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  • 7/24/2019 Antonio Sergio Dos Anjos

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    UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SO PAULO

    ANTONIO SRGIO DOS ANJOS

    O TRABALHO DO SETOR PSICOSSOCIAL NA FUNDAOCASA: UMA NOVA ABORDAGEM

    SO PAULO

    2011

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    ANTONIO SRGIO DOS ANJOSPS GRADUAO

    O TRABALHO DO SETOR PSICOSSOCIALNA FUNDAO CASA:

    UMA NOVA ABORDAGEM

    Proposta de interveno em proce-dimento de servio, apresentado aUniversidade Bandeirante de SoPaulo como exigncia para aconcluso do Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei.

    Orientador: Flvio Amrico Frasseto.

    SO PAULO2011

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    AGRADECIMENTOS

    Aos Professores Nilton Ken Ota e Flvio Amrico Frasseto, pela confiana e

    apoio durante a elaborao do trabalho.

    Uniban Brasil e aos professores do Programa de Ps GraduaoAdolescente em conflito com a Lei, pela possibilidade de realizao destecurso.

    Aos meus pais, Jos e Benedita, pelo amor e pela formao humanista que meproporcionaram.

    minha famlia, especialmente minha esposa Roseli e minhas filhas, Beatriz eCarolina, que apoiaram incondicionalmente toda a empreita.

    Aos meus irmos, que sei que torcem por mim.

    Aos colegas de curso, que me animaram quando pensei desistir.

    Margarete e Thiago, pelo auxlio na reviso e formatao.

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    RESUMO:

    Nos primeiros anos da Repblica, na passagem do sculo XIX para o sculo

    XX, a questo da criana e do adolescente passou a ser considerada uma

    questo de higiene pblica e de ordem social, na perspectiva de se consolidaro projeto de nao forte, saudvel, ordeira e progressista (Ordem e Progresso).

    A partir dos anos 20, executada por diferentes rgos e cristalizada na

    Doutrina da Situao Irregular, consolidou-se uma prtica poltica para a

    criana e o adolescente pobre, em abandono social ou envolvidos em delitos

    que, aps o golpe militar foi assumida integralmente pela Fundao Nacional

    do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), criada em 1964. s Fundaes

    Estaduais do Bem Estar do Menor (FEBEM), sob a diretrizes da FUNABEM,

    cabiam a preveno ao processo de marginalizao do menor com oestabelecimento de unidades para atender carentes e abandonados, e a

    correo dos marginais em que predomina esse conceito de normalidade

    social. A Psicologia e o Servio Social apresentavam-se, neste contexto, como

    capazes de delimitar as causas dos desvios de conduta, atravs do uso de

    testes, da anlise da personalidade, da investigao social da famlia e do

    jovem, possibilitando aes preventivas e de correo das mesmas. Neste

    sentido, estas cincias apresentavam-se como um dos instrumentos capazes

    de determinar as causas do desvio do menor. A funo primordial destes

    tcnicos na vigncia da Doutrina da Situao Irregular era a produo de

    relatrios, nos quais enfocavam a etiologia da infrao e as causas da suposta

    desagregao familiar destes sujeitos. Aps a redemocratizao no pas, com

    a nova Constituio Brasileira (1988) e o Estatuto da Criana e do Adolescente

    (1990), ao menos em relao aos aspectos legais, a Doutrina da Situao

    Irregular foi substituda pela Doutrina da Proteo Integral. Entretanto, na

    prtica, o papel reservado aos tcnicos Assistentes Sociais e Psiclogos,permanece inalterado na instituio. Trata-se de um trabalho e ao mesmo

    tempo um desafio que leva ao sofrimento diante da dificuldade de lidar com

    adolescentes em conflito com a lei, jovens especialmente difceis e sobre os

    quais no existem consensos fceis sobre como ajud-los. O objetivo deste

    estudo apresentar uma reconfigurao do trabalho do setor tcnico,

    possibilitando outro modelo de atendimento ao adolescente e melhorando as

    relaes institucionais.

    Palavras chave: Adolescente Infrator, Atores Sociais, Setor Psicossocial

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    ABSTRACT

    In the early years of Republic, in the beginning of 20th century, the government

    actions concerning on child and adolescent became a public health and a social

    order question, in order of setting up a project of an organized and developedcountry (Order and Development). Achieved by different official sectors and

    consolidated into Uneven Situation Doctrine, this political practice toward poor

    child and adolescent was shielded totally by National Child and Adolescent

    Foundation (Funabem), created in 1964. The State Child and Adolescent

    Foundations (FEBEM), under the direction of Funabem, has the duty of

    protecting child and adolescent from social deprivation at the same time correct

    criminal adolescent. The social normality concept was strong by then. The

    Psychology and the Social Work present itself, in this circumstance, as capable

    to delimit the causes responsible for the criminal behavior. Through their tests,

    analyze of personality, social investigation about family and criminal adolescent,

    these two sciences could, then, identify and correct the social abnormality. In

    this case, these sciences appear as a instrument capable to determine the

    motives of the criminal adolescents. The primary function of those experts for

    the period of Uneven Situation Doctrine was producing official documentation

    which described the criminal etiology and the motives of familiar disorder from

    those children and adolescents. After the conquest of political freedom into

    1980s, with a new Federal Bill (1988) and the ECA Child and Adolescent Law

    (1990), at least in legal aspects, the Uneven Situation Doctrine was changed by

    Complete Protection Doctrine. However, the role reserved to the experts sector

    Social Workers and Psychologists , remained the same. A work and at the

    same time a defy which produce suffering before the difficulty of deal with

    criminal adolescents, especially the complicated ones, and about whom there

    are not trouble-free opinions in order help them. The main of this research is

    present an adjustment of the expert sector role, bring up another model of

    assisting the criminal adolescent and improving the multidisciplinary relations

    into the institution.

    Keys Word: Criminal adolescent. Social actors. Expert sector.

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    SUMRIO

    1 - APRESENTAO ......................................................................................07

    2 - INTRODUCO............................................................................................12

    3 - REFERENCIAL TERICO .........................................................................15

    4 -BREVE HISTRICO DO ATENDIMENTO SOCIEDUCATIVO NO ESTADO

    DE SO PAULO ..............................................................................................18

    5 ADOLESCENCIA E VIOLENCIA

    5.1 - Cenrio Global...............................................................................25

    5.2 A Construo da Imagem do Menor ............................................. 26

    5.3 Redemocratizao Brasileira e a Fora da Ordem....................... 29

    5.4 Os Saberes...................................................................................30

    6 OS ATORES SOCIAIS...............................................................................32

    6.1 O Adolescente ..............................................................................32

    6.2 As Famlias ...................................................................................33

    6.3 O Judicirio...................................................................................35

    6.4 Os Trabalhadores da Fundao CASA.........................................37

    6.4.1 O Gestor..........................................................................37

    6.4.2 O Setor de Disciplina e Segurana.................................38

    6.4.3 O Setor Pedaggico........................................................40

    6.4.4 A Sade..........................................................................40

    6.4.5 O Setor psicossocial........................................................41

    7 UMA PROPOSTA DE TRABALHO ...........................................................49

    7.1 Unidade de Internao Provisria (UIP) .......................................55

    7.2 Unidade de Internao (UI)..........................................................56

    8 CONSIDERAES FINAIS .......................................................................599 - ANEXOS .....................................................................................................62

    9.1 Exigncias Profissionais ..............................................................62

    9.2 Descrio de Cargos ...................................................................63

    10 - REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.........................................................65

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    1. APRESENTAO

    Comecei a trabalhar na Fundao Estadual do Bem Estar do Menor de

    So Paulo, atual Fundao Casa em 1986, na funo de Monitor I, nome dado

    poca ao profissional responsvel pelo acompanhamento diuturno dosadolescentes internos na instituio. As aspas justificam-se por no existir

    formao profissional especfica para este trabalhador (a exemplo do que

    ocorre com outros profissionais da educao ou mesmo da segurana e

    justia) e eu no ter passado por qualquer treinamento para exercer a funo.

    Meu processo seletivo, em decorrncia da redemocratizao recente do

    pas, foi realizado atravs de Seleo Pblica e, percebo hoje, foi orientado

    com o objetivo de humanizar a FEBEM, o que permitiu que um estudante de

    Filosofia, ex-seminarista, militante social e, sobretudo, franzino, fosse admitido.

    Hoje, distante duas dcadas, considero ingnua aquela estratgia. A

    fora da instituio predominou sobre a inteno instituinte. Os funcionrios

    antigos, admitidos na vigncia do regime militar, em grande parte ex-policiais,

    cabos eleitorais de candidatos da ARENA, desportistas aposentados, impediam

    que uma cultura de Direitos Humanos fosse efetivamente implantada. Na

    prtica, na ausncia de treinamento dos novos funcionrios, a maior

    experincia dos antigos exerceu uma influncia irresistvel sobre os novatos,

    reforando prticas disciplinares autoritrias e coercitivas.

    Alm disso, assisti muitos colegas bem intencionados, buscando

    alternativas de aproximarem-se dos jovens, mas por falta de suporte adequado,

    passado algum tempo no conseguirem se diferenciar dos internos,

    incorporando sua linguagem e vesturio. Infelizmente, muitos deles, aoincorporarem a linguagem, no perceberam estar tambm assimilando valores,

    numa verdadeira inverso da relao educador-educando, sofrendo eles

    mesmos um processo de socializao negativa.

    De alguma forma, sobrevivi a este perodo em grande parte graas ao

    curso que eu fazia Filosofia da Educao, que ajudou na elaborao daquela

    experincia. O fato de ser estudante de Filosofia tambm me aproximou do

    corpo tcnico da unidade, o que me possibilitou uma articulao com os

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    profissionais do Servio Social, da Psicologia e da Pedagogia, permitindo

    algumas experincias libertadoras como, por exemplo, a implantao de um

    Programa de Orientao Vocacional para estes jovens.

    Refletindo sobre esta experincia pessoal, para mim fica bvio que ostrabalhadores da Fundao sofrem o mesmo processo de socializao

    negativa vivenciada pelos jovens, o que refora nos adultos sentimentos de

    menos valia e de impotncia que podem ser geradores de violncia. Equao

    fcil de compreender, quanto mais impotente uma pessoa se percebe, mais

    autoritria ela se torna, descontando naqueles que esto sob sua

    responsabilidade as frustraes que sente - o que Saffioti (1989) chamou de

    Sndrome do Pequeno Poder.

    Em relao aos trabalhadores de instituies fechadas, como o caso

    das unidades de internao da FEBEM, atual Fundao Casa, a oportunidade

    para cometer arbitrariedades muito grande. Em relao a estas

    arbitrariedades, a situao agrava-se pela tolerncia de boa parte da

    populao no tocante violncia dos agentes do estado responsveis pela

    segurana pblica, a polcia em especial, extensiva aos carcereiros e aos

    agentes que lidam com jovens infratores.

    De certo modo, os agentes das instituies que atendem adolescentes

    infratores, tambm legitimavam (ou legitimam) violncias eventuais e/ou

    sistemticas, baseados na mesma lgica do justiciamento, considerando-se

    instrumentos do estado e da sociedade para a punio dos adolescentes.

    Penso que inexistncia de mecanismos que pudessem controlar esta

    socializao negativa podem ser associados boa parte dos episdios deviolncia institucional divulgados pela mdia.

    Neste momento de minha trajetria profissional e inserido no Mestrado

    Profissional Adolescente em conflito com a Lei, tenho a oportunidade de re-

    significar a minha histria ao mesmo tempo em que reflito sobre os

    acontecimentos recentes no Brasil e suas repercusses no atendimento ao

    adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internao, o que

    testemunhei de dentro.

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    Quando mais jovem, ao participar de grupos da Pastoral da Juventude,

    no final dos anos 70 e inicio do processo de abertura poltica, fazia sucesso

    entre ns uma metodologia chamada por Boran (1971) de mtodo ver, julgar e

    agir. Grosso modo, este mtodo pode ser descrito por olhar a nossa realidade

    buscando situaes de desconforto; analisar esta situao luz dos textos

    bblicos e, ento, fazer um plano de ao.

    com este esprito que este trabalho foi realizado. Fazer um estudo

    sobre o funcionamento de um centro de socioeducao s ganha sentido se a

    partir dele alguma proposta de melhoria puder ser feita. O percurso da

    pesquisa realizada at este momento tentou deixar claro que aos trabalhadores

    que atuam neste segmento, os elementos extressores presentes nas diferentestarefas so fatores de sofrimento e no raro, de adoecimento.

    Para Foucault (Vigiar e Punir, Historia da Loucura), as prises e os

    centros socioeducativos para jovens, constituem-se em um dos dispositivos de

    controle das modernas sociedades. A sua funo cuidar dos criminosos e

    indivduos desviantes que, assim como os loucos (enviados aos manicmios),

    refutam o ideal burgus de produtividade ao recusarem submeter-se

    disciplina do trabalho.

    Com a finalidade de disciplinar corpos e submeter almas, estas

    instituies de recluso produzem um ambiente que despersonaliza o individuo

    a partir de estratgias simples como a padronizao das rotinas, o uso de

    uniformes, a identificao por nmero e o isolamento com o mundo externo.

    Alm disso, o prprio atendimento fragmentado, assim um setor

    responsvel pela sade, outro pela higiene e alimentao, outro pela

    segurana, outro pela ateno famlia, entre outros, nos moldes da fbrica,onde o trabalho parcelarizado aliena o trabalhador ao afast-lo da

    compreenso de seu todo.

    Este ambiente artificial, supostamente isento de contradies sociais,

    pretensamente imune aos desejos e que tem por modelo ideal o hospital, o

    que Goffman chamou de instituio total. Outros autores, como Baremblitt

    (1986) e Bleger (2003) ao estudarem os efeitos desumanizadores deste tipo de

    instituio, cunharam o termo institucionalismo, doena produzida nestesespaos.

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    Este processo de coisificao, de transformao do outro em objeto,

    tem por objetivo a domesticao dos desejos tornando-os adequados moral

    vigente. Tem tambm a funo pedaggica de ser castigo exemplar inibidor

    do aparecimento de outros outsiders (Elias,2000).

    No entanto, as coisas no acontecem na ordem direta de seus

    objetivos. Assim, do mesmo modo que estas instituies atuam sobre a

    subjetividade de seus internos, atuam tambm em seus agentes. Ao

    transformarem o seu semelhante em coisa, os Agentes Institucionais tambm

    so coisificados e se brutalizam no espao de trabalho.

    Se sobre os internos o efeito perverso, destruindo subjetividades,

    homogeneizando indivduos, isto atenuado pelo fato de ser passageiro. No

    caso de adolescentes, aqui no Brasil, o tempo mximo de internao de trs

    anos com a permanncia mdia de 12 meses. J no caso dos Agentes

    Institucionais este perodo pode ser mais longo, e, portanto, mais ruinoso. O

    caminho para manter a sade dos profissionais pode ser a superviso aliada a

    jornadas de trabalho menos estressantes e formao permanente.

    Com a finalidade de minimizar os efeitos perversos do

    institucionalismo sobre os internos uma das estratgias mais utilizadas

    baseada no chamado principio da incompletude institucional. Segundo este

    principio, um dos modos de arejar a instituio tendo parte de suas funes

    executadas por instituies complementares. Assim, por exemplo, servios de

    Sade , Educao e Cultura podem e devem ser buscados na rede social local.

    Se sobre todos os setores e atores da instituio a presso grande,

    pois dos profissionais do setor de segurana e disciplina espera-se que

    consigam fazer jovens rebeldes seguirem regras; dos profissionais do setor

    pedaggico espera-se que consigam fazer os jovens reconhecerem o valor daeducao participando de aulas e oficinas; do setor de sade espera-se que

    resistam presso de jovens saudveis vidos por irem ao Pronto Socorro,

    muitas vezes s para poder dar uma volta no mundo; mas sobre o setor

    psicossocial que, quando tudo d errado, toda esta presso recai.

    Ainda mais que do Setor Psicossocial, no imaginrio coletivo, o que

    encontra respaldo nas atribuies legais, por ser composto por profissionais

    formados em Psicologia ou Servio Social, o esperado pelos demais

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    profissionais da instituio que os mesmos possam intervir nas situaes de

    conflito fazendo com que o jovem cumpra as regras, participe das atividades e

    aguarde pacientemente seu encaminhamento para atendimento externo, se for

    o caso.

    Na pratica, a interveno nestes momentos acaba muitas vezes

    apoiando-se, quase que exclusivamente, no lugar de autoridade exercido por

    este profissional que detm a chave da porta de sada da unidade por ser o

    responsvel pela produo de relatrios tcnicos que so encaminhados ao

    Juiz.

    Por isso, infelizmente, muitas vezes a interveno tcnica acaba sendo

    uma ameaa velada que se traduz em frases do tipo: seu relatrio vai subir no

    ms que vem; voc no quer sair?, ou seja, mantm-se uma relao baseada

    na perspectiva punitiva.

    Alm dessa presso psicolgica de dentro do centro socioeducativo, o

    profissional sofre tambm a presso poltica da instituio que precisa de

    vagas, a presso de juzes que esperam, no raro, infalibilidade no

    posicionamento tcnico, dos prprios jovens e familiares que querem sualiberdade.

    A centralizao deste poder de liberar o jovem atravs do Relatrio

    Tcnico no setor psicossocial herana do modelo de ateno praticado no

    modelo FUNABEM/FEBEM, ainda se mantm nos dias atuais. A proposta de

    trabalho que se delineia agora visa superar este modelo.

    A forma de apresentao deste trabalho, Proposta de interveno em

    procedimento de servio, prevista pela CAPES para modalidade do mestrado

    em curso, no assumiu o formato clssico de Dissertao ainda que dele em

    certos momentos se aproxime. A aplicao do que foi proposto depende de

    outras instncias de poder o que acredito, no invalida o esforo de se

    perguntar sempre: E se.......?

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    2. INTRODUO

    No ano de 2002, sob a coordenao da Secretaria Especial de Direitos

    Humanos do Governo Federal, o Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    (IPEA), produziu uma Cartografia da situao das instituies brasileiras

    destinadas aos adolescentes autores de ato infracional. Neste estudo, aps a

    visita de 190 instituies, concluiu-se pela condenao de 71% destas

    unidades consideradas verdadeiras sucursais do inferno, tal o seu estado de

    degradao, revelando a distncia entre os preceitos legais e a realidade dos

    centros de internao brasileiros.

    Esta constatao acelerou as discusses na Secretaria Especial dos

    Direitos Humanos e no Conanda, sobre a necessidade da elaborao de um

    Sistema Nacional de Medidas Socioeducativas, com diretrizes claras de ao,

    que resultou no SINASE em 2006, como marco regulatrio do atendimento

    socioeducativo em nosso pas.

    Da elaborao do SINASE participaram representantes de todos os

    executivos estaduais responsveis pela rea e representantes dos demais

    atores envolvidos no atendimento ao adolescente em conflito com a Lei.Uma novidade neste documento a orientao sistmica reafirmando

    que a responsabilidade pelo atendimento ao jovem autor de ato infracional da

    famlia e do estado, mas tambm de toda sociedade. Tal perspectiva se

    inscreve na mesma lgica que define a criao do Sistema de Garantia de

    Direitos, subsistema que articula os Sistemas de Justia, Assistncia Social,

    Educao e Sade, com o objetivo de proteger crianas e adolescentes e que,

    por outro lado, j determinava que os programas executores de medidassocioeducativas atuassem em rede.

    O SINASE define qual a esfera de atuao de cada nvel de governo

    em relao s medidas socioeducativas e detalha a estrutura e o

    funcionamento dos programas fornecendo parmetros em relao aos

    aspectos fsicos e quadro de pessoal, facilitando o controle externo.

    A Fundao Casa em So Paulo, tm se aproximado do que determina

    o SINASE, ampliando os equipamentos de semiliberdade, desmontando os

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    grandes complexos, porm necessrio continuar o investimento na

    compreenso e formao de seus funcionrios. No final das contas, ainda o

    Joo, o Jos, a Elaine, pessoas reais e agentes sociais das instituies

    que iro fazer ou no a diferena junto ao menino. Penso que, diante do

    profissional, a estrutura fsica dos prdios e os recursos injetados ainda so

    secundrios.

    Apesar de a instituio ter um corpo multiprofissional extenso para

    cuidar do adolescente, recai sobre os profissionais tcnicos do Servio Social e

    Psicologia os olhares do adolescente, da famlia e do judicirio, exigindo uma

    interveno exitosa durante o perodo de internao do adolescente. So eles

    os responsveis por produzir relatrios que embasam as decises dos Juzessobre qual a medida mais adequada para determinado jovem e, aps algum

    tempo, se a mesma foi cumprida com eficincia, atingindo sua finalidade.

