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1 MBA EM CONTROLADORIA E GESTÃO FINANCEIRA – T8 Gerenciamento de Tributos “APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS TRIBUTÁRIOS” OSVALDO SANTOS DE CARVALHO 1 1. INTRODUÇÃO O Congresso do IBET chega à sua VII edição. Todos aqueles que se ocupam do Direito em geral e do Direito Tributário em particular têm mais uma vez a oportunidade de assistir, discutir e debater temas relevantes e atuais desse universo, tendo como eixo a Filosofia do Direito e a Teoria Geral do Direito, numa abertura cognoscitiva, sempre incentivada por seu idealizador, o Professor Paulo de Barros Carvalho e seu grande número de colaboradores. É nos oferecida desta feita a oportunidade de elaborar um breve ensaio sobre a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil aos Processos Administrativos Tributários. Antecipamos em dizer que o tema “aplicação subsidiária” encontra-se inserido entre as lições elementares da Teoria Geral do Direito, por meio da qual o aplicador do Direito supera as lacunas e as antinomias 2 por ventura existentes entre as muitas normas que compõem o ordenamento do direito positivo. Sobre a aplicação subsidiária, aliás, o Decreto-Lei nº 4.657/42, também conhecido por Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, entre outros comandos tendentes à solução dos conflitos normativos, dispõe em seu artigo 4º sobre o preenchimento de eventuais lacunas no 1 OSVALDO SANTOS DE CARVALHO, Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela PUC/SP, Professor dos cursos de Especialização em Direito Tributário do IBET, COGEAE/PUC, Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, Toledo de Presidente Prudente e da Escola Fazendária do Estado de São Paulo-FAZESP, Coordenador Adjunto da Administração Tributária-CAT-SEFAZ/SP e Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas- TIT. 2 Para Kelsen existe uma antinomia quando uma norma determina certa conduta como devida e outra norma determina também como devida uma outra conduta, inconciliável com aquela. A mesma conduta, sujeita a duas normas igualmente obrigatórias, faz surgir o conflito normativo. Bobbio exige o concurso de dois requisitos para que se possa falar numa antinomia jurídica: que as normas conflitantes façam parte de um mesmo ordenamento jurídico e que tenham âmbitos de vigência conflitantes. A existência de antinomias no ordenamento jurídico se dá sob a perspectiva do exercício irregular da competência ou a da própria forma de interpretação de comandos regularmente criados, que possibilitam seu surgimento.

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MBA EM CONTROLADORIA E GESTÃO FINANCEIRA – T8 Gerenciamento de Tributos

“APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AOS

PROCESSOS ADMINISTRATIVOS TRIBUTÁRIOS”

OSVALDO SANTOS DE CARVALHO1

1. INTRODUÇÃO

O Congresso do IBET chega à sua VII edição. Todos aqueles que se ocupam do

Direito em geral e do Direito Tributário em particular têm mais uma vez a oportunidade de

assistir, discutir e debater temas relevantes e atuais desse universo, tendo como eixo a

Filosofia do Direito e a Teoria Geral do Direito, numa abertura cognoscitiva, sempre

incentivada por seu idealizador, o Professor Paulo de Barros Carvalho e seu grande número de

colaboradores.

É nos oferecida desta feita a oportunidade de elaborar um breve ensaio sobre a

aplicação subsidiária do Código de Processo Civil aos Processos Administrativos Tributários.

Antecipamos em dizer que o tema “aplicação subsidiária” encontra-se inserido entre as

lições elementares da Teoria Geral do Direito, por meio da qual o aplicador do Direito supera

as lacunas e as antinomias2 por ventura existentes entre as muitas normas que compõem o

ordenamento do direito positivo.

Sobre a aplicação subsidiária, aliás, o Decreto-Lei nº 4.657/42, também conhecido por

Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, entre outros comandos tendentes à solução dos

conflitos normativos, dispõe em seu artigo 4º sobre o preenchimento de eventuais lacunas no

1 OSVALDO SANTOS DE CARVALHO, Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela PUC/SP, Professor dos cursos de Especialização em Direito Tributário do IBET, COGEAE/PUC, Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, Toledo de Presidente Prudente e da Escola Fazendária do Estado de São Paulo-FAZESP, Coordenador Adjunto da Administração Tributária-CAT-SEFAZ/SP e Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas-TIT. 2 Para Kelsen existe uma antinomia quando uma norma determina certa conduta como devida e outra norma determina também como devida uma outra conduta, inconciliável com aquela. A mesma conduta, sujeita a duas normas igualmente obrigatórias, faz surgir o conflito normativo. Bobbio exige o concurso de dois requisitos para que se possa falar numa antinomia jurídica: que as normas conflitantes façam parte de um mesmo ordenamento jurídico e que tenham âmbitos de vigência conflitantes. A existência de antinomias no ordenamento jurídico se dá sob a perspectiva do exercício irregular da competência ou a da própria forma de interpretação de comandos regularmente criados, que possibilitam seu surgimento.

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ordenamento jurídico, prescrevendo que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de

acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Carlos Maximiliano3 ao comentar referido artigo da LICC lembra-nos de um dos

comandos de ouro da atividade jurisdicional do Estado pela qual o Juiz não pode abster-se de

julgar sob o fundamento de que a lei é omissa, ambígua ou obscura:

“Tem o magistrado, nos países cultos, a obrigação peremptória de despachar e decidir todos os feitos que se enquadrem na sua jurisdição e competência [...]. Não é lícito abster-se de julgar, sob o pretexto, ou razão, de ser a lei ambígua, omissa, ou obscura. [...] As normas positivas, diretas e inteligentemente interpretadas, o direito subsidiário e os princípios gerais da ciência, de que o magistrado é órgão e aplicador, fornecem os elementos para aquilatar a procedência ou improcedência do pedido. [...] a obrigação é, no Brasil, imposta pelo Código Civil. [...] Prevalece até mesmo onde não existe um texto explícito a tal respeito. (grifamos).

Tal comando encontra-se positivado no Código de Processo Civil em vigor, em seu

artigo 126, na redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973: “O juiz não se exime de sentenciar ou

despachar alegando lacuna ou obscuridade na lei. “No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar

as normas gerais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e os princípios gerais de

direito”. Já também o artigo 113 do CPC anterior, de 1939, prescrevia comando idêntico.

No mesmo sentido, o próprio Código Tributário Nacional, em comando similar, no

capítulo em que dispõe acerca da interpretação da legislação tributária, prevê em seu artigo

108 que “na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a

legislação tributária utilizará, sucessivamente, a analogia, os princípios gerais do direito

tributário, os princípios gerais do direito público e a equidade”.

