as dimensÕes dos direitos fundamentais e seu perfil de evoluÇÃo

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Page 1: AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SEU PERFIL DE EVOLUÇÃO

AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SEU PERFIL DE

EVOLUÇÃO

Maria Thereza Tosta Camillo Pós-Graduanda em Direito Constitucional

Trabalho apresentado como exigência para a disciplina

Direitos Fundamentais.

1. INTRODUÇÃO

Os direitos fundamentais são dotados de historicidade, o que quer

dizer que o seu reconhecimento e positivação, ao longo do tempo, estão ligados a

aspectos sociais e históricos. O presente trabalho apresenta um estudo da evolução

dos aludidos direitos, com suas dimensões.

Com essa finalidade, será empreendida pesquisa bibliográfica, com

destaque para os textos-base da disciplina de Direitos Fundamentais, a fim de

oferecer um breve panorama sobre o tema.

O estudo encontra relevância diante da crescente constitucionalização

do direito, tendência na pós-modernidade, sendo o princípio da dignidade da

pessoa humana o novo centro axiológico da hermenêutica constitucional e da

atuação do Poder Judiciário no novo modelo de Estado Democrático de Direito,

pelo que o intérprete deve buscar compreender suas perspectivas de concretização

no atual contexto social.

2. AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SEU PERFIL DE

EVOLUÇÃO

Quem se propõe a estudar o tema percebe, de pronto, que há aspectos

históricos e sociais subjacentes aos direitos fundamentais, que têm evoluído desde

os primórdios até a contemporaneidade. Tais direitos têm importância

imensurável para garantir a ordem, a paz e a harmonia da vida em sociedade,

devendo para tal serem respeitados por todos, indistintamente.

Ao traçar-se o perfil evolutivo dos direitos fundamentais sob a

perspectiva histórica verifica-se, ainda, que sua essência reside no reconhecimento

e na proteção da dignidade da pessoa humana – e a preocupação com a limitação

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do poder do Estado1, pelo que as diversas fases na evolução dos direitos

fundamentais guardam, de certa forma, paralelismo com as fases de

desenvolvimento dos Estados.

Quanto à sua fundamentação ética, a evolução dos direitos

fundamentais também seguiu a evolução na esfera filosófica. Bastante útil é a

classificação de Klaus Stern, que destaca três fases da evolução dos direitos

fundamentais2:

“Sintetizando o devir histórico dos direitos fundamentais até seu

reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, K. Stern,

conhecido mestre de Colônia, destaca três etapas: 1. Uma pré-história,

que se estende até o século XVI. 2. Uma fase intermediária, que

corresponde ao período de elaboração da doutrina jusnaturalista e da

afirmação dos direitos naturais do homem. 3. A fase de

constitucionalização, iniciada em 1776, com as sucessivas declarações

de direito dos novos estados americanos”.

A classificação de Klaus Stern, no entanto, falha em estruturar

conjuntamente a evolução dos direitos humanos com os grandes movimentos

sociais e filosóficos ocorridos ao longo da História. Em consequência, surge a

necessidade de sua reconfiguração, o que levou os estudiosos a proporem uma

nova sistematização distribuída em três fases: a fase pré-histórica, a de afirmação

e a de constitucionalização3.

A primeira fase compreende a pré-modernidade estatal (antiguidade e

feudalismo) e se caracteriza pela tradição jusnaturalista, com suas teses de

liberdade e individualidade dos homens, bem como da ideia de que estes são

iguais em dignidade. A partir de tais premissas, já na Idade Média se desenvolveu

a ideia de “postulados de cunho suprapositivo que, por orientarem e limitarem o

poder, atuam como critérios de legitimação de seu exercício”4.

1 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma Teoria Geral dos Direitos

Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10ed. Porto Alegre: Do Advogado, 2009, p. 36.

2 Idem, p. 37.

3 APOSTILA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. Artigo Científico. Disponível, pela diretoria de

educação a distância da Universidade Estádio de Sá, da disciplina Teoria Constitucional Contemporânea,

do Curso de Pós-Graduação em Direito Constitucional, acesso em 04.11.2009, p. 27.

4 SARLET, op. Cit. p. 38.

Page 3: AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SEU PERFIL DE EVOLUÇÃO

Na segunda metade da Idade Média, já se encontra registro de direitos

em documentos escritos, tais como os Forais e Cartas de Franquia, com especial

destaque para a Carta Magna de 1215, que, por reconhecer prerrogativas dos

súditos da monarquia inglesa e impor clara limitação de poder ao monarca, é

considerada a “peça básica de todo o constitucionalismo”5.

A segunda fase, também chamada fase de afirmação dos direitos

fundamentais, corresponde ao período de plena vigência do Estado absoluto e do

florescimento das doutrinas contratualistas de Hobbes, Locke e Rousseau6.

