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383 ESTUDOS Marilda Aparecida Behrens Palavras-chave: prática pedagógica; formação de docente; paradigma emergente; metodologias inovadoras; produção do conhecimento; docência universitária. A prática pedagógica e o desafio do paradigma emergente A experiência vivenciada com professores universitários preocupados em buscar paradigmas inovadores para suas práticas pedagógicas levou a desenvolver uma pesquisa-ação. Esta investigação contemplou uma reflexão individual e coletiva dos docentes. Seu objetivo era oferecer subsídios metodológicos para que ultrapassassem o paradigma cartesiano que vinha caracterizando suas ações docentes conservadoras. Com o intuito de superar a reprodução do conhecimento, desencadeou-se um processo de posicionamento crítico sobre a docência. As leituras, as discussões e os posicionamentos levaram a construir a caracterização de um paradigma inovador na sala de aula. O paradigma denominado como emergente foi proposto como uma aliança entre uma abordagem progressista com uma visão holística e o ensino com pesquisa. Embora apresentadas separadamente, os professores tiveram a clareza que elas se interconectam e que tinham como pressupostos essenciais a visão do todo e a transformação da realidade. R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 196, p. 383-403, set./dez. 1999. Ilustração: Henrique Borges

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Page 1: Artigo de Marilda Behrens

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ESTUDOS

Marilda AparecidaBehrens

Palavras-chave: práticapedagógica; formação dedocente; paradigmaemergente; metodologiasinovadoras; produção doconhecimento; docênciauniversitária.

A prática pedagógica e o desafiodo paradigma emergente

A experiência vivenciada comprofessores universitáriospreocupados em buscar paradigmasinovadores para suas práticaspedagógicas levou a desenvolveruma pesquisa-ação. Estainvestigação contemplou umareflexão individual e coletiva dosdocentes. Seu objetivo era oferecersubsídios metodológicos para queultrapassassem o paradigmacartesiano que vinha caracterizandosuas ações docentes conservadoras.Com o intuito de superar areprodução do conhecimento,

desencadeou-se um processo deposicionamento crítico sobre adocência. As leituras, as discussões eos posicionamentos levaram aconstruir a caracterização de umparadigma inovador na sala de aula.O paradigma denominado comoemergente foi proposto como umaaliança entre uma abordagemprogressista com uma visão holísticae o ensino com pesquisa. Emboraapresentadas separadamente, osprofessores tiveram a clareza que elasse interconectam e que tinham comopressupostos essenciais a visão dotodo e a transformação da realidade.

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Introdução

Nas últimas décadas do século 20, oensino nas instituições de educação supe-rior tem se apresentado por uma prática pe-dagógica, em muitos casos, conservadorae tradicional. Na realidade, os professoresvêm sofrendo uma forte influência doparadigma newtoniano-cartesiano que ca-racterizou a ciência no século 19 e grandeparte do século 20.

Esse paradigma contaminou por mui-tos anos a sociedade e, em especial, a es-cola, em todos os níveis de ensino. O pen-samento newtoniano-cartesiano propôs afragmentação do todo e por conseqüênciaas escolas repartiram o conhecimento emáreas, as áreas em cursos, os cursos emdisciplinas, as disciplinas em especi -ficidades. A repartição foi tão contundenteque levou os professores a realizarem umtrabalho docente completamente isoladosem suas salas de aula.

Outro fator relevante de influência des-te paradigma na ação docente é a buscada reprodução do conhecimento. Carac-terizada pela fragmentação, a prática pe-dagógica propõe ações mecânicas aosalunos, provocando um ensino assentadono escute, leia, decore e repita. Estas qua-tro ações têm sido propostas comometodologia no ensino universitário porum longo período na história da educação.

Ao conviver com os docentes univer-sitários, pode-se observar que há umaimpregnação forte da influência do para-digma conservador em seu trabalho do-cente. Basta caminhar nos corredoresdas instituições de ensino superior paraobservar o que ocorre nas salas de aula.Em sua grande maioria, os professoresestão explicando o conteúdo no quadrode giz, a classe acompanha em silêncioe ao que parece, o docente dá aula paraele mesmo. A pesquisa do conteúdo eelaboração do conhecimento é realiza-da pelo professor para ministrar as au-las. Na explicação do conteúdo, cabeaos alunos o papel de espectadores pas-sivos para assimilar, memorizar e repro-duzir os conteúdos propostos.

Nesse contexto, caberia indagar:Quem está no processo de aprendiza-gem? O aluno ou o professor? A respostaideal seria: os dois são sujeitos do proces-so. Mas, infelizmente, o aluno tem sido tra-tado como objeto, passivo e receptivo notrato pedagógico.

Salvaguardadas as exceções, os do-centes conservadores aliam a competên-cia ao autoritarismo. O professor bom éaquele que conhece seu conteúdo, apre-senta-se severo, exigente e não deve "mos-trar os dentes para os alunos". O silêncio ea disciplina são essenciais para desenca-dear o ensino reprodutivo e conservador. Aavaliação tem o seu foco na memorizaçãoe na assimilação, e, em algumas áreas, oprofessor adquire credibilidade pelo núme-ro de alunos que são reprovados na suadisciplina.

A vivência com os docentes universi-tários, em especial os que buscam espe-cialização e mestrado em Educação, fazacreditar que poucos professores refletemsobre a sua ação docente. É que, ao teroportunidade de fazê-lo, desperta o pro-fessor responsável que anseia por modifi-car sua prática pedagógica, mas não sabecomo alterá-la.

