anotações sobre as cores

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Teoria da Cor

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Page 1: Anotações Sobre as Cores
Page 2: Anotações Sobre as Cores

Ludwig Wittgenstein

ANOTAÇÕESSOBRE AS CORES

edições 70

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PREFÁCIO DO ORGANIZADOR

A terceira parte deste volume reproduz a quase totalidade de um manuscrito escrito em Oxford na Primavera de 1950. Deixei de lado anotações sobre "dentro-fora", sobre Shakespeare e algumas observações gerais acerca da vida; Wittgenstein dissera que essas coisas não estavam inseridas no texto e serão publicadas noutro lugar.

A primeira parte foi escrita em Cambridge em Março de 1951: é uma seleção e revisão de material anterior, com algumas adições.

Não é claro se a segunda parte tem uma data anterior ou posterior à terceira. Foi escrita em folhas soltas, que, além disso, continham ainda observações acerca da certeza. Wittgenstein deixou essas folhas no seu quarto na minha casa em Oxford, quando foi para a residência do Dr. Beven, em Cambridge, no mês de Fevereiro de 1951, à espera da morte.

Os seus testamenteiros literários decidiram que a totalidade do material podia muito bem ser publicada, uma vez que fornece um exemplo claro da primeira redação e da subsequente seleção. Muito do que não se escolheu é de grande interesse e este método de publicação implica o mínimo possível de intervenção editorial.

No estabelecimento do texto fui muito ajudado por um esmerado original datilografado de G. H. von Wright e também por um outro feito por Linda McAlister e Margarete Schättle. Estamos muito gratos também pela sua tradução, a qual, com revisões combinadas com o organizador, é aqui publicada. Gostaria também de agradecer ao D. L. Labowsky pela revisão do texto alemão.

G. E. M. Anscombe

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I

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1. Um jogo de linguagem: Referir se determinado corpo é mais claro ou mais escuro que um outro. — Mas agora existe um jogo semelhante: enunciar a relação entre a claridade de certos tons de cor. (Comparar com o seguinte: determinar a relação entre os comprimentos de duas varas — e a relação entre dois números.) A forma das proposições em ambos os jogos de linguagem é a mesma: "X é mais claro que Y". Mas, no primeiro, a relação é externa e a proposição temporal; no segundo, a relação é interna e a proposição atemporal.

2. Numa imagem em que um pedaço de papel branco recebe a sua claridade do céu azul, este é mais claro que o papel branco. E, no entanto, noutro sentido, o azul é a cor mais escura e o branco a cor mais clara. (Goethe). Na paleta, o branco é a cor mais clara.

3. Lichtenberg diz que apenas poucos homens teriam alguma vez visto o branco puro. Neste caso a maior parte utilizará a palavra de uma forma errada? E como aprendeu ele o uso correto? — Construiu um uso ideal a partir do uso comum. E isto não quer dizer um melhor, mas um uso que tinha sido refinado segundo uma certa orientação e em tal decurso alguma coisa foi levada aos extremos.

4. E, certamente, uma tal construção pode, por sua vez, ensinar-nos algo acerca do uso efetivo da palavra.

5. Se disser que um papel é branco puro e se a seu lado se puser neve, e aquele parecer agora cinzento, continuaria a estar certo quando, no seu contexto habitual, lhe chamasse branco e não cinzento claro. Poderia acontecer que eu usasse um conceito mais depurado de branco, (digamos), num laboratório (onde, por exemplo, eu também usaria um conceito mais depurado da determinação exata do tempo).

6. Que permite dizer que o verde é uma cor primária, não uma mistura de azul e amarelo? Seria correto dizer: "Isso só se poderá saber diretamente observando as cores"? Mas como sei que pelas palavras "cores primárias" quero significar o mesmo que outra pessoa que se disponha também a designar o verde como uma cor primária? Não — aqui a decisão pertence aos jogos de linguagem.

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7. Propõe-se a alguém a tarefa de misturar um certo verde-amarelo (ou verde-azulado) com um menos amarelado (ou azulado) — ou de o escolher entre um conjunto de amostras de cor. Um verde menos amarelado não é, contudo, um verde azulado (e vice-versa), e a tarefa consiste também em escolher ou em misturar um verde que não é amarelado nem azulado. Digo "ou em misturar" porque um verde não se torna simultaneamente azulado (1) e amarelado, pois é produzido por um tipo de mistura de amarelo e azul.

8. Os homens podiam ter o conceito de cores intermediárias ou mistas mesmo que nunca tivessem produzido cores através de mistura (em qualquer dos sentidos). Os seus jogos de linguagem apenas deveriam ter a ver com a procura e com a seleção de cores intermédias, ou mistas, já existentes.

9. Mesmo se o verde não for uma cor intermédia entre o amarelo e o azul, não poderia haver pessoas para as quais existe o amarelo-azulado, o verde-avermelhado? Quer dizer, pessoas cujos conceitos de cor sejam diversos dos nossos — porque, apesar de tudo, os conceitos de cor dos daltônicos também divergem dos das pessoas normais; e nem todos os desvios à norma terão de ser uma cegueira, um defeito.

10. Quem aprendeu a encontrar ou a obter por mistura um tom de uma cor que é mais amarelo, mais branco ou mais vermelho, etc., do que um dado tom de cor, isto é, quem conhece o conceito de cores intermédias, é (agora) solicitado a mostrar-nos um verde-avermelhado. Poderia, simplesmente, não entender a ordem e reagir talvez como se de início lhe tivesse sido pedido que apontasse figuras planas regulares com quatro cinco e seis ângulos e, depois, que apontasse uma figura plana regular de um ângulo. E se, sem hesitações, ele indicasse uma amostra de cor (digamos, para uma a que nós chamaríamos um castanho enegrecido)?

11. Alguém para quem o verde-avermelhado é familiar estaria em posição de produzir uma série de cores que comece no vermelho e termine no verde e que, talvez mesmo para nós, construa a transição contínua entre as duas. Descobriríamos então que, no ponto onde vemos sempre o mesmo tom, por exemplo, de castanho, ele vê umas vezes castanho e, outras

1 "esverdeado", no manuscrito.

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verde-avermelhado. Pode ser que, por exemplo, ele consiga diferenciar entre as cores de dois compostos químicos, que nos parecem ter a mesma cor, e chame castanha a uma e verde-avermelhada à outra.

12. Imagina tu que todos os homens, salvo raras exceções, fossem daltônicos quanto ao vermelho e ao verde. Ou outro caso ainda: todos os homens eram daltônicos quanto ao vermelho-verde ou ao azul-amarelo.

13. Imaginemos um povo de daltônicos, o que pode bem acontecer. Não teriam os mesmos conceitos de cor que nós. Supondo que falariam, por exemplo, alemão e teriam assim as palavras alemãs para as cores, usá-las-iam diferentemente de nós e aprenderiam a usá-las também de forma diferente.Ou se tivessem uma língua estrangeira, ser-nos-ia difícil traduzir as suas palavras de cor para as nossas.

14. Mas mesmo que houvesse também pessoas para quem fosse natural usar as expressões "verde-avermelhado" ou "azul-amarelado" de uma forma consequente e que mostrassem também faculdades, de que nós carecemos, não seríamos ainda forçados a reconhecer que vêem cores que nós não vemos. Não existe, afinal, um critério comum reconhecido para o que é uma cor, a menos que seja uma das nossas cores.

15. Em cada questão filosófica séria a incerteza mergulha até às raízes do problema.Temos de estar sempre preparados para aprender algo de totalmente novo.

16. A descrição dos fenômenos do daltonismo pertence à psicologia: incumbir-lhe-a também a descrição de fenômenos da visão normal? A psicologia apenas descreve o desvio do daltonismo relativamente à visão normal.

17. Runge (na carta que Goethe reproduziu na sua Teoria das Cores) diz que há cores transparentes e opacas. O branco seria uma cor opaca.Isto mostra bem a indeterminação do conceito de cor ou, também, do de identidade da cor.