Hobbes (1588-1679) atribuiu ao homem a titularidade de direitos

naturais – estes, no entanto, teriam validade somente no “estado de natureza”, ou

seja, no estado pretérito ao pacto de submissão. Locke (1632-1704) vai mais

longe e reconhece aos direitos naturais e inalienáveis do homem uma eficácia

oponível ao poder estatal e a seus detentores, podendo o cidadão (proprietário)

valer-se do direito de resistência. Rousseau (1712 – 1778) elaborou

doutrinariamente o contratualismo, conferindo-lhe uma visão igualitária que

permitiu a realização do princípio democrático. Para Rousseau, a condição que

viabiliza o contrato social é o compartilhamento de interesses semelhantes que

legitimam o exercício do poder político, prevalecendo, portanto, a “vontade geral”

e a “ética comunitária”7.

A terceira fase, que se inicia com o fim do absolutismo, compreende

vários momentos históricos, tais como o período da Democracia Liberal - da

Revolução Francesa (1789) à República de Weimar (1919) e desta (República de

Weimar) até a queda do muro de Berlim (1989) - período chamado de Democracia

Social e o período atual, que é chamado de Pós-social ou pós-moderno8.

5 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves; Direitos Humanos Fundamentais. 6ed. São Paulo: Saraiva,

2004, p.12.

6 APOSTILA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS, p. 27.

7 A TEORIA DE ROUSSEAU E O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. Artigo Científico. Disponível, pela

diretoria de educação a distância da Universidade Estádio de Sá, da disciplina Teoria Constitucional

Contemporânea, do Curso de Pós-Graduação em Direito Constitucional, acesso em 03.10.2009.

8 APOSTILA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS, p. 34.

Page 4: AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SEU PERFIL DE EVOLUÇÃO

É também chamada fase de constitucionalização dos direitos

fundamentais porque nela ocorre a positivação destes direitos, com a sua inserção

em Declarações de Direitos e constituições. A Declaração de Direitos do povo da

Virgínia, de 1776, foi a primeira que incorporou os direitos fundamentais dando-

lhes status constitucional.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, tem

primazia entre as demais declarações. Tem como finalidade proteger os direitos

do Homem contra os atos do governo e foi considerada o modelo a ser seguido

pelo constitucionalismo liberal9.

A constitucionalização dos direitos fundamentais resultou na

realização (ainda que não plena) do Estado de Direito em sua concepção liberal, o

que, por sua vez, foi determinante para delinear a chamada primeira geração – ou

dimensão – daqueles direitos.

Estabelecida a diacronia da construção constitucional dos direitos

fundamentais, importante é a análise das dimensões inseridas dentro do direito

positivo e das doutrinas atinentes à teoria dos direitos fundamentais.

Importa esclarecer que, embora a doutrina tradicional sempre tenha

classificado os direitos fundamentais em três (ou mais) gerações de direitos,

hodiernamente se reconhece a inadequação desta terminologia, uma vez que o

reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem caráter

cumulativo, e não de substituição gradativa de uma “geração” por outra. Destarte,

a doutrina mais moderna prefere falar em “dimensões” de direitos fundamentais.

A primeira dimensão de direitos fundamentais é reflexo do

pensamento liberal, individualista e não intervencionista, apresentando-se como

direitos do indivíduo frente ao Estado, limitando o poder deste último.

Caracterizam-se como “direitos negativos”, uma vez que obrigam a uma

abstenção, e não a uma conduta positiva ou prestação. São também chamadas

“liberdades públicas”, pois traduzem poderes de agir ou não agir,

independentemente da ingerência do Estado10

. Fazem parte deste rol os direitos à

vida, liberdade, propriedade e igualdade perante a lei, inclusive no atinente às

9 FERREIRA FILHO, Op Cit, p. 19-22.

10 Idem, p. 23.

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garantias processuais e a participação política, ou seja, os direitos civis e políticos

de todo o cidadão em relação ao Estado.

A segunda dimensão dos direitos fundamentais surgiu quando, diante

dos problemas sociais e econômicos que acompanharam a industrialização, foram

reconhecidos direitos que garantiam a participação do indivíduo no bem-estar

social. Tais direitos tem, em sua maioria, caráter positivo, ou seja, o Estado deve

ter comportamento ativo na realização da justiça social, sob a forma de prestações

de serviço. Os marcos iniciais apontados da segunda dimensão – os chamados

“direitos sociais” – são a constituição mexicana de 1917 e em especial a da

República de Weimar, na Alemanha, em 1919, que incorporaram os direitos

sociais, trabalhistas, culturais e econômicos no rol dos direitos fundamentais.

Estes direitos representam a busca da justiça social, e da realização do

princípio da dignidade da pessoa humana e no reconhecimento de direitos dos

hipossuficientes, com a finalidade de concretizar a ideia de igualdade material11

.