Ressalvando que o presente estudo é concebido sob o prisma da Ciência do Direito

que tem como objeto o direito positivo, ou seja, o direito posto, e não aquele que se foi ou o

que está por vir (tarefa afeta à Política do Direito) não podemos deixar de registrar que o

Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil4 elaborado pela Comissão de Juristas

instituída pelo Ato nº 279 do Senado Federal cuidou de tratar da aplicação subsidiária em

casos de lacunas no ordenamento, prevendo-a expressamente no artigo 14 do Anteprojeto: “na

3 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 19ª edição. 2008, p. 42. 4 Disponível em www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf (pesquisado em 15/10/2010)

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ausência de normas que regulem processos penais, eleitorais, administrativos ou trabalhistas,

as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletivamente” (grifamos).

Neste estudo abordaremos aspectos atinentes à aplicação subsidiária do Código de

Processo Civil aos Processos Administrativos Tributários, trazendo alguns exemplos práticos

registrados nos Tribunais Administrativos que cuidam da composição de conflitos de índole

tributária estabelecidos entre os fiscos e os contribuintes, notadamente do Conselho

Administrativo de Recursos Fiscais e do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo.

Antes, porém, com respeito à solução das antinomias mais comuns entre as normas de

um ordenamento do direito positivo, citemos os critérios basilares postos pela Teoria Geral do

Direito, previstos na citada Lei de Introdução ao Código Civil e expressos nas obras dos mais

destacados juristas, entre eles Norberto Bobbio5:

“As regras fundamentais para a solução de antinomias são três:

a) o critério cronológico;

b) o critério hierárquico;

c) o critério da especialidade.

O critério cronológico, chamado também de Lex posterior, é aquele com base no qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior: lex posterior derogat priori.

O critério hierárquico, chamado de Lex superior, é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: Lex superior derogat inferiori.

O terceiro critério, dito justamente da Lex specialis, é aquele pelo qual, de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda: Lex specialis derogat generali”.

2. O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

A existência de um direito subjetivo material não teria qualquer valor se não fossem

reconhecidos ao seu sujeito ativo os meios de tê-los protegidos em juízo. Dito de outro modo,

a garantia de tais direitos não é apenas a oportunidade de deduzi-los em juízo, mas também

concretamente o dever cometido ao Estado de protegê-lo por meio de sentença favorável

transitada em julgado.

5 BOBBIO, Norberto, Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília-DF: Edunb, 4ª edição, 1994, p. 92 a 96.

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Diante de um conflito de interesses, tal seja, duas ou mais pessoas diante de interesse

sobre um mesmo bem da vida, num Estado Democrático de Direito as pessoas se vêem diante

da condição de submeter à solução do desencontro dos interesses a uma terceira pessoa, no

caso ao Estado.

É que diante de um conflito, as partes não acomodando espontaneamente seus

interesses, a pretensão posta por um à subordinação de outro, em caso de resistência, instaura-

se o que é comumente conhecida por lide, que conceitualmente pode ser tida por pretensão

resistida.

A lide, portando, é o conflito de interesses estabelecido pela pretensão de um dos

interessados e pela resistência de outro. A lide uma vez estabelecida perturba a paz social e

reclama o restabelecimento da ordem jurídica, que é resgatada por um instrumento

denominado de processo, que entre diversas acepções possíveis, pode ser tido pelo

instrumento pelo qual se obtém a composição de uma lide.

O processo é tido também como o conjunto de atos coordenados, tendentes ao

exercício da função jurisdicional, tida com função precípua do Estado consistente em

assegurar a ordem jurídica, recompondo-a quando rompida.

Ao abordar referida função jurisdicional, Moacyr Amaral Santos6 lança o conceito de

Direito Processual:

“Como todas essas atividades dizem respeito ao exercício da função jurisdicional, também se pode dizer que o direito processual constitui o conjunto de princípios e normas legais regulamentadoras do exercício da função jurisdicional. Ou, simplesmente, o direito processual é a regulamentação do exercício da função jurisdicional.”

Conforme a natureza da lide, o direito processual se divide em duas grandes vertentes:

direito processual penal e direito processual civil.

O direito processual civil é um conceito obtido por exclusão, tal seja, é formado por

um conjunto de princípios e leis que cuidam do exercício da jurisdição acerca das lides de

natureza civil, assim entendida aquelas que não são de natureza penal e nem são objeto de

jurisdições especiais.

Codificar um ramo do direito é coordenar as relações jurídicas de uma mesma

natureza, estabelecendo um corpo de princípios com vetor comum e relacionados lógica e

6 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1º volume, 15ª edição, 1992, p. 13.

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sistematicamente. Pode abranger a totalidade de um ramo do direito, como o Código de

Processo Civil ou apenas uma parcela menor do ordenamento jurídico, como o Código

Eleitoral, Código de Defesa do Consumidor ou o pretendido Código de Defesa do

Contribuinte em gestação no Congresso Nacional desde 1999.

A primeira Constituição republicana, promulgada em 1891, estabeleceu uma dualidade

processual, dando aos Estados competência para legislar sobre o direito processual civil,

comercial e penal, ficando sob os auspícios da União apenas a prerrogativa de legislar sobre o

processo na Justiça Federal e nas Justiças do Distrito Federal e do então território do Acre.

Foi a Constituição de 1934 que estabeleceu a unidade processual entre nós, cometendo

à União competência para elaboração de leis processuais, voltando, assim, à unidade

processual, como era ao tempo do Império.

O primeiro Código de Processo Civil a viger em caráter unitário no Brasil foi

decretado em 1939 e vigorou até 1973, dando lugar ao segundo e atual promulgado naquele

ano.

Existe uma tendência moderna pela decodificação o que revela uma tendência pela

legislação avulsa em criar estatutos jurídicos voltados para grupos específicos, proliferando-

se, assim, os denominados microssistemas, que adotam o Código de Processo Civil apenas

residualmente, é o que acontece, por exemplo, com as relações de consumo (Código de

Defesa do Consumidor) e a infância e adolescência (Estatuto da Criança e da Adolescência).

É o que ocorre também em matéria administrativa fiscal em que proliferam

microssistemas jurídicos de direito processual próprios, que se socorre do Código de Processo

Civil apenas subsidiariamente, quando houver omissão em seu ordenamento parcial ou não

constratar com seus princípios informadores.

Podemos aduzir aqui o fenômeno da incompletude desses ordenamentos parciais por

conta de que tais microssistemas não esgotam os comandos aptos a dirimir as controvérsias

que lhes são postas, reclamando um direito comum supletivo capaz de integrar e completar a

atuação jurisdicional de sua competência.