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18. Pode ou não um vidro transparente e verde ter a mesma cor que um papel opaco? Se um tal vidro fosse representado numa pintura, na paleta as cores não seriam transparentes. Se quiséssemos dizer que a cor do vidro era transparente também na pintura, teríamos de chamar, ao conjunto das manchas de cores que representa o vidro, a sua cor.

19. Como é que algo pode ser verde transparente, mas não branco transparente?A transparência e os reflexos existem apenas na dimensão da profundidade de uma imagem visual.A impressão causada por um meio transparente é a de que alguma coisa está por detrás desse meio. Se a imagem visual for totalmente monocromática, não pode ser transparente.

20. Qualquer coisa branca, atrás de um meio transparente e colorido, surge com a cor do meio; qualquer coisa preta, aparece preta. De acordo com esta regra, o preto sobre um fundo branco teria de ver-se através de um meio "branco transparente" tal como através de um incolor.

21. Runge: "Se tivéssemos de pensar num laranja-azulado, num verde-avermelhado ou num violeta-amarelado, teríamos a mesma sensação que no caso de uma nortada de sudoeste... Tanto o branco como o preto são opacos ou sólidos... Água branca que seja pura é tão inconcebível como leite claro".

22. Não queremos encontrar uma teoria das cores (nem fisiológica nem psicológica), mas antes a lógica dos conceitos de cor. E esta leva a cabo o que, com frequência, injustamente se espera de uma teoria.

23. "Água branca é inconcebível, etc". Isto significa que não podemos descrever (por exemplo, pintar) como seria uma coisa branca e clara, e isto significa: não sabemos que descrição, representação, estas palavras requerem.

24. Não é imediatamente claro qual o vidro transparente que diríamos possuir a mesma cor que uma amostra de cor opaca. Se eu dissesse: "Estou à procura de um vidro desta cor" (apontando para um pedaço de papel colorido), isso significaria, aproximadamente, que qualquer coisa branca, observada através do vidro, se pareceria com a minha amostra

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Se a amostra for cor-de-rosa, azul-celeste ou lilás, imaginaremos o vidro fosco, mas talvez também claro ou apenas levemente vermelho, azulado ou violeta.

25. No cinema, podemos por vezes observar os acontecimentos do filme como se estivessem atrás do ecrã e este fosse transparente como uma placa de vidro. O vidro tiraria a cor às coisas e apenas deixaria passar o branco, o cinzento e o preto. (Não estamos aqui a refletir em termos físicos, consideramos o branco e o preto cores tal como o verde e o vermelho). — Assim, podíamos pensar que estamos a imaginar uma placa de vidro que se haveria de chamar branca ou transparente. E, no entanto, não somos tentados a chamar-lhe assim: será que a analogia com uma placa verde transparente, por exemplo, falha em algum aspecto?

26. Talvez disséssemos acerca de uma placa verde: daria uma tonalidade verde às coisas colocadas atrás dela; sobretudo às coisas brancas.

27. Ao tratar-se de lógica, "Isto não se pode representar", quer dizer: não se sabe o que aqui se deve representar.

28. Diríamos que a minha placa fictícia de vidro no cinema daria às coisas, atrás dela, uma coloração branca?

29. A partir da regra da aparência de coisas coloridas e transparentes que extraíste do verde, vermelho, etc. transparentes, elabora a aparência do branco transparente! Por que é que isto não resulta?

30. Todo o meio colorido escurece o que através dele se vê; absorve a luz: E então, o meu vidro branco deve também escurecer? E tanto mais quanto mais grosso for? Assim, ele seria realmente um vidro escuro!

31. Por que não podemos imaginar um vidro branco transparente, — mesmo que, de fato, não exista nenhum? Onde é que falha a analogia com o vidro transparente colorido?

32. As proposições são frequentemente usadas na fronteira entre o lógico e o empírico. Por isso, o seu sentido desloca-se de um para o outro lado e surgem ora como expressões de normas, ora como expressões de experiência. (Não é certamente um fenômeno psíquico concomitante — é assim

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que imaginamos os "pensamentos" — mas o uso, que distingue a proposição lógica da empírica).

33. Falamos da «cor do ouro» e não queremos dizer amarelo. "Cor de ouro" é a propriedade de uma superfície que brilha ou resplandece.

34. Existem o vermelho intenso e o branco intenso: mas como seria a intensidade do castanho ou do cinzento? Por que não podemos conceber estas cores como um grau inferior do branco intenso?

35. "A luz é incolor". Se assim é, então é no sentido em que os números são incolores.

36. O que parece luminoso não parece cinzento. Tudo o que é cinzento parece iluminado.

37. O que se vê como luminoso não se vê como cinzento. Mas, certamente, pode ver-se como branco.

38. Poderia, então, ver-se uma coisa ora como francamente luminosa, ora como cinzenta.

39. Não digo (como fazem os psicólogos da forma) que a impressão do branco tem lugar de tal ou tal modo. Mas a questão é precisamente esta: qual é o significado desta expressão, qual a lógica do conceito?

40. O fato de não se poder conceber coisa alguma "cinzenta e luminosa" não pertence à física nem à psicologia da cor.

41. Dizem-me que uma substância arde com chama cinzenta. Não conheço as cores das chamas de todas as substâncias; por que não deveria, então, ser isto possível?

42. Fala-se de uma "luz vermelho-escura", mas não de uma "luz vermelho-negra".

43. Uma superfície branca e polida pode refletir as coisas. E se então cometêssemos um erro e o que nela aparece refletido estivesse realmente atrás e fosse visto através dela? A superfície seria então branca e transparente?

44. Falamos de um espelho "preto". Mas o que ele reflete, também escurece, obviamente, mas não parece preto; e aquilo que nele se vê não aparece como "sujo", mas como "profundo"!

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45. A opacidade não é uma propriedade da cor branca; tão pouco a transparência é uma propriedade das cores verdes.

46. Não basta dizer que a palavra "branco" se usa apenas para a aparência de superfícies. Poderia ser que tivéssemos duas palavras para o "verde": uma apenas para as superfícies verdes, outra para os objetos verdes e transparentes. Permaneceria, pois, a questão de por que não existe uma palavra correspondente à palavra "branco", para a cor de uma coisa transparente.

47. Não deveríamos chamar branco a um meio, se um padrão preto e branco (um tabuleiro de xadrez) aparecer inalterado quando visto através dele, mesmo se esse meio reduzisse a intensidade das outras cores.

48. Não deveríamos designar por "branco" um brilho branco, e usar assim essa expressão apenas para aquilo que vemos como a cor de uma superfície.

49. De dois lugares à minha volta que eu, num sentido, vejo com a mesma cor, noutro sentido um pode parecer-me branco e o outro cinzento (...)Para mim, num contexto, esta cor é branca sob uma má iluminação, noutro é cinzento sob uma luz intensa.Eis proposições sobre os conceitos "branco" e "cinzento".

50. O balde que vejo à minha frente tem um brilho branco polido; seria absurdo chamar-lhe "cinzento" ou dizer "vejo realmente um cinzento claro". Mas tem uma luz muito brilhante que é muito mais luminosa que o resto da superfície, parte da qual está voltada para a luz e parte afastada dela, sem parecer ter cores diferentes. (Parecer e não apenas ser.)

51. Não é a mesma coisa dizer: a impressão do branco ou do cinzento ocorre sob tal e tal condição (causal), e: é uma impressão num determinado contexto de cores e formas.

52. O branco, como cor de uma substância (no sentido em que dizemos que a neve é branca) é mais claro do que qualquer outra cor de substância; o preto é mais escuro. Neste caso, a cor é um escurecimento, e se a retirarmos totalmente à substância, o branco permanece e, por esta razão, podemos chamar-lhe "incolor".

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53. Não existe, de fato, a fenomenologia, mas existem, sim, problemas fenomenológicos.

54. E fácil ver que nem todos os conceitos de cor são logicamente do mesmo gênero, por exemplo, a diferença entre os conceitos "cor de ouro" ou "cor de prata" e "amarelo" ou "cinzento".

