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Processo de Conhecimento 1 Processo de Conhecimento Professor: André Gustavo Salvador Kauffman

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Processo de Conhecimento

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Processo de Conhecimento

Professor: André Gustavo Salvador Kauffman

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Processo de Conhecimento

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SUMÁRIOIntrodução 3

Teoria Geral da Prova 4

1.1. Natureza: Material ou processual? 4

Lei de Introdução às normas 7

Código de Processo Civil 7

1.2. Prova como direito constitucional (constitucionalização do processo 8

1.3. Verdade Real X verdade Formal 12

1.4. O que pode ser objeto de prova? 15

1.5. Ônus da Prova 20

1.6. Prova Ilicita 22

1.7. Prova negativa (diabólica) 25

1.8. Critério para avaliação das provas (Hierquia das Provas) 26

Segunda parte: Provas em espécie 28

2.1. Interrogatório 28

2.2. Prova documental 29

2.3. Prova Pericial 34

2.4. Inspeção Judicial 37

2.5. Depoimento Pessoal (confissão) 38

2.6. Prova Testemunhal 40

Terceira parte: Temas Polêmicos acerca da prova 42

3.1. O Momento da inversão do ônus da prova 42

3.2. Existe diferença entre requerer e especificar provas? 47

3.3. A Teoria das cargas dinâmicas 48

3.4. A prova emprestada e o contraditório 52

3.5. A exibição de documento e a multa diária 53

Bibliografia Fundamental 53

Bibliografia Complementar 53

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Introdução

A prova é a faceta do processo de conhe-cimento na qual o mundo real mais se apro-xima da atividade jurisdicional. É no estudo da prova e, sobretudo, seu manuseio ade-quado na atividade forense, que se consegue vencer e – infelizmente... – perder boa parte das causas, em especial aquelas envolvendo direito civil e comercial.

A partir das lições que aqui serão dadas, certamente os alunos do ensino à distância da Universidade Gama Filho conseguirão se qualificar melhor para sua rotina profissional, alcançando melhores resultados.

Mas fique tranqüilo, caro aluno. O profes-sor designado para lecionar essa matéria não pretende entupi-los com frases de efeito e terminologia complexa. Durante as páginas que comporão essa aula, além dos vídeos e demais meios de apoio ao ensino fornecidos para a perfeita assimilação do conteúdo, apli-caremos uma fluência direta e fácil, sempre focada na prática, como deve ser qualquer curso de pós graduação.

Ao mesmo tempo as remissões bibliográ-ficas e jurisprudenciais permitirão ao aluno aprofundar seus estudos de forma bem sim-ples. Bastará consultar a íntegra dos acór-dãos citados parcialmente ou em ementas e, igualmente, consultar as obras de doutrina, em ambos extrairá detalhamentos científicos. Tudo de forma clara e de fácil compreensão. O professor tutor também ficará à disposição dos alunos para esclarecer dúvidas que, por-ventura, advierem do estudo.

Agora expliquemos a divisão do material escrito. Na primeira parte trataremos da teo-ria geral da prova, temas quase todos afetos ao processo, estudado sempre com um viés

constitucional, tudo premissa fundamental para a continuidade da aula. Na segunda par-te enfrentaremos as provas em espécie ou, melhor dizendo, as provas nominadas, tanto em seus aspectos conceituais como práticos; aqui o procedimento predominará. Por fim, os alunos justificarão o curso de pós: temas complexos de toda sorte.

Em outras palavras, começaremos plantan-do conceitos, posteriormente sedimentare-mos idéias para, em seguida, colhermos fru-tos bem intrincados.

Certamente após a conclusão da aula qual-quer aluno se sentirá muito mais seguro no manejo do processo.

Também deixamos o aluno bem tranqüilo com relação às avaliações. Nada além do ex-posto no material didático será cobrado, no máximo pesquisas correlacionadas ajudaram nos trabalhos, aqui mais com a finalidade de avaliar a capacidade metodológica de cada um dos alunos, até com vistas à monografia final.

Enfim, esperamos alcançar os objetivos de cada um de vocês quando ingressaram nes-ta especialização à distância, auxiliando-os na continuidade dos estudos com qualidade e efi-ciência.

Vamos em frente!

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Teoria Geral da Prova

1.1. Natureza: Material ou processual?

O processo é um fim em si mesmo? Há, na atu-al evolução da ciência processual, alguma possi-bilidade da forma prevalecer sobre o conteúdo? Direito material e processual são cientificamen-te e praticamente separados, não se alinhando de forma alguma? Caso você tenha respondido positivamente para qualquer uma das perguntas aqui formuladas, por favor, interrompa agora a leitura dessa aula e ponha-se a ler uma obra fun-damental do Processo Civil moderno: Direito e Processo, de autoria do Professor e Desembar-gador no Tribunal de Justiça de São Paulo, José Roberto dos Santos Bedaque1. Podemos garantir, sua opinião mudará em pouco mais de cento e cinqüenta páginas.

Para aqueles que responderam negati-vamente e, felizmente, puderam continuar lendo a aula, sugiro outra reflexão: prova é instituto de direito material ou processual? Vamos aos Códigos!

O Código Civil possui um título “Da Prova”, composto por nada menos que vinte artigos. Alguns até interessantes. Leiamos:

“Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:

I - os menores de dezesseis anos;

1 Direito e Processo: influência do direito material sobre o pro-cesso, 4.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006.

II - aqueles que, por enfermidade ou retar-damento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil;

III - os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam;

IV - o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes;

V - os cônjuges, os ascendentes, os des-cendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consangüinidade, ou afinidade.

Parágrafo único. Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o de-poimento das pessoas a que se refere este artigo.”

“Art. 232. A recusa à perícia médica orde-nada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.”

Ora, juiz no Código Civil? Estranho, não? Bem, sigamos, então, ao Código de Processo Civil. Lá acharemos um capítulo “Das provas” com mais de uma centena de artigos. Por que será que ambos legisladores, instrumen-tal e material, fizeram questão de versar so-bre prova? Poderíamos afirmar, então, afir-mar que as normas sobre provas previstas no Código Civil são de natureza material e as do Código de Processo Civil são de nature-za processual? A resposta é negativa, como bem ensina João Batista Lopes:

“Importa ressaltar, porém, que a questão da natureza das normas sobre prova não é, por assim dizer, topográfica, isto é, em rigor técnico, não é a circunstância de a norma se encontrar na lei processual que lhe dará esse caráter, mas o exame intrínseco do preceito é que permitirá resolver a questão”2

2 A prova no Direito Processual Civil, 3.ª ed., São Paulo: RT, 2006, p. 29.

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A dica do sempre direto autor é elucidativa, por isso mesmo vale também transcrever sua lição sobre quando as normas sobre provas pos-suem natureza processual, quando possuem natureza material. Leiamos, com atenção:

“O direito material ocupa-se precipua-mente com a essência das provas, indicando seu valor sua admissibilidade, suas conse-qüências etc.

Já o direito processual procura disciplinar a forma de colheita das provas, o momento e o lugar de sua produção, as regras sobre o ônus da prova, os poderes do juiz na produ-ção da prova etc.”3

Saiamos do conceito e vamos buscar exem-plos concretos. Comecemos por um bem sim-ples, a forma pela qual deve ser provada a exis-tência de uma doação. Falamos do art. 541 do Código Civil:

“Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular.”4

Se a doação se faz apenas por escritura ou instrumento particular ela não pode ser con-siderada existente apenas porque alguém

3 Ob. cit., p. 28.4 Isso mesmo, atento leitor, existem normas sobre provas no Código Civil que não estão dentro do capítulo “da prova”.

ouviu um pretenso doador afirmar publica-mente que doaria a um potencial donatário certo bem. Não.

Para todos os fins de direito material, a doação apenas será considerada existente se e quando reduzida a termo, quer em uma es-critura, quer em um instrumento particular.

Foquemos agora no art. 407 do Código de Processo Civil:

“Art. 407. Incumbe às partes, no prazo que o juiz fixará ao designar a data da audi-ência, depositar em cartório o rol de teste-munhas, precisando-lhes o nome, profissão, residência e o local de trabalho; omitindo-se o juiz, o rol será apresentado até 10 (dez) dias antes da audiência.”

O artigo em destaque versa sobre os requi-sitos para a produção da prova testemunhal, o que deve conter no rol de testemunhas, qual o prazo e local para seu depósito etc.

Evidente, portanto, a natureza processual do artigo, pois, na distinção que adotamos acima, afeta a forma da produção da prova.

Passemos, então, a normas processuais presentes no Código Civil.

E usemos por uma que já citamos acima: o art. 232.

Segundo essa norma, o litigante que se recusar a judicialmente se submeter a uma perícia arcará com as conseqüências de seu ato, podendo recair sobre ele a presunção de que quis ocultar algum fato que lhe pre-judica.

Exemplo rotineiro nesse sentido é a nega-tiva de fornecimento de material para o exa-

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me de DNA em investigação de paternidade. Vejamos como o Superior Tribunal de Justiça já sumulou a questão:

“Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.”5

Evidentemente, toda essa temática envolta ao art. 232 do Código Civil possui natureza pro-cessual. A decisão de se negar a comparecer em uma diligência pericial ocorre no curso de um processo. As conseqüências de tal ato ope-ram no campo da preclusão, ou seja, a perda de uma oportunidade processual.

Em outras palavras, mesmo estando a nor-ma em comento em uma codificação material, sua natureza é, inegavelmente, instrumental.

Para finalizar, uma norma de direito ma-terial, dentro do Código de Processo Civil. O art. 366:

5 Súmula 301, Segunda Seção, julgado em 18/10/2004, DJ 22/11/2004 p. 425. Instigante tema de monografia de conclusão de curso envolve essa súmula e o direito de não produzir prova contra si mesmo. Seria a súmula inconstitucional?!?

“Art. 366. Quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta.”

Inegável a correlação deste artigo com o acima citado art. 541 do Código Civil. Quando um ato exige uma determinada forma, deve ela ser observada sob pena de ineficácia. Fo-cando na doação, a forma exigida pela lei é a escritura pública ou o instrumento particular, sem ela, por mais testemunhas que surjam, doação não existirá. Evidente a natureza mate-rial da norma.

Agora, talvez você esteja se perguntando: por qual motivo estou estudando essa boba-gem de classificar as normas sobre provas? Logo no começo da aula li que esse curso teria foco na prática forense e, agora isso... Calma, atento leitor! Chegou, de fato, a hora de ex-plicar o porquê de fazermos a distinção entre normas de direito material e processual, quan-do falamos da prova. E o motivo tem um nome meio complicado: direito intertemporal!

Certamente como aluno de pós-graduação, você sabe que o direito intertemporal se preocupa em analisar a aplicação da lei no tempo, mais precisamente a aplicação da lei nova. Fiquemos aqui com a clássica explicação de Galeno Lacerda, citando Roubier:

“Ensina o clássico Roubier, em sua magnífica obra Les Conflits de Lois dans le Temps (I/317), que a base fundamental do direito transitório reside na distinção entre efeito retroativo e efeito imediato da lei. Se ela atinge facta praeterita é retroativa; se facta pendentia, será necessário distinguir situações anteriores à mudança da lei, que

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não pode ser atingidas sem retroatividade, e situações posteriores, paras as quais a lei nova, se aplicável, terá efeito imediato.”6

Isso fica bem claro quando comparamos a Lei de Introdução às normas do Direito Brasi-leiro7 com o Código de Processo Civil. Façamos isso em paralelo:

Lei de Introdução às normas Código de ProCesso Civil

“Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.”

“Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.”

Enquanto no direito material a regra é a da irretroatividade das normas, no Direito Pro-cessual Civil a regra é a da aplicação imediata, mesmo tendo o processo sido iniciado sob a vigência de normas mais antigas. Por isso mesmo lemos constantemente em jurisprudência que o “princípio tempus regit actum confere aplicação imediata à lei processual”8, mas jamais poderá retroagir e atingir atos já praticados.

Tomemos como exemplo os mesmos artigos acima citados para identificar normas proces-suais e materiais, tanto no Código Civil (arts. 541 e 232) como no Código de Processo Civil (arts. 407 e 366).

Evidentemente, se uma reforma na lei civil codificada alterar a forma da doação (art. 541 do Código Civil), aceitando-a de maneira tácita, essa modificação jamais alcançaria atos ante-riores à lei, apenas aqueles futuros, praticados após sua vigência. Da mesma maneira, se por qualquer motivo o legislado decidir ignorar a forma dos atos j

Jurídicos, passando a prevalecer no direito brasileiro a informalidade, essa mudança abrupta jamais atingiria atos ocorridos na vigência do até então em vigor art. 366 do Código de Pro-cesso Civil.

6 O novo direito processual civil e os feitos pendentes, 2.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 1-2.7 Nova denominação dada à Lei de Introdução ao Código Civil, redação dada pela Lei n.º 12.376/20108 STJ, REsp 1205159/ES, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 15/02/2011, DJe 28/02/2011

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Situação diametralmente oposta se daria se, no curso de uma ação de investigação de paternidade o art. 232 do Código Civil viesse a ser revogado. Aquela presunção outrora existente cairia, tornando vedado ao juiz da causa dela (presunção) se vale para julgar, devendo se socorrer de outros elementos probatórios, quiçá reabrir a produção probatória. No mesmo prumo, se a causa ainda está sendo saneada e o legislador processual altera o prazo e os requisitos para ofertar o rol de testemunhas, a lei nova se aplica imediatamente9.

De tudo que aqui estudamos podemos sintetizar dois pontos fundamentais:

(i) Para fins de definição de sua natureza material ou processual, pouco importa se uma norma sobre prova está no Código Civil ou no Código de Processo Civil. O fundamental é inferir seu conteúdo, pois, em regra, a norma sobre prova de natureza material versa sobre a eficácia e validade de atos jurídicos, enquanto a norma sobre prova de natureza processual tratará sobre como a prova será produzida.

(ii) Quando uma norma sobre prova for de direito processual ela será, em regra, aplicável aos processos em curso, já as normas sobre prova de direito material não retroagem para invalidar atos realizados anteriormente a sua vigência.

1.2. Prova como direito constitucional (constitucionalização do processo

Apesar de termos deixado bem claro, logo na introdução desta aula, que o Processo não é um fim em si mesmo, jamais essa conclusão deve ser utilizada para mitigar a relevância da ciência processual para qualquer Estado Democrático de Direito.

9 Sobre o tema, vale ler a íntegra do acórdão cuja ementa aqui coligimos: “Art. 407 do Código de Processo Civil na redação da Lei nº 10.358/01. Preclusão para a apresentação do rol de testemunhas. Despacho marcando a audiência anterior à nova redação. Não-existência de omissão. 1. Não se discute que em matéria processual a lei nova tem aplicação imediata. Ocorre que na nova redação, o prazo seria aquele que o Juiz fixasse ao designar a audiência e em caso de omissão, e somente nesse caso, seria de dez dias. Ora, quando o Juiz designou a audiência e fez referência ao art. 407, estava em vigor o depósito no prazo de cinco dias; portanto, como a designação foi antes da vigência da Lei nº 10.358/01, o prazo era de cinco dias, sendo este o fixado pelo Juiz, não se podendo falar de omissão, que, então sim, acarretaria o prazo de 10 dias. 2. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp 514.442/SP, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 29/10/2003, DJ 02/02/2004, p. 336)

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Você conseguiria se imaginar vivendo em um país no qual o Estado poderia lhe proces-sar sem você saber? Sem que sequer o teor da acusação que lhe foi dirigida fosse de seu conhecimento? Local onde o Estado poderia julgar sem fundamentar suas decisões, realizar as sessões de julgamento em um local isolado no qual nem você, sequer seu advogado, te-riam acesso?

Após isso seu patrimônio e/ou liberdade so-freriam restrições de toda sorte, sem você ja-mais saber o porquê. Inimaginável, não?

Pois é, para aqueles que queiram ter uma noção da relevância de tantas garantias cons-titucionais de natureza processual que nós te-mos no Brasil, vale a leitura de O processo, do autor checo Franz Kafka, à disposição em qualquer livraria ou, até mesmo, em bancas de jornal, naquelas coleções de obras clássi-cas cujos direitos autorais já caducaram – e há tanta coisa boa para ser lida ali... O li-vro conta a história de Josef K., que da noite para o dia é preso e participa de um processo absolutamente incompreensível e acusado de algo que nunca lhe foi explicado.

Quem preferir, pode ver o filme, The Trial do diretor Orson Welles. Tudo ali parece inacredi-tável, mas, creia caro aluno, em certos Estados não muito distantes, inclusive aqui, no Brasil, situações tão inacreditáveis eram comuns.

Fato é que o a Constituição de 1988 trouxe uma gama expressiva de direitos fundamen-tais, dentre eles se destacam garantias pro-cessuais, quase todas derivadas do chamado devido processo legal.

Hoje felizmente falamos de ampla defesa, contraditório, publicidade e motivação na-turalmente, conscientes que somos de que são, todos eles, direitos constitucionalmente garantidos.

A dúvida aqui é outra: a prova possui am-paro constitucional? João Batista Lopes não reluta em dizer que sim:

“O direito à valoração da prova tem íntima relação com o princípio constitucional que garante a motivação das decisões judiciais: é que o juiz tem o dever de motivar suas decisões indicando os elementos de fato e de direito que lhe formaram o convencimento”10

Proveria, então, o lastro constitucional do direito à prova do art. 93, XI, da Constituição Federal, que assim prevê:

“Art. 93.

(...)

