apostila de hidrologia (profa. ticiana studart) - capítulo 11: propagação de enchentes

21
C C a ap p í í t tu ul lo o 1 1 1 1 P P r r o o p p a a g g a a ç ç ã ã o o d d e e E E n n c c h h e e n n t t e e s s 1. INTRODUÇÃO Em muitas ocasiões, é de interesse para o engenheiro hidrologista saber como se comporta uma onda de cheia ao passar por um reservatório, bem como a forma de desenvolvimento temporal de vazão em seção para a qual não se dispõe de dados suficientes de precipitação e vazão, necessários para o traçado de hidrograma. Nessas circunstâncias, lança-se mão de princípios de propagação de enchentes. O “acompanhamento” da onda de enchente, seja em reservatório, seja em canais, embasado na lei de continuidade; sua equação, aplicada ao deflúvio, fornece a expressão do armazenamento, a partir da qual, por interações sucessivas, obtêm-se pontos para o traçado do hidrograma propagado, isto é, do hidrograma de saída ou “ efluente”. Para o desenvolvimento do tema e apresentação de processos metodológicos de propagação, é conveniente, dadas as peculiaridades de cada um, separá-lo em dois casos, quais sejam quando a onda passa através de um reservatório e quando ele se desloca para jusante de um canal. Pela equação da continuidade, I – 0 = ds/dt a diferença entre a vazão de entrada e a de saída eqüivale à taxa instantânea de acumulação. Considerando-se o intervalo de tempo suficientemente pequeno, mas não infinitesimal, é possível sua solução por acréscimos finitos. Nos métodos que seguem, desprezam-se os acréscimos provenientes de águas subterrâneas, as perdas por infiltração ou por evaporação; além disso, admite-se a não ocorrência de chuva na passagem da cheia. 2. PROPAGAÇÃO EM RESERVATÓRIOS Ao entrar na área do reservatório, ocorre um espraiamento da onda. A vazão de saída e o volume armazenado, num dado instante, são dependentes, exclusivamente, do nível de água no reservatório.

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CCaappííttuulloo

1111PPrrooppaaggaaççããoo ddee EEnncchheenntteess

1. INTRODUÇÃO

Em muitas ocasiões, é de interesse para o engenheiro hidrologista saber como se comporta uma

onda de cheia ao passar por um reservatório, bem como a forma de desenvolvimento temporal de vazão

em seção para a qual não se dispõe de dados suficientes de precipitação e vazão, necessários para o

traçado de hidrograma. Nessas circunstâncias, lança-se mão de princípios de propagação de enchentes.

O “acompanhamento” da onda de enchente, seja em reservatório, seja em canais, embasado

na lei de continuidade; sua equação, aplicada ao deflúvio, fornece a expressão do armazenamento, a

partir da qual, por interações sucessivas, obtêm-se pontos para o traçado do hidrograma propagado, isto

é, do hidrograma de saída ou “ efluente”.

Para o desenvolvimento do tema e apresentação de processos metodológicos de propagação, é

conveniente, dadas as peculiaridades de cada um, separá-lo em dois casos, quais sejam quando a onda

passa através de um reservatório e quando ele se desloca para jusante de um canal.

Pela equação da continuidade,

I – 0 = ds/dt

a diferença entre a vazão de entrada e a de saída eqüivale à taxa instantânea de acumulação.

Considerando-se o intervalo de tempo suficientemente pequeno, mas não infinitesimal, é possível sua

solução por acréscimos finitos.

Nos métodos que seguem, desprezam-se os acréscimos provenientes de águas subterrâneas, as

perdas por infiltração ou por evaporação; além disso, admite-se a não ocorrência de chuva na passagem

da cheia.

2. PROPAGAÇÃO EM RESERVATÓRIOS

Ao entrar na área do reservatório, ocorre um espraiamento da onda. A vazão de saída e o volume

armazenado, num dado instante, são dependentes, exclusivamente, do nível de água no reservatório.

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2Cap. 11 Propagação de Enchentes

O processo de propagação pode ser apresentado numa forma simplificada pelo esquema abaixo:

Figura 11.1 – Hidrograma afluente e efluente

O reservatório recebe a água do influxo, armazena e libera pelo vertedouro. Num caso mais

simples, em que a água é recebida de um lado e descarregada do outro, supõe-se que nã haja

armazenamento em cunha, sendo desprezíveis os efeitos dinâmicos.