    Se para os outros servidores da equipe multiprofissional a

    institucionalizao pode ser o principal fator gerador de sofrimento no

    desenvolvimento no trabalho com o adolescente, para os Assistentes Sociais e

    Psiclogos no parece ser esta a questo central e sim o sentimento de

    impotncia diante da baixa resolutividade de alguns casos que de forma mais

    direta geram sentimentos de incompetncia.

    Este trabalho pretende contribuir para enfrentar o desafio de construo

    de um modelo de atendimento que atenda aos direitos do jovem, mas que, ao

    mesmo tempo, cuide da sade de seus trabalhadores.

    Inicialmente, cumpre compreender quem este trabalhador? O que

    faz? Por que faz? Com quem faz?. Para isto, ser utilizado como referncia oconceito de configurao, criado pelo socilogo Norbert Elias (2000), traando

    um paralelo com o processo de democratizao brasileiro e o conceito de

    sofrimento no trabalho na forma tratada por Christophe Dejours (2000).

    Alm disso, para compreender o contexto tratado, foi necessrio fazer

    um breve histrico do atendimento ao jovem em conflito com lei no Estado de

    So Paulo e as demandas que so atualmente apresentadas Fundao

    Casa, rgo executor do Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo aps

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    a aprovao do SINASE.

    Em relao aos jovens, a idia foi refletir a respeito da percepo social

    sobre o fenmeno da violncia juvenil, exacerbada na dcada de 80, e que

    pode ser melhor compreendida quando analisada junto com o processo deredemocratizao brasileira. Alm disso, importante compreender o momento

    atual de desenvolvimento civilizatrio que alguns autores chamam de ps-

    modernidade e os efeitos disto na perspectiva de jovens que no encontram

    motivos para elaborar projetos para o futuro, vivendo o aqui e agora e em que

    isto impacta o trabalho dos tcnicos.

    necessrio conhecer tambm, ainda que minimamente, quem so os

    diferentes atores que orbitam nas instituies que tratam da violncia juvenil, o

    prprio adolescente em conflito com a lei, as famlias, os operadores do

    sistema de justia e os trabalhadores dos centros socioeducativos.

    Finalmente, apresentada uma proposta de trabalho que altera o papel

    exercido atualmente pelos Psiclogos e Assistentes Sociais de forma que os

    mesmos possam cuidar da sade mental de todos que coabitam a instituio

    jovens e trabalhadores, expostos esta dinmica interna, carregada deconflitos, criando alternativas para a preveno do adoecimento e violncia e,

    ainda, fortalecer a famlia para que possa receber o jovem desinternado.

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    3. REFERENCIAL TERICO

    No pretenso deste trabalho fazer a exegese da contribuio terica

    de Norbert Elias e nem de Christophe Dejours, pelo contrrio, as reflexes

    destes dois autores podem servir para entender um contexto, o centro

    socioeducativo, que possui uma dinmica peculiar pelo fato das relaes

    estudadas acontecerem em um ambiente fechado, pretensamente controlado,

    mas que na verdade est mergulhado e impregnado pelas questes de seu

    tempo histrico. A ao de todos os atores envolvidos sejam os trabalhadores

    e jovens, que coabitam um mesmo espao, sejam os atores externos, famlia e

    judicirio, encontram-se condicionados e so condicionantes das

    transformaes pelas quais a sociedade passa. Compreender esta dinmicapode ajudar a prevenir adoecimento no trabalho por relativizar a ao de cada

    agente, fazendo-o perceber a importncia do trabalho em equipe e em rede.

    Norbert Elias um dos socilogos de maior destaque no Sculo XX (1897-

    1990) em sua obra mais importante, O processo civilizador, tenta

    compreender o desenvolvimento da civilizao. Neste livro, Elias introduz a

    noo de que a civilizao resultado da interdependncia social. Nas

    sociedades ocidentais, onde o monoplio da fora pelo Estado elemento

    fundante da civilizao, o poder de coero social, exterior aos indivduos,

    impe valores e comportamentos que aos poucos so introjectados atravs da

    socializao, transformando-se em autocontrole.

    Segundo Elias, atravs de suas necessidades os indivduos so

    orientados para os outros e unidos uns aos outros das mais diferentes

    maneiras. Esses indivduos constituem teias de interdependncias que doorigem as configuraes: famlia, aldeia, cidade, estado, nao.

    No cenrio em estudo, pensando em um centro socioeducativo, os

    setores envolvidos so: segurana, sade, pedagogia, famlia, justia,

    sociedade. Estes setores deveriam constituir as redes de proteo social.

    A fim de entender estruturas e processos sociais, nunca suficiente estudar um nicoestrato funcional no campo social. Para serem realmente entendidas, essas estruturas

    e processos exigem um estudo das relaes entre os diferentes estratos funcionais queconvivem juntos no campo social e que, com a mais rpida ou mais lenta mudana nasrelaes de poder provocada por uma estrutura especifica desse campo, so no curso

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    do tempo reproduzidas sucessivas vezes. (Norbert Elias - O Processo Civilizador,1993).

    Deste modo para entender o papel reservado ao sujeito da pesquisa, otrabalhador do Servio Social e da Psicologia, foi necessrio descrever o papel

    dos diferentes atores sociais com os quais este profissionais interagem na

    execuo de seu trabalho.

    Contudo, por ser uma instituio que atende adolescentes a quem se

    atribuiu o cometimento de atos infracionais, ou seja, aes tipificadas como

    crime em nosso Cdigo Penal, no raro com componentes de violncia, essa

    problemtica ser relacionada ao fenmeno que Dejours (2000) nomeou comobanalizao da injustia social. De certo modo, ao ver-se diante de todo tipo

    de violncia, o trabalhador dos centros de internao de jovens pode

    desenvolver, at como mecanismo de preveno de adoecimento, algum nvel

    de entorpecimento diante das injustias.

    Christophe Dejours (1998), mdico e psicanalista francs, um dos

    criadores da Psicodinmica do Trabalho, abordagem interdisciplinar

    envolvendo Ergonomia e Psicanlise, aplicada ao estudo dos fatores subjetivos

    de adoecimento relacionado ao ambiente profissional, estudou tambm a

    indiferena social em relao ao sofrimento no trabalho. Para ele, a falta de

    reao em relao a aspectos estressores do mundo do trabalho deve-se ao

    fato de ter se tornado banal o medo do desemprego, o baixo salrio, o

    assdio moral, gerando uma apatia generalizada parecida com a que nos

    acomete diante de desastres naturais. Parece ser natural este aviltamento das

    condies de trabalho, reforando sentimentos de inevitabilidade e menosvalia, levando ao enfraquecimento das organizaes sindicais. Ao mesmo

    tempo em que nos afeta a todos, a insegurana em relao ao futuro driblada

    com um misto de ingenuidade como se, no ligando, fingindo no ver,

    pudssemos escapar dela.

    Esta apatia em relao s injustias no ambiente de trabalho,

    fenmeno estudado por Dejours, na Fundao Casa pode ser complementadapela apatia diante de um trabalho, a socioeducao de jovens que cometeram

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    crimes, sabidamente complexo.

    Ser possvel delimitar o campo de atuao deste trabalhador,

    definindo-lhe objeto e tcnica prpria? Por outro lado, o resultado de seu

    trabalho, ou seja, a reeducao de adolescentes especialmente difceis, deve

    ser creditada exclusivamente a ele? No fator estressor delegar a algum

    uma tarefa a respeito da qual no existe consenso e exigir resultados

    satisfatrios?

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    4. BREVE HISTRICO DO ATENDIMENTO SOCIEDUCATIVO NO ESTADO

    DE SO PAULO

    Os estranhos de nossa sociedade, os marginalizados, no poderiam ser outros seno

    aqueles que esto impossibilitados de comprar e, por isso, constituem uma ameaa ordem vigente ordem que muito mais monetria do que poltica, como gostariam queacreditssemos. Na sociedade de consumo, o crime maior cometido pelos chamadosmarginais, delinqentes, infratores, nada mais que sua imponente pobreza. (BOCCO2006, p.66-67)

    Nos ltimos anos do sc. XIX e primeiros anos do sculo XX, a ideia de

    reforma social e moral de determinados indivduos ocupa a ateno de no

    poucos cidados desta sociedade. Destinadas a estes indivduos, so criadas

    instituies que desenvolvem prticas e saberes legitimados pelas Cincias

    Humanas nascentes (Psicologia e Sociologia). Deste modo aos desajustados,ou seja, queles que representam o negativo da sociedade burguesa apoiada

    na racionalidade e na produtividade, so oferecidos espaos educativos e

    corretivos de forma a separ-los da parte sadia da sociedade preservando esta

    ltima.

    Em relao aos menores negativo de criana e adolescente so

    oferecidas assistncia e amparo, com finalidades profilticas quanto ao crime,

    loucura, prostituio e anormalidade em geral (Freitas apud Adorno).

    Para garantir o tratamento adequado, a mesma autora, segundo Adorno,

    classificou os menores e instituio indicada do seguinte modo:

    (a) para os idiotas e imbecis profundos, os asilos privados; b) para os indisciplinados,delinqentes, tarados, pervertidos e perversos, os reformatrios; c) para os surdos,mopes e cegos, escolas especiais; d) para os dbeis, colnias agrcolas com orientaoprofissional; e)para os tuberculosos, pr-tuberculosos, sifilticos, cardacos, sanatrios ouhospitais adequados; para os extraviados sexuais,colnias de trabalho; f) retardados eanormais de boa ndole, aproveitamento adequado. (1938, p.38).

    Diante dessa realidade o papel da autoridade judiciria, amparada pela

    avaliao cientfica seria encaminhar o menor para o tratamento adequado. O

    menor aqui tratado quele pertencente s classes populares menos

    abastadas.