Por muitos anos, ao trabalhar na for-mação pedagógica dos docentes universi-tários, acreditou-se que bastaria instru-mentalizar o professor com procedimentostécnicos para a renovação da prática.

Ao utilizar tecnologia, o professorpode oferecer uma ação pedagógica ino-vadora. Desta reflexão, aparece uma novaindagação: Será que ao utilizar recursosdidáticos e, em especial, os recursosinformatizados, o professor altera seuparadigma cartesiano de oferecer ensinoaos alunos, ou troca o caderno e o qua-dro de giz pelo monitor do computador?Com referência a essa preocupação,Moraes (1997, p. 16) acrescenta:

Desde o início do trabalho, observamosque a maioria das propostas de uso datecnologia informacional na educaçãose apoiava numa visão tradicionalista,que reforça a fragmentação do conhe-cimento e, conseqüentemente, a frag-mentação da prática pedagógica... Pro-gramas visualmente agradáveis, bonitose até criativos podem continuar repre-sentando o paradigma instrucionista aocolocar no recurso tecnológico umasérie de informações a ser repassadaao aluno. Dessa forma, continuamospreservando e expandindo a velha for-ma como fomos educados, sem refletirsobre o significado de uma nova práti-ca pedagógica que utilize esses novosinstrumentos.

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A preocupação centra-se na proposi-ção de uma prática pedagógica inovadora,que utilize a tecnologia como instrumentalpara tornar os alunos críticos, reflexivos einvestigadores contínuos em suas áreas deatuação. Torna-se importante à reflexão doprofessor que o simples uso da tecnologianão caracteriza uma prática inovadora.

Posicionamento paradigmático

O desafio das mudanças históricassubstanciais na virada do século e em es-pecial do paradigma da ciência, levam aorepensar do sistema educacional como umtodo e, nesse contexto a prática pedagó-gica que vem sendo desenvolvida nosmeios acadêmicos.

Na realidade, acredita-se que a ca-racterização da prática pedagógica estáfortemente alicerçada nos paradigmasque a própria sociedade vai construindoao longo da história.

A educação, a economia e a socieda-de, assim como o homem, são produtos daação histórica. Sendo assim, os paradigmaspropostos e construídos pelos próprios ho-mens vêm acompanhados de crenças, va-lores e posicionamentos éticos em frente auma comunidade determinada. Nesse con-texto, cabe a contribuição relevante de Kuhn

(1996, p. 129): "um paradigma é aquilo queos membros de uma comunidade científicapartilham e, inversamente, uma comunida-de científica consiste em homens que parti-lham um paradigma".

Portanto, não se trata de entender oparadigma como um sistema fechado,nem acoplá-lo à pertinência de um mode-lo que vem se construindo ao longo dosséculos, mas analisar criticamente a pos-sibilidade ou não de adotá-los.

Os paradigmas afetam toda a socie-dade e, em especial, a educação. O fatoé que estes paradigmas não se sucedemlinearmente, nem têm uma demarcaçãode tempo para começar ou terminar, masvão sendo construídos cotidianamente eacabam se interpenetrando e criandonovos pressupostos e novos referenciaisque caracterizam diferentes posturas nasociedade.

Na educação, o que se tem observa-do é um descompasso com o avançoparadigmático que a sociedade vem de-senvolvendo. As transformações acelera-das e contundentes, em especial no finaldo século 20, fazem pensar sobre o tratopedagógico que as universidades vêmoferecendo aos estudantes, e as exigên-cias que a sociedade vêm fazendo para acomunidade em geral.

Acredita-se que a reflexão sobre acaminhada histórica na educação permitedividir, para fins didáticos, os paradigmasque influenciaram a prática pedagógicados professores universitários em dois blo-cos: os paradigmas conservadores e osparadigmas inovadores.

Paradigmas conservadores

Os professores que atuam na educa-ção superior, em sua grande maioria, ten-dem a reproduzir as metodologias quevivenciaram no seu processo educativo.Nessa assertiva, parece residir a dificul-dade dos docentes em alterarem suaspráticas pedagógicas e buscarem referen-ciais em novos paradigmas de trabalhoeducativo. A contribuição de Moraes(1997, p. 16) torna-se relevante:

Embora quase todos percebam que omundo ao redor está se transformandode forma contínua apresentando resul-tados cada vez mais preocupantes emtodo o mundo e a grande maioria dos

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professores continua privilegiando a ve-lha maneira como foram ensinados, re-forçando o velho ensino, afastando oaprendiz do processo de construção doconhecimento que produz seres incom-petentes, incapazes de criar, pensar,construir e reconstruir conhecimento.

Os paradigmas conservadores carac-terizam uma prática pedagógica que sepreocupa com a reprodução do conheci-mento. Fortemente influenciada peloparadigma da ciência newtoniana-carte-siana, a ação docente apresenta-se frag-mentada e assentada na memorização, nacópia e na reprodução.

O século 19 e grande parte do século20, atendendo ao paradigma da Socieda-de de Produção de Massa, alicerçaramuma prática pedagógica assemelhada àprodução de uma fábrica. Os alunosresponsivos, obedientes ao comando doprofessor na posição de meros recepto-res, passivos e copiadores por excelência.A grande ênfase no produto permitiu aosprofessores que, muitas vezes, ingenua-mente, formassem homens dóceis, acé-ticos e reprodutores do conhecimentoalheio.

A sistematização de diferentes tendên-cias pedagógicas que foram estruturadassob influência dos paradigmas conserva-dores é tarefa complexa, principalmentequando se entende que a realidade é muitomais rica e dinâmica do que uma classifi-cação tipológica. Enquanto prática social,a prática pedagógica torna-se mais amplado que o rótulo que nela se coloca.