Dois métodos são disponíveis para o presente caso: o de Pulse o de Goodrich. Basicamente, eles

se diferenciam pela maneira como é rearranjada a equação da continuidade já discretizada.

2.1. MÉTODO DE PLUS

A expressão anterior se torna

( )

∆+=

∆−+∆+ t 0

21

St 0 21

S2t

II 22 1121 .....

Admite-se o conhecimento dos termos do primeiro membro; assim, é possível computar-se o valor

de sua expressão e, com base na relação armazenamento e descarga, reduzir-se o valor de 02. Este será

argumento para a iteração seguinte, quando então se obtém 03 e assim por diante, até se compor o

hidrograma efluente pretendido pela plotagem de 0i (i = 1, 2, 3, . . . ).

A seguir, apresentamos o algorítimo do método, objetivando o traçado do hidrograma efluente.

Para sua implantação, são necessárias, além do hidrograma afluente, a curva cota x volume e dados

relativos a cota x vazão efluente (ou equação do vertedouro), bem como o valor inicial da descarga.

Q Q

t t

Influxo Efluxo

Page 3: Apostila de Hidrologia (Profa. Ticiana Studart) - Capítulo 11: Propagação de Enchentes

3Cap. 11 Propagação de Enchentes

1. A partir da relação cota x descarga e da curva cota x volume, obter as curvas:

descarga x

∆− t 0

21

S ..

descarga x

∆+ t 0

21

S ..

descarga x (S)

2. Preencher a coluna (4) da tabela modelada abaixo.

Tabela 11.1

(1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8)

t (h)Linha danteração

Vazãoafluente ( )

2t

. II 21 ∆+0

∆− t .0 .

21

S

∆+ t .0 .

21

SNível da

superfície

......

...

3. Da curva 0 x

∆− t .0 . 21

S , extrair o valor correspondente a 0 descarga inicial, conhecida),

preenchendo-se a primeira linha da coluna (6).

4. Adicionar a coluna (4) à coluna (6), inserindo a soma na coluna (7).

5. Obter, da curva correspondente, o valor de 0 associado àquele computado no passo

precedente.

6. Aplicar o novo calor de 0 para encontrar, na curva, o valor

∆− t .0 . 21

S , retornando o

passo (3) e prosseguindo iterativamente até o preenchimento integral da tabela, quando,

então, teremos os elementos necessários para o traçado do H.E. (coluna (1) x coluna (5) ).

A coluna (8) é preenchida a partir da curva cota x descarga, entrando com os valores de0

computados a cada iteração. Dessa coluna, podemos conhecer o nível máximo de elevação no

vertedouro.

O tempo de pico do hidrograma efluente se apresenta defasado relativamente ao do hidrograma

afluente. Além disso, a vazão de pico é menor, indicando a ocorrência de amortecimento. A diferença

entre os tempos de pico é conhecida como “ reservoir lag” (retardo pelo reservatório) e a redução

Page 4: Apostila de Hidrologia (Profa. Ticiana Studart) - Capítulo 11: Propagação de Enchentes

4Cap. 11 Propagação de Enchentes

nos fluxos extremos é referida como “atenuação”. Esta atenuação está associada diretamente às

dimensões do dispositivo de saída do reservatório (vertedouro); quanto maior sua largura, maior o

decréscimo de pico.

O ponto de máximo no H.E. coincide com um ponto da cauda de recessão do H.A. . Isso se dá

pelo fato de que a descarga no vertedouro depende somente da altura da lâmina d´água acima de sua

soleira; ora, como H.E. é defasado, no momento em que o influxo eqüivale ao efluxo a onda de cheia já

é recessiva (ou ainda, não há por que o nível d´água se eleve no vertedouro). Teoricamente, a cauda da

direita do H.E. atingirá vazão nula após decorrido um tempo infinito.

Figura 11.2

2.2. MÉTODO DE GOODRICH

Neste método, os termos da equação da continuidade são rearranjados da maneira seguinte:

=

++ 22

11

21 0 - t

S20 -

t S2

II

Conhecendo-se as condições iniciais e a hidrógrafa afluente, todos os termos do lado esquerdo

são conhecidos; há, então, elementos suficientes para determinação do valor do termo da direita.

Similarmente ao método de Puls, o resultado de uma iteração servirá de argumento na iteração

seguinte, até que ao final disporemos dos pares (ti, 0i) necessários para a composição da hidrógrafa

efluente.