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;”

Outros autores, Flávia de Almeida Montin-gelli Zanferdini e Alexandre Gir Gomes, che-gam em conclusão similar:

10 Ob. cit., p. 168.

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“...o direito à prova, no Brasil, é decor-rência lógica das garantias constitucionais que compõem o denominado modelo consti-tucional de processo, notadamente, a ampla defesa e o contraditório, intrínsecos aos de-vido processo legal, haja vista que de nada valeriam tais postulados, fundamentais, se a parte não gozasse de oportunidades pro-cessuais para provar e fundamentar suas alegações

Dizem respeito às provas, ainda, os pre-ceitos constitucionais insculpidos no art. 5.º, incisos XII, XXXIII, XXXIV, ‘b’ e LVI, que tra-tam, respectivamente, do sigilo de corres-pondência, de dados, etc., exceto para in-vestigação e instrução processual criminal, do direito de acesso à informações públicas, do direito de certidão e da vedação às pro-vas obtidas por meios ilícitos.

Vê-se, pois, que o direito à prova tem relevância suficiente para estar consagrado no rol das garantias constitucionais funda-mentais. E assim deve ser, pois todo direi-to, direta ou indiretamente, tem origem em fatos, e por isso, a necessidade de provar é umbilicalmente vinculada ao pedido ou à defesa, não sendo possível vislumbrar pro-cesso efetivo sem prova alguma.”11

11 Cargas probatórias dinâmicas no processo civil brasileiro, RDDP 69/17.

O acerto da doutrina é inegável. Deduzi-mos o lastro constitucional do direito à prova quando analisamos as garantias de acesso ao Poder Judiciário, o direito de ação e o contraditório. E assim quando nos fazemos uma pergunta bem simples: do que adianta-ria acessar a Justiça se ela não te deixasse provar o que eu alego? Seria como dar com uma mão e tirar com a outra, algo incompa-tível com o Direito.

Mas qual a conseqüência prática de con-cluirmos haver a garantia constitucional do direito à prova. A primeira conseqüência é prática: um bom operador do direito jamais examinará questões envolvendo prova ape-nas com um Código de Processo Civil na mão, necessariamente buscará elementos interpretativos na Constituição Federal. A se-gunda implicação é mais contenciosa, pois o correto manejo das garantias constitucionais processuais permite tentar abrir, se necessá-rio for, a via do Recurso Extraordinário.

Haverá, sem dúvida, muita dificuldade no manejo do recurso extremo, pois o Supremo Tribunal Federal consolidou uma jurispru-dência defensiva12 denominada de ofensa reflexa, segundo a qual se houver norma in-fraconstitucional ofendida cabe ao Superior Tribunal de Justiça analisar a questão, em Recurso Especial. Vejamos um precedente recente nesse sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. TV POR ASSINATURA. CO-BRANÇA INDEVIDA DE PONTO ADICIONAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFI-GURADO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSU-MIDOR. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIO-

12 Em artigo de nossa autoria, definimos jurisprudência defensiva da seguinte forma: “consolidação de entendimentos de Tribunais Superiores com a precípua finalidade de reduzir-lhes o trabalho, mesmo que, para tanto, torne-se necessário ignorar o rigor científico” (REPRO, 160/269)

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NAL. OFENSA REFLEXA. ART. 93, IX, DA CF. NÃO VIOLAÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO.

I – O Supremo Tribunal tem decidido no sentido de que o indeferimento de diligência probatória, tida por desnecessária pelo juí-zo a quo, não viola os princípios do contra-ditório e da ampla defesa.

II – O acórdão recorrido decidiu a ques-tão com base na legislação infraconstitu-cional aplicável à espécie, no caso, o Có-digo de Defesa do Consumidor. A afronta à Constituição, se ocorrente, seria indireta. In-cabível, portanto, o recurso extraordinário.

III – A exigência do art. 93, IX, da Consti-tuição, não impõe que seja a decisão exaus-tivamente fundamentada. O que se busca é que o julgador informe de forma clara e concisa as razões de seu convencimento.

IV - Agravo regimental improvido.”13

Discordamos francamente dessa forma de julgar adotada pelo Supremo Tribunal Fede-ral que, em última análise, acarreta a dele-gação da competência constitucional ao Su-13 STF, AI 804061 AgR, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 19/10/2010, DJe-217 Divulg 11-11-2010 Public 12-11-2010 ement vol-02430-02 PP-00602

perior Tribunal de Justiça, tudo em flagrante inconstitucionalidade. Seja como for, em si-tuações mais delicada como a prova ilícita, aquela mesma Corte Suprema já reconheceu a existência de repercussão geral para pro-cessar Recurso Extraordinário:

“Matéria Criminal. Busca e apreensão em residência sem mandado judicial. Inviolabili-dade do domicílio. Prova ilícita. Repercussão geral admitida.”14

Outro precedente interessante aborda o sigilo de dados:

“SIGILO DE DADOS - ATUAÇÃO FISCA-LIZADORA DO BANCO CENTRAL - AFAS-TAMENTO - INVIABILIDADE. A atuação fiscalizadora do Banco Central do Brasil não encerra a possibilidade de, no campo administrativo, alcançar dados bancários de correntistas, afastando o sigilo previsto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal.”15

Vislumbramos, portanto, estar o Supremo Tribunal Federal sensível a discutir direitos probatórios constitucionalmente tutelados expressamente, tangenciando, porém, aque-les oriundos de garantias processuais consti-tucionais, invocando a jurisprudência defen-siva da ofensa reflexa.

Por fim, também devemos levar em con-sideração a forma de interpretação das de-mais normas infraconstitucionais envolvendo a prova. Sendo a prova direito constitucional-mente tutelado, a exegese das suas normas processuais deve sempre levar em conside-ração os desejos maiores da Constituição Fe-14 STF, RE 603616 RG, Relator(a): Min. MIN. Gilmar Mendes, julga-do em 27/05/2010, DJe-190 Divulg 07-10-2010 Public 08-10-2010 ement vol-02418-08 PP-01686 RJSP v. 58, n. 396, 2010, p. 163-16815 STF, RE 461366, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 03/08/2007, DJe-117 Divulg 04-10-2007 Public 05-10-2007 DJ 05-10-2007 PP-00025 Ement vol-02292-03 PP-00668 RTJ VOL-00202-03 PP-01254 RT v. 97, n. 868, 2008, p. 152-161.

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deral, sobretudo nos julgamentos realizados pelo Poder Judiciário.

Ao final desse segundo item de nossa aula concluímos:

(i) Há lastro constitucional para o direito à pro-va;

(ii) Devemos sempre interpretar questões pro-batórias partindo da Constituição Federal;

(iii) a conseqüência prática dessa forma de es-tudar a prova é poder manejar Recurso Ex-traordinário quando sucumbimos em tema envolvendo o direito probatório.

1.3. Verdade Real X verdade Formal

Antes de criar ilusões nos alunos devemos lembrar um verdadeiro tapa de realidade que nos dá um autor italiano chamado Eugenio Pincherli: “la verità è nella proprosizione, la certezza è nella mente”16, ou seja, em tra-dução livre, a verdade está na sentença, a certeza está no espírito.

Queremos com essa recordação para lem-brar de uma fator quase psicológico, talvez até superior à relevante discussão sobre se o pro-cesso civil cuida de se preocupar com a verda-de existente no mundo verdadeiro ou, simples-mente se satisfaz com aquela presente nos 16 Apud LOPES, João Batista, Ob. cit., p. 27, nota de rodapé 4.

autos processuais: julgar é um ato de sen-tir, sentenciar é a mera materialização desse sentimento.

Voltemos, porém, à discussão sobre a ver-dade real e a formal no processo civil. Profes-sores de renome como Ada Pelegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antônio Carlos de Araújo Cintra, são bem claros em suas opi-niões sobre o tema:

“No campo do processo civil, embora o juiz hoje não mais se limite a assistir iner-te à produção das provas, pois, em princí-pio pode e deve assumir a iniciativa destas (CPC; arts. 130, 342 etc.), na maioria dos casos (direitos disponíveis) pode satisfazer--se com a verdade formal, limitando-se a acolher o que as partes levam ao processo e eventualmente rejeitando a demanda ou a defesa por falta de elementos probatórios.”17

Há, todavia, julgados em sentido oposto. Eis um exemplo:

“- Além do compromisso com a Lei, o juiz tem um compromisso com a Justiça e com o alcance da função social do processo para que este não se torne um instrumento de restrita observância da forma se distancian-do da necessária busca pela verdade real, coibindo-se o excessivo formalismo.

- Conquanto mereça relevo o atendimen-to às regras relativas à técnica processual, reputa-se consentâneo com os dias atuais erigir a instrumentalidade do processo em detrimento ao apego exagerado ao forma-lismo, para melhor atender aos comandos da lei e permitir o equilíbrio na análise do direito material em litígio.

Recurso especial provido.”18

17 Teoria Geral do Processo, 23.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 71.18 STJ, REsp 1109357/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/10/2009, DJe 01/07/2010

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Guardadas algumas exceções, normal-mente relacionadas com juízes de formação mais clássica, nossa atuação na advocacia vem demonstrando que – mesmo em causas discutindo direitos disponíveis – dificilmente os juízes não deixam de determinar a pro-dução dessa ou daquela prova, que pensem necessárias à formação da sua convicção, na busca da realidade dos fatos.

Como iremos estudar ainda (item 3.3) aquele chamado espectador de pedra do Processo Civil não existe mais. Há inevitável preocupação da jurisdição em julgar em ali-nhamento com o que realmente aconteceu no mundo real, portanto, a verdade real é, sim, procurada também no Processo Civil, mesmo quando tutela direitos disponíveis.

Pensar diferente redunda em aceitar situa-ções processuais com graves paradoxos. To-memos dois exemplos. No primeiro, em uma ação de cobrança, um réu afirma ter pago porém os recibos estão na posse de tercei-ro em face de quem não requer a exibição (art. 360, CPC). No segundo, em uma ação de guarda de menor, o réu suscita risco à salubridade do menor pautado em laudos psiquiátricos do autor, guardados com tercei-ro. Ora, segundo a ótica da disponibilidade e indisponibilidade, no segundo exemplo o juiz deveria determinar a produção da exibi-ção, enquanto na primeira não. Condizente,

realmente, seria essa forma de julgar com o escopo pacificador da jurisdição?

Há, todavia, entendimento jurisprudencial em sentido contrário ao que entendemos ser o mais correto:

“Prestação de serviços. Ação de cobran-ça. Julgamento antecipado pleiteado pelo litigante, que viu desacolhidas suas alega-ções.

Recurso fundado na assertiva de que o Juiz havia de ordenar, de ofício, a

produção de prova. Providência inexigí-vel.

Recurso improvido. No caso de demanda entre partes capazes, que versa sobre di-reito disponível e cujo julgamento a lei não condiciona à produção de determinado meio de prova, motivo não há para o Juiz se subs-tituir ao litigante e ordenar prova que a par-te expressamente dispensou.”19

Como em sentido favorável:

“Prova — expedição de ofício ao hospi-tal, onde Internada a filha da autora, a fim de saber se integrava ele, ou não, a rede

19 TJSP, Ap. n.º 1122113-0/6, rel. Des. Arantes Theodoro, 36.ª Câm., j. 28.08.08.

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credenciada da demandada — providência determinável ex officio, posto que inserida nos chamados poderes instrutórios do juiz e que não se submete à preclusão temporal — questão fática essencial ao deslinde da causa(...)”20

Cabe-nos, portanto, explicarmos melhor nosso pensamento. Antes de tudo não ve-mos na busca pelo direito real a possibilidade de substituição das partes pelo juiz. É fun-damental, para fins de isenção da prestação jurisdicional, que o magistrado mantenha a necessária distância das partes, analisando seus argumentos com igualdade constante.

http://aedum.com/wp-content/themes/retone/images/tribunais.jpg

No primeiro precedente acima citado (o que nega a busca da verdade real em direi-tos disponíveis), a parte pediu o julgamento da causa no estado em que se encontrava, ou seja, entendia ela não ser necessária a produção de qualquer outra prova.

Renunciou, portanto, às provas, não po-dendo depois alegar cerceamento de defesa por sua desídia, como acabou tentando fazer. Vejamos julgado nesse sentido:

20 TJSP, Ap. 445.987-4/3-00, rel. Mathias Coltro, 5.ª Câm., j. 20.05.09.

“CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO OCOR-RÊNCIA – PROVA EMPRESTADA - REGULARI-DADE - MANIFESTAÇÃO DAS PARTES SOBRE O LAUDO SEM IMPUGNAÇÃO ÀS CONCLU-SÕES DO PERITO - JULGAMENTO ANTECI-PADO REQUERIDO PELA APELANTE”21

Bem diverso é o quadro quando o juiz, veri-ficando a necessidade de uma prova para for-ma seu convencimento, resolve deferir essa ou aquela prova, outrora não requerida. Ele, juiz, é o destinatário da prova. Será ele quem terá que julgar sem ela e, conseqüentemente, sem saber o que efetivamente aconteceu na lide. Seria como impor-lhe uma amarra, obri-gando-lhe a decidir do que não se convenceu.

Registramos que a busca pela verdade real em regra não importa em ajudar esse ou aquele litigante. Retomemos os exemplos acima ilustrados. Neles, a ordem de exibição pode resultar na apresentação de um recibo ou, ao revés, na negativa do terceiro de que tais documentos existam. No segundo exem-plo, o laudo até mesmo pode existir e atestar a plena sanidade do examinado.

Por fim, nunca é demais relembrar o dever do juiz em evitar a eternização dos confli-tos (art. 125, II do Código de Processo Civil e art. 5.º, LXXVIII da Constituição Federal), deferindo diligências meramente investigati-vas, quando os autos já trazem elementos de convicção suficiente para o desate da contro-vérsia.

Sem prejuízo de verem uma excelente passagem do musical Chicago que trata do tema, a partir da música Razzle Dazzle (a tra-dução da letra está na internet http://letras.terra.com.br/chicago-soundtrack/96537/tra-ducao.html), sintetizemos:

21 TJSP, Ap. 7.077.290-0, rel. Roberto Bedaque, 21.ª Câm., j. 12.12.06.

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(i) há conflitos, na doutrina e na jurispru-dência, sobre qual verdade satisfaz o pro-cesso civil, a formal ou a formal; prevale-cendo normalmente aquela nos pensadores mais clássicos e esta nos contemporâneos

(ii) somos favoráveis, plenamente, à bus-ca da verdade real, porém quando o juiz não se encontra com seu convencimento forma-do acerca da lide, devendo evitar a eterniza-ção dos conflitos.

1.4. O que pode ser objeto de prova?

Seguindo no campo da teoria geral da pro-va, precisamos agora definir qual o objeto da prova. Para tanto, nos socorreremos da lição de Gildo dos Santos:

“Objeto da prova é sempre um fato so-bre que ela recai. Há de trata-se, porém, de um fato controvertido, segundo a lição dos doutos.

Consideramos, todavia, que não basta tratar-se de um fato controvertido, como quer o próprio Código de Processo Civil (art. 334, III), para que seja objeto de prova.É preciso que, além de controverso, seja re-levante para a solução da lide. Se há um aspecto controverso, mas, apesar disso, não apresenta interesse ou relevância para a solução da lide, sobre ele não se há de fazer prova.Esta, enfim, só se realiza quan-do é útil e relevante para o deslinde da causa, sempre, à evidência sobre um fato controvertido.”22

Fato controvertido, relevante e útil. João Batista Lopes, com algumas mudanças na nomenclatura, explica e exemplifica cada um dos itens por nós propositadamente destaca-dos em itálico acima na lição acima. Leiamos, com atenção:

22 A prova no processo civil, 3.ª ed., São Paulo: RT, 2009, p. 21, grifos ausentes no original.

“Fatos relevantes são os acontecimentos da vida que influenciam o julgamento da lide (v.g.: tráfego na contramão da direção caracterizar culpa numa ação de reparação de dano; conduta desonrosa como causa de separação judicial etc.).

Fatos pertinentes são os que têm rela-ção direta ou indireta com a causa (v.g.: em acidente de trânsito, é pertinente saber a extensão dos danos a posição em que fica-ram os veículos após o evento; mas é imper-tinentes saber se o réu é o proprietário do prédio em que mora, se é solteiro, casado etc.).

Fatos controversos (ou controvertidos) são os quem afirmados por uma das partes, venham a ser impugnados pelo adversário (v.g.: na ação de reparação de dano men-cionada, poderá ocorrer que o réu impugne a alegação de culpa pelo acidente, mas dei-xe de impugnar o valor pleiteado pelo autor pelos danos sofridos).””23

E o mesmo professor inclui um novo re-quisito para o fato pode ser objeto de prova: precisão. Vejamos:

23 Ob. cit., p. 31-32.

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“Fatos precisos são os que determinam ou especificam situações ou circunstâncias importantes para a causa. Alegações gené-ricas ou vagas não comportam prova (p. ex. não basta alegar genericamente a insinceri-dade do pedido de retomada, mas é neces-sário descrever fatos concretos e precisos que indiquem sua ocorrência).”24

Agora, você deve estar se perguntando, de onde tiraram os referidos autores tantos crité-rios para definir o objeto da prova? Tentaremos deduzir tais critérios do Código de Processo Ci-vil, começando por citar alguns artigos que, no nosso entender, possuem correlação direta com o tema agora estudado. Vamos a eles:

“Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as pro-vas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou mera-mente protelatórias.”

“Art. 334. Não dependem de prova os fa-tos:

I - notórios;

II - afirmados por uma parte e confessa-dos pela parte contrária;

III - admitidos, no processo, como incon-troversos;

IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.”

“Art. 335. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de ex-periência comum subministradas pela ob-servação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, res-salvado, quanto a esta, o exame pericial.”

Parece-nos muito fácil abstrair dos arts. 130, 334 e 335 do Código de Processo Civil o exato 24 Ob. cit., p. 32.

objeto da prova. Primeiro lendo que apenas as provas necessárias devem ser produzidas, devendo (atente, caro aluno, ao tempo verbal da norma) o juiz indeferir as inúteis.