Para fins didáticos, caberia colocardentro dos paradigmas conservadores astendências pedagógicas: tradicional,escolanovista e tecnicista. Todas essasabordagens, salvaguardadas as caracte-rizações próprias para cada época em queforam propostas, apresentando como es-sência à reprodução do conhecimento.

Cada abordagem pedagógica temuma influência direta dos paradigmas daépoca e caracterizam uma opção metodo-lógica, portanto, torna-se relevante que osprofessores reflitam sobre esses para-digmas conservadores e busquem manei-ras de ultrapassá-los.

Paradigmas inovadores

Os avanços tecnológicos e científicosprovocaram mudanças na sociedade. A

grande velocidade e o impressionante vo-lume de informações que são produzidos,além da facilidade de acesso a elas, tornamos paradigmas conservadores e obsoletos.

O final do século 20 caracteriza-sepelo advento da sociedade do conheci-mento, da revolução da informação e daexigência da produção do conhecimento.Esse processo de mudança afeta profun-damente os profissionais de todas as áre-as do conhecimento e, por conseqüência,exige o repensar dos seus papéis e suasfunções na sociedade.

A sociedade passa a exigir profissio-nais que tenham capacidade de tomardecisões, que sejam autônomos, que pro-duzam com iniciativa própria, que saibamtrabalhar em grupo, que partilhem suasconquistas e que estejam em constanteformação.

Nesse movimento de mudança, o pro-fessor passa a ter um papel fundamentalde articulador e mediador entre o conhe-cimento elaborado e o conhecimento a serproduzido.

O novo paradigma da ciência, geradocom base na teoria da relatividade e nateoria da física quântica, implica um repen-sar sobre o papel da educação na vida doshomens. Nesse contexto, Moraes (1997, p.20) acrescenta:

A ciência está exigindo uma nova visãode mundo, diferente e não fragmenta-da. A atual abordagem que analisa omundo em partes independentes já nãofunciona. Por outro lado acreditamos nanecessidade de construção e reconstru-ção do homem e do mundo, tendocomo um dos eixos fundamentais, aeducação, reconhecendo a importânciade diálogos que precisam ser restabe-lecidos, com base em um enfoque maisholístico e em um modo menos frag-mentado de ver um mundo e nosposicionarmos diante dele. Já não po-demos prescindir de uma visão maisampla, global para que a mente huma-na funcione de modo mais harmoniosono sentido de colaborar para a constru-ção de uma sociedade mais ordenada,justa, humana, fraterna e estável.

A superação da visão cartesiana demundo demanda repensar o sistema devalores que estão subjacentes a esseparadigma. O pensamento newtoniano-cartesiano possibilitou a fragmentação, as

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distinções, as separações, enfim, a ruptu-ra do todo, dando ênfase às partes e, porconseqüência, levou a ver o mundo comopartes desconectadas.

O paradigma inovador na ciência, comuma visão quântica, demanda reconhecerque todos os seres são interdependentes,e que "nossas vidas estão entrelaçadascom o mundo atual, dependem de nossaatuação e nosso contexto, em nossa reali-dade, que será revelada mediante umaconstrução ativa em que o indivíduo parti-cipe" (Moraes, 1997, p. 22).

Buscando uma visão de totalidade, deconexão, de interdependência, Capra(1996) denomina a nova visão de mundocomo uma "teia da vida". Para que se aten-da a esse paradigma inovador, acredita-sena necessidade de repensar o papel daescola, pois a escola nesse paradigma éarticuladora do saber. Não é só um espaçofísico, mas, sim, um estado permanente doindivíduo, onde o trabalho colaborativo estásempre presente.

O paradigma inovador tem comopressuposto essencial uma prática pe-dagógica que possibilite a produção doconhecimento. O avanço depende doredimensionamento em relação à reprodu-ção, à memorização e à cópia vigente naação docente do professor universitário.

Boaventura Santos (1987), Pimentel(1993), Moraes (1997), Behrens (1999)denominam o avanço como paradigmaemergente ; Prigogine (1986) e Capra(1996), como paradigma sistêmico; Car-doso (1995), Brandão e Crema (1991),como paradigma holístico. Embora seapresentem variadas denominações, oparadigma inovador caracteriza-se pelaprodução do conhecimento e permite umencontro de abordagens e tendências pe-dagógicas que possam atender às exi-gências da sociedade do conhecimentoou da informação.

O mundo mudou, e com ele as ex-pectativas e necessidades dos homenspassaram a ter outras perspectivas. Nãose pode apontar uma única abordagempedagógica para contemplar o paradigmaemergente. Por exemplo, Moraes (1997)propõe o encontro das abordagensconstrutivista, interacionista, socioculturale transcendente para atender ao para-digma emergente.

Na liberdade que cada professor epesquisador tem para dimensionar o novoparadigma, acredita-se que há necessida-de de atender às características de rede,

de teia, de sistema, de produção do co-nhecimento, de trabalho coletivo e com-partilhado, de interconexão, de inter-rela-cionamento, de reaproximação das partesdo todo. E ainda, de exigência de diálogo,de atitude crítica, criativa e transformadora.

Nesse contexto, para propor umparadigma emergente na prática pedagó-gica, que atenda a esses pressupostosinovadores citados, não há uma únicaabordagem a ser contemplada. Mas a pro-posta, nesse momento histórico, apontapara a construção de uma aliança, de umateia, de um grande encontro, dos pressu-postos e referenciais de três abordagensque possam atender às exigências da so-ciedade do conhecimento: abordagemprogressista, ensino com pesquisa e vi-são sistêmica.