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5Cap. 11 Propagação de Enchentes

Dividiremos, por razões didáticas, o método em duas etapas:

Etapa 1: Traçado da curva 0 x

+

∆0

t S2

Esta curva pode ser traçada por dois processos distintos:

1. Processo Gráfico:

A partir das curvas cota x volume e cota x descarga compõe-se a curva 0 x

+∆

0 t S2

como se

segue:

Figura 11.3 – Curvas cota x volume e cota x descarga

Tomando-se divisores valores de “S” e suas descargas “0” correspondentes, obtem-se vários pares

ordenados (S,0). Para cada valor de 0 determina-se o termo

+

∆0

t S2

; computados esses pares,

procede-se ao traçado da curva. O aspecto de uma curva desta natureza é apresentada na figura.

+

∆0

t S2

Figura 11.4 - Curva

+∆

0 t

S2 x 0

Page 6: Apostila de Hidrologia (Profa. Ticiana Studart) - Capítulo 11: Propagação de Enchentes

6Cap. 11 Propagação de Enchentes

3. PROCESSO MATEMÁTICO

Este processo consiste na elaboração de uma tabela auxiliar para o traçado da aludida curva, a

partir da curva cota x volume e da equação do vertedouro.

Tabela 11.2 - Tabela auxiliar

Observações:

Coluna 1: cotas a partir da solteira do vertedouro

Coluna 2: Hs = altura acima da solteira vertedouro (Hs – Ci – Cs)

Coluna 3: 0 = descarga no vetedouro, dada pela equação do mesmo (Ex.: 0 = 1, 8LH 3/2)

Coluna 4: S = armazenamento acima da cota da solteira do vertedouro (Si = Vi – Vcs)

Coluna 5: ∆t = intervalo de tempo em que se pode considerar o trecho do hidrograma

afluente retilíneo.

Traçar, a partir das colunas 3 e 6 a curva 0 x

+

∆0

t S2

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7Cap. 11 Propagação de Enchentes

Etapa 2: Determinação do hidrograma efluente.

Tabela 11.3 – Hidrograma afluente

Algorítmo para o preenchimento da tabela:

1. Adicionar o primeiro elemento da coluna 4 aos dois primeiros da coluna 3; inserir o valor obtido

na coluna 5.

2. Da curva

+∆ i

ii 0

t S2

x 0 , extrair o valor de “0i + 1” associado a termo da coluna 5.

3. Do último valor assinalado na coluna 5, subtrair o dobro da última vazão efluente computada.

O valor assim obtido, pertinente à coluna 4, será argumento para a nova iteração. Nesta,

tomar-seão da cuoluna 3 o último termo empregado e o que lhe segue; ademais, retorna-se

normalmente ao passo 1 para efetivação do curso iterativo, integralizando, o final, o

preenchimento da tabela.

O processo de propagação em reservatório, sendo este dotado de comportas, pode ser tratado de

forma análoga ao que foi exposto, desde que se adeqüe as curvas aludidas nos passos iniciais de cada

algorítmo às suas condições de abertura. Haverá tantas curvas quanto forem a quantidade de comportas

a modalidade de funcionamento. Aqui, nisso não deteremos.

Exemplo Numérico

Compor pelo método de Goodrich o hidrograma efluente de uma onda de cheia que passa pela

barragem do Açude Atalho (Ce.) cujas características se encontram descritas a seguir.

(*) Conhecidos(1) Assume valor nulo se a onda cheia encontra no tempo inicial o reservatório no nível da soleira do vertedouro.

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8Cap. 11 Propagação de Enchentes

Vertedouro:

• Equação: Q = 1,8 LH 3/2

• Cota: 426,0 m

• Largura: 150,0m

Reservatório:

Da curva cota x volume obteremos os valores abaixo:

Tabela 11.4

H (m) Volume (m3).106

426,00 395,0

426,50 400,5

427,00 406,0

427,50 411,0

428,00 416,0

428,50 423,0

429,00 430,0

429,50 434,5

429,97 439,0

Page 9: Apostila de Hidrologia (Profa. Ticiana Studart) - Capítulo 11: Propagação de Enchentes

9Cap. 11 Propagação de Enchentes

Fig

ura

11

.5 –

Cur

vas

de Á

reas

e V

olum

e do

Res

erva

tório

Ata

lho

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10Cap. 11 Propagação de Enchentes

Tabela 11.5

h (m)

Vazão no Q (m3/s)

Sangradouro Volume S (m3) 2S/∆ t (m3/s) 2S/∆ t + 0 (m3/s)

0,50 95,46 5.500.000 763,89 859,35

1,00 270,00 11.000.000 1.527,78 1.797,78

1,50 496,02 16.000.000 2.222,22 2.718,24

2,00 763,68 21.000.000 2.916,67 3.680,35

2,50 1.067,27 28.000.000 3.888,89 4.956,16

3,00 1.402,96 35.000.000 4.861,11 6.264,07

3,50 1.767,93 39.500.000 5.486,11 7.254,04

3,97 2.135,74 44.000.000 6.111,11 8.246,85

∆ t = 4 horas

Tabela 11.6 - Determinação da vazão afluente.