Pode-se, com isso, afirmar que o CPC não perdeu sua posição central no ordenamento

jurídico processual, posto que seja ele quem oferece os subsídios necessários de regramento

processual quando os microssistemas não conseguem tratar exaustivamente de todos os

contornos processuais necessários à composição dos litígios de sua alçada.

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A Lei de Introdução ao Código Civil exerce importante papel nesse contexto,

orientando a aplicação, no tempo e no espaço, de todas as normas do ordenamento pátrio. É a

LICC que proporciona a necessária integração normativa, supre as lacunas ou exclui as

antinomias quando existentes.

A despeito de críticas daqueles que postulam a não feitura de um novo código

processual civil agora, achando mais adequado fazer reformas pontuais e após a

implementação dessas, aí sim, elaborar um novo CPC, encontra-se em gestação no Congresso

Nacional um Anteprojeto de Novo Código de Processo Civil, concebido por uma Comissão

de Juristas, instituída pelo ato nº 379 do Senado Federal, fruto de muitas audiências públicas,

uma delas ocorrida aqui em São Paulo, no dia 26 de março deste ano, cujos integrantes

divulgam o excesso de demandas provocadas por uma litigiosidade desenfreada nos últimos

anos, determinando a abertura de um número insuportável de processos nas cortes superiores,

sem paradigma em sistemas jurídicos forâneos, além do excesso de recursos, liturgias e

solenidades no processo.

O presidente da Comissão de Juristas, o Ministro do STJ Luiz Fux, noticiou na 5ª

audiência pública ocorrida nesta capital na data noticiada, que os Tribunais Superiores de

nosso país têm 260 mil processos, enquanto os países da Europa que tem o maior número de

recursos, têm no máximo 50 mil recursos.

Assentados nesse diagnóstico a Comissão de Juristas encarregada da elaboração do

Anteprojeto formulou os objetivos a seguir, relacionados na exposição de motivos de referido

Anteprojeto7:

“i) Estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal;

ii) Criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa;

iii) Simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal;

iv) Dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado e;

v) Finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organizicidade ao sistema, dando-lhe, mais coesão”.

7 Op. Cit., p. 14.

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A propósito do primeiro objetivo acima elencado, podemos afirmar que o estudo do

processo de forma geral foi influenciado nessas últimas décadas pelo movimento da

valorização da Constituição, passando a contemplar a tutela constitucional do processo,

entendida como o conjunto de princípios e garantias previstos na Constituição que tocam à

tutela jurisdicional.

Certo é, porém, que o processo civil vem passando por microreformas, tendo tal

movimento se iniciado com a instituição dos juizados de pequenas causas pela lei 7.244/84,

substituídos depois pelos chamados Juizados Especiais Cíveis e Criminais regidos pela lei

9.099/95.

José Ignácio Botelho de Mesquita8 aponta as inovações relevantes introduzidas no

processo perante os Juizados:

“quanto ao escopo do processo, a opção preferencial pela conciliação e transação e, quanto à forma, pela oralidade, simplicidade, informalidade, economia e celeridade”.

Registre-se que a mediação e a conciliação são meios alternativos de solução de

controvérsias que matizam também o Anteprojeto de lei do novo CPC. Entendem seus autores

que a mediação e a conciliação são os instrumentos adequados para fazer face ao enorme

volume de litigiosidade. A proposta do novo CPC é no sentido de elevar os mediadores e

conciliadores judiciais à posição de auxiliares da Justiça e a previsão de uma seção prévia à

audiência preliminar sob a orientação desses mediadores e conciliadores, para que as partes

sejam esclarecidas sobre os meios consensuais de solução de conflitos, podendo a medida

antecipatória satisfativa dispensar a sentença de mérito.

De rigor, porém, tal medida, no nosso País, não se encontra amadurecida o suficiente

para que possa ser utilizada na composição de litígios de índole tributária.

Com efeito, encontram-se em debate dois projetos9 de lei (PLO nº 5.082/09 e PLC nº

469/09), versando sobre a chamada transação tributária, criando a possibilidade de negociação

direta entre contribuintes e o fisco para pagamento de débitos fiscais, todavia, referida

proposta elaborada em forma de anteprojeto de lei pela PGFN (Procuradoria-Geral da

Fazenda Nacional) enfrenta muita oposição, especialmente das entidades representativas das

8 MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Teses, estudos e pareceres de processo civil. São Paulo:RT, Vol I, 2005, p. 288. 9 Disponível em www.jusbrasil.com.br/notícias (pesquisado em 15/10/2010)

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Procuradorias da União e dos Estados e dos agentes do Fisco Federal, que alegam, entre

vários outros obstáculos a serem superados, a indisponibilidade do interesse público que

informa o crédito tributário.

A última versão do Projeto de Lei prevê cinco tipos de transações: i) administrativa,

que possibilita a negociação no curso de um processo administrativo; ii) judicial, no decorrer

de um processo judicial; iii) conciliação para o caso de insolvência tributária; iv) transação

para recuperação tributária; e v) para prevenção de conflitos tributários, em que seria usada

mesmo antes do surgimento do conflito para situações provocadas por incertezas em relação

ao texto legal.

A transação tributária atualmente em debate no Brasil já é praticada em outros países,

como a França por exemplo, que a permite apenas para as penalidades fiscais, ou seja, para

multas e juros. Lá, o valor do débito principal não entra na negociação, mas o contribuinte, ao

fechar o acordo, obriga-se a pagar o principal. As partes pactuam um contrato, pelo qual tanto

o contribuinte quanto a administração pública passam a ter a segurança jurídica do resultado

da negociação, que não poderá ser contestada ou modificada mais tarde no Poder Judiciário.

O modelo francês também admite ainda a arbitragem, presente em todos os

departamentos púbicos de cada região do país. São órgãos paritários, em que as partes podem

estabelecer uma arbitragem para discutir alguma pendência fiscal. É admitida ainda naquele

país a possibilidade de mediação e conciliação.

Frise-se que na proposta brasileira, que padece ainda de maior debate junto aos órgãos

representativos da sociedade civil, a transação poderá ocorrer tanto para o débito principal

quanto para as penalidades.

Retomando ao eixo do nosso ensaio, que trata da aplicação subsidiária do CPC aos

Processos Administrativos Tributários, relembramos que o Anteprojeto do Novo CPC

encomendado pelo Senado Federal a uma Comissão de Juristas, previu sua aplicação

subsidiária aos demais subsistemas processuais, assim prescrevendo seu artigo 14: “na

ausência de normas que regulem processos penais, eleitorais, administrativos ou trabalhistas,

as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletivamente” (grifamos).