O ponto de encontro dessas aborda-gens é a superação da reprodução e a bus-ca da produção do conhecimento. Na re-alidade, é uma produção do conhecimen-to que permite aos homens serem éticos,autônomos, reflexivos, críticos e transfor-madores; que, ao inovar os profissionaise, em especial, os professores, preocu-pem-se em oferecer uma melhor qualida-de de vida para os homens, provocando,nesse processo, uma reflexão de que sevive num mundo global, portanto, são res-ponsáveis pela construção de uma soci-edade mais justa e igualitária.

O problema que desencadeoua produção do conhecimento

Com a perspectiva de que os profes-sores só alteram seu paradigma se refle-tirem, discutirem e analisarem os pressu-postos das abordagens que caracterizama prática pedagógica, optou-se por pro-vocar um grupo de docentes, para pro-duzirem conhecimentos referentes aoparadigma emergente.

O envolvimento com a formação con-tinuada dos docentes universitários e, emespecial, os que freqüentam o mestradode Educação da Pontifícia UniversidadeCatólica do Paraná (PUC-PR), levou a re-alizar uma pesquisa com a seguinteproblematização:

Se a maioria dos professores só ensi-na a copiar, decorar e repetir, como seestruturará uma mudança criativa, crítica etransformadora nos meios acadêmicos?Como oferecer aos professores universitá-rios subsídios para produzirem referenciais

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sobre os paradigmas pedagógicos inova-dores na prática educativa?

A tônica desta pesquisa foi contemplarum processo que pudesse subsidiar os pro-fessores universitários para refletirem e cons-truírem uma prática pedagógica inovadora.Nesse contexto, analisar os paradigmasconstituídos na educação superior e o de-safio de buscar referenciais para subsidiaras metodologias inovadoras que instiguema produção do conhecimento.

Pesquisa-ação: unidade ensinoe pesquisa

A preocupação com o processo foi amarca determinante nesta pesquisa, poistranscendeu a coleta de dados sobre oparadigma emergente e instigou os partici-pantes a darem significado à sua trajetóriaacadêmica e à sua prática como profissio-nal docente. A opção por uma metodologiada pesquisa que contemplasse uma abor-dagem qualitativa apresentou-se como umadecorrência da necessidade da própria pro-posta de trabalho pedagógico a ser desen-volvido com os professores universitários.

Segundo Martins (1998, p. 48),

O levantamento dos dados necessáriosà análise do objeto de estudo realiza-senum processo metodológico de pesqui-sa-ação, durante o qual os sujeitos dapesquisa problematizam, analisam e re-alizam intervenções nas suas práticaspedagógicas, ao mesmo tempo em quecontribuem para sistematização de no-vos conhecimentos.

A opção por uma pesquisa-ação é ade ultrapassar o discurso e oferecer umavivência sobre a proposta que está sedescortinando no grupo. O relato dos de-poimentos dos sujeitos envolvidos napesquisa cabe para explicitar a vivênciado processo:

– Nós vivenciamos o que foi propostocomo paradigma emergente. Portanto,contemplamos um ensino com pesqui-sa, numa abordagem progressista comuma visão holística (Sujeito 21).

– Uma coisa é ter aula sobre uma pro-posta pedagógica inovadora, outra coi-sa é vivenciar o processo na sala de aula,junto com a professora e os colegas. O

interessante é ter clareza do que está fa-zendo e porque está fazendo. Gostariamuito que minha prática pedagógica fos-se assim de agora em diante. A produ-ção do conhecimento individual e coleti-va fica impregnada de maneira prazerosana gente (Sujeito 32).

A proposição de uma prática pedagó-gica inovadora que atenda à produção doconhecimento tem sido um desafio paraos professores universitários.

Acredita-se que a chance de alterarum paradigma pedagógico vem aliada àcriação de espaços coletivos para discus-são dos pressupostos teóricos e práticosque caracterizam uma opção meto-dológica. Um professor não altera sua prá-tica pedagógica, se não estiver convenci-do de que será um ato significativo na suarelação ensino/aprendizagem.

A busca da conexão entre as experi-ências práticas e os referenciais teóricosque as caracterizam torna o processo sig-nificativo e relevante. Nesse contexto, a pes-quisa-ação propicia um trabalho com osprofessores numa experiência vivenciada.

Para Giovani (1998, p. 52), o caminhoda pesquisa-ação como metodologia depesquisa que envolve o professor, adqui-re a seguinte contribuição:

Nessa investigação, ponho em destaque oprocesso interativo-reflexivo próprio da pes-quisa-ação, como condição privilegiadapara a formação e o desenvolvimento deprofessores e especialistas de ensino como"profissionais reflexivos", isto é, que se vol-tam para sua própria prática como fonte deinvestigação, estudo e conhecimento. Evi-dencio, assim, o que denomino 'potencialdidático da pesquisa-ação', ou esforçoconsciente e deliberado de associar osagentes diretos da prática escolar ao co-nhecimento teórico sobre sua realidade, àcompreensão de seus determinantes e àperspectiva de sua transformação.