0 (m3/s)

Page 11: Apostila de Hidrologia (Profa. Ticiana Studart) - Capítulo 11: Propagação de Enchentes

11Cap. 11 Propagação de Enchentes

Adotaremos ∆ t = 4 horas como o intervalo de tempo em que se pode considerar o trecho

retilíneo. Preencheremos agora a tabela 6 que nos dará as os pontos para o traçado do hidrograma

afluente.

Tabela 11.6 – Determinação da vazão efluente

Tempo (h) Influxo (m3/s) 0i (m3/s)

0 0,00 0,00 60,00 0,00

4 60,00 54,00 284,00 3,00

8 170,00 272,00 762,00 6,00

12 320,00 616,00 1.431,00 73,00

16 495,00 1.101,00 2.256,00 165,00

20 660,00 1.526,00 2.986,00 365,00

24 800,00 1.896,00 3.531,00 545,00

28 835,00 2.141,00 3.766,00 695,00

32 790,00 2.246,00 3.686,00 760,00

36 650,00 2.216,00 3.331,00 735,00

40 465,00 2.081,00 2.846,00 625,00

44 300,00 1.816,00 2.286,00 515,00

48 170,00 1.526,00 1.771,00 380,00

52 75,00 1.241,00 1.348,40 265,00

55,6 32,40 988,40 180,00

4. PROPAGAÇÃO EM RIOS E CANAIS

O armazenamento ao longo de rios e canais não é função apenas da descarga, visto que o mesmo

se dá não somente na forma de prisma d’água; sobre este se manifesta uma formação em cunha. O

efeito dessa acumulação deve ser levado em conta.

Inexistindo uma relação biunívoca a descarga na extremidade de jusante e o volume retido no

vale do rio, há de se introduzir a vazão afluente como parâmetro adicional na definição do volume de

∆ sm0

tS2 3

ii

++

∆+

sm10

t1S2 3

ii

Page 12: Apostila de Hidrologia (Profa. Ticiana Studart) - Capítulo 11: Propagação de Enchentes

12Cap. 11 Propagação de Enchentes

acumulação. Note-se que o regime não é permanente; a superfície livre das águas pode assumir formas

distintas para idênticas condições-limites na seção de jusante, em função da posição em que se encontre

a onda de cheia no trecho considerado.

A acumulação d´água em um trecho de rio é mostrada simplificadamente na figura abaixo, onde

se podem identificar o prisma e a cunha de armazenamento.

Figura 11.7– Propagação de um Rio

4.1. MÉTODO DE MUSKINGUM

Desenvolvido por Mac Carthy, embasado em estudos no rio Muskingum (U.S.A), o método adota

conceitos de ambos os armazenamentos, em prisma e em cunha.

Consideram-se nesse caso, as acumulações em cunha proporcionais à diferença entre as afluente

(na seção a montante do trecho considerado) e efluente (na seção de jusante). Assim, é proposta a

expressão seguinte:

S = ( K . (x . I + (1 – x) . 0)

sendo: K : constante de cumulação; aproxima-se, em geral, do tempo de deslocamento da onda no

trecho.

Page 13: Apostila de Hidrologia (Profa. Ticiana Studart) - Capítulo 11: Propagação de Enchentes

13Cap. 11 Propagação de Enchentes

x: exprime o grau de participação da vazão afluente I na caracterização do volume acumulado;

em geral, varia entre 0 e 0,3.

Retornaremos à expressão da lei de continuidade, dtdS

0I += , ou ainda, tomando intervalo de

tempo suficientemente pequeno,

tSS

200

2II 212121

∆+

++

=+

( )tSS2

0II0 211212 ∆

+−−+=

Ora, a última parcela do segundo membro pode, como vimos, ser expressa, em função de I e 0.