    O primeiro Cdigo de Menores, conhecido por Cdigo de Mello Mattos,

    surge em 1927. O arcabouo jurdico que legitimava esta prtica conhecidopor Doutrina da Situao Irregular que permitia ao Estado a tutela de jovens

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    visando a sua salvaguarda. Esse cdigo institui a vigilncia das autoridades

    pblicas sobre as famlias pobres. Segundo Santos (2006)

    A criao de instituies para atender menores considerados delinqentes pautava-senuma educao moral, da qual eram carentes por se originarem de famlias que viviamna imoralidade, de acordo com os discursos de diversos juristas e parlamentares. Assim,o ptrio poder tambm passava a ser questionado sob a alegao de que algumasfamlias no eram capazes de educar corretamente os filhos, no caso as famlias pobres.Astolfo Rezende, em 1909, falava da necessidade de se restringir o ptrio poder e dodever do Estado de subtrair o menor em risco de corrupo pela influncia do meio. Afamlia tornava-se objeto de interveno com base na afirmativa de que uma famliadesorganizada, viciosa ou negligente a causa primordial da criminalidade... (p. 49)

    De acordo com BATISTA (2003), j no primeiro processo julgado pelo

    juiz Mello Mattos em 1924 possvel encontrar o que ser a tnica do trabalho

    do juizado: analisar jovens, negros e pobres acusados de crimes contra a

    propriedade, (p. 70).

    O passo seguinte para a moralizao da sociedade e garantia da nova

    ordem social foi criar um rgo para receber esses menores, e em 1941

    fundou-se o Servio de Atendimento ao Menor, SAM, baseado em um modelo

    correcional-repressivo com estrutura e funcionamento anlogos aos do sistema

    penitencirio. Segundo Santos (2006),

    ... foi o estabelecimento de uma poltica assistencialista e repressiva, que primou pelamanuteno do abismo social entre os diferentes grupos sociais. Importava moldarpara conformar, mantendo a classe trabalhadora arregimentada.

    Apesar das denncias de maus tratos, tortura e humilhaes o SAM foi

    mantido at 1964 e com sua extino foi criada FUNABEM- Fundao Nacional

    para o Bem-Estar do Menor. rgo normativo, a FUNABEM coordenou a

    implantao dos sistemas estaduais. Silva (2000) relata um dado importante

    para a criao da FUNABEM:

    ....... em 1964,um filho do ento ministro da justia Milton Campos foi barbaramenteassassinado por adolescentes moradores nos morros do Rio de Janeiro, e o prprioministro, juntamente com outros juristas do Rio de Janeiro, convenceram o presidentegeneral Humberto Castelo Branco a criar, por decreto, a almejada fundao nacional. (p.120)

    Neste perodo o jovem infrator passa a ser assunto de ordem da

    Segurana Nacional. Segundo Bocco (2006), esses jovens deveriam ser

    vigiados a todo momento, com inspetores, guardas e monitores em todos os

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    espaos (p. 71).

    O processo de redemocratizao do Brasil ps-ditadura militar de 64

    refletiu-se de forma desigual nas instituies do aparelho estatal. Dentre estas

    instituies, as destinadas ao atendimento ao adolescente infrator, aps umpouco mais de 30 anos da Lei da Anistia, ainda enfrentam uma transio do

    modelo assistencial repressivo para o modelo de garantia dos direitos.

    A Lei da Anistia completou 30 anos em 2009. Evento que representa o

    inicio do processo de abertura poltica no Brasil, significou a retomada do nosso

    processo civilizatrio e reconduziu ao campo da poltica as diferentes vises

    sobre nosso pas definindo este como o local onde elas devem ser resolvidas.

    Evento inaugural, seguido de outros, no se fez alheio s tenses

    existentes em nossa sociedade, onde de certa forma, agentes e instituies

    com carter repressivo, continuaram recusando o espao da gora, do debate,

    da circulao das idias, para continuar praticando a tutela sobre a sociedade,

    desta vez na figura do preso comum e do adolescente infrator.

    Com a promulgao da Constituio de 1988, e como resultado da

    mobilizao da sociedade civil, fz-se necessrio o reordenamento jurdicorelacionado a este assunto. Em Julho de 1990, o Estatuto dos Direitos da

    Criana e do Adolescente -ECA, foi promulgado pela Presidncia da Repblica

    sob a forma de LEI 8069/90. O ECA apresenta um novo paradigma para a

    ateno criana e o adolescente. Estes deixam de ser objeto de direito e

    passam a ser considerados pela lei, sujeitos de direitos. Em substituio

    Doutrina da Situao Irregular, o ECA baseia-se na Doutrina da Proteo

    Integral, em harmonia com os tratados internacionais relativos ao tema.

    A nova lei determinou transformaes profundas nas

    unidades de atendimento, retirou a funo tutelar das atribuies dos juzes

    criando os Conselhos Tutelares e criou os Conselhos de Direito, responsveis

    pela fiscalizao e regulamentao de todos os programas de atendimento.

    Com o Estatuto dos Direitos da Criana e do Adolescente foi

    estabelecido um novo paradigma no atendimento, superando a dicotomiaMENOR X CRIANA/ADOLESCENTE, onde o primeiro termo referia-se quela

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    criana ou jovem das classes populares que, ou por sofrer algum tipo de

    privao ou por estar apresentando comportamento delitivo, enquadravam-se

    como destinatrios de polticas pblicas ditas compensatrias, sendo

    encaminhados aos abrigos e reformatrios.

    Este tipo de enquadramento produzia, dentre outros, dois efeitos

    perversos, o primeiro o de enfocar a criana/adolescente pela tica da

    ausncia ou da falta, reforando sentimentos de menos valia. O segundo o de

    estigmatizar indiscriminadamente o carente e o infrator oferecendo aos dois o

    mesmo tipo de tratamento e o mesmo rtulo interno da Febem.

    A partir do ECA, crianas e jovens, independente da condio social,

    passam a ser considerados sujeitos e no objetos de direito. Considerados

    prioridade absoluta na formulao de polticas pblicas, s crianas e jovens

    devem ter assegurados todos os seus direitos e em especial o de serem

    considerados como pessoas em processo peculiar de desenvolvimento, o que

    significa que as exigncias em relao a eles devem ser relativizadas dada

    esta condio.

    No entanto, a luta pela implantao do ECA, at por impor umamudana na secular cultura de tutela e subalternidade a que crianas e jovens

    foram submetidos, avana lentamente no Brasil.

    No Estado de So Paulo, o primeiro governo eleito por voto direto em

    mais de 20 anos, liderado por Andr Franco Montoro, advogado, humanista

    cristo vinculado s lutas pela redemocratizao de nosso pas, constituiu seu

    secretariado, com expoentes da luta pelos direitos humanos, sobretudo na

    pasta de Justia, coordenada por Jos Carlos Dias (foi Secretrio da Justia doGoverno Montoro durante trs anos e trs meses -1983-1986).

    Para a FEBEM, rgo responsvel no Estado de So Paulo pelo

    atendimento de jovens carentes, abandonados e infratores, menores portanto

    em sua dignidade e cidadania, convidou Maria Ceclia Ziliotto, depois

    substituda por Maria Igns Bierrenbach, que iniciou o processo de

    desconstruo do modelo repressor-assistencialista herdado do regime militar.

    No livro Fogo no Pavilho, ela e Emir Sader, apontam as dificuldades que

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    encontraram para promover mudanas institucionais significativas e como os

    prprios adolescentes foram e so usados em rebelies que acabam por

    justificar as violncias praticadas contra eles mesmos.

    O sucessor de Franco Montoro, Orestes Qurcia eleito governador em1986, criou a Secretaria do Menor, com recursos oramentrios vinculados a

    estatais- Dersa/ Banespa/Metro/Sabesp/etc-. O quadro de pessoal contratado

    por estas empresas, e que mesmo assim conseguiu a proeza de criar

    programas premiados internacionalmente como a Casa da Criana Renascer,

    abrigo que atendia crianas vitimadas e vitimizadas e o Circo Escola

    Enturmando, programa de formao na arte circense instalado nas periferias

    da capital, So Paulo, atendendo jovens em horrio diverso do escolar,complementando a sua educao.

    Com a eleio de Luiz Antonio Fleury, e com a promulgao do ECA em

    1990, a Febem foi transferida da Secretaria da Famlia e Assistncia Social

    para a Secretaria do Menor que tentou implantar uma nova filosofia de

    trabalho nessa instituio, aproveitando a experincia adquirida em seus

    outros programas. A estratgia utilizada pela Secretaria do Menor em relao

    FEBEM pode ser definida pela expresso popular comer pelas beiradas. Isto

    significou no atacar de frente os problemas enfrentados no chamado circuito

    de infratores, com srias denuncias de violao de direitos, mas sim entrar

    na FEBEM, atravs do circuito de carentes e abandonados.

    Assim, com o fechamento da UR, Unidade de Recepo, que cuidava da

    recepo de toda e qualquer criana e jovem em situao irregular (infrator ou

    no), o processo de identificao de adolescentes carentes e/ou abandonados

    ficou sob responsabilidade do SOS Criana, servio originalmente criado para

    atender denncias de maus-tratos e abandono e que passou a ser o

    agenciador de um novo tipo de trabalhador social o educador de rua. Em

    relao aos abrigos administrados pela FEBEM, elaborou-se um projeto de

    desconstruo dos grandes complexos de carentes e abandonados com a

    entrega destes jovens para suas famlias ou encaminhamento para Casas de

    Convivncia, que atenderiam no mximo 15 crianas ou jovens e inseridas nas

    redes urbanas nas reas de educao, sade e esporte. Em relao ao

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    chamado circuito de infratores, n grdio da instituio, a estratgia utilizada foi

    de inserir atividades artsticas e culturais em parceria com ONGs e arejar o

    quadro de pessoal com o recrutamento de educadores com o mesmo perfil dos

    educadores de rua para atuarem na coordenao de oficinas.

    Ainda sob o Governo Fleury, ao final de 1992, ano eleitoral, dois eventos

    quase simultneos, marcaram um retrocesso na democratizao da FEBEM, O

    massacre do Carandiru e uma mega rebelio no Complexo Tatuap da Febem,

    com o incndio de muitas unidades incluindo o prdio sede da instituio.

    Fenmeno impressionante foi assistir dois grupos comemorando este

    incndio, alguns por acreditarem que o incndio do prdio smbolo do modelo

    repressor assistencial, representaria o enterro deste modelo, e outro grupo, e

    este com acerto naquele contexto, convicto de que este evento enterraria as

    idias ingnuas dos defensores dos direitos humanos.

    De fato, aps o incndio toda a cpula da FEBEM foi afastada, a

    Secretaria do Menor foi desmontada e seus programas foram entregues a

    Secretaria da Famlia e da Criana, que incorporou tambm a Secretaria de

    Assistncia Social.Alda Marco Antonio, que liderou a Secretaria do Menor em dois

    governos, foi afastada e uma delegada de policia, Deputada Estadual

    Rosemary Correia que possua em seu currculo ter chefiado a primeira

    Delegacia da Mulher do Brasil, assumiu a nova secretaria.

    A emblemtica escolha de uma policial para chefiar esta secretaria

    sugeria que a questo da menoridade voltava a ser caso de polcia. Em

    paralelo a este retrocesso na esfera estadual, a luta pela implantao do

    Estatuto da Criana e do Adolescente, promulgado em 1990, recebia o apoio

    de governos identificados com as lutas populares, em especial na Cidade de

    So Paulo, para a constituio dos Conselhos de Direitos e Conselhos

    Tutelares, tornados obrigatrios por fora de lei.

    No entanto, o desmonte dos Complexos da FEBEM que atendiam

    carentes e abandonados foi por sua vez abandonado e assim ficou durantetodo o resto do governo Fleury.

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    No Governo Covas, eleito em 1994, novo revs. Pressionado pela crise

    de vagas, os complexos Raposo Tavares e Imigrantes continuam a receber

    adolescentes infratores e o processo de desmonte do Tatuap sofre inverso

    de trajetria com a abertura de novas unidades. Esta crise por vagas atinge o

    seu pice ao final da dcada de 90, com a mega-rebelio ocorrida no

    Complexo Imigrantes. Pressionado pela opinio pblica, o governo Covas

    demonstra ceder s recomendaes da Segurana Pblica e inicia um

    processo de ocupao de cadeias por adolescentes. O apoio das entidades de

    Defesa dos Direitos Humanos fica abalado e comea uma grande campanha

    contra a FEBEM.

    Paradoxalmente, o governador Covas que tem sua biografia associadas lutas pela redemocratizao do pas, o responsvel pelo envio de jovens

    para as cadeias constituindo na prtica uma radicalizao no enfrentamento da

    criminalidade juvenil. Se o que caracteriza a rea do adolescente em conflito

    com a lei no Estado de So Paulo no comeo do sculo XXI a crise por

    vagas, a partir de 2005 o problema comea a ser enfrentado com a construo

    de unidades descentralizadas e a devoluo das cadeias para o uso de presos

    adultos.

    Durante todo este processo, interessante notar que a instituio

    respira, ou seja, viva; alm disso, transpira em momentos de aodamento

    institucional, mas, fundamentalmente, a instituio conspira.

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    5. ADOLESCNCIA E VIOLNCIA

    5.1 CENRIO GLOBAL

    Se para a consolidao do modo de produo capitalista foi necessriodisciplinar corpos e mentes para que se adaptassem ao funcionamento da

    mquina, atravs principalmente da fbrica e da escola, que esta disciplina

    vai ser desenvolvida. A este fenmeno de acomodao e auto-controle e tendo

    como principal referncia a obra de Foucault (Microfsica do poder, Vigiar e

    Punir), a sociologia chamou de Sociedade Disciplinar.Se na passagem da

    Idade Mdia para a Idade Moderna, o conceito de risco emerge e

    equacionado atravs da cincia, sendo de competncia do Estado a tarefa de

    gerenciar e controlar os riscos, nas sociedades contemporneas, onde ocorre a

    passagem da sociedade disciplinar para uma sociedade de modernidade

    tardia, risco e auto-realizao individual tornam-se de algum modo sinnimo, a

    partir do momento em que a auto-realizao pressupe que o individuo se

    projete no futuro, sem que os resultados dessa projeo jamais sejam

    conhecidos.(Peralva,2000)

    O fenmeno da globalizao ou mundializao ocorridos no final dosculo passado provocando transformaes no processo de produo e

    circulao de produtos, capital e conhecimento, recoloca a questo da

    soberania e da governana dos estados nacionais, cada vez mais subalternos

    a ao das empresas multi e transnacionais.

    Em relao s relaes societrias, tambm ocorre um processo de

    transformao em que, de acordo com Deleuze (apud Monteiro 2001), em

    substituio sociedade disciplinar surge a sociedade de controle, onde omolde da fbrica e da escola substitudo pela modulao.

    Neste momento, a estabilidade fornecida pelo emprego com carteira

    assinada substituda pelo discurso do empreendedorismo. A vinculao

    discursiva risco e controle inerente, mas se inscreve em esferas de anlise

    diferentes, que s podem ser clarificadas tomando-se como base a sociedade

    do conhecimento, em que a informao o produto principal de acumulao,

    modulador fundante dos processos de gesto da produo, hoje acontecimento

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    sistmico e simultneo. (Monteiro, 2001).

    Se antes o trabalho definia a pessoa, constituindo a sua identidade, a

    precarizao das relaes de emprego tornam o futuro incerto e fonte de

    estresse e sofrimento. Alm disso, a idia de que o trabalhador tambm possuicapital, no caso o seu trabalho, o coloca sob a responsabilidade de assimilar

    dimenses da prtica mercantil - competitividade, melhor preo, menor prazo -

    em suma, no limite buscar a supresso da concorrncia; valores e

    comportamentos incompatveis com fundamentos da democracia como os

    ideais de tolerncia, fraternidade, solidariedade.

    Partindo de uma perspectiva histrica, podemos afirmar que riscos

    sempre fizeram parte da existncia humana. Existem, no entanto, atividades

    em que a exposio ao risco intencional, como observamos nos esportes

    radicais (surf, bung- junp, vo livre, paraquedismo, etc). Outras vezes, os

    riscos se apresentam de forma menos intencional ou associada a situaes de

    vulnerabilidade, como nos casos de gravidez indesejada, do uso de drogas, ou

    da prtica de comportamentos violentos. Dentro da lgica de gesto de riscos

    importante ao Estado compreender o comportamento delitivo.

    Se o foco a violncia praticada por quem esta margem da sociedade,

    a primeira alternativa lgica relacionar violncia e pobreza. Entretanto, se

    nem todo pobre vira criminoso, a pergunta que surge : por qu alguns so

    vulnerveis e outros resilientes? Em relao ao trabalhador a mesma

    questo se coloca: por que alguns sucumbem ao processo de banalizao do

    sofrimento tornando-se indiferentes e/ou algozes e outros no?

    5.2 A CONSTRUO DA IMAGEM DO MENOR

    A percepo social de periculosidade associada aos jovens das classes

    populares um fenmeno relativamente recente. Para Sader (1987) o

    processo de democratizao do pas iniciado com a Lei da Anistia em 1979,

    deixou as foras policiais sem justificativa para seu crescimento exacerbado

    promovido pelos governos militares. Se, neste momento, no havia mais

    inimigo interno para combater, parte deste aparelho repressor deveria ser

    desmobilizado ou, alternativamente, encontrar outros inimigos.

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    Prevaleceu a segunda opo. Assim, coincidentemente, durante a

    dcada de 80, ocorre uma exploso da criminalidade urbana. De acordo com

    Peralva o retorno democracia efetuou-se pari passu com a intensificao

    sem precedentes da criminalidade (2000, p.73). Ainda segundo a mesma

    autora o crescimento da criminalidade inseparvel da desorganizao que

    afetou as instituies responsveis pela ordem pblica, no curso de uma

    transio democrtica longa e difcil.

    Decorrncia desta desorganizao foi o aumento da violncia policial

    contra civis e o comprometimento da policia com o crime. O aumento da

    violncia policial ilustrada com o episdio do Massacre do Carandiru na casa

    de Deteno de So Paulo em 1992 e as arbitrariedades cometidas pela policiapaulista e registrada por Caco Barcelos no livro Rota 66.

    A desorganizao do Estado propiciou o aumento do crime de

    oportunidade, ou seja, o aumento de crimes cometidos no por criminosos

    contumazes; o surgimento de um discurso social junto aos criminosos

    organizados em comandos ou faces e, alm disso, a privatizao da

    segurana com o aumento de Empresas de Segurana Privadas agora sem o

    controle do Estado e em substituio a este.

    Alm disso, a passagem para a democracia possibilitou a mutao

    igualitria da sociedade brasileira e a construo do individualismo de

    massa, abrindo caminho para outras formas de conflitos socioculturais, com

    manifestaes mais ou menos violentas. Associa-se a isto a socializao dos

    jovens urbanos em um contexto onde est presente a idia de que a dimenso

    do risco mais importante que no passado. A ecloso do fenmeno do surfe

    ferrovirio exemplifica esta idia de que ao jovem urbano, o trem tornou-se

    palco de uma encenao espetacular e profundamente expressiva do risco

    onde busca-se a auto-afirmao e diferenciao. Exemplo de violncia de

    integrao, o surfe ferrovirio junto a outras formas de participao do jovem

    na sociedade de massa, no podem ser completamente separadas de uma

    delinqncia de oportunidade que com elas se confunde, nem dos fenmenos

    de justia ilegal de que os jovens so com freqncia vtimas. Peralva (2000,

    p. 73)

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    Na sociedade moderna, a juventude compreendida como um tempo de

    construo de identidades. No entanto, a condio juvenil vivida de forma

    desigual e diversa em funo da origem social, dos nveis de renda, das

    disparidades socioeconmicas entre campo e cidade, entre regies do mesmo

    pas, entre pases, entre continentes e hemisfrios.

    Alm disso, os jovens se diferenciam pelos pertencimentos

    associativos de grupos, como torcidas organizadas, tribos, etc. Estes

    demarcadores de identidades, podem tanto aproximar, como separar os jovens

    originando disputas e conflitos.

    Em um contexto de crise social, com o aumento de risco de

    desemprego, com o aumento da sensao de insegurana, as incertezassobre o futuro atingem de forma mais contundente a estes jovens que, na

    impossibilidade de construir projetos de longo prazo, vivenciam o aqui e agora

    como se no houvesse amanh.

    Em suma, a desorganizao do estado e com isso uma generalizao

    do crime e uma banalizao da violncia, projeta uma sombra sobre os

    conflitos sociais vinculados aos aspectos mais positivos da democratizao

    Peralva (2000, p73).

    Neste contexto, a manuteno e at o reforo das foras de segurana,

    passa a ser, convenientemente, o desejo da sociedade brasileira modulado

    pelos meios de comunicao de massas. Sem discutir neste momento se o

    aumento da violncia real ou resultado da maior exposio dos crimes pela

    mdia, o resultado concreto o clima de insegurana que perpassa toda a

    sociedade. Neste cenrio cria-se ou refora-se a imagem do adolescente

    infrator.

    Hoje, com o acirramento da globalizao, esse jovem que antes se

    aventurava para subverter o sistema, para se sentir vivo diante do consumo

    alienado, usa a violncia como busca de pertencimento. Freitas, 2009 apud

    Martins:

    Estes grupos diferenciam-se na medida em que, ao afirmarem os fins dessa sociedade,negam os meios que para eles tornaram-se inacessveis. No limite, podem usar meios

    ilcitos para obter os recursos de que necessitam para integrar-se: o trfico, o roubo, aviolncia, os meios transgressivos de participao. A deteriorao dos valores ticos que

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    deveriam permeiar as relaes sociais, e que da resulta, j produz seus desastrososefeitos na socializao anmica das geraes, na vivncia cotidiana atravessada pelaviolncia. ( 2002, p.39)

    A partir destes elementos, possvel compreender os aspectos

    multifacetados da violncia que se enraizou nas comunidades mais vulnerveis

    na dcada de 80, que gera um ciclo perverso na sociedade, onde o medo, a

    insegurana e a descrena nas autoridades constitudas, fomentam a

    generalizao do desrespeito s regras sociais e, por outro lado, faz com que

    essa mesma sociedade anseie por medidas que recomponham a ordem social.

    5.3 REDEMOCRATIZAO BRASILEIRA E AS FORAS DA ORDEM

    As estratgias de controle social executadas pelos rgos de represso

    do regime ditatorial, com a presena ostensiva e ruidosa das Policias Militares

    primeiro atirando e depois perguntando e as tcnicas de investigao da

    Polcia Civil, que no raro admitiam o uso de tortura no combate aos inimigos

    internos, so continuadas, agora com o preso comum.

    Em relao a estas praticas, a situao agrava-se pela tolerncia de boa

    parte da populao em relao violncia policial. A este propsito convmlembrar-se da diviso na opinio pblica por ocasio da invaso do Carandiru

    em 1992. Na poca, a sociedade brasileira se viu dividida, pois muitos

    defendiam a ao da policial afirmando que s assim a criminalidade

    diminuiria (TORRES, et alli 2007).

    Aes policiais deste tipo, denominadas por Leon, Carneiro e Cruz (1999

    apud TORRES et alli 2007) de aes extrajudiciais, caracterizam-se por

    serem praticadas por agentes do estado e violarem princpios bsicos de

    legalidade, pondo em risco o estado de direito.

    Segundo Torres (2007), a tolerncia da sociedade com as

    arbitrariedades cometidas por quem tem por obrigao defender a lei, a polcia,

    pode ser considerada resqucio do perodo militar onde para defender a

    segurana nacional tudo poderia ser feito.

    De certo modo, os agentes das instituies que atendem adolescentesinfratores, tambm legitimavam violncias eventuais e/ou sistemticas

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    baseados na mesma lgica do justiciamento,considerando-se instrumento

    do estado e da sociedade.

    Este endosso fornecido pela sociedade para aes extrajudiciais pode

    ser observado em pesquisa realizada por Torres (2007) com estudantesgoianos. De forma geral, o que estas pesquisadoras observaram que o grau

    de aceitao da ao policial est diretamente relacionado com o grau de

    violncia praticada pelo autor do crime investigado. Ou seja, quanto mais

    brutais os crimes investigados, mais lenientes em relao violncia policial

    so os julgamentos dos entrevistados.

    5.4 OS SABERES

    As transformaes no processo de produo e circulao de

    conhecimento observadas no final do sculo passado e no incio deste, se por

    um lado democratizaram o acesso informao atravs da Internet, por outro,

    apresentam como subproduto o a obsolescncia dos saberes e a constituio

    de modismos tericos que mudam conforme as estaes do ano. Deste

    modo, manter-se atualizado, para alm da bvia necessidade prtica, torna-sequesto de sobrevivncia no mercado de trabalho. Em razo disso, muitas

    vezes, em especial entre os profissionais vinculados s reas Humanas, na

    impossibilidade de atualizar-se e afim de no expor a precariedade de sua

    formao, opta-se por adotar o discurso dominante no seu meio, sem

    efetivamente modificar sua prtica. No se trata aqui de opor teoria e pratica,

    pois uma no subsiste sem a outra, mas de ressaltar a distino entre discurso

    e teoria.Neste sentido, o espao pblico para discutir quilo que se faz e dessa

    forma ressignificar as prticas, ou seja, as reunies de equipe, os encontros e

    congressos, perdem o seu carter pedaggico em detrimento do teatro, do jogo

    de cena, da utilizao do melhor discurso. Uma das conseqncias deste

    esvaziamento de sentido encontrado nos discursos da vez, o refluxo nos

    espaos de participao poltica, pelo desencanto que gera em quem, de

    forma angustiada, busca respostas para os dilemas decorrentes do exerccioprofissional.

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    Ligado a isto o abandono da gora e o fortalecimento dos diferentes

    reducionismos que impedem a construo de saberes. Destes os mais

    limitadores so o reducionismo disciplinar que delimita campos de saberes

    legitimando/deslegitimando quem pode ou no se pronunciar a respeito de; os

    reducionismos setoriais que delimitam de quem a competncia para, e o

    reducionismo corporativista, que determina quem o responsvel pelo que.

    Um dos caminhos para recuperar a qualidade dos espaos de discusso

    a construo de prticas interdisciplinares, complementares e solidrias. Isto

    s possvel abandonando-se os reducionismos acima de forma que o outro

    possa ser o espelho no-narcsico que me permita re-construir o significado

    de minha prtica.Lidar com a complexidade do fenmeno da violncia associada

    adolescncia tarefa para muitos, construir conhecimento que contribua para a

    sua superao implica em preparar pontes entre os diferentes atores,

    profissionais, juristas, intelectuais, governantes, etc. Estes atores tratarem-se

    como inimigos o melhor caminho para perpetuar as injustias.

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    6- OS ATORES SOCIAIS ENVOLVIDOS

    6.1 O ADOLESCENTE

    Para o propsito deste trabalho, compreender este adolescente

    fundamental. A questo crucial conhec-lo na forma como se apresenta no

    ambiente institucional e mais do que isso, saber qual a percepo que

    possui em relao aos profissionais que atuam junto a ele. Por isso, apesar de

    no se caracterizar pelo rigor cientfico, as prximas afirmaes esto apoiadas

    na observao e convivncia com estes jovens nos ltimos 24 anos, fruto de

    meu trabalho na Fundao Casa.

    Alguns desses jovens chegam Fundao CASA desorientados quanto sua condio de interno, no se considerando ainda perdedores mediante as

    possibilidades de consumo e poder que a pratica do roubo ou do trfico, na sua

    maioria, lhes conferiam.

    Adentram a instituio cheios de confiana e se vangloriam de pertencer

    vida infracional. Num tom agressivo e desafiador afirmam ter escolhido a vida

    do crime para si como meio de conseguirem tudo o que desejam sem

    necessitar de ajuda dos outros leia-a aqui pais e instituies governamentaisou no governamentais que buscam ser uma rede de apoio social a crianas e

    jovens em estado de vulnerabilidade e risco social.

    Para alguns, a responsabilidade por seu envolvimento infracional

    motivada pela condio social da famlia; outros afirmam ser uma opo de

    vida muito mais rentvel e empolgante que a vida honesta de um trabalhador.

    Na rotina da instituio consideram os trabalhadores do setor desegurana e disciplina como inimigos, j que no imaginrio deles os

    profissionais que atuam nesta funo possuem o papel de polcia interna.

    Em relao ao setor pedaggico, os profissionais so tratados em geral

    sem hostilidades o que no impede que em algumas vezes, sejam

    considerados chatos que os obrigam a ir escola e a desenvolver atividades

    que muitas vezes no desejam fazer.

    Em relao ao setor psicossocial, este percebido como sua chave para

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    a sada. Conferem muitas vezes a estes a responsabilidade de resolverem

    todos os seus problemas e suas insatisfaes sejam nas atividades cotidianas,

    de ordem familiar, pessoal ou no.

    Nesse processo de internao buscam mostrar merecimento para aliberdade atravs de bom comportamento que muitas vezes interrompido

    diante de uma contrariedade. Segundo Costa (2002) o adolescente internado

    tende a dissimular, buscar aes e protestar a sua maneira. Nas relaes

    pessoais alternam a postura de bandidos, usando de intimidao e ameaas,

    com a condio de vtima elaborando simulacros e compensaes, buscando

    algum favorecimento na instituio de maneira desorientada.

    6.2 AS FAMLIAS

    As famlias dos adolescentes atendidos geralmente chegam

    unidade fragilizadas. No bastando a situao de preocupao acrescenta-se o

    sentimento de fracasso aos olhos da sociedade, que as responsabiliza pelo

    comportamento dos seus filhos. Passam a negar que o filho possa estar

    envolvido por escolha prpria, colocando a culpa na influncia negativa dos

    amigos ou em transtornos emocionais como a separao dos pais, a morte deum ente querido, casos de abusos e violncia ainda na infncia. Algumas

    admitem que a situao de pobreza e vulnerabilidade social levou o filho a essa

    situao, entretanto buscam deixar a imagem de que so contra as prticas do

    filho e que j o haviam orientado sobre o futuro em uma instituio.

    Uma caracterstica marcante das famlias dos jovens que esto sendo

    internados no incio desse sculo a existncia de famlia monoparentais,

    tendo como chefe de famlia as mulheres. Gomes, (2006) salienta:

    Outro aspecto que tambm aponta para a questo da famlia monoparental chefiada pormulheres, como mostra o Relatrio sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil, ofato de o trabalho da mulher ser menos valorizado que o do homem.Em mdia, osalrio das mulheres equivale a 63% do salrio dos homens. E, em geral, as mulheresocupam predominantemente funes de baixo salrio e baixo prestgio. Nessas famliascompostas por me e filhos, as crianas entram muito cedo no mercado de trabalho, oque resulta em mau aproveitamento na escola e em alto ndice de repetncia. Quasetodas as crianas abandonam a escola muito cedo e se transformam em analfabetosfuncionais o que tende a contribuir para manter a pobreza. (p.76)

    As mulheres, independente da nucleao, sejam clssicas ou

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    monoparentais, trazem dentro de si a culpabilizao pela situao da famlia e

    do filho, passam a assediar o setor psicossocial, como a desejar que

    respondam onde erraram e o que podem fazer para tirar o filho da instituio

    mais cedo. Gomes (2004) explica:

    As mulheres acabavam sendo responsabilizadas pelo fracasso ou sucesso da famlia.Isto porque atravs delas que os programas sociais adentram as famlias, sejaatravs das reunies que elas freqentam, dos grupos que integram, das visitasdomiciliares que recebem, ou mesmo, atravs das entrevistas individuais de que elasparticipam junto s instituies gestoras dos programas sociais. (p. 29)

    Mioto (2004) ressalta que como historicamente a me sempre foi

    responsvel pela educao e cuidados dos filhos na concepo funcional da

    famlia, caiu sobre ela toda sorte de julgamentos morais. E os servios sociais

    do governo infelizmente ainda trabalham nessa linha. Resqucio de polticaspblicas nacionais da poca da escravido que ligam intrinsecamente a histria

    do menor infrator me. Rosemberg 1999, cita Vinelli, 1879:

    Agora que (...) um grande nmero de mulheres que quando escravas trabalhavam paraseus senhores que por sua vez eram obrigados a lhes dar alimentao, domiclio evesturio, a cuidar da sua sade e da de seus filhos, ganhando liberdade, vem-se nopouca vezes abandonadas com filhos pequenos, que ainda mamam, sem ter quemos sustente, na indeclinvel e urgente necessidade de procurarem pelo trabalho, ganharmeio da prpria subsistncia e de seus filhos (...). No h senhora alguma dona de casa,que ignore a extrema dificuldade que encontra uma criada, por exemplo, em alugar-se

    quando traz consigo um filho a que amamenta. (p. 12,13)

    Temos a complementao desse contexto em Kuhlmann Jr. 1991

    Tambm citando Vinelli, 1881:

    Que tarefa no a de educar o filho de uma escrava, um ente de uma condio nova,que a lei teve de constituir sob a condio de ingnuo! Que grave responsabilidadeassumimos conservando em nossa lar, junto de nosso filhos essas criaturinhas que hojeembalamos descuidosas, para amanh v-las convertidas em inimigos de nossatranquilidade, e qui, mesmo de nossa honra! (p. 19)

    A PNAS (2004) Poltica Nacional de Assistncia Social, apresenta

    outra viso sobre essas famlias e a situao de excluso:

    Por reconhecer as fortes presses que os processos de exclusoscio-cultural geram sobre as famlias brasileiras, acentuando suas fragilidades econtradies, faz-se primordial sua centralidade no mbito das aes da poltica deassistncia social, como espao privilegiado e insubstituvel de proteo e socializaoprimrias, provedoras de cuidados aos seus membros, mas que precisa tambm sercuidada e protegida (p.29).

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    Gomes (2006) alerta para a questo de que essas pessoas no dispem

    de qualificao para o enfrentamento de novas exigncias do mundo

    contemporneo, e que se sentem frgeis ante a sociedade contempornea que

    se constitui numa verdadeira mutao, em virtude da acelerao tecno-

    cientfica e econmica que tomou conta do planeta.

    Este conjunto de consideraes sobre a famlia, especificamente sobre a

    atuao da me, quando tem o seu filho (a) na instituio, apesar do clamor

    emocional, potencializa uma presso sobre o setor psicossocial para que os

    filhos sejam desinternados. Contudo, sem que se apresente qualquer

    perspectiva de mudana na relao com seus filhos, sem nada a oferecer a

    esses jovens para que no voltem a infracionar.

    6.3 JUDICIRIO

    No Brasil o judicirio sempre esteve presente nas discusses sobre a

    questo da criana e do adolescente, geralmente pobres, que se

    apresentavam como um perigo para a manuteno da ordem social. No incio

    do sculo XIX as discusses mergulhavam em questes sanitaristas de

    higienizao social. Segundo Santos (2006):

    No Brasil, mdicos e juristas denunciaram a negligncia do governo em relao infncia como uma ameaa ao futuro da nao. Pensar formas de recuperar e corrigirlevou formulao de um discurso produzido por juristas e proposta de solues. Aodiscutir o problema, os juristas apropriaram-se do discurso mdico, apontando acriminalidade como resultado de um carter hereditrio sem considerar o aspectoeconmico- social. Dessa forma, procuravam explicar cientificamente o fenmeno dacriminalidade e propunham que se cuidasse da sade moral da populao pobre a fimde impedir a manifestao de tendncias criminosas herdadas hereditariamente. (p 48)

    Ainda no inicio do sculo XX,

    A autoridade do juiz assumiu o papel principal com poderes absolutos. Era dispensado odevido processo legal, pois ao mesmo tempo o juiz atuava como protetor, comopromotor, como investigador e como defensor de menores ou seja, ele estava acimado bem e do mal. A figura especializada do juiz de menores veio responder juridicamentes questes socais, isto, os problemas de ordem social, foram judicializados passandoa ser objeto de interveno e de controle social. (p.60)

    Silva (2005) ressalta que

    A centralidade do direito tutelar (proteo do estado) caracterizada por no separar osprocedimentos jurdicos que envolviam menores infratores, do que envolvem osabandonados, passando os menores a ser objetos de intervenes judiciais, despojados de todas as garantias formais do devido processo penal, isso porque o

    objetivo central era a preveno dos desvios da crianas e do adolescente. O queestava em jogo era o ideal da sociedade a ser construda (2005, p. 62)

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    No perodo da Ditadura Militar apesar da reforma do cdigo do Menor

    em 1979 e a criao da FUNABEM (Fundao Nacional para o Bem Estar do

    Menor), o carter assistencial, preventivo se manteve e se impingiu um ciclo

    perverso de institucionalizao compulsria. Os juzes mantiveram poderesilimitados e ampliou-se o poder tutelar do estado sobre os menores.

    Essa situao comeou a mudar a partir da instaurao do Sistema de

    Garantia de Direitos preconizado pela Constituio de 1988 e pela criao legal

    do Estatuto da Criana e do Adolescente em 1990.

    Segundo Silva (2005) estabelece-se a viso jurdica da responsabilidade

    penal do adolescente (Direito Penal Juvenil). O ato infracional, o delito do

    adolescente passa a ser tratado como um ato de natureza criminal e no denatureza antissocial.

    A garantia de direitos no processo legal acaba por efetivar um conjunto

    de direitos que j beneficiavam o adulto: devido processo legal, princpio do

    contraditrio, ampla defesa, da presuno da inocncia, da assistncia jurdica,

    da presena dos pais ou responsveis nos procedimentos judiciais,

    confrontao de testemunha, habeas corpus, entre outros.

    O infrator perante o judicirio deixa de ser tratado como caso deassistencialismo, pobreza ou situao irregular, balizando juridicamente a

    interveno do sistema de administrativo da justia juvenil. O juiz no possui

    mais o livre arbtrio para fazer o que desejar. Est cercado agora pelo

    promotor, pelo defensor pblico, assistente judicirio e o psiclogo judicirio,

    alm de ter em suas mos os relatrios de acompanhamento do adolescente

    internado produzido pelo setor psicossocial da Fundao CASA.

    Apesar de toda essa reestruturao o jovem infrator vive a questo da

    preveno e punio social que vista como uma questo de inadaptabilidade

    social. Frasseto (2002) chama a ateno para uma peculiaridade.

    Costuma dizer-se, no direito, que as leis envelhecem, mas a jurisprudncia se mantmsempre atual. No mbito da infncia e juventude, no entanto, encontramos umainteressante exceo: podemos dizer que a lei nova, mas a jurisprudncia,especialmente a dos tribunais estaduais, est envelhecida, carregada de pensamentosranosos construdos ao longo de nossa histria. Assim, embora o ECA reconheacrianas e jovens como sujeitos de direitos, as decises e prticas dirias contrariamessa diretriz, reiterando os princpios menoristas dos cdigos anteriores. O Estado noapenas conservou sua rotina de invaso na vida dos indivduos, mas a envolveu em

    um discurso que a proclama como direito dos jovens autores de infrao, algo em seuexclusivo valor institudo, destinado a proteg-lo do mal e de si mesmo, a tutel-lo (2002, p. 168)

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    Os juzes apesar de possurem a palavra final ouvem todas as partes

    envolvidas, entretanto as discusses ainda esto pautadas no comportamento

    do jovem antes e durante seu perodo de internao para ser decidida sua

    desinternao ou permanncia.

    6.4 OS TRABALHADORES DA FUNDAO CASA

    6.4.1 O Gestor

    Quando falamos em gesto falamos mais diretamente sobreadministrao. O gestor de uma unidade socioeducativa est voltado para a

    administrao dela por inteiro. Apesar de o adolescente ser o foco dessa

    administrao, garantir no somente o bom atendimento dele, mas boas

    relaes de trabalho entre os setores fundamental. Isto significa coordenar os

    trabalhadores diretos e tambm os indiretos.

    Em So Paulo, o modelo de atendimento considerado ideal o que se

    chamou de Gesto Compartilhada, onde parte dos recursos humanos,( Diretor,Encarregado Tcnico e Agentes de Apoio Socioeducativo) contratado

    diretamente pelo Estado, e outra parte, ( Psicologos, Assistentes Sociais, e

    Agentes educacionais) contratados por uma Organizao no Governamental

    conveniada ao Estado. Alm destes profissionais atuam ainda Professores,

    vinculados Secretaria da Educao, Auxiliares de Servios e Vigilantes

    Patrimoniais, estes dois ltimos sem vinculo direto com o adolescente.

    Houve uma poca em que no havia critrios claros para que uma

    pessoa assumisse a direo de um centro socioeducativo. Por ser cargo de

    livre provimento, sem necessidade de concurso pblico, muitas vezes este

    cargo foi ocupado por pessoas sem experincia em administrar um

    equipamento de privao de liberdade. Gestores vindos de outras reas como

    da Administrao Penitenciria ou da Educao, tambm foram convidados

    pela instituio que buscava encontrar um ponto de equilbrio entre manter a

    disciplina e segurana e ao mesmo tempo atender a exigncias pedaggicas.

    Segundo o Plano Estadual de Atendimento socieducativo:

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    Este modelo enfrenta o maior desafio no atendimento de adolescente privados deliberdade: o de superar o tratamento oscilante entre a conteno e a educao. Issosignifica oferecer um atendimento scio educativo e haver adeso do adolescente a esseatendimento e no somente determinao legal. Implica reconhecer a necessidade deromper com a viso de disciplina, enquanto conceito autoritrio e punitivo, mas entend-la como elemento necessrio e obrigatrio no desenvolvimento de aes educativas.

    Nesse sentido pauta-se o conceito amplo de educao, tendo a disciplina e a autodisciplina como norteadores,na concretizao da medida socioeducativa, de acordocom o Estatuto da Criana e do Adolescente. (SINASE 2006, p. 21-22)

    Atualmente, a escola de capacitao da prpria Fundao Casa passou

    a desenvolver um trabalho especfico para a formao de gestores buscando

    valorizar funcionrios de carreira.

    Os gestores que assumem as unidades da Fundao CASA atualmente

    vivenciam mais fortemente a implantao de uma linha predominantemente

    pedaggica e com a necessidade de elaborao de um Projeto PolticoPedaggico srio, que articule todas as aes desenvolvidas na unidade. Isto

    representou a valorizao de todos os setores, pois todos trazem saberes

    importantes para a construo da ao pedaggica junto ao adolescente.

    Neste sentido, a abordagem sistmica no diminui o olhar do especialista, mas

    complementa esta viso do adolescente tambm pelos olhos da segurana, da

    sade e da pedagogia.

    Segundo Segabinazzi (2006), a funo primordial do gestor pblico notrabalho com os vrios setores, deve ser fazer com que o servidor no seja

    levado a se responsabilizar e a se recriminar pelo fracasso de seu trabalho, ou,

    em uma atitude oposta, mas tambm nociva, no se exima de sua

    responsabilidade na prestao do servio pblico. Para isso necessrio que o

    gestor se responsabilize por apresentar a contrapartida institucional ao trabalho

    de cada servidor, seja atravs do reconhecimento, mas principalmente

    demonstrando a importncia da sua responsabilidade para com seu patro

    legtimo, o povo brasileiro.

    Alm de atuar junto aos servidores, o Diretor da Unidade tambm o

    tutor legal do adolescente. Para isto, atravs da pasta de acompanhamento do

    adolescente o gestor conhece sua histria, auxilia nas intervenes com o

    adolescente quando necessrias e junto ao juiz em casos especiais.

    6.4.2 O Setor de Segurana e Disciplina

    Em relao aos agentes de apoio scio educativo, responsveis pelo

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    acompanhamento diuturno dos jovens, preciso ressaltar que junto com o

    processo de redemocratizao do pas, este cargo o que mais tentativas de

    alterao sofreu gerando at uma crise de identidade. Entre 1886, e hoje,

    2010, somente no Estado de So Paulo, a nomenclatura do cargo passou por

    cinco mudanas (inspetor de alunos, monitor, agente de apoio tcnico, agente

    de segurana e agente de apoio socioeducativo). No raro ouvir em

    conversas informais pelos corredores das unidades:

    Olha, eu tenho 20 anos de FEBEM e sou de uma poca em que monitor era

    segurana. Ser forte, grande, e saber bater era o importante para trabalhar na

    instituio. O que eu vejo que a mudana de nome aconteceu porque hoje a FEBEM

    no quer mais o funcionrio truculento, ela deseja gente que saiba trocar ideia com o

    adolescente ea palavra segurana traz um peso negativo muito grande.

    De inspetor da ordem para monitores que auxiliavam promovendo

    algumas atividades pedaggicas para os adolescentes, eles viraram agentes

    de segurana, agentes de apoio tcnico e hoje so agentes de apoio

    socioeducativo. Da falas como:

    Eu entrei aqui como segurana e sinceramente no acho certo fazer a mudana de

    nome se o nosso servio o mesmo. Se voc no tiver uma viso de segurana etrabalhar a disciplina a casa desanda. Chamar a gente de agente socioeducativo no

    muda a populao com que trabalhamos e por isso, no muda a nossa funo.

    Alguns agentes socioeducadores (antigos monitores) relatam que

    entraram em uma FEBEM na dcada de 80 onde ser forte, carrancudo era um

    requisito importante para ser aceito. Aprenderam a trabalhar na conteno

    constante. Trazendo resqucios da ditadura militar trabalhavam com a viso de

    que os adolescentes eram bandidos. Gritar e impor o respeito pelo medo erafundamental e usar da fora diante de qualquer ato de indisciplina, natural.

    Com as modificaes ocorridas com a redemocratizao do pas agora

    impulsionadas pelo ECA e doravante pelo SINASE, um trabalho diferenciado

    passou a ser feito nas capacitaes dos novos funcionrios e isto

    fundamental para o desenvolvimento de um trabalho pedaggico.

    A disciplina dever ser considerada como instrumento norteador do sucesso

    pedaggico tornando o ambiente socieducativo um plo irradiador de cultura e

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    conhecimento no ser vista apenas como um instrumento da manuteno da ordem

    institucional. (SINASE 2004, p. 48)

    Deve-se destacar que a funo de garantir a segurana e a disciplina

    ainda o diferencial no papel deste profissional e as rebelies que continuamexistindo acabam de alguma forma por referendar que os adolescentes

    necessitam, s vezes, de atitudes mais contundentes do que apenas o dilogo.

    6.4.3 O Setor Pedaggico

    O setor pedaggico responsvel pela implantao e

    coordenao de cursos, aulas, atividades culturais, esportivas e

    profissionalizantes. Ao funcionrio deste setor ficou a incumbncia deacompanhar o adolescente em todas as atividades pedaggicas, ministrar

    oficinas, realizar atividades com as famlias, acompanhar plantes de fim de

    semana, participar da elaborao do Projeto Poltico Pedaggico, acompanhar

    sala de aula, alimentar a pasta pedaggica, entre outras coisas.

    Segundo o Sinase, para que essas atividades possam ser feitas com

    resultado, devem focar o Plano Individual de Atendimento, onde atravs de

    uma anlise do perfil do jovem esse seria includo nas atividades que

    possibilitariam um crescimento humano, cognitivo, de suas habilidades e

    competncias.

    6.4.4 A Sade

    Cabe ao setor de sade cuidar de exames mdicos, de atender as

    queixas, garantir atendimento odontolgico, ministrar remdios, acompanhar

    atendimento externo do SUS, etc. Ao setor de sade cabe marcar a consulta,

    acompanhar o adolescente, administrar as prescries mdicas. Cabe tambm

    ao setor de sade observar quando o medicamento est sendo usado como

    algema qumica para algum adolescente com problemas de sociabilidade. Uma

    reclamao comum deste setor que as unidades no so preparadas para

    receber adolescentes com problemas mentais. O atendimento bsico

    realizado dentro da prpria unidade, normalmente uma vez por semana. um

    setor constantemente pressionado por jovens queixosos, pois o atendimento de

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    sade nos demais dias, feito quase que exclusivamente nos equipamentos

    pblicos, externos unidade, o que implica em risco de fuga, sendo portanto

    evitado.

    6.4.5 O Setor Psicossocial

    Apesar da instituio ter um corpo multiprofissional extenso para cuidar

    do adolescente sobre os profissionais tcnicos de Servio social e Psicologia

    que se dirigem os olhares do adolescente, da famlia e do judicirio, exigindo

    uma interveno exitosa durante o perodo de internao do adolescente. So

    eles os responsveis por produzir relatrios que embasam as decises dos

    Juzes sobre qual a medida mais adequada para determinado jovem e apsalgum tempo se a mesma j cumpriu com eficincia sua finalidade.

    A questo da impotncia diante da baixa resolutividade de alguns casos

    pode gerar sentimentos de incompetncia. Um caso exemplar de baixa

    resolutividade o de um jovem atendido na Fundao Casa e que

    emblemtico das dificuldades encontradas por estes profissionais. Trata-se de

    jovem internado pela prtica de homicdio. Segundo relato do jovem, seu

    padrasto, a vitima do homicdio, abusava sexualmente do mesmo desde osseus 10 anos de idade alegando atender determinao de seu pai de santo.

    No dia do crime, o jovem j com 17 anos, matou o padrasto, cortou seu rgo

    genital e deu para o seu gato comer. Posteriormente, este jovem foi encontrado

    por criminosos de seu bairro e aps ser espancado, recebeu diversos tiros e

    teve o seu pescoo cortado. O jovem ferido foi encontrado por transeuntes que

    o encaminharam para o Hospital local onde foi localizado pela policia e depois

    preso. Segundo o jovem, os criminosos que o agrediram e quase mataram, orecriminaram por ter praticado um homicdio sem autorizao, sendo

    condenado a tambm morrer. Apesar da bizarrice da situao, os relatos do

    jovem so corroborados por Boletim de Ocorrncia que, no entanto, no

    registra indcios do suposto abuso sexual.

    Lidar com um caso como este exige do profissional compreender e

    elaborar sentimentos mais diversos. O primeiro deles a identificao com o

    jovem, marcado por cicatrizes visveis e invisveis, vitima de um suposto abusoe que finalmente reagiu. O segundo sentimento o da repulsa pelo modo como

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    o assassinato foi praticado. Outro sentimento o de indignao diante do

    justiciamento praticado por bandidos que se arrogam o direito de substituir a

    lei. Mas o pior sentimento de todos o de no saber o que fazer diante de um

    jovem to precocemente desumanizado e morto em vida.

    Na relao direta com os setores possvel perceber que a presso que

    o setor psicossocial mais sente diz respeito a:

    Disciplina do adolescente

    Alguns tcnicos se ressentem por perceberem certo distanciamento

    com os outros setores que trabalham diretamente com os jovens dentro da

    unidade acompanhando as atividades pedaggicas e mantendo a disciplina.Estes setores, em especial o pedaggico e segurana, sugerem que a

    indisposio e mau comportamento do adolescente resultado da no

    disponibilidade do setor psicossocial, que no atende o jovem na hora que ele

    deseja. Este tipo de acusao passa a impresso de que o tcnico est para

    servir esse adolescente sempre que o mesmo desejar e no momento em que

    for solicitado. Outros funcionrios levantam a questo de que a simples

    presena das tcnicas no ptio inibe o mau comportamento do adolescenteque necessita mostrar-se obediente para ir embora. Elas necessitariam estar

    atentas a tudo o que os jovens fazem, principalmente porque alguns fingem

    bom comportamento no atendimento e aprontam longe dos olhos do setor. O

    que levanta o questionamento: Qual o valor do relatrio atualmente produzido

    se ele no traduz o cotidiano do jovem na unidade? Estaramos fazendo um

    trabalho de emancipao do adolescente ou apenas referendando prticas

    negativas e imprprias para a proposta de trabalho socioeducativa? Ser que omelhor papel para o tcnico ser agente de coero para a manuteno da

    disciplina?

    Socializao da histria do adolescente

    Por questes de ordem tica o profissional do setor psicossocial tem a

    orientao de no divulgar informaes sobre a pasta do adolescente a no ser

    para sua chefia imediata. Isto gera um mal-estar com os demais setores que

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    acham que estas informaes mantidas em s