A riqueza do processo da pesquisa-ação-ensino-aprendizagem adveio doenvolvimento de 52 sujeitos, que freqüen-taram/freqüentam o mestrado em Educa-ção da PUC-PR, em especial os que parti-ciparam da disciplina Paradigmas Pedagó-gicos na Educação Superior em 1997 e1998. Os sujeitos da pesquisa são profes-sores universitários advindos de variadas

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áreas do conhecimento (jurídicas, huma-nas, biomédicas, exatas e tecnológicas), eexercem funções docentes em diferentescursos nas universidades públicas (federaise estaduais), nas universidades particula-res e em faculdades.

Os pronunciamentos sobre os moti-vos que levam um professor a buscar for-mação continuada num curso de mestradoem Educação incidem sobre a necessida-de de redimensionar a prática pedagógi-ca em sala de aula.

Nesse contexto, empresta-se a propo-sição de Martins (1998, p. 49):

Considera este trabalho como um proces-so de pesquisa-ensino porque, de umlado, sua forma de realização constituiuma pista para redimensionar as práticasde ensino numa perspectiva de sistema-tização coletiva do conhecimento "ensi-no". Por outro, possibilita a vivência deum processo de investigação de ação-reflexão-ação por meio de qual a didáti-ca prática que está ocorrendo nas esco-las se manifesta, é problematizaçãoexplicada e compreendida nos seusdeterminantes, favorecendo a elaboraçãode propostas concretas de ação. Tudoisso com o intuito de abrir novos cami-nhos numa perspectiva transformadora,para que ocorra uma sistematização co-letiva de novos conhecimentos, geradosa partir de novas práticas acerca do ob-jeto de estudo "pesquisa".

Na realidade, cabe aos educadoresoferecer formação docente com a preo-cupação de dar suporte e desencadeara reflexão com os professores sobre suaspráticas pedagógicas. Os processos deinvestigação e de pesquisa precisamcontemplar uma articulação direta comos processos de investigação das práti-cas pedagógicas dos professores. Con-seqüentemente, essa caminhada se tor-nará relevante e significativa para quemrealiza e participa da pesquisa.

O caminho percorridona pesquisa-ensino

Para instigar os professores a investi-garem, discutirem e construírem re-ferenciais sobre os paradigmas inovado-res (a aliança entre ensino e pesquisa,abordagem progressista e visão holística),aqui denominados como paradigmas

emergentes, foi discutida com os profes-sores uma proposta de trabalho. Os sujei-tos envolvidos puderam participar, discu-tir e entender o que ocorreria no processode produção do conhecimento e especi-almente porque fariam as pesquisas, asdiscussões, os trabalhos individuais e ostrabalhos coletivos.

Martins explicita por que envolver osdocentes numa ação coletiva, da qual to-dos participam e se tornam responsáveispelo processo:

Fazer da investigação uma prática queviabilize a unidade de pesquisa-ensino,do teórico-prática, que parta de proble-mas práticos buscando a superação; quecoloque os sujeitos da pesquisas comoagentes ativos e não meros objetos; queviabilize a produção e a sistematizaçãocoletiva do conhecimento superando asreflexões puramente acadêmicas que sedão muitas vezes distanciadas dos pro-blemas postos pela prática; que altere aconcepção da função do professor, ven-do-o não como simples transmissor, mastambém um produtor de conhecimento éum desafio constante. Para enfrentar taldesafio, a pesquisa-ação tem-se mostra-do uma alternativa fecunda. (Martins,1998, p. 50)

Com a visão de que o professor podeproduzir seu próprio conhecimento, ini-ciou-se a pesquisa com o envolvimentodos docentes como sujeitos do processo.

Na primeira fase, provocou-se a refle-xão e a discussão da problematização. Adiscussão e a reflexão crítica teve comofinalidade desencadear a articulação e oenvolvimento dos professores universitá-rios para repensarem suas práticas e bus-carem referenciais para reconstruírem aação docente atendendo ao paradigmaemergente.

Numa segunda fase, discutida com ogrupo, optou-se por realizar concomi-tantemente a leitura e a reflexão crítica dostextos, dos artigos, obras e periódicos queapresentassem as abordagens inovadoras.Paralela à leitura, foi proposta a construçãode um quadro referencial sobre as aborda-gens que pudessem atender ao paradigmaemergente na sociedade e que, nesse mo-mento histórico, segundo a autora (Behrens,1999), apontam para uma aliança entreensino com pesquisa, a abordagem pro-gressista e a visão sistêmica. Esse quadrotinha como objetivo o levantamento dospressupostos de cada abordagem a partirdas leituras realizadas.

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Nessa fase, para produção individu-al, tornou-se necessária a discussão so-bre os fatores essenciais que caracterizama atuação dos professores em sala de aula.Na discussão, para compor o quadroreferencial, foram eleitos os seguintes com-ponentes: aluno, professor, metodologia,escola e avaliação.

No decorrer da pesquisa, essa fasetornou-se muito significativa, pois emfunção da relevância destes componen-tes e da ênfase que assumiu no proces-so, a pesquisadora optou para torná-losas categorias de análise do processo.Portanto, as categorias que passaram acompor a pesquisa foram: aluno, profes-sor, metodologia, escola e avaliação.

Na terceira fase do processo, houvea necessidade de serem discutidos osreferenciais pesquisados e até que pon-to a teoria possuía conseqüências e in-filtrações na prática pedagógica ofereci-da aos alunos no ensino universitário.Nesse momento, apareceu o novo papeldo professor e do aluno, a necessidadede aprender a aprender, o enfrentamentodo volume de informações que caracte-riza esse momento histórico e as exigên-cias na formação dos profissionais dofuturo. Os professores passaram a en-tender a força do diálogo e a ação do-cente como articulação mobilizadorapara transformar a realidade.