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3. O PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

A expressão “processo” tem sido utilizada tanto para designar as discussões de índole

tributária deduzidas diante do Poder Judiciário quanto os conflitos frente à Administração

Pública (referiremo-nos neste trabalho ao “processo” que veicula uma relação contenciosa

entre fisco e contribuinte, na medida em que podemos admitir o termo “processo” para

designar também tantas outras relações não contenciosas de natureza tributária existentes

entre os contribuintes e a Administração Pública, como por exemplo, a consulta, os regimes

especiais de interesse do contribuinte, acompensação e a restituição de tributos, etc).

Tanto é que há autores que reservam o termo “processo” para designar a composição

de litígios que se opera perante os órgãos do Poder Judiciário e “procedimento” para a

discussão que tem curso na esfera administrativa10.

Marcos Vinícius Neder e Maria Teresa Martinez Lopes11 distinguem as expressões por

outra vertente, (que enquadramos como mais recorrente sob o prisma do processo civil):

“Assim processo e procedimento têm clássica diferenciação quanto aos seus conteúdos jurídicos: o primeiro retrata a relação jurídica específica; já o segundo define o desenrolar dos atos e fatos que configuram o caminho que se percorre para chegar ao ato final.”

Por tratar de conceitos relativos a diversos ramos do direito como o Direito

Constitucional, o Direito Administrativo, o Direito Tributário, o Direito Processual Civil, e

mesmo o Direito Processual Penal, o Direito Civil, entre outros, a dicotomia processo x

procedimento permanece sendo fruto de debates e disputas doutrinárias.

Inclinamo-nos pela expressão “processo administrativo tributário” para designar a

composição de conflitos de índole tributária travados perante a Administração Tributária, por

ser aquela já remansosamente sedimentada no universo jurídico tributário, o qual

distinguimos do “processo judicial tributário” que, pertinentemente se desenvolve perante o

Poder Judiciário, nada obstante as clássicas lições de processo civil celebrar a distinção entre

“processo e procedimento” como sendo o primeiro “um conjunto de atos tendentes a solução

de uma lide, enquanto que procedimento é a forma de fazer marchar estes mesmos atos”12.

10 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 782 e 783. 11 NEDER, Marcos Vinicius e LÓPEZ, Maria Teresa Martinez. Processo administrativo fiscal federal comentado. São Paulo: Dialética, 2ª ed., 2010, p. 30. 12 SOUZA, Gelson Amaro de. Curso de direito processual civil. São Paulo: LEUD, 1990, p. 54.

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Há autores que aludem à existência da “jurisdição administrativa”, entendendo que o

termo “jurisdição” é cometido predominantemente ao Poder Judiciário, mas não exclusivo ou

privativo dele, servindo de exemplo os processos de composição de conflitos de natureza

tributária travados no âmbito do Poder Executivo13.

Eduardo Domingos Bottallo14 se refere à ”função administrativa judicante” para

designar a atividade estatal que tem por objeto solucionar, conforme o direito, as

controvérsias surgidas com os administrados em conseqüência da atuação da Administração

Tributária. Com amparo na doutrina de Seabra Fagundes15, referido autor diz que, em

essência, os elementos presentes na “função jurisdicional” são encontrados também na

atividade judicante administrativa, tais sejam: “i) situação de conflito surgida no processo de

aplicação do direito; ii) realiza-se trabalho de interpretação do direito controvertido, como

modo de alcançar sua finalidade; iii) tem como objetivo remover uma situação contenciosa”.

O “Processo Administrativo Tributário”, apesar de ocupar posição relevante no nosso

ordenamento jurídico, padece de uma regulamentação ampla e sistemática à sua altura,

preferencialmente em sede de lei complementar nacional.

Com efeito, o tema é veiculado por meio de normas processuais encontradas

esparsamente na Constituição Federal de 1.988, no Código Tributário Nacional e nas

legislações da União (Decreto nº 70.235/72 e Lei nº 9.784/99), dos Estados (v.g. lei 13.457/09

do Estado de São Paulo) e dos Municípios (v.g. 14.107/05).

O tema foi objeto de preocupação quando da elaboração do Anteprojeto do CTN nos

idos de 1.950. Rubens Gomes de Souza à época destinou os Livros VII e IX à matéria

processual (o primeiro dedicado ao processo administrativo tributário, nos artigos 302 a 373 e

o segundo ao processo judicial), tratando-a complementarmente, e não de forma repetitiva

como ocorre até hoje, redundando em prejuízo pela duplicidade e redundância do tratamento

da mesma matéria e da mesma forma nas duas instâncias, administrativa e judicial.

Preconizava, ainda, referido anteprojeto do CTN a “autonomia administrativa,

patrimonial e financeira” dos Tribunais Administrativos (arts. 190 e seguintes). O modelo

concebido pelo Anteprojeto do CTN dispensava aos seus membros garantias especiais como,

13 CONRADO, Paulo Cesar. Processo Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 101 e 102. 14BOTTALLO, Eduardo Domingos. Curso de processo administrativo tributário. São Paulo: Malheiros, 2ª ed, , p. 55. 15 SEABRA FAGUNDES, M. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 4ª ed, 1967, p. 26 a 28.

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por exemplo, inamovibilidade (art. 199) e suspensão de subordinação hierárquica (art. 203, §

2º).

Alude-se à criação de um Conselho da Fazenda, no ano da vinda da família real

portuguesa para o Brasil, 1.808, para cuidar do processo administrativo contencioso para

questões fiscais, excluindo-se a participação do Poder Judiciário, inclusive quanto à dívida

ativa da União.

O processo administrativo brasileiro, especificamente no tocante à tributação, teve

grande alteração com a Constituição Republicana de 1.891 (e também com sua reforma de

1.926), posto que foi restabelecido o princípio da unidade de jurisdição, aclarando a

competência do Poder Judiciário para dirimir as discussões em que a União era parte.

A revigoração incisiva do processo administrativo tributário, contudo, deu-se apenas

com a Constituição de 1.988, que aspirou proteger aos “litigantes” no processo administrativo

conferindo-se-lhes as mesmas garantias asseguradas no processo judicial, tais sejam o

exercício dos direitos do “contraditório” e da “ampla defesa” (art. 5º, LV), explicitando

competência ao “processo administrativo” para composição da “lide” na seara administrativa.

Dizemos que houve uma revigoração com a CF/88 por conta de que a CF/34 houvera

criado um tribunal especial ao qual competia julgar recursos de atos do Poder Executivo, mas

mantendo a função jurisdicional como exclusiva do Poder Judiciário. No mesmo sentido

operou a CF/67. Sob a égide desses diplomas constitucionais foram criados vários órgãos

administrativos de julgamento, em forma de tribunal (TIT-SP) e conselhos (Antigo Conselho

de Contribuintes criado pela União, sucedido pelo atual CARF-Conselho Administrativo de

Recursos Fiscais e Conselhos Municipais etc).