Aqui precisamos voltar à jurisprudência. É acertada a postura do magistrado que, sob a alegação de que está evitando a decretação posterior de cerceamento de defesa pelos Tribunais, defere toda e qualquer prova re-querida, retardando gravemente o julgamen-to da causa? É comum lermos esse tipo de precedente:

“PROVA - Pretensão de dilação probatória - Indeferimento pelo juízo “a quo”- Alegação de que a produção da prova servirá para de-monstrar que o negócio jurídico entabulado pelas partes contém vício de consentimento - Inadmissibilidade - O juiz é o destinatá-rio da prova - Prova inútil para a solução da questão controvertida”25

Vemos claramente da leitura da ementa que, sob a máxima de ser o juiz destinatário da prova, se ele julga o processo com aquelas (provas) já produzidas por estar convencido do acerto de sua decisão não há cerceamento 25 TJSP, AI n.º 0062513-58.2010.8.26.0000, rel. Renato Rangel Desinano, 11.ª Câm., j. 02.09.10

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de defesa. Curioso que esse tipo de entendi-mento cai por terra no exato momento em que o Tribunal – igualmente destinatário da prova – acaba por exigir outras provas para revisar a causa, anulando a sentença. Mas não é esse o foco que estamos dando a questão. Quere-mos saber o que pode fazer a parte quando o juiz defere provas nitidamente inúteis, como, por exemplo, a oitiva de testemunhas provar a inexistência de dano moral pela negativação indevida, quando, sabidamente, esse dano é presumível, ou, outro exemplo, para provar o pagamento de alugueres, enquanto essa pro-va deve ser feita necessariamente com docu-mentos.

Qual reação pode ser tomada pela parte prejudicada? Não relutamos em afirmar que, com base tanto no já citado art. 130 do Có-digo de Processo Civil, como pelo art. 125, II do mesmo diploma e, sobretudo, o art. 5.º, LXXVIII da Constituição Federal, pode ser in-terposto Agravo de Instrumento contra a de-cisão que deferir esse tipo de prova. A parte possui o direito de ver sua causa encerrar em uma duração razoável e, jamais, ser onerada com atos inúteis como audiências para ouvir esse tipo de testemunhas. Aproxima-se desse entendimento o seguinte julgado:

“Mero requerimento de produção de prova desnecessária não confere o direito de sua produção - Processo deve priorizar a efeti-vidade em consonância a sua razoável du-ração.

(...)

Desta forma, se em determinada hipóte-se, há requerimento de execução de prova desnecessária, seja porque irrelevantes ou inócuas, a recusa a esta não implica negativa ao seu direito de ampla defesa, mas somente limites de seu exercício que deve harmonica-mente co-existir com outros princípios, como, por exemplo, o da efetividade processual.

Tal comportamento coaduna-se, inclusi-ve, a outros princípios constitucionais, em especial o da duração razoável do processo consagrado no inciso LXXVIII do artigo 5o da Constituição Federal, que não permite a prática de atos irrazoáveis, inócuos ou des-necessários.

Ademais, não se pode afirmar que é fran-queado no processo a prática de qualquer ato probatório, unicamente pelo fato dele ter sido requerido.26”

De maneira mais explícita, Theotonio Ne-grão e José Roberto F. Gouvêa, defendem expressamente que “o deferimento da prova manifestamente inútil ou protelatória pode causar sério gravame à parte e, por isso, com-porta agravo”27.

Retornando à busca, na lei, dos critérios in-dicados pela doutrina com que abrimos esse item, vemos que certos fatos, mesmo sendo relevantes segundo o art. 130 do Código de Processo Civil, dispensam qualquer prova, por serem notórios, confessos, incontroversos ou 26 TJSP, Ap. n.º 7.132.448-6, rel. José Luiz Germano, 24.ª Câm. “D”, j. 30.05.08.27 Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 36.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 239

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presumíveis. Tentemos aqui definir cada um deles.

Nelson Palaia, invocando palavras do autor italiano Piero Calamandrei, assim define fato notório:

“Com essas explicações, conclui Cala-madrei poder propor para o fato notório a seguinte definição: ‘Consideram-se notórios aqueles fatos cujo conhecimento faz parte da cultura normal própria de um determina-do círculo social no tempo em que a decisão é proferida.”28

Na prática profissional da advocacia, lem-bramos agora de uma audiência em que se discutiam as causas do funcionamento inade-quado de um elevador, que ocasionou o óbito de um zelador de um edifício, despencando pela coluna do equipamento até seu fosso. Segundo nossa ótica do ocorrido, o faleci-do inadvertidamente usou água em demasia para lavar corredores do prédio, deixando-a (água) escorrer pela coluna do elevador, atin-gindo seus contatos eletrônicos e acarretando a pane. Em certo momento, questionamos a uma das testemunhas sobre qual seria a con-seqüência prática da água em abundância chegar as contatos eletrônicos do elevador. Fomos, então, corretamente advertidos pelo juiz da causa que assim se manifestou: “Dou-tor, todos nós sabemos que a água conduz energia elétrica.”. Na advocacia, usualmente

28 O fato notório, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 39.

pecamos por zelo no interesse dos nossos clientes, obviamente a pergunta tinha a inten-ção de incutir na mente do julgador a conse-qüência dos atos praticados pelo falecido.

Passando aos fatos alegados por uma parte e confessados pela outra, remetemos a aten-ção do aluno para o item 2.5. no qual tratare-mos do depoimento pessoal e confissão.

Esse ato de reconhecer fatos, tácita ou expressamente, judicial ou extrajudicialmen-te, em certos momento se assemelha com o incontrovertido, ou seja, o alegado por uma parte e não rebatido pela outra, no momento oportuno.

O último elemento trazido no art. 334 aci-ma citado é a presunção legal. Para entender-mos do que estamos tratando aqui, tomemos como exemplo o art. 324 do Código Civil:

“Art. 324. A entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento.”

Ora, se “A” emitir uma nota promissória em favor de “B” e, judicialmente, após 4 anos, “B” cobra a dívida de “A”, o simples fato de “A” contestar juntando o original da cártula induz à presunção de que a dívida estava paga. Ou-tro exemplo? Sigamos no Código Civil:

“Art. 1.599. A prova da impotência do côn-juge para gerar, à época da concepção, ilide a presunção da paternidade.”

Pensemos na hipótese de “C” ajuizar ação de investigação de paternidade em face de “D”, que em sua defesa junta exames de es-permograma demonstrando que ele (“D”) é azoospérmico, ou seja, estéril.

Evidentemente presume-se não haver a paternidade.

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Agora notem, caros alunos, que a presun-ção não nasce do nada, ela provém de outra prova que permite a indução. No primeiro exemplo que demos, ao juntar o original do título em sua defesa, sem dúvida “B” produ-ziu uma prova, documental, acerca da qual trabalharemos no item 2.2. abaixo.

Da mesma forma, e natureza de prova (documental), “D” juntou um laudo e, por-tanto, produziu uma prova.

Eis uma característica fundamental da pre-sunção, ela normalmente nasce da produção de uma prova sobre um fato cuja conseqüên-cia é presumir a existência de outro fato em Juízo. Curioso, não?

Agora, já que estamos em um curso de pós graduação, aprofundemos o estudo: será que a prova somente recai mesmo sobre fatos? Como explicar, então, o art. 337 do Código de Processo Civil:

“Art. 337. A parte, que alegar direito mu-nicipal, estadual, estrangeiro ou consuetu-dinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz.”

Apesar do brocardo iura novit curia (o juiz conhece a lei) permitir a aplicação ampla da máxima “daí me os fatos que eu te darei o direito” no processo civil brasileiro, o conheci-mento da legislação alheia à federal é absolu-tamente impossível para qualquer magistrado. Pensemos, por exemplo, em ação envolvendo direito de vizinhança que tramite em São Pau-lo, pois ambos os proprietários aqui moram, mas envolvendo imóveis localizados em João Pessoa, PB.

Evidentemente pode o juiz paulista exigir que as partes façam prova, por exemplo, da Lei de Zoneamento local.

Essa situação redobra de importância quan-do tratamos de direito internacional privado. Isso porque é usual a elaboração de contratos internacionais no qual o Poder Judiciário de um país é eleito para dirimir a controvérsia porventura dele (contrato) nascida, porém a lei material aplicável é a de outro país.

Vivemos situação desse tipo em nossa ativi-dade profissional e tivemos enorme dificulda-de em transmitir os conceitos da lei estrangei-ra para o juiz brasileiro, realizando volumosos trabalhos de tradução legislativa (sempre por tradutor juramentado, conforme dita o art. 157 do Código de Processo Civil) e declara-ções de juristas conhecedores da lei aplicável, com fito de confirmar sua vigência. Podem ter certeza, atentos estudantes, ser um trabalho extremamente árduo.

Como sempre fazemos ao final de cada tópico, é chegado o momento de condensar-mos o que estudamos:

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(i) o objeto da prova são fatos, apesar de, em algumas determinadas situações, poder ela incidir sobre a existência e vigência de leis (municipais, estaduais, estrangeiras ou consuetudinária).

(ii) os fatos passíveis de prova são aque-les controvertidos, relevantes e úteis e pre-cisos;

(iii) apesar de a prova ser destinada ao juiz, o deferimento da prova absolutamente desnecessária ao deslinde da lide pode ser objetado pela vir recursal correlata pelo liti-gante prejudicado pela demora no processo.

1.5. Ônus da Prova

Vários temas complexos circundam hoje o ônus da prova, matéria relativamente pacifica-da desde a edição do Código de Processo Civil de 1973, porém reavivada de interesse com o Código de Defesa do Consumidor (1990) e a chamada inversão do ônus da prova – que aqui veremos não ser, propriamente, uma in-versão.

Em breve, se o Projeto de Código de Pro-cesso Civil for aprovado, a questão terá ainda maior relevância com a materialização da cha-mada teoria das cargas dinâmicas da prova, que ainda estudaremos aqui por ser aplicada pela jurisprudência (vide item 3.4.). Redobre, então, sua atenção, caro aluno, pois o tema

foi, é e será, vital, quando se estuda prova no Processo Civil.

Conquanto amplíssima, a temática do ônus da prova está prevista em apenas um artigo no Código de Processo Civil:

“Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do di-reito do autor.

(...)”

Trata-se evidentemente de uma regra para as partes poderem saber que provas precisão produzir para verem suas pretensões aceitas pelo Poder Judiciário. Sua finalidade é assim delimitada na doutrina clássica de Kasue Wa-tanabe:

“É que as regras de distribuição do ônus da prova são regras de juízo e orientam o juiz, quando há um nom liquet em matéria de fato, a respeito da solução a ser dada à causa. Constituem, por igual, uma indicação às partes quanto à sua atividade probatória. Com o juízo de verossimilhança, decorren-te da aplicação das regras de experiência, deixa de existir non liquet (considera-se demonstrado o fato afirmado pelo consumi-dor) e, conseqüentemente, motivo algum há para a aplicação de qualquer regra de distri-buição do ônus da prova. (...)29

Na jurisprudência também é rotineiro ler que o ônus da prova “cuida[-se] de uma re-gra de julgamento”30, com o que também

29 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 6.ª ed., São Paulo: Forense Universitária, 1999, p. 714.30 STJ, AgRg no Ag 1028085/SP, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS), Terceira Turma, julgado em 04/02/2010, DJe 16/04/2010

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concordávamos até 1990, quando o a Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) criou o que se convencionou chamar de “in-versão do ônus da prova”.

Efetivamente o sistema de distribuição do ônus da prova criado em 1973 era uma regra de julgamento, a ser aplicada quando o ma-gistrado proferia a sentença analisando se as partes se libertaram do disposto no art. 333 do Código de Processo Civil, ou não. Pou-ca, ou quase nenhum dúvida existe quanto a este tema.

Entretanto, o Código de Processo Civil não trazia, como até hoje não prevê, qualquer possibilidade de ser invertido o ônus da pro-va. A regra está estampada na lei e não mu-dava pela ocorrência de qualquer situação fática, justo o contrário, é legalmente vedada qualquer mudança na distribuição prevista em lei (art. 333, § único, CPC).

Quando se trata do processo comum, ou seja, aquele em que não estão em jogo re-lações de consumo, os litigantes têm total conhecimento do que devem provar. O Autor deve provar os “fatos constitutivos de seu di-reito” e o Réu necessita demonstrar “fatos impeditivo, modificativo ou extintivo do direi-to do autor”. Esta é a regra do jogo, imutá-vel, em qualquer hipótese.

A situação no processo decorrente da re-lação de consumo é totalmente diversa. Pri-meiro ¾ e neste ponto não vislumbramos conflito na doutrina ou na jurisprudência ¾, deve ser levado em conta que a inversão não ocorre em todo ato de consumo. Trata-se de um direito excepcional concedido apenas em certas hipóteses legalmente previstas (hipos-suficiência e verossimilhança da alegação), cabendo a apuração do caso concreto pelo magistrado. Tudo como prevê o art. 6.º do Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 6.º São direitos básico do consumi-dor:

(...)

VIII - a facilitação da defesa de seus di-reitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Provém justamente da instabilidade de se poder, ou não, mudar a regra do jogo, a di-ficuldade de a ainda classificarmos com re-gra de julgamento. Isto porque desmorona o conceito de que os litigantes sabem previa-mente o que necessitam provar.

Na regra do art. 333 da Lei de Ritos é im-possível alegar não saber ser necessário pro-var o fato “A” ou a alegação “B”, posto que a distribuição do ônus da prova é imutável. Na relação de consumo ocorre justamente o contrário!

Se a inversão ocorrer o ônus será do ven-dedor/prestador de serviço, senão será do consumidor. Como então, essa informação pode ser prestada somente no término do processo, quando toda fase instrutória se en-contra realizada, ou, senão, preclusa?

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Um segundo ponto que também deve ser levado em consideração é a evolução que o Processo Civil Brasileiro passou desde os idos de 1973. Foram mais de meia centena de leis alterando inúmeros dispositivos do Código. A instrumentalidade tornou-se a ordem do dia, o verdadeiro amplo acesso ao Poder Judiciá-rio tornou-se inexorável, a forma da cada vez mais vazão à substância. Em suma, o Proces-so mudou e seus conceitos também devem ser repensados.

Dentre estes conceitos está o ônus da pro-va. A rigidez que até mesmo ensejou o pará-grafo único do art. 333 do Código de 1973 foi diluída com o passar dos anos, e, desde 1990 suportou verdadeiro baque com a edição da Lei de Defesa do Consumidor. Seguir estudan-do o instituto com as mesmas premissas ve-tustas é ignorar a hermenêutica histórica e, sobretudo, a evolução que qualquer ciência sofre com o passar das décadas, sobretudo as humanas (incluindo aqui o Direito).

Seja como for, nesse momento de nossa aula, é saber que, majoritariamente, a dou-trina ainda lê o ônus da prova como uma re-gra de Juízo. No exato momento em que vai decidir uma causa, o magistrado examina se os fatos constitutivos do Autor estão, ou não provados, sendo a resposta negativa julga im-procedente desde logo o pedido. Caso exista a prova, passa a examinar aquelas (provas) trazidas pelo Réu para provar fatos extinti-

vos, modificativos ou impeditivos do direito do Autor. Havendo estes, julga improceden-te, caso negativo, julga procedente. Simples assim.

Por fim, devemos também a possibilidade de ser convencionada a modificação, contra-tual, do ônus da prova, salvo “recair sobre direito indisponível da parte” e/ou “tornar ex-cessivamente difícil a uma parte o exercício do direito”. Em nossa experiência profissional, jamais vimos um caso concreto de convenção nesse sentido, quiçá precedentes acerca da matéria.

Resumindo:

(i) o ônus da prova é estudado com regra de julgamento, ou seja, a solução dada ao juiz para poder sentenciar uma causa diante de uma regra clara de distribuição de provas a serem produzidas no processo;

(ii) após 1990, com o Código de Defesa do Consumidor, se passou a debater se, em verdade, o ônus da prova não teria se transformado em uma regra de instrução, mutável dependendo do caso concreto;

(iii) mesmo assim, segundo a doutrina hoje dominante, o ônus da prova ainda é classificado como regra de julgamento;

(iv) conquanto de raro uso, a lei permite a alteração contratual do ônus da prova, desde que não se trate de direito indisponível e se torne excessivamente difícil a produção da prova.

1.6. Prova Ilicita

Deita em raízes constitucionais a vedação do uso da prova ilícita. Mais uma vez nos so-corremos do art. 5.º da Constituição Federal, agora o inciso LVI, que diz:

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“LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;”

E reflete o Código de Processo Civil:

“Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.”

Há um excelente artigo sobre o princípio da proibição da prova ilícita de autoria de Sérgio Shimura31, no qual vemos o quão re-levante é a questão na seara do Direito Penal e Processual Penal. Obviamente respeitare-mos os limites de nossa aula, focando aqui os efeitos fundamentais do tema no âmbito do Processo Civil. Eis o lastro constitucional do tema, verificado por Sérgio Shimura:

“A vedação do uso das provas ilegais (lato sensu) serve de baliza à atividade esta-tal, máxime em respeito a outros princípios e garantias constitucionais, como o direito à intimidade, vida privada, honra, imagem, domicílio, além da garantia de sigilo de cor-respondência, de comunicações e liberda-des individuais.”32

Em artigo de nossa autoria33 explicamos que “efetivamente, o art. 5.º, LVI, da Constituição Federal, veda expressamente o uso no processo das provas obtidas por meios ilícitos, o que encontra eco no art. 332 do Código de Processo Civil ao proibir a produção de provas por meios ilegais ou moralmente ilegítimos. A dúvida a ser superada reside na mitigação, ou não, deste

31 SHIMURA, Sérgio. Princípio da proibição da prova ilícita. In: OLIVEIRA NETO, Olavo de, e LOPES, Maria Elizabeth de Castro (coords.). Princípios Processuais na Constituição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, pp. 255-281.32 Idem, pp. 263-264.33 KAUFFMAN, André Gustavo Salvador. Panorama da prova na jurisprudência do TJSP “in” BRUSCHI, Gilberto Gomes (coord. et. al.), São Paulo: Saraiva, 2011. Deixamos de fazer a remissão nas próximas citações, por se tratarem do mesmo estudo.

princípio quando colide com outros princípios. Nesse sentido, leciona Nelson Nery Junior:

“Entendo, porém, que a regra não seja absoluta, porque nenhuma regra constitu-cional é absoluta, uma vez que tem de con-viver com outras regras e princípios também constitucionais. Assim, continuará a ser ne-cessário o confronto ou peso entre os bens jurídicos, desde que constitucionalmente garantidos, a fim de admitir, ou não, a prova obtida por meio ilícito.”34

E continuamos: “imaginemos, por exemplo, que uma fotografia do domicílio de um menor prove tratamento desidioso ou, pior, tortura, praticado pelo detentor do pátrio poder. Ape-sar de constitucionalmente tutelado o direito à intimidade e à vida privada (art. 5.º, X, CF), também assim o são o direito à vida (art. 5.º, caput, CF) e a dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, CF). Por conseguinte, no exame detido do caso concreto, crivando princípios por intermédio do princípio da proporcionali-dade, será possível, em justificadas oportuni-dades, aceitar a prova ilícita.”

Seguimos explicando que “invariavelmen-te, a ilicitude da prova no processo civil ver-sa sobre interceptação telefônica e violação de correspondência, sendo aquele extrema-mente mais usual do que esse, até devido à redução da utilização da via postal física. Os julgados abaixo deixam evidenciada a posi-ção do Tribunal de Justiça de São Paulo so-bre o tema:

“A pretensão de fazer uso de gravação de conversa telefônica obtida sem autorização judicial ou sem ser o agravante participante da mesma configura manifesta ilegalidade por se tratar de prova ilícita.”35

34 Princípios do Processo na Constituição Federal. 9.ª ed., São Paulo: RT, 2009, pp. 261.35 TJSP, AI n.º 739.130-5/7-01, rel. Laerte Sampaio, 3.ª Câm. de Dir. Público, j. 4.03.08.

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“Prova - Gravações telefônicas -Intercep-tação, pelo agravado, de conversas man-tidas entre o agravante varão e terceiros - Inadmissibilidade da sua utilização - Meio que não pode ser havido como legal ou mo-ralmente legítimo - Inteligência dos arts. 332 do CPC e 5°, incisos XII e LVI, da CF - Recurso provido.”36

Prosseguimos dizendo que, “finalizando o tratamento que daremos aqui à prova ilícita, fazemos questão de confirmar a explicação de Sérgio Shimura, para quem “a gravação telefônica não se confunde com a intercepta-ção telefônica (...), é ato lícito, sendo, pois, direito da parte no uso dos meios de prova”37. Nesse sentido, estão os julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Danos Morais - Indenização - Publicação jornalística - Matéria gravada por repórter em conversa com o autor - Disputa acirrada entre grupos políticos - Participação efetiva do autor com declarações próprias - Grava-ção lícita, pois realizada por um dos partí-cipes da conversa - Dever de informação consagrado à imprensa - Ausente abuso - Eventual excesso na forma de apresentação da matéria que também não justifica a pre-tendida indenização - Participação do autor em disputa indevida a gerar o afastamento da pretensão - Sentença confirmada”38

“Gravação de conversa telefônica. Inde-ferimento sob a assertiva de que se trata de prova unilateralmente produzida e sem o consentimento da parte contrária. Inadmis-sibilidade. Direito à produção reconhecido. Agravo provido. Reputa-se ilegal a intercep-tação de conversa telefônica, não a grava-ção da conversa por um de seus interlocuto-

36 TJSP, AI n.º 315.509-4/0, rel. Waldemar Nogueira Filho, 3.ª Câm. de Dir. Privado, j. 18.11.03. 37 Ob. cit., p. 272.38 TJSP, Ap. n.º 994.07.024093-8, rel. Elcio Trujillo, 7.ª Câm. de Dir. Privado, j. 7.04.10.

res, daí porque nenhum obstáculo existe a admissão dessa prova.”39

E concluímos concordando “com o estágio atual da doutrina e jurisprudência acima cita-das, aduzindo apenas a necessidade de um detido cuidado na aplicação do princípio da proporcionalidade, sempre que se concluir pela utilidade da prova ilícita. Vivemos, feliz-mente, algumas décadas de democracia, con-tudo a recordação de períodos de trevas não tão distantes deve nortear o intérprete para evitar qualquer lampejo de autoritarismo”.

Seja como for, há um lado prático do uso da prova ilícita que necessita ser pondera-do por você, caro aluno. Falamos do impacto que ela pode causar na consciência do juiz, quando a examina.

Mesmo posteriormente sendo decretada a ilicitude da prova, raro seria o magistrado que conseguiria se desvincular do que sabe, da informação trazida pela prova.

Teria ele (juiz) que ter uma capacidade ímpar de abstração. Em outras palavras: de pouco adianta desentranhar a prova, se o fato por ela demonstrado já está na cabeça do juiz.

Em síntese, remetendo os alunos a uma boa sustentação oral sobre prova ilícita, aqui estudamos que:

(i) no processo civil é vedado o uso de qualquer prova ilícita, seja a ilicitude inerente a ela própria (p. ex., perjúrio ou documento falsificado) ou, simplesmente, tendo a prova sido obtida de forma ilícita (p. ex., violação de correspondência e interceptação telefônica);

39 TJSP, AI n.º 992.09.091381-6, rel. Antônio Rigolin, 31.ª Câm. de Dir. Privado, j. 24.11.09.

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(ii) entretanto, dependendo dos valores postos em discussão no processo cuja prova produzida se mostrar ilícita, é possível, por intermédio do princípio da proporcionalidade, mitigar o comando constitucional e legal, aceitando o uso da prova.

1.7. Prova negativa (diabólica)

Certas provas são impossíveis de serem produzidas, justamente por dependerem de fato negativo. Por exemplo? Como demons-trar que este professor não esteve presente ao show de um famoso cantor carioca ocorri-do na cidade de São Paulo no último final de semana? Isso mesmo, provar minha ausên-cia no local! Difícil, não?

Todavia, devemos pensar duas vezes se, por meio de outra prova não acabamos por provar, tal fato negativo. Voltemos ao exem-plo. Ora, efetivamente provar a ausência é algo difícil, porém, se eu apresentasse uma passagem aérea provando que, no mesmo dia e hora, eu estava no Rio de Janeiro? Por meio de uma prova positiva (presença) aca-bo superando a dificuldade da prova negati-va (ausência).

Por isso o que a jurisprudência vem con-siderando prova negativa é, em verdade, aquela absolutamente impossível. Leiamos alguns precedentes nesse sentido:

“DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ANISTIA. DEMISSÃO POR MOTIVAÇÃO POLÍTICA. PRO-VA DIRETA OU MATERIAL. IMPOSSÍVEL. ATO DEMISSÓRIO DISSIMULADO. CONTEXTO DE-MONSTRATIVO DA NOTA POLÍTICA DA DE-MISSÃO DO RECORRENTE. PROVA EM CON-TRÁRIO QUE COMPETE À ADMINISTRAÇÃO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 7/STJ. VALO-RAÇÃO DA PROVA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

1. A prova, nos casos de concessão de anistia para fins de reintegração ao serviço público, é sempre indireta e deve decorrer da interpretação do contexto e das circunstâncias do ato apontado como de motivação política.

2. A prova direta, material ou imediata é rigorosamente impossível em caso dessa espécie. Impor ao autor que a faça signifi-ca, em verdade, impor-lhe a chamada prova diabólica, de produção impossível, porque os afastamentos dos cargos, à época, eram dis-farçados; assim, por exemplo, quando militar o servidor, afastava-se por indisciplina ou insu-bordinação; quando civil, por ato de abandono e outras alegações com a mesma finalidade e do mesmo teor. Dest’arte, compete à Insti-tuição que promoveu o ato demissionário de-monstrar a inexistência de motivação política.

3. Na presente hipótese, o contexto da demissão do recorrente, revelado pela (I) sua participação ativa em movimentos então denominados esquerdistas ou subversivos, (II) a perseguição e a demissão de pessoas próximas, inclusive familiares, (III) o forte conceito que mantinha na Universidade, sem qualquer mácula em sua conduta profissional e acadêmica, bem como (IV) o fato de ter sido anistiado pelo Ministério do Trabalho em face de sua demissão da Petrobras, demonstram a motivação política do seu afastamento dos quadros da UNB.

4. Não se cuida, aqui, de mero reexame de matéria fático-probatória, realmente inca-bível em sede recursal especial, mas de va-loração da prova, abstratamente considerada, passível de realização nesta instância.

5. A questão da prova direta não é a nuclear no processo de anistia e nem mesmo constitui o fulcro do pedido, porque em hipótese que tal a avaliação do pleito há de seguir a trilha do art. 8o. do ADCT e da Lei 10.559/02 (Lei de Anistia), elaborada com o ânimo de pacificar o espírito nacional, aproximar os contrários

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e instalar o clima de recíprocas confianças en-tre grupos d’antes desentendidos.

6. Recurso Especial conhecido e provido.”40

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ES-PECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEÇA OBRIGATÓRIA. CERTIDÃO DE INTIMAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. FORMALISMO EX-CESSIVO. PROVA DIABÓLICA. MEIO DIVER-SO DE VERIFICAÇÃO DA TEMPESTIVIDADE. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. POSSIBILI-DADE.

1 - Em homenagem ao princípio da instru-mentalidade, a ausência da certidão de inti-mação da decisão agravada pode ser suprida por outro instrumento hábil a comprovar a tempestividade do agravo de instrumento.

2 - Exigir dos agravados a prova de fato ne-gativo (a inexistência de intimação da decisão recorrida) equivale a prescrever a produção de prova diabólica, de dificílima produção. Diante da afirmação de que os agravados somente foram intimados acerca da decisão original-mente recorrida com o recebimento da noti-ficação extrajudicial, caberia aos agravantes a demonstração do contrário.

3 - Dentro do contexto dos deveres de co-operação e de lealdade processuais, é perfei-tamente razoável assumir que a notificação remetida por uma das partes à outra, em atenção à determinação judicial e nos termos da Lei 6.015/73, supre a intimação de que tra-ta o art. 525, I, do CPC.

Agravo a que se nega provimento.”41

Em nossa atividade profissional tivemos algumas oportunidades em que, uma prova

40 STJ, REsp 823.122/DF, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Rel. p/ Acórdão Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 14/11/2007, DJ 18/02/2008, p. 5941 STJ, AgRg no AgRg no REsp 1187970/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 05/08/2010, DJe 16/08/2010

que inicialmente parecia impossível, depois se tornou viável.

Na mais recente, o juiz determinou que apresentássemos os dados de uma testemu-nha que arrolamos, mas era ex-funcionária de um co-réu. Tínhamos somente o nome da testemunha, nada além.

A solução foi intimar o co-réu para exibir em juízo o contrato de trabalho do seu ex--funcionário, bem como qualquer documento que com ele tivesse relacionado.

Lá encontramos todos os dados que pre-cisávamos.

Resumidamente, a impossibilidade de pro-dução da prova para que ela seja considera-da diabólica e, conseqüentemente, superado o ônus da prova, haverá de haver absoluta inviabilidade da sua produção, mesmo indi-retamente.

1.8. Critério para avaliação das provas (Hierquia das Provas)

O último, mas nem por isso menos impor-tante tema sobre a teoria geral da prova que estudaremos, são os critérios para avaliação da prova no Processo Civil. Mais especifica-mente, falamos da regra geral do art. 131 do Código de Processo Civil. Vejamos:

“Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não ale-gados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento.”

Falamos ser essa a regra geral, pois exis-tem outras esparsas no mesmo Código, como, por exemplo, o art. 436 que assim prevê:

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“Art. 436. O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.”

A regra é simples: o juiz pode formar seu convencimento livremente, desde que expli-cite fundamentadamente sua decisão, cor-relacionando-a com a prova dos autos. Mas essa liberdade legal, em hipótese alguma, pode importar em arbitrariedade, sendo im-perativa a motivação da decisão correlacio-nada com a prova dos autos.

Os doutos chamam esse instituto com uma expressão: livre convencimento motiva-do ou persuasão racional.

Como aluno de pós-graduação você bem sabe que a fundamentação das decisões ju-diciais está exigida pela Constituição Federal (art. 93, IX), sob pena de nulidade, com re-flexos no Código de Processo Civil (arts. 165 e 458).

Acerca da nulidade de decisão desprovida de fundamentos, é enfático o entendimento de Nelson Nery Júnior:

“Fundamentar significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira. A fundamentação tem implicação substancial, e não meramente formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão. (...)

Caso não sejam obedecidas as normas do art. 93, n. IX e X, da CF, a falta de motivação das decisões jurisdicionais e administrativas do Poder Judiciário acarreta a pena de nulidade a essas decisões, cominação que vem expressamente designada no texto constitucional.”

E, mais adiante, o mesmo autor confirma o viés constitucional que deve ser dado ao tema:

“Interessante observar que normalmente a Constituição Federal não contém norma sancionadora, sendo simplesmente descri-tiva e principiológica, afirmando direitos e impondo deveres. Mas a falta de motivação é vício de tamanha gravidade que o legis-lador constituinte, abandonando a técnica de elaboração da Constituição, cominou no próprio texto constitucional a pena de nuli-dade.” 42

Agora, apesar dessa liberdade em decidir, acabamos por achar algumas situações em que a lei impõe alguma hierarquia entre as provas. Um bom exemplo está no art. 401 do Código de Processo Civil que assim prevê:

“Art. 401. A prova exclusivamente tes-temunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados.”

Apesar de o artigo acima citado ser mitiga-do no posterior, do mesmo Código de Proces-so Civil, é certa a vedação ao juiz em aceitar a existência de um contrato em valor acima de dez salários mínimos sem um mínimo de prova documental. Nesse contexto, a prova documental, para fins de prova da existência de contrato pode ser de certa forma hierar-quicamente superior à testemunhal e à peri-cial.

Entretanto, o exemplo aqui dado é uma exceção. A regra é a da liberdade do conven-cimento judicial, havendo apenas a exigên-cia da motivação. Por isso mesmo vemos no julgado abaixo o resumo adequado do aqui estudado:42 Nelson Nery Junior, Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 6ª. Ed., RT, pp. 173 e segs.

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“1. No sistema de persuasão racional ado-tado pelo Código de Processo Civil nos arts. 130 e 131, em regra, não cabe compelir o magistrado a autorizar a produção desta ou daquela prova, se por outros meios estiver convencido da verdade dos fatos, tendo em vista que o juiz é o destinatário final da pro-va, a quem cabe a análise da conveniência e necessidade da sua produção.”43

Segunda parte: Provas em espécie

2.1. Interrogatório

Nessa segunda parte de nosso estudo, caro aluno, estudaremos os tipos de provas nominadas em nosso Código de Processo Ci-vil. Alerto que, assim como aconteceu na pri-meira parte dessa aula, aqui ainda mais difícil será explorar todos os pormenores existentes acerca dessa matéria. Por isso mesmo, logo no começo dessa segunda parte do estudos, recomendo a leitura dos artigos legais que tratam de cada um dos temas que tratare-mos, em especial os relacionados com a pro-va documental e testemunhal. Isso porque, nosso foco aqui, como em todo o curso, será na prática diária, partindo dela para ajudá-lo a se tornar um profissional mais capacitado

43 STJ, REsp 1175616/MT, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01/03/2011, DJe 04/03/2011

em sua área de atuação. Passemos, então, ao que interessa.

Segundo João Batista Lopes eis o conceito e a utilidade do interrogatório informal:

“O interrogatório informal (interrogatório livre, interrogatório de esclarecimento) não se confunde com o depoimento pessoal, porquanto não constitui meio de prova des-tinado a provocar a confissão do adversário, mas expediente utilizado para o juiz aclarar pontos duvidoso ou obscuros das alegações e das provas.

(...)

O Código não o diz, mas o interro-gatório de que se cuida tem função específica: esclarecer pontos obscu-ros ou duvidosos das alegações das provas. Tem, assim, caráter comple-mentar e, por isso, em princípio, é determinado pelo juiz após a colheita das demais provas (prova documen-tal, prova pericial, depoimento pesso-al, prova testemunhar etc.).”44

Provém esse meio de prova do art. 342 do Código de Processo Civil:

“Art. 342. O juiz pode, de ofício, em qual-quer estado do processo, determinar o com-parecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa.”

Deixemos claro ser o interrogatório informal uma faculdade dada pela lei ao juiz, dentro de seu livre convencimento motivado. Não há aqui um poder dever, a ponto de justificar um Re-curso Especial por ofensa ao artigo acima cita-do, o fato de o juiz decidir a causa com as pro-vas nela produzidas, sem interrogar as partes:

44 Ob. cit., p. 107-8.

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“2. O não exercício da faculdade do juiz de não interrogar as partes não serve a conduzir recurso especial por contrariedade ao art. 342 do CPC.”45

No cotidiano forense, raramente verifica-mos a designação de uma audiência apenas para obtenção do interrogatório informal.

Em verdade, o acúmulo de processos e das pautas de audiência têm tornado um verda-deiro estorvo para o processo designar uma data. Certos juízes são obrigados a marcar tais atos para daqui a um ou dois anos, atra-palhando, e muito, a continuidade do proces-so.

Até porque, já vivemos situação em que o interrogatório foi marcado para meses depois por um juiz e, quando a audiência ocorreu, outro magistrado atuava na causa. Eviden-temente a dúvida do primeiro não era a do segundo que, apregoadas as partes, simples-mente cancelou o ato, desnecessário segundo sua ótica.

Por isso mesmo é lúcida a posição final de João Batista Lopes para quem “a determina-ção indiscriminada apenas contribuirá para a morosidade do processo”46.

Em suma:

(i) o interrogatório formal não se confunde com o depoimento pessoal, sendo aquele um excelente instrumento de esclarecimentos do juiz sobre os fatos e as provas existentes nos autos;

(ii) facultativo, o ideal é designar a audiência ao final da instrução probatória, como meio de elucidação.

45 STJ, REsp 11.602/RJ, Rel. Ministro Dias Trindade, Terceira Turma, julgado em 13/08/1991, DJ 09/09/1991, p. 1220246 Ob. cit., p. 109.

2.2. Prova documental

É possível dar uma aula, do tamanho des-sa que você, caro aluno, está estudando, apenas sobre prova documental.

O tema é volumoso, repleto de peculiari-dades, por isso renovamos o conselho de lei-tura dos artigos do Código de Processo Civil sobre o tema.

Certamente muitas informações importan-tes serão absorvidas.

Aqui, sempre com foco na prática, traba-lharemos: (i) o momento da produção da prova documental; (ii) incidente de falsidade documental; (iii) exibição documental.

A regra geral do momento da produção da prova documental está no art. 396 do Código de Processo Civil:

“Art. 396. Compete à parte instruir a petição inicial (art. 283), ou a resposta (art. 297), com os documentos destinados a provar-lhe as alegações.”

Como explica João Batista Lopes, “a prova documental tem momento próprio para sua produção: a fase postulatória”47. Gildo dos Santos define quando começa e acaba essa fase processual:

“A primeira delas é a fase postulatória, que se inicia com a petição inicial e se encerra com uma das soluções previstas no art. 331 do estatuto processual, se não ocorrer:

a extinção do processo (art. 329) ou

o julgamento antecipado da lide (art. 330).”48

47 Ob. cit., p. 11748 Ob. cit., p. 45.

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Assim, a regra legal é que o Autor colecio-ne aos autos seus documentos com a petição inicial e o Réu na contestação. No máximo, havendo necessidade, o Autor usa a réplica para contrapor prova vinda com a contesta-ção, dada mais uma oportunidade para o Réu examinar essas novas provas documentais (art. 398, CPC), finalizada a fase postulatória e, por conseqüência, o momento da produ-ção da prova documental.

Agora, perguntamos: a procura pela verda-de real no Processo Civil não permite mitigar essa limitação temporal? Mais objetivamen-te, se um documento essencial ao julgamen-to da controvérsia apenas vier aos autos na interposição de apelação, poderá ele ser exa-minado pelo Tribunal? A jurisprudência res-ponde afirmativamente:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ES-PECIAL. PROCESSO CIVIL. JUNTADA DE DO-CUMENTO NA FASE RECURSAL. POSSIBILIDA-DE. PRECLUSÃO. INOCORRÊNCIA.

INTIMAÇÃO DA APELADA. INOVAÇÃO DE JULGAMENTO. AGRAVO IMPROVIDO.

1. ‘A juntada de documentos com a ape-lação é possível, desde que respeitado o con-traditório e inocorrente a má-fé, com fulcro no art.

397 do CPC.’ (REsp nº 980.191/MS, Relato-ra Ministra Nancy Andrighi, in DJe 10/3/2008).

2. Reconhecido no acórdão estadual que os documentos juntados na fase recursal apenas corroboravam as alegações das partes e todo o conjunto probatório já encartado aos autos, constituindo-se o próprio fundamento da ação, não há falar em preclusão, a consequencializar eventual violação dos artigos 473 e 517 do Có-digo de Processo Civil.

3. Em sede de agravo regimental não se conhece de alegações estranhas às razões do agravo de instrumento, por vedada a inovação de fundamento.

4. Agravo regimental improvido.”49

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JUNTADA DE DOCUMENTO COM A APELAÇÃO. POSSIBILIDADE. ART. 397 DO CPC. PRECE-DENTES. RECURSO DESPROVIDO.

1. A jurisprudência desta Corte tem admitido a juntada de documentos que não os produzidos após a inicial e a contestação, em outras fases do processo, até mesmo na via recursal, desde que respeitado o contraditório e ausente a má-fé.

2. Não é absoluta a exigência de juntar documentos na inicial ou na contestação. A juntada de documentos em sede de apelação é possível, tendo

49 STJ, AgRg no REsp 1120022/SP, Rel. Ministro Hamilton Carva-lhido, Primeira Turma, julgado em 18/05/2010, DJe 02/06/2010

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a outra parte a oportunidade de sobre eles manifestar-se em contra-razões.

O art. 397 do CPC assim dispõe: ‘É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.’

3. Recurso especial desprovido.”50

Vemos, portanto, que a regra legal de im-posição de limite temporal para a produção da prova documental é praticamente igno-rada na jurisprudência, alinhada com aquela busca pela verdade real que aqui já estuda-mos.

Há outra exceção à regra que, como vi-mos, não tão assim imperativa. Tratamos dos documentos novos:

“Art. 397. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.”

Parece-nos interessante lembrar a definição de documento novo.

“Documento novo é aquele destinado a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou para contrapô-lo aos que foram produzidos nos autos.”51

Na verdade, pensando criticamente, a pri-meira posição jurisprudencial que aqui de-talhamos acabou por mitigar a importância

50 STJ, REsp 780.396/PB, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 23/10/2007, DJ 19/11/2007, p. 18851 TJSP, Ap. 0000198-25.2008.8.26.0077, rel. Des. Dimas Rubens Fonseca, 27.ª Câm., j. 08.02.11.

da exceção decorrente da prova nova, sen-do mais usual vermos a permissão ampla de juntada de documentos, até a interposição da apelação.

Passando ao segundo tema sobre a prova documental, o incidente de falsidade, o Códi-go de Processo Civil define seu procedimento, iniciando pelo prazo legal, dez dias e/ou no prazo da contestação (art. 390, CPC). O in-cidente será autuado em apartado e invaria-velmente redundará em uma perícia, salvo a parte que produziu a prova aceite sua retirada dos autos.

Finaliza-se o procedimento com um provi-mento jurisdicional classificado pelo Código de Processo Civil como sentença (art. 395, CPC). Será mesmo uma sentença? Vejamos a confusão feita pela jurisprudência:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - Sentença que julga procedente o Incidente de falsidade nos próprios autos da ação anulatória - Recurso cabível é o agravo de instrumento - Contudo, a agravante ingressa também com apelação - Aplicação do princípio da unirrecorribilidade dos recursos - Não conheceram do recurso.”52

Arguição de Falsidade - Autos apartados - O recurso cabível contra a sentença que decide incidente de falsidade, processado em autos apartados, é a apelação, e não o agravo de instrumento. - Via recursal adequada. - Agravo provido, v.u”53

Notemos que a jurisprudência parte de um critério físico, ou seja, de como o incidente será autuado, para definir se o recurso cabível é uma apelação ou um agravo.

52 TJSP, Ap. n.º 0302449-09.2010.8.26.000, rel. Oswaldo Capra-no, 18.ª Câm., j. 13.01.11.53 TJSP, Agravo de Instrumento 992090386140 (1249549000), Rel. Manoel Justino Bezerra Filho, Guarulhos, 35.ª Câmara de Direito Privado, j . 13/04/2009

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Há quem diga não ser exatamente esse o critério, mas sim o recebimento do Incidente como uma Ação Declaratória Incidental (de falsidade documental).

Seja como for, discordamos totalmente dessas diferenciações formais no processo. Muito mais lógico e prático seria definir o re-curso cabível pela continuidade, ou não, da causa como um todo.

Se o processo segue, o recurso deve ser o de agravo, caso não, apelação.

Nesse sentido, uma situação bem peculiar ajuda nosso pensamento. Ela ocorre quando o incidente de falsidade infirmar documen-to fundamental para o julgamento da cau-sa, por exemplo, por exemplo, um pedido se separação litigiosa pautado em certidão de casamento falsa. Declarada a falsidade, nada há mais que fase com a causa, sendo provável, digamos, obrigatório que o juiz jul-gue extinto o processo no mesmo ato. Nes-se caso, inevitavelmente o caminho recursal será o da apelação. Vejamos:

“- Locação. Extinção do Processo. Sentença. Agravo de instrumento. Apelação.

- A decisão que acolhe, com apoio em perícia, o incidente de falsidade, e, em conseqüência, extingue o processo, constitui sentença recorrível por meio de apelação e não por intermédio de agravo de instrumento.

- Fungibilidade Descabida.

- Precedentes Inaplicáveis.

- Recurso Especial Não Conhecido.”54

54 STJ, REsp 55.940/RJ, Rel. Ministro William Patterson, Sexta Turma, julgado em 25/09/1995, DJ 04/12/1995, p. 42145

Seja como for, a posição hoje prevalente é essa: havendo atuação em apartado o re-curso deve ser de apelação, caso contrário de agravo. Tudo sem olvidar a hipótese de extinção do processo que acima sugerimos.

Por fim, quanto à prova documental, tra-taremos um pouco da exibição documental, meio legal de obtenção da prova documen-tal sabidamente existente, porém em posse da outra parte, ou mesmo, de terceiros. Seu uso é múltiplo, porém cada vez menos utiliza-do pelos litigantes, salvo em situações mais usuais como a obtenção de extratos bancá-rios envolvendo planos econômicos. Daremos aqui um enfoque diferente à matéria: como fica o custo da produção da prova cuja exibi-ção se pede?

O meio do artigo 362 do Código de Pro-cesso Civil é claro em dizer que o requerente da exibição terá que reembolsar as despesas inerentes à produção da prova. Então, por exemplo, se há uma tarifa cobrada pela insti-tuição financeira para o fornecimento de cópia de extratos, esse custo pode ser exigido em Juízo, quando da exibição.

Nesse sentido, no nosso sentir, podemos utilizar entendimento recentemente sumula-do pelo Superior Tribunal de Justiça:

“A comprovação do pagamento do “custo do serviço” referente ao fornecimento de certidão de assentamentos constantes dos livros da companhia é requisito de procedibilidade da ação de exibição de documentos ajuizada em face da sociedade anônima.”55

Aprofundemos o raciocínio. Imagine, caro aluno, se solicitarem para seu cliente a exi-bição de um documento cuja produção é

55 Súmula 389, Segunda Seção, julgado em 26/08/2009, DJe 01/09/2009

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normalmente vendida por ele. Por exemplo, quantas vezes um comercial “X” foi exibido do período de tantos meses. Seu cliente, em face de quem a exibição se volta, não é parte do processo e gasta expressiva quantia colo-cando funcionários assistindo televisão todos os dias, vinte e quatro horas por dia.

Após tabula tais dados em uma base e vende essa informação no mercado, com lucro. Poderia ele condicionar a exibição da informação solicitada ao pagamento do va-lor que, normalmente, cobra no mercado? A resposta inicial parece negativa, se pensar-mos apenas no art. 339 do Código de Pro-cesso Civil:

“Art. 339. Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade.”

Mas e se formos até a Constituição Federal? Leiamos seu art. 70:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e presta-ção; (Redação dada pela Emenda Constitu-cional nº 42, de 19.12.2003)

VII - redução das desigualdades regio-nais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as em-presas brasileiras de capital nacional de pe-queno porte.

IX - tratamento favorecido para as em-presas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econô-mica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

Efetivamente, sob nossa ótica, contribuir com a Justiça jamais deve importar em gra-tuidade.

Se a própria jurisdição pode cobrar taxa judiciária, por qual motivo o terceiro, em face de quem se pede a exibição de algum do-cumento, não pode exigir seja pago o valor de mercado desse documento? O tema, en-tretanto, certamente poderá ensejar maiores reflexões e estudo, quem sabe até mesmo para uma monografia de final da presente especialização.

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Resumindo o que analisamos nesse tópico da aula:

(i) a prova documental deve ser, prefe-rencialmente, produzida na fase postulatória do processo, porém é admitida a juntada de documentos a qualquer tempo do processo, inclusive na interposição da apelação;

(ii) o recurso cabível contra a decisão do incidente de falsidade documental se corre-laciona com a forma de atuação, caso seja em apenso, cabe apelação, caso não, agra-vo, salvo no caso de julgamento conjunto da causa principal, quando sempre caberá apelação;

(iii) é possível exigir o pagamento dos custos para promover a exibição documen-tal, ou mesmo pedir remuneração caso o documento decorra de algum tipo de serviço produzido por aquele que o detém

2.3. Prova Pericial

Tal como falamos sobre a prova documen-tal, a pericial é igualmente repleta de temas interessantes que, se fossem todos explora-dos aqui, tomariam tempo em demasiado. Por isso escolhemos outros três pontos: (i) limites do cabimento da prova pericial; (ii) a incompetência dos Juizados Especiais para processarem causa cuja perícia é essencial; (iii) meio de obtenção de esclarecimentos do perito na audiência de instruções debates e julgamento. Vamos a eles.

O art. 420, em seu parágrafo único, prevê:

“Art. 420. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.

Parágrafo único. O juiz indeferirá a perí-cia quando:

I - a prova do fato não depender do co-nhecimento especial de técnico;

II - for desnecessária em vista de outras provas produzidas;

III - a verificação for impraticável.”

A regra geral, mais uma vez, remete ao livre convencimento motivado, a chamada persuasão racional. Nesse sentido, a juris-prudência:

“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INS-TRUMENTO – AUSÊNCIA DE PREQUESTIO-NAMENTO – PROVA PERICIAL – LIVRE CON-VENCIMENTO MOTIVADO DO MAGISTRADO – INDEFERIMENTO – POSSIBILIDADE – AU-SÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO.

(...)

2. Consoante o entendimento jurispru-dencial sedimentado desta Corte Superior ‘a análise da plausibilidade da prova requeri-da é questão afeta ao livre convencimento motivado do magistrado, não configurando nulidade ou cerceamento de defesa o inde-ferimento de provas reputadas imprestáveis ao deslinde da controvérsia.’ (AgRg no Ag 1044254/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17.2.2009, DJe 9.3.2009).”56

O único ponto mais delicado é a verifica-ção da impossibilidade da produção da perí-cia, pois, vez por outra, ela é possível apenas a partir do exame de outros objetos que não propriamente periciado.

Por exemplo, um equipamento industrial incendiado jamais permitiria saber diretamente se a produção que ele (equipamento) gerava era compatível com de máquinas similares.

56 STJ, AgRg no REsp 1126480/MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 17/11/2009, DJe 25/11/2009

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Porém, examinados os livros comerciais da empresa proprietária da máquina, talvez seja possível fazer essa análise. É o que se chama perícia indireta. Temos aqui um precedente sobre o tema:

“Prestação de Serviços. (...) Perícia. Ale-gação da autora de que a prova pericial está prejudicada, eis que a - loja foi reformada. Juiz que é o destinatário da prova. Possibili-dade de realização da perícia indireta, ainda que a loja tenha sido remodelada. Agravante que impugnou laudo apresentado pela agra-vada com a reconvenção. Decisão correta. Recurso não provido.”57

Outro ponto interessante é a limitação desse tipo de prova no Juizado Especial. Isso porque, o caput do art. 3º da Lei 9.099/95 prevê que essa justiça especializada tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor com-plexidade. Logo, o JEC possui competên-cia para processar e julgar ações cujo valor não exceda 40 (quarenta) salários mínimos e, ainda, de pouca complexidade e de fácil compreensão.

Como não haveria de ser diferente, inúme-ros Colégios Recursais já se deparam com si-tuações em que a lide carece de uma prova pericial para ser dirimida. Em sua maioria, o entendimento segue no sentido de que o Jui-zado Especial Cível não podem processar esse tipo de causa. Vejamos:

“No âmbito do Juizado Especial Cível não comporta dilação probatória consistente em realizações de perícias complexas, face à simplicidade de sua ritualística, a impor a concentração instrutória em audiência, para atender ao objetivo de rápida solução ju-dicial das causas de menor complexidade.

57 TJSP, AI 0369146-46.2009.8.26.0000, rel. Kiotsi Chicuta, 32.ª Câm., j. 10.06.10

Inteligência do art. artigo 51, inciso II, c/c artigos 3º, caput, e 33 da Lei 9.099/95”58

“Era imperiosa, portanto, a necessidade de realização de perícia técnica.

Ocorre que não se deve admitir a realiza-ção de periciais técnicas de relativa comple-xidade no âmbito do Juizado Especial, sob pena de se ofender o espírito norteador dos Juizados.

Reconhece-se, assim, a incompetência do juizado especial por não se tratar de ma-téria de menor complexidade, nos moldes do artigo 3º da lei 9.099/95.

Com conseqüência, determina-se a extin-ção do processo sem julgamento do mérito, conforme art. 51 da lei 9.099/95.”59

“II - Nos casos que envolvem cobrança de seguro DPVAT por invalidez permanente, entende-se por complexa a causa quando, pelo teor dos fatos narrados, se averiguar a necessidade de elaboração de uma laudo que estabeleça o grau de invalidez, inclusive após restarem esgotados os meios de trata-mento e reabilitação. (...)

V - declara-se a incompetência do juizado especial cível para o julgamento da causa e extinção do processo.”60

Por fim, quanto à prova pericial, devemos também falar do direito da parte em obter esclarecimentos orais do perito logo no co-meço da audiência de instrução. Tema tam-bém pouco utilizado, tem o seguinte regra-mento no Código de Processo Civil:58 Turma Julgadora da Comarca de Goiânia – GO, RI 2008005791990000, Rel. Antônio Fernandes de Oliveira, DJ 24.03.2009.59 I Colégio Recursal da Comarca de São Paulo – SP, RI 989.09.016427-0, 1ª Turma, Rel. Daniel Carnio Costa, j. 17.06.2009.60 Turma Julgadora da Comarca de Goiânia – GO, RI 2008010416720000, Rel. Liliana Bittencourt, DJ 24.03.2009.

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“Art. 435. A parte, que desejar esclare-cimento do perito e do assistente técnico, requererá ao juiz que mande intimá-lo a comparecer à audiência, formulando desde logo as perguntas, sob forma de quesitos.

Parágrafo único. O perito e o assistente técnico só estarão obrigados a prestar os esclarecimentos a que se refere este arti-go, quando intimados 5 (cinco) dias antes da audiência.”

Na prática acabamos observando impug-nações seguidas de impugnações ao laudo pericial, sem que nenhuma das partes tome a iniciava legal acima destacada. E podemos afirmar pela nossa experiência que se trata de uma iniciativa extremamente salutar, sobretu-do quando o juiz não deixa que o perito faça as resposta por escrito, exigindo a presença desse auxiliar na audiência. Isso porque, mes-mo sabendo sobre que tema deverá prestar esclarecimentos, as explicações presenciais são muito proveitosas, sobretudo quando o juiz faz indagações delas decorrentes. Porém, note caro aluno, o juiz pode determinar escla-recimentos escritos:

“Perito - Audiência - Pretendido pelos agravantes que o perito e o seu assistente técnico fossem intimados a comparecerem à audiência de instrução e julgamento - Art. 455, ‘caput’, do CPC - Nada impede que o juiz determine que as novas respostas se-

jam prestadas por escrito - Procedimento que se justifica em virtude dos princípios da economia processual e da celeridade - Desnecessidade da designação de audiência para tal fim - Providência adotada pela juíza ‘a quo’ que não ocasiona qualquer prejuízo aos agravantes - Inocorrência de ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defe-sa - Agravantes que se poderão manifestar sobre os novos esclarecimentos prestados pelo perito - Agravo desprovido.”61

Em suma:

(i) a prova pericial é permitida amplamen-te, salvo quando apenas a prova documental é possível, sendo possível inclusive a cha-mada prova pericial indireta, ou seja, aquela feita por não pelo exame direito do objeto periciado, mas sim por outros documentos e informações diversas que permitam alcançar o mesmo resultado probatório;

(ii) no Juizado Especial a prova pericial é vedada, havendo incompetência absoluta de por lá se tramitar causas em que ela (pro-va pericial) é essencial para o deslinde da causa;

(iii) é possível intimar o Perito para pres-tar esclarecimentos em audiência, desde que intimado dos quesitos feitos por escrito, no prazo mínimo de cinco dias antes do ato.

61 TJSP (extinto 1.ºTACSP), AI n.º 1.203.521-1, rel. José Marcos Marrone, j. 20.8.03

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2.4. Inspeção Judicial

Em trabalho de nossa autoria, defende-mos a utilidade da inspeção judicial com as seguintes palavras:

“Até esse quarto artículo focamos a ina-plicação de instrumentos utilíssimos na advocacia. Aqui, porém, começaremos a trilhar uma via que também envolve a ativi-dade jurisdicional, não para criticá-la e sim buscando com ela a tão propalada eficácia processual. Aliás, para aqueles que ainda alimentam qualquer beligerância entre a ad-vocacia e a magistratura, sugiro lerem e re-lerem o último capítulo do Elogio dei giudici scritto da un avvocato, obra famosa de Piero Calamandrei que no Brasil recebeu o título “Eles, os juízes, vistos por um advogado” (Martins Fontes).

Nosso foco hoje é a inspeção judicial. Re-gulada nos arts. 440 e seguintes do CPC, é um poder-dever dado a todo magistrado para, inclusive de ofício, “inspecionar pes-soas ou coisas, a fim de se esclarecer so-bre fato, que interesse à decisão da causa”. Apesar de ser, a toda evidência, a aproxima-ção máxima do magistrado com a prova, em poucas oportunidades ela é aplicada, talvez pelo acúmulo de serviço do Poder Judiciário e/ou ante a dificuldade de locomoção exis-tente nos grandes centros, obstáculos ao seu uso bem identificados por João Batista Lopes (A prova no direito processual civil, 3.ª ed., RT: São Paulo, 2006, p. 160).

Lembramo-nos perfeitamente de uma in-trincada Ação de Despejo no qual havia evi-dente disparidade entre o objeto contratual da locação e o imóvel efetivamente locado. Após idas e vindas de petições e oitiva de testemunhos contraditórios, tudo se resol-veu em singela diligência do juiz ao imóvel locado. Em outra oportunidade, uma liminar em Ação de Nunciação de Obra Nova não

resistiu ao comparecimento do magistrado ao local dos fatos.

Duas oportunidades apenas, nas demais é muito comum lermos decisões indeferindo o requerimento por entender que “A inspe-ção judicial somente se justifica se, depois de colhidas as provas, se faça necessário o esclarecimento sobre qualquer fato que interes se à decisão da causa, cabendo ao magistrado, dentro do seu prudente arbí-trio, deliberar por re alizá-la, ou não” (TJ, AI n.º 1015115-0/7, rel. Luis de Carvalho, 29.ª Câm., j. 04/10.06)

Ora, nas causas envolvendo direitos reais, de vizinhança, guarda de menores, dentre outras, é evidente a utilidade da inspeção, quer seja ela direta ou indireta, hipótese úl-tima na qual o juiz se vale da ajuda de espe-cialistas, p. ex., psicólogos ou engenheiros, para produzir a prova.

Mais das vezes, esse meio de prova aca-ba economizando tempo e dinheiro e, o que mais importante, solucionando o litígio com mais segurança. Tratá-lo com excepcionali-dade parece não ser o mais correto.

Concordamos que a diligência ine-rente à inspeção pode ser trabalhosa e, muitas vezes, incomum para um magistrado. Todavia, quando lemos em romance de Saulo Ramos (O Có-digo da Vida, editora Planeta) que até um atual ministro do STF a aplicava enquanto atuava na primeira instân-cia paulista, mister efetivamente re-pensá-la.

Que possa, portanto, a comunidade jurídica que nos dá a honra de acompanhar nossos curtos escritos nesta coluna refletir se o tradicional tripé probatório (documentos, testemunhos e perícia) não pode (deve!) ser repensado, deixando o juiz aquela figura de

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“convidado de pedra” para uma participação probatória mais dinâmica e, por que não dizer, mais justa.”62

Outro entusiasta do meio de prova, Gildo dos Santos, menciona que quando era juiz no Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, rotineiramente determinava esse tipo de prova. Explica o referido autor:

“Presidimos o ato, em vários processos, principalmente de acidente do trabalho, ao verificarmos, por exemplo, que nenhum dos laudos (do pedido e dos assistentes das partes) nem as demais provas dos autos, permitiam segura conclusão para formar o nosso convencimento.”63

Sem dúvida, o juiz pode elucidar uma série de dúvidas quando puder fazer esse tipo de diligência.

Em outra oportunidade que vimos a utili-dade dessa prova, uma ação de nunciação de obra nova com concessão de liminar impedia a seqüência de uma obra de prédio monu-mental, em uma das esquinas mais impor-tantes de São Paulo. Um morador próximo da obra alegava que sua casa possuía trincas e risco de desabamento.

O juiz, acompanhado das partes e seus advogados, examinou o local, efetuou per-guntas e, no canteiro de obra, ditou sua deci-são para um escrevente que também acom-panhara a diligência.

Tomou ainda a cautela de tirar fotos e juntá-las ao auto de inspeção. Obviamente essa prova embasou a sentença e sua ma-nutenção pelo Tribunal, tamanha sua credi-bilidade.

62 KAUFFMAN, André Gustavo Salvador Kauffman. Utilíssimo ina-plicado: a inspeção judicial. Revista dos Advogados de Pinheiros.63 Ob. cit., pp. 156-7.

Aqui vale uma crítica. É evidentemente di-fícil fazer diligências como essa em uma Ca-pital com trânsito caótico como a paulistana. Entretanto, pelo bem do resultado e rapidez da prestação jurisdicional, essa prova deve-ria, sim, ser mais constantemente utilizada. Essa é o motivo de mencionarmos esse meio de prova nesta aula.

2.5. Depoimento Pessoal (confissão)

Dois pontos especiais justificam tratarmos do depoimento pessoal nesta aula.

O primeiro é saber se pode esse meio de prova privilegiar de alguma forma a parte que depõe e, depois, quem pode requerê-la, além do juiz.

Antes disso, contudo, tratemos um pouco da confissão, e quando ela pode ser efetiva-mente decretada no depoimento pessoal.

Por mais que a presunção de veracidade dos fatos oriundos da confissão seja relativa, os requisitos formais aqui devem ser redo-brados, sobretudo o teor do mandado. Essa cautela se justifica por ser ele (o mandado) recebido por um leigo que precisa compre-ender corretamente a conseqüência de seus atos ou omissões. Nesse sentido a jurispru-dência:

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“Depoimento pessoal. Pena de confissão. Exegese do artigo 343, parágs 1. E 2. do Código de Processo Civil. Confissão Ficta.

A pena de confissão, - meio de prova, ali-ás, que conduz a uma presunção relativa, e não absoluta -, somente poderá ser aplicada se no mandado intimatório constar expres-samente, para ciência inequívoca do intima-do, que se o mesmo não comparecer ou se recusar a depor, se presumirão verdadeiros os fatos contra ele alegados. Não é bastan-te a sucinta menção a ‘pena de confesso’.”64

Também comporta refletir se a parte pode sofrer as penas da confissão por não recor-dar ou conhecer os fatos narrados nos autos. Aliás, tal fato ocorreu conosco, em uma audi-ência envolvendo fatos passada mais de uma década, inexistindo um funcionário de minha cliente que pudesse esclarecer o ocorrido. Expliquei isso logo no começo da audiência e o juiz já advertiu que se não fosse respondi-do o que ele queria saber aplicaria confissão. Estaria essa posição correta?

Evidente que não. Apenas se ocorrer uma negativa expressa de responder ao que foi indagado é permitido aplicar confissão e, re-gistremos, apenas quanto àquele ponto in-dagado e não respondido. Nada mais.

64 STJ, REsp 2.340/SP, Rel. Ministro Athos Carneiro, Quarta Tur-ma, julgado em 29/06/1990, DJ 10/09/1990, p. 9130

Outro tema interessante é saber se o de-poente, a própria parte, pode influenciar o convencimento judicial quando se manifesta na audiência. Nesse sentido, lembro-me bem de uma situação que vivi na rotina da advo-cacia, envolvendo uma causa na qual a Au-tora havia sido convidada por seguranças de uma loja para ir até um local reservado para poder ser verificado se não estaria furtando peças de roupa.

Ao começar a narrar o ocorrido para o juiz a Autora desabou a chorar, compulsivamen-te, lembrando dos momentos, narrando de-talhes de como foi abordada com truculência na frente de amigas, que foi sugerido que tirasse a roupa na frente de homens e outros absurdos.

Serenamente o juiz ditou todo o ocorrido para a escrevente e, ao final do depoimento, depois de oferece água com açúcar para a Autora, fez questão de consignar na ata que “a depoente prestou todos esses esclareci-mentos chorando, algumas vezes a ponto de não conseguir sequer falar”. Obviamente a sentença foi de procedência do pedido inde-nizatório, posteriormente mantido pelo Tri-bunal.

Na linha acima descrita, para João Batista Lopes “não se pode, porém, a priori, afas-tar a possibilidade de o depoimento pessoal beneficiar a própria parte depoente”65. En-tretanto, teimamos em não concordar com esse raciocínio. E assim o fazermos por sa-bermos o quão hábil podem ser certos liti-gantes quando querem parecer convincentes para alguém. Por mais experiente e vivido que seja o magistrado, às vezes choros e manifestações aparentemente sinceras não passam da capacidade inerente de algumas pessoas conseguirem transmitir credibilida-

65 Ob. cit., p. 102.

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de. E, convenhamos caro aluno, se a parte não convencer ter o direito que alega em Juí-zo, quem mais poderá fazê-lo? Por isso man-temos a posição: depoimento pessoal serve apenas para obter confissão, nada além.

Aqui, por isso mesmo, vai uma observação final. Quem pode requerer o depoimento pes-soal da parte é apenas a parte contrária (art. 343, CPC) e, por isso mesmo, quem formu-la as reperguntas após as do juiz é apenas a parte contrária.

Eis aqui uma gafe tremenda, que nenhum aluno dessa pós-graduação voltará a cometer no dia a dia forense.

No máximo, se por qualquer motivo achar que seu cliente não respondeu adequadamen-te ao que foi perguntado, é possível indagar ao juiz se aquilo que foi ditado condiz com o que foi respondido.

Porém, jamais, em hipótese alguma, dese-jar formular uma pergunta.

Disso tudo concluímos que:

(i) para obter a confissão a parte deve ter sido prévia e expressamente intimada para prestar depoimento pessoal, sob pena de reconhecimento dos fatos contra ela alega-dos, caso não compareça ou, o fazendo, se recuse a depor;

(ii) apesar de haver doutrina e jurispru-dência em sentido contrário, somos con-trários ao entendimento segundo o qual do depoimento pessoal pode se extrair alguma prova favorável à própria parte depoente;

(iii) quem pede o depoimento pessoal e pode fazer reperguntas na audiência é ape-nas a parte contrária.

2.6. Prova Testemunhal

A última prova nominada de que trataremos é a testemunhal, já chamada por alguns como a prostituta das provas, tamanha a volatilida-de dela. Tal como explicamos com a prova documental e pericial, a testemunhal também suscita uma infinidade de indagações, nos obrigando a limitar o estudo aos seguintes pontos: (i) limites da prova testemunhal; (ii) algumas hipótese comuns de contradita; (iii) os riscos do princípio da mediação.

Apesar da eloqüência legal, a prova testemu-nhal nem sempre é aceita. Já tratamos dis-so nesta aula, quando falávamos da prova de contratos (art. 401 do CPC), mas vejamos agora a regra geral:

“Art. 400. A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo di-verso. O juiz indeferirá a inquirição de teste-munhas sobre fatos:

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I - já provados por documento ou confis-são da parte;

II - que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados.”

Testemunhas devem se ater a fatos não provados por documentos ou confessos nos autos. Igualmente, é vedado levar técnicos para tentar tirar a credibilidade do que foi apurado em perícia ou mesmo contrapor o seu teor.

Quando um cliente decide fazê-lo preferi-mos reduzir a termos, em declarações mes-mo, a posição técnica e juntá-la aos autos. Isso porque, em tese, indagações técnicas devem ser indeferidas, porém documentos podem ser juntados aos autos.

Quando tratamos de contradita, logo ou-vimos falar em suspeição, impedimento, in-formante etc. Esses temas são, de fato, rele-vantes, mas raramente vemos na prática os advogados invocarem o art. 407 do Código de Processo Civil para sustentar uma contra-dita. Diz o referido artigo:

“Incumbe às partes, no prazo que o juiz fixará ao designar a data da audiência, de-positar em cartório o rol de testemunhas, precisando-lhes o nome, profissão, residên-cia e o local de trabalho; omitindo-se o juiz, o rol será apresentado até 10 (dez) dias an-tes da audiência.”

Usualmente vemos rol de testemunha sem profissão ou mesmo endereço, alguns até sob a tola desculpa de que elas (testemu-nhas) comparecerão independentemente de intimação. Ora, quem assim procede olvida a finalidade desse tipo de informação e dá azo à impugnação do testemunho com base na jurisprudência a seguir apresentada:

“Prova. Testemunha. Rol. Nome, profis-são e residência. Indicação. Necessidade.

Para que seja permitido à parte contrária pleno conhecimento das pessoas que irão depor, estando assim preparada para con-traditá-las, se necessário, e melhor inquiri--las ou reinquiri-las, incumbe à parte, cinco dias antes da audiência, depositar em cartó-rio o rol de suas testemunhas, precisando--lhes o nome, a profissão e a residência.”66

“A exigência do depósito do rol de testemu-nhas cinco dias antes da audiência de instru-ção, com o apontamento do nome, profissão e residência de cada uma (artigo 407, ‘caput’, do Código de Processo Civil), tem por objetivo, além de propiciar possível providenciamento, pelo cartório, da intimação testemunhal - fina-lidade secundária -, permitir que a parte ad-versa saiba quem são as testemunhas, para, se forem a seu ver incapazes, impedidas ou suspeitas, poder contraditá-las - finalidade ba-silar (artigo 414, § 1º, do Código de Processo Civil). A parte contrária àquela que arrola as testemunhas tem o direito a cinco (5) dias in-teiros, imediatamente anteriores à audiência de instrução, para conhecer quem são as tes-temunhas e poder eventualmente contraditá--las. Exegese do artigo 407, ‘caput’, do Código de Processo Civil.”67

Enfim, falemos um pouco daquele princí-pio que permite ao juiz ditar ao escrevente as informações que coleta das testemunhas, o chamado princípio da mediação. Proveniente do fato dele (juiz) ser o destinatário e coletor da prova, salvo raros magistrados que usam meios eletrônicos de materialização da prova oral (gravações, filmagens etc.), o mais co-mum na rotina forense é o juiz ouvir o teste-munho e ditar ao escrevente o que ouviu.

66 2ºTAC/SP, Ap. n.º 318339, 1ª Câm., Rel. Quaglia Barbosa, j. 23.11.92 , in JTA (Lex) 142/30567 2ºTAC/SP, AI n.º 707.609-00/8, 4ª Câm., Rel. Rodrigues Da Silva, j. 27.09.01.

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O problema se dá quando notamos, clara-mente, que o ditado é divergente do teste-munho. Nessas situações recomendamos ao advogado intervir por intermédio do uso do “pela ordem”, como prevê o art. 7.º, X da Lei n.º 8.906/94 que assim prevê:

“Art. 7º São direitos do advogado:

(...)

X - usar da palavra, pela ordem, em qual-quer juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas;

Sendo-lhe, ou não, dada a palavra pelo juiz, deverá o advogado alertar que o dito pela testemunha não condiz com o ditado. Seria uma intervenção rápida como essa: “pela ordem, Excelência, a testemunha não disse isso”. Obviamente alguns magistrados se incomodam com isso, porém, o que nor-malmente fazemos é insistir que pergunte novamente para a testemunha se aquilo que foi ditado foi aquilo que ela (testemunha) disse. Normalmente resolve, mas já tivemos que deixar consignado em ata nossa discor-dância sobre a forma como a prova foi cole-tada.

Resumindo o aqui estudado:

(i) a prova testemunhal possui como limi-tes as demais provas produzidas nos autos, ou seja, havendo documento, confissão ou perícia, o testemunho sobre o mesmo tema anteriormente provado deve ser indeferido;

(ii) é possível contraditar um testemunho com base na imprecisão das informações do rol;

(iii) deve o advogado interferir quando notar que o juiz está ditando informações diversas daquelas prestadas pela testemu-nha durante a audiência de instrução.

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Terceira parte: Temas Polêmicos acerca da prova

3.1. O Momento da inversão do ônus da prova

Tratamos do ônus da prova e, de certa ma-neira, sua inversão no item 1.5. acima. Aqui nosso foco será o momento no qual essa in-versão deve ocorrer.

Antes disso, porém, nos questionamos se realmente há uma inversão, que, no seu sig-nificado geral, importaria em o Réu passar a ser responsável pela prova do fato constitu-tivo do Autor e, por sua vez, o Autor dever demonstrar o fato modificativo, extintivo e impeditivo do seu próprio direito.

Já imaginou um absurdo desse, caro alu-no?

Sobre o tema, André Luiz Mota Novakoski é preciso ao explicar haver, em verdade, o nascimento de uma presunção quando o juiz aplicar o art. 6.º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Leiamos:

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“Não existe propriamente uma inversão dos encargos probatórios quando o juiz apli-ca o art. 6.º, VIII, do CDC.

Ao autor de qualquer processo judicial, consumidor ou não, incumbe a prova dos fatos alegados (art. 333, I, do CPC). Ao réu, por seu turno, compete provar a existência de fatos impeditivos, extintivos ou modifi-cativos do direito do autor e, segundo pen-samentos, a própria inexistência dos fatos alegados na petição inicial (se, por óbvio, a versão dos fatos do Autor não corresponder à realidade).

Quando o juiz aplica a chamada ‘inversão do ônus da prova’ em processo envolven-do relação de consumo, em qualquer mo-mento em que isto venha a ser realizado (se antes da instrução ou no momento do julgamento), a operação jurídica que o ma-gistrado realiza não é pura e simplesmente imputar ao fornecedor o ônus da prova dos fatos alegados pelo consumidor (o que seria a verdadeira e única inversão possível), pois este procedimento – entre outros proble-mas – esbarraria na garantia constitucional de que ninguém pode ser compelido a pro-duzir prova contra si mesmo.

Ao contrário, o que verdadeiramente ocorre quando se aplica o art. 6.º, VIII, do CDC é que o juiz passa a presumir que os fatos ocorreram de acordo com a narrativa do autor consumidor (presun-ção juris tantum), de modo que o réu fornecedor conserva os mesmíssimos ônus probatórios que possuía antes da ‘inversão’ (art. 333, II, do CPC), perma-necendo a necessidade de fazer prova de que os fatos descritos na petição inicial não ocorreram ou ocorreram de forma diversa do alegado pelo consumi-dor, podendo comprovar, ainda, a exis-tência de fatos impeditivos, modificati-

vos e extintivos do direito afirmado pelo consumidor.”68

Sabendo agora não haver, propriamente, uma inversão, mas a presunção de veraci-dade dos fatos alegados, passemos ao pon-to mais nevrálgico da questão: quando deve ocorrer essa inversão.

As opções são duas: (i) até o saneamento do processo, permitindo aos litigantes sabe-rem exatamente que provas deverão produ-zir na causa;

(ii) no momento da sentença, a permitir o julgamento da causa pelo juiz, tendo as partes já produzido suas provas.

Esse é um tema que nos angustia desde lon-ga data. Recordamos, claramente que quan-do freqüentávamos o Curso de Pós Graduação Lato Senso da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, numa daquelas manhãs de sába-do, a professora Maria Antonieta Zanardo Do-nato defendeu em sua palestra ser a inversão do ônus da prova uma regra de juízo, a ser aplicada pelo magistrado ao sentenciar a lide.

Fizemos, então, uma intervenção pontual: mas como saber se a inversão irá, ou não, ocorrer? 68 A distribuição do ônus probatório nas lides de consumo: a falsa inversão do ônus da prova do art. 6.º, VIII, do CDC “in” RDDP n.º 37, p. 11.

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Sim, porque a inversão do art. 38 do Có-digo de Defesa do Consumidor é automática, porém a do art. 6.º, VIII não o é, dependen-do da presença de requisitos que podem, ou não, está presentes. Vamos além. E quando a aplicação da Lei n.º 8.078/90 for discutível no caso em concreto? Sim, há várias lides em que o ponto controvertido é, justamente, saber se o Autor é consumidor.

Quando fizemos a primeira pesquisa sobre o tema – aí se vão uns dez anos – a jurispru-dência dos Tribunais locais estava dividida, quantitativamente inclinada para a manuten-ção do entendimento de se manter o pen-samento de que o ônus da prova é regra de julgamento e, portanto, deveria mesmo ser decidido na sentença. Vejamos alguns exem-plos de julgados relativamente antigos nesse sentido:

“Ônus da prova – Regra técnica de deci-dir, que o Magistrado terá presente no ins-tante do julgamento da lide – (...)

(...)

Como já acentuado na denegação da li-minar, a verificação do onus probandi há de ser precedida no instante do julgamento da lide, no qual, valorando devidamente os fa-tos, caberá ao Juiz verificar se parte, a quem aproveite a alegação neles consubstanciada, produziu ou não a prova correspondente.”69

69 TJSP – Ag. Inst. n.º 64.343-4 – SP – 3.ª Câm. Dir. Priv., Rel.: Des. Ney Almada – j. 23.09.97 – v.u., apud JTJ 210/213

“À regra de ônus da prova (art. 333, caput, do CPC) só tem pertinência como regra de juízo (= regra de decidir), que é, aos casos em que, encerrada instrução, fique ao julgador dúvida intransponível acerca da existência de fato constitutivo (cf. Gian Antonio Micheli, L’ Onere della Prova, Padova, CEDAM, rist, 1966, p. 216, n. 32; e, desta Câmara, EI 131.655-1)”70

“Conclui-se daí, portanto, que as regras de repartição do ônus da prova não se dirigem às partes, mas ao julgador. E exatamente por isso, salvo situações especialíssimas, não pode o juiz, antes do sentenciamento, disciplinar qual deve ser a conduta probatória das partes, até porque essa atitude não o vinculará depois, nem lhe imporá limites à formação do convencimento a respeito dos fatos da causa. E é nesse direcionamento que se há de interpretar a disposição do artigo 6o,inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, pois efetivamente não cabe ao juiz anunciar previamente às partes qual será a sua forma de julgamento, qual será o seu critério de análise das provas que serão produzidas. Tal norma, portanto, nada mais é de uma orientação de julgamento, que deve ser observada pelo juiz no momento de proferir a sentença. Mesmo porque se trata de regra que não afeta a atuação probatória das partes, que têm assegurado o pleno direito de produzir todas as provas pertinentes a respeito de todos os fatos discutidos, sem a necessidade de perquirir a quem a lei atribui o respectivo ônus.”71

Agora outros precedentes em sentido con-trário, todos com mais de dez anos de edição e favoráveis à fixação dos ônus antes da de-cisão da causa:

“Inversão do ônus da prova – Necessida-de de expressa determinação judicial quan-

70 TJSP – Ap. 198.945-1/7 – 2.ª Câm. – Rel.: Des. Cezar Peluso – j. 21.12.93 – v.u., apud RT 706/6771 1.º TACSP – Agr. Inst. n.º 833.163-9 – SP – 3.ª Câmara – Rel.: Juiz Antonio Rigolin – 24.11.98 – v.u

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do, a critério do juiz, configurar-se a hipóte-se de inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6.º, inc. VIII, do CDC, sob pena de nulidade, é mister a prévia determinação à parte, em desfavor de quem se inverte o ônus, para que prove o fato controvertido. A inversão, sem esta cautela processual, implicará em surpresa e cerceamento de defesa.”72

“A questão alusiva à inversão do ônus da prova, merece consideração à parte. Em relação ao momento da inversão operar-se considera-se deva ocorrer antes da produ-ção dela para evitar surpreender o outro li-tigante que parte do pressuposto de se apli-car a regra geral de competir a quem quer demonstrar o fato constitutivo, portanto a do artigo 333, I, do Código de Processo Civil, deixando de diligenciar a coleta das suas, supondo não consiga a outra parte se desincumbir do seu encargo.”73

“Considerando que as partes não podem ser surpreendidas, ao final, com um provi-mento desfavorável decorrente da inexis-tência ou da insuficiência da prova que, por força da inversão determinada na sentença, estaria a seu cargo, parece mais justa e con-dizente com as garantias do devido proces-so legal a orientação segundo a qual o juiz deva, ao avaliar a necessidade de provas e deferir a produção daquelas que entenda pertinentes, explicitar quais serão objeto de inversão.”74

O tempo passou e, hoje, a posição que usualmente é a mais utilizada no Superior Tribunal de Justiça segue no sentido de que a inversão do ônus é regra de julgamento e,

72 TARS, Rec. n.º 194110664, j. 18.8.94 apud OLIVEIRA, José Carlos de. Código de Proteção e Defesa do Consumidor, LED, São Paulo: 1998, p. 4073 1.º TACSP - Apelação Sumário n.º 900.724-3 – SP – 5.ª Câmara – Rel.: Juiz Nivaldo Balzano - j. 26.04.00 – v.u.74 TJSP - 6ª Câm.; Ag. de Instr. nº 108.602.4/0-SP, Rel. Des. Antonio Carlos Marcato; j. 18.03.1999; v.u.; ementa.

como tal, deve mesmo ser objeto de delibe-rações na sentença. Leiamos:

“RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. IN-VERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ART. 6º, VIII, DO CDC. REGRA DE JULGAMENTO.

- A inversão do ônus da prova, prevista no Art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consu-midor, é regra de julgamento.

- Ressalva do entendimento do Relator, no sentido de que tal solução não se compatibi-liza com o devido processo legal.”75

Em que pese exista posição em sentido contrário:

“2. O Tribunal de origem determinou, po-rém, que a inversão fosse apreciada somen-te na sentença, porquanto consubstanciaria verdadeira “regra de julgamento”.

3. Mesmo que controverso o tema, dúvi-da não há quanto ao cabimento da inversão do ônus da prova ainda na fase instrutória - momento, aliás, logicamente mais adequa-do do que na sentença, na medida em que não impõe qualquer surpresa às partes li-tigantes -, posicionamento que vem sendo adotado por este Superior Tribunal, confor-me precedentes.”76

Alguns precedentes aceitam, inclusive, a inversão já em segundo grau de jurisdição:

“1. Essa Corte firmou o entendimento de que é plenamente possível a inversão do ônus da prova em 2º grau de jurisdição, pois cuida-se de uma regra de julgamento, que não implica em cerceamento de defesa para nenhuma das partes.”77

75 STJ, REsp 949.000/ES, Rel. Ministro Humberto Gomes De Barros, Terceira Turma, julgado em 27/03/2008, DJe 23/06/200876 STJ, REsp 662.608/SP, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, julgado em 12/12/2006, DJ 05/02/2007, p. 24277 STJ, AgRg no Ag 1028085/SP, Rel. Ministro Vasco Della Giustina Desembargador Convocado do TJ/RS), Terceira Turma, julgado em 04/02/2010, DJe 16/04/2010

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E se nega:

“RECURSO ESPECIAL. GRAVIDEZ ALEGA-DAMENTE DECORRENTE DE CONSUMO DE PÍLULAS ANTICONCEPCIONAIS SEM PRIN-CÍPIO ATIVO (“PÍLULAS DE FARINHA”). INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ENCAR-GO IMPOSSÍVEL. ADEMAIS, MOMENTO PROCESSUAL INADEQUADO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A GRAVIDEZ E O AGIR CULPOSO DA RECORRENTE.

1. O Tribunal a quo, muito embora reco-nhecendo ser a prova “franciscana”, enten-deu que bastava à condenação o fato de ser a autora consumidora do anticoncepcional “Microvlar” e ter esta apresentado cartelas que diziam respeito a período posterior à concepção, cujo medicamento continha o princípio ativo contraceptivo.

2. A inversão do ônus da prova regida pelo art. 6º, inciso VIII, do CDC, está an-corada na assimetria técnica e informacio-nal existente entre as partes em litígio. Ou seja, somente pelo fato de ser o consumidor vulnerável, constituindo tal circunstância um obstáculo à comprovação dos fatos por ele narrados, e que a parte contrária pos-sui informação e os meios técnicos aptos à produção da prova, é que se excepciona a distribuição ordinária do ônus.

3. Com efeito, ainda que se trate de re-lação regida pelo CDC, não se concebe in-verter-se o ônus da prova para, retirando tal incumbência de quem poderia fazê-lo mais facilmente, atribuí-la a quem, por impossi-bilidade lógica e natural, não o consegui-ria. Assim, diante da não-comprovação da ingestão dos aludidos placebos pela autora - quando lhe era, em tese, possível provar -, bem como levando em conta a inviabilidade de a ré produzir prova impossível, a celeu-ma deve se resolver com a improcedência do pedido.

4. Por outro lado, entre a gravidez da autora e o extravio das “pílulas de farinha”, mostra-se patente a ausência de demons-tração do nexo causal, o qual passaria, ne-cessariamente, pela demonstração ao me-nos da aquisição dos indigitados placebos, o que não ocorreu.

5. De outra sorte, é de se ressaltar que a distribuição do ônus da prova, em realidade, determina o agir processual de cada parte, de sorte que nenhuma delas pode ser sur-preendida com a inovação de um ônus que, antes de uma decisão judicial fundamenta-da, não lhe era imputado. Por isso que não poderia o Tribunal a quo inverter o ônus da prova, com surpresa para as partes, quando do julgamento da apelação.

6. Recurso especial parcialmente conhe-cido e, na extensão, provido.”78

Por tudo isso, recentemente, a Ministra Nancy Andrighi proferiu voto em julgamento que relatou segundo a qual reconhece que “a jurisprudência do STJ não se pacificou quanto à possibilidade de o juízo inverter o ônus da prova no momento de proferir a sentença numa ação que discuta relação de consumo”79, mantendo o tema em aberto para a discussão, acadêmica e forense.

Já manifestamos aqui nossa posição contrá-ria à leitura moderna do ônus da prova como regra de julgamento.

O dinamismo da jurisdição no campo da pro-va suprime esse pensamento clássico, deven-do, no nosso sentir, ser considerado o ônus da prova uma regra de instrução, sendo imperiosa sua fixação no despacho saneador, sob pena de cerceamento de defesa.

78 STJ, REsp 720.930/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, QUARTA TURMA, julgado em 20/10/2009, DJe 09/11/200979 STJ, REsp 1125621/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/08/2010, DJe 07/02/2011

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E que fique bem claro que esse prejuízo ao litigante pode ocorrer tanto contra o fornece-dor como contra o consumidor.

Isso porque, este pode achar certo gozar os benefícios da Lei n.º 8.078/90 e/ou cum-prir os requisitos de seu art. 6.º, VIII, porém, ao final da causa, descobrir pensar o juiz de modo diverso, vindo a sucumbir apenas por deixar de provar esse ou aquele fato que, na sua concepção, merecia os benefícios da pre-sunção juris tantum.

Por tudo isso, ainda que após duas déca-das de vigência do Código de Defesa do Con-sumidor, consideramos o tema do momento da inversão do ônus da prova extremamente instigante e merecedor de reflexões, sobre-tudo em um curso de pós-graduação.

Alertamos, por fim, que diferentemente do feito nos itens 1 e 2 acima, achamos incor-reto declinarmos conclusões sobre os temas complexos atinentes à prova.

Aqui nossa intenção vai além de fixar con-teúdos para você, caro aluno, queremos é fomentar discussões e reflexões. Torcemos conseguir.

3.2. Existe diferença entre requerer e especificar provas?

Quantas vezes não nos deparamos com um despacho assim na rotina forense diária:

“Especifiquem as partes as provas que desejam produzir, justificando-as, sob pena de preclusão.”

Daí nos perguntamos: onde está essa exi-gência na lei? O Autor deve indicar na peti-ção inicial as provas que pretende produzir (art. 282, VI, CPC) e o Réu, da mesma forma, especifica na defesa as provas que pretende produzir (art. 300, parte final, CPC). Essa pra-xe forense não está prevista em lugar algum do Código de Processo Civil, apesar de pode ser fruto de uma interpretação lógica do art. 333, § 2.º da referida norma. Nesse sentido, João Batista Lopes explica as distinções entre requerer (indicar) e especificar provas:

“A indicação consiste na menção gené-rica dos meios de prova que a parte pre-tende produzir: o autor, na petição inicial, geralmente protesta pela produção de todas as provas em direito admitidas; por igual, o réu, na contestação, indica os meios de prova com os quais pretende demonstrar as alegações da defesa.

A especificação consiste na individualiza-ção ou particularização dos meios de prova pretendidos.

O juiz, por despacho, poderá de-terminar que as partes especifiquem as provas que efetivamente preten-dem produzir, mas a lei processual es-tabelece momento próprio para que ocorra tal especificação: a audiência preliminar do art. 331 do CPC.”80

80 Ob. cit., p. 60.

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A jurisprudência respalda a especificação. Confirmemos:

“PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO - EM-BARGOS DE TERCEIRO - MULHER CASADA - PENHORA - MEAÇÃO - BEM DE PROPRIE-DADE DO CASAL - INTIMAÇÃO DAS PARTES PARA ESPECIFICAR PROVAS - PRECLUSÃO - ARTIGOS 333, II E 183, DO CPC.

I - CONSOANTE ESTABELECIDO NO ART. 333 DA LEI PROCESSUAL CIVIL, CABE AS PARTES O ONUS DE PROVAR OS PRESSU-POSTOS FATICOS CONSTITUTIVOS DO SEU DIREITO, QUE PRETENDAM SEJA APLICA-DO PELO JUIZ NA SOLUÇÃO DO LITIGIO, OU ILIDIR PRESUNÇÕES.

II - HIPOTESE EM QUE SE OPEROU A PRECLUSÃO DE PRATICAR O ATO (ART. 183 DO CPC), QUANDO, EMBORA INTIMADA A PARTE A ESPECIFICAR AS PROVAS QUE AM-PARARIAM SEU DIREITO, QUEDANDO-SE INERTE, DEIXOU DE FAZER NO MOMENTO OPORTUNO.

III - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.”81

“Provas. Julgamento antecipado. Prece-dentes da Corte.

1. Se a parte foi devidamente intimada para especificar as provas que desejava

81 STJ, REsp 67.058/PR, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, Terceira Turma, julgado em 12/02/1996, DJ 06/05/1996, p. 14413

produzir, mas permaneceu em silêncio, não pode, depois, alegar cerceamento de defe-sa.

2. Recurso especial conhecido e provido.”82

Seja como for, mesmo não tendo a parte requerido ou especificado prova alguma, se a instrução probatória for aberta, entendemos, por respeito ao contraditório e à ampla defesa, possível ao outrora silente arrolar testemunhas, formular quesitos e indicar assistente, mesmo porque poderá, com isso, apenas contrapor a prova requerida e especificada pela parte con-trária.

Por fim, sugerimos ao aluno que reflita em como conjugar o tema aqui estudado com o art. 130 do Código de Processo Civil, valendo ponderar se a omissão da parte poderia impor-tar em um limite para os poderes instrutórios dos juízes. Tema bem interessante para uma monografia de final de curso.

3.3. A Teoria das cargas dinâmicas

Tendo sido essa aula preparada durante o processo legislativo de um novo Código de Processo Civil, nada mais adequado que pin-celar aqui uma das novidades mais contun-dentes do referido projeto, no que tange ao direito probatório no processo: a teoria das cargas dinâmicas da prova.

Trata-se de um tema sobre o qual também já escrevemos e, por isso mesmo, usaremos aqui as palavras ali publicadas83.

Vamos a elas, devidamente adequadas para essa aula:

82 STJ, REsp 184.457/MG, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 21/10/1999, DJ 13/12/1999, p. 14283 Panorama da prova na jurisprudência do TJSP .

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Apontada por João Batista Lopes como “fle-xibilização das regras sobre o ônus da prova”84, a teoria parece ter origem européia, pese tenha encontrado campo fértil de estudo doutrinário e aplicação prática na Argentina85.

Em apertada síntese, os adeptos dessa nova teoria aceitam a modificação das regras ordiná-rias do ônus da prova (art. 333 do CPC), diante de caso concreto nos quais as circunstâncias apontem para uma atribuição diversa e com melhores resultados para a coleta da prova.

Feita essa brevíssima digressão doutrinária, interessante citar precedente relativamente re-cente do Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual a teoria foi aplicada. O acórdão vem assim ementado:84 Ob. cit., p. 51.85 “Por lo tanto, la teoría tiene poco más de 180 años y su origem es eropeo. El instituto, lejos de quedarse em suelo británico, cruzo aguas septentrionales y llegó a Europa continental, principalmente Alemanha. (...) Entonces, lejos está la carga probatoria dinámica de tenes un origem en Argentina.” (GRANDE, Maximiliano Grande. Las cargas probatorias dinámicas. Inaplicabilidad. Rosario: Juris, 2005, p. 46).

“AGRAVO. PROCESSUAL CIVIL. PROVA. AUTORA DE AÇÃO QUE ALEGA FALSIFICA-ÇÃO DE NOTA PROMISSÓRIA E NEGA NE-GÓCIO SUBJACENTE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE NO CASO. TE-ORIA DAS CARGAS DINÂMICAS DA PRO-VA. NÃO VIOLAÇÃO DO ART. 333 DO CPC. APLICAÇÃO CONJUNTA COM O ART. 130 DO CPC. RECURSO IMPROVIDO.

Agiu com critério o magistrado ao aler-tar as partes sobre a necessidade de o réu provar o negócio subjacente na ação decla-ratória de nulidade de nota promissória com alegação de falsificação material e inexistên-cia de negócio jurídico que dê respaldo ao montante cobrado nela. Inconclusivo o lau-do do Instituto de Criminalística de São Pau-lo ao exame da cópia do documento, sem sua apresentação original, e em razão da negativa da autora da ação negar o negócio subjacente, lógica a aplicação da teoria das cargas dinâmicas na determinação da inver-são do ônus.

Afirmou-se a correta extensão da regra do art. 130 do CPC.”86

Da leitura do voto condutor, encontramos o substrato fático do caso em concreto. O Réu da causa era comerciante, que respon-de por inúmeros processos, sobre quem se fez recair o ônus de provar a existência de negócio jurídico que teria dado lastro à emis-são de cártula (não apresentada à perícia), tida como inexistente pelo Autor por ausên-cia de lastro. Eis uma breve passagem:

“A rigor, valeu-se ele da teoria das ‘cargas dinâmicas da prova’, ou seja, o agravante, pelas circunstâncias, tem melhor condições de produzir a prova do negócio subjacente à nota promissória contestada pela agravada, com incidência, em ordem inversa, sobre a causa de pedir da ação.”

86 TJSP, AI n.º 1236940-0/3, rel. Adilson de Araujo, 31.ª Câm. de Dir. Privado, j. 10/03/09.

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Curioso notar que as tais circunstâncias do caso em concreto em nada se relacionam com conveniência e oportunidade do magistrado. Até porque, no nosso sentir, não existe a chamada discricionariedade judicial, ainda mais para tema tão nevrálgico para a solução de conflitos como a distribuição do ônus da prova.

Em outra oportunidade, o Órgão Máximo do Judiciário Paulista acolheu a possibilidade de aplicação da teoria das cargas dinâmicas das provas em Ação Civil Pública que versa sobre direito ambiental.

Alentado voto condutor, com farta citação doutrinária, explicita:

“... ao autor cumpre provar os fatos que embasam a sua pretensão e ao réu os fatos obstativos da pretensão contra ele articulada... Mas esta regra foi erigida à luz de um processo concebido sob a ótica dos direitos privados e da igualdade formal; que não condiz com a realidade de relações de massa e assimétricas, como é o caso das relações de consumo e também das ações civis ambientais. Assim, em princípio, há necessidade de flexibilização das regras, para que

possa ser encontrada a verdade real e para que questões formais não superem as de fundo.”87

Como lemos em outro julgado, o mais comum é a aplicação dessa teoria em pro-cessos envolvendo responsabilidade civil por erro médico:

“A ‘teoria da carga dinâmica’ das pro-vas, mencionada pelo juízo ‘a quo’ como fundamento para a inversão do ônus da prova, é aplicável apenas às hipóteses de hipossuficiência técnica da parte, caso em que o juiz, valorando as cir-cunstâncias particulares de cada caso, bem como a natureza do fato a provar, imputará o encargo àquela parte que, pelas circunstâncias reais, se encontra em melhores condições de fazê-lo, dada a especificidade dos fatos a serem pro-vados.

Trata-se de hipótese típica de necessida-de de ‘flexibilização’ das regras do ônus pro-batório, conhecida como ‘teoria das cargas processuais dinâmicas’, que tem sido adota-da no concernente às relações de consumo, e aplicada pelo STJ nas hipóteses de respon-sabilidade civil profissional, especialmente em matérias essencialmente técnicas, como por exemplo, as hipóteses de erro médico. (...)”88

Há, porém, quem simplesmente não re-conheça a aplicação da teoria na atual evo-lução do ordenamento jurídico. Eis ementa nesse sentido:

“ÔNUS DA PROVA - Pagamento de honorários periciais – Prova pericial requerida pela empresa ré - Inexistência de relação de

87 TJSP, AI n.º 751.948-5/6-00, rel. Samuel Junior, Câmara Especial do Meio Ambiente, j. 10.07.08. O voto vencedor traz vários precedentes sobre o tema, inclusive do STJ. 88 TJSP, AI n.º 990.10.024761-1, rel. Clóvis Castelo, 35.ª Câm. de Dir. Privado, 15.03.10.

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consumo a justificar a inversão do ônus da prova com base no CDC - Inaplicabilidade da Teoria das Cargas Probatórias Dinâmicas, ainda não recepcionada pelo ordenamento jurídico pátrio - Hipótese em que deve ser aplicada a regra geral sobre o onus probandi prevista no art.333, II do CPC - Decisão reformada para facultar às agravadas o pagamento dos honorários periciais – Recurso provido.”89

Nesse outro voto condutor há alusão ao Projeto de Lei n.º 3.015/2008, em trâmite no Congresso Nacional, por intermédio do qual seria inserido um parágrafo segundo no art. 333 do Código de Processo Civil, ficando “... facultado ao juiz, diante da complexidade do caso, estabelecer a incumbência do ônus da prova de acordo com o caso concreto”. No substitutivo aprovado pelo Senado

“Art. 358. Considerando as circunstân-cias da causa e as peculiaridades do fato a ser provado, o juiz poderá, em decisão fundamentada, observado o contraditório, distribuir de modo diverso o ônus da prova, impondo-o à parte que estiver em melhores condições de produzi-la.

§ 1º Sempre que o juiz distribuir o ônus da prova de modo diverso do disposto no art. 357, deverá dar à parte oportunidade para o desempenho adequado do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2º A inversão do ônus da prova, deter-minada expressamente por decisão judicial, não implica alteração das regras referentes aos encargos da respectiva produção.”

Eis aqui nossa maior dificuldade em acei-tar a aplicação da instigante teoria no coti-diano forense pátrio: ausência de autoriza-ção legal. Parece-nos que nem os poderes

89 TJSP, AI n.º 991.09.045958-0, rel. Rubens Cury, 18.ª Câm. de Dir. Privado, j. 1.12.09.

instrutórios do juiz permitem, em princípio, a modificação judicial da regra do art. 333 do Código de Processo Civil, admitida atualmen-te, no nosso sentir, apenas por convenção das partes, com restrições. Bem da verda-de que, inexistente recurso da parte sobre a qual recai, por mutação judicial, o ônus pro-batório, acaba por haver algum consenso, a ponto de permitir a aplicação extensiva da regra do art. 333, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

São aquelas ilegalidades acobertadas pela preclusão ou pela coisa julgada.

Com a posição aqui externada não que-remos negar os méritos e acertos da teoria examinada. Até mesmo somos favoráveis ao aumento do debate acerca dela, com vista à inclusão no projeto do Novo Código de Pro-cesso Civil, delineando seus requisitos.

Como explicamos, apenas temos sérias di-ficuldades em divisar amparo legislativo para tornar operacional a mudança dentro do di-reito positivo em vigor.

Por termos escrito essas linhas no meio de 2010 e essa aula em março e abril de 2011, faço questão de sublinhar minha impressão de que a teoria será aprovada junto com o novo Código de Processo Civil, devendo você, caro aluno, se preparar para o uso dela,

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refletindo suas conseqüências e utilidades em sua rotina forense diária.

3.4. A prova emprestada e o contraditório

Aqui além de adiantarmos uma novidade do futuro Código de Processo Civil, alinhamos uma realidade atual, ou seja, o uso de prova produzidas em outros processos para ampa-rar pedidos em causas novas. Como exemplo, citamos a juntada dos laudos do INSS (ad-ministrativos ou judiciais) em ação que visa o recebimento de indenização securitária. Tal modalidade de prova possui alguns requisitos assim identificados por João Batista Lopes:

“Em primeiro lugar, é necessário que a prova emprestada tenha sido produzida em processo envolvendo as mesmas partes. Além disso, é mister que, no processo an-terior, tenha sido observado o contraditório. Mais ainda: é de rigor que não seja possível a reprodução ou renovação da prova (...) ou que seja excessivamente onerosa sua pro-dução. Por último, é curial que a admissi-bilidade da prova emprestada fica condicio-

nada a serem idênticos os fatos provados e probandos.”90

Firmes nessas lições, nos pareceu adequa-da a recomendação geral para o emprego da prova emprestada contida na ementa abaixo transcrita:

“Prova emprestada. Requisitos: que te-nha sido colhida em processo entre as mes-mas partes, que tenham sido observadas as formalidades legais no feito anterior, e que o fato probando seja idêntico.”91

O problema ocorre quando tal prova não ultrapassa a exigência do contraditório, ou seja, é produzida em processo do qual a par-te contra a qual a prova é feita jamais parti-cipou ou foi ouvida. Nessa hipótese a prova não deveria ser aceita. Aliás, é o que prevê o substitutivo aprovado no Senado:

“Art. 356. O juiz poderá admitir a utiliza-ção de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar ade-quado, observado o contraditório.”

Eis outro tema igualmente interessante, a merecer maiores reflexões.

90 Ob. cit., pp. 64-65.91 TJSP, AI n.º 617.008.4/5-00, rel. João Carlos Saletti, 10ª Câm. Dir. Privado, j. 24.03. 09.

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3.5. A exibição de documento e a multa diária

Infelizmente, tem sido cada vez mais co-mum vermos as multas diárias se tornarem o foco das ações de obrigação de fazer, quan-do, por pura lógica, sempre deveriam ser ti-das como medidas de apoio à tutela do direi-to material, ou seja, um acessório a permitir o alcance de uma finalidade.

”http://www.youtube.com/watch?v=K2cLrs3wgEc”

Tal situação ocorreu muito em requerimen-tos (cautelares ou incidentais) de exibição de documento, boa parte deles relacionados com extratos bancários e ações nas quais se discute o direito a expurgos inflacionários ad-vindos de planos econômicos.

A causa começava como uma mera busca de prova e acabava em execuções milioná-rias das multas fixadas no caso de não exibi-ção do(s) documentos(s).

Por isso mesmo o Superior Tribunal de Justiça emitiu uma súmula sobre o tema. Ve-jamos:

Súmula 372: “Na ação de exibição de documentos não cabe à aplicação de multa cominatória”

De fato, o artigo 359, “caput” e inciso I do Código Processual Civil deixam claro qual é a sanção que sofre a parte ao não exibir o documento em Juízo:

“Art. 359. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar:

I - se o requerido não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração no prazo do art. 357;

II - se a recusa for havida por ilegítima.”

Ora, se já há a punição legal de presunção de existência da prova, por qual motivo adu-zir uma multa? Evidente o desnecessário bis in idem e, igualmente, o enriquecimento sem causa daí decorrente.

Fica, contudo, uma dúvida: como saber o saldo da conta sem o extrato? Em nossa ex-periência vimos juízes perspicazes aceitarem provas indiretas desse fato como, por exem-plo, o valor indicado na declaração de imposto de renda. Eis outro tema extremamente insti-gante e passível de discussões de toda sorte.

Bibliografia Fundamental

DOS SANTOS, Gildo. A prova no processo civil, 3.ª ed., São Paulo: RT, 2009

LOPES, João Batista. A prova no Direito Processual Civil, 3.ª ed., São Paulo: RT, 2006.

Bibliografia Complementar

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Di-reito e Processo: influência do direito mate-rial sobre o processo, 4.ª ed., São Paulo: Ma-lheiros, 2006.

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GRINOVER, Ada Pelegrini (et. al.) Teoria Geral do Processo, 23.ª ed., São Paulo: Ma-lheiros, 2007.

KAUFFMAN, André Gustavo Salvador Kau-ffman. Utilíssimo inaplicado: a inspeção judi-cial. Boletim da Associação dos Advogados de Pinheiros.

, André Gustavo Sal-vador. Panorama da prova na jurisprudência do TJSP “in” BRUSCHI, Gilberto Gomes (co-ord. et. al.), São Paulo: Saraiva, 2011

LACERDA, Galeno. O novo direito proces-sual civil e os feitos pendentes, 2.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006.

NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 36.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Pro-cesso na Constituição Federal. 9.ª ed., São Paulo: RT, 2009.

NOVAKOSKI, André Luiz Mota. A distri-buição do ônus probatório nas lides de con-sumo: a falsa inversão do ônus da prova do art. 6.º, VIII, do CDC “in” Revista Dialética de Direito Processual n.º 37.

PALAIA, Nelson. O fato notório, São Pau-lo: Saraiva, 1997.

SHIMURA, Sérgio. Princípio da proibição da prova ilícita. In: OLIVEIRA NETO, Olavo de, e LOPES, Maria Elizabeth de Castro (co-ords.). Princípios Processuais na Constitui-ção. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

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