Os docentes passaram a relatarsuas experiências, seus avanços, suasdificuldades e seus medos no enfren-tamento de um paradigma inovadornuma escola que se tem caracterizadopelo conservadorismo e pela reproduçãodo conhecimento.

Na quarta fase, beneficiados pela dis-cussão e pelo aprofundamento teórico eprático das pesquisas de cada participan-te, buscou-se agregar as produções indi-viduais num trabalho coletivo. Essa fase,dividida em dois momentos, permitiu avivência do compartilhamento no proces-so. Num primeiro momento, as produçõescoletivas foram realizadas em grupos detrês mestrandos. A proposição de triospartiu da decisão do grupo, para que hou-vesse melhor qualidade no trabalho. Numsegundo momento, os grupos apresen-taram suas elaborações apresentadasem disquetes, disponibilizadas para to-dos os participantes, que possibilitaramum trabalho coletivo com o envolvimentode todos os trios.

Os professores se propuseram a pro-duzir um único quadro referencial das abor-dagens pedagógicas inovadoras. As sis-tematizações dos pressupostos teóricos edas inferências das discussões sobre aprática docente subsidiaram a produçãodo conhecimento do grupo.

Na quinta fase, a impressão gráfica doquadro referencial construído pelo grupopossibilitou a cada participante da pesqui-sa a visão do todo e a discussão de cadauma das abordagens. Esse processo per-mitiu aproximar as categorizações propos-tas para o aluno, o professor, a escola, ametodologia e a avaliação num paradigmainovador. A partir da elaboração com fun-damentação teórica e da experiênciavivenciada dos professores envolvidos napesquisa, passaram a discutir como cons-truir uma prática pedagógica com umparadigma emergente. Para Martins (1998,p. 51): "Enfim, é um processo que permitearticular pesquisa-ensino buscando suaunidade. Implica mudança de postura, tan-to do investigador-coordenador, quantodos investigados-agentes (no caso, agen-tes da escola)".

Na sexta fase, os mestrandos foramconvidados a produzir textos próprios sub-sidiados pelos referenciais pesquisados. Atemática apontada para o texto foi "Oparadigma inovador e a prática pedagó-gica". A proposição do texto deveria con-templar uma reflexão e uma proposiçãode realizar uma prática pedagógica ino-vadora. Nesse momento, os professorespuderam elaborar e registrar seus avan-ços, e apresentar sua contribuição na to-mada de decisão para a reconstrução desua prática pedagógica.

A vivência do processo, a colabora-ção, o trabalho individual e coletivo, a soli-dariedade, o respeito, as angústias, osdesafios, os acertos e as conquistasgradativas foram aflorando na pesquisa.Um dos elementos fundamentais no suces-so desta proposta foi que os alunos-mestrandos puderam discutir as fases dapesquisa-ensino, desde a problema-tização, as discussões, as produções indi-viduais e coletivas do quadro referencialaté a produção final dos textos. A propos-ta foi contratada no grupo e foi discutido oque seria realizado em cada fase e qual aresponsabilidade de cada componente. Otrabalho pedagógico foi construído pelogrupo e não para o grupo.

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Nesse contexto o aluno é conscien-te da realidade que o cerca, tornando-se o sujeito do processo de construçãodo conhecimento. Esta condição lhe pro-picia desenvolver características queserão exigidas dos professores, dos alu-nos e de todos os cidadãos no século21, pois estes terão que ser: reflexivos,críticos, autônomos, criativos, contem-plando o raciocínio lógico e o espírito deinvestigação.

A produção do conhecimento deveatender a uma visão sistêmica, no sentidoque Capra (1996) apresenta como umavisão holística, do todo. A proposição deum paradigma emergente precisa ter comopressuposto essencial a formação para aética, para a justiça, para a paz, a solidari-edade, com espírito solidário na busca deuma sociedade mais justa e igualitária.

A produção do conhecimentosobre as abordagens

inovadoras num paradigmaemergente

O intercâmbio de informações, acoletivização e a organização pelos pró-prios mestrandos das produções indivi-duais e coletivas permitiram construir osquadros sinópticos das abordagens. Adiscussão crítica com os mestrandos, re-ferente aos conhecimentos teóricos epráticos pesquisados permitiu elegercomo relevantes três grandes aborda-gens para pesquisa: a progressista, oensino com pesquisa e a visão sistêmica.Nesse contexto foi proposta a aliançadestas abordagens:

A visão sistêmica ou holística busca asuperação da fragmentação do conheci-mento, o resgate do ser humano em suatotalidade, considerando o homem comsuas inteligências múltiplas, levando à for-mação de um profissional humano, éticoe sensível. Segundo Behrens, Moran eMasetto (2000, p. 92):

A visão holística busca a perspectivainterdisciplinar, superando a fragmentação,a divisão, a compartimentalização do co-nhecimento. O processo educativo numaabordagem holística implica aprender aconhecer, aprender a fazer, aprender a con-viver, aprender a aprender, aprender a ser.Nesse contexto de múltiplas aprendiza-gens, leva em consideração processos de

superação de dualidades propostas noparadigma cartesiano, entre razão-emoção,corpo-alma, objetivo-subjetivo e sujeito-ob-jeto, entre outras.

A abordagem holística foi elaboradaa partir das obras de Capra (A teia da vida:uma nova compreensão científica dos sis-temas vivos, 1996), de Cardoso (A cançãoda inteireza: uma visão holística da educa-ção, 1995), de Brandão e Crema (O novoparadigma holístico: ciência, filosofia, artee mística, 1991), e da Global Aliance forTransforming Education – Gate (Educación2000: una perspectiva holística, 1991).