É de se registrar de passagem, a importância de tais órgãos de julgamento

administrativo, por conta principalmente de sua especialidade (o Poder Judiciário se vê às

voltas com demandas de tantas outras e crescentes vertentes) e caráter preventivo (atua, de

rigor, antes da provocação ao Poder Judiciário, com não raras vezes esgotando a controvérsia,

uma vez que, vale lembrar, a lide levada ao Judiciário importa em renúncia automática da

discussão no âmbito administrativo).

Tal importância não escapou à apreciação de Geraldo Ataliba16:

16 ATALIBA, Geraldo. Recurso em matéria tributária. Brasília, Senado Federal: Revista de Informação Legislativa 25, nº 97, 1988, p. 122.

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“diversas razões recomendam que se crie um sistema de eliminação célere e eficaz desses conflitos, tendo em vista a harmonia Fisco-contribuinte e os interesses públicos em jogo. Se todas as divergências forem submetidas ao Poder Judiciário, este submergirá sob o peso de um acúmulo insuportável de questões a julgar. Além disso – e também por isso – tardarão muito as soluções, em detrimento das partes envolvidas. Daí a razão pela qual, em quase todos os países, se criaram organismos e sistemas para reduzir o número de causas instauradas perante o Poder Judiciário”.

James Marins17, em sua obra “Direito Processual Tributário Brasileiro (Judicial e

Administrativo)”, apresenta-nos exemplos de tratamento do assunto em alguns países:

Em Portugal, talvez um dos mais recentes e completos diplomas de Direito Processual

Tributário, datado de 1.991, compreende o processo tributário em duas fases, administrativa e

judicial, todavia, com algumas características peculiares, entre elas a de que a petição de

impugnação judicial (que deve ser apresentada em 90 dias) será apresentada na repartição de

finanças onde haja sido praticado o ato, cabendo à própria repartição de finanças organizar o

processo antes da sua remessa a juízo. Os Tribunais Tributários portugueses, por seu turno,

são órgãos especializados em matéria tributária.

O modelo espanhol concebe um regime administrativo que não atribui aos integrantes

dos tribunais administrativos prerrogativas que indiquem a existência de algum grau de

independência em relação à administração pública, na medida em que são integrados apenas

por funcionários indicados pelo Ministro da Fazenda.

Do modelo italiano destacamos uma peculiaridade pertinente ao objeto de nosso

estudo, concernente a previsão de duas hipóteses de aplicação supletiva (ou subsidiária) do

Código de Processo Civil ao processo tributário (norma generale di rinvio al códice di

procedura civile): i) quando nenhuma norma do Decreto Legislativo 546/92 (legislação

processual tributária) discipline uma certa questão (fattispecie); ii) quando o CPC se mostrar

compatível com as características do processo tributário.

Apanhando um exemplo sul-americano, na Argentina, a estrutura dos Tribunais

Administrativos, apesar de ligados ao Poder Executivo, caracteriza-se pelo caráter

explicitamente jurisdicional de sua atuação e pela independência de seus integrantes, com

garantias de inamovibilidade e cercados de condições estritas de destituição. Todavia, citado

autor relata que a doutrina daquele país questiona, em postura extremada, a existência real e

17 MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro. São Paulo: Dialética, 2001, p. 326 a 340.

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efetiva do “Tribunal Fiscal de La Nacion”, pelo fato de que citadas garantias não têm

contribuído para criar uma imagem de independência do órgão.

Retomando ao processo administrativo tributário brasileiro, insistimos ao final desse

item do trabalho que nosso ordenamento jurídico tributário (administrativo) padece de uma

sistematização que poderia ser veiculada por meio de uma lei complementar nacional que

contemplasse seus princípios e regras informadores gerais e comuns, por meio da qual os

Estados e Municípios encontrariam o fundamento de validade para normatizar a matéria no

âmbito de suas jurisdições, sem abrir mão, é certo, dos atributos de autonomia que gozam,

assegurados pela Constituição da República, legislando sobre as demandas tributárias segundo

suas especificidades.

Tudo para ampliar a importância da contribuição dos órgãos administrativos judicantes

em matéria tributária, tanto pelo resultado quantitativo e qualitativo das causas que

solucionam, com reconhecido alívio para o Poder Judiciário, quanto pela formulação de

jurisprudência voltada para a aplicação e interpretação do direito tributário.

4. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

AOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS TRIBUTÁRIOS

Como já tivemos a oportunidade de aduzir neste ensaio entendemos que codificar um

ramo do direito é coordenar as relações jurídicas de uma mesma natureza, estabelecendo um

corpo de princípios com vetor comum e relacionados lógica e sistematicamente, podendo

abranger um ramo do direito, como o Código de Processo Civil ou apenas uma parcela menor

do ordenamento jurídico, como o Código Eleitoral ou Código de Defesa do Consumidor.

Bem sabemos que a dinâmica das relações sociais é tão mutável, especialmente nos

dias de hoje, que a ordem jurídica dificilmente consegue manter-se estável e perdura por

muito tempo, determinando, com isso, a atenção diuturna do legislador para com essa

dinâmica, especialmente quanto não apenas a consolidação das normas da mesma natureza,

mas também apefeiçoando-as diante dos avanços das relações sociais.

Por outro lado, com respeito à legislação processual administrativa da União, dos

Estados e dos Municípios, por mais densas e aprofundadas que sejam, não são suficientes para

tratar de todas as facetas que envolvem as demandas postas diante das Administrações

Tributárias específicas, reclamando a aplicação subsidiária especialmente do Código de

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Processo Civil, afim de que possam atender adequadamente a prestação jurisdicional

administrativa na forma estabelecida pela CF/88, especialmente no que toca às garantias do

contraditório e ampla defesa, previstos no art. 5º, inc. LV, da Carta Maior.

No plano federal, no que pertine ao processo administrativo tributário, devemos aqui

lembrar que a lei nº 9.784, publicada no dia 29 de janeiro de 1.999, teve como objetivo

sistematizar o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

O art. 69 de citada lei prescreve que: “os processos administrativos específicos

continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos

desta Lei” (a lei paulista nº 10.177/98 que regula o processo administrativo no âmbito

estadual contém comando similar: “art. 2º - As normas desta Lei aplicam-se subsidiariamente

aos atos e procedimentos administrativos com disciplina legal específica”).

Todavia, como apontado como Marcos Vinicius Neder e Maria Teresa Martínez

Lópes,18 ocorre que:

“as alterações introduzidas pela Lei nº 9.784/99 demoraram a ser aplicadas no contencioso administrativo fiscal, em face, sobretudo, da interpretação restritiva à remissão do artigo 69 desta mesma lei que prevê sua aplicação subsidiária aos processos regulados por lei específica. Na etapa contenciosa, por exemplo, tanto os contribuintes como a Administração Fazendária não vinham recorrendo às suas disposições para a solução dos litígios administrativos”.

Citados autores, na mesma obra, relatam que algumas autoridades fazendárias da

União relutaram quanto à aplicabilidade de referida lei ao processo administrativo tributário,

por conta dos processos administrativos de índole tributária terem seu regramento próprio, por

meio do Decreto nº 70.235/72 (alterado pela Lei nº 11.941/09, especialmente quanto à criação

do CARF, sucedendo o Conselho de Contribuintes), nada obstante a Lei nº 9.784/99 formular

critérios processuais administrativos e estabelecer direitos e deveres dos administrados,

compondo um elenco de regras de grande abrangência a nortear a Administração Pública

Federal.

Vê-se, pois, que a despeito de citada lei ter procurado unificar a matéria processual

administrativa, a União preservou, no entanto, a legislação específica o que acaba tornando

difícil uma sistematização, no caso, do processo administrativo tributário no âmbito federal. É

18 Op. Cit., p. 77.

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que por haver disposição específica para a matéria, ainda que anterior a nova lei, pode ocorrer

esse tipo de resistência quanto à aplicabilidade dos novos regramentos, de forma subsidiária.

James Marins19 reverencia a edição da Lei nº 9.784/99, afirmando que:

“do ponto de vista dogmático, embora o CTN e o Decreto nº 70.237/72, não tenham adotado de forma expressa um sistema de princípios do procedimento e do processo, o recente advento da lei nº 9.784/99 (Lei Geral do Processo Administrativo Federal), inseriu no sistema importante referencial principiológico de Direito positivo ao elencar os princípios, critérios, direitos e deveres informativos do processo administrativo no âmbito federal”.

Utilizamos este exemplo de cotejamento do Decreto nº 70.235/72 e Lei nº 9.784/99,

para recordar que o aplicador e intérprete do direito, em seu labor de construção da norma,

devem percorrer o sistema normativo, iniciando por se debruçar sobre o texto de lei específico

e, em caráter supletivo ou subsidiário, deve recorrer à norma geral, especialmente quando a

norma específica for lacunosa, ambígua ou obscura.

De igual modo, e tão importante como essa aplicação subsidiária da norma geral

federal, deve se conferir aplicação subsidiária do Código de Processo Civil aos textos

normativos específicos que tratam do processo administrativo tributário, tanto no âmbito

federal, quanto no estadual, no distrital e no municipal.

Antonio da Silva Cabral20 é enfático ao afirmar a aplicação do CPC aos processos

administrativos tributários:

“há regra no processo civil, segundo a qual o juiz não pode deixar de julgar, sob a alegação de que a lei não prevê solução para o caso que tem diante de si. [...] Costuma-se dizer que há lacunas na lei, mas não as há no sistema jurídico de um país. Assim, para os casos omissos, vale-se o julgador do CPC, caso este ofereça solução não prevista na legislação processual fiscal”.

Pelo até aqui exposto, é indisputável que mesmo que o Código de Processo Civil não

disponha de comando expresso21 dispondo sobre sua aplicação subsidiária às normas

19 Op. Cit., p. 164. 20 CABRAL, Antônio da Silva. Processo administrativo fiscal. São Paulo: Saraiva, 1.993, p. 43. 21 Relembramos que o Anteprojeto do novo CPC traz norma expressa nesse sentido ao dispor em seu art. 14: “na ausência de normas que regulem processos penais, eleitorais, administrativos ou trabalhistas, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletivamente”.

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processuais específicas, sua aplicação não deverá ser afastada em nome do caráter integrativo

do sistema jurídico.

Dito de outro modo, no processo administrativo tributário, a busca de solução visando

a composição de litígio deverá ser intentada na própria lei que regula o processo respectivo

(federal, estadual, distrital ou municipal) e havendo lacuna ou obscuridade desta, se perquerirá

as outras normas gerais pertinentes e o próprio CPC.

4.1. Exemplos de questões conexas ao tema

São inúmeros os julgados em sede administrativa nos quais encontramos aplicação

supletiva do Código de Processo Civil. Vejamos alguns deles encontrados no CARF –

Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (antecedido pelo CC – Conselho de

Contribuintes) e no TIT – Tribunal de Impostos e Taxas:

i) No campo das provas, registre-se de início que o direito processual brasileiro adotou

um sistema aberto, com poucas restrições à atividade probatória, conforme se infere da leitura

do art. 332, do CPC.

ii) Sobre o momento da apresentação da prova prescreve o art. 16, § 4º, do Dec.

70.235/72, que regula o PAF no âmbito da União, que a prova documental deverá ser

apresentada na impugnação, precluindo o direito do impugnante de fazê-la em outro

momento, salvo por motivo de força maior ou refira-se a fato ou a direito superveniente, ou,

ainda, destine-se a contrapor fatos ou razões posteriormente trazidas aos autos. O PAF de São

Paulo contém norma semelhante (art. 19, da Lei nº 13.254/09).

Todavia, o art. 38 da Lei nº 9.784/99 (que como vimos, regula o processo

administrativo no âmbito federal) prescreve que: “O interessado poderá, na fase instrutória e

antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias,

bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo”.

No âmbito federal, por conta de citado dispositivo, tem se observado a tendência de

atenuação do dispoto no PAF, por meio de construções jurisprudenciais (v.g. Ac. Nº 103-

19.789, do Primeiro CC, publicado no DOU de 29/01/1999 e Ac. Nº 102044.198, do 1º CC,

publicado no DOU de 11/04/2000), Sob o fundamento de que a não apreciação de

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documentos juntados aos autos depois da impugnação tempestiva e antes da decisão fere o

princípio da verdade material com ofensa ao princípio constitucional da ampla defesa.

Referidas limitações previstas no art. 16, § 4º, do Dec. 70.235/72, tem provocado,

entretanto, divergências entre os julgadores no CARF. Uma das correntes existente não aceita

a apresentação de documentos novos após a impugnação (v.g. Ac. Nº 201-81.000/2008),

insensíveis, portanto, ao previsto na lei geral do Processo Administrativo Federal (art. 38 cc.

art. 69 de referida lei).

Outra corrente, mais tolerante em relação aos contribuintes, aceita a apresentação

excepcional de novos documentos, desde que apresentem argumentos suplementares à

impugnação e quando apresentados antes do julgamento de 1ª instância (v.g. 103-

022.583/2006 e 303-34.308/2007).

Uma terceira corrente entende que os documentos podem ser apresentados a qualquer

tempo (v.g. Ac. Nº 108-09.622/2008 e CSRF/03-04.981/2006), sob o fundamento de que a

não aceitação de novos documentos na fase recursal e antes da decisão administrativa fere o

princípio da instrumentalidade processual prevista no CPC e a perquirição da verdade

material, que matiza o processo administrativo tributário.

iii) No campo das nulidades não raro nas defesas e recursos administrativos são

invocadas nulidades por falta de enfrentamento por parte do julgador tributário de todas as

questões por ele levantadas conforme dispõe o art. 31, do Dec. nº 70.235/72. Deve-se,

contudo, adotar o cuidado de que os argumentos tenham sido apresentados antes da prolação

da decisão. É que encontramos na leitura de alguns julgados situações em que os contribuintes

apresentam laudos periciais ou outros documentos após a decisão de 1ª instância, e postulam

pela anulação da decisão.

Nesses casos, a tendência é o julgamento do caso no estado em que se encontra em

nome do princípio da eficiência administrativa e da celeridade processual, contrapondo-se ao

princípio do duplo grau de jurisdição. Isso admitindo não precluso o direito do contribuinte na

apresentação de novos documentos, tal como previsto no art. 16, § 4º, do Dec. nº 70.235/72

(PAF) acima citado, admitindo-se, na hipótese a aplicação subsidiária do art. 38, da lei nº

9.784/99.

iv) Outra circunstância comum, tanto nos autos de infração no âmbito federal, quanto

no estadual (especificamente do Estado de São Paulo) são os casos de lançamentos e

imposição de multas considerados cindíveis. Dito de outro modo, são autos de infração e

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imposição de multas com diversos itens ou acusações fiscais, o que faz com que a

impugnação possa ser parcial, de tal forma que o contribuinte pode individualizar o objeto do

processo e impugnar um ou alguns itens e renunciar à impugnação dos demais, sujeitando-se à

preclusão deles.

iv) Sobre a suscitação de nulidade por indeferimento de perícia, prescreve o PAF

federal que o órgão de julgamento de 1ª instância tem competência para apreciar os pedidos

de perícia (art. 18, do Dec. nº 70.235/72). O simples requerimento da perícia não é o

suficiente para seu deferimento, posto que seja o julgador o destinatário final dela e cabe a ele

aferir sua pertinência.

Por outro lado o art. 38, § 2º, da Lei nº 9.784/99 estabelece que “somente poderão ser

recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando

sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias”.

Nesses casos, caso o julgador julgue desnecessária a perícia deverá fundamentar sua

recusa, sob risco de preterição de direito de defesa (v.g. Ac. Nº 201-73.593/00, publicado no

DOU de 12/07/00, Ac. Nº 108-06.561, de 19/06/01, publicado no DOU de 28/08/01).

Tal procedimento é aderente ao que prevê o art. 420 do CPC, que prescreve comando

quanto ao indeferimento da perícia pelo juiz, eis que a perícia não integra o rol dos direitos

subjetivos do autuado.

Muitos outros exemplos poderiam ser aqui aduzidos, todavia pelos estreitos limites do

presente ensaio faremos a seguir a apresentação apenas de mais um caso em que a aplicação

subsidiária do CPC aos Processos Administrativos Tributários pode dirimir uma contenda

administrativa tributária.

Apanharemos um exemplo de caso discutido no TIT-SP, por conta da recente

alteração da lei processual paulista (a lei nº 13.457/09 sucedeu a lei nº 10.941/01), que

determinou o não seguimento do processo administrativo tributário quando

concomitantemente o contribuinte ajuizar processo judicial com o mesmo objeto (o art. 30, §

1º prevê que a propositura de ação judicial importa em renúncia de litigar no processo

administrativo e desistência do litígio pelo autuado).

Referida disposição normativa introduzida na legislação paulista encontra similaridade

no art. 38, parágrafo único da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/80).

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Verificamos votos no TIT-SP não admitindo o encerramento do processo

administrativo tributário e conseqüente remessa para inscrição em Dívida Ativa de situações

anteriores a nova lei, ou mais precisamente, a ação judicial e o recurso administrativo foram

propostos na vigência da lei anterior. Referidos votos são proferidos sob o fundamento da

irretroatividade da lei (v.g. Processo DRT 11 – 136688/2005, processo ainda não decidido

definitivamente por ter sido convertido em diligência).

Todavia, o entendimento predominante no TIT-SP, fundado na aplicação subsidiária

da Lei nº 6.830/80, é de que mesmo antes da vigência da nova lei era inadmissível a

apreciação simultânea de conflito entre fisco e contribuinte pelo Poder Judiciário e pelo

Tribunal Administrativo (v.g. Processos nºs DRT-05-450650/2004, J. 03/09/2009; Nº DRT-8-

410704/2007, j. 08/12/2009 e DRT-13-272896/2007, J. 08/09/2009).

Ressalte-se, contudo, entendimento doutrinário de autores22 que entendem que a

concomitância somente terá a aptidão para extinguir o processo administrativo fiscal com a

condição resolutiva de obtenção de tutela jurisdicional, que seria a única possuidora da coisa

julgada material, devendo o PAT ser suspenso enquanto não ocorrida aquela. Por outro giro,

postula-se, assim que, o PAT seja suspenso desde a propositura da ação até o advento da

sentença de mérito que solucione o conflito de interesse do proponente da ação. Caso não

obtido o provimento jurisdicional não poderá ser obstado o acesso do contribuinte às

instâncias administrativas.

A relevância desse posicionamento é realçada pelos que assim entendem quando o

processo judicial é extinto sem que haja tutela jurisdicional, por conta da superveniência de

alguma das situações determinadas pelo art. 267 do CPC, situação em que, por maior razão

assim entendem, postula-se que não deverá ser proibido o acesso às instâncias

administrativas, por conta da afirmação do Poder Judiciário de inexistência do direito de ação,

e por conseqüência, não será oferecida a tutela jurisdicional solicitada pelo autor, não se

aperfeiçoando a concomitância, capaz de extinguir o processo administrativo fiscal.

Estamos aqui diante do fenômeno da aplicação da lei processual no tempo. Pensamos

que aos casos dos processos pendentes deverá ser aplicada a lei processual antiga até os atos

já praticados, ou em outras palavras, serão válidos os atos praticados sob a égide da lei

revogada, devendo os atos futuros serem realizados sob os auspícios da nova lei processual,

22 ARAUJO, Ana Clarissa Masuko dos Santos. Efeitos da concomitância entre processo judicial e administrativo – análise do parágrafo único do art. 38 da lei nº 6.830/80. Processo tributário analítico. Coord. Paulo Cesar Conrado. São Paulo: Dialética, 2.003, p. 152.

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na mesma linha do disposto no art. 1.211, do CPC, que determina a aplicação da nova norma

processual desde sua publicação aos processos pendentes.