55. Uma cor "brilha" no seu contexto. (Tal como os olhos apenas sorriem numa cara.) Uma cor "enegrecida" — o cinzento, por exemplo, — não "brilha".

56. As dificuldades que encontramos ao refletirmos sobre a natureza das cores (as mesmas com que Goethe quis confrontar-se na sua Teoria das cores), incrustam-se na indeterminarão do nosso conceito da igualdade da cor.

57. "Eu sinto X""Observo X"X não representa o mesmo conceito na primeira e na segunda proposição, ainda que represente a mesma expressão verbal, por exemplo, para "uma dor". Pois, se perguntarmos "que tipo de dor?" no primeiro caso, poderia responder: "Este tipo" e, por exemplo, picaria com uma agulha quem fez a pergunta. No segundo caso, tenho de responder de maneira diferente à mesma pergunta; por exemplo, "a dor no meu pé".Na segunda proposição, X poderia representar também "a minha dor", mas não na primeira.

58. Imagine-se alguém que aponta para um sítio na íris de um olho de Rembrandt dizendo: "As paredes do meu quarto deviam ser pintadas com esta cor".

59. Pinto a vista da minha janela; pinto com ocre um ponto particular, determinado pela sua posição na arquitetura de uma casa. E desta cor que vejo esse ponto. Isto não significa que eu veja aqui a cor do ocre, pois, neste contexto, este pigmento pode aparecer mais claro, mais escuro, mais avermelhado, (etc). "Vejo este ponto da maneira como aqui o pintei com ocre, nomeadamente, como um amarelo forte avermelhado."E se alguém me pedisse para reproduzir exatamente o mesmo tom de cor que ali vejo? — Como seria ele descrito e determinado? Poderiam pedir-me para fazer uma amostra de

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cor (um pedaço retangular de papel desta cor). Não digo que tal comparação seja completamente desinteressante, mas mostra-nos que não é claro, à partida, como se comparam tons de cor e o que significa "identidade de cor".

60. Imagine-se uma pintura cortada em pequenos fragmentos, quase monocromáticos, que se usam depois como peças de um quebra-cabeças. Mesmo quando uma destas peças não é monocromática não deve indicar qualquer figura espacial, mas aparecer como um simples fragmento colorido. Apenas em conexão com as outras peças seria um pouco de céu azul, uma sombra, um brilho, transparente ou opaco, etc. Mostrar-nos-ão estas peças individuais as cores reais das partes da pintura?

61. Tendemos para acreditar que a análise dos nossos conceitos de cor nos conduziria, por último, às cores dos lugares do nosso campo visual, que são independentes de qualquer interpretação espacial ou física; aqui não há nem luz nem sombra, nem brilho, etc, etc.

62. O fato de eu poder dizer que este lugar do meu campo visual é verde cinzento não significa que saiba como se deveria chamar uma reprodução exata do tom desta cor.

63. Observo, numa fotografia (não colorida), um homem com cabelos escuros e um rapaz com cabelo louro alisado para trás; estão em frente de uma espécie de torno que é feito, parcialmente, de peças de fundição pintadas de preto e em parte de eixos, engrenagens, etc., ao lado está uma grade de ferro claro galvanizado. Vejo cor de ferro as superfícies polidas do ferro, louro, o cabelo do rapaz, a grade com cor de zinco, apesar do fato de tudo me ser mostrado nos tons claros e escuros do papel fotográfico.

64. Mas será que vejo realmente os cabelos louros na fotografia? E o que é que se poderá dizer em favor disto? Que reação do observador deverá mostrar que ele vê louros os cabelos, e que não conclui que são louros apenas a partir dos tons da fotografia? — Se me tivessem exigido que descrevesse esta fotografia, tê-lo-ia feito da forma mais direta com estas palavras. Se esta forma de descrição não fosse aceite, então, teria de arranjar uma outra.

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65. Se a própria palavra "louro" pudesse suscitar a impressão de louro, então seria mais fácil ao cabelo fotografado parecer louro.

66. "Não poderemos nós imaginar certos homens com uma geometria da cor diferente da nossa?" Claro que isto significa: Não poderemos nós imaginar homens que têm conceitos de cor diferentes dos nossos? E isto, por sua vez, quer dizer, não poderemos nós imaginar homens que não têm os nossos conceitos de cor, mas que têm conceitos, de tal forma próximos dos nossos, que também lhes chamaríamos conceitos de cor?"

67. Olhem para o vosso quarto, à noite, quando já dificilmente se distinguem as cores — e agora acendam a luz e pintem o que viram antes, na semi-obscuridade. — Como comparam as cores tal como estão na pintura com as do quarto semi-obscurecido?

68. Quando nos perguntam, "Que significam as palavras 'vermelho', 'azul', 'preto', 'branco'," podemos imediatamente apontar para coisas que têm essas cores, — mas a nossa capacidade para explicar o significado destas palavras não vai mais além! De resto, nem temos uma idéia do seu uso, ou então uma idéia muito rudimentar e, em parte, falsa.

69. Posso imaginar um lógico que nos diz ter chegado realmente a ser capaz de pensar "2x2 = 4".

70. A teoria de Goethe acerca da constituição das cores do espectro não é uma teoria que se revelou insatisfatória, mais exatamente, não é teoria alguma. Com ela nada se pode prever. E, antes, um vago esquema de pensamento, à semelhança do que encontramos na psicologia de James. Nem sequer existe um experimentum cruas que decida a favor ou contra a teoria.

71. Quem concorda com Goethe, acredita que Goethe reconheceu corretamente a natureza da cor. E aqui a natureza não é o que resulta da experimentação, mas reside no conceito de cor.

72. Uma coisa era, para Goethe, irrefutavelmente clara: nada de brilhante pode provir da escuridão — tal como mais e mais sombras não produzem luz. Isto poderia exprimir-se da

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maneira seguinte: podemos chamar lilás a um azul esbranquiçado e avermelhado, ou castanho a um amarelo enegrecido e avermelhado — mas a um branco, não podemos chamar azul amarelado e avermelhado e esverdeado, ou algo semelhante. O branco não é uma cor entre as outras cores. E isto é uma coisa que a experimentação com o espectro não confirma nem refuta. Contudo, também seria errado dizer: "olha para as cores na natureza e verás que assim é". O olhar nada ensina sobre os conceitos de cor.

73. Não consigo imaginar que as anotações de Goethe sobre as características e as combinações das cores pudessem ter alguma utilidade para um pintor, e quase nenhuma teriam para um decorador.A cor de um olho injetado de sangue talvez tenha um esplêndido efeito como cor de uma colgadura. Quem fala da característica de uma cor, pensa sempre apenas numa forma correta da sua utilização.

74. Se houvesse uma teoria da harmonia das cores, talvez começasse pela divisão das cores em grupos, proibindo certas misturas ou combinações e permitindo outras. E, tal como no ensino da harmonia, as suas regras teriam fundamento.

75. Talvez haja deficientes mentais a quem não se pode ensinar o conceito "amanhã", ou o conceito "eu", nem a leitura das horas. Não aprenderiam a utilização da palavra "amanhã", etc.Mas, então, a quem posso eu descrever o que eles não podem aprender? Somente àquele que o aprendeu? Poderei contar a "A" que "B" não pode aprender matemáticas superiores, se "A" as não dominar? A palavra "xadrez" não será entendida de uma forma diferente por aquele que aprendeu o jogo e por aquele que o não aprendeu? Há diferenças entre a utilização da palavra que o primeiro pode fazer e a utilização que o segundo aprendeu.

76. Descrever um jogo significará sempre: dar uma descrição pela qual alguém o pode aprender?

77. Terão a pessoa com a visão normal e o daltônico o mesmo conceito de daltonismo? O daltônico não só não pode

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aprender a utilizar as nossas palavras para cores, mas tão pouco pode aprender a utilizar a palavra "daltônico" como o faz uma pessoa normal. Não pode, por exemplo, determinar o daltonismo da mesma maneira que esta última.

78. Poderia haver homens que não compreendessem a nossa maneira de dizer que o cor-de-laranja é um amarelo avermelhado e que apenas se dispusessem a dizer algo de semelhante em casos onde a transição do amarelo para o vermelho, passando pelo cor-de-laranja, ocorresse diante dos seus olhos. Para eles, a expressão "verde avermelhado" não apresentaria dificuldades.

79. A psicologia descreve os fenômenos da visão — A quem os descreve ela? — Que ignorância pode esta descrição eliminar?

80. A psicologia descreve o que foi observado.

81. Poderá alguém descrever a um cego o que é ver? — Certamente. O cego aprenderia alguma coisa sobre a diferença entre a cegueira e a visão. Mas a questão estava mal posta; como se ver fosse uma atividade e houvesse uma descrição para ela.

82. E claro que posso observar o daltonismo; E porque não a visão? — Posso observar os juízos sobre as cores que um daltônico — ou também uma pessoa com a visão normal — emite sob certas circunstâncias.

83. Diz-se, por vezes (equivocamente): "Só eu posso saber o que vejo". Mas não: "Só eu posso saber se sou daltônico" (nem ainda: "Só eu posso saber se vejo ou se sou cego.")

84. A afirmação: "Vejo um círculo vermelho" e a afirmação "vejo (não sou cego)" não são logicamente do mesmo tipo. Como se prova a verdade da primeira e a verdade da segunda?

85. Mas, sendo cego, poderei acreditar que vejo, ou, vendo, poderei acreditar que sou cego?

86. Poderá um manual de psicologia conter a proposição, "há homens que vêem"? Será isto errado? Mas a quem é que aqui se comunica alguma coisa?

87. Como pode ser absurdo dizer "há homens que vêem", se não é absurdo dizer: "há homens que são cegos"?

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Mas, suponhamos que nunca ouvi falar da existência de homens cegos e que, um dia, alguém me dizia, "há homens que não vêem", teria eu de compreender imediatamente esta proposição? Se eu próprio não sou cego, terei de possuir consciência da minha aptidão para ver, e de que, por conseguinte, pode haver pessoas que a não têm?

88. Se o psicólogo nos ensina, "há homens que vêem" podemos então perguntar-lhe: "E o que chama aos 'homens que vêem'?" A resposta teria de ser: homens que sob tais e tais circunstâncias se comportam desta e desta maneira.

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II

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1. Poderíamos falar da impressão de cor de uma superfície sem com isso querer significar a cor, mas antes a composição dos tons de cor, de que resulta a impressão, por exemplo, de uma superfície castanha.

2. A mistura do branco remove o colorido da cor: mas a mistura do amarelo não o faz. — E este o fundamento da proposição de que não existe um branco claro e transparente?

3. Mas que proposição é esta que afirma que a mistura do branco remove o colorido da cor?Tal como a entendo, não pode ser uma proposição da física. Neste caso, a tentação para acreditar numa fenomenologia, qualquer coisa a meio caminho entre a ciência e a lógica, é muito grande.

4. Qual é, então, a natureza essencial da nebulosidade? As coisas transparentes vermelhas e amarelas não são nebulosas; o branco é nebuloso.

5. Será nebuloso o que vela as formas e as oculta porque ofusca a luz e a sombra?

6. Não é o branco o que suprime a escuridão?

7. Fala-se, de fato, de "vidro negro" — Mas quem vê como vermelha uma superfície branca através de um vidro vermelho, não a vê negra através de um vidro "negro".

8. As pessoas usam frequentemente lentes coloridas nos óculos para ver mais claramente; mas nunca usam lentes nebulosas.

9. "A mistura com o branco ofusca a diferença entre a luz e a escuridão, a luz e a sombra"; será que isto define mais ajustada mente os conceitos? Acredito que sim.

10. Se alguém não descobrisse isto, não seria por ter experimentado o contrário, mas antes porque nós não o teríamos compreendido.

11. Em filosofia, deve perguntar-se sempre: "Como é que devemos olhar para este problema de modo a tornar possível a sua solução?"

12. Porque aqui (quando observo as cores, por exemplo) há apenas uma incapacidade para dispor os conceitos segundo

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alguma ordem. Estamos aí como o boi diante da porta do estábulo pintada de fresco.

13. Pensem como é que um artista representaria a vista através de um vidro vermelho. O que resulta é uma pintura de superfície complicada. Isto é, a pintura conteria uma série de gradações de vermelho e de outras cores. E, analogamente, se se visse através de um vidro azul.E se se pintar um quadro tal que se tornam brancos os sítios onde anteriormente alguma coisa era azulada ou avermelhada?

14. A diferença aqui será que as cores permanecem saturadas como antes quando se lhes faz incidir uma luz vermelha, — mas já não com uma luz esbranquiçada?Mas não se fala sequer de uma "luz esbranquiçada".

15. Se tudo parecesse esbranquiçado sob uma luz particular, não concluiríamos, então, que a fonte de luz tinha de parecer branca.

16. A análise fenomenológica (tal como Goethe, por exemplo, a queria) é uma análise de conceitos e não pode concordar nem contradizer a física.

17. E se algures ocorrer ainda a situação: a luz de um corpo branco--quente faz as coisas surgir iluminadas mas esbranquiçadas e fracamente coloridas; a luz de um corpo vermelho-quente falas surgir avermelhadas, etc.? (Só uma fonte de luz invisível, não perceptível para os olhos, as deixa irradiar cores).

18. Sim, suponhamos mesmo que as coisas só irradiam a sua cor quando, no nosso sentido, nenhuma luz incide nelas, quando, por exemplo, o céu fosse negro. Não poderíamos então dizer: Só sob uma luz negra é que aparecem as cores integrais?

19. Mas não haveria aqui uma contradição?

20. Não vejo que as cores dos corpos reflitam luz para os meus olhos.

Page 21: Anotações Sobre as Cores

III

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24.3.50

1. O branco tem de ser a cor mais clara numa imagem.

2. Na Tricolor, por exemplo, o branco não pode ser mais escuro que o azul e o vermelho.

3. Temos aqui uma espécie de matemática da cor.

26.3

4. Mas o amarelo puro é também mais claro que o vermelho ou azul puros e saturados. E será isto uma proposição da experiência? — Não sei, por exemplo, se o vermelho (isto é, o vermelho puro) é mais claro ou escuro que o azul; para o poder dizer, deveria tê-los visto. E ainda que os tivesse visto, saberia a resposta de uma vez por todas, como o resultado de um cálculo aritmético.Onde é que se separam aqui a lógica e a experiência (empiria)?

5. A palavra, cujo sentido não é claro, é "pura" ou "saturada." Como aprendemos o seu significado? Como podemos saber se os homens querem dizer a mesma coisa com ela? Chamo "saturada" a uma cor (por exemplo vermelho), se não contém nem preto nem branco, se não é enegrecida nem esbranquiçada.Mas esta explicação serve apenas para uma compreensão preliminar.

6. Que importância tem o conceito de cor saturada?

7. Um fato é aqui obviamente importante: nomeadamente, o de que os homens reservam um local especial para um ponto no círculo das cores; não têm de se esforçar por confirmar onde está o ponto, mas encontram-no sempre com facilidade.

8. Haverá uma "história natural das cores", e até que ponto será ela análoga a uma história natural das plantas? Não é esta última temporal e a outra atemporal?

9. Se dissermos que a proposição "o amarelo saturado é mais claro que o azul saturado" não pertence ao domínio da psicologia (porque só assim poderia ser história natural) — isto significa que não a utilizamos como proposição de uma

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história natural. A questão é, nesse caso: como é a outra, a utilização atemporal?

10. Só assim se podem distinguir as proposições da "matemática da cor" das proposições científicas naturais.

11. Ou ainda: a questão é esta: podemos nós (claramente) distinguir aqui duas aplicações?

12. Se imprimires dois tons de cor A e B na tua memória e A for mais claro que B e se, mais tarde, chamares a um tom "A" e a um outro "B", mas aquele a que chamaste "B" for mais claro que "A", chamaste os tons de uma forma errada, (isto é lógica).

13. Seja o conceito de cor "saturada" tal que X saturado não pode ser, uma vez, mais claro que Y saturado e, outra vez, mais escuro; isto é, não faz sentido dizer que é mais claro numa altura e mais escuro noutra. Isto determina o conceito e pertence novamente à lógica.A utilidade de um conceito assim determinado não é decidida aqui.

14. Este conceito poderia ter apenas uma utilização muito limitada. E isto simplesmente porque aquilo a que chamamos habitualmente X saturado é uma impressão de cor num âmbito determinado. E comparável com "X transparente".

15. Dá exemplos de jogos de linguagem simples com o conceito de "cores saturadas".

16. Admito que certos compostos químicos, por exemplo, os sais de um determinado ácido teriam cores saturadas e poderiam ser reconhecidos por elas.

17. Ou que se poderia adivinhar a proveniência de certas flores de acordo com a saturação das suas cores; de tal forma que seria possível dizer, por exemplo, "esta tem de ser uma flor alpina, porque a sua cor é tão intensa."

18. Mas, nesse caso, poderia haver vermelho saturado mais claro e mais escuro, etc.

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19. E não terei eu de admitir que as proposições se usam freqüentemente na fronteira entre a lógica e a empiria, e que então o seu sentido se desloca para trás e para a frente e que elas são ora expressões de normas, ora tratadas como expressões de experiência?Não é o "pensamento" (um fenômeno psíquico concomitante), mas o seu uso (algo que o rodeia) que distingue as proposições lógicas das empíricas.

20. A imagem errada confunde, a imagem certa ajuda.

21. A questão será, por exemplo: poderá ensinar-se o significado de "verde saturado" ensinando o significado de "vermelho saturado", ou "amarelo", ou "azul"?

22. O brilho, a "luz brilhante", não pode ser preto. Se, numa imagem, eu substituísse a claridade da luz brilhante pela escuridão, não obteria luzes negras: E não é só porque esta é uma e a única forma de ocorrência da luz brilhante na natureza, mas também porque, neste caso, reagimos a uma luz de uma certa maneira. Uma bandeira pode ser amarela e preta, e outra amarela e branca.

23. A transparência, quando pintada numa imagem, produz um efeito diferente do da opacidade.

24. Porque será impossível o branco transparente? — Pinta um corpo vermelho transparente e, depois, substitui o vermelho por branco!O preto e o branco têm algo a ver com este jogo na transferência de uma cor.Substitui o vermelho pelo branco e jamais terás a impressão de transparência; tal como jamais terás a impressão de solidez se mudares deste desenho para este .

27.3

25. Por que não será uma cor saturada simplesmente: esta, ou esta, ou esta, ou esta? — Porque a reconhecemos ou determinamos de um modo diferente.

26. O que nos pode tornar desconfiados é o fato de alguns terem pensado que reconheceram três cores primárias, outros quatro. Alguns pensaram que o verde é uma cor intermédia entre o azul e o amarelo, o que a mim, por exemplo, me parece errado, mesmo independentemente de qualquer

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experiência. O azul e o amarelo, tal como o vermelho e o verde, parecem-me opostos — mas talvez simplesmente porque estou habituado a vê-los em pontos opostos no círculo das cores.Sim, com efeito, que importância tem para mim (de uma forma, por assim dizer, psicológica) a questão acerca do número das Cores Puras?

27. Parece-me ver algo que tem uma importaria lógica: se dissermos que o verde é uma cor intermédia entre o azul e o amarelo, devemos então poder dizer também, por exemplo, o que é um amarelo azulado e fraco, ou um azul levemente amarelado. E, para mim, estas expressões não significam absolutamente nada. Mas não poderiam elas significar alguma coisa para outrem?Se alguém me descrevesse a cor de uma parede dizendo: "era um amarelo levemente avermelhado", poderia percebê-lo de forma a poder escolher aproximadamente a cor certa entre um número de amostras. Mas, se alguém descrevesse a cor desta maneira: "era um amarelo levemente azulado", não poderia mostrar-lhe uma tal amostra. — Aqui costuma dizer-se que, num caso, podemos imaginar a cor e, no outro, não. — Mas esta expressão conduz ao erro, pois não há qualquer necessidade de pensar uma imagem que surge perante a visão interior.

28. Tal como o ouvido absoluto e pessoas que não o possuem, da mesma maneira podemos supor que haverá um grande número de disposições diferentes no que respeita à observação das cores.Compara, por exemplo, o conceito de "cor saturada" com o de "cor quente". Terá toda a gente que conhecer cores "quentes" e "frias"? A não ser que lhes tenha sido ensinado simplesmente a designar desta ou daquela forma uma determinada disjunção de cores.Não poderia haver um pintor, por exemplo, que não tivesse qualquer conceito de "quatro cores puras" e achasse mesmo ridículo falar de uma tal coisa?

29. Ou, por outras palavras: que perderiam os homens para quem este conceito não fosse natural?

30. Faz esta pergunta: Sabes o que significa "avermelhado"? E como mostrarias que o sabes?

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Jogos de linguagem: "Aponta para um amarelo avermelhado (branco, azul, castanho)!" "Aponta para um ainda mais avermelhado!" — "Para um menos avermelhado!", etc. Agora que dominas estes jogos, pedir-te-ão: "Aponta para um verde ligeiramente avermelhado". Admite que há dois casos: ou apontas para uma cor (e sempre a mesma), talvez para um verde azeitona — ou dizes: "Não sei o que isso quer dizer", ou "isso não existe."Poderíamos ser levados a dizer que alguém tem um conceito de cor diferente de outrem, ou um outro conceito de "...ado".

31. Falamos de "daltonismo" e chamamos-lhe defeito. Mas facilmente poderia haver algumas capacidades diferentes, nenhuma delas manifestamente inferior às outras — e lembre-se também que um homem pode atravessar a vida sem ter notado o seu daltonismo, até que uma ocasião especial o revele.

32. E então possível que homens diferentes tenham conceitos de cor diferentes? — Parcialmente diferentes. Diferentes a respeito de uma ou outra característica. E isto prejudicará o seu entendimento em maior ou menor grau, mas muitas vezes, mal o fará.

33. Gostaria de fazer agora uma observação geral sobre a natureza dos problemas filosóficos. A falta de clareza na filosofia é atormentadora. E sentida como vergonhosa. Sentimos: Não nos conhecemos da maneira como nos deveríamos conhecer. E, no entanto, não é assim. Podemos muito bem viver sem estas distinções, e também sem nos conhecermos.

34. Qual é a relação entre a mistura de cores e as "cores intermédias"? Claro que podemos falar de cores intermédias num jogo de linguagem, no qual não produzimos cores por mistura e apenas selecionamos tons existentes.Não obstante, uma utilização do conceito de cor intermédia é reconhecer a mistura de cores que produz um determinado tom.

35. Lichtenberg diz que muito poucos homens teriam visto alguma vez o branco puro. Nesse caso, usará a maioria a palavra de uma forma errada? — E como aprendeu ele o uso correto? Pelo contrário: Ele construiu um uso ideal a partir do

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uso executivo. Tal como construímos uma geometria. E "ideal" não significa aqui uma coisa especialmente boa, mas apenas algo que foi levado aos extremos.

36. E, certamente, uma tal construção pode, por sua vez, ensinar--nos algo sobre a sua utilização efetiva.E poderíamos também introduzir um novo conceito de "branco puro", para fins científicos, por exemplo (um novo conceito assim corresponderia, digamos, ao conceito químico de "sal").

37. Até que ponto podemos comparar o branco e o preto com o amarelo, o vermelho e o azul, e até que ponto não podemos?

Se tivéssemos um papel de parede quadriculado com quadrados vermelhos, azuis, verdes, amarelos, pretos e brancos, não teríamos tendência para dizer que ele é feito de duas partes distintas, uma colorida e outra, digamos, incolor.

38. Suponhamos que os homens não contrastam as figuras coloridas com as que são a preto e branco, mas antes com aquelas que são a azul e branco; isto é: Poderá o azul ser sentido (quer dizer usado) como se não fosse uma cor genuína

39. De acordo com a minha sensação, o azul suprime o amarelo, — mas por que não haveria eu de chamar a um amarelo esverdeado um "amarelo azulado", e verde a uma cor intermédia entre o azul e o amarelo, e verde fortemente azulado a um azul um tanto amarelado?

40. Num amarelo esverdeado, não noto nada de azul. — Para mim, o verde é uma paragem especial no percurso das cores do azul até ao amarelo; e o vermelho é outra.

41. Que vantagem teria sobre mim alguém que conhecesse uma via direta do azul até ao amarelo? E como se demonstra que não conheço um tal caminho? — Dependerá tudo dos meus jogos de linguagem com a forma "...ado"?

42. Teremos, por conseguinte, de perguntar a nós próprios: que seria se houvesse homens que conhecessem cores diferentes daquelas que os de visão normal conhecem? Em geral, esta pergunta não admitirá uma resposta exata. Não é

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imediatamente claro que tenhamos de dizer que esta espécie de gente anormal conhece outras cores. Não há, afinal, um critério comumente aceite para o que seja uma cor, a menos que seja uma das nossas cores.E, no entanto, poderíamos imaginar circunstâncias sob as quais diríamos: "Esta gente vê outras cores, além das nossas".

28.3

43. Em filosofia, não basta aprender o que tem de se dizer em todos os casos sobre um objeto, mas também como dele devemos falar. Temos sempre de começar por aprender o método de o abordar.

44. Ou uma vez mais: em todo o problema sério, a incerteza estende-se até às raízes do problema.

45. Há que estar sempre preparado para aprender algo de totalmente novo.

46. Entre cores: afinidade e contraste. (E isto é lógica.)

47. Que quer dizer: "O castanho é aparentado ao amarelo?"

48. Quererá dizer que a tarefa de escolher um amarelo ligeiramente acastanhado seria prontamente entendida? (Ou um castanho mais amarelado).

49. A mediação matizada entre duas cores.

50. "O amarelo assemelha-se mais ao vermelho que ao azul."

51. A diferença entre ouro-vermelho escuro e amarelo-vermelho escuro. — O ouro vale aqui como uma cor.

52. É um fato que estamos em posição de nos entendermos sobre as cores das coisas a partir de seis nomes de cores. E também que não usamos as palavras "verde-avermelhado", "azul-amarelado", etc.

53. Descrição de um quebra-cabeças através da descrição das peças. Admito que estas peças nunca exibem uma forma tridimensional, mas aparecem apenas como pequenos pedaços lisos, multicores ou não. Só quando postos juntamente é que alguma coisa se torna numa "sombra", um "brilho", uma "superfície monocromática côncava ou convexa", etc.

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54. Posso dizer: Este homem não distingue o vermelho do verde. Mas poderei dizer que nós, pessoas normais, distinguimos o vermelho do verde? Poderemos, contudo, dizer "vejo aqui duas cores, ele vê apenas uma".

55. A descrição dos fenômenos do daltonismo faz parte da psicologia. Nesse caso, também os fenômenos da visão normal das cores? Decerto — Mas quais os pressupostos de uma tal descrição e para quem é ela uma descrição? Ou melhor: Qual o meio de que ela se serve? Quando digo, "o que é que isto pressupõe" isso significa "como se deve reagir a esta descrição para a entendermos?" Quem descreve os fenômenos do daltonismo num livro, descreve-os com os conceitos dos que vêem.

56. Este papel é mais claro em alguns sítios do que noutros; mas posso dizer que é branco só em alguns sítios e cinzento noutros? — Sim, se o pintasse, misturaria um cinzento para as partes mais escuras.Uma cor de superfície é uma qualidade de uma superfície. Poderíamos, por conseguinte, ser tentados a chamar-lhe um conceito de cor pura. Mas, então, o que seria um puro?

57. Não é correto dizer que numa figura o branco tem sempre de ser a cor mais clara. Mas terá de ser a mais clara numa superfície onde se combinam manchas de cor. Um quadro poderia mostrar, na sombra, um livro feito de papel branco e, mais luminoso do que este, um céu brilhante amarelado, ou azulado, ou avermelhado. Mas se eu descrever uma superfície plana, um tapete, por exemplo, dizendo que é constituído por quadrados amarelos, vermelhos, azuis, brancos e pretos puros, então, os amarelos não poderiam ser mais claros que os brancos e os vermelhos não poderiam ser mais claros que os amarelos.Eis por que, para Goethe, as cores eram sombras.

58. Parece haver um conceito de cor mais fundamental do que o de uma cor de superfície. Parece que a poderíamos mostrar mediante pequenos elementos coloridos no campo visual, ou por meio de pontos luminosos, como estrelas. As áreas coloridas mais extensas são compostas por estes pontos coloridos ou por pequenas manchas de cor. Assim, poderíamos descrever a impressão de cor de uma superfície especificando a posição dessas numerosas e pequenas

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manchas de cor nela contidas.Mas como comparávamos, por exemplo, uma destas amostras de cor tão pequenas com um pedaço da superfície maior? Em que contexto deverá ocorrer a amostra de cor?

29.3

59. Na vida quotidiana, estamos virtualmente rodeados por cores impuras. E mais notável é ainda que tenhamos formado um conceito de cores puras.

60. Por que não falamos de castanho "puro"? Será apenas pela posição do castanho face às outras cores "puras", pela sua afinidade com todas elas? — O castanho é, sobretudo, uma cor de superfície, isto é, não existe um castanho claro, mas apenas um castanho turvo. E também: O castanho contém preto. — (?) — Como é que um homem teria de se comportar para que dele se pudesse dizer, que conhece um castanho puro, primário?

61. Temos sempre de retomar a questão: Como é que as pessoas aprendem o significado dos nomes das cores?

62. Que significa, "o castanho contém preto?" Há castanhos mais e menos enegrecidos. Haverá algum não enegrecido de todo? Não há certamente nenhum que não seja amarelado.

63. Se continuarmos a pensar assim, descobrimos pouco a pouco as "propriedades internas" de uma cor, aquelas em que de início não pensamos. E isto pode mostrar-nos o percurso de uma investigação filosófica. Devemos estar sempre prontos para depararmos com uma nova, uma que anteriormente nunca tenha aparecido.

64. E também não devemos esquecer que os nossos nomes de cores caracterizam a impressão de uma superfície sobre a qual vagueia o nosso olhar. E para isto que elas existem.

65. "Luz castanha". Suponha-se que alguém sugeria que um semáforo devia ser castanho.

66. É de esperar apenas que encontremos adjetivos (tal como, por exemplo, "iridescente"), que são característicos das cores de uma extensa área ou de um pequeno espaço num contexto determinado ("cintilante", "resplandescente", "reluzente", "luminoso").

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67. Sim, as cores puras não têm sequer nomes específicos normalmente utilizados, tão pouco importantes são elas para nós.

68. Imaginemos que alguém queria pintar um fragmento qualquer da natureza com as suas cores naturais. Todos os pontos da superfície de uma tal pintura teriam uma cor definida. Que cor? Como determinarei o seu nome? Usaremos, por exemplo, o nome sob o qual o pigmento aplicado é comprado? Mas não parecerá esse pigmento no seu contexto particular completamente diferente do que é na paleta?

69. Então, talvez começássemos a atribuir nomes especiais a pequenas manchas coloridas sobre fundo negro (por exemplo).O que eu aqui quero mostrar realmente é que os conceitos simples de cor não são nada claros a priori.

30.3

70. Não é verdade que uma cor mais escura seja, ao mesmo tempo, uma cor mais enegrecida. Isso é claro, certamente. Um amarelo saturado é mais escuro, mas não mais enegrecido, que um amarelo esbranquiçado. Mas o âmbar não é também um "amarelo enegrecido". (?) E fala-se ainda de um vidro ou de um espelho "preto". — Talvez a dificuldade resida no fato de, por "preto", eu entender essencialmente uma cor de superfície?Não diria que um rubi é vermelho enegrecido, porque isso sugeriria nebulosidade. (Por outro lado, lembra-te de que tanto a nebulosidade como a transparência podem ser pintadas.)

71. Trato os conceitos de cor como os conceitos de sensações.

72. Os conceitos de cor devem tratar-se de uma forma idêntica aos conceitos de sensações.

73. O conceito de cor pura não existe.

74. Donde provirá, então, a ilusão? Não será ela, como qualquer outra, uma simplificação prematura da lógica?

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75. Isto é: Os vários conceitos de cor estão decerto estritamente relacionados uns com os outros; os vários "nomes de cores" têm um uso afim, mas há muitos tipos de diferenças.

76. Runge diz que há cores transparentes e opacas. Mas isto não significa que se utilizem verdes diferentes para reproduzir, numa pintura, um pedaço de vidro verde ou um tecido verde.

77. É um passo peculiar da pintura, pintar uma luz brilhante por meio de uma cor.

78. A indefinição no conceito de cor reside, sobretudo, na indefinição do conceito de identidade das cores, isto é, do método, de comparação de cores.

79. A cor de ouro existe, mas Rembrandt não a usou para pintar um elmo dourado.

80. Que é que faz do cinzento uma cor neutra? É algo de fisiológicoou algo de lógico?Que é que torna garridas as cores garridas? É uma questão conceptual ou uma questão de causa e efeito?Porque é que não incluímos o preto e o branco no círculo das cores? Apenas porque temos a sensação de que isso seria errado?

81. Não existe um cinzento luminoso. Isso faz parte do conceito de cinzento, ou da psicologia, portanto, da história natural do cinzento? E não é estranho que eu o não saiba?

82. Que as cores têm as suas causas e efeitos característicos — é algo que sabemos.

83. O cinzento encontra-se entre dois extremos (preto e branco) e pode tomar uma tonalidade de qualquer outra cor.

84. Seria concebível que alguém visse pretas todas as coisas que vemos brancas, e vice-versa?

85. Num padrão muito colorido, o preto e o branco poderiam estar a seguir ao vermelho e ao verde, etc., sem sobressaírem pela diferença.Não seria assim, contudo, no círculo das cores. Até porque o preto e o branco se misturam com as outras cores, sobretudo com o seu polo oposto.

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86. Não poderemos imaginar homens com uma geometria das cores diferente da nossa, que é normal? É claro que isto significa: Poderemos descrevê-la, poderemos nós satisfazer imediatamente o pedido de a descrever, isto é, saberemos inequivocamente o que nos é exigido? A dificuldade é obviamente esta: Não é precisamente a geometria das cores que nos mostra aquilo de que estamos a falar, isto é, que estamos a falar sobre as cores?

87. A dificuldade em a imaginar (ou em a representar numa pintura) está em saber quando é que pintamos aquilo. Isto é, a indefinição do pedido para a imaginar.

88. A dificuldade é, pois, saber o que aqui se deve considerar como o análogo de alguma coisa que nos é familiar.

89. Uma cor que seria "suja" se fosse a cor de uma parede, não precisaria de o ser numa pintura.

90. Duvido que as anotações de Goethe sobre as características das cores tivessem qualquer utilidade para um pintor. Teriam certamente muito pouca para um decorador.

91. Se houvesse uma teoria da harmonia das cores, talvez começasse por dividir as cores em grupos diferentes, proibindo certas misturas e combinações e permitindo outras; e tal como na harmonia, as suas regras não se poderiam fundamentar.

92. Não poderá isto arrojar alguma luz para o gênero das diferenciações entre as cores?

93. [Não dizemos, A sabe uma coisa e B o seu oposto. Mas se substituirmos "sabe" por "acredita", então isso já é uma proposição.]

94. Runge a Goethe: "Se pensássemos num laranja-azulado, num verde-avermelhado ou num violeta-amarelado, teríamos a mesma sensação que se pensássemos numa nortada de sudoeste."E ainda: "Tanto o branco como o preto são opacos ou sólidos... água branca que seja pura é tão inconcebível como o leite transparente. Se o preto apenas tornasse escuras as coisas, poderia, de fato, ser claro; mas ele suja as coisas e, por isso, não pode ser claro".

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95. No meu quarto, estou rodeado de objetos com cores diferentes. E fácil dizer qual é a sua cor. Mas se me perguntassem que cor vejo daqui, digamos, neste ponto na minha mesa, não poderia responder; esse ponto está esbranquiçado (porque a mesa castanha é aqui iluminada pela parede clara); em qualquer caso, é muito mais clara do que o resto da mesa, mas, entre um número de amostras de cor, não seria capaz de escolher uma com a mesma coloração que esta área da mesa.

96. Porque a mim — ou a todos — parece, daí não se conclui que assim seja.Por conseguinte: lá porque esta mesa a todos parece castanha, não se conclui que seja castanha. Mas que quer dizer, "ao fim e ao cabo, esta mesa não é castanha"? — concluir-se-á, então, que, por ela nos parecer castanha, é castanha?

97. Não chamamos justamente castanha à mesa que, sob certas circunstâncias, surge castanha aos que têm uma visão normal? Podemos sem dúvida, conceber alguém a quem as coisas pareçam por vezes de uma cor e, outras vezes, de outra cor, independentemente da cor que têm.

98. Que assim pareça aos homens é o seu critério para assim ser.

99. Parecer e ser podem, decerto, ser independentes um do outro em casos excepcionais, mas isso não os torna logicamente independentes; o jogo de linguagem não reside na exceção.

100. O dourado é uma cor de superfície.

101. Temos preconceitos no tocante à utilização das palavras.

102. À pergunta: "Que significa 'vermelho', 'azul', 'preto', 'branco'?", podemos apontar imediatamente para coisas com essas cores, — mas é tudo o que podemos fazer: a nossa capacidade para explicar o seu significado não vai mais longe.

103. De resto, ou não temos idéia alguma, ou temos apenas uma muito grosseira e, em parte, falsa.

104. "Escuro" e "enegrecido" não são o mesmo conceito.

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105. Runge diz que o preto "suja"; que significa isto? Será o efeito do preto sobre as nossas capacidades afetivas? Será um efeito da adição da cor preta que aqui é referido?

106. Por que é que um amarelo escuro não deve percepcionar-se como "enegrecido", mesmo se lhe chamarmos escuro?A lógica dos conceitos da cor é muito mais complicada do que quer parecer.

107. Os conceitos "baço" e "brilhante": quando pensamos na "cor" como propriedade de um ponto no espaço, os conceitos baço e brilhante não têm qualquer relação com estes conceitos de cor.

108. A primeira "solução" que nos ocorre para o problema das cores é que os conceitos de cores "puras" se referem a pontos ou a pequenas manchas indivisíveis no espaço. Questão: Como compararemos as cores de dois desses pontos? Dirigindo simplesmente o nosso olhar de um para outro? Ou através do movimento de um objeto colorido? No segundo caso, como saberemos que esse objeto não alterou, com isso, a sua cor; no primeiro caso, como poderemos comparar os pontos coloridos sem que a comparação seja influenciada pelo seu contexto?

109. Eu poderia imaginar um lógico que nos diz ter agora conseguido pensar realmente que 2x2 =4.

110. Se ainda não estiveres esclarecido sobre o papel da lógica nos conceitos da cor, começa com o caso simples, por exemplo, de um vermelho amarelado. Isto existe, ninguém duvida. Como é que aprendo a utilização da palavra "amarelado"? Através de jogos de linguagem, por exemplo, relacionados com uma ordenação.Desta forma posso aprender, em concordância com os outros, a reconhecer o vermelho, o verde, o castanho e o branco amarelados e mais amarelados ainda.Aprendo aí a avançar independentemente, tal como na aritmética. A tarefa de encontrar um azul amarelado poderá ser solucionada por alguém, mediante um azul esverdeado, que outro não compreende. E isto depende de quê?

111. Eu afirmo que o azul esverdeado não contém amarelo; se alguém afirmar que contém certamente amarelo, quem tem razão? Como se pode verificar? Haverá apenas uma

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diferença verbal entre nós? — Não terá o primeiro reconhecido um verde puro que não tende para o azul nem tampouco para o amarelo? E qual é a utilidade disto? Em que jogos de linguagem se pode utilizar isto? Ele poderá, pelo menos, resolver a tarefa de escolher as coisas verdes, que não contêm nada de amarelado, e as que não contêm nada de azul. E nisto consistirá a demarcação do "verde", que o outro não conhece.

112. Um pode aprender um jogo de linguagem, que o outro não pode. E é nisto que tem de consistir, de fato, o daltonismo de todos os gêneros. Pois, se o "daltônico" pudesse aprender todos os jogos de linguagem das pessoas normais, por que haveria ele de ser excluído de certas profissões?

113. Se alguém tivesse chamado a atenção de Runge para a diferença entre o verde e o laranja, talvez ele tivesse renunciado à idéia de que há apenas três cores primárias.

114. Em que medida pertence à lógica, e não à psicologia, o fato de alguém poder ou não aprender um jogo?

115. Eu afirmo: Quem não puder jogar este jogo não possui este conceito.

116. Quem possui o conceito "amanhã"? De quem é que o podemos afirmar?

117. Vi numa fotografia um rapaz com cabelo louro alisado para trás e com um casaco sujo de cores claras; e um homem com cabelo escuro, diante de uma máquina feita, parcialmente, de peças de fundição pintadas de preto, e parcialmente de eixos e engrenagens polidas e acabadas, etc; ao lado está um gradeamento de ferro brilhante galvanizado. As superfícies de ferro polidas tinham a cor de ferro, o cabelo do rapaz era louro, a peça de metal era preta, a grade cor-de-zinco, apesar de tudo isto estar impresso apenas em tons mais escuros e mais claros no papel fotográfico.

118. Pode haver um deficiente mental a quem não podemos ensinar o conceito "amanhã", ou o conceito "eu"; ou a leitura das horas. Não aprenderia o uso da palavra "amanhã", etc.

119. Mas, a quem posso eu comunicar o que este deficiente mental não pode aprender? Apenas àqueles que por si

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próprios o aprenderam? Não poderei contar a alguém que fulano e sicrano não podem aprender altas matemáticas, mesmo se essa pessoa as não dominar? E, contudo: não saberá mais precisamente a pessoa que aprendeu altas matemáticas, aquilo que eu quero dizer? Quem aprendeu o jogo não entenderá a palavra "xadrez" de uma forma diversa de alguém que o desconhece? A que chamamos nós "descrever uma técnica"?

120. Ou ainda: Terão as pessoas de visão normal e os daltônicos o mesmo conceito de daltonismo?E, no entanto, os daltônicos compreendem a afirmação "sou daltônico" e também a sua negação.Um daltônico não só é incapaz de aprender a utilizar os nossos nomes de cores, como também não pode aprender a palavra "daltônico" exatamente como o faz uma pessoa normal. Ele nem sempre pode, por exemplo, determinar o daltonismo nos casos em que o pode uma pessoa de visão normal.

121. E a quem posso eu descrever todas as coisas que nós, pessoas normais, podemos aprender?A compreensão da própria descrição já pressupõe que aprendeu alguma coisa.

122. Como poderei descrever a alguém a maneira de utilizar a palavra "amanhã"? Posso ensiná-lo a uma criança; mas isso não significa que lhe descreva o seu uso.Mas posso descrever a prática das pessoas que têm um conceito que nós não possuímos, "verde-esverdeado", por exemplo? — Em qualquer caso, não posso certamente ensinar a alguém esta prática.

123. Então, posso apenas dizer: "Estas pessoas chamam a isso (ao castanho, por exemplo) verde-avermelhado"? Não seria, então, somente uma outra palavra para algo para o qual já tenho uma palavra? Se têm realmente um conceito diferente do meu, isso deve mostrar-se no fato de eu não ser completamente capaz de imaginar o seu uso das palavras.

124. Mas eu sempre disse que se podia pensar que os nossos conceitos fossem diferentes daquilo que são. Era tudo isso absurdo?

11.4

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125. A teoria de Goethe sobre a origem do espectro não é uma teoria da sua origem, teoria que esteja provada satisfatoriamente; nem sequer é uma teoria. Nada por ela se pode predizer. É antes um vago esquema de pensamento do tipo que encontramos na psicologia de James. Não existe um experimentum crucis para a teoria das cores de Goethe.Quem concorda com Goethe descobre que ele reconheceu corretamente a natureza da cor. E, neste caso, "a natureza" não significa uma soma das experiências que dizem respeito à cor, mas aquilo que reside no conceito de cor.

126. Uma coisa era clara para Goethe: Nenhuma luz pode provir da escuridão — tal como sombras e mais sombras não produzem luz. Todavia, isto pode expressar-se da seguinte maneira: podemos, por exemplo, chamar lilás a um "azul avermelhado e esbranquiçado", ou chamar castanho a um "amarelo avermelhado e enegrecido", mas não podemos chamar branco a um "azul amarelado, avermelhado e esverdeado" (ou coisa semelhante). E isto é algo que tão pouco Newton provou. Neste sentido, o branco não é uma mistura de cores.

12.4

127. "As cores" não são coisas que têm propriedades definidas, de maneira que possamos procurar ou imaginar cores que ainda não conhecemos, ou imaginar alguém que conheça cores diferentes das nossas. E perfeitamente possível que, sob certas circunstâncias, disséssemos que alguém conhece cores que não conhecemos; mas não somos forçados a dizê-lo, pois não há nenhuma indicação do que deveríamos considerar como analogias adequadas às nossas cores, para o podermos dizer. E equivalente a falarmos da "luz" infra-vermelha; há uma boa razão para o fazer, mas também podemos considerar um abuso.O mesmo se verifica com o meu conceito: "sentir a dor no corpo de outra pessoa".

128. Uma tribo de daltônicos poderia muito bem viver sem problemas; mas teriam eles desenvolvido todos os nossos nomes de cores? E como corresponderia a sua nomenclatura à nossa? Como seria a sua linguagem natural?? Será que sabemos? Teriam, por natureza, três cores primárias: azul, amarelo e uma terceira, que tomaria o lugar do verde e do

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vermelho? — E se encontrássemos essa tribo e quiséssemos aprender a sua linguagem? Sem dúvida que encontraríamos dificuldades.

129. Não poderia haver homens que não entenderiam a nossa maneira de falar, quando dizemos que o laranja é um amarelo-avermelhado (etc); que teriam tendência para o dizer apenas nos casos em que o laranja, por exemplo, aparecesse numa transição real do vermelho para o amarelo? Para estas pessoas, poderia haver muito facilmente um verde avermelhado.Deste modo, não poderiam "analisar uma mistura de cores" nem poderiam aprender o nosso uso de Y-X-ADO. (Tal como as pessoas sem ouvido absoluto).

130. E as pessoas que só têm conceitos da forma da cor? Devo dizer que não veriam que uma folha verde e uma mesa verde — quando lhes mostro estas coisas — têm a mesma cor, ou têm qualquer coisa comum? E "se nunca lhes aconteceu" comparar entre si objetos com a mesma cor e formas diferentes? Em virtude do seu contexto peculiar, esta comparação não tinha para eles qualquer importância, ou seria importante apenas em casos excepcionais, de maneira que não chegou à formação de um instrumento linguístico.

131. Um jogo de linguagem: Referir a maior luminosidade ou obscuridade dos corpos. — E agora um semelhante: Enumerar a relação entre a claridade de certas cores. (Comparar a relação entre o comprimento de duas varas — a relação entre dois números determinados).A forma das proposições é a mesma em ambos os casos ("X é mais claro que Y"). Mas, no primeiro jogo de linguagem, elas são temporais e, no segundo, atemporais.

132. Num certo sentido, o "branco" é entre todas a cor mais clara.Numa imagem, onde um pedaço de papel branco recebe a sua claridade do céu, o céu é mais claro que o papel branco. Mas, noutro sentido, o azul é a cor mais escura e o branco é a cor mais clara. (Goethe). Com um branco e um azul na paleta, o primeiro seