diferente é a situação no processo penal. O réu, citado, que não

comparece para ser interrogado, desinteressando-se por sua defesa, uma vez

que os direitos são sempre indisponíveis nesse caso, terá defensor nomeado pelo

Juiz (art. 261, do CPP), que deverá ter atuação eficiente, sob pena de ser

afastado e substituído por outro pelo Juiz. Ademais, não há a possibilidade de um

réu "contestar" a ação pelo outro, como no cível, pois a ação penal é voltada

individualmente a cada um dos autores da conduta criminosa.

5.6 O interrogatório da pessoa jurídica – considerações gerais

Antes de adentrarmos propriamente o tema a ser tratado neste tópico,

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importante registrar que o interrogatório é um ato processual de fundamental

importância no processo penal, através do qual é conferida oportunidade ao

acusado de se dirigir diretamente ao Juiz, apresentando sua versão defensiva

sobre os fatos que lhe foram imputados pelo órgão acusador, podendo, inclusive,

indicar meios de prova, bem como confessar, se assim o entender, ou mesmo

permanecer em silêncio, fornecendo apenas dados de qualificação. Certo é que,

instaurada a ação penal, com o recebimento da denúncia ou queixa, o Juiz

designa, desde logo, o interrogatório do acusado, que é, por assim dizer, o

primeiro contato do réu com o processo penal. Há exceções, como, por exemplo,

o previsto na Lei n. 11.343/06 (Lei de Tóxicos), em que o réu é notificado para

apresentar defesa prévia, por escrito, no prazo de dez dias (art. 55).

Sobre a natureza jurídica do interrogatório, pertinente a lição do Mestre

Guilherme Souza Nucci, que assim a define:

Há quatro posições a respeito: a) é meio de prova, fundamentalmente (Camargo Aranha); b) é meio de defesa (Galdino Siqueira, Ada Pellegrini Grinover, Tourinho Filho, Alberto Silva Franco, Rui Stoco, entre outros), sendo que alguns desses deixam entrever a possibilidade de considerá-lo, em segundo plano, como fonte de prova; c) é meio de prova e de defesa (Frederico Marques, Mirabete, Carnelutti, Hélio Tornaghi, entre outros); d) é meio de defesa, primordialmente; em segundo plano, é meio de prova (Hernando Londoño Jiménez, Ottorino Vannini). (NUCCI, 2005, p. 381).

E para marcar sua posição sobre a natureza jurídica do interrogatório,

o Mestre citado externa seu ponto de vista, colocando-se favorável à última

posição, com a anotação de que

[...] o interrogatório é, fundamentalmente, um meio de defesa, pois a Constituição assegura ao réu o direito ao silêncio. Logo, a primeira alternativa que se avizinha ao acusado é calar-se, daí não advindo conseqüência alguma. Defende-se apenas. Entretanto, caso opte por falar, abrindo mão do direito ao silêncio, seja lá o que disser, constitui meio de prova inequívoco, pois o magistrado poderá levar em consideração suas declarações para condená-lo ou absolvê-lo (cf. nosso trabalho O valor da confissão como meio de prova no processo penal, p. 162 e seguintes). (NUCCI, 2005, p. 385).

Ainda no campo das considerações gerais sobre o interrogatório,

oportuno registrar que se trata de ato processual obrigatório no processo penal,

condição que não se coaduna com o direito do réu ao silêncio, que só comparece,

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se quiser, ao processo, para prestar declarações. Nessa linha de raciocínio, o

mais razoável é que o interrogatório fosse ato facultativo no processo penal, a ser

realizado mediante requerimento da defesa, quando o acusado estivesse

devidamente identificado e não necessitasse ser qualificado diante do Juiz.

Destarte, abriria mão do direito ao silêncio, poderia oferecer os meios de prova e

as teses que entendesse cabíveis, contando com o questionamento das partes,

embora por intermédio do Juiz. Nesse particular, forçoso reconhecer que a Lei n°

10.792/03 perdeu importante oportunidade de trazer essa inovação legislativa,

tendo em vista que insistiu na obrigatoriedade do interrogatório. Vai, aqui, uma

crítica ao legislador, que perdeu excelente chance de se mostrar comprometido

com a visão moderna do Direito Processual Penal Constitucional.

5.6.1 Quem deve ser interrogado nos crimes ambientais envolvendo pessoa jurídica?

Especificamente no que diz respeito ao interrogatório da pessoa

jurídica, imperioso consignar que não se tem mais como evitar o enfrentamento

desse tema – quando sabido que a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos

crimes ambientais tem previsão constitucional e legal – restando, apenas, a

análise do aspecto sobre sua posição na relação processual. Como ré, tem o

direito de ser interrogada, visto ser este momento do processo um meio

primordialmente de defesa e, secundariamente, de prova. O Código de Processo

Penal não tem norma específica a respeito, até mesmo porque é da década de 40

(quarenta) quando, no Brasil, não se cogitava ainda da responsabilidade penal da

pessoa jurídica, e, em assim sendo, até que venha alteração legislativa no

pertinente, cabível e recomendável que sejam feitas adaptações, por analogia, à

inquirição da pessoa jurídica.

Lembrando a lição de Ada Pellegrini Grinover, escreve a respeito

Fernando Castelo Branco, em sua obra A pessoa jurídica no processo penal, o

que se segue:

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[...] A solução para o interrogatório da pessoa jurídica estaria, segundo Grinover, na adoção, também por analogia, das regras da Consolidação das Leis do Trabalho, que facultam ao empregador 'fazer-se substituir pelo gerente, ou qualquer outro preposto que tenha conhecimento do fato'. Obviamente se a substituição é facultada no processo trabalhista, maior razão teria para sê-lo no âmbito do processo penal, no qual o interrogatório caracteriza a principal e, por vezes, a única manifestação da autodefesa. Caberia, portanto, sob essa interpretação, à pessoa jurídica indicar a pessoa física que será interrogada. Não resta dúvida de que a integração normativa, por meio da analogia- quer ao Código de Processo Civil, quer à Consolidação das Leis do Trabalho – é capaz de solucionar, emergencialmente, as lacunas verificadas na lei ambiental, relativas ao interrogatório da pessoa jurídica. (BRANCO, 2001, p. 147-8).

Em arremate, valendo-se da analogia, a pessoa jurídica deverá indicar,

por instrumento de preposição, a pessoa que será interrogada em seu lugar,

estando esta, naturalmente, sujeita às mesmas regras que envolvem o

interrogatório da pessoa física, vale dizer: pode ficar em silêncio, se o desejar;

pode recusar-se a responder perguntas que entender inconvenientes, bem como

pode confessar a autoria da infração ambiental que lhe é imputada e até mesmo

esclarecer sobre fatos relevantes para o deslinde da ação penal interposta, sendo

que toda sua manifestação a vincula à pessoa jurídica denunciada.

5.6.2 A prática do interrogatório – críticas ao modelo atual

De maneira responsável, uma crítica se impõe à instituição da

responsabilidade penal das pessoas jurídicas no Brasil, através da Lei n.

9.605/98, a evidente falta da criação de normas processuais específicas para

operacionalização dos processos-crime envolvendo o ente coletivo. Não se tem

como avançar com o Direito Substantivo Ambiental se faltam normas para lhe dar

aplicabilidade prática.

Como dito alhures, na França, a instituição da responsabilidade penal

da pessoa jurídica foi secundada pela edição da chamada "Lei de Adaptação",

que cuidou de alterar vários textos legais para harmonizá-los com o novo Código

Penal, trazendo em seu bojo novas disposições especiais de processo penal com

o propósito responsável de dar vida ao novo instituto de proteção do meio

ambiente.

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Lamentavelmente, a realidade brasileira está longe da francesa, para

não dizer com tratamento exatamente o oposto, tendo em vista que o legislador

de 1.998, de maneira simplista, nada mais fez do que enunciar a responsabilidade

penal da pessoa jurídica, cominando-lhe penas, sem lograr, contudo, instituí-la

completamente. Certo é que a responsabilidade penal da pessoa jurídica, nos

moldes do Brasil, não terá eficácia plena- de aplicação concreta e imediata – se

lhe falta instrumentos hábeis e indispensáveis para a consecução do desiderato

proposto. Forçoso admitir que não é possível quebrar o tradicional sistema de

responsabilidade subjetiva sem elementos básicos e específicos conformadores

de um subsistema ou microssistema de responsabilidade penal, restrito e

especial, inclusive com regras processuais próprias.

Nesse diapasão, a conclusão que se impõe é de que o instituto da

responsabilidade penal da pessoa jurídica – no campo processual pátrio – tem

atuação capenga, porque se utiliza de regras por analogia ao Processo Civil e

Consolidação das Leis Trabalhistas, que nem sempre oferecem instrumentos

adequados de modo a satisfazerem o propósito fundamental da Lei Ambiental.

Neste particular, urge uma tomada de atitude, por parte do legislador brasileiro,

para se debruçar sobre a construção de uma lei processual própria que dê

garantias de sobrevivência – como alimento vital - ao instituto em comento, sob

pena de seu falecimento por inanição.

Diferentemente desse entendimento, alguns doutrinadores, entre eles,

Ada Pellegrini Grinover, afirmam que a falta de normas processuais ou

procedimentais, por si só, não acarreta prejuízos para aplicação da Lei Ambiental,

porque há que haver uma integração entre as regras existentes no ordenamento

jurídico pátrio sobre as diversas questões postas a exame, tais como:

representação em juízo, competência, atos de comunicação processual, o

interrogatório, entre outros. E conclui: parece que nenhuma falta fez a ausência

de regras processuais específicas quanto à responsabilização penal da pessoa

jurídica. O ordenamento jurídico deve ser visto como um todo e nele se

encontram as respostas adequadas para o tratamento da questão, observadas,

naturalmente, as diferenças que existem entre as diversas disciplinas

processuais.

Feitas as considerações anteriores, forçoso registrar que o inusitado da

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matéria ambiental – carente de regras processuais próprias - tem criado algumas

dificuldades para os operadores do direito, a despeito da utilização analógica da

legislação processual penal e civil. Neste particular, a solução encontrada tem

caráter emergencial, para não colocar em risco a eficácia de um instituto

sabidamente benéfico para o campo jurídico brasileiro. No entanto, o que se

exige, no momento, é uma atuação concreta e responsável do legislador pátrio

para criação de leis processuais a serem adaptadas a essa nova forma

excepcional de responsabilidade penal, inserindo em nosso ordenamento regras

próprias e imprescindíveis à consecução de uma verdadeira segurança jurídica.

5.6.3 Crimes ambientais – pessoa jurídica acusada – defesa escrita para admissão ou não da denúncia – sugestão de alteração processual

À míngua de regra procedimental própria, certo é que na ação penal

versando sobre a prática de crime ambiental – com envolvimento de pessoa

jurídica – o procedimento utilizado é o comum, previsto no Código de Processo

Penal em vigor. Vale dizer, nesse caso, o ajuizamento da ação penal ocorre com

o recebimento da denúncia ou da queixa, completando-se a formação do

processo, inclusive com as fases instrutória e decisória. Deve o magistrado, na

mesma decisão de recebimento da peça acusatória, designar uma data para que

o réu seja interrogado, ato processual indispensável. Ordenará a sua citação para

comparecer em dia e hora a constar do mandado (artigo 394, do CPP).

Na prática diária, a utilização do procedimento comum – para ações

penais versando sobre crimes ambientais, com envolvimento de pessoa jurídica –

tem-se mostrado de pouca ou quase nenhuma eficácia, haja vista as inúmeras

dificuldades encontradas relativamente às definições sobre competência, citação,

representação em juízo e interrogatório etc., tudo importando num extenso rol de

eventuais nulidades processuais, colocando, destarte, em risco a eficácia da

prestação jurisdicional no processo-crime manejado. Inúmeras as ações penais

propostas que não passam da fase inicial, porque esbarram em obstáculos

processuais, às vezes, intransponíveis. Urge repensar a Lei Ambiental,

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especialmente no tocante aos aspectos processuais penais que dela se fizeram

ausentes, sob pena de não se colocar em prática a proteção ambiental

dogmatizada.

Consideradas as peculiaridades da responsabilidade penal da pessoa

jurídica – tratada na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Crimes Ambientais,

sem previsão de regras processuais próprias – certo é que a questão merece

atenção especial, não devendo ser posta como de processo penal ordinário – de

procedimento comum – mas de condição diferenciada, a exigir tratamento

condizente com a magnitude de seu propósito maior: a proteção do meio

ambiente. Se assim não o for, apresenta-se de palpável fracasso a realização do

Direito Substantivo tão bem previsto na legislação ambiental.

Lado outro, sabido que há na legislação processual penal brasileira a

previsão de procedimentos especiais, entre vários, destacam-se: procedimento

dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos (arts. 513 a 518, do

CPP), procedimento dos crimes contra a honra (arts. 519 a 523, do CPP),

procedimento dos crimes contra a propriedade imaterial (arts. 524 a 530 – I, do

CPP), cada um com suas regras próprias, buscando, a seu modo, a efetividade

da prestação jurisdicional nos processos-crimes instaurados, sem perder de vista

as garantias constitucionais do devido processo legal, fundamentalmente

assentado na ampla defesa e no contraditório.

Com especial enfoque, chama atenção – por servir de empréstimo para

os crimes ambientais – o procedimento pertinente aos crimes funcionais (arts. 513

a 518, do Código de Processo Penal), que tem como escopo a filtragem das

ações que não tenham base sólida e segura, obrigando o Juiz – com

possibilidade de recurso ao Tribunal – a examinar, efetivamente, desde logo, com

atenção e cuidado, as alegações e os documentos da inicial, somente dando

prosseguimento àquelas ações penais que tiverem alguma possibilidade de êxito

e bloqueando aquelas que não passem de alegações especulativas, sem provas

ou indícios concretos. O instituto da defesa preliminar, existente no direito

processual penal para os funcionários públicos (CPP, art. 514), como antecedente

ao recebimento da denúncia, funciona como proteção moral para o agente público

acusado, para quem o simples fato de ser réu pode já implicar mancha na sua

reputação. Abre-se a possibilidade de uma defesa antes de a ação ser recebida,

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de molde a cortar pela raiz aquelas ações que se mostrem levianas ou totalmente

sem relação com a realidade dos fatos.

No caso dos crimes ambientais – em não tendo havido inquérito

policial, o que ocorre em larga escala – quase sempre o acionamento judicial dá-

se tão-somente com base em ocorrência policial, independentemente de se tratar

de suposto crime de pequeno potencial ofensivo ou não, a apresentação de

defesa preliminar mostra-se como medida de prudência – a fim de se evitar ações

penais descabidas – oportunidade em que o acusado(a), pessoa jurídica, poderá

questionar sobre a validade ou não dos pressupostos processuais ou até mesmo

sobre a existência ou não de justa causa para recebimento da denúncia e

prosseguimento da ação penal. Ultrapassados esses questionamentos, na própria

peça defensiva a pessoa jurídica acusada estaria obrigada a declinar o nome de

seu representante legal, a pessoa que deverá ser interrogada, bem como declinar

o local onde deverá se operar a citação. Desse modo, a ação penal – se

ultrapassada a fase de defesa preliminar – terá seu curso mais eficazmente

garantido, porque impune das nulidades processuais cogitadas.

E para operacionalizar procedimento próprio para ação penal

envolvendo crimes ambientais, basta introduzir alteração no Código de Processo

Penal, através de Lei própria, prevendo artigos que tratem da obrigatoriedade de

defesa preliminar naqueles casos específicos. Nos moldes do Livro II (Dos

Processos em Espécie), do Título II (Dos Processos Especiais), Capítulo II (Do

Processo e do Julgamento dos Crimes de Responsabilidade dos Funcionários

Públicos), em seus Artigos de 513 a 518, do Código de Processo Penal, mostra-

se como adequada a adoção desse rito processual para os crimes ambientais –

independentemente de ser ou não de pequeno potencial ofensivo – considerando

a importante oportunidade que será conferida à pessoa jurídica para

apresentação de defesa preliminar, tendo ou não sido manejada a denúncia.

Naquela oportunidade, a pessoa jurídica poderá argüir preliminares e

invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e justificações, bem

como especificar provas, se for o caso. E mais, em não sendo acatada a defesa

preliminar, desde já, estará obrigada a indicar a pessoa a ser citada, como seu

representante legal, e o local onde deverá ser feita a citação, e mais, em sendo o

caso, indicar a pessoa que deverá ser interrogada (gerente ou preposto seu), se

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não for o próprio representante legal. Dessa forma, o processo-crime, certamente,

estaria revestido de mais garantias para a pessoa jurídica – a fim de que a

máquina judiciária não seja acionada de maneira inútil, como vem ocorrendo em

inúmeros casos.

De forma mais objetiva ainda, a alteração processual sugerida

importará na contemplação do rito processual (artigos 513 a 518 do Código de

Processo Penal) para todos os crimes ambientais, sendo que, na resposta a ser

oferecida, em 15 (quinze) dias, após notificação, a pessoa jurídica deverá – como

dito alhures – além dos argumentos defensivos, documentos e provas – indicar,

de maneira expressa, seu representante legal, pessoa e local para citação,

pessoa a ser interrogada (gerente ou preposto), se não for o representante legal.

Esse rito – com previsão de defesa preliminar da pessoa jurídica, após

notificação – deverá ser aplicado inclusive em sede de Juizados Especiais

Criminais, como ato anterior e prejudicial à seqüência do procedimento. Caso não

acatada a defesa, em seguida, se for o caso, deverá ser dada oportunidade à

pessoa jurídica para a transação penal ou suspensão do processo. Não sendo o

caso, o processo-crime terá o seu curso regular, com o recebimento da denúncia,

citação e interrogatório da pessoa indicada, respeitados os ritos processuais,

dependendo do crime denunciado.

A sugestão feita – de oportunidade de defesa preliminar em crimes

envolvendo pessoas jurídicas – não constitui grande novidade, como já realçado

nos chamados "crimes funcionais", e, mais recentemente, veio à tona na Lei n.

11.343/06 (Lei de Tóxicos), que, em seu artigo 55, prevê:

[...] o Juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. § Na resposta, consistente em defesa preliminar e exceções, o acusado poderá argüir preliminares e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e justificações, especificar provas que pretende produzir e, até o número de 05 (cinco), arrolar testemunhas.

Como dito antes, nos crimes ambientais, a defesa da pessoa jurídica –

além dos argumentos defensivos citados – deverá trazer indicação clara sobre

seu representante legal, local e pessoa a ser citada e pessoa a ser interrogada

(gerente ou preposto), caso seu representante legal não seja o indicado.

Sobre a oportunidade da defesa preliminar, o Mestre José Frederico

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Marques ensina:

[...] nesta hipótese estabelece-se um contraditório prévio, para que o Juiz profira, com o despacho liminar, decisão semelhante ao judicium accusationis. O denunciado poderá argüir em sua defesa qualquer matéria, seja de natureza estritamente processual (ausência de pressupostos processuais ou de condições da ação, por exemplo), como adentar o próprio mérito da acusação, inclusive postulando a produção de provas que serão realizadas a critério do Juiz. Evidentemente que deve ser dada a esta disposição uma correta interpretação, a fim de que não se lhe restrinja o alcance (prejudicando a defesa e o juízo de admissibilidade a ser feito pelo Magistrado), nem, tampouco, elasteça-se-lhe de tal forma significado que se permita uma verdadeira antecipação da instrução criminal, nos moldes do Juizado de Instrução, preconizado na lei penal francesa (sistema bifásico ou misto). (MARQUES, 1997, p. 342).

E acrescente-se ainda, será nessa resposta prévia que a pessoa

jurídica – em se tratando de qualquer crime ambiental – a despeito de todos os

argumentos defensivos forjados, deverá, sob pena de preclusão, arrolar as suas

testemunhas, caso as tenha. Essa resposta passará a ser obrigatória – com a

alteração processual sugerida – e deverá ser necessariamente subscrita por um

advogado (constituído ou nomeado, ou pelo Defensor Público). Feita a notificação

regular da pessoa jurídica – para apresentação de defesa preliminar em crime

ambiental – a ausência da peça processual importará em nulidade absoluta,

consoante jurisprudência que pode ser tomada de empréstimo para o caso

presente: Revista dos Tribunais 572/412; Revista do Superior Tribunal de Justiça 34/64-5; Revista Trimestral de Jurisprudência 140/926).

Nesse particular, com relação à nulidade do processo em razão da

supressão da defesa preliminar, vale destacar o que ficou decidido pelo Superior

Tribunal de Justiça no julgamento do RESP 1.769-SP, de 10/09/1991.

Na esteira da melhor doutrina e jurisprudência da Suprema Corte, a omissão do contraditório preliminar, onde se assegura ampla defesa ao réu, a ponto de elidir a denúncia, dá causa à nulidade absoluta e insanável do processo, ainda que não tenha sido por ele arguida, ou demonstrado o prejuízo da defesa, ou que tenha sido já exonerado, é que a ofensa atinge à Constituição Federal, no que concerne aos princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa.

Ressalve-se, por pertinente, que, em se tratando de crimes ambientais

– tendo pessoa jurídica como acusada – mesmo que haja a instauração de

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inquérito policial e este acompanhe a peça acusatória, a oportunidade da defesa

preliminar mostra-se de extrema relevância, pelas muitas razões já sustentadas

anteriormente, e mais, por se tratar de situação jurídica ainda pendente de maior

amadurecimento entre os operadores do direito, considerando que alguns nem

mesmo a admitem. Ademais, a iniciativa reveste-se de importante demonstração

de compromisso com o processo penal constitucional, voltado de maneira

especial para as garantias do devido processo legal, do contraditório, da ampla

defesa e da autodefesa.

E para reforçar o argumento da necessidade de defesa preliminar – em

se tratando de crimes ambientais envolvendo pessoa jurídica – vale também, por

analogia, a regra constante do artigo 359, do Código Eleitoral, que dispõe:

"recebida a denúncia e citado o infrator, terá este o prazo de 10 (dez) dias para

contestá-la, podendo juntar documentos que ilidam a acusação e arrolar as

testemunhas que tiver". Guardadas as diferenças entre as modalidades de crimes

– eleitorais e ambientais – o que serve de uma situação à outra é o fato da

oportunidade de defesa, a ensejar decisão fundamentada do Juiz, para

prosseguimento ou não do procedimento ou ação penal. Com esse expediente,

além do criterioso controle jurisdicional da denúncia – cada vez mais exigido –

no caso específico dos crimes ambientais, onde da defesa deverá constar,

obrigatoriamente, sob pena de não-conhecida, o nome de seu representante

legal, pessoa e local para realização da citação, pessoa a ser interrogada (

preposto, gerente, não sendo o próprio representante legal) – o que se garante é

uma prestação jurisdicional de boa qualidade, como sustentáculo de um Estado

de Direito Democrático.

5.6.4 Crimes ambientais – denúncia recebida – interrogatório da pessoa jurídica – representante legal, gerente ou preposto indicado

Importantes considerações foram feitas anteriormente sobre o

interrogatório, no processo penal, sabidamente admitido como ato de defesa, mas

também meio de prova. Nesse ato processual, como já realçado alhures, o réu,

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sujeito de defesa, não tem obrigação e nem deve fornecer elementos de provas

que o prejudiquem. Pode calar-se e até mentir. Ainda que se quisesse ver no

interrogatório um meio de prova, só o seria em sentido meramente eventual, em

face da faculdade dada ao acusado de não responder. A autoridade judiciária não

pode dispor do réu como meio de prova, diversamente do que ocorre com as

testemunhas; deve respeitar sua liberdade, no sentido de defender-se como

entender melhor, falando ou calando-se, e ainda advertindo-o da existência da

faculdade de não responder. Daí, tiram-se algumas conclusões: a única arma do

interrogante é a persuasão; do silêncio ou da mentira do réu não podem deduzir-

se presunções que superem a presunção de inocência.

Feitas ponderações genéricas sobre o interrogatório, ato processual de

fundamental importância, cabe, neste tópico, a abordagem específica sobre a

realização do interrogatório no processo penal que trata de crime ambiental

praticado por pessoa jurídica. Ultrapassada a fase da defesa preliminar –

sugestão apresentada como inovação para o processo penal de crime ambiental

envolvendo pessoa jurídica – através de decisão judicial devidamente

fundamentada e passível de recurso em sentido estrito, recebida a denúncia,

pairam algumas indagações sobre quem é o representante legal da pessoa

jurídica, quem deverá ser citado em seu nome, quem deverá ser interrogado no

processo-crime? Estas indagações já foram respondidas ao longo deste trabalho,

mas serão, aqui e agora, reforçadas, a fim de que não paire qualquer dúvida

sobre a eficácia da opção feita pela legislação brasileira sobre a imputação penal

da pessoa jurídica envolvida em crime ambiental.

A princípio e num exame sumário, pela amplitude do interrogatório –

sabidamente oportunidade de exercício da mais ampla defesa – nada obsta,

valendo-se analogicamente da regra do processo civil, que, em se tratando de

pessoa jurídica, fosse esta representada, no juízo criminal, "por quem os

respectivos estatutos designarem, ou, não os designando, por seus diretores".

Destarte, a pessoa jurídica seria interrogada através de seu representante legal.

Em assim sendo, surgiria um entrave a dificultar o desenrolar do ato

processual, qual seja: no interrogatório da pessoa jurídica, realizado com a oitiva

de seu representante legal, estaria ele resguardado pelas garantias

constitucionais da ampla defesa ou figuraria como simples testemunha, sujeita ao

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cometimento de crime caso calasse ou faltasse com a verdade? Para responder

tal indagação, necessário registrar a distinção havida entre réu e testemunha, o

que colocaria o representante legal da pessoa jurídica numa dúvida atroz, de

saber se sua atuação – ao ser interrogado – o autorizaria a mentir ou se estaria

obrigado a dizer a verdade, situação que importa em evidente prejuízo para a

consecução do processo-crime, no caso. Resumidamente, pela dubiedade de

situações em que pode ser colocado o representante legal da pessoa jurídica –

ora como réu, ora como testemunha – o que se recomenda é que não se faça

recair sobre ele a responsabilidade de representação da pessoa jurídica no ato do

interrogatório.

Sob outro prisma e levada em conta a importância do interrogatório,

prudente que a pessoa jurídica faça com que a responsabilidade de representá-la,

por ocasião daquele ato, recaia sobre pessoa que tenha profundo conhecimento

dos fatos apontados no "boletim de ocorrência" (em se tratando de crimes de

pequeno potencial ofensivo) ou na denúncia ministerial, para que possa – se

assim o convier – prestar esclarecimentos e defender-se da maneira mais ampla

possível.

Destarte, com o cuidado de não ser por demais repetitivo – porque o

tema já foi abordado noutro tópico – a solução para o interrogatório da pessoa

jurídica estaria, analogicamente, na adoção de regras da Consolidação das Leis

do Trabalho, que facultam ao empregador "fazer-se substituir pelo gerente, ou

qualquer outro preposto que tenha conhecimento do fato". (GRINOVER, 1999).

Neste particular, a substituição sugerida é de todo procedente no processo penal,

considerando que o interrogatório caracteriza a principal e, por vezes, a única

manifestação da autodefesa. Em resumo: caberia à pessoa jurídica a indicação

da pessoa física a ser interrogada no caso de eventual processo-crime, caso não

acatadas suas teses defensivas preliminares, como já dito.

Finalmente, até que venha reforma processual penal mais profunda –

como está a exigir o tratamento da responsabilidade penal da pessoa jurídica nos

crimes ambientais – talvez, até mesmo nos moldes da "Lei de Adaptação"

francesa, a configurar mesmo um subsistema legal, prudente fosse o acatamento

– de imediato – da sugestão de simples reforma processual (como já explicitada

noutro tópico), a contemplar a oportunidade de defesa preliminar, com a

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obrigação da pessoa jurídica – além de suas teses defensivas e provas a produzir

– indicar seu representante legal, a pessoa e local da citação e a pessoa física a

ser interrogada em seu nome (se o próprio representante legal, gerente ou

preposto), sob pena de não o fazendo, sua peça defensiva – de imediato - não ser

conhecida, com instauração do procedimento ou da ação penal, dependendo do

crime noticiado.

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6 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA E A LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS (LEI n. 9.099/95)

6.1 Considerações iniciais

Com a entrada em vigor da Lei n. 9.099/95, de 26 de setembro (DOU,

de 27/09/95), que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, o

mundo jurídico viu-se diante de um microssistema de natureza procedimental e

obrigatório destinado à rápida e efetiva atuação do direito, exigindo-se dos

estudiosos uma atenção especial, seja sobre sua aplicação no mundo empírico,

seja de seu efetivo funcionamento técnico-procedimental.

No que pertine ao processo penal, o sistema adotado pela Lei n.

9.099/95 é novo e revolucionário e está a exigir do intérprete uma nova

mentalidade, que seja mais atenta aos princípios do que às fórmulas; à teleologia

do que aos vocábulos.

Para alguns estudiosos do sistema, a edição da Lei n. 9.099/95,

particularmente nos seus aspectos penais e processuais penais, representou um

importante passo na direção da humanização do direito penal, fazendo revigorar

as esperanças de revalorização da dignidade da pessoa humana.

O legislador – com a edição da lei citada – deixou evidenciado o seu

anseio de que o processo perante o Juizado Especial Criminal seja orientado

pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade. E

mais, de maneira inovadora, aderiu-se à justiça consensual, impondo-se como um

dos principais objetivos a reparação dos danos ocasionados pela prática

infracional.

Pertinente ao tema central da responsabilidade penal da pessoa

jurídica – introduzida no mundo jurídico pátrio através da Constituição Federal e

da Lei dos Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/98) – forçoso reconhecer que os

critérios orientadores e as finalidades principais da Lei n. 9.099/95 não foram

deixados de lado pelo legislador ambientalista.

A quase absoluta ineficácia dos mecanismos jurídicos responsáveis

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pelo controle das atividades causadoras de degradação ambiental, e a falta de

sistematização da legislação esparsa existente, foram aspectos preponderantes

que nortearam a criação da lei ambiental.

Necessário registrar que não se trata de um texto legal modelo, mas,

no entanto, hão de ser ressaltados seus aspectos agilizadores do processo, bem

como as medidas consensuais e transacionais adotadas, à toda evidência

comprometidas com a reparação do dano ambiental, cumprindo, destarte, um

importante papel social de defesa do meio ambiente.

Especificamente, a Lei n. 9.605/98 determinou a aplicação da

transação penal, prevista no artigo 76 da Lei n. 9.099/95, acrescentando como

requisito preliminar a reparação do dano causado ao meio ambiente, salvo em

caso de comprovada impossibilidade. Outra medida também adotada foi a

aplicação da suspensão do processo, prevista no artigo 89 da Lei n. 9.099/95,

com o acréscimo de algumas condições.

A adoção dessas regras facilitará o contato do Juiz e do Promotor de

Justiça com o autor do fato, com as pessoas lesadas ou representantes de

entidades de defesa do meio ambiente, de modo a permitir a solução da

pendenga, com ou sem acordo, a fim de reparar o dano ambiental causado.

A lei ambiental – ao recepcionar a responsabilidade penal da pessoa

jurídica – coloca a sua disposição, através da justiça consensual, uma vez

reparados os danos, os institutos da transação penal e da suspensão condicional

do processo, sabidamente despenalizadores e sobre os quais teceremos

considerações a seguir.

6.2 Transação penal

À luz da Constituição Federal de 1988, só há atividade jurisdicional

onde houver uma pretensão manejada pelo detentor legítimo do direito de fazê-la.

Partindo deste princípio constitucional básico, não há como admitir seja a

transação penal dotada de características jurisdicionais, eis que destituída de

qualquer pretensão punitiva.

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No entanto, a afirmação anterior não é admitida à unanimidade,

havendo aqueles doutrinadores que entendem, sim, que a transação penal

constitui uma sanção penal, porque rompe com o princípio do devido processo

legal, em escancarada afronta ao texto constitucional vigente.

Para esses doutrinadores, se a medida cumulada com a proposta do

Promotor de Justiça, submetida à transação e posterior homologação judicial, for

considerada sanção penal em sentido estrito, há que se buscar como razoável

critério de interpretação alguma forma de equiparação da indigitada proposta à

denúncia, como meio de assegurar uma forma especialíssima de procedimento

legal e o conseqüente resguardo do due process of law.

E mais, comungando deste entendimento anterior, o mais correto é

que, na proposta e, posteriormente, na própria transação, venha indicada a virtual

capitulação delitiva a ser dada pelo Ministério Público, para que o agente possa

fazer um juízo prévio no tocante à viablidade de aceitar ou não a proposta

ministerial apresentada.

Ada Pellegrini Grinover, com sua reconhecida autoridade jurídico-

intelectual, admite que a transação penal traz, em seu bojo, uma medida como

características e elementos próprios de uma sanção de natureza penal, embora

sem reflexos na reincidência do chamado beneficiado.

Para outros também renomados doutrinadores, as medidas

despenalizadoras constantes da transação penal, embora, num primeiro

momento, recebam a denominação de penas restritivas de direitos e multa, não

podem ser admitidas como sanções de natureza penal em sentido estrito, porque

não trazem, em si mesmas, o sentido de reprovabilidade ético-jurídico e tampouco

se assentam no reconhecimento da culpabilidade do suposto autor do fato. Basta

ver que não geram reincidência e nem constarão das certidões de antecedentes

criminais. A única restrição imposta ao transator é a não obtenção de novo

benefício transacional nos próximos cinco anos, a partir da primeira transação, e

nada mais.

Acrescente-se, mais, na mesma linha anterior, sanção especial de que

trata a Lei dos Juizados Especiais, a título de transação penal, somente poderá

ser aplicada com expressa anuência e concordância do suposto autor do fato

típico (artigo 76, § 3º, da Lei n. 9.099/95), excluindo-se penas privativas de

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liberdade, o que permite, à primeira vista, a inferência de não se tratar de uma

medida de natureza penal propriamente dita, embora com esta possa se

assemelhar.

O consenso, alcançado na transação penal, implica necessariamente

na convergência de vontades: de um lado, o Ministério Público deixa de exercer o

poder-dever de instaurar a ação penal (com a exclusão do processo); e, de outro,

o autor do fato aceita submeter-se a uma multa ou regras de conduta que, uma

vez cumpridas, motivarão a extinção da punibilidade; caso contrário, resultará no

oferecimento da denúncia, retornando-se ao status quo ante. O objeto imediato da

transação penal é, com certeza, evitar a propositura da ação penal, agilizando o

enfrentamento dos atos infracionais considerados de pequeno potencial ofensivo,

e, consequentemente, evitando os efeitos maléficos (morosidade, custo elevado,

excesso de formalismos etc.), sabidamente decorrentes da tramitação processual

convencional.

Neste sentido, a abalizada lição de Júlio Frabbrini Mirabete, verbis:

Tem-se alegado que o instituto da transação viola os princípios constitucionais do devido processo legal e da presunção de não-culpabilidade, com o que não se pode concordar. Não se viola o princípio do devido processo legal porque a própria Constituição Federal prevê o instituto, não obrigando a um processo formal, mas a um "procedimento oral e sumaríssimo" (art. 98, I) para o Juizado Especial Criminal e, nos termos da lei, estão presentes as garantias constitucionais de assistência de advogado, de ampla defesa, consistente na obrigatoriedade do consenso e na possibilidade de não-aceitação da transação. Trata-se da possibilidade de uma tática de defesa concedida ao apontado como autor do fato. Não se viola o princípio da presunção de não-culpabilidade porque há uma aceitação por parte do interessado, que não implica confissão de culpa. A transação é medida de caráter penal e, portanto, a regra que a criou, que favorece o autor do fato nas infrações penais de menor potencial ofensivo, é dotada de retroatividade e deve ser aplicada inclusive aos fatos em andamento por ocasião do início da vigência da Lei n. 9.099/95. (MIRABETE, 1998, p. 80-1).

Na jurisprudência, o entendimento majoritário sobre a transação penal

tem sido esposado com as vertentes seguintes, verbis:

Constatada a incidência da Lei n. 9.099/95, não fica ao arbítrio do representante do MP oferecer ou não as propostas alternativas à condenação previstas nos arts. 76 e 89 daquela lei. Em que pese a equivocada redação desses dispositivos, o vocábulo poderá, tal como na

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exegese já pacífica do art. 77 do CP, deve ser entendido como abusivo às hipóteses em que o acusado não satisfaça a todos os requisitos legais para usufruir do benefício. Observa-se que todos os benefícios previstos na Lei n. 9.099/95 constituem direitos públicos subjetivos do acusado – ainda que o tempo verbal em que alguns foram formulados esteja eventualmente no condicional – ensejando a sua denegação, presentes os requisitos autorizadores, a impetração do habeas corpus ou de mandado de segurança para a sua imediata restauração. Não é dado, assim, ao representante do MP propor ou não, ao seu alvedrio, acordo com o acusado visando a aplicação da pena restritiva de direito ou multa (art. 76) ou a suspensão do processo (art. 89). Presentes todos os pressupostos legais, não há como recusar o acordo; por outro lado, verificada a ausência de algum desses requisitos, cumpre ao MP, ao oferecer a denúncia, submeter à decisão do juiz suas razões para não apresentar a proposta. Ordem concedida para que se ofereça à paciente proposta de suspensão do processo, nos termos do art. 89 da Lei n. 9.099/95 (RT 733/575) (MIRABETE, 1998, p. 83).

Feitas as considerações anteriores, oportuno trazer à baila

entendimento mais recente e atualizado sobre a transação penal, no sentido de

que a mesma se revela como um ato de denominada jurisdição voluntária, pois,

contrariamente à jurisdição criminal contenciosa, na primeira não exige o Estado a

subordinação da liberdade ao seu interesse punitivo (pretensão punitiva). Vale

dizer, da transação penal não pode resultar, ao menos que se violem a máxima

do nulla poena sine culpa e os princípios constitucionais do contraditório e da

ampla defesa, qualquer modalidade de sanção criminal.

O Promotor de Justiça, Rogério Pacheco Alves, em brilhante tese

denominada A transação penal como ato da denominada jurisdição voluntária, assim ponderou, verbis:

Ademais, a transação penal, assim concebida, afina-se com a tendência atual na busca de soluções diferentes das oferecidas pelo Direito Criminal à chamada criminalidade de menor potencial ofensivo.6 Com efeito, as respostas sancionatórias até então concebidas vêm-se mostrando extremamente ineficazes, sendo raro, extremamente raro,

6 Sobre o assunto, merece expressa referência a observação de Wilfried Hassemer quanto à necessidade de concepção de "[...] um novo campo do direito que não aplique as pesadas sanções do Direito Penal, sobretudo as sanções de privação da liberdade e que, ao mesmo tempo, possa ter garantias menores", esclarecendo que "Esse novo campo do direito estaria localizado entre o Direito Penal, Direito Administrativo, entre os direito dos atos ilícitos no campo do Direito Civil, entre o campo do Direito Fiscal e utilizaria determinados elementos que o fariam eficiente" ("Perspectivas de uma moderna política criminal". RBCCrim 2/41-51). Sobre a experiência portuguesa nessa matéria, vide Jorge de Figueiredo Dias. "Do direito penal administrativo ao direito de mera ordenação social: Das contravenções às contra-ordenações". Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo: Ed. RT, 1999. p. 162-184; Finalmente, sobre o tratamento administrativo conferido às contravenções em Cuba, vide Angela Gomez Perez. "Las contravenciones y su tratamiento juridico en Cuba en la etapa actual". RBCCrim 23/131-136.

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que a criminalidade menor mereça a intervenção jurídica do Estado, o que acarreta a sensação de impunidade e o próprio aumento da criminalidade. Só que, neste passo, ao invés de escolher o caminho da "descriminalização" ou só o do direito administrativo penal, preferiu o legislador brasileiro, precipuamente, a via processual, concebendo, como bem percebido por Afrânio Silva Jardim, uma "engenharia" diferente.7 Antes da veiculação da pretensão punitiva pelo caminho clássico do processo, com as bênçãos da própria Constituição (art. 98, I), erigiu-se uma via alternativa e anterior, de índole administrativa, na qual, se alcançado o consenso, atingem-se, a um só tempo, tanto a pacificação social quanto a prevenção perseguida por todo e qualquer preceito sancionatório. E é isso, afinal, o que se busca, pouco importando para o Estado qual deva ser o caminho por ele trilhado para alcançar tais objetivos, até porque, como modernamente se reconhece, não há diferenças ontológicas entre a sanção penal e administrativa.8 O que se alteram, profundamente, são o iter a ser seguido nas duas hipóteses, sendo o processo penal naturalmente mais "degradante", e a drasticidade decorrente da própria sanção penal, representada pela possível privação da liberdade, além dos seus efeitos sociais bem mais deletérios. Por conseguinte, somente se frustrada a via pré-processual pela discordância manifestada pelo autor do fato ou mesmo pelo descumprimento da transação, surgirá, com todas as suas peculiaridades, inclusive garantistas, o caminho verdadeiramente jurisdicional, do qual, só então, poderá advir a aplicação da sanção penal. (ALVES, 2000, p. 484-5) (grifos do autor).

Em resumo, a despeito da polêmica gerada em torno da transação

penal, imperioso reconhecer que ela representa um importante instrumento legal,

de previsão inclusive constitucional, a garantir a efetiva aplicação das chamadas

penas alternativas. E mais, através do consenso, tem o condão de solucionar

conflitos, possibilitando o alcance da tão almejada paz social. Isso,

verdadeiramente, é o que importa.

Considerações fazem-se necessárias também sobre a

constitucionalidade da transação penal, assentando-se esta em abalizados

conceitos doutrinários (ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO SCARANCE

FERNANDES, LUIS FLÁVIO GOMES e ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO)

a sustentarem que

[...] a aceitação da proposta de transação penal, pelo autuado (

7 "Essa lei tem uma engenharia, vamos dizer assim, importante. Ao invés de optar pela descriminalização. atendendo ao chamado Princípio da Intervenção Mínima do Direito Penal, Direito Penal Mínimo, optou pela descriminalização de forma indireta, através do processo. Seria mais ou menos o seguinte: já que o Direito Penal não teve a ousadia de descriminalizar, o Direito Processual Penal, por vias indiretas, para essas infrações de pequena monta, através de determinados institutos, visa à despenalização" (Direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense. 1999. p. 348). 8 Sustentando que a distinção entre sanções penais e administrativas é meramente quantitativa, vide José Cerezo Mir. "Sanções penais e administrativas no direito espanhol". RBCCrim 2/27-40.

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necessariamente assistido pelo Defensor), longe de configurar afronta ao devido processo legal, representa técnica de defesa, a qual pode consubstanciar-se em diversas atividades defensivas : a) aguardar a acusação, para exercer oportunamente o direito de defesa, em contraditório, visando a absolvição ou, de qualquer modo, a situação mais favorável do que a atingível pela transação penal; b) aceitar a proposta de imediata aplicação da pena, para evitar o processo e o risco de uma condenação, tudo em benefício do próprio exercício de defesa. (GRINOVER, 1999. p. 130-31).

Nem mesmo o "princípio da proporcionalidade", de previsão

constitucional, restou desrespeitado, quando se observa que a aceitação da

transação penal, conforme ressai da lei, não importa no reconhecimento da

culpabilidade, e, daí, não há como influenciar na imputação da pecha de

reincidente para o agente e nem mesmo como considerá-lo portador de

antecedentes criminais. O único efeito penal da transação é o impedimento de

novo benefício da mesma natureza para o autor, pelo prazo de cinco anos, a

partir da concessão da primeira medida despenalizadora transacionada. Nada

mais, além disso.

Nem mesmo a alegação da possibilidade de conversão das penas

restritivas de direitos transacionadas, e, uma vez descumpridas, em penas

privativas de liberdade, deve ser levada a sério, quando se observa que tal

operação mostra-se totalmente inatingível, à míngua de previsão legal de uma

pena detentiva para tal desiderato. Já com relação à multa transacionada, sabido

que esta jamais poderá ser convertida em prisão, no caso de não-pagamento,

devendo, destarte, ser exigida como dívida de valor, através da via executiva

competente.

E mais, não cogitar de violação dos "princípios da inocência e da

isonomia constitucional da partes", em razão da aceitação da transação penal: a

uma, porque a aceitação do benefício legal não retira do autor a qualidade de

inocente, vez que inexplorada fica a sua culpabilidade; a duas, a inexistência de

composição civil não prejudica a transação penal, vez que não estão diretamente

vinculadas e uma não depende da outra para ser proposta. São medidas

despenalizadoras distintas e como tal devem ser encaradas.

No campo jurisprudencial, a questão da constitucionalidade da

transação penal já se faz consolidada, conforme ressai claro do acórdão seguinte,

verbis:

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A Lei n. 9.009/95 aplica-se aos crimes sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a suspensão condicional do processo nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada. Recurso provido para anular o feito desde o recebimento da queixa-crime, a fim de que seja observado o procedimento da Lei n. 9.009/95. STJ. RHC n. 8.480/SP, 5a Turma, Relator Min. Gilson Dipp, julgado em 21.11.99. DJU 22.11.99, p. 164.

Especificamente sobre a transação penal prevista na lei ambiental,

necessário registrar que o artigo 27 da Lei n. 9.605/98 prevê que os crimes

ambientais de menor potencial ofensivo sujeitarão os autores às disposições da

Lei n. 9.099/95, sabendo-se que são infrações desse tipo todas aquelas em que a

pena máxima cominada não exceda de 1 (um) ano.

Daí, decorre uma inevitável indagação: como imputar responsabilidade

penal à pessoa jurídica se a mesma não pode se sujeitar à pena privativa de

liberdade? A própria lei ambiental cuida da resposta: os dispositivos tipificadores

referem-se, sempre, a pena carcerária aplicável. Em se tratando de pessoa

jurídica, o preceito secundário não é aplicado, havendo remissão aos dispositivos

que tratam das sanções aplicáveis à pessoa jurídica.

Conclui-se: mesmo a infração atribuída à pessoa jurídica poderá ser

classificada como de menor potencial ofensivo, bastando para tanto que a pena

cominada, no tipo, seja expressa em reclusão ou detenção, não excedente de 1

(um) ano.

Já o artigo 28 da Lei n. 9.605/98, trouxe importante alteração à

sistemática da citada Lei n. 9.099/95, ao prever que a transação penal depende

de "prévia composição do dano ambiental", salvo comprovada impossibilidade de

fazê-lo. A transação penal deve ser tentada, mesmo que frustrada a composição

civil dos danos, sendo esta condição de existência e validade do benefício legal (

transação penal).

A preocupação do legislador – de condicionar a transação penal à

reparação dos danos ambientais – é louvável, no entanto, esconde uma

perversidade não percebida, qual seja a de exigir a reparação do dano ambiental

independentemente da certeza da autoria ou de culpa. Ocorre que o "autor do

fato" pode ser inocente. Se deseja escapar do processo, pode transacionar,

mediante condições de pequena monta (serviços gratuitos à comunidade, multa

etc.). Mas, se, além disso, deve indenizar o prejuízo (que pode ser de grande

vulto), certamente haverá uma desproporção entre o interesse estatal pela

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celeridade processual e o gravame assumido.

A única alternativa deixada pela lei ambiental – de se eximir da

reparação do dano ambiental como condição para a transação penal – está na

"comprovada impossibilidade" de fazê-lo, ficando tal mister a cargo do autor do

fato comprová-lo.

Diante dessa realidade legal, imperioso compatibilizar o disposto no

artigo 28 da Lei n. 9.605/98 com o previsto no § 1° do artigo 14 da citada Lei n°

6.938/81, donde ressaem as seguintes conclusões: a ) a composição cível passa

à condição de procedibilidade da transação penal; b) a reparação do dano, por si

só, não acarreta a extinção da punibilidade, pois a composição cível sucede a

transação penal; c) o compromisso de reparar o dano ambiental não equivale a

confissão de culpa, diante da responsabilidade objetiva prevista na Lei n°

6.938/81; d) esse compromisso só pode ser exigido diante de cabal comprovação

da autoria da infração penal.

Arrematando, em se tratando de pessoa jurídica infratora do meio

ambiente, por três principais razões lhe é cabível a aplicação da transação penal,

quais sejam:

1ª) A sua representação passiva, em juízo, dar-se-á por um órgão

definido estatutariamente, ou seja, por quem os respectivos contratos ou estatutos

designarem, ou, no silêncio destes, por seus diretores ou sócios gerentes,

adotando-se, assim, subsidiariamente, o art. 37 do Código de Processo Penal,

como já analisado anteriormente.

2ª) Entre os principais objetivos visados pela Lei dos Juizados

Especiais Criminais está a reparação dos danos sofridos , atendendo, assim,

grande função social, na busca rápida e adequada dos reclamos da coletividade.

A composição do dano, por ser medida eminentemente civil, capacita a pessoa

jurídica a praticá-la.

3ª) O espírito inovador e revolucionário do legislador foi motivado pela

escolha de sanções menos gravosas, como é o caso das penas restritivas de

direitos e a multa, considerando que as penas privativas de liberdade restariam

inadequadas para as pessoas jurídicas infratoras do meio ambiente. Alguns

sustentam que tal posicionamento redundará numa espécie de despenalização.

Isso, só o tempo dirá.

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6.3 Suspensão condicional do processo

A Lei n. 9.099/95, de 26 de setembro de 1995, instituiu, no seu artigo

89, um novo instituto processual, com efeito penal, qual seja, a suspensão do

processo.

Inicialmente, faremos algumas considerações específicas sobre a

suspensão condicional do processo, sem perder de vista que a lei ambiental (Lei

n. 9.605/98), em seu artigo 28, também fez a previsão deste instituto processual,

com algumas alterações, as quais serão objeto de consideração ao longo da

exposição temática.

O legislador (artigo 89 da Lei n. 9.099/95) admitiu que nos crimes em

que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidos ou não

pela Lei em questão, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor

a suspensão do processo por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que o acusado

não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime,

presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da

pena (artigo 77 do Código Penal).

Decorre da interpretação legislativa a conclusão de que o novo instituto

se aplica não só às infrações de menor potencial ofensivo, que a Lei definiu como

sendo as contravenções e os crimes cuja pena máxima cominada não seja

superior a um ano, vez que foi utilizada a expressão "abrangidas ou não por esta

Lei". Apesar do erro de redação, não há dúvidas de que o legislador pretendeu

referir-se a "crimes abrangidos ou não por esta Lei". Destarte, a suspensão do

processo é aplicável também a outros crimes, desde que a pena mínima

cominada seja igual ou inferior a um ano.

Da mesma maneira, a leitura atenta da lei autoriza concluir logicamente

que a suspensão do processo não se aplica somente aos crimes de competência

dos juizados especiais criminais, porque, se assim não fosse, a lei se referiria a

crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano,

considerando-se que as infrações de competência dos juizados especiais são

apenas as contravenções penais e os crimes cuja pena máxima não ultrapasse a

um ano. Sabido que em alguns crimes de pena máxima superior a um ano – não

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considerados de menor potencial ofensivo e fora da competência dos juizados

especiais criminais – (ex. contrabando ou descaminho) – apresenta-se plausível a

aplicação da cogitada suspensão do processo.

No que pertine à natureza jurídica, constata-se que a suspensão do

processo tem natureza processual, mas também penal, tendo em vista que

suspende a marcha processual e, uma vez cumprido o período de prova dela

decorrente, extingue-se a punibilidade, ou seja, o direito de punir do Estado diante

da ocorrência do fato delituoso. Tem aplicação imediata e efeito retroativo,

abrangendo, inclusive, os processos em andamento e aqueles que se encontram

em grau de recurso. O único limite é a coisa julgada, vez que não há como cogitar

de suspender o processo que não mais existe.

Já com relação à constitucionalidade do instituto, forçoso registrar que

não há violação constitucional ou legal na sua adoção, vez que o réu não é

considerado culpado, não cumpre pena, senão condições. Na verdade, o réu não

contesta a acusação, mas também não assume a culpa. E mais, não existe

qualquer obrigação legal de que ele aceite o benefício, podendo recusá-lo,

quando, então, o processo prosseguirá normalmente. Tem, sim, o réu total

autonomia para escolher a estratégia de defesa que melhor lhe aprouver.

Sobre outro aspecto, certo afirmar que a suspensão do processo é

direito subjetivo do réu, considerando que, apesar da expressão "poderá",

utilizada no texto da Lei, o Ministério Público tem o poder-dever de, uma vez

preenchidos os requisitos previstos legalmente, propor o aludido benefício para o

réu. Se não o fizer, a sua omissão poderá ser suprida pelo Poder Judiciário, a

pedido do réu.

Neste sentido, a conclusão da Comissão Nacional de Interpretação da

Lei n. 9.099/95, que chegou a afirmar que se o Ministério Público não oferecer

proposta de transação penal ou de suspensão condicional do processo nos

termos dos artigos 76 e 89, poderá o Juiz fazê-lo. Com a devida vênia, o

entendimento mais correto é no sentido de que o Juiz não deva agir de ofício,

mas se o Ministério Público não fizer a proposta e a suspensão do processo for

requerida pelo acusado, o Magistrado haverá de decidir, embora a sua decisão se

sujeite a recurso.

Especificamente sobre a lei ambiental (Lei n. 9.605/98), em seu artigo

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28, vê-se que o legislador, equivocadamente, restringiu a sua incidência às

infrações de menor potencial ofensivo – punidas com pena máxima de um ano –

tendo em vista que os limites outorgados pela Lei n. 9.099/95 são bem mais

amplos: a suspensão é permitida para as infrações em que a pena mínima é de

um ano.

O antagonismo anteriormente registrado, certamente levará a duas

interpretações como previsto por Antonio Scarance Fernandes, em A nova lei

ambiental e a justiça consensual, verbis:

Com base na letra da lei será possível entender que, em relação aos crimes ambientais, só caberia a suspensão nas infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, aquelas com pena mínima de um ano. Através de interpretação finalística, contudo, poderá também ser sustentado que se aplica integralmente o art. 89, da Lei n. 9.099/95, aos crimes ambientais, pois a intenção do legislador foi apenas a de modificar, com os incisos I a V, as normas sobre os requisitos para a concessão da suspensão ou sobre as condições de seu cumprimento, tendo havido erro na alusão aos crimes de menor potencial ofensivo. (FERNANDES, 1998, p. 4).

Entende o autor citado que a segunda exegese parece a mais

adequada, pois "a primeira diminui o âmbito de aplicação da Justiça consensual.

Além do mais, torna praticamente ineficaz a norma do art. 89, da Lei n. 9.099/95,

em relação aos crimes ambientais, pois caberia antes transação penal para

infrações de menor potencial ofensivo, ficando prejudicada eventual suspensão

condicional do processo. Esta só aconteceria nos casos em que, por algum

motivo, não fosse feita a proposta de transação, como, por exemplo, quando já

tivesse havido anterior pedido de aplicação imediata de multa ou pena restritiva".

Afora esta questão que deve ser analisada adequadamente – como já

realçado – forçoso reconhecer que a suspensão do processo trará maior

facilidade para a obtenção da reparação do dano ambiental, condicionando a

declaração da extinção da punibilidade à lavratura de laudo que constate a efetiva

restauração do dano (art. 28, inciso I), e, em sendo positivo o laudo, ou seja, não

restaurado o dano, prorrogar-se-á o prazo de suspensão para o máximo de 4

(quatro) anos, acrescido de mais 1 (um) ano (art. 28, inciso II), sendo que, neste

caso, não serão aplicadas as condições previstas nos incisos II, III e IV do § 1° do

art. 89 da Lei n. 9.099/95 ( art. 28, inciso III).

Finalmente, em não havendo a reparação do dano após o período de

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prorrogação da suspensão processual, nos termos do art. 28, inciso IV, da Lei n.

9.605/98, nova prorrogação poderá ocorrer, até o máximo de 5 (cinco) anos. Após

este prazo, novo laudo deverá comprovar a reparação do dano ambiental, como

condição imprescindível de extinção da punibilidade do acusado (art. 28, inciso V,

da Lei citada).

Resumindo, face às considerações feitas anteriormente, imperioso

concluir que os requisitos para a concessão da suspensão condicional do

processo e as condições de seu cumprimento são perfeitamente cabíveis à

pessoa jurídica responsabilizada por crime ambiental, levando-se em

consideração, também, que no período de prorrogação da suspensão não se

aplicarão as condições dos incisos II, III e IV do § 1º do art. 89 da Lei n. 9.099/95,

regras, à toda evidência, muito mais condizentes com a natureza da pessoa

física.

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7 AS PENAS APLICÁVEIS À PESSOA JURÍDICA

7.1 As espécies de pena no direito brasileiro (Lei n. 9.605/98)

A evolução dos tempos e as constantes atividades empresariais

atentatórias ao meio ambiente forçaram o entendimento de que a melhor resposta

estatal, para um ato ilícito praticado por uma pessoa jurídica, é, sem dúvida, a

aplicação de uma pena, porque esta tem um caráter público, de prevenção geral

positiva combinada com uma prevenção especial não marcada pelo

retributivismo.

Noutros tempos, o direito penal inclinava-se por respostas diversas

para a punição da empresa cometedora de ilícitos, quais sejam: imposição de

medidas administrativas e/ou civis; aplicação de "medidas de segurança", ao

entendimento de que as reprovações às empresas fazem parte do sistema de

direito penal, mas também têm cunho de direito administrativo ou de polícia; a

terceira posição – a mais moderna e consentânea com a realidade

contemporânea – de imputar responsabilidade criminal à pessoa jurídica em

razão de seu envolvimento em atividade ilícita.

No entanto, a tendência moderna, abandonando o pragmatismo, vem-

se socorrendo da ultima ratio do direito penal, nos casos de atos ilícitos praticados

pela pessoa jurídica.

Reitere-se o entendimento de que a imposição de pena, com caráter

precipuamente preventivo, é a melhor resposta estatal para o corporate crime,

tendo em vista que a pena se revela na sua missão mais importante de proteção

da sociedade mediante a prevenção de delitos.

Destarte, cabe aos países adeptos da responsabilidade penal da

pessoa jurídica encontrarem uma nova base dogmática justificadora deste

posicionamento, sabidamente distinto da dogmática penal do indivíduo, mas

construído da maneira paralela ao primeiro.

Especificamente, no que diz respeito à Lei n. 9.605/98, objeto de

tratativa neste capítulo, necessário registrar que o legislador inovou ao trazer à

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baila importante previsão de penas compatíveis com a natureza da pessoa

jurídica, conforme ressai claro do artigo 21 da referida lei, que prevê a aplicação

da penas de multa, restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade.

E o legislador foi ainda mais longe, quando facultou ao Juiz a aplicação

da pena de extinção da pessoa jurídica – como conseqüência da condenação –

em se tratando de delito ambiental de maior relevância. Nestes casos, em sendo

o patrimônio da pessoa jurídica considerado instrumento do crime, pode o Juiz

declará-lo perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.

Lado outro, algumas críticas são feitas ao legislador no que pertine à

sistematização das penas na lei ambiental. A uma, a leitura dos artigos 8° e 22 da

Lei n. 9.605/98 parece indicar que o primeiro relaciona somente as penas

aplicáveis às pessoas físicas e o segundo as penas aplicáveis à pessoa jurídica; a

duas, as regras dos artigos 9, 10, 12 e 13, que esclarecem hipóteses do artigo 8°,

só possibilitam aplicação das penas mencionadas às pessoas físicas. Contudo, a

pena de suspensão parcial ou total de atividades, prevista artigo 8°, inciso III, só

pode ter aplicação às pessoas jurídicas, porque estas, diferentemente das

pessoas físicas, praticam atividades, e não condutas.

Ultrapassadas essas incongruências legislativas, que não

comprometem o propósito maior da lei ambiental, forçoso registrar que cabe ao

aplicador da lei a sua interpretação, sem perder de vista a opção política no

sentido de instrumentalizar o direito penal relativamente à responsabilização

penal da pessoa jurídica por seus atos ilícitos em desfavor do meio ambiente.

Em resumo, a Lei n. 9.605/98, ao instituir a responsabilidade penal da

pessoa jurídica para os crimes praticados contra o meio ambiente, elencou, em

seu artigo 21 e seguintes, as espécies de penas a ela aplicáveis, isolada,

cumulativa ou alternativamente: multa, restritivas de direitos, prestação de

serviços à comunidade e liquidação forçada. Sobre estas modalidades de penas

faremos, a seguir, algumas considerações específicas.

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7.1.1 A multa

Apesar de sua previsão na lei ambiental, imperioso reconhecer que o

legislador não cuidou de estabelecer critérios específicos para sua aplicação.

Valeu-se, tão-somente, das regras contidas no Código Penal, todas sabidamente

de perfil pessoal e individualista, sem, por exemplo, estimar o dia-multa devido

pela pessoa jurídica.

O artigo 18 da Lei Ambiental determina expressamente sejam

aplicadas as regras gerais do Código Penal à multa a ser imposta à pessoa

jurídica. Ainda neste dispositivo, está prevista uma nova possibilidade de aumento

do valor da multa, até o triplo, se o Juiz considerar necessário para manter o

caráter aflitivo da pena, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida

pela pessoa jurídica, o que se aplica em relação ao valor do dia-multa, e não à

quantidade de dias-multa.

E mais, feita a correta interpretação do citado artigo 18, conclui-se que

a regra nele previsto, no pertintente ao aumento da multa, não se incompatibiliza

com a regra do artigo 60, § 1°, do Código Penal, que estabelece causa de

aumento que repercute efeitos apenas sobre o valor da multa, mas com critério

diverso: a situação econômica do réu. Em ocorrendo a incidência dos dois

critérios referidos (vantagem econômica auferida e situação econômica do réu),

aplica-se a regra do artigo 68 do Código Penal, operacionalizando-se os

aumentos da pena de multa através do método de incidência isolada.

Dessa forma, a pena de multa deverá ser calculada pelos critérios

previstos no artigo 49 do Código Penal (dias-multa), e, caso se revele ineficaz,

ainda que aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada até o triplo,

dependendo do valor da vantagem econômica auferida com a prática criminosa e

a situação econômica do infrator.

O valor do dia-multa é fixado com base no "salário mínimo mensal

vigente ao tempo do fato". Mesmo com a aplicação do máximo da pena ( 360

dias-multa multiplicado por 5 vezes e aumentado até o triplo), poderá ocorrer uma

prestação pecuniária não condizente com a possibilidade financeira da empresa e

a necessidade para o efetivo ressarcimento do dano, ou ainda, com a vantagem

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obtida pelo crime.

Sergio Salomão Shecaira, em sua obra Responsabilidade penal da pessoa jurídica, ao tratar da imposição de multa para a pessoa jurídica infratora,

anota que:

[...] a sistemática de dias-multa adotada pelo direito brasileiro, com o procedimento bifásico estatuído com a Reforma de 1984, deve ser implementada também para as pessoas jurídicas. Quando o réu no processo criminal for pessoa jurídica, o dia-multa equivalerá a 1/365 do seu faturamento no exercício anterior, devidamente atualizado, ou a 1/30 do faturamento no mês anterior, para empresas recém-constituídas. Tais limites podem ser dobrados em caso de reincidência ou mesmo triplicados. As penas podem variar de 10 a 360 dias-multa, à semelhança do que ocorre no direito em vigor. Ressalte-se que a pena mínima a ser eventualmente aplicada (10 dias-multa) é valor, por si só, extremamente alto, especialmente se considerarmos que dos 2/3 restantes do faturamento, obtidos naquele mês, sairiam todos os encargos da empresa. (SCHECAIRA, 2003, p. 125).

Contrariamente a este posicionamento, exsurge entendimento no

sentido de que o dia-multa aplicável à pessoa física deva ser convertido em dia-

faturamento, para a pessoa jurídica. É que o faturamento significa o montante da

receita, sem considerar as despesas a serem suportadas. Se para a pessoa física

se desconta os valores necessários à subsistência própria e de sua família, o

mesmo deve ocorrer com a pessoa jurídica. Guardadas as peculiariedades de

cada uma delas, o tratamento entre elas deve ser o mais isonômico possível, a

fim de alcançar-se uma prestação pecuniária harmônica e equivalente ao dano

praticado, viabilizando, principalmente, o seu efetivo ressarcimento.

No entanto, resumindo, é preciso ter em mente que a multa aplicada à

pessoa jurídica, como também à pessoa física, não tem natureza indenizatória, no

que diz respeito aos danos provocados pelo crime. A multa não é também

prestação pecuniária em favor da vítima, porque esta é pena restritiva de direitos

somente aplicável à pessoa física, nos termos do artigo 43, inciso I, do Código

Penal e artigo 8°, inciso IV, da Lei n. 9605/98.

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7.1.2 As restritivas de direitos

Em seu artigo 22, a Lei de Crimes Ambientais dispõe que as penas

restritivas de direitos aplicáveis às pessoas jurídicas são a suspensão parcial ou

total de atividades; a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;

e a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios,

subvenções ou doações. Todas elas se revestem de caráter patrimonial, daí,

plenamente, aplicáveis à pessoa jurídica.

Fernando Galvão, em sua obra intitulada Responsabilidade penal da pessoa jurídica, ao tratar do tema, assevera:

Como a pena restritiva de direito é sempre substitutiva da pena privativa de liberdade (art. 7° da Lei n. 9.605/98), o tempo de sua duração é determinado pelo tempo que seria aplicável no caso de privação da liberdade para a pessoa física. O tempo de privação da liberdade da pessoa física, considerando-se que a pessoa jurídica foi utilizada para potencializar a ofensa ao bem jurídico, é questão de mérito da condenação. Mas, em observância ao princípio da legalidade, há que se observar o tipo penal que fundamenta a responsabilidade e traz a cominação de pena que determina a intensidade da resposta penal. A pena restritiva de direitos deve substituir a pena privativa que poderia ser aplicada, no caso concreto e terá o mesmo tempo da substituída". (GALVÃO, 2003, p. 91).

Além do respeito ao princípio da legalidade, a determinação do tempo

de duração da pena restritiva de direitos faz-se também por necessidade de

estabelecimento de um marco referencial da prescrição, sendo que esta se

operacionaliza tendo por base o período de duração da pena, a teor do prescrito

no artigo 109, parágrafo único, do Código Penal.

7.1.2.1 Suspensão parcial ou total de atividades

O artigo 22, § 1º, da Lei n. 9605/98, determina que a sanção deve ser

aplicada somente quando as atividades não estiverem obedecendo às

disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente, o

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que importa na violação de norma incriminadora vinculada a tais disposições. A

exemplo, o caso do artigo 60 da lei citada, que exige seja o fato praticado sem

licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as

normas legais e regulamentares pertinentes. Destarte, forçoso concluir que é

possível a aplicação desta modalidade de pena sem necessariamente ter havido

dano ao bem jurídico, pois vários crimes previstos na legislação ambiental são de

mera conduta (artigos 51, 55, 60 e 63 da Lei n. 9.605/98).

Acrescente-se, ainda, que a suspensão pode ser total ou parcial,

devendo ser levado em conta se a atividade lesiva em todos os seus aspectos

desatende ou não às normas protetivas do meio ambiente. Caso apenas parte da

atividade não atenda as normas ambientais, a atividade deve ser suspensa em

parte, o que está claramente previsto no texto legal, que só autoriza a suspensão

da atividade que não estiver obedecendo às disposições legais ou

regulamentares, no pertinente ao meio ambiente.

A medida de suspensão – em se tratando de atividade ilícita – deve

experimentar decisão judicial devidamente fundamentada. E mais, quando a

atividade a ser suspensa for considerada criminosa, o Juiz deve suspendê-la

preventivamente. Ocorrendo condenação definitiva da pessoa jurídica, mesmo

que esta venha a regularizar sua atividade, observando as disposições legais ou

regulamentares relativas à proteção do meio ambiente, a pena de suspensão

imposta deverá ser cumprida integralmente em respeito à coisa julgada. Enfim, a

decisão judicial – sobre suspender ou não a atividades da pessoa jurídica

infratora – deve ser pautada sob o prisma da necessidade e suficiência para a

reprovação e prevenção das atividades lesivas ao meio ambiente (neste

particular, vale a regra do artigo 59, do Código Penal).

7.1.2.2 Interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade

Distinta da interdição temporária de direitos prevista para a pessoa

física, no Código Penal, a interdição imposta à pessoas jurídica infratora do meio

ambiente significa proibição que pode atingir o funcionamento de um

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estabelecimento ou a realização de determinada obra, encerrando o conjunto de

atividades ali desenvolvidas, bem como o exercício de certa atividade.

Ressai claro do § 2°, do artigo 22, da Lei de Crimes Ambientais, "a

interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver

funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou

com violação de disposição legal ou regulamentar". É este o elemento

fundamental do tipo penal, o funcionamento do estabelecimento, obra ou

atividade sem a devida autorização ou em desacordo com esta, ou, ainda, com

violação de disposição legal ou regulamentar. Neste particular, cabe, também, a

interdição preventiva, da mesma forma que a suspensão, como meio impeditivo

da continuidade delitiva.

Da mesma forma que na suspensão, na interdição o Juiz ao impor a

medida deve levar em conta a necessidade e suficiência da medida para a

reprovação e prevenção de atividades ilícitas, podendo aplicá-la mesmo quando

já houver regularização do estabelecimento, obra ou atividade.

Finalmente, não procede a crítica de que esta modalidade de pena

impossibilita a ressocialização da pessoa jurídica infratora, tendo em vista a sua

retirada de atividade e, por conseqüência, fazendo com que fique à margem do

processo produtivo da sociedade. Contrariamente a este entendimento, a

imposição da penalidade significa não a exclusão, mas, sim, a obrigação da

pessoa jurídica de participar, de forma lícita, do processo produtivo.

7.1.2.3 Proibição de contratar com o poder público, bem como dele obter

subsídios, subvenções ou doações

Trata-se de pena autônoma e distinta da pena de interdição. Sua

aplicação tem nítido propósito econômico e repercute na capacidade operacional

da pessoa jurídica, sendo certo que deve ser aplicada de forma integral, sem

fracionamentos.

Esta modalidade de pena tem natureza forte e implica na retirada da

pessoa jurídica até mesmo do processo licitatório que precede a contratação com

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o poder público. No entanto, levada em consideração a extensão da penalidade,

para se evitar interpretações equivocadas, necessário apurar o conteúdo material

do preceito sancionador, por meio do princípio da razoabilidade, fazendo-se

imperioso o esclarecimento judicial sobre os limites da condenação, de modo a

evitar que a penalidade atinja indevidamente direitos da pessoa jurídica não

passíveis de sanção penal.

No que diz respeito à proibição de obtenção de subsídios, entenda-se

como qualquer tipo de auxílio especial às atividades do particular concedido pelo

poder público, como, por exemplo, incentivos fiscais ou financiamentos oferecidos

por estabelecimentos públicos de crédito. Já no tocante às subvenções, dizem

respeito às transferências de valores previstos nos orçamentos públicos para

cobrir despesas de custeio de entidade privadas beneficiadas, sem

contraprestação direta em bens ou serviços. A subvenção é forma de participação

do poder público em ações sociais ou econômicas, consideradas relevantes, que

importa na transferência de recursos orçamentários para custear algumas

despesas das entidades que realizam diretamente as ações que pretende

incrementar. Tal penalidade só pode ser executada após o trânsito em julgado da

decisão condenatória.

Por derradeiro, cabe anotar que § 3° do artigo 22 da Lei de Crimes

Ambientais prevê que a proibição de contratar com o Poder Público e dele obter

subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos. No

entanto, forçoso reconhecer que tal regra não tem efeito prático, considerando

que a proibição é uma pena substitutiva da privativa de liberdade, o tempo da

proibição necessariamente deverá ser igual ao da pena privativa de liberdade

substituída. E mais, repita-se, os efeitos da condenação só deverão ser sentidos

após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

7.1.3 Prestação de serviços à comunidade

Inicialmente, forçoso registrar que o artigo 23 da Lei de Crimes

Ambientais, ao tratar desta modalidade de pena, dispõe claramente que a pessoa

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jurídica poderá custear programas e projetos ambientais; executar obras de

recuperação de áreas degradadas; manter espaços públicos e prestar

contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas. Segundo se extrai do

dispositivo citado, certo que algumas penalidades (tais como: custeio de

programas e projetos ambientais e contribuições a serem dadas a entidades

ambientais ou culturais públicas) não têm o caráter de prestação de serviços à

comunidade, mas, sim, cunho pecuniário e deverão, destarte, receber execução

adequada.

O Mestre Fernando Galvão, em sua obra intitulada Responsabilidade penal da pessoa jurídica, ao tratar da prestação de serviços à comunidade,

pondera que esta,

[...] em suas várias modalidades, é sempre pena substitutiva da privação da liberdade cominada em cada tipo penal incriminador que fundamenta a responsabilidade. Muito embora a Lei n. 9.605/98 não tenha incluído a pena de prestação de serviços à comunidade no rol de penas restritivas de direito e somente para elas deixou clara a natureza de penas substitutivas ( art. 7º), como não há cominação de prestação de serviços em nenhum tipo incriminador, fica evidente que tal pena substitui a privativa de liberdade. Por isso, deverá o Magistrado, considerando a cominação da privativa de liberdade, estabelecer o período de tempo durante o qual a pena de prestação de serviços deva ser cumprida. (GALVÃO, 2003, p. 101)

7.1.3.1 Custeio de programas e de projetos ambientais

Tem grande repercussão no que diz respeito à proteção ambiental,

revelando-se como importante instrumento colocado à disposição do Juízo para

recuperação do equilíbrio do meio ambiente. No entanto, deve ficar claro que não

se trata de meio para a reparação do dano produzido pelo fato criminoso, porque

esta decorre da condenação e não tem cunho de sanção penal, pelo que deve ser

buscada por outras vias.

Para evitar dúvidas no processo executório da penalidade imposta, o

Juiz deve estabelecer o valor a ser empregado pela pessoa jurídica para

cumprimento da penalidade imposta, bem como indicar qual o programa ou

projeto ambiental deverá ser custeado, e mais, sempre que possível, deixar

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declinado o órgão público encarregado de elaborar e apresentar o programa ou

projeto ambiental, ficando a cargo do Juiz da execução penal a fiscalização do

cumprimento da penalidade imposta.

7.1.3.2 Execução de obras de recuperação de áreas degradadas

A aplicação desta penalidade não deve se confundir com a reparação

dos danos ambientais decorrentes do crime, porque esta é efeito automático da

condenação, e, em assim sendo, deve ser buscada pela via própria. Assim, a

pena aplicada (imediatamente ou a final do julgamento meritório da pretensão

punitiva) deve dirigir-se a recuperação de outras áreas. Necessário e até mesmo

aconselhável que a decisão condenatória seja clara no pertinente ao local a ser

recuperado, se possível ou não a própria pessoa jurídica executar a obra, e mais,

o valor a ser dispendido. Todas estas providências, fazem líquida e certa a

decisão condenatória, de modo a viabilizar a sua execução.

No tocante ao prazo para execução das obras, prudente não fixá-lo,

porque sujeita a atividade aos mais variados percalços, o que não interfere na

natureza sancionatória do comando judicial emanado.A pena impõe realizar a

obra e isso significa que a extinção da punibilidade da pessoa jurídica só se dará

com o efetivo cumprimento deste mister.Cabe ao Magistrado, apenas, determinar

o prazo para início da obra e que ela siga o cronograma previsto no projeto

executivo.

7.1.3.3 Manutenção de espaços públicos

A penalidade, neste particular, deve deixar bem especificado o espaço,

as tarefas a serem executadas e o tempo de duração da atividade. Necessário

fazer uma estimativa de custeio, que pode ser alterada ao longo do tempo, sem

que isso prejudique o exercício da tarefa punitiva imposta.

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Para adequação da penalidade, importante considerar espaço público

como sendo aquele destinado aos bens de uso comum do povo e os de uso

especial pela própria administração. Não se enquadram na conceituação anterior,

os bens públicos que estejam destinados a utilização por particulares com

exclusividade.

7.1.3.4 Prestação de contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas

No caso, a penalidade tem caráter nitidamente pecuniário. A

contribuição pode consistir no pagamento de determinada quantia ou na entrega

ou permissão de utilização de bens. Em se tratando de entrega de quantia, certo

é que o valor deve ser determinado na condenação, devendo, ainda, ser levado

em conta tratar-se de pena que não tem qualquer relação com o tempo de pena

privativa de liberdade cominada no tipo penal que fundamenta a responsabilidade.

Em se tratando de prestação consistente na entrega de bens ou

comodato, o Magistrado deve especificar qual bem e todas as condições do

comodato, sendo que, neste caso, imperiosa a fixação do período durante o qual

a pessoa jurídica está obrigada a prestar a contribuição, com base na pena

privativa de liberdade cominada.

Em resumo, a imposição da pena deve sempre levar em conta a

gravidade objetiva do fato praticado e o benefício efetivamente obtido ou a ser

obtido pela pessoa jurídica. Também, neste particular, importante trazer à luz a

regra do artigo 59 do Código Penal, que estabelece a necessidade e suficiência

para um apenamento justo e razoável.

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8 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE ALGUMAS JURISPRUDÊNCIAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS TRIBUNAIS PÁTRIOS

Inicialmente, como já realçado ao longo deste trabalho, sabido que o

tema da responsabilidade penal da pessoa jurídica tem despertado acalourados

debates no âmbito doutrinário, não sendo diferente a discussão no campo da

jurisprudência. Foi exatamente esse quadro – sabidamente polêmico – a despeito

das previsões constitucional e legal da matéria em foco, que motivou o

arrolamento de algumas decisões de nossos Tribunais, inclusive os federais, sem

a pretensão de esgotamento do tema, para comentários e aquilatação de quanto

já avançou o novo instituto jurídico nos Direitos Penal e Processual Penal

brasileiros.

No campo doutrinário, importante citar trabalho denominado "Habeas

corpus e pessoa jurídica: interpretação à luz do princípio da igualdade", no qual se

extrai as seguintes afirmações:

Neste passo, merece ser revisto o conceito de ir e vir, a fim de adequá-lo à pessoa jurídica criminosa e compatibilizá-lo com o princípio da isonornia. Assim, entendemos que, toda vez que a liberdade de dispor sobre a sua vida econômico-financeira estiver ameaçada ou atingida, por ilegalidade ou por abuso de poder, conceder-se-á habeas corpus à pessoa jurídica. E tal pode ocorrer com a possível aplicação da pena de multa, restritiva de direitos e prestação de serviços à comunidade, todas previstas e especificadas no extenso rol da nova lei ambiental. Corroborando com as incógnitas que circundam este espinhoso tema, encontramos decisões, do mesmo órgão judicante, oscilantes, ora entendendo cabível habeas corpus, ora entendendo que a via do mandado de segurança é a mais adequada. Destarte, a 3ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo já decidiu pelo cabimento de habeas corpus em favor de paciente que seja empresa, sob fundamento de que se pode ser denunciada na condição de pessoa jurídica, poderá ser objeto de defesa na livre disponibilidade de sua administração e seu patrimônio (HC n. 351.992/2). Porém, a mesma 3ª Câmara, em outra oportunidade, entendeu que o remédio adequado é o mandado de segurança, tendo em vista que as sanções previstas são de multa e restritivas de direito, razão pela qual não haveria direito de ir e vir ameaçado (MS n. 349.440/8). Em síntese, face ao princípio da isonomia, propugnando a igualdade de todos perante a lei, e apenas permitindo tratamentos diferenciados quando plenamente justificáveis, toda e qualquer proibição à pessoa

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jurídica de se valer do writ estará fulminada de inconstitucionalidade. PACHECO, 2002).

Ainda no campo doutrinário e sobre a matéria em tela, merece consulta

a importante obra do Mestre José Barcelos de Souza, Doutrina do Habeas

Corpus (1998), que de forma didática, trata do assunto, deixando a impressão da

inviabilidade do Habeas Corpus para a pessoa jurídica.

Já na seara da jurisprudência, os tópicos abaixo permitirão uma visão

panorâmica sobre os posicionamentos de nossos Tribunais acerca da

responsabilidade penal da pessoa jurídica.

8.1 A responsabilidade penal da pessoa jurídica no Supremo Tribunal Federal - STF

E não poderia ser de outra maneira, a análise deve ter por ponto de

partida o Supremo Tribunal Federal, com o registro de que, embora a

responsabilidade penal da pessoa jurídica tenha existência constitucional e legal

há quase 20 (vinte) anos no Direito brasileiro, somente em 01/02/2006, aportou-

se, naquele Tribunal Superior, o primeiro caso envolvendo esta matéria.

Colheu-se a informação, tratar-se do Recurso Extraordinário (RE

473045/SC) manejado pelo Ministério Público contra decisão do Tribunal de

Justiça do Estado de Santa Catarina, que manteve decisão de primeiro grau, ao

argumento de que a responsabilidade penal da pessoa jurídica não estaria

prevista na Constituição Federal.

Extrai-se ainda do caso posto ao exame recursal, que a questão da

responsabilidade penal da pessoa jurídica está amparada tanto pela nossa

legislação constitucional quanto infraconstitucional, dispensando-se a invocação

dos dispositivos pertinentes. E mais, para corroborar a tese sobre a

admissibilidade do novo instituto jurídico-penal que o Superior Tribunal de Justiça,

depois de idas e vindas, passou recentemente a admitir a responsabilidade penal

da pessoa jurídica em casos de crimes ambientais.

Importante ressaltar que a resistência que não raro é imposta com

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relação a esse novo direcionamento – admissão da responsabilidade penal da

pessoa jurídica – reflete, sem sombra de dúvidas, a importância de que se reveste

este instituto jurídico. Embora no momento se discuta a imputação penal do ente

coletivo no tocante aos crimes ambientais, nada obsta seja a tese trazida à

discussão em outros casos, a partir do momento em que se passa a admitir que a

empresa e proprietário podem responder "cada qual devendo receber a punição

de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva" ( neste particular, o

Recurso Especial n. 564960).

Destarte, é possível que dentro de algum tempo esteja totalmente

superado – tanto na doutrina como na jurisprudência - o princípio societas

delinquere non potest (segundo o qual a pessoa jurídica não pode responder

criminalmente), o que vai importar numa verdadeira quebra de paradigmas, com a

formação de uma nova cultura jurídica, que por enquanto só se opera no âmbito

ambiental, mercê das previsões constitucional e legal neste sentido.

Ainda sobre o caso invocado, oportuno registrar que o mesmo

experimentou parecer favorável da Procuradoria da República e, como última

movimentação processual, consta a conclusão dos autos ao eminente Ministro-

Relator, Cezar Peluso, em 02/06/2006. Resta-nos, por ora, aguardar a decisão do

Excelso Pretório.

8.2 A responsabilidade penal da pessoa jurídica no Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Reforce-se o argumento de que não se pretende o esgotamento do

tema, sendo que as decisões a serem comentadas foram colacionadas

aleatoriamente, com a preocupação única de que fossem abrangentes na

discussão sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Oportuno frisar, ainda, que embora minuciosa a pesquisa feita na

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não foi possível arrolar decisão

envolvendo, de forma exclusiva, questões processuais pertinentes ao tema.

Alguns dos acórdãos ativeram-se ao exame da questão sobre a capacidade da

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pessoa jurídica para responder à ação penal, mas não desceram a detalhes de

considerações – até por que não argüidas - sobre a competência, a

representação em juízo, a citação e o interrogatório da pessoa jurídica no

processo-crime, questões sabidamente intrincadas e que estão a exigir posições

doutrinárias e jurisprudenciais mais claras e bem definidas.

A maioria das decisões carreadas, tratou fartamente de temas os mais

variados – ligados mais diretamente ao Direito material relativo à

responsabilização penal da pessoa jurídica – tais como: a possibilidade de

responsabilização penal da pessoa jurídica, por previsão constitucional e legal; a

atuação dos administradores em nome e proveito da pessoa jurídica; a

culpabilidade como responsabilidade social; co-responsabilidade; penas

adaptadas à natureza jurídica do ente coletivo; responsabilidade penal objetiva;

não-configuração de relação de causalidade entre o fato imputado e o suposto

agente criminoso; problema da assinalagmaticidade em uma sociedade de risco;

impossibilidade de se atribuir ao indivíduo e à pessoa jurídica os mesmos riscos;

mitigação do princípio do societas delinquere non potest; possibilidade de

ajustamento das sanções penais a serem aplicadas à pessoa jurídica; etc., entre

vários outros assuntos.

Para facilitar os comentários, cada acórdão – a ser comentado - será

destacado através de sua ementa, seguindo-se, após, as considerações que

nortearam o julgamento e, em havendo necessidade, algum comentário alusivo à

posição adotada, de modo a clarear o horizonte da responsabilidade penal da

pessoa jurídica no sodalício destacado.

O Recurso Especial n. 564.960-SC (2003/0107368-4), julgado no dia

02/06/2005, no Superior Tribunal de Justiça, com a seguinte ementa: Criminal –

Crime Ambiental Praticado por Pessoa Jurídica – Responsabilização Penal do

Ente Coletivo – Possibilidade – Previsão Constitucional Regulamentada por Lei

Federal – Opção Política do Legislador – Forma de Prevenção de Danos ao Meio

Ambiente – Capacidade de Ação – Existência Jurídica – Atuação dos

Administradores em Nome e Proveito da Pessoa Jurídica – Culpabilidade como

Responsabilidade Social – Co-Responsabilidade- Penas Adaptadas à Natureza

Jurídica do Ente Coletivo – Recurso Provido.

Entre os vários temas examinados, vale destacar que a Quinta Câmara

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do Superior Tribunal de Justiça, tendo, como Ministro-Relator, o eminente Ministro

Gilson Dipp, resumidamente, assim se posicionou sobre algumas teses

suscitadas, penso as mais importantes: a responsabilização penal da pessoa

jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como

forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como

forma mesmo de prevenção geral e especial; se a pessoa jurídica tem existência

própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação

de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser

passível de responsabilização penal; a culpabilidade, no conceito moderno, é a

responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica neste contexto,

limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome próprio.

E continuam os Senhores Ministros, no Acórdão citado, a pontificarem:

a pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de

uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral; a lei

ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de

prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e

desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à natureza jurídica; não há

ofensa ao princípio constitucional de que "nenhuma pena passará da pessoa do

condenado...", pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma

física – que de qualquer forma contribui para a prática do delito – e uma jurídica,

cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua

atividade lesiva.

Ainda no que diz respeito ao Acórdão invocado, cabe anotar que ressai

da decisão comentada o reconhecimento pela responsabilidade penal da pessoa

jurídica como uma escolha política, diante da pequena eficácia das penalidades

de natureza civil e administrativa aplicadas aos entes morais envolvidos na prática

de crimes ambientais e, em assim sendo, impõe-se uma modificação da

dogmática penal clássica para sua implementação e aplicação.

Outro Acórdão importante, que merece comentários, esposado no

Recurso Especial n. 610.114- RN (2003/0210087-0), julgado em 17/11/2005, na

Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, tendo como Relator o eminente

Ministro Gilson Dipp, com a ementa seguinte: Criminal – Resp. Crime Ambiental

Praticado por Pessoa Jurídica – Responsabilização Penal do Ente Coletivo –

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Possibilidade – Previsão Constitucional Regulamentada por Lei Federal – Opção

Política do Legislador – Forma de Prevenção de Danos ao Meio Ambiente –

Capacidade de Ação – Existência Jurídica – Atuação dos Administradores em

Nome e Proveito da Pessoa Jurídica – Demonstração Necessária - Culpabilidade

como Responsabilidade Social – Co-Responsabilidade – Penas Adaptadas à

Natureza Jurídica do Ente Coletivo – Acusação Isolada do Ente Coletivo –

Impossibilidade – Denúncia Inepta – Recurso Desprovido.

Neste Acórdão, importante destacar que os Senhores Ministros, à

unanimidade de votos, negaram provimento ao recurso manejado, com os

argumentos sintentizados seguintes: a lei ambiental, regulamentando preceito

constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de

penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio ambiente; de

qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente

pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de

seu órgão colegiado; há legitimidade da pessoa jurídica para figurar no pólo

passivo da relação processual-penal; a pessoa jurídica só pode ser

responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em

nome e em benefício do ente moral; a ausência de identificação das pessoas

físicas que, atuando em nome e proveito da pessoa jurídica, participaram do

evento delituoso, inviabiliza o recebimento da exordial acusatória.

Do referido Acórdão destacado, necessário registrar ainda que os

Senhores Ministros posicionaram-se expressamente sobre os temas suscitados

da seguinte maneira: modernamente, a culpabilidade nada mais é do que a

responsabilidade social e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto,

limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito; o fato

das sanções estarem relacionadas na Parte Geral e não nos próprios tipos

penais, como ocorre na Lei Ambiental, não deve servir de empecilho para sua

aplicabilidade, levando-se em conta que a imprecisão técnica não é novidade no

ordenamento jurídico penal brasileiro, bastando que haja adaptação, o que já

ocorreu noutras disposições legais ( exemplifique-se, art. 95, alínea "d", da Lei n.

8.212/91); não se pode compreender a responsabilização do ente moral

dissociada da atuação de uma pessoa física, que age como elemento subjetivo

próprio (dolo ou culpa), uma vez que a atuação do colegiado em nome e proveito

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da pessoa é a própria vontade da empresa, com este argumento negou-se

provimento ao recurso, porque não constou da denúncia a indicação dos agentes

do delito, ou seja, as pessoas físicas que pudessem ou devessem responder

pelos fatos (crimes ambientais) imputados na peça exordial, pelo que justificável o

não-recebimento da denúncia, eis que não atendidos os requisitos do art. 41, do

Código de Processo Penal.

Sob outro prisma, ainda no Superior Tribunal de Justiça,

posicionamento esposado pela sua Quinta Turma, no Habeas Corpus n. 6109-SP

(REG.: 97/0055166-0), Ministro-Relator Edson Vidigal, julgamento em 04/08/1998,

com a ementa seguinte: Penal. Processual. Impetração em Favor de Pessoa

Jurídica. Inadmissibilidade. Habeas Corpus. O Habeas Corpus é instituto restrito à

liberdade física individual, não se prestando para atender reclamos de pessoa

jurídica, na qualidade de paciente. Habeas Corpus não conhecido. Extrai-se, da

decisão, posicionamento no sentido de que, a despeito de entendimentos a favor

da criminalização da pessoa jurídica, abraçada pela Lei de Crimes Ambientais, a

impetração forjada não visa sanar coação em direito de liberdade, nem que

indiretamente. Busca tão-somente anular atos supostamente inválidos, praticados

em sede de mandado de segurança, mas que possuem proteção própria. Daí,

justificar-se o não-conhecimento do habeas corpus.

No mesmo sentido, o acórdão proferido no julgamento do Habeas

Corpus n. 4.510/MG (REG.: 96/0017330-3), Ministro-Relator Cid Flaquer

Scartezzini, julgado em 11/09/96, com a ementa seguinte: Habeas Corpus –

Pedido Cumulativo em Nome de Pessoa Jurídica e Física – Não-Comprovação do

alegado – A ordem de habeas corpus existindo para garantir liberdade de

locomoção de pessoa física (art. 5º, LXVIII, CF, e 647 do CPP) não se presta para

atender reclamos de pessoa jurídica, onde pretende autorização diversa. Quanto

às pessoas físicas, não se admite a concessão da ordem de habeas corpus,

quando a matéria de prova se mostra duvidosa ou controvertida. Ordem

denegada.

Ressai, ainda, do referido acórdão, que, com relação às entidades

dadas como perseguidas e estarem a sofrer coação, são pessoas jurídicas, e é

sabido que o habeas corpus não se presta para tal objetivo, posto que a

Constituição Federal, no seu art. 5º, LXVIII, e o art. 647 do CPP, garantem a

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liberdade de locomoção, o que não é o caso dos autos, cuja impetração pretende

autorização de eventos por pessoa jurídica.

8.3 A responsabilidade penal da pessoa jurídica no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG)

Como já registrado nos tópicos anteriores, aqui, de igual maneira,

pretende-se, sumariamente, esposar uma visão do Tribunal de Justiça de Minas

sobre a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica, sem a intenção de

esgotar o substancioso ementário jurisprudencial produzido por esta casa de

Justiça, sabidamente respeitada no cenário jurídico nacional.

A exemplo, a decisão proferida no Habeas Corpus n.

1.0000.00.352327-1/000(1), Relator o eminente Desembargador Baía Borges,

julgamento em 18/09/2003, com a ementa seguinte: Habeas Corpus – Crime

Ambiental – Trancamento da Ação Penal – Possibilidade – Denúncia Inepta –

Ordem Concedida – É de se trancar a ação penal intentada contra pessoa

jurídica, por suposta prática de crime ambiental, se a denúncia não identifica o

indivíduo que violou o comando normativo e não demonstra que essa conduta se

deu em estrito cumprimento de deliberação tomada no âmbito do poder decisório

da pessoa jurídica.

Colhe-se da referida decisão, a importante afirmação de que, no caso,

cuida-se não da aplicação de pena em razão da prática de determinada conduta

pela própria pessoa jurídica (que, aliás, não pratica uma conduta, mas exerce

uma atividade); trata-se, sim, de responsabilidade indireta da pessoa jurídica pela

conduta humana realizada pela pessoa física, que atuou em seu nome e

benefício; e continua, é necessário, para que haja tal responsabilização, a

identificação do indivíduo que viola o comando normativo e que se demonstre que

sua conduta se deu em cumprimento a deliberação tomada no âmbito do poder

decisório da pessoa jurídica; na forma como posta, a acusação realmente não

permite precisar o executor material da conduta ilegal e nem permite vislumbrar

que vínculo haveria entre tal conduta e eventual deliberação tomada no âmbito do

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poder decisório da empresa-paciente; e arremata, forçoso reconhecer que, para o

caso de que cuidam os autos, a denúncia não atende aos requisitos do art. 41, do

CPP, o que a torna inepta. Destarte, concedida a ordem para trancar a ação penal

intentada.

Na mesma esteira de entendimento, a Apelação Criminal n.

1.0000.07.449343-8/000(1), julgada em 13.03.2007, tendo como Relator o

eminente Desembargador Judimar Biber, com a ementa seguinte: Habeas Corpus

– Impetração em Favor de Pessoa Jurídica – Não-Conhecimento – Trancamento

da Ação Penal – Falta de Justa Causa – Inocorrência- Inépcia da Denúncia –

Inexistência – Análise Aprofundada das Provas – Impossibilidade – Supressão de

Instância – Ressai do acórdão, no caso, a afirmação de que o Habeas Corpus

não se mostra como remédio jurídico viável para trancamento de ação penal

interposta contra pessoa jurídica, impetrante no caso, por ser impossível lesão ao

direito individual de ir e vir, mesmo que o ente coletivo possa ser responsabilizado

penalmente em face do ordenamento jurídico ambiental. Com estes argumentos,

a ordem foi denegada.

Em outro sentido, o julgamento do Habeas Corpus n. 1.000.06.432313-

2/000, publicado em 19/04/2006, tendo como Relatora a eminente

Desembargadora Jane Silva, que entendeu, à unanimidade de votos, na Terceira

Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, pelo trancamento de ação penal

intentada em face de pessoa jurídica, por suposta prática de crime ambiental,

quando a denúncia deixa de identificar seu representante legal ou contratual ou a

decisão colegiada que determinou a prática de conduta, em tese, delituosa.

Noutro julgamento, exarado na Apelação Criminal n.

1.0026.02.005137-6/001(1), tendo como Relator o ilustre Desembargador Paulo

Cézar Dias, a Terceira Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais,

posicionou-se sobre o tema, com a seguinte ementa: Crime contra Meio Ambiente

– Extração de Recursos Minerais – Delito Comprovado – Condenação

Confirmada – Pena – Redução – Recuperação da Área Degradada – A extração

de recursos minerais sem a devida autorização da autoridade administrativa

competente configura o delito previsto no art. 55 da Lei n. 9.605/98. A

recuperação voluntária da área atingida pela atividade mineradora constitui

circunstância atenuante da pena. Registre-se, no caso, a apelante é a Porto Areia

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Olaria Brasília, pessoa jurídica sobre a qual recaiu a condenação confirmada em

segundo grau de jurisdição.

Em sentido diverso, o julgamento, ocorrido em 16/11/2004, na

Apelação Criminal n. 1.0155.02.000841-5/00(1), tendo como Relatora a eminente

Desembargadora Márcia Milanez, sendo que a Primeira Câmara Criminal do

Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, entendeu de anular o processo, ao

argumento de que se demonstra nulo o processo penal movido em desfavor de

pessoa jurídica, acusada da prática de crime ambiental, uma vez que a lei de

crimes ambientais não previu um sub-sistema penal de caracterização específica

do delito, bem como regras próprias ao sancionamento e execução penais

compatíveis com a natureza do ente coletivo. Neste sentido, ressai do acórdão

aludido a lição do insigne Professor Rodrigo Iennaco de Moraes em artigo

intitulado "Considerações sobre a Responsabilidade Criminal das Pessoas

Jurídicas", publicado na Revista dos Tribunais em julho de 2003, vol. 813, p.447-

472.

8.4 A responsabilidade penal da pessoa jurídica em outros Tribunais de Justiça Estaduais

Merece destaque importante decisão do Tribunal de Justiça do Estado

do Paraná, através de sua Segunda Câmara Criminal, no Processo de Recurso

em Sentido Estrito n. 307.656-6, de Palmas, Relator o Juiz convocado Dr. Mário

Helton Jorge, com a seguinte ementa: Direito Processual Penal. Denúncia.

Rejeição. Ilegitimidade. Previsão Constitucional, Regulamentada por Lei Federal.

Opção Política do Legislador. Forma de Prevenção de Danos ao Meio Ambiente.

Atuação dos Administradores em Nome e Proveito das Atividades da Pessoa

Jurídica. Responsabilidade Social. Penas Adaptadas à Natureza Jurídica do Ente

Coletivo. Recurso Provido.

Pinça-se da decisão referida, que a Lei Ambiental, regulamentando

preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de

responsabilização penal das pessoas jurídicas por danos causados ao meio

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ambiente; e mais, a responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de

delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de

punição das condutas lesivas ao meio ambiente, mas como forma mesmo de

prevenção geral e especial; acresce-se, a Lei Ambiental previu para as pessoas

jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade,

restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica.

E mais, afirmou a Câmara Julgadora do Tribunal de Justiça do Paraná,

que os argumentos favoráveis à responsabilidade penal da pessoa jurídica são

vários, destacando-se que, para tanto, o princípio societas delinquere non potest

não é absoluto e que, no direito moderno, deve ser analisada a responsabilidade

social; quanto ao princípio da culpabilidade, deve ser revisto, eis que a

responsabilidade penal da pessoa jurídica não pode ser definida a partir do

conceito tradicional de culpabilidade, considerando-se que a responsabilidade do

ente coletivo há de ser associada à responsabilidade social da pessoa jurídica,

que tem como elementos a capacidade de atribuição e exigibilidade.

Na mesma esteira, o julgamento da Apelação Criminal n. 339.111-9, da

Vara Criminal da Comarca de Cruzeiro do Oeste, na qual o Tribunal de Justiça do

Paraná/PR confirmou sentença condenatória imposta à pessoa jurídica, por

prática de crime ambiental, com imposição de pena de multa. Naquele acórdão,

foi afastada pena de prestação de serviços à comunidade, ao argumento de que

inadequadas ao caso concreto.

Já no julgamento do Mandado de Segurança n. 70013348073, da

Comarca de Santa Maria, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado

em 1º/12/2005, aquele sodalício produziu a seguinte ementa: Mandado de

Segurança. Cabimento. Pessoa Jurídica. Crime Ambiental. Trancamento da Ação

Penal. A) Pode, a pessoa jurídica, postular o trancamento de ação penal, via

mandado de segurança, notadamente quando se trata de fato caracterizado como

crime ambiental, restando dúvida razoável acerca da possibilidade de empregar

outro remédio jurídico, como o habeas corpus. B) A pessoa jurídica não pode ser

responsabilizada por ato próprio, mas somente por ato do representante legal,

contratual ou do órgão colegiado. Desprovido de atributos físicos, o ente coletivo

é incapaz de dirigir sua vontade a um resultado lesivo, não podendo figurar como

parte ré em ação penal. Mandado de Segurança concedido.

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E no julgamento da Apelação Criminal n. 2006.015166-6, da Comarca

de Videira/SC, julgada em 27/06/2006, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa

Catarina, esposou entendimento no sentido de que: 'A pessoa jurídica, porque

desprovida de vontade própria, sendo mero instrumento de seus sócios ou

prepostos, não pode figurar como sujeito ativo de crime, pois a responsabilidade

objetiva não está prevista na legislação penal vigente (RCR N. 03.003801-9, de

Curitibanos, rel. Maurílio Moreira Leite, j. 01.04.2003). E mais, concluiu-se que o

instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica não pode ser introduzido no

sistema brasileiro sem que este, especificamente, passe por uma adaptação, pois

está solidamente alicerçado em postulados que não o admitem; os meios

sancionatórios, a serem impostos aos entes coletivos, em razão da prática de

crimes ambientais, não devem estar previstos, necessariamente, na esfera penal,

pois o Direito Penal atua sempre como a ultima ratio, o que não é desejável na

solução desses conflitos de massa provocados pelas pessoas coletivas; mais

eficaz, para isso, seria um direito administrativo sancionador, a par de outras

sanções civis cumuláveis, conforme a gravidade do caso.

Arrematando, o exame da jurisprudência – conforme destacada

anteriormente – confirma o registro inicial, no sentido de que o tema da

responsabilidade penal da pessoa jurídica desperta acalourado debate não só na

doutrina, mas, também, no campo jurisprudencial. Uns, posicionam-se totalmente

favoráveis à admissão da imputação penal aos entes coletivos, em razão dos

crimes ambientais, não encontrando obstáculos para fazer vingar o instituto

jurídico cogitado; outros, não admitem a responsabilidade penal da pessoa

jurídica, ao argumento sintentizado de que toda estrutura do Direito Penal pátrio

está assentada em princípios clássicos que dizem respeito tão-somente à pessoa

e sua individualidade. E argumentam ainda, que toda pena prevista na Lei

Ambiental tem por escopo o homem envolvido naquela criminalidade específica;

as penas cogitadas para o ente coletivo são anômalas e não encontram arrimo no

mundo jurídico-penal.

Por derradeiro, cabe registrar, ainda, que o instituto da

responsabilidade penal da pessoa jurídica vem sendo largamente utilizado na

Justiça de primeira instância – tanto no Juízo Comum Federal e Estadual quanto

nos Juizados Especiais Criminais de ambas as esferas – com inúmeras

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transações penais homologadas, com imposição de obrigação de reparação de

danos ambientais; considerável número de processos suspensos, com

imposições de medidas despenalizadoras de restrições de direitos; composições

civis de danos homologadas, também com escopo de reparação de danos

ambientais; da mesma forma, número expressivo de processos-crime em

andamento, nas esferas judiciais invocadas, com decisões de mérito

condenatórias. Preocupa, no entanto, a estrutura de execução colocada à

disposição dessas instâncias judiciais, sendo que, em algumas delas, não há

sequer a mais mínima fiscalização sobre a efetividade da medida judicial imposta.

Em algumas, o descumprimento da decisão judicial tem gerado a sensação de

impunidade, o que compromete a boa qualidade da prestação jurisdicional e

coloca em risco o prestígio da Justiça.

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9 CONSIDERAÇÕES SOBRE O MODELO PENAL E PROCESSUAL PENAL FRANCÊS (LEI DE ADAPTAÇÃO) PARA TRATAMENTO DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

9.1 O Direito Penal Francês e a responsabilidade penal da pessoa jurídica

O Código Penal Francês, de 1° de Março de 1994, trouxe, como

grande novidade, o agasalhamento do princípio da responsabilidade penal da

pessoa jurídica (Societas Delinquere Potest).

Oportuno trazer à colação um pouco da história francesa sobre a

responsabilidade penal da pessoa jurídica, sendo que o Código Penal francês de

1810 a ignorava, valendo, à época, o brocardo Societas Delinquere Non Potest.

Naquela ocasião, a responsabilidade penal era unicamente pessoal. E durante

todo o século XIX, doutrina e jurisprudência não deram nenhuma importância à

idéia de que a um ser jurídico pudesse ser aplicada uma pena. Achille Mestre, na

sua tese de vanguarda sobre La responsabilité pénale dês personnes morales

(1899) assinalava que a maior parte dos penalistas lhe dispensa algumas linhas

normalmente pouco refletidas. No século XX, durante muito tempo a mesma

indiferença perdurou e a Corte de Cassação chegou mesmo a colocar com

clareza que, por exemplo, a multa é uma pena e toda pena é pessoal, de modo

que ela não pode ser aplicada a uma pessoa jurídica, que somente pode incorrer

em responsabilidade civil.

Nesse diapasão, somente a jurisprudência francesa consentia em

admitir a responsabilidade das pessoas jurídicas pelas infrações materiais

puníveis independentemente de qualquer atitude psicológica e para as quais seu

autor não poderia se eximir senão provando um caso de força maior. Algumas

decisões admitiam, também, é verdade, que a medida de segurança poderia ser

aplicada a uma pessoa jurídica.

Forçoso registrar que a admissão da responsabilidade penal da pessoa

jurídica, nos moldes da França, foi fruto de intensa reflexão levada a efeito no

campo do direito comparado, redundando na sua edição no Código Penal francês

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de 1994, do qual se extrai o artigo 121-2 do CP, nos termos seguintes:

[...] As pessoas jurídicas, com exceção do Estado, são penalmente responsáveis segundo as disposições dos artigos 121-4 a 121-7 (sobre a tentativa e a cumplicidade) e nos casos previstos pela lei ou regulamento, pelas infrações cometidas, por sua conta, por seus órgãos e seus representantes. Todavia, as coletividades territoriais e seus grupamentos somente são penalmente responsáveis pelas infrações cometidas no exercício de atividades suscetíveis de serem objeto de delegação do serviço público. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas autoras ou cúmplices dos mesmos fatos.

Colhem-se, da exposição de motivos do Código Penal francês, os

fundamentos justificadores da admissão do instituto na ordem jurídica daquele

País europeu, quais sejam: em primeiro lugar, a pretendida necessidade de

considerar apenas a pessoa moral responsável por fatos delituosos não

imputáveis às pessoas físicas, isto é, evitar a hipótese de que seus dirigentes

venham a sofrer uma "presunção de responsabilidade penal", ou mesmo uma

responsabilidade efetiva, por infrações cuja existência às vezes ignoram, sendo,

para tanto, preciso imputar essa responsabilidade à pessoa jurídica como um

todo. Além da manifesta incongruência, há barreira conceitual irremovível para

sua consecução, visto que, ao contrário da matéria civil, no campo penal a

responsabilidade não se presta apenas à divisão. Em segundo lugar, afirma-se

que a realidade criminológica mostra que as pessoas jurídicas dispõem de meios

poderosos e podem estar na origem de atentados graves à saúde pública, ao

ambiente, à ordem econômica e social, sendo certo que sua imunidade surge

como algo "chocante" no plano da equidade e da legalidade.

E mais, segundo se extrai das disposições penais francesas, em

consonância com o princípio constitucional da igualdade, todo ente moral pode

ser criminalmente responsabilizado, sendo essa imputação cumulativa, especial e

condicional. A única ressalva recai sobre o Estado e as coletividades territoriais,

sendo que estas respondem penalmente em caso de concessão de serviço

público.

Frise-se, também, que as condicionantes legais indispensáveis à

existência da responsabilidade penal da pessoa jurídica nos moldes francês são:

a) a infração criminal deve ser praticada por um órgão ou representante legal da

pessoa jurídica; e b) a infração deve ser praticada por conta da pessoa jurídica.

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E ainda, a responsabilidade da pessoa jurídica é considerada

subsidiária à da pessoa física, sem a qual não pode a pessoa jurídica vir a ser

condenada. Não obstante, excepcionalmente, quando se trata de infrações de

omissão, culposas ou materiais, que são perpetradas na falta seja de intenção

delituosa, a responsabilidade penal da pessoa jurídica poderá ser deduzida

mesmo que não tenha sido estabelecida a responsabilidade penal de uma pessoa

física.Quanto ao elemento subjetivo, são exigidos : o dolo no caso de crime e a

culpa ou dolo eventual no de delito.

Em suma, de conformidade com o novo texto legal, podem ser sujeitos

ativos de uma infração penal consumada ou tentada a pessoa natural e a jurídica

(artigo 121-3, do Código Penal francês).

Feitas as considerações acima, pertinente ainda debruçar sobre outra

questão – relativamente à responsabilidade penal da pessoa jurídica nos moldes

francês – como da necessidade de dolo/culpa do órgão da pessoa jurídica ou

dolo/culpa própria da pessoa jurídica, valendo, neste particular, anotar a

existência de dois sistemas, quais sejam: ou o elemento subjetivo de uma

infração (dolo ou culpa) somente se concebe em uma pessoa física que pode, e

somente ela, ter um comportamento reprovável de sorte que a pessoa jurídica,

incapaz ela mesma de dolo ou culpa, somente pode ser responsável por reflexo

ou "ricochete", ou, ao contrário, consideramos que a pessoa jurídica, tendo vida

própria, pode cometer um crime mediante culpa ou dolo distintos do elemento

subjetivo das pessoas físicas. Enfim, é necessário escolher entre a tese do

"ricochete" da responsabilidade da pessoa física sobre a pessoa jurídica e aquela

da culpa distinta do ente jurídico, que teria um comportamento diverso daquele de

seu dirigente.

O exame da questão supra, à luz do Código Penal francês, em seu

artigo 121-2, considerado de maneira global, induz a certeza conclusiva pela

consagração da tese do reflexo, ou seja, a pessoa jurídica é responsável por

"ricochete", indiretamente, de sorte que e em relação à pessoa do indivíduo que

se torna necessário aferir o dolo ou a culpa.

O ilustre Professor Sérgio Salomão Schecaira, em sua obra citada, ao

abordar o tema, afirmou:

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[...] Duas são as condições necessárias para que se reconheça a responsabilidade das empresas no sistema penal francês: que a infração seja cometida por um órgão ou representante da pessoa moral; que seja cometida por "sua conta", entendida tal expressão como agir em seu interesse. Preenchidos tais requisitos, haverá a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Trata-se da teoria da responsabilidade penal por ricochete, de empréstimo, subseqüente ou por procuração, que é explicada através do mecanismo denominado emprunt de criminalité, feito à pessoa física pela pessoa jurídica, e que tem como suporte obrigatório à intervenção humana. Noutro dizer: a responsabilidade penal da pessoa moral está condicionada à prática de um fato punível suscetível de ser reprovado a uma pessoa física. Desse caráter subseqüente ou de empréstimo resulta importante conseqüência: a infração penal imputada a uma pessoa jurídica será sempre igualmente imputável a uma pessoa física. Isso quer dizer: a responsabilidade da primeira pressupõe a da segunda. (SCHECAIRA, 2003, p. 64-5).

No campo jurisprudencial, a questão não se acha bem definida, sendo

ainda escassas as decisões sobre o tema em tela, valendo apenas registrar que a

Corte de Cassação francesa consagrou o entendimento de que uma pessoa

jurídica somente pode ser responsável penalmente se seu dirigente realizar o

"elemento subjetivo do delito", e, neste particular, restou acatada a tese da

responsabilidade penal por reflexo ou por "ricochete".

9.2 O direito processual penal francês e a responsabilidade penal da pessoa jurídica

Sob outro prisma, no que diz respeito à legislação processual penal

para dar efetividade ao instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica na

França, importante registrar a necessidade do ajuste vindo com a Lei n. 92-1336,

de 16 de Dezembro de 1992, denominada "Lei de Adaptação do Código Penal",

sob a forma de modificações introduzidas na legislação processual penal daquele

país, mais especificamente no que pertine à citação e intimação da pessoa

jurídica; acusação, instrução e julgamento da pessoa jurídica no processo-crime.

Em seguida, breves anotações serão feitas de modo a tornar explícito, em linhas

gerais, o processo penal francês atinente à pessoa jurídica responsabilizada

criminalmente, por envolvimento em ato ilícito previsto, legalmente, como crime.

Especificamente sobre citação e intimação da pessoa jurídica, vale

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destacar as regras dos artigos 555, 557 e 559, do Código de Processo Penal.

Ressai do artigo 555 que

[...] o oficial de justiça deve providenciar todas as diligências para conseguir entregar sua intimação à própria pessoa do destinatário ou, se o destinatário for uma pessoa jurídica, ao seu representante legal, mandatário ou a qualquer pessoa habilitada a este fim; ele lhe entregará uma cópia". [E mais,] "[...]. quando a intimação recair sobre uma pessoa jurídica, o oficial de justiça deve, além disso, e imediatamente, informá-la sobre a intimação efetuada, por meio de carta simples, contendo o nome do requerente, assim como a identidade da pessoa a quem a cópia foi entregue.

O domicílio da pessoa jurídica se entende como sendo o do local de

sua sede (artigo 557, do Código de Processo Penal francês).

As formas adotadas para a citação e intimação de pessoas jurídicas

são as mesmas ditadas pelas regras do processo civil, que, de maneira

abrangente, permitem que elas sejam feitas na pessoa de seus representantes,

procuradores da empresa, ou qualquer pessoa habilitada para esse fim. E, para

localização da pessoa jurídica, a fim de convalidar os atos de citação/intimação,

surgem algumas dificuldades, a saber: o nome da pessoa jurídica, seu domicílio e

o caso da mesma ter sede no exterior. Estas questões terão soluções através da

interpretação da lei francesa, inclusive o Código de Processo Civil daquele país,

utilizado por analogia, conforme será destacado a seguir.

Vale, neste particular, menção a dois artigos da Lei francesa: o primeiro

deles, o art. 51 da Lei n. 92-1.336, que prevê, no lugar do sobrenome, nomes e

endereço do destinatário, será indicado, se se tratar de pessoa jurídica, sua

denominação e sede; o outro, o artigo 555 do Código de Processo Penal, do qual

ressai a determinação de que o oficial de justiça deverá reforçar a intimação

pessoal efetuada a uma pessoa física – representante legal, procurador ou

qualquer pessoa habilitada – pelo envio imediato de carta simples informando à

pessoa jurídica sobre a "intimação efetuada", assim como a identidade da pessoa

intimada. Certo é que os temas acima declinados ainda haverão de experimentar

alguma dúvida – na consecução do processo-crime propriamente dito – e só

tempo, amadurecido pelo fortalecimento doutrinário e jurisprudencial sobre o

tema, demonstrará o acerto ou não da legislação francesa, no pertinente.

No que tange ao domicílio da pessoa jurídica, a Lei francesa faz

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distinção entre a pessoa jurídica sediada no país daquela com sede no exterior.

Sediada no país, o domicílio da pessoa jurídica é o local de sua sede; se tiver

sede no exterior, será a pessoa jurídica citada junto ao Tribunal encarregado, e

uma cópia da referida citação será enviada à autoridade competente.

No que diz respeito às regras de acusação, instrução e julgamento das

pessoas jurídicas, colhe-se da chamada "Lei de Adaptação" (Lei n. 92-1336/92) o

Título n. XVIII, com capítulo especial dedicado aos "processos especiais",

assentados nos pontos seguintes: o princípio da especialidade, a competência

territorial, o representante da pessoa jurídica e os poderes do Juiz de instrução do

processo.

Em se tratando do princípio da especialidade, o artigo 706-41, ao

abordar o "domínio definido", declara que as disposições do Código de Processo

Penal são aplicáveis à acusação, à instrução e ao julgamento das infrações

cometidas pelas pessoas jurídicas, desde que compatíveis com as normas

previstas no Título XVIII. Extrai-se daí, que as regras especiais editadas devem

prevalecer sobre a regra geral. No entanto, algumas dificuldades de interpretação

poderão surgir sobre a escolha da norma a ser adotada no caso, especialmente

quando pessoas jurídicas e físicas forem julgadas conjuntamente. Neste

particular, há que se firmar, ainda, entendimento mais sólido sobre a regra a ser

adotada e que garanta a efetividade da imputação de responsabilidade penal ao

ente coletivo.

Sobre a questão da competência, o artigo 707-42 prevê a competência

territorial. Vale ainda anotar que quando há coexistência investigatória de pessoas

física e jurídica, a regra de competência territorial referente à pessoa física é que

decidirá o local do processo. De mais a mais, o artigo referido prevê somente dois

locais de competência possíveis: o da prática da infração ou o da sede da pessoa

jurídica.

E no tocante ao representante da pessoa jurídica, vale a regra de que

esta

[...] é representada em todos os atos do processo pelo seu representante legal ou por qualquer pessoa que se beneficie, de acordo com a lei ou com os seus estatutos, de uma delegação de poder para esse fim; na ausência de qualquer pessoa habilitada a representar a pessoa jurídica, o Presidente do Tribunal de Grande Instância, caráter excepcional,

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designa, a pedido do Ministério Público, do Juiz de Instrução ou da parte civil, um procurador de justiça para representá-la (artigos 706-43 e 706-44 do Código de Processo Penal e artigo 78 da "Lei de Adaptação", n. 92-1336/92).

Ainda sobre o assunto, apesar de o artigo 706-43 do Código de

Processo Penal permitir que a pessoa jurídica seja representada por "qualquer

pessoa" e de a circular de aplicação da Chancelaria, de 13 de maio de 1.993,

indicar que poderia tratar-se "tanto de um dos membros da pessoa jurídica,

quanto de um terceiro, e, principalmente, de um advogado", essa solução não tem

sido vista com bons olhos pela doutrina, principalmente por questões

deontológicas, ante a possibilidade de surgimento de uma nova especialidade de

"responsável penal". No plano deontológico, a representação da pessoa jurídica

por um advogado, de acordo com a norma citada, parece, a princípio, contrária à

regra que proíbe o advogado de colocar-se no lugar de seu cliente e de agir em

seu lugar.

E, para arrematar o assunto, o artigo 706-44 do Código de Processo

Penal fixa o princípio de que "o representante da pessoa jurídica processada não

pode, nessa qualidade, ser objeto de nenhuma medida de coação, a não ser

aquela aplicável à testemunha"; e mais, valem ainda as regras seguintes: o

representante, em juízo, da pessoa jurídica incorrerá nas penas aplicáveis às

testemunhas no caso de não-comparecimento, mas ele próprio não é testemunha;

o representante legal da pessoa jurídica deve, contrariamente à testemunha,

assistir a todos os debates, perguntar, ter por último a palavra e não prestar

juramento.

Noutro giro, colhe-se do artigo 706-45 do Código de Processo Penal a

regra seguinte:

[...] o Juiz de instrução pode submeter a pessoa jurídica ao "controle judiciário" nas condições previstas nos artigos 139 e 140, submetendo-a a uma ou várias das obrigações indicadas: 1° depósito de uma caução cujo montante e prazos de pagamento, em uma ou diversas vezes, são fixados pelo Juiz de instrução; 2° constituição, dentro de um prazo, por um período e um montante determinados pelo Juiz de instrução, de garantias pessoais ou reais destinadas a assegurar os direitos da vítima; 3° interdição de emitir cheques, a não ser aqueles que permitam a retirada de fundos pelo sacador junto ao sacado, ou aqueles autorizados, ou de utilizar cartões de crédito; 4° interdição de exercer algumas atividades profissionais ou sociais, quando a infração for cometida durante o exercício, ou na ocasião do exercício dessas atividades e

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quando se recear que uma nova infração será cometida. Descumprido o "controle judiciário", para a pessoa jurídica aplicam-se medidas específicas – que não privativas de liberdade, mas coativas - conforme descritas nos artigos 434-43 e 434-47, ambos do Código Penal.

Por derradeiro, como medidas importantes, no Direito Penal francês,

hão de ser destacadas, porque fazem a diferença quando o assunto é a

imputação da responsabilidade penal à pessoa jurídica. Primeiro, a criação do

Prontuário Judicial Nacional Informatizado – encarregado da manutenção, gestão

e funcionamento do Prontuário Judicial das Pessoas Jurídicas. A datiloscopia e a

fotografia do delinqüente foram substituídas pelo controle da identidade da

pessoa jurídica, "por meio do cadastro nacional das empresas e dos

estabelecimentos". Todas as condenações impostas são lançadas no prontuário e

este – quase sempre, com poucas exceções – só é acessível à autoridade

judiciária.

Em complementação, segundo, duas vias de reabilitação são adotadas

pelo sistema francês, a reabilitação de pleno direito e a reabilitação judicial,

produzindo, ambas, os mesmos efeitos. A primeira será concedida se ao final de

um prazo de cinco anos a pessoa jurídica não tiver sido objeto de uma nova

condenação; o prazo começa a contar a partir do dia da execução da pena, ou do

pagamento da multa, se exclusivamente pecuniária, ou da sua prescrição. A

segunda está prevista no artigo 134 da Lei n. 92-1336/92, que inseriu um novo

artigo (798-1) no Código de Processo Penal, e obedece a regras específicas.

Neste caso, o prazo para requerimento da reabilitação é de dois anos, a partir da

expiração da sanção sofrida.

E para concluir o tema, oportuno trazer à baila trecho final do artigo

intitulado "A Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas no Direito Francês"

do ilustre Doutrinador Jean Pradel, do teor seguinte:

[...] sempre fui partidário da responsabilidade penal das pessoas jurídicas. A idéia de uma responsabilidade latu sensu das pessoas jurídicas é corrente na Europa, ainda que ela se apresente sob diversas formas: ora a pessoa jurídica é somente garante do pagamento de multas infligidas a seus dirigentes, ora à pessoa jurídica se aplica uma medida de segurança (confisco, fechamento do estabelecimento notadamente); outras vezes ainda, ela é objeto de uma responsabilidade quase penal ( sanções pecuniárias especialmente); ora enfim, e na minha opinião, este é o melhor sistema, ela é responsável penalmente de maneira plena e integral. (PRADEL, 1998, p. 51-63).

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10 CONCLUSÃO

Ao final deste trabalho, altamente compensador, fica a certeza de que

o tema da responsabilidade penal da pessoa jurídica ainda suscita importantes

desafios para os operadores do direito, considerando que alguns destes nem

mesmo admitem a imputação penal ao ente coletivo, porque dotado de existência

fictícia, segundo adeptos da "teoria da ficção", e, em assim sendo, não passível

de punição penal, eis que desprovido de pessoalidade; noutro giro, os adeptos da

"teoria da realidade objetiva", que admitem os entes coletivos como seres reais e,

portanto, portadores de vontade real, reconhecidos e regulados por lei, o que lhes

torna passíveis de imputação penal.

A despeito da acirrada discussão sobre o tema, o presente trabalho

procurou trilhar o caminho determinado pela Constituição Federal de 1.988 e pela

Lei Ambiental (Lei n. 9.605/98), que acolheram opção política no sentido de

responsabilizar criminalmente a pessoa jurídica e, dessa forma, colocaram nas

mãos dos operadores do direito a responsabilidade de construírem caminho

dogmático capaz de materializar, com segurança, a vontade política de proteção

ambiental. Registre-se que a Lei Ambiental, até o presente momento, não

experimentou qualquer questionamento sobre sua constitucionalidade

Destarte, antes de adentrar as conclusões específicas sobre o tema

central do trabalho – "Aspectos Processuais da Responsabilidade Penal da

Pessoa Jurídica" – importante destacar que no mesmo foram desenvolvidos

tópicos atinentes ao direito material em si, valendo chamar a atenção para

considerações genéricas sobre a pessoa jurídica, desde a sua origem histórica

até o fim de sua existência, o que possibilitou entender melhor a imputação da

responsabilidade penal em comento; da mesma forma, dedicação especial

experimentou a questão da responsabilidade civil tomada como referência para a

penal, guardadas, naturalmente, as distinções havidas entre uma e outra.

Sob outro aspecto, relevante foi constatar a visão internacional sobre a

responsabilidade penal da pessoa jurídica, com ênfase na realidade

experimentada por diversos países no trato do tema, o que possibilitou conhecer,

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por exemplo, a realidade da França, que, de maneira responsável, regulamentou

a matéria no seu Direito Penal e cuidou, até mesmo, da criação de um sistema

processual próprio ("Lei de Adaptação"), para dar vazão à questão das infrações

perpetradas por pessoa jurídica. Essa realidade de muito servirá para a situação

brasileira e poderá contribuir, de forma efetiva, para a construção nacional de um

novo caminho para o enfrentamento da criminalidade ambiental envolvendo o

ente coletivo.

De registrar-se que o eixo central do trabalho ficou por conta do tópico

sobre "A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica no Ordenamento Jurídico

Brasileiro", com especial relevo para o posicionamento do tema face à

Constituição Federal e a Lei Ambiental propriamente dita. Considerações

importantes foram feitas sobre dispositivos genéricos da Lei Ambiental e, em

especial, da responsabilidade penal da pessoa jurídica face ao Código Penal

brasileiro. Em perfeita sintonia com o propósito fundamental do trabalho, foram

tecidas consistentes anotações sobre as questões processuais atinentes à

imputação penal do ente coletivo, e, nessa seara, mais adiante serão explicitadas

algumas sugestões – inclusive de cunho legislativo – necessárias ao

enfrentamento do tema, na atual realidade jurídica brasileira. Nesse tópico, ficou

patenteada a necessidade de mudança de postura dos operadores do direito,

que, por dever legal, têm a obrigação de dar cumprimento à Lei Ambiental, como

garantia de segurança jurídica.

Especificamente sobre alguns aspectos processuais, ao longo do

trabalho ficou claro que a questão da competência não se acha ainda bem

definida e que o modelo francês, nesse particular, talvez possa servir de exemplo

para a realidade brasileira, haja vista que, naquele país, a competência das

jurisdições define-se tanto pelo local da infração quanto pelo local no qual o ente

coletivo estiver sediado; no pertinente à citação, em se tratando de processo-

crime contra pessoa jurídica, por prática de crime ambiental, tanto pessoal quanto

ficta, esta poderá recair sobre a pessoa do representante legal da empresa; sobre

o interrogatório, valendo-se da analogia, a pessoa jurídica deverá indicar, por

instrumento de preposição, a pessoa que será interrogada em seu lugar.

Algumas críticas foram tecidas relativamente a esse modelo, e mais,

apresentada sugestão de alteração processual, de modo a permitir que a pessoa

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jurídica sujeita ao procedimento ou processo-crime tivesse a oportunidade de

defesa preliminar, para forjar, da maneira mais ampla possível, sua defesa e,

ultrapassada esta, não acatada a defesa, tivesse a obrigação de declinar, de

forma expressa, o nome de seu representante legal, pessoa e local para citação,

e mais, pessoa a ser interrogada, sob pena de não o fazendo, sua peça

defensiva, de imediato, não ser conhecida, com instauração do procedimento ou

da ação penal, dependendo do crime noticiado.

Noutro Capítulo, também de importância fundamental, considerações

relevantes foram feitas sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica e a Lei

dos Juizados Especiais Criminais, tendo ficado clara a admissão da transação

penal, com composição civil de danos, para o ente coletivo infrator do meio

ambiente no chamado crime de pequeno potencial ofensivo; quando não possível

transação penal; de examinar-se a possibilidade da suspensão do processo, com

especial realce para a obrigação imposta de reparação do dano ambiental

causado, sob pena de prorrogação da suspensão caso não cumprida tal

condição, com a conseqüente não extinção da punibilidade do agente – pessoa

jurídica infratora do meio ambiente.

As penas aplicáveis à pessoa jurídica também experimentaram

especial atenção ao longo do trabalho, cada uma com suas especificidades, por

exemplo, a multa não tem condão indenizatório relativamente aos danos

ambientais provocados pelo crime e nem mesmo pode ser considerada como

prestação pecuniária, devendo ser encarada como penalidade de natureza

autônoma; as restritivas de direitos revestidas de caráter patrimonial dizem

respeito, todas elas, às atividades da empresa, que, uma vez penalizada, ficará

com algum obstáculo parcial ou total para o exercício de seu mister; da mesma

forma, a prestação de serviços à comunidade, diferentemente daquela imposta à

pessoa física, para a pessoa jurídica importa no custeio de programas e projetos

ambientais, execução de obras em áreas degradáveis e manutenção de espaços

públicos e prestação de contribuições para entidades ambientais ou culturais

públicas.

Nesse particular, visível a preocupação do legislador com o caráter

repressivo das penas, mas, fundamentalmente, com o propósito pedagógico de

reeducar a pessoa jurídica, de modo que não viole mais o meio ambiente.

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Mereceu especial destaque o Capítulo denominado "Breves

Comentários sobre algumas Jurisprudências Relativas à Responsabilidade Penal

da Pessoa Jurídica nos Tribunais Pátrios", com a análise, por exemplo, do

posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que, até hoje, ainda não se

debruçou detidamente sobre o tema; as decisões de outros Tribunais em

questões de fundamental importância, como se possível a interposição de Habeas

Corpus, pela pessoa jurídica, para trancamento da ação penal contra ela

interposta; outras questões sobre se possível a imputação de responsabilidade

penal propriamente dita à pessoa jurídica; em caso afirmativo, a quem se impõe a

pena imposta; e mais, a pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando

houver a intervenção de uma pessoa física, que atue em nome e benefício do

ente moral. Estas e outras questões ficaram bem explicitadas e, de certa forma,

facilitaram o entendimento sobre a imputação penal imposta à pessoa jurídica, no

campo jurisprudencial, em se tratando de crimes ambientais.

E para um estudo que se pretendeu abrangente, não poderia ser

deixada de lado abordagem sobre o Modelo Penal e Processual Penal Francês, a

chamada "Lei de Adaptação", que tem representado o maior avanço no

tratamento da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Resumidamente, sabido

que, na França, a responsabilidade penal da pessoa jurídica está condicionada a

dois fatores: a) a infração criminal deve ser praticada por um órgão ou

representante do ente coletivo; b) a infração deve ser praticada por conta da

pessoa jurídica. E mais, a responsabilidade do ente moral é considerada

subsidiária à da pessoa física, sem a qual não pode a pessoa jurídica vir a ser

condenada. No aspecto processual, foram criadas regras próprias para o

envolvimento penal da pessoa jurídica no processo-crime e até um cadastro

nacional dos entes coletivos já sujeitos a processos e condenações anteriores,

bem como a possibilidade de reabilitação da pessoa jurídica já condenada. Certo

é que o modelo francês muito tem a contribuir com a realidade brasileira no

tratamento do instituto da responsabilização penal da pessoa jurídica, por prática

de crime ambiental.

Conclusivamente, a responsabilidade penal da pessoa jurídica, por

prática de crime ambiental, é uma realidade legal brasileira, cabendo aos

operadores do direito encontrar instrumentos processuais eficientes para sua

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efetivação, valendo-se, por analogia, de regras dos processos civil e penal e da

legislação trabalhista em vigor, sem perder de vista a necessidade do exercício

permanente de pressão política sobre nossos legisladores, conclamando-os ao

mister criação de uma legislação processual própria, que dê vida ao instituto em

comento, sob pena de perdermos a oportunidade histórica de nos equipararmos

aos países mais desenvolvidos do mundo, no trato sério e responsável sobre o

meio ambiente.

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