Assim, introduzindo os coeficientes C0, C1 e C2, as vazões afluentes e efluentes, ficam como:

02 = C0 . I1 + C1 . I2 + C2 . 01 , onde: t . 50x KK

t . 50x KC0 ∆+−∆−−=

,.,.

t . 50x KKt . 50x KC1 ∆+−

∆+−=

,.,.

t . 50x KKt . 50x KK

C2 ∆+−∆−−

−=,.,.

Note-se que C0 + C1 + C2 = 1, isto é, 02 é apresentado como uma ponderação de I1 , I2 e 01 . O

problema agora consiste na obtenção dos valores de K e de x. De posse destes, podemos calcular a

vazão efluente no fim de um período ∆t em função das vazões afluentes e da descarga efluente no início

do período. O processo segue seu curso iterativamente até a composição do hidrograma de saída.

Os valores de K e x podem ser estimados de duas maneiras básicas. A primeira consiste em se

adotar um valor para x e se traçar o gráfico S versus (x . I + (1 – x) . 0); tal gráfico configurará uma

curva em laço; o valor de x será tanto mais ajustado quanto mais fechado for o laço; a reta que melhor

acompanhar este laço terá coeficiente angular equivalente a K. A figura 8 esclarece.

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14Cap. 11 Propagação de Enchentes

Figura 11.8 – Curva xI + (1 – x) . 0 vs S

A outra maneira, que julgamos mais cômoda, será aqui mais detalhada; apresentá-la-emos

algoritmizada a seguir.

1. A partir de um hidrograma afluente para o trecho e de seu hidrograma efluente

correspondente, compor seus gráficos, superpondo os eixos das abscissas.

2. Traçar cuidadosamente, pelo ponto de cruzamento dos dois hidrogramas referidos, a linha

tangente a cada um deles. Obtém-se, dessa forma, os valores de dI/dt. A figura 9 mostra o

cumprimento do passo.

Page 15: Apostila de Hidrologia (Profa. Ticiana Studart) - Capítulo 11: Propagação de Enchentes

15Cap. 11 Propagação de Enchentes

Figura 11.9 – Determinação de x

3. Aplicar os valores de dI/dt e d0/dt na equação seguinte, determinando, a seguir, o valor de

x.

dt0d

x1 dtdI

. x .)( −−=

Observação: A equação acima provém da consideração de que o armazenamento atinge seu máximo

quando da interseção dos hidrogramas. É evidente que nesse ponto a derivada da

acumulação relativamente ao tempo deve ser igual a zero (dS/dt = 0).

4. Compor um diagrama cujas ordenadas sejam os valores de S/K, isto é, (x . 1 + (1 – x) 0) e

cujas abscissas sejam os valores do armazenamento S. Os pontos coordenados serão

ajustadas a uma reta; a cotangente do ângulo de inclinação desta corresponde ao valor de

K.

5. De posse dos valores de K e de x basta substituí-los nas expressões C0, C1 e C2,

compondo, a seguir, a equação de 02 (02 = C0 . I1 + C1 + I2 + C2 . 01).

6. Obtido 02 , este servirá de argumento para a iteração seguinte. O processo iterativo é

concluído ao se dispor de pontos para o traçado do hidrograma efluente.

Observação: As tabelas a seguir modeladas são úteis na determinação do armazenamento e do valor

de K. Elas se prestam à implementação do passo 4.

Page 16: Apostila de Hidrologia (Profa. Ticiana Studart) - Capítulo 11: Propagação de Enchentes

16Cap. 11 Propagação de Enchentes

TTaabbeellaa 1111..77

Seção de montante Seção de jusantet

I Méd. + 0 Méd. -Diferença de volumes Σ

......

...

TTaabbeellaa 1111..88

t I x . I 0 (1 – x) . 0 x . I + (1 – x) . 0 S

.

.....

As acumulações no trecho do canal são relativamente maiores na fase ascensional da onda,

conforme se depende da figura – Ao contrário do que ocorre em reservatórios, pode haver

decrescimento na acumulação ao tempo em que a vazão de saída ainda está aumentando; isso porque

não necessariamente o pico do hidrograma efluente coincide com um ponto da cauda de recessão do

hidrograma de entrada.

Figura 11.10 – Hidrograma de entrada e desaída para um trecho docurso d’água. (Fonte:WILKEN, 1978)

Page 17: Apostila de Hidrologia (Profa. Ticiana Studart) - Capítulo 11: Propagação de Enchentes

17Cap. 11 Propagação de Enchentes

O valor de x que, como frisado, é indicativo da participação de I no volume armazenado, tem

efeito sobre a forma assumida pelo hidrograma efluente, notadamente quanto à defasagem entre os

pontos de pico de vazão de H. A. e H.E. . Um maior valor de x acarreta uma maior vazão de pico na

seção de jusante do trecho; no caso particular de x ser nulo, ou seja participação nula de I na

composição de H.E., a defasagem é mínima e o amortecimento da onda de cheia é máximo. A figura 11

esclarece.

Figura 11.11 – Efeito da variação de x no

hidrograma de entrada. (Fonte:

WILKEN, 1978)

O tratamento da vazão local, ou seja, proveniente de cursos d’água que afluem ao trecho,

constitui uma das principais dificuldades no estudo da propagação de cheias. Dois casos básicos podem

surgir:

1. Afluentes se concentram nas proximidades da seção de montante do trecho.

– Neste caso, a vazão local é adicionada ao hidrograma das descargas afluentes.

2. Contribuição local junto à seção de jusante.

– Subtraem-se, antes de se efetuar a análise dos volumes de acumulação, das vazões efluentes

os valores estimados para a vazão local.

Em situação onde a contribuição local é de grande vulto, o trecho do rio principal deve ser

subdividido e os cálculos de propagação efetuados por partes.

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18Cap. 11 Propagação de Enchentes

Exemplo Numérico

A partir dos hidrogramas afluente dadas a seguir, relativos a um trecho de um canal, determinar,

pelo método de Muskingum, os valores de K e de x, bem como traçar o hidrograma efluente produzido

opor uma chuva de mesma duração que a anterior, porém com o dobro de sua intensidade. Admitir

condições idênticas anteriores à chuva.

Tabela 11.9

t (n) I (m3/s) 0 (m3/s)

1 3,0 3,4

3 10,2 4,7

5 30,0 17,0

7 14,5 23,0

9 6,8 12,3

11 4,3 6,4

Figura 11.12

Page 19: Apostila de Hidrologia (Profa. Ticiana Studart) - Capítulo 11: Propagação de Enchentes

19Cap. 11 Propagação de Enchentes

Tabela 11.10 – Determinação de K

Seção de montante Seção de jusantet (h)

I(m3/s) Média (m3/s) + (m3) 0 (m3/s) Média (m3/s) + (m3)

Diferença de

volumes (m3)Σ (m3)

1 3,0 3,4

6,6 47.520 4,1 29.520 18.000 18.000

3 10,20 4,7

20,2 145.440 10,9 78.480 66.960 84.960

5 30,2 17,0

22,3 160.560 20,0 144.000 16.560 101.520

7 14,5 23,0

10,7 77.040 17,7 127.440 -50.400 51.120

9 6,8 12,3

5,6 40.320 9,4 67.680 -27.360 23.760

11 4,3 6,4

TTaabbeellaa 1111..1111

t I1 x I1 02 ( 1- x) 02 x I1 + (1 – x) 02 S

1 3,0 0,57 3,4 2,76 3,33 0

3 10,2 1,94 4,7 3,81 5,75 18.000

5 30,0 5,7 17,0 13,80 19,5 84.960

7 14,5 2,76 23,0 18,63 21,39 101.520

9 6,8 1,3 12,3 9,96 12,95 51.120

11 4,3 0,82 6,4 5,18 6,0 23.760

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20Cap. 11 Propagação de Enchentes

Figura 11.13 – Gráfico ( x . I1 + (1 – x) . 02) x S

K = 5.155 s ≅ 1,43 h

Determinação dos coeficientes:

33700,5.2 0,19 . 1,43 1,43

2 . 0,5 - 0,19 . 431t . 0,5 x K - K

t . 0,5 - x . KC0 ,,

=+−

−=∆+

∆−=

5890t . 0,5 x . K - K

t . 0,5 x . KC1 ,=

∆+∆+

=

0740t . 0,5 x K - Kt . 0,5 - x K. - K

C2 ,=∆+∆

=

02 = 0,337 . I1 + = 0,589 . I2 + 0,074 . 01

Tabela 11.12

t (h) 0,337 Ii + 1 0,589 . Ii + 1 0,074 0i 0i

1 2,022 11,78 0,252 3,4

3 6,874 35,340 1,039 14,1

5 20,22 17,081 3,200 43,2

7 9,772 8,010 1,539 20,8

9 2,898 5,605 0,829 11,2

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21Cap. 11 Propagação de Enchentes

Q(m3/s)

h

Figura 11.14 – Hidrogramas afluente e efluente