De nossa parte, por derradeiro, com arrimo nos princípios da eficiência administrativa

e da celeridade processual, previstos constitucionalmente, não faz sentido dois órgãos estatais

serem provocados para decidir a mesma lide, ademais porque diante de uma hipotética

contradição entre a decisão administrativa e judicial deverá imperar a vontade estatal

manifestada nesta última.

5. SÍNTESE CONCLUSIVA

Do exposto verificamos que o Código de Processo Civil deve ser aplicado

subsidiariamente aos processos administrativos tributários, independentemente de disposição

legal expressa no CPC determinando esse comando.

Nada obstante, o Anteprojeto do novo Código de Processo Civil concebido por uma

Comissão de Juristas constituída pelo Senado Federal e em debate na sociedade civil por meio

de audiências públicas realizadas em diversos Estados da federação, prevê expressamente tal

aplicação, assim dispondo o art. 14 do Anteprojeto de CPC: “na ausência de normas que

regulem processos penais, eleitorais, administrativos ou trabalhistas, as disposições deste

Código lhes serão aplicadas supletivamente” (grifamos).

Aliás, o Decreto-Lei nº 4.657/42, também conhecido por Lei de Introdução ao Código

Civil Brasileiro, entre outros comandos tendentes à solução dos conflitos normativos, dispõe

em seu artigo 4º sobre o preenchimento de eventuais lacunas no ordenamento jurídico.

Tal comando encontra-se positivado no Código de Processo Civil em vigor, em seu

artigo 126, na redação dada pela Lei nº 5.25, de 1973.

Para os casos de antinomias, já a antiga Lei de Introdução ao Código Civil prescrevia

os critérios cronológico (prevalência da norma posterior), hierárquico (norma superior derroga

norma inferior) e da especialidade (norma especial prepondera sobre a geral) para solução de

conflito normativo.

Em matéria administrativa fiscal-tributária proliferam microssistemas jurídicos de

direito processual próprios, que de igual modo devem se socorrer do Código de Processo

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Civil, subsidiariamente, quando houver omissão em seu ordenamento parcial ou não

constratar com seus princípios informadores.

Por conta da possível incompletude desses ordenamentos parciais, posto que tais

microssistemas não esgotem os comandos aptos a dirimir as controvérsias que lhes são postas,

é necessário aplicar um direito comum supletivo capaz de integrar e completar a atuação

jurisdicional de sua competência.

Nesse sentido, o CPC ocupa uma posição central no ordenamento jurídico processual,

posto que seja ele quem oferece os subsídios necessários de regramento processual quando os

microssistemas não conseguem tratar exaustivamente de todos os contornos processuais

necessários à composição dos litígios de sua alçada.

O “Processo Administrativo Tributário”, apesar de ocupar posição relevante no nosso

ordenamento jurídico, padece de uma regulamentação ampla e sistemática à sua altura,

preferencialmente em sede de lei complementar nacional.

Com efeito, o tema é veiculado por meio de normas processuais encontradas

esparsamente na Constituição Federal de 1.988, no Código Tributário Nacional e nas

legislações da União (Decreto nº 70.235/72 e Lei nº 9.784/99), dos Estados (v.g. lei 13.457/09

do Estado de São Paulo) e dos Municípios (v.g. 14.107/05).

A importância de tais órgãos de julgamento administrativo se revela por conta

principalmente de sua especialidade (o Poder Judiciário se vê às voltas com demandas de

tantas outras e crescentes vertentes) e caráter preventivo (atua, de rigor, antes da provocação

ao Poder Judiciário, com não raras vezes, esgotando a controvérsia, uma vez que a lide levada

ao Judiciário importa em renúncia automática da discussão no âmbito administrativo).

O processo administrativo tributário brasileiro padece de uma sistematização que

poderia ser veiculada por meio de uma lei complementar nacional que contemplasse seus

princípios e regras informadoras gerais e comuns, por meio da qual os Estados e Municípios

encontrariam o fundamento de validade para normatizar a matéria no âmbito de suas

jurisdições, sem abrir mão, é certo, dos atributos de autonomia que gozam, assegurados pela

Constituição da República, legislando sobre as demandas tributárias segundo suas

especificidades.

Tudo para ampliar a importância da contribuição dos órgãos administrativos judicantes

em matéria tributária, tanto pelo resultado quantitativo e qualitativo das causas que

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solucionam, com reconhecido alívio para o Poder Judiciário, quanto pela formulação de

jurisprudência voltada para a aplicação e interpretação do direito tributário.

Insistimos que com respeito da à legislação processual administrativa da União, dos

Estados e dos Municípios, por mais densas e aprofundadas que sejam, não são suficientes para

tratar de todas as facetas que envolvem as demandas postas diante das Administrações

Tributárias específicas, reclamando a aplicação subsidiária especialmente do Código de

Processo Civil, afim de que possam atender adequadamente a prestação jurisdicional

administrativa na forma estabelecida pela CF/88, especialmente no que toca às garantias do

contraditório e ampla defesa, previstos no art. 5º, inc. LV, da Carta Maior.

Por todo o até aqui exposto, é indisputável que mesmo que o atual Código de Processo

Civil não disponha de comando expresso dispondo sobre sua aplicação subsidiária às normas

processuais, sua aplicação não deverá ser afastada em nome do caráter integrativo do sistema

jurídico.

Dito de outro modo, a busca de solução num processo administrativo tributário,

visando a composição de litígio, deverá ser intentada na lei que regula o processo respectivo

(federal, estadual, distrital ou municipal) e havendo lacuna ou obscuridade desta, se buscará

solução em outras normas gerais pertinentes e ao próprio CPC.

Pesquisando julgados no CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais

(antecedido pelo CC – Conselho de Contribuintes) e no TIT – Tribunal de Impostos e Taxas

encontramos inúmeros julgados com aplicação supletiva do Código de Processo Civil aos

Processos Administrativos Tributários. Ao longo do presente ensaio apresentamos alguns

deles.

6. BIBLIOGRAFIA

ARAUJO, Ana Clarissa Masuko dos Santos. Efeitos da concomitância entre processo judicial e administrativo – análise do parágrafo único do art. 38 da lei nº 6.830/80. Processo tributário analítico. Coord. Paulo Cesar Conrado. São Paulo: Dialética. ATALIBA, Geraldo. Recurso em matéria tributária. Brasília, Senado Federal: Revista de Informação Legislativa 25, nº 97, 1988. BOBBIO, Norberto, Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília-DF: Edunb, 4ª edição, 1994.

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MBA EM CONTROLADORIA E GESTÃO FINANCEIRA – T8 Gerenciamento de Tributos

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