Tal ideal, no entanto, está longe de ser alcançado, uma vez que os direitos sociais

dependem diretamente da ação do Estado para ter aplicabilidade e eficácia.

Devido à baixa densidade normativa de seus enunciados e à reserva do possível

fática – recursos financeiros necessários para atender às demandas sociais12

-

podem acabar inviabilizados.

A terceira geração de direitos fundamentais, também denominados de

direitos de solidariedade, traz como característica o fato de sua titularidade ser

coletiva ou difusa, frequentemente indefinida e indeterminável13

. Os principais

destes direitos são: o direito à paz, o direito ao desenvolvimento, o direito ao meio

ambiente e o direito ao patrimônio comum da humanidade14

. Além disso, pode-se

incluir no rol dos direitos de terceira geração a quase totalidade dos chamados

“novos direitos”, como, por exemplo, as garantias contra manipulações genéticas,

os direitos da informática, etc. Tais direitos, assim como os direitos sociais,

dependem da atuação positiva do Estado, seu garantidor, para sua efetividade.

11

APOSTILA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS, p. 37.

12 Idem, p. 40.

13 SARLET, Op Cit., p. 49.

14 FERREIRA FILHO, Op. Cit., p. 58.

Page 6: AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SEU PERFIL DE EVOLUÇÃO

Ressalte-se que nem todos os direitos fundamentais de terceira

dimensão lograram reconhecimento e positivação nos textos constitucionais, com

exceções. No âmbito do direito internacional, a consagração dos aludidos direitos

se dá por meio de tratados e outros documentos transacionais15

.

Esta classificação tripartite é clássica na doutrina, embora haja

doutrinadores pátrios e estrangeiros que já anunciam uma quarta e até mesmo em

uma quinta dimensão desses direitos. Paulo Bonavides defende a idéia de

globalização dos direitos fundamentais, com a quarta dimensão sendo composta

pelo direito à democracia, ao pluralismo e à informação. Da mesma forma, aponta

nessa direção a doutrina alienígena, com o italiano Norberto Bobbio, em sua obra

Era dos Direitos. Além disso, Augusto Zimmermann vislumbra uma quinta

dimensão dos direitos fundamentais: os direitos inerentes ao ciberespaço,

resultado do grande e rápido desenvolvimento da internet e do crescente acesso a

esta realidade virtual16

.

Por fim, constata-se que os direitos fundamentais foram [e ainda

estão] sendo reconhecidos ao longo do tempo, fruto de lutas contra situações

concretas de violação a bens essenciais do ser humano e à dignidade da pessoa

humana. Ademais, alguns dos clássicos direitos fundamentais da primeira e

segunda dimensão estão sendo atualizados, como forma de resposta a novas fontes

de agressão aos bens jurídicos por eles protegidos. Como exemplo, pode-se citar o

direito à liberdade, à privacidade e à intimidade, que enfrenta desafios diante do

avanço da interatividade no ciberespaço, em redes sociais, bancos de dados, etc.

Atento à evolução dos direitos fundamentais ao longo do tempo, o constituinte

pátrio não pretendeu positivá-los em um rol taxativo no art. 5º da CRFB,

preferindo a técnica de enumeração exemplificativa. Dessa forma, novos direitos

fundamentais poderão ser incorporados ao texto constitucional na medida em que

forem reconhecidos e enunciados.

15 SARLET, Op. Cit., p. 49.

16 APOSTILA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS, p. 46.

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo da evolução dos direitos fundamentais revela, entre outras

coisas, íntima relação entre as fases de evolução social do Estado e as dimensões

de evolução dos direitos humanos. A clássica divisão em três dimensões paralelas

aos ideais da revolução francesa (liberte, egalitè, fraternitè) ainda encontra

prestígio na doutrina, embora modernamente já haja quem defenda a existência de

direitos de quarta e quinta dimensões.

Ademais, os direitos fundamentais apresentam uma relação de

interdependência com a democracia, atuando como instrumentos de liberdade

individual ao mesmo tempo em que garantem o direito de igualdade e

participação, promovendo a justiça social e a cidadania, pressupostos do exercício

efetivo das liberdades civis.

4. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves; Direitos Humanos Fundamentais. 6ed.

São Paulo: Saraiva, 2004.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma Teoria

Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10ed. Porto

Alegre: Do Advogado, 2009.

Material Disponibilizado pelo Campus Virtual:

APOSTILA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. Artigo Científico. Disponível,

pela diretoria de educação a distância da Universidade Estádio de Sá, da disciplina

Teoria Constitucional Contemporânea, do Curso de Pós-Graduação em Direito

Constitucional, acesso em 04.11.2009.

A TEORIA DE ROUSSEAU E O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. Artigo

Científico. Disponível, pela diretoria de educação a distância da Universidade

Estádio de Sá, da disciplina Teoria Constitucional Contemporânea, do Curso de

Pós-Graduação em Direito Constitucional, acesso em 03.10.2009.