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Diego Pignones Rodrigues AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DO TIO PATINHAS: MEIOS DE DISSEMINAÇÃO IDEOLÓGICA DURANTE A GUERRA FRIA Santa Maria, RS 2006

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  • Diego Pignones Rodrigues

    AS HISTRIAS EM QUADRINHOS DO TIO PATINHAS: MEIOS DE

    DISSEMINAO IDEOLGICA DURANTE A GUERRA FRIA

    Santa Maria, RS

    2006

  • Diego Pignones Rodrigues

    AS HISTRIAS EM QUADRINHOS DO TIO PATINHAS: MEIOS DE

    DISSEMINAO IDEOLGICA DURANTE A GUERRA FRIA

    Trabalho final de graduao apresentado ao Curso de Comunicao Social hab. Publicidade e

    Propaganda rea de Artes, Letras e Comunicao, do Centro Universitrio Franciscano,

    como requisito parcial para a obteno do grau de Publicitrio Bacharel em Comunicao.

    Orientadora: Camila Campos Jacobs

    Santa Maria, RS

    2006

  • Diego Pignones Rodrigues

    AS HISTRIAS EM QUADRINHOS DO TIO PATINHAS: MEIOS DE

    DISSEMINAO IDEOLGICA DURANTE A GUERRA FRIA

    Trabalho final de graduao apresentado ao Curso de Comunicao Social hab. Publicidade e

    Propaganda rea de Artes, Letras e Comunicao, do Centro Universitrio Franciscano,

    como requisito parcial para a obteno do grau de Publicitrio Bacharel em Comunicao.

    _______________________________________

    Camila Campos Jacobs Orientadora (Unifra)

    _______________________________________

    Carlos Alberto Badke (Unifra)

    _______________________________________

    Roselaine Casanova (Unifra)

    Aprovado em ........ de ........................................ de ...............

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a orientao da Prof. Camila Jacobs e seus

    puxes de orelha, porque sem eles esse resultado no seria

    atingido.

    No posso deixar de agradecer aos mestres que

    souberam reconhecer meu trabalho dentro dessa jornada

    acadmica.

    Aos que no souberam reconhecer, agradeo por me

    tornarem algum mais forte e com maior capacidade de

    superao.

  • DEDICATRIA

    minha me Maria Helena, por tornar-me algum

    questionador, politizado e interessado em interferir na realidade

    e modific-la,

    Ao meu pai Altivo, por ser um modelo de

    profissionalismo, tica e justia.

    minha bisnona Leda Pignones.

    Finalmente, minha mulher Daniele a qual conheci no

    meio acadmico.

    Minha sogra, meu cunhado e as cunhadas.

    memria de meus avs Canuto e Carlota que me

    mostraram que a alegria de se viver est no bom humor de

    cada pessoa.

  • SUPER HERIS (RAUL SEIXAS PAULO COELHO)

    Hoje segunda-feira e decretamos feriado.

    Chamei dom Paulo Coelho e samos lado a lado. L na esquina da Augusta quando cruza com a Ouvidor.

    No que eu vi o Slvio Santos. No que eu vi o Slvio Santos.

    Sorrindo aquele riso franco e puro para um filme de terror. Como que eu posso ler se eu no consigo concentrar minha ateno.

    Se o que me preocupa no banheiro ou no trabalho a seleo.

    J na outra esquina dei trs vivas ao rei Faisal. O povo confundiu pensando que era o Carnaval.

    Ento eu disse a dom Paulette: - Eu conheo aquele ali.

    No possvel dom Raulzito. No possvel dom Raulzito.

    Quem que no Brasil no reconhece o grande trunfo do xardrez. Sa pela tangente disfarando uma possvel estupidez.

    Corri para um cantinho pra dali sacar o lance de mansinho. Adivinha quem era?

    Mequinho!

    L em Nova Iorque todo mundo feliz. Vi o Marlon danando ltimo Tango de Paris.

    Pedi cerveja e convenci ao garom do botequim a no pagar o tal do casco.

    Ele aceitou, pois sou um astro. E duma cobertura no Leblon Kel acena dando aquela.

    Enquanto o povo embaixo o rei Kel despenca da janela. quando a 120 o Fittipaldi passa quem ele atropela.

    Vamos arriba!

    Grandes heris! Vamos em frente! Vamos cowboys!

    Avante! Avante super-heris! Ai Silver!

    Shazam! Agora Kansas City!

    Kansas City here I come! Kansas City!

  • LISTA DE FIGURAS

    FIGURA1 ..............................................................................................................05

    FIGURA 2 .............................................................................................................05

    FIGURA 3 .............................................................................................................06

    FIGURA 4 .............................................................................................................08

    FIGURA 5 .............................................................................................................12

    FIGURA 6 .............................................................................................................12

    FIGURA 7..............................................................................................................12

    FIGURA 8 .............................................................................................................12

    FIGURA 9 .............................................................................................................12

    FIGURA 10 ...........................................................................................................14

    FIGURA 11 .......................................................................................................... 14

    FIGURA 12 ...........................................................................................................15

    FIGURA 13 .......................................................................................................... 15

    FIGURA 14 ...........................................................................................................16

    FIGURA 15 ...........................................................................................................16

    FIGURA 16 ...........................................................................................................16

    FIGURA 17 ...........................................................................................................17

    FIGURA 18 ...........................................................................................................17

    FIGURA 19 ...........................................................................................................18

    FIGURA 20 ...........................................................................................................18

    FIGURA 21 ...........................................................................................................20

    FIGURA 22 ...........................................................................................................22

    FIGURA 23 ...........................................................................................................23

    FIGURA 24 ...........................................................................................................24

    FIGURA 25 ...........................................................................................................24

    FIGURA 26 ...........................................................................................................25

    FIGURA 27 ...........................................................................................................26

    FIGURA 28 ...........................................................................................................26

    FIGURA 29 ...........................................................................................................27

  • FIGURA 30 ...........................................................................................................27

    FIGURA 31 ...........................................................................................................28

    FIGURA 32 ...........................................................................................................29

    FIGURA 33 ...........................................................................................................30

    FIGURA 34 ...........................................................................................................30

    FIGURA 35 ...........................................................................................................34

    FIGURA 36 ...........................................................................................................35

    FIGURA 37 ...........................................................................................................36

    FIGURA 38 ...........................................................................................................36

    FIGURA 39 ...........................................................................................................37

    FIGURA 40 ...........................................................................................................38

    FIGURA 41 ...........................................................................................................39

    FIGURA 42 ...........................................................................................................41

    FIGURA 43 ...........................................................................................................42

    FIGURA 44 ...........................................................................................................44

    FIGURA 45 ...........................................................................................................51

    FIGURA 46 ...........................................................................................................52

    FIGURA 47 ...........................................................................................................53

    FIGURA 48 ...........................................................................................................53

    FIGURA 49 ...........................................................................................................54

    FIGURA 50 ...........................................................................................................54

    FIGURA 51 ...........................................................................................................55

    FIGURA 52 ...........................................................................................................55

    FIGURA 53 ...........................................................................................................56

    FIGURA 54 ...........................................................................................................56

    FIGURA 55 ...........................................................................................................57

    FIGURA 56 ...........................................................................................................57

    FIGURA 57 ...........................................................................................................58

    FIGURA 58 ...........................................................................................................58

    FIGURA 59 ...........................................................................................................59

    FIGURA 60 ...........................................................................................................59

  • SUMRIO

    Lista de Figuras ........................................................................................................ xi

    Resumo .................................................................................................................... x

    Introduo ..................................................................................................................1

    Captulo 1 Histrias em Quadrinhos ......................................................................................... 4

    Bens de Exportao Cultural ...................................................................................... 9 Politizao das HQ ................................................................................................... 11

    Captulo 2 Estados Unidos ...................................................................................................... 19

    Guerra Fria ............................................................................................................... 23

    Captulo 3 Descrio e Anlise dos Dados ............................................................................ 31

    Captulo 4 Consideraes Finais ............................................................................................ 45

    Referncias Bibliogrficas ........................................................................................ 47

    Referncias em Meio Eletrnico ............................................................................... 50

    Anexo A .................................................................................................................... 51

    Apndice A ............................................................................................................... 60

  • RESUMO: As histrias em quadrinhos esto presentes no cotidiano de todas as pessoas, das mais diversas idades. No entanto, os comics so bens culturais sendo assim, sujeitos exportao. No presente trabalho, analisa-se a condio de bem cultural por conta da veiculao de opinies, ideologias e vises de mundo de seus pases de origem. Esse fenmeno ocorre devido ao fato de a narrativa desse tipo de mdia possibilita, atravs da empatia que seus personagens vivam para sempre numa mesma idade. Por essa razo, a narrativa tambm permite que a mensagem de cunho propagandstico-ideolgico seja assimilada sem que o leitor perceba. Esse trabalho tem como objetivo o estudo da inter-relao entre poltica e quadrinhos. Para tal, esse estudo busca a origem da politizao dos quadrinhos, para ento focar, especificamente, na politizao das HQ do Tio Patinhas no perodo da Guerra Fria. Em uma segunda etapa, e feita uma anlise dos Estados Unidos da Amrica e da Guerra Fria. Em razo das anlises feitas das revistas do pato mais rico do mundo so estabelecidos novos resultados sobre o assunto. PALAVRAS CHAVE: Histrias em Quadrinhos. Politizao. Tio Patinhas. Guerra Fria. ABSTRACT: Comics are become in daily of all the people, of the most diverse ages. However, comics is cultural goods being thus, can be exported. In the present work, it is analyzed on account condition of cultural good of the propagation of opinions, ideologies and visions of world of its native countries. This phenomenon occurs due to the fact of the narrative of this type of media makes possible, through the empathy that its personages live forever in one same age. Therefore, the narrative also allows that the message of propagandistic-ideological matrix is assimilated without the reader perceives. This work has as objective the study of the interrelation between politics and comics. For such, this study it searchs the origin of the politicalization of the comics, for then focus, specifically, in the politicalization of the comics of the Uncle Scrooge in the period of the Cold War. In one second stage, and made an analysis of the United States of America and the Cold War. In reason of the done analyses of the magazines of the duck richest of the world new results on the subject are established.

    KEYWORDS: Comics. Politicalization. Uncle Scrooge. Cold War.

  • INTRODUO:

    O presente trabalho final de graduao trata da anlise das histrias em quadrinhos1 do

    Tio Patinhas a partir de um recorte temporal que abrange a Guerra Fria (1949-1989) e o

    desmantelamento da Unio Sovitica.

    Os objetivos do estudo foram: a analise das histrias em quadrinhos do Tio Patinhas a

    fim de identificar emisso de ideologias polticas, sociais e/ou econmicas; estabelecer a

    inter-relao entre ideologia poltica e histrias em quadrinhos, atravs de uma anlise de

    como o discurso ideolgico foi transmitido pelas histrias em quadrinhos do Tio Patinhas

    durante a Guerra Fria e no perodo de dissoluo final da URSS.

    Por essa razo, o TFG parte do seguinte problema: No perodo correspondente a

    Guerra Fria e durante o desmantelamento da Unio das Repblicas Socialistas Sovitica, as

    HQ do Tio Patinhas veicularam idias e/ou conceitos condizentes com a poltica norte-

    americana, atuando como elementos de formao de opinio polarizada, e, portanto, favorvel

    viso de mundo e divulgao do estilo de vida norte-americano?

    A hiptese do trabalho a seguinte: com o advento da Guerra Fria e no perodo de

    desmantelamento da URSS, os comics do Tio Patinhas disseminaram idias polarizadas pr-

    americanas, atravs de um fenmeno que pode ser designado como politizao das histrias

    em quadrinhos.

    Para que os objetivos fossem atingidos o presente TFG se vale dos procedimentos

    metodolgicos que seguem abaixo:

    Anlise de discurso/contedo, tomando como base o paradigma veroniano que trata a

    anlise de discurso como um modo de aproximao ao texto, modo de manipulao ou de

    abordagem do texto e no como um objeto de estudo. (GMEZ DE LA TORRE 2001; 238)

    Vern, tambm considera que o texto um objeto multidimensional, possuindo uma

    diversidade lgica, estrutural e enunciativa. E, que, no possvel analisar um texto s,

    precisando analisar vrios textos. (GMEZ DE LA TORRE 2001; 239).

    Cli Regina Jardim Pinto, professora do Departamento de Cincias Polticas da

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e atual diretora do Instituto de Filosofia

    e Cincias Humanas da UFRGS, em seu livro Com a Palavra o Senhor Presidente Jos

    Sarney, faz uso da anlise de discurso durante o Plano Cruzado.

    1 Neste trabalho sero adotadas as seguintes grafias: histrias em quadrinhos, HQ, comics, gibis, quadrinhos, arte seqencial e revistinhas.

  • PINTO (1989; 61) considera que o analista de discurso tem, em princpio, duas

    possibilidades de interveno inicial no corpo discursivo: uma que parte de seu problema de

    pesquisa e da natureza do discurso que est trabalhando e outra que diz respeito

    exclusivamente organizao do texto enquanto realidade semntica.

    Apesar de um estudo poltico, seu livro foi incorporado ao presente trabalho, porque

    considera-se pertinente metodologia j que o mtodo de pesquisa empregado pela autora

    (anlise de discurso) esteja presente nos estudos de publicidade e propaganda, e, portanto,

    pode ser perfeitamente utilizado em favor da Comunicao Social.

    Para DIJK (1996; 203) a funcionalidade no uso da linguagem e no discurso no

    mostra apenas como as frases ou textos so organizados, e no apenas como esto

    relacionados com cognio, interao e estrutura social. Ela revela tambm que o discurso no

    jamais independente de contexto, e, portanto jamais inocente.

    Ento, buscou-se marcas ou pistas textuais que denotem manifestaes ideolgicas

    favorveis viso de mundo e ao estilo de vida norte-americano.

    Observao das HQ onde sero verificadas 18 histrias, de um perodo correspondente

    a Guerra Fria e durante o desmantelamento da Unio Sovitica, classificadas por ano de

    produo. A partir dessa classificao cronolgica, buscar-se-o palavras-chave ou frases-

    chave com a finalidade de encontrar emisso ideolgica. Tambm ser investigado se houve

    mudana na produo das histrias em quadrinhos e/ou nas ideologias emitidas no perodo

    estudado.

    Dentro das preocupaes especficas da anlise do discurso poltico, um procedimento til o de organizar o corpo para anlise de construo de uma listagem contendo o que se poderia chamar de trs colunas: a primeira a quem fala; a segunda para quem se fala, e a terceira o que se fala. Em uma linguagem mais precisa, as colunas corresponderiam aos sujeitos enunciadores, a quem o discurso se dirige, e aos enunciados. (PINTO, 1989, 61-62).

    A escolha para tal perodo se deve ao fato de a marcante bipolaridade ideolgica no

    cenrio mundial acabar lentamente atravs de processos transitrios que culminaram com o

    fim da URSS. As polticas de abertura poltica e reestruturao econmica iniciadas por

    Nikita Kruchev e finalizadas por Gorbatchov, tiveram a funo de ser um processo de

    transio do comunismo ao capitalismo. Com a ruptura dos antigos padres bolcheviques a

    Unio Sovitica perdeu a Guerra Fria sem que nenhum disparo fosse efetuado e as repblicas

  • anexadas durante a Revoluo Russa2 obtiveram sua independncia e soberania poltica

    asseguradas.

    Para definir histrias em quadrinhos ser utilizado o conceito presente no livro

    Desvendando os Quadrinhos de Scott McCloud cuja definio afirma que as histrias em

    quadrinhos so imagens pictogrficas e de outra natureza justapostas em uma seqncia

    deliberada e so destinadas a transmitir informaes e/ou produzir uma resposta no leitor.

    MARCONDES FILHO (1994, p. 48) postula que a ideologia no somente reflexo

    de uma orientao poltica. Mais do que isso, ela uma viso de mundo que comporta

    elementos culturais, estticos, comportamentais, existenciais, morais e ticos.

    Para obter uma maior confiabilidade dos dados para a contextualizao da pauta

    mundial durante a Guerra Fria e no perodo correspondente ao desmantelamento da Unio das

    Repblicas Socialistas Soviticas, foi consultada a coleo Livro do Ano da Encyclopaedia

    Britannica do Brasil. Tal opo ocorreu porque os exemplares dessa coleo so

    retrospectivas anuais dos fatos ocorridos em diversas reas, como: economia, situao

    mundial, cincia e tecnologia, etc.

    Contudo, a coleo teve seu incio no ano de 1980, por esse motivo, os dados

    referentes s dcadas anteriores no puderam ser consultados. No entanto, tais dados foram

    buscados em outros livros da poca.

    2 Sobre esse assunto ver A Histria Concisa da Revoluo Russa de Richard Pipes e Os Dez Dias que Abalaram o Mundo de John Reed.

  • HISTRIAS EM QUADRINHOS:

    As histrias em quadrinhos sempre foram motivos de pesquisas ao longo do tempo,

    suas origens e possveis conseqncias sobre seus leitores foram discutidas entre diversas

    reas de conhecimento.

    Durante muito tempo as estrias em quadrinhos foram tidas e havidas como uma sub-literatura prejudicial ao desenvolvimento intelectual das crianas. Socilogos apontavam-nas como uma das principais causas da delinqncia juvenil. Aos poucos, porm, foi-se verificando a fragilidade dos argumentos daqueles que investiam contra os quadrinhos: uma nova base metodolgica de pesquisas culturais conseguiu estruturar a sua evoluo crtica, problematizando-os a partir do relacionamento entre a reprodutibilidade tcnica e o consumo em massa, que criariam posies esttico-informacionais para a obra de arte. (CIRNE, 1970, p. 11)

    O conceito de quadrinhos exposto na introduo torna a arte seqencial mais antiga do

    que os registros oficiais. Segundo MCCLOUD (2005) as HQ remontam as antigas

    civilizaes como o Egito e os povos pr-colombianos. Por exemplo, as pinturas de tumbas

    egpcias, que consistiam em representar atravs de desenhos as situaes diversas caa, magia

    simptica, cerimnias religiosas, cobranas de impostos seriam histria em quadrinhos, basta

    que se descubra a seqncia correta para que a narrativa possa ser compreendida, no caso

    egpcio McCloud descobriu que a leitura era feita em ziguezague e debaixo para cima (fig. 1;

    p.5)

    Mas GUBERN (1979) e diversos autores seguem o pensamento convencional que

    considera que a gnese dos comics se deu apenas no final do sculo XIX com a apario das

    histrias do personagem Yellow Kid3(Fig.2; p.5), de Richard Felton Outcault. Esse

    personagem vestia um camisolo onde eram escritos textos cmicos a cada quadrinho, as

    histrias se davam em um beco nova-iorquino e, devido efervescncia de ideologias

    polticas da poca, o garoto amarelo e seus amigos eram contra o establishment4 e,

    conseqentemente, eram de esquerda.

    No entanto, MCCLOUD (2005) lembra de um personagem, Santo Erasmo, que graas

    imprensa de Gutenberg, tornou-se muito popular em 1460 d.C. cujas histrias, As Torturas

    de Santo Erasmo (fig 3. p.6), encaixam-se perfeitamente no conceito de comics tal qual o

    exemplo egpcio.

    3 Esse personagem foi desenhado por Outcault para o jornal New York World, onde um dos tcnicos de impresso (Benjamin Benday) sugeriu testar a cor amarela no camisolo de Yellow Kid. Por conta deste fato surgiu o rtulo de jornalismo amarelo como forma de designar a imprensa sensacionalista. 4 Sistema poltico estabelecido.

  • Figura 1 - Reproduo da pintura da tumba de Menna (fonte: Desvendando os Quadrinhos de Scott McCloud).

    Apesar de amplamente estudada a histria das Histrias em Quadrinhos imprecisa no que tange ao surgimento desse tipo de narrativa. H quem defenda que o criador da chamada arte seqencial tenha sido o talo-brasileiro ngelo Agostini, com suas histrias ilustradas As Aventuras de Nh Quim (1893). H ainda histrias em quadrinhos japonesas (mangs), porm, que datam de 1702 e, ainda, um manuscrito pr-colombiano de 1519, descoberto por Cortez, considerado como histria em quadrinhos por diversos estudiosos. (CARVALHO JUNIOR, 2002, p. 18).

    Figura 2 - Yellow Kid (fonte: www.google.com.br).

  • Figura 3 - Reproduo de As Torturas de Santo Erasmo (fonte: Desvendando os Quadrinhos de Scott McCloud).

    CARVALHO JUNIOR (2002) considera que os quadrinhos so histrias narrativas

    com personagens, aes, tempo e espao e para que haja uma leitura completa do texto

    imagtico e do texto verbal o leitor precisa ativar suas habilidades interpretativas visuais e

    verbais. Em Apocalpticos e Integrados, Umberto Eco disseca os comics quadrinho a

    quadrinho analisando as relaes entre texto e imagens e seu efeito no leitor.

  • A combinao entre imagens e palavras tambm tem um efeito classificado como biolgico, j que atrai aos dois lados do crebro humano. Este um componente dos quadrinhos que gera uma atrao at mesmo biolgica. O crebro humano dividido entre as metades direita e esquerda. O lado direito pr-verbal, trabalha com o subconsciente e com as imagens. J o lado esquerdo verbal, racional, trabalha com a linguagem. Os quadrinhos so uma mdia que, de maneira praticamente nica, fazem com que o receptor use os dois lados ao mesmo tempo, o que os torna uma experincia nica para quem l, pontua quadrinista ingls Alan Moore. (CARVALHO JUNIOR, 2002, p. 18).

    Por essa razo, o ato de ler histrias em quadrinhos exige que o receptor use suas

    habilidades de interpretao visual e verbal.

    Sobre essa questo EISNER (1995) postula:

    As regncias da arte (por exemplo, perspectiva, simetria, pincelada) e as regncias da literatura (por exemplo, gramtica, enredo, sintaxe) superpem-se mutuamente. A leitura da revista de quadrinhos um ato de percepo esttica e de esforo intelectual. (EISNER, 1995, p. 8).

    O autor ainda considera o fato de as HQ empregarem imagens repetitivas, smbolos de

    fcil reconhecimento que geram idias similares, que como conseqncia, compe uma

    linguagem comum entre os autores dos comics e seus receptores. Mas, para isso acontecer, o

    desenhista de quadrinhos evoca uma comunidade de experincias (bagagem cultural). Ento

    para que a mensagem possa ser transmitida e recebida, o quadrinista emite um apelo

    vocacional para a bagagem cultural (englobando o campo imagtico e textual do leitor) para

    que seja criada a interao entre receptor e emissor.

    Por essa razo, o autor de quadrinhos, para contar uma histria, se utiliza de imagens e

    palavras onde a composio de texto e imagens apresentada ao leitor de maneira

    seqenciada, e esses segmentos em seqncia so os quadrinhos.

    Segundo CARVALHO JUNIOR (2002, p. 17) os quadros so momentos congelados

    no fluxo da narrativa, eles tambm apelam imaginao do leitor para completar espaos

    narrativos, criando assim uma relao ntima com cada receptor.

    Os espaos narrativos os quais Carvalho Junior se refere conhecido como sarjeta

    so os espaos entre um quadrinho e outro. a sarjeta que define o intervalo de tempo entre

    uma ao e outra, nela que a histria se desenrola verdadeiramente, pois o leitor induzido a

    preencher o tempo entre as aes com fatos intermedirios.

    Para o pesquisador e quadrinista MCCLOUD (2005) as aes registradas no papel

    pelo desenhista so auxiliadas e apoiadas pelo cmplice silencioso, tambm conhecido como

    leitor ou receptor. McCloud demonstra essa relao ao apresentar uma seqncia onde, no

  • primeiro quadrinho, um homem persegue sua vtima empunhando um machado. No

    quadrinho seguinte o desenho mostra uma cidade noite onde um grito corta o silncio. O

    autor conclui, em seguida, que quem matou o personagem perseguido foi o leitor e no o

    desenhista. (fig. 4; p.8)

    Posso ter desenhado um machado erguido, mas no sou eu quem desfere ou decide o impacto do golpe, nem quem gritou, ou por qu. Esse, caro leitor, foi o seu crime especial. Cada um cometeu de acordo com seu prprio estilo. Todos vocs seguraram o machado e escolheram onde dar o golpe. Matar um homem entre os quadros significa conden-lo a milhares de mortes. (MCCLOUD, 2005, p. 68-69).

    Figura 4 Seqncia de quadrinhos de McCloud (fonte: Desvendando os Quadrinhos de Scott McCloud).

    MCCLOUD (2005) afirma que a participao do leitor nos quadrinhos para completar

    a seqncia narrativa uma fora poderosa em qualquer outro meio de comunicao. Para

    isso o autor cita o exemplo dos cineastas que h muito tempo perceberam que era importante

    deixar o pblico espectador usar a prpria imaginao. Contudo, os filmes se utilizam da

    imaginao da platia em situaes ocasionais os quadrinhos devem fazer isso

    freqentemente. Desde o arremesso de uma bola ao extermnio de um planeta, a concluso

    deliberada e voluntria do leitor o mtodo bsico pro quadrinho simular o tempo e o

    movimento.

    Das consideraes de McCloud pode-se entender que nas HQ a concluso deliberada e

    voluntria do leitor a chave da intimidade gerada pelo pacto secreto entre o desenhista e o

    leitor para que a narrativa se desenrole em seu tempo e espao.

  • 2.1 BENS DE EXPORTAO CULTURAL

    Breed apud WOLF (2003) considera que a expresso mass media5 abrange grande

    parte da imprensa, inclusive revistas populares. Dentre estas, os quadrinhos tm seu espao.

    Sendo assim, os gibis constituem uma parcela dos mass media, e, devido a sua penetrao nas

    massas6.

    Os autores Adorno7 e Horkheimer cunharam o conceito de indstria cultural na dcada

    de 1940. Mas, conforme as consideraes de MATTELART e MATTELART (2003) tais

    autores imprimiram uma forte carga de etnocentrismo europeu caracterstico. Por esse

    motivo, a fim de amenizar essa carga pejorativa do conceito de Indstria Cultural de Adorno e

    Horkheimer, ser adotado o conceito de Nilda Jacks que considera alm da produo, a

    criao e distribuio dos produtos culturais que simplesmente esto adequados ao sistema

    capitalista.

    O conceito adotado aqui para indstria cultural o da criao, produo e distribuio de produtos culturais destinados ao grande pblico. O termo indstria cultural no tem, entretanto, o sentido histrico que Adorno e Horkheimer adotaram ao criticar a emergente cultura da dcada de 1940. utilizado como um termo que designa o produto simblico produzido e distribudo em uma sociedade capitalista e que, portanto, no pode nem consegue fugir lgica deste sistema. (JACKS, 2003, p.25).

    A industrializao da comunicao8 e seu controle privado proporcionam o carter

    serializante e a reconfigurao do contedo da informao. A serializao da informao ou

    de um bem cultural e/ou simblico a premissa bsica da Indstria Cultural, enquadrando-se

    a, tambm, os quadrinhos.

    Segundo GUBERN (1979, p.17) as tcnicas de reproduo de imagens permitiram a

    difuso em grande escala das literaturas da imagem, principalmente em duas formas de vasta

    aceitao popular: os comics e as fotonovelas.

    5 Meios de comunicao de massa. 6 Segundo o Dicionrio de Comunicao, Massa trata-se de um nmero considervel de indivduos que, apesar de heterogneos, so considerados como um bloco homogneo enquanto pblico consumidor da indstria cultural. 7 Adorno tambm produziu estudos voltados para a msica, mais especificamente, o autor analisou o jazz. De tal pesquisa resultou uma famosa publicao O Fetichismo na Msica e a Regresso da Audio que foi traduzida do original alemo: Ueber Fetischcharakter in der Musik und die Regression ds Hoerens. 8 Sobre esse assunto ver Reinventando os Quadrinhos de Scott McCloud, onde o autor aborda entre outras questes a serializao das HQs atravs da internet e a melhora na qualidade grfica atravs do uso de softwares de produo grfica.

  • ORTIZ (1991, p.186-187) considera que h diversos estudos que se preocupam com

    aspectos de organizao econmica e poltica das multinacionais da cultura at os aspectos

    de dominao ideolgica veiculados no interior do prprio produto cultural, como no caso das

    revistas em quadrinhos importadas dos pases centrais.

    Especificamente sobre os comics sua serializao se d pela atuao dos syndicates.

    A palavra syndicate nos moldes norte-americanos, no encontra similar em nosso contexto. No se trata de um sindicato e ultrapassa as atribuies de uma associao. Podemos trat-lo como uma agncia especializada em fornecer matrias variadas, particularmente de entretenimento. Os syndicates, alm de possuir direitos sobre os trabalhos dos desenhistas (direitos sobre a venda e a distribuio), funcionam como uma agncia de veiculao das histrias, preparando e emitindo milhares de matrizes a serem vendidas no somente nos EUA como tambm em outros pases. (FURLAN, 1984, p. 29).

    Alm disso, os syndicates so responsveis pela aplicao do cdigo de tica dos

    quadrinhos que entre outras coisas cuida para que as histrias no sejam ofensivas a nenhum

    leitor, no devem trazer linguajar pejorativo ou de baixo calo explicitamente (sendo estes

    substitudos por sinais grficos convencionais), as HQ no podem trazer sugestes

    imoralidade, devem evitar qualquer tipo de controvrsia quanto s questes religiosas, raciais

    ou polticas, devem evitar cenas de violncia contra a mulher, animais e crianas e no devem

    incentivar o crime que sempre ser punido.

    Quando um pas importa uma determinada mercadoria pressupe-se que tal compra

    envolva produtos ou bens e no cultura, j que esta autctone e/ou intrnseco a cada nao.

    O enorme volume na rea de quadrinhos resulta em duas conseqncias bsicas, ambas nocivas ao mercado nacional. Em primeiro lugar, os quadrinhos que importamos trazem consigo hbitos e costumes estrangeiros que passam a ser tomados pelo pblico leitor, em sua maioria crianas e jovens em idade de formao, como modelo de atuao. (LACHTERMACHER e MIGUEL, 1984, p. 50).

    No entanto, a importao de gibis estrangeiros no Brasil9 muito antiga como

    Carvalho Junior comprova:

    9 No Brasil, a primeira revista em quadrinhos de Walt Disney que fora impressa foi o Pato Donald em 1950. E foi publicada pela Editora Abril. Com o passar dos anos, a Editora Abril aumentou sua cartela de publicaes e expandiu suas atividades. Hoje, a Abril detentora da televiso por assinatura TVA, canal MTV Brasil, UOL, Editora tica, Editora Scipione, Gravadora Abril Music, entre outras atividades.

  • Os primeiros personagens surgidos em territrio nacional, assim como a maioria dos que esto no mercado atual, eram importados principalmente dos EUA. Mas ganhavam verses nacionais e at mesmo enredos desenvolvidos por brasileiros, muitas vezes de forma incidental. Foi o que ocorreu, por exemplo, com Brucutu (Alley Oop) e Ferdinando (Lil Abner), personagens publicados no Suplemento Juvenil. Roberto Marinho havia contratado o dramaturgo Nelson Rodrigues para traduzir HQs que vinham dos EUA, mas, como o autor de O Vestido de Noiva no tinha conhecimento pleno da lngua inglesa, simplesmente inventava dilogos quando no entendia os originais, dando origem a histrias inditas. (CARVALHO JUNIOR, 2002, p. 19).

    Para tentar explicar essa situao CALAZANS se utiliza da Teoria Hegemnica da

    Comunicao e considera:

    A Teoria Hegemnica da Comunicao parte do princpio de que existiria uma dominao cultural dos meios de comunicao, ou seja, os filmes e os quadrinhos americanos dominam o mercado brasileiro, no qual so vendidos a preos abaixo da concorrncia sufocando, assim, a produo nacional, sob o eufemismo de Globalizao. (CALAZANS 2002, p.2).

    Kluge e Negt apud RUDIGER (2003, p. 87) consideram que o capitalismo reagiu ao

    desenvolvimento das capacidades humanas atravs da consolidao dos cartis de

    comunicao. Ento, as estruturas de comunicao tanto os meios de comunicao, quanto

    os veculos passaram a ser trabalhadas como meios de industrializao da conscincia,

    obstaculizando um emprego realmente comunicativo, que poderia permitir o questionamento

    das formas de domnio vigente e das relaes de produo.

    2.2 POLITIZAO DAS HQ

    Os comics foram utilizados como veculos formadores de opinio e propagadores de

    ideologias durante a Segunda Guerra Mundial (fig.5,6 e 7; p.12), quando diversos pases

    utilizaram as HQ a fim de transmitir mensagens aos leitores, como, por exemplo, o Japo

    militarista que exps suas intenes expansionistas personificadas em uma inocente criana

    nipnica (Dankichi) que naufragara em uma ilha no Pacfico Sul, que e mais tarde fora

    coroada pelos nativos, dessa maneira, reconhecendo a supremacia poltica japonesa.

    (GUBERN, 1979; 26).

  • Por sua vez nos Estados Unidos, durante o mesmo perodo, nos gibis do Tarzan (Fig.8;

    p.12), o personagem homnimo ao ttulo dos quadrinhos, desbaratava comandos nazistas na

    frica setentrional. J, o Capito Amrica (Fig.7; p.12) combatia os pases do Eixo (Itlia,

    Alemanha e Japo) ao lado dos exrcitos aliados10 (GUBERN, 1979; 26). A partir do incio da

    dcada de 60 os comics de Flash Gordon (Fig.9; p.12) inauguravam um estilo western-

    intergaltico. Gordon combatia o imperador extraterrestre Ming, em uma clara referncia

    ascenso da China socialista. Esses exemplos demonstram que esses personagens de

    entretenimento foram transformados em divulgadores dos valores culturais preconizados

    pelos Estados Unidos. (GUBERN, 1979; 110).

    10 Estados Unidos, Inglaterra e Unio Sovitica.

    Figura 5 Superman N 17 (fonte: www.google.com.br)

    Figura 6 - Action Comics N 63 (fonte: www.google.com.br)

    Figura 7 - Capito Amrica N 32 (fonte: www.google.com.br)

    Figura 8 Tarzan, o rei da Floresta (fonte: www.google.com.br)

    Figura 9 - Flash Gordon (fonte: www.google.com.br)

  • Do outro lado do globo, temos como exemplo Mao-Ts-Tung que empregava

    quadrinhos para difuso da Revoluo Cultural, e os universitrios moscovitas criaram

    Oktobriana na revista Myrsty para atacar o regime stalinista, at mesmo os refugiados do

    Timor Leste se utilizaram dos comics para denunciar o genocdio da Indonsia.

    (CALAZANS, 1998, p. 2).

    O norte-americano Art Spiegelman escreveu as experincias de seu pai durante o

    Holocausto em gibis, o desenhista ficou famoso por Maus. O nome foi escolhido porque o

    desenhista retratara as perseguies aos judeus como uma caada de gatos a ratos, onde os

    gatos so os alemes e, conseqentemente, os ratos os judeus.

    As histrias foram publicadas originalmente na revista Raw entre 1980 e 1991. Art

    Spiegelman elaborou um primeiro volume em 1986, com o ttulo: Maus - A histria de um

    sobrevivente, cujo subttulo era "Meu pai sangra histria" (Fig. 10; p.14). Cinco anos depois,

    Maus II - E aqui meus problemas comearam (fig. 11; p.14) chegava s bancas. Em 1992 ele

    ganhou o prmio Pulitzer, um dos prmios mais conceituados do meio jornalstico e literrio,

    e que nunca antes tinha sido dado a uma HQ.

    As teorias da comunicao11 ajudam a corroborar o argumento de que politizao das

    histrias em quadrinhos e a assimilao de suas idias expressas no papel se devem ao fato de

    se tratar de um entretenimento, aparentemente, inofensivo.

    11 Enquanto as cincias Exatas e as cincias da Natureza (como Qumica e Fsica) costumam apresentar-se monoparadigmticas (centralizadas e dirigidas por um nico modelo de pensamento/questionamento, uma s metodologia), no caso das cincias Humanas ocorre o fenmeno da diversidade dos paradigmas como caracterstica. Esta peculiaridade epistemolgica ocasiona alguns problemas de pesquisa, como por exemplo o despreparo e ignorncia de certos pesquisadores que insistem em denominar "Teoria da Comunicao", no singular, uma pluralidade de paradigmas divergentes. Assim sendo, mais adequado, em termos de Filosofia da Cincia, falar-se no plural - Teorias da Comunicao, como sendo um conjunto mltiplo de paradigmas que abordam os fenmenos comunicacionais CALAZANS (1998; p. 1)

  • A teoria HIPODRMICA, por outro lado, tambm subestima o leitor, reduzindo-o a simplistas esquemas da Biologia Behaviorista, onde o Estmulo corresponde a uma Resposta (E - R), e a massa passiva, heterodirigida, tem seu pseudo-pensamento manipulado. Esta teoria cresce durante o perodo das duas guerras mundiais, com seus Estados Totalitrios. (CALAZANS, 1998, p. 2).

    Um exemplo que comprova as consideraes de Calazans a Itlia fascista que

    produziu amostras significativas de politizao das histrias em quadrinhos e transmisso de

    idias. Em 1938, o governo italiano proibiu a publicao e a entrada de HQ norte-americanas

    por serem contrrios ao esprito nacional-fascista em uma ao que lembra a Lei Alfieri que

    proibira a entrada de filmes hollywoodianos na Itlia. (MERTEN, 2005)

    Porm, como seus personagens haviam calado solidamente no pblico, a proibio foi

    iludida pelos desenhistas e guionistas, rebatizando com nomes do pas os grandes arqutipos

    vetados pela censura. (GUBERN, 1979, p. 44 e 45).

    Foi quando surgiu Dick Fulmine (Juan Centella, na Espanha franquista) (fig. 12; p.15),

    um personagem baseado no pugilista dos anos trinta Primo Carnera il gigante di Sequals",

    campeo mundial e muito celebrado pelo Fascismo. Fulmine era um talo-americano que no

    resolvia seus problemas com a inteligncia, sempre partia para a agresso fsica, sendo

    comum que suas agresses recassem sobre as minorias desprezadas pelo nazi-fascismo.

    Figura 10 MAUS Meu Pai Sangra Histria (fonte: www.google.com.br)

    Figura 11 MAUS E aqui meus problemas comearam (fonte: www.google.com.br)

  • No entanto, as questes ideolgicas das HQ se refletem em vrios tipos de revistinhas

    e em vrios estilos de narrativas seqenciais, em Little Orphan Annie (Ana, a Pequena Orf)

    (fig. 13; p.15) de 1924, a personagem de Harold Gray protagoniza um melodrama, que

    segundo Leila Rantroia Iannone e Roberto Antonio Iannone, introduziu nos comics a

    ideologia poltica norte-americana. Isso, porque Annie uma criana pobre e abandonada que

    recebe a proteo de um milionrio que prefere manter-se no anonimato.

    A ideologia propagada, segundo os autores, de extrema direita porque enfatiza os

    ideais capitalistas de pujana econmica e de prosperidade, enquanto a filantropia do

    milionrio annimo simbolizaria a face bondosa do capitalismo.

    A ideologia nos quadrinhos, manifesta-se em todos os nveis. Em quadrinhos supostamente inocentes (Tio Patinhas, Brotoeja e Riquinho); em quadrinhos de aventuras tradicionais (Flash Gordon, Tarzan e Fantasma); em quadrinhos liberais (Ferdinando, Pogo, Mafalda) e em quadrinhos familiares (Pafncio e Marocas, Belinda e Alarico) etc. Contudo, possvel encontrar um quadrinho mais crtico um quadrinho produtivo: os poticos Little Nemo (McCay, 1905) e Krazy Kat (Herriman, 1911), os revolucionrios O Esprito (Eisner, 1940) Saga de Xam (Rollin & Devil, 1968) e Bianca (Crepax, 1969), o realismo barroco-fantstico de Arzach (Moebius, 1978) e fantstico-expressionista de Never-Where (Corben, 1978), o quadrinho cartunstico Zeferino (Henfil, 1972) e os quadrinhos semiticos do cubano Luis Veja, entre outros. (CIRNE, 1980, p. 190).

    At mesmo os filmes e quadrinhos de Walt Disney so alvos de crticas, segundo

    IANNONE e IANNONE (1994) os filmes e quadrinhos de Disney seriam parte de um

    processo de lavagem cerebral destinada a milhares de crianas e jovens ao redor do globo.

    Porque, implicitamente, nessas inocentes histrias a mensagem realmente vendida era o

    american way of life, repleto de lazeres e realizaes materiais, com o intento de difundir o

    capitalismo. Os autores consideram ainda a possibilidade de que alguns dos personagens de

    Figura 12 Juan Centella (fonte: www.google.com.br)

    Figura 13 Little Orphan Annie (fonte: www.google.com.br)

  • Disney possam inverter, propositadamente, valores e serem transmissores de maus exemplos,

    como o Pato Donald (Fig. 14; p.16), o inimigo nmero um do trabalho.

    A politizao das HQ ocorreu inclusive durante os anos de contracultura. Segundo

    CIRNE (1980), haviam comics que criticavam a prpria Indstria Cultural em que foram

    produzidos dentro da ideologia da contracultura em meados dos anos 70. Os mesmo gibis que

    MCCLOUD (2005) menciona que no conseguiam publicar suas histrias para o grande

    pblico devido poltica dos syndicates e que foram denominados como underground

    comics. Esse movimento acabou aderindo ao sistema ao fundar um syndicate que publicaria

    somente gibis undergound. CALAZANS (1998) cita o autor Alan Moore, foi o criador de

    obras anarquistas como V for Vendetta (V de Vingana) (fig. 16; p.17) e outras engajadas na

    causa ecolgica de movimentos como o Greenpeace ou o Partido Verde.

    CIRNE (1970) postula que os quadrinhos podem ter inmeras e variadas

    possibilidades de abordagem crtica, tais como:

    Figura 14 - Donald em Clula de Animao (fonte: www.google.com.br)

    Figura 15 - "Boneco" Tio Patinhas merchandise Disney (fonte: www.google.com.br)

    Figura 16 - V de Vingana (fonte: www.google.com.br)

  • O Fantasma racista? (fig. 17 e 18; p.17)

    Em que nvel filosfico-metafsico situam-se as preocupaes existenciais do

    co Snoopy? (fig. 20; p. 18)

    O Tarzan de Hogarth barroco?

    Recruta Zero antimilitarista? (fig. 19; p.18)

    Dentro dessa perspectiva construda por Moacy Cirne podemos acrescentar outras

    abordagens:

    Por que no existem patos pretos ou de outras cores em Patpolis?

    Por que alguns personagens de Disney cobrem o corpo com casacos, camisas,

    blusas e camisetas, mas no se do o trabalho de usar calas? E, no entanto, quando saem do

    banho enrolam uma toalha em torno da cintura?

    As polainas so indicativas de riqueza em Patpolis? J que Patinhas e Gasto

    as usam,

    Os sapatos so indicativos de pobreza ou inferioridade social? Pois os

    desonestos viles os usam?

    Os personagens que andam descalos podem ser cidados de outros nveis

    sociais?

    Figura 18 Fantasma, o rei dos pigmeus (fonte: www.google.com.br)

    Figura 17 Fantasma, o rei dos pigmeus (fonte: www.google.com.br)

  • Figura 19 - Recruta Zero (fonte: www.google.com.br)

    Figura 20 - Snoopy (fonte: www.google.com.br)

  • ESTADOS UNIDOS

    Para analisar esta nao que por anos lidera o mundo necessrio entender seu povo.

    Isso porque a formao ideolgica da civilizao estadunidense diferente dos demais povos,

    o que se reflete em seu famoso estilo de vida. FICHOU (1990, p. 7) afirma que a civilizao

    norte-americana no pode ser abordada da mesma maneira que se aborda a de outros pases.

    Em trs sculos, esse pas viu atriburem a ele um papel de modelo ou repossoir universal e

    inventou um sistema original ao forjar para si uma outra concepo de vida.

    No entanto devemos frisar que so inmeras as tentativas de explicaes para as bases

    ideolgicas da construo da concepo de vida norte-americana, uma delas a teoria de

    Potter sobre a abundncia (fig. 21; p.20). Sobre essa teoria Jean-Pierre Fichou postula o

    seguinte:

    Para Potter, a abundncia sustenta o conjunto das atitudes sociais e sem ela a civilizao americana ter-se-ia enveredado por caminhos bem diferentes. Ela pega o conjunto das condies sociais e contribui de modo decisivo para a formao da cultura e do carter americano. No se saberia construir todo o alicerce cultural sobre este dado sem precis-lo um pouco. Por abundncia preciso entender riquezas naturais mas tambm valorizao dessas riquezas (indstria, comrcio, inventividade, publicidade, consumo) e riqueza em homens. (FICHOU, 1990, p. 27).

    At mesmo a noo de igualitarismo possui uma verso genuinamente americana, a

    igualdade de oportunidades.

    Se dermos palavra igualitarismo seu sentido americano, isto , o de igualdade de oportunidades, a abundncia torna-se estimulante: H sempre novas conquistas, e os melhores servir-se-o primeiro. A igualdade das oportunidades seria apenas um artifcio se no tivesse nada a compartilhar. Os pioneiros que em Oklahoma lanavam-se em uma louca corrida cujo vencedor pegaria as melhores terras ilustram bem esse igualitarismo, esse otimismo exacerbado pela abundncia; eles corriam pois tinham tantas chances de sucesso quanto seus vizinhos. (FICHOU, 1990, p. 28).

    A partir desse panorama percebe-se que a civilizao norte-americana teve na

    competio e na abundncia sua maior inspirao para a propagao de outros ideais como,

    por exemplo, a liberdade. Sobre essa ltima, Quesada afirma que o capitalismo liberal12

    descontextualiza seu sentido semntico resumindo-se liberdade de comrcio13 de

    mercadorias e bens.

    12 Sobre esse assunto ver A Riqueza das Naes de Adam Smith. 13 Na definio de Featherstone (1995; p. 119), freedom of commercial speech.

  • Para o liberalismo, liberdade se resume liberdade de comerciar. Liberdade de palavra e de escolha remetem ento ao registro econmico. No qual seu registro semntico se reduz. Assim, liberdade de palavra significa a liberdade de fazer publicidade; e liberdade de escolher, a de exercer a prpria escolha entre todos os produtos de que fala a publicidade. (QUESADA, 2003, p.25)

    Os ataques liberdade em seu sentido estadunidense, so interpretados como aes

    de inspiraes marxistas cujo objetivo minar a livre iniciativa e constitui um ataque

    liberdade de palavra e liberdade de escolha (QUESADA, 2003, p.27).

    As diferenas de pensamento no param por a, segundo FICHOU (1990) os Estados

    Unidos no deveriam exportar suas riquezas para ajudar outros pases menos favorecidos, e

    sim a capacidade e a habilidade de valorizar tal riqueza14. FICHOU (1990) vai alm ao dizer

    que tais povos pobres, menos favorecidos ou menos inclinados na frutificao de seus

    prprios recursos no podem se assemelhar aos americanos. E quando o nvel de vida de uma

    nao chega perto ao nvel americano, a civilizao dos Estados Unidos alinha-se um pouco

    mais frente.

    Segundo as consideraes de Joseph Nye Jr., o poder norte-americano se estende por

    diversas reas, dentre as quais a economia estadunidense, que possui papel decisivo e

    influente no mundo inteiro.

    Nenhuma outra nao se elevou to acima das outras. Nas palavras da revista The Economist, os Estados Unidos assomam como um colosso no mundo. Dominam a indstria, o comrcio e as comunicaes; sua economia a mais bem-sucedida do planeta, seu poderio militar no conhece rival (...). (NYE JR, 2002; p.25).

    14 Premissa bsica da Aliana Internacional para o Progresso (ALIPRO) ensinar a pescar ao invs de dar o peixe.

    Figura 21 - O princpio da abundncia em Tio Patinhas (fonte: www.google.com.br)

  • A fonte de tal poderio, com o qual os EUA despontaram como potncia mundial se

    deve a economia forte, liderana e estabilidade poltica. Por essa razo:

    Fala-se muito no quanto os Estados Unidos se tornaram poderosos nos ltimos anos, mas que significa o poder? Em termos simples, a capacidade de obter os resultados e, se necessrio, mudar o comportamento dos outros para obt-los. (NYE JR, 2002; p.30).

    Para o autor o poder divide-se em hard (economia, fora militar) e soft (cultura,

    ideologia) considera que a exportao cultural atua como uma ferramenta do soft power15. A

    poltica do soft power d-se por meio da seduo do mundo para que a dominao e,

    conseqentemente, as relaes hegemnicas, sejam aceitas naturalmente e, assim, no existam

    manifestaes de cunho contestatrio.

    Ele coopta as pessoas em vez de coagi-las. O poder brando se afirma na capacidade de definir a agenda poltica para formar as preferncias dos demais. No mbito pessoal, os pais habilidosos sabem que, se criarem os filhos com as convices e os valores certos, seu poder sobre eles ser maior e mais duradouro do que se confiarem unicamente nas palmadas, nos cortes de mesada e em tirar-lhes a chave do carro. Do mesmo modo, h muito que os lderes e pensadores polticos como Antnio Gramsci compreenderam o poder que procede de definir a pauta e determinar o arcabouo de um debate. A capacidade de estabelecer as preferncias tende a se associar a recursos de poder intangveis como uma cultura, uma ideologia e instituies atraentes. Se eu conseguir leva-lo a querer fazer o que eu quero, no precisarei obrig-lo a fazer o que voc no quer. Se os Estados Unidos representarem valores que os outros queiram adotar, a liderana nos custar menos. O poder brando no simplesmente sinnimo de influncia, embora seja uma fonte de influncia. Afinal, eu tambm posso influenci-lo com ameaas e recompensas. Por outro lado, o poder brando mais que persuaso ou que a capacidade de mover as pessoas pela argumentao. a capacidade de seduzir e atrair. E a atrao geralmente leva aquiescncia e imitao. (NYE JR, 2002, p.36-37).

    Portanto, a melhor poltica para a imagem dos EUA a do soft power com o intuito de

    evitar aes de carter belicoso ou diplomacia agressiva (sanes econmicas) para impor seu

    domnio ou idias porque seriam minimizadas posies contrrias nos pases estrangeiros.

    A interveno e a presena dos EUA no estrangeiro dominaram e configuraram o mundo desde o final da Segunda Guerra Mundial. Instituies de Estado to sagradas quanto s fronteiras externas e at governos foram invenes dos Estados Unidos; muitas das tenses atuais entre os EUA e outros pases tm sua origem em operaes secretas da CIA ou operaes militares abertas executadas com fins polticos nos ltimos 25 ou 50 anos. Mas a indesejada influncia americana em outros pases e a conseqente desforra no comeam e terminam com espies e msseis. Tambm se estendem s estrelas de cinema e aos hambrgueres. (SCOWEN, 2003, p.197).

    15 Luiz Antonio Oliveira de Arajo, tradutor no Brasil da obra de Joseph Nye Jr., traduziu o termo soft power como poder brando.

  • SCOWEN (2003) considera que a onipresena de grifes, filmes, msica e televiso

    americanos vem sendo h muito tempo motivo de oposio em pases estrangeiros, criando

    uma tenso que, s vezes, desdenhada pelos americanos como inveja ou como tribalismo.

    Sendo assim, os comics, alm de assumir uma funo no campo do entretenimento,

    tambm podem executar uma funo propagandsdica. Conforme Nye Jr., a propaganda

    constitui uma das fontes do poder americano. (fig.22; p. 22)

    interessante observar que a atuao dos syndicates muito ligada poltica interna/externa dos EUA durante a I Guerra Mundial, quando o pas no teve participao direta, as HQs no desenvolveram temas de guerra. Por outro lado, durante a crise de 1930, as HQ tambm no se manifestaram, pois, certamente nenhum cidado norte-americano gostaria de ver sua m situao em HQ. Porm os syndicates acionaram os desenhistas para a criao de novos ttulos, ou adaptaes aos j existentes, com relao II Grande Guerra. (FURLAN, 1984, p. 30-31).

    Para concluir, o poder propagandstico dos Estados Unidos quando analisado pelo vis

    dos syndicates, exatamente explicado por TARSITANO (1998) que considera a propaganda

    como a arte da persuaso, da transformao de opinies, de atitudes que leva o receptor a uma

    ao previamente desejada pelo emissor persuasor.

    Figura 22 - Publicidade pr-EUA veiculada durante a II Guerra Mundial (fonte: www.google.com.br)

  • GUERRA FRIA

    Aps a Segunda Guerra Mundial o mundo configurou-se em dois blocos distintos:

    capitalistas e socialistas.

    Esse perodo histrico recebeu tal designao por no envolver um conflito direto

    entre os Estados Unidos e Unio Sovitica, a disputa entre os dois pases era pela liderana

    mundial e se dava, principalmente, no campo ideolgico. Por esse motivo, aps o trmino da

    Segunda Guerra Mundial (fig. 23; p.23) as alianas com outros pases poderiam desencadear

    em novas zonas de influncia.

    Embora as origens das tenses Oriente-Ocidente conhecidas como Guerra Fria retroajam ao tempo da Revoluo Bolchevista, as antipatias russo-americanas assumiram uma sinistra direo no rescaldo da II Guerra Mundial na melhor das hipteses, a Grande Aliana entre Estados Unidos, Gr-Bretanha e URSS fora um casamento de convenincia. Enfrentando um inimigo comum, os trs grandes trabalharam em harmonia relativa enquanto durou a guerra. Aproximando-se a vitria, no entanto, tornou-se clara a fragilidade da unidade Aliada. (SELLERS, MAY e MC MILLEN, 1985, p. 363).

    Em julho de 1945, logo aps a rendio alem, Truman, Stlin e Churchill reuniram-se

    em Potsdam (fig 24; p.24), Alemanha. Uma das resolues dessa conferncia foi dar um

    ultimato ao Japo e concordaram em desmilitarizar a Alemanha, alm de submeter a

    julgamento os criminosos de guerra nazistas. Mas as discordncias tornaram-se evidentes e a

    reunio no avanou em outros aspectos como o futuro da Alemanha e Europa Oriental.

    Foram reafirmados os acordos da reunio anterior (Conferncia Ialta) (fig. 25; p. 24) e as

    decises foram adiadas para futuras conferncias de seus ministros do exterior.

    Figura 23 - Bandeira da URSS ao vento sobre os escombros do Reichstag. (fonte: www.google.com.br)

  • Quando a Conferncia de Potsdam terminou, o presidente norte-americano estava

    convencido que os soviticos de Stlin estavam planejando conquistar o mundo. Contudo, a

    preocupao com a URSS deu lugar animao quando os testes com a Bomba Atmica no

    deserto de Nevada foram bem sucedidos. Esperava-se que a arma apressaria a derrota do

    Japo e porque Truman ento teria uma arma poderosssima para enfrentar Stlin. Por esse

    motivo, os aliados de guerra de outrora se tornavam adversrios no ps-guerra.

    STOESSINGER (1975) considera que as tenses geradas pela luta entre o Oriente e o

    Ocidente pairavam sobre o mundo como uma sombria onipresena, at tornarem-se parte do

    cotidiano global de tal maneira que a populao mundial passou a aceit-las como algo

    normal no campo das relaes internacionais. No entanto, as implicaes desse conflito eram

    bvias para todos, mas suas causas no eram simples.

    Seria tentador explicar a gnese da luta entre o Oriente e o Ocidente apenas em termos do zelo expansionista da ideologia comunista. Na verdade, pode-se elaborar uma defesa bastante boa dessa tese. O marxismo, com sua predio de que os expropriados expropriariam os expropriadores em escala internacional, tinha na revoluo mundial seu objetivo supremo. O leninismo produziu uma rede de partidos comunistas o comitern para dar um empurro na Histria e apressar o dia da vitria comunista. Esta agressividade inerente ideologia comunista, emanando da Unio Sovitica, que sua cidadela e centro diretor, provocou contramedidas defensivas no Ocidente. Estas, por sua vez, geraram na Unio Sovitica suspeitas de um cerco capitalista. Suspeita gerou suspeita, o que levou o Oriente e o Ocidente a entrarem num crculo vicioso. E, desse modo, iniciou-se a luta entre o Leste e o Oeste. (STOESSINGER, 1975, p. 61-62).

    Essa conquista do mundo pela URSS se daria a partir da expanso da ideologia

    comunista pela Europa Ocidental pelos tradicionais partidos comunistas ingls, francs e

    Figura 24 - Foto oficial da Conferncia de Potsdam. (fonte: www.google.com.br)

    Figura 25 - Conferncia de Ialta. (fonte: www.google.com.br)

  • italiano. O presidente Truman temia que a sovietizao da Europa Oriental16 resultasse no

    avano sovitico rumo ao oeste que se daria principalmente devido aos abalos sofridos na

    Segunda Guerra Mundial contra as economias da Europa Ocidental. Em 1947, o governo

    norte-americano chegaria derradeira concluso: apenas uma poltica de jogo bruto poderia

    deter a crescente mar vermelha.

    Truman era tido pela opinio pblica estadunidense como um presidente

    despreparado. Mas suas aes fizeram com que a opinio pblica o tivesse como um chefe de

    governo bem-informado, trabalhador e convicto de seus princpios. E que quando era

    confrontado com perigosas decises tomou-as todas com coragem e relativa inteligncia. Sem

    que houvesse danos integridade do territrio dos Estados Unidos ou que afetassem

    negativamente sua influncia nos pases da OTAN17 (fig. 26; p.25)

    O presidente Truman destacou-se por preocupar-se, com a luta pelo poder que se

    desenvolvia entre russos e norte-americanos. Conforme o tempo passava a tenso entre os

    pases e a rivalidade assumiu dimenses globais.

    Nesse perodo, o foco da rivalidade EUA X URSS estava concentrado na Europa

    Ocidental e Central, onde os norte-americanos depositavam suas esperanas em um mundo

    democrtico e capitalista. Embora, as esperanas dos Estados Unidos esbarravam com as

    necessidades por segurana dos soviticos18. No entanto, a vantagem nessa regio estava com

    o governo do Kremlin. Porque em decorrncia das ofensivas lanadas durante a Segunda

    16 Esse avano vermelho se daria principalmente atravs dos Partidos Comunistas tradicionais da Europa, como: Partido Comunista Alemo (PCA), Partido Comunista da Frana (PCF), Partido Comunista da Itlia e Partido Comunista Ingls (English Commmunist Party). 17 Os nomes oficiais da OTAN so North Atlantic Treaty Organization (NATO) ou Organisation du Trait de lAtlantique Nord (OTAN). 18 Em oposio OTAN, a Unio Sovitica criou o Pacto de Varsvia. Os pases membros eram URSS, Alemanha Oriental, Bulgria, Hungria, Polnia, Tchecoslovquia e Romnia.

    Figura 26 - Bandeira oficial da OTAN. (fonte: www.google.com.br)

  • Guerra Mundial, as tropas vermelhas j ocupavam essas reas e podiam outorgar a formao

    de governos favorveis s suas polticas nos pases libertados dos nazistas.

    Dado o choque de ideologias e o perigoso vcuo criado pelo colapso das naes do Eixo, era talvez inevitvel o conflito entre as duas potncias mundiais sobreviventes. Atuavam ambas no clima instvel de medo e desconfiana, prisioneiras ambas de suas prprias maneiras inflexveis de enfrentar a realidade e de uma retrica simplista. Mas nenhum dos dois lados compreendia os motivos de preocupaes do outro. Com rapidez excessiva, Estados Unidos e URSS abandonaram a diplomacia, trocando-a por declaraes bombsticas e pela confrontao. (SELLERS, MAY e MC MILLEN, 1985, p. 365).

    Em uma tentativa de desviar a opinio pblica da disputa com a URSS, as indstrias

    norte-americanas aliaram-se publicidade e tornaram palpvel o american way of life. Era o

    boom automotivo que se iniciaria com a fabricao de carros imortalizados por suas linhas

    futuristas, rabos de peixe, rdios, vidros eltricos e ar-condicionado (fig. 27 e 28; p. 26). O

    carro era o smbolo de status na poca, e o cidado ao comprar um carro genuinamente

    americano ajudaria as indstrias a crescerem e faziam com que a economia norte-americana

    se fortalecesse cada vez mais.

    A mdia de massa serve como um sistema para comunicar mensagens e smbolos populao em geral. A funo dessas mensagens e smbolos divertir, entreter, informar e incutir nas pessoas os valores, credos e cdigos de comportamento que as integraro s estruturas institucionais da sociedade maior. O cumprimento desse papel, em um mundo de m distribuio de renda e de importantes conflitos de interesse de classes, requer uma propaganda sistemtica. (HERMAN e CHOMSKY, 2003, p. 61-62).

    Com o passar do tempo, a fragilidade das relaes diplomticas manifestada em

    Potsdam deu lugar rivalidade mais acirrada entre Estados Unidos e URSS. Guiados pelo

    Figura 27 - Anncio da Buick. (fonte: www.google.com.br)

    Figura 28 - Anncio da Caddilac. (fonte: www.google.com.br)

  • conflito ideolgico, ambos os pases proporcionaram episdios no menos famosos na Guerra

    Fria, tais como: a Corrida Armamentista e a Corrida Espacial.

    A Corrida Armamentista iniciou-se devido iminncia de um conflito armado entre as

    duas potncias. Por esse motivo, ambos os pases desenvolveram bombas atmicas, bombas

    de hidrognio, msseis nucleares e outras armas.

    J a Corrida Espacial, foi motivada pelo exibicionismo e pela competio pela

    conquista do espao sideral. Nesse perodo, a Unio Sovitica foi pioneira ao lanar o

    Sputnik19, a cadelinha Laika20 (fig. 30 p.27), o cosmonauta Yuri Gagrin21 (fig. 29;p.27) e a

    MIR22 (fig.31; p.28). No entanto, os EUA enviaram a primeira misso espacial com destino

    Lua (fig.32;p.29) em um ato considerado insano por muitos polticos da poca.

    19 Primeiro satlite artificial lanado rbita da Terra. 20 Primeiro ser-vivo enviado ao espao sideral. 21 Primeiro homem lanado rbita do planeta. 22 Primeira Estao Orbital Espacial

    Figura 29 - Yuri Gagrin. (fonte: www.google.com.br)

    Figura 30 - Cadela "Laika". (fonte: www.google.com.br)

  • Contudo, a tenso entre as duas potncias chegou ao clmax no evento conhecido

    como a Crise dos Msseis (fig. 33; p.29) em Cuba. Devido a um acordo poltico firmado entre

    o governo cubano e o Kremlin, Cuba receberia ajuda econmica e, em troca, a Unio

    Sovitica instalaria os msseis de longo alcance com capacidade para transporte de ogivas

    nucleares na ilha.

    Alm do fato de Cuba estar politicamente alinhada com os soviticos, a presena dos

    msseis em territrio cubano colocava em risco a integridade do solo norte-americano.

    Durante esse perodo, as relaes entre Estados Unidos e Unio Sovitica abalaram-se e todo

    o cuidado era necessrio para que no fosse deflagrado um conflito real.

    Figura 31 - Estao Espacial MIR. (fonte: www.google.com.br)

  • Quando contornada a Crise dos Msseis as relaes entre EUA e Unio Sovitica se

    tornaram amistosas, porm com pequenas recadas. Ou seja, ambos coexistiam aparentemente

    de maneira pacfica, mas declaraes mais srias dos lderes de governo soavam como

    provocaes pessoais ou ideolgicas. Durante esse perodo, em uma reunio realizada em

    Berlim Oriental para assinatura de compromissos diplomticos, o presidente Ronald Reagan

    desafiou o lder Mikhail Gorbatchov. A provocao consistia na demolio total do Muro de

    Berlim e a reabertura do Porto de Brademburgo.

    Poucos anos depois caa o Muro da Vergonha, que segundo alguns analistas polticos

    simbolizava a queda do comunismo e assinalaria o fim da Unio Sovitica.

    Figura 32 Foto da misso norte-americana lua. (fonte: www.google.com.br)

  • Figura 33 Sensoriamento remoto feito em Cuba pelos EUA para identificar o local onde os msseis soviticos foram instalados.

    (fonte: www.google.com.br)

    Figura 34 - Queda do Muro de Berlim. Ao fundo o Porto de Brademburgo. (fonte: www.google.com.br)

  • DESCRIO E ANLISE DOS DADOS

    As HQ observadas foram classificadas em sete categorias a partir da temtica

    predominante na HQ conforme a leitura realizada de cada exemplar. So elas: Viagens pelo

    Mundo (27,7%), Relaes Familiares (16,6%), Caa ao Tesouro (11,1%), Relaes de

    Trabalho (11,1%), Ataques Fortuna do Tio Patinhas (22,2%), Tentativas de Roubos

    Nmero Um (5,5%) e

    Cotidiano (5,5%).

    Nas histrias

    classificadas como Viagens

    pelo Mundo, percebeu-se que

    a ida de Patinhas ao exterior

    motivada pelo lucro, a

    alguma dvida de um passado

    distante, para a explorao de algum recurso mineral/energtico ou para, simplesmente,

    esconder seu dinheiro dos Irmos Metralha. Nessa categoria, quando h a ocorrncia de

    encontro com os indivduos que habitam o local visitado, os cidados estrangeiros so

    retratados como preguiosos, acomodados, inferiores ou desonestos.

    Nas histrias classificadas como Relaes Familiares, foi percebido que Tio Patinhas

    sempre tenta levar vantagens sobre seus parentes ou expe Donald a situaes

    constrangedoras e este sempre submete-se sem nada questionar.

    Nas histrias classificadas como Caa ao Tesouro, percebe-se que Patinhas convoca

    Donald e seus sobrinhos e no mede esforos para obter o tesouro. Ocorre explorao tanto de

    parentes, quanto de nativos.

    As histrias classificadas como ataques fortuna do Tio Patinhas so curiosas, porque

    envolvem um complicadssimo sistema de alarme que falha ou aparelhos complicados de alto

    custo utilizados pelos Metralhas. A curiosidade est no fato de esses bandidos serem pobres e

    tentarem assaltar a caixa-forte para serem ricos, mas nunca se menciona de onde vem o

    dinheiro para compra dos equipamentos utilizados no roubo.

    CLASSIFICAO QUANTIDADE Viagens pelo Mundo 5 Relaes Familiares 3

    Caa ao Tesouro 2 Relaes de Trabalho 2

    Ataques Fortuna do Tio Patinhas 4 Tentativas de Roubos Nmero Um 1

    Cotidiano 1 TOTAL: 18

    Tabela 1 - Categorias das HQ

  • Tambm foram criadas 6 subcategorias a partir dos assuntos abordados pelas HQ, mas

    que no eram as temticas eixo dos comics. So elas: a mulher, armas, trabalho infantil, lucro,

    desonestidades e matrizes energticas ecologicamente corretas.

    Como pode ser comprovado atravs da Tabela Subcategorias, a representao

    desfavorvel da mulher e sua posio na sociedade aparecem em dois comics analisados,

    sendo correspondente a 11,1% do corpo de pesquisa. Por sua vez, o uso indiscriminado de

    armas dentro de casa ou escritrio aparece em trs comics analisados, totalizando 16,6% do

    corpo de pesquisa.

    A Mulher Armas Trab.

    Infantil Lucro Desonesti

    dades

    Matrizes Energti

    cas Ecologicamente

    Corretas

    TOTAL

    Viagens pelo

    Mundo 1 1 1 6

    Relaes Familiar

    es 3 1 4

    Caa ao Tesouro

    1 2 2 5

    Relaes de

    Trabalho

    1 2 1 4

    Ataques

    Fortuna do Tio

    Patinhas

    2 1 2 1 7

    Tentativas de

    Roubos

    Nmero Um

    1 1

    Cotidiano

    1 1

    TOTAL 2 3 2 11 4 2 28

    Tabela 2 - Subcategorias das HQ

  • As questes de trabalho infantil aparecem em duas histrias analisadas, totalizando

    11,1% da amostra. J, as manifestaes explcitas de lucro aparecem em 11 comics, sendo

    correspondente a 61,1% do conjunto analisado.

    No entanto, um dado deve ser ressaltado, a prtica de desonestidades aparece em

    quatro revistas ou 22,2% do corpo de pesquisa. Ou seja, correspondendo a pouco mais de um

    quarto da amostragem de uma publicao que tem como pblico-alvo as crianas. J, o uso de

    matrizes energticas ecologicamente corretas aparece em duas histrias, correspondendo a um

    total de 11,1% do conjunto analisado. Aqui devemos ressaltar que o desfecho de tais histrias

    catastrfico, porque a energia ecologicamente correta no funciona bem ou gera algum tipo

    de problema, ocasionando a volta aos combustveis fsseis ou poluentes.

    O motivo da elaborao da Tabela 2 de subcategorias e da diferena no total obtido se

    deve ao fato de que assuntos diferentes so abordados em uma mesma HQ.

    A seguir seguem alguns dos dados coletados atravs das anlises realizadas.

    A MULHER

    Em TIO PATINHAS n 200 de 1982 em Em Busca do Ouro, Tio Patinhas vtima

    de estresse alto, como conseqncia ele tem lapsos de memria. Ao consultar um mdico,

    Patinhas inicia um tratamento com plulas que lhe do uma memria afiadssima, por conta

    disso, o velho pato se lembra de uma dvida do passado que uma danarina de saloon do

    Klondike que devido aos juros e correo monetria chega a um bilho. A danarina, Dora

    Cintilante a nica mulher retratada na histria que roubara uma pepita de ouro de Patinhas

    no passado. Seu comportamento cleptomanaco chega ao extremo dela precisar drogar os

    garimpeiros para roub-los. Quando Tio Patinhas recupera a pepita de ouro roubada as demais

    pepitas que ele trazia consigo sumiram, por essa razo ele obriga Dora Cintilante assinar uma

    nota promissria e a seqestra para que ela trabalhe em seu garimpo a cinqenta centavos por

    dia.

    Nesse cenrio a representao da mulher se caracteriza por uma conduta desonesta e

    guiada, nica e exclusivamente, pelos interesses pessoais.

    A representao da mulher se faz presente na histria Tio Patinhas e a Panela

    Automtica, quando o pato milionrio questiona o pssimo desempenho das vendas de suas

  • panelas. Os patinhos Huguinho, Zezinho e Luisinho sugerem que ele precisa do auxlio de um

    especialista em panelas, a Margarida. (fig. 35;p.34)

    Mas, percebe-se que Donald tambm cozinha isso se deve ao fato de Donald no ser

    casado. Por isso, nota-se que a mulher retratada como uma aplicada dona de casa que deve

    conhecer os avanos da tecnologia domstica, porque Margarida ao ver as panelas antiquadas

    de Patinhas sugere-lhe que mude o material de fabricao para ligas metlicas especiais anti-

    aderentes.

    ARMAS

    Sabe-se que nos Estados Unidos a compra de armas e munies regulada por leis

    rgidas23 como no Brasil, embora o acesso s armas seja razoavelmente facilitado. Na revista

    Pato Donald n 79 de 1953 em Nadando em Dinheiro (fig.38;p. 36) Tio Patinhas transfere

    toda sua fortuna para uma represa devido a uma suspeita construo ao lado de sua caixa-

    forte. As suspeitas de Patinhas sobre a construo eram corretas, os Metralhas estavam

    23 Sobre esse assunto ver Tiros em Columbine, documentrio de Michael Moore.

    Figura 35 Trecho de A Panela Automtica

  • planejando um assalto. Na histria Patinhas demonstra a paixo americana pelas armas

    quando mata uma traa (o mesmo ocorre em TIO PATINHAS N 309 de 1991.) em seu

    escritrio com um tiro de espingarda (fig. 36; p. 35). Sua paixo vai mais longe ainda, porque

    ele cerca uma represa com minas terrestres, ataca os Metralhas com um canho e quando os

    Metralhas tentam ataca-lo com bombas de Napalm (fig. 39;p.37) e pssaros adestrados.

    Quando ocorre o ataque com napalm, um dos sobrinhos avisa: A vem algumas (aves) com

    bombas de napalm! Patinhas habilmente o reverte pois conhece a lngua dos cormores e

    afirma: Eu mandei!.

    Em O Antifurto Psquico (TIO PATINHAS N 303 de 1990), quando o novo e

    complicadssimo sistema de alarmes no funciona Patinhas reclama: antifurto alternativo!

    Bah! Prefiro o mais tradicional dos sistemas defensivos! O fiel trabuco nunca me traiu! (fig.

    37; p. 36).

    Figura 36 - Trecho "Dia de Milionrio"

  • Figura 37 - Trecho de O Antifurto Psquico

    Figura 38 Trecho de Nadando em Dinheiro

  • Figura 39 Trecho de Nadando em Dinheiro

  • TRABALHO INFANTIL

    Como ocorre em Em Busca do Ouro quando, para tentar reaver integralmente o

    valor da dvida a que se props a cobrar, Patinhas solicita os servios de Donald e de seus

    sobrinhos (crianas) a vinte e trs centavos por hora. Se calcularmos esse valor em uma

    jornada de trabalho de oito horas o resultado de $ 1,84 por dia e, aproximadamente $ 55,20

    por ms.

    E, em Nadando em Dinheiro quando para fortificar a represa, Patinhas solicita os

    servios de Donald que aceita o trabalho sem a formalizao de um contrato legal de trabalho

    e se sujeita, juntamente com seus sobrinhos (crianas) a um salrio de trinta centavos por

    hora. Se calcularmos os trinta centavos por hora em uma jornada de trabalho de oito horas o

    resultado de $ 2,40 por dia e, aproximadamente $ 72,00 por ms. (fig. 40; p.38)

    Figura 40 Trecho de Nadando em Dinheiro

  • DESONESTIDADES

    Na histria Em Busca do Ouro Patinhas reencontra Dora Cintilante em seu antigo

    lote de garimpo de ouro, embora no possa nem acionar as autoridades para que a invasora

    seja expulsa, pois trapaceara com o pagamento das taxas territoriais para economizar. (fig.

    41; p.39) J em O Segredo de Atlntida Patinhas torna uma moeda como em a mais valiosa

    do mundo. A faanha foi possvel porque ele conseguiu todas as moedas que ele procurava,

    ficou com apenas uma e as outras ele jogou ao mar. Nessa histria, a prtica de roubo a

    ocorrncia desonesta. Em um determinado momento da histria os cidados de Atlntida se

    rendem msica tocada em vitrolas encontradas pelos sobrinhos. Como elas funcionam com

    moedas, os patinhos, sem que os nativos percebam retiram uma pequena quantidade da

    mquina e fogem.

    Figura 41- Trecho de Em Busca do Ouro

  • LUCROS

    Como acontece na revista Tio Patinhas n 284 de 1989 em A Maldio dos Mil

    Cruzeiros, Tio Patinhas sofre com uma maldio que lhe foi jogada por um mercador de arte

    rabe, o feitio se manifesta a cada dez anos, fazendo com que ele fique com a necessidade de

    distribuir mil cruzados a cada pessoa que v. Para se libertar da maldio, Patinhas deve pagar

    mil cruzados ao mercador por uma diferena de um lance dado em um leilo, para isso o pato

    milionrio e seus sobrinhos viajam at Dagb para encontrar o mercador. No entanto, o rabe

    quer ser ressarcido com juros, correes monetrias alm de outras taxas absurdas, totalizando

    um milho de cruzados, Patinhas se nega a pagar e apela para uma bruxa que retira-lhe a

    maldio e a coloca no mercador rabe por cento e cinqenta cruzados. (fig. 42; p.41)

    A cidade representada na histria , claramente, a capital iraquiana Bagd, que poucos

    anos depois seria invadida pelos Estados Unidos quando Saddam Hussein invadiu o Kuwait,

    era deflagrada a Guerra do Golfo onde o presidente George Bush tentaria derrubar o governo

    iraquiano. Com a queda do Muro de Berlim em 1989 e com o desmantelamento da URSS

    devido s polticas de abertura poltica e reestruturao econmica intensificadas por Mikhail

    Gorbatchov, as disputas por zonas de influncia com o governo de Moscou cessaram. Ento,

    os Estados Unidos voltaram seu olhar para novas zonas de influncia e a regio escolhida foi

    o Oriente Mdio para isso aconteceram alianas com pases como Arbia Saudita, Jordnia e

    o prprio Kuwait.

    Na mesma revista, mais especificamente na histria Tudo por um Diamante, a

    cidade de Patpolis receber a visita do Maraj do Granasto que ir inaugurar uma esttua de

    ouro de um galo do tempo. Patinhas e o Maraj so amigos desde que o pato mais rico do

    mundo comprou uma mina de diamantes no Granasto.

    No entanto, com a chegada eminente do Maraj a cidade, Patinhas quer retribuir o

    presente cidade. Para isso, o milionrio quer presente-lo com um diamante do Granasto,

    mas em troca espera que o Maraj lhe conceda mais uma licena de minerao. (fig. 43; p. 42)

    Percebe-se que pelo ttulo de Maraj e pelo nome do pas Granasto, a histria faz

    meno a um pas hbrido de rabes e indianos. Como tal pas com essas caractersticas no

    existe, buscou-se em mapas qual pas, que a partir de sua localizao geogrfica, fica perto da

    ndia e que rabe. Pode se tratar, seguindo o contexto da poca, o Afeganisto. Nessa

  • poca, em 1989 houve a retirada dos exrcitos soviticos, aps a invaso prolongada e a

    derrota da URSS para a resistncia afeg24

    24 Sobre esse assunto ver o filme Rambo III, onde representado o esteretipo do mocinho norte-americano veterano de outras guerras libertar um povo massacrado pela opresso estrangeira. Contudo, Rambo luta ao lado da resistncia afeg (Os Cavaleiros da Liberdade), ou seja, dos Talibs.

    Figura 42 Trecho de A Maldio dos Mil Cruzeiros

  • Figura 43 Trecho de Tudo Por Um Diamante

  • MATRIZES ENERGTICAS

    Na revista Tio Patinhas n 284 de 1989 em Tio Patinhas e a Panela Automtica

    Patinhas tem problemas de venda com suas panelas que possuem um aspecto antiquado e so

    fabricadas com materiais obsoletos. Ento, o pato mais rico do mundo, com a ajuda do

    Professor Pardal, lana no mercado uma panela que cozinha os alimentos a partir da captura

    de luz de qualquer lmpada e a transforma em calor o sucesso da panela imediato graas

    economia de gs.

    No entanto, a histria no acaba bem para essa fonte de energia alternativa. Pardal

    causa diversos blecautes em Patpolis devido ao uso de uma enorme centrfuga, o prefeito e a

    populao culpam a panela de Patinhas pelas sucessivas falhas de fornecimento eltrico.

    Devido ao grande nmero de casas com panelas que supostamente ao serem ligadas em um

    horrio em comum gerariam os apages.

    No fim da histria o leitor deduz que a fonte de energia alternativa da panela deixada

    de lado para o retorno ao gs de cozinha (GLP, gs liquefeito de petrleo), que um

    combustvel obtido no refino de petrleo e que, portanto, trata-se de uma fonte de energia

    fssil e no renovvel.

    Em 1989, a pauta mundial voltava-se para temas ecolgicos como, por exemplo, o

    combate ao CFC, elemento introduzido em refrigeradores, aparelhos de ar-condicionado e

    recipientes de aerosol. Havia, portanto, a preocupao com a camada de oznio e,

    conseqentemente, com a emisso de poluentes na atmosfera. Com isso, j se buscavam

    alternativas para as fontes de energia poluentes no-renovveis.

    E em Almanaque Disney n 233 de 1990, em Tio Patinhas e os Painis Solares,

    Donald torna-se autnomo em energia ao utilizar a energia solar, Patinhas ao notar que

    poderia economizar uma grande quantia em dinheiro tornando-se autnomo porque

    dispensaria o carregamento anual de combustvel. Por isso, instala painis solares em sua

    caixa-forte e graas a um sistema de engrenagens Patinhas pode virar o cofre onde estiver os

    raios de sol, otimizando seu consumo e lhe propiciando uma maior economia. Em uma sada

    de Patinhas para jantar na casa de Donald o sistema de engrenagens se vira contra o

    proprietrio em um assalto dos Metralhas caixa-forte. A histria acaba com a seguinte

    deduo do leitor: j que o sistema falhou Patinhas o abandonou e voltou ao combustvel

    fssil.

  • Nessa poca, os painis solares comeavam a aparecer na paisagem das cidades

    brasileiras. Apesar de custar muito caro para a poca, algumas pessoas investiam em painis

    que abasteceriam suficientemente suas casas tornando-as mais econmicas energeticamente

    ou, at mesmo, autnomas em energia. Portanto, pode-se dizer que era o incio da

    popularizao dos painis solares.

    Deve ser ressaltado que os Estados Unidos j se posicionavam contra o uso de fontes

    energticas ecologicamente corretas e, conseqentemente, favorveis ao uso de combustveis

    e matrizes energticas poluentes ou de origem fssil.

    Figura 44 Trecho de Os Painis Solares

  • CONSIDERAES FINAIS

    Atravs das anlises realizadas nas histrias em quadrinhos do Tio Patinhas, foi

    encontrada divulgao do estilo de vida americano, idias e opinies americanas. Alm disso,

    percebe-se que os assuntos da pauta internacional do perodo correspondente se fazem

    presentes nas HQ.

    importante frisar que a hiptese do trabalho, descrita anteriormente, foi confirmada.

    Sendo a hiptese algo verossmil, pode-se afirmar que as revistas do Tio Patinhas, durante a

    Guerra Fria e no perodo de desmantelamento da Unio Sovitica, tiveram as histrias em

    quadrinhos do Tio Patinhas politizadas. As revistas propagam o estilo de vida norte-

    americano, o que vai ao encontro da noo de soft power estadunidense. No entanto, atravs

    das pesquisas bibliogrficas percebeu-se politizao dos comics um fenmeno que ocorre

    desde a publicao de Yellow Kid. Ou seja, anterior Guerra Fria e Segunda Guerra

    Mundial. Nem s norte-americano.

    A ocorrncia da politizao das histrias em quadrinhos se deve a diversos motivos: o

    primeiro ridicularizar grupos sociais ou etnias (no caso de Yellow Kid os alvos eram

    imigrantes e asiticos); o segundo a politizao dos quadrinhos foi um recurso utilizado para a

    propagao das idias polticas dos Estados totalitrios (racismo), de grupos scio-polticos

    (Conspiracy Cappers o gibi dos Panteras Negras dos EUA), para denncias de genocdios

    ou abusos aos direitos humanos (refugiados timorenses).

    Especificamente no caso dos Estados Unidos a politizao foi mais explcita durante a

    II Guerra Mundial. Foi quando personagens como Capito Amrica, Flash Gordon, Batman e

    Robin, Capito Marvel e outros atuaram ao lado das tropas aliadas nas linhas de combate ou

    angariando fundos para guerra. Os norte-americanos souberam explorar de maneira sagaz a

    venda de quadrinhos, pois na compra de comics, o consumidor contribua para os fundos de

    guerra do governo.

    Por sua vez, no perodo analisado, v-se que enfatizado o estilo de vida, a riqueza, a

    opulncia do sistema simbolizada pelo imenso cifro na caixa-forte de Tio Patinhas.

    Os gibis possuem uma ampla penetrao na populao em geral, que se reflete no

    consumo desse tipo de produto. curioso notar que independentemente da faixa etria, ocorre

    a leitura de revistinhas em quadrinhos. Ou seja, pode-se afirmar que o pblico-alvo (crianas)

    atingido, mas o pblico consumidor tambm abrange os adolescentes, adultos e idosos.

  • Nas histrias do Tio Patinhas as ocorrncias de trabalho infantil, desonestidades,

    condies