A abordagem progressista tem comopressuposto central a transformação soci-al. Instiga o diálogo e a discussão coleti-va como forças propulsoras de umaaprendizagem significativa e contemplaos trabalhos coletivos, as parcerias e aparticipação crítica e reflexiva dos alu-nos e dos professores. Os docentes queoptam por uma abordagem progressis-ta, como intelectuais transformadores(Giroux, 1997), promovem "processos demudança manifestando-se contra as in-justiças sociais, as atitudes antiéticas, asinjustiças políticas e econômicas. Numprocesso dialógico, instigam seus alunosa buscar soluções que permitam aos ho-mens uma melhor qualidade de vida"(Behrens, Moran, Masetto, 2000, p. 91).

A pesquisa da abordagem progressis-ta envolveu, principalmente, as obras dePaulo Freire (Pedagogia da esperança: umreencontro com a pedagogia do oprimido,1992; Pedagogia da autonomia: saberesnecessários à prática educativa , 1997;Medo e ousadia: o cotidiano do professor,1987), e de Giroux (Os professores comointelectuais transformadores: rumo a umapedagogia crítica da aprendizagem, 1997).

O ensino com pesquisa pode provo-car a superação da reprodução para a pro-dução do conhecimento, com autonomia,espírito crítico e investigativo. Considera oaluno e o professor pesquisadores e pro-dutores dos seus próprios conhecimentos.Segundo Behrens (1996, p. 79-80):

O mundo moderno não autoriza um pro-fissional a ter sucesso e competência, senão for um investigador/pesquisador per-manente na sua área. Assim, os conteú-dos transmitidos nas universidades nãosão suficientes para a vida profissionaldos estudantes. A proposta de apren-der a aprender abre a visão de que aeducação não tem fim, renova-se dia a

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dia e avança rapidamente numa soci-edade moderna, provocando um pro-cesso ininterrupto de atualização. Ainstrumentalização do 'aprender a apren-der' acompanha o profissional e abre ca-minho para acessar a universalização daconquista da ciência e das técnicas.

Para pesquisar a abordagem do ensi-no com pesquisa, foram utilizadas, princi-palmente, as obras de Demo (Educar pelapesquisa, 1996; Educação e qualidade,1994a; Pesquisa e construção do conheci-mento: metodologia científica no caminhode Habermans, 1994b; Desafios modernos

na educação, 1993), de Cunha (Relação epesquisa, 1996), e de Behrens (Formaçãocontinuada dos professores e a prática pe-dagógica, 1996).

Apontadas como tendências relevantespara compor o paradigma emergente, con-vém apresentar a elaboração dos quadrosreferenciais produzidos pelo grupo demestrandos, mediados pela professora-co-ordenadora da pesquisa. Alerta-se que, em-bora apresentado separadamente, em todosos momentos foi reforçada a idéia de que oparadigma emergente exige uma intercone-xão dos referenciais das três abordagens.

(continua)Quadro 1 – Ensino com pesquisa

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Quadro 2 – Paradigma holístico(continua)

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(continuação)

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Quadro 3 – Abordagem progressista(continua)

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(continuação)

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(continuação)

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(conclusão)

A prática pedagógica refletida:um sonho possível

A construção dos referenciais funci-onou como articulação para a discussãocrítica e reflexiva sobre os pressupostoslevantados e as decorrências meto-dológicas desencadeadas por eles. Aoproduzir essas contribuições individuaise coletivas, os participantes puderam de-tectar, visualizar e se conscientizar sobrea caracterização de suas ações pedagó-gicas. O fato de construir os referenciaislevou os docentes envolvidos a refletiremsobre sua função docente e os instigou abuscarem novas possibilidades para de-senvolver metodologias inovadoras emseus espaços de sala de aula.

A pesquisa se tornou rica e significa-tiva, pois possibilitou aos envolvidos noprocesso refletirem sobre o papel do pro-fessor na prática pedagógica e como suaopção paradigmática de ensino se refleteno trabalho educativo. Discutiram, anali-saram e refletiram sobre o paradigmaemergente e a possibilidade de reconstruirsuas práticas pedagógicas.

Acredita-se que a síntese dos referen-ciais levantados para cada abordagem éparcial e provisória, mas resgatar a teoriae a prática possibilitou colocar em discus-são a ação docente de cada professor en-volvido no processo. Segundo Sacristáne Gómez (1998, p. 9):

Sem compreender o que faz, a prática pe-dagógica é mera reprodução de hábitosexistentes, ou respostas que os docentesdevem fornecer à demanda e ordens ex-ternas. Se algumas idéias, valores e proje-tos se tornam realidade na educação é

porque os docentes os fazem seus de al-guma maneira: em primeiro lugar, interpre-tando-os, para depois adaptá-los... Apenasna medida em que cada um tenha claroesses projetos e essas idéias, pode ser umprofissional consciente e responsável.

Os professores atribuem significadose aprendem a partir das suas experiênciasvivenciadas como aluno envolvido em pro-cesso de formação continuada e comoprofessor, em suas atividades cotidianasem sala de aula. Nesse contexto, Myzukamie Rodrigues (1996, p. 61) propõem:

A premissa básica do ensino reflexivoconsidera que as crenças, os valores, assuposições que os professores têm so-bre ensino, matéria, conteúdo curricular,alunos, aprendizagem, etc. estão nabase de sua prática de sala de aula. Areflexão oferece a eles oportunidade dese tornarem conscientes de suas cren-ças e suposições subjacentes a essaprática. Possibilita, igualmente, o examede validade de suas práticas na obten-ção de metas estabelecidas. Pela refle-xão eles aprendem a articular suas pró-prias compreensões e a reconhecê-lasem seu desenvolvimento pessoal.

A proposta de buscar a teoria para ca-racterizar os paradigmas e a discussão ereflexão sobre as produções individuais ecoletivas possibilitou aos professores envol-vidos a oportunidade de rever sua prática evislumbrar novos caminhos para a reflexãosobre a ação docente. Esse processo foidesencadeado graças à proposta meto-dológica desenvolvida na pesquisa quepossibilitou a elaboração de produções de

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conhecimento que foram se configuran-do como o inter-relacionamento dos fiosde um tecido, firme e articulado. A pro-posta buscava a conexão de várias cor-rentes que pudessem ser aliadas paracompor pressupostos pedagógicos rele-vantes que viessem provocar o profes-sor para reconstruir sua ação docente.

Com essa perspectiva, Myzukami eRodrigues (1996, p. 63) defendem:

Professores geram quadros referenciaisao longo de suas interações com as pes-soas e com aspectos das instituições nasquais trabalham, de forma que as novasconcepções resultantes não são nem in-teiramente determinadas pelo contexto,nem inteiramente escolhidas por eles. Areelaboração dos quadros referenciaisdo professor constitui, nesse contexto,uma mediação entre teoria e prática re-velando, de um lado, novos significadosda teoria e, de outro, novas estratégiaspara a prática.

O processo de produção do conhe-cimento na busca de um paradigmaemergente na prática pedagógica foi be-neficiado pelas parcerias colaborativas,pois, para Giovani (1998, p. 54),

quer sejam efetivados sob forma de pro-jetos de pesquisa, quer se efetivem sobforma de ações de intervenção, residena vivência de um processo ou metodo-logia que 'contagia ânimos', leva à toma-da de consciência, promove a busca deconhecimento e desencadeia a açãotransformadora.

Na realidade, as mudanças vão gradati-vamente sendo construídas, contemplandoo posicionamento enquanto pessoa, pro-fessor e profissional. Mas nesse momento,o posicionamento paradigmático adquiriugrande importância, pois se o professor não

entender por que mudar, dificilmente vai al-terar sua ação docente. A pesquisa permi-tiu perceber que o fato de o professor/mestrando estar envolvido num processode formação continuada e numa pesquisanão garante a mudança de sua prática pe-dagógica, mas o provoca a refletir sobre suaação docente.

O desafio de mudar o paradigma daabordagem pedagógica proposta emsala de aula depende da superação dosparadigmas conservadores e da grada-tiva inserção do paradigma emergente,que nesse momento histórico, vem se co-locando, se interconectando e se recons-truindo a partir do paradigma vigente.Cabe ressaltar que não se trata de anu-lação do paradigma conservador na prá-tica pedagógica, pois seria irreal pensarna transposição de um paradigma parao outro como um passe de mágica. Oprocesso de transição precisa ser consi-derado, pois, durante a pesquisa, algunsmestrandos manifestaram a preocupa-ção de não abandonar por completo al-gumas atitudes docentes que vinham ca-racterizando sua prática.

O desafio da mudança de paradigmadepende diretamente da reflexão, da bus-ca de uma nova ação docente e do prepa-ro teórico-prático do professor. Outros fa-tores interferem nesse processo, dentreeles aponta-se como relevante: o espaçopara formação continuada; o atendimentopedagógico para orientar a nova metodo-logia; o acesso à bibliografia; o materialpara trabalhar em sala de aula; a utiliza-ção de laboratórios de informática; a dis-cussão da nova proposta e a aceitação dosalunos; a criação de espaço para discus-são e reflexão do grupo de professores queatuam na escola e o preparo dos gestorespara entenderem a nova proposta, entreoutros. Esses fatores precisam ser avalia-dos e dimensionados pelo grupo de pro-fessores e gestores envolvidos no proces-so de renovação da prática pedagógica.

O alerta cabe aos docentes de todosos níveis de ensino. Todos podem tornar asala de aula um espaço de aprender aaprender, um espaço privilegiado para re-alizar pesquisa que contribua de maneiraefetiva com suas próprias práticas peda-gógicas e com a daqueles professores/profissionais que se predispõem a buscaruma transformação continuada competen-te e significativa.

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Recebido em 11 de novembro de 1999.

Marilda Aparecida Behrens, doutora em Educação pela Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo (PUC-SP), é professora titular do mestrado em Educação daPUC-PR, coordenando a linha de pesquisa Teoria e Prática da Educação Superior.

Abstract

The experience acquired with higher educators concerned with the search ofinnovative paradigms for their pedagogical practices assisted the development of aresearch-action. This investigation contemplated both an individual and a collectivereflection by the teachers. Its objective was to offer a methodological assistance insurpassing the Cartesian paradigm that has been characterizing their conservative teachingactions. With the aim of overcoming the knowledge reproduction, a process of criticalpositioning about teaching was unchained. The readings, discussions and positionsconducted in building up the characterization of an innovative paradigm for the classroom.The paradigm entitled as emergent was proposed as an alliance among a progressiveapproach with a holistic view and the teaching with research. Although separatelypresented, the teachers had the clarity that they were interconnected and had, as essentialassumptions, the whole view and the reality transformation.

Keywords: pedagogical practice; teacher formation; emergent paradigm; innovativemethodologies; knowledge production; university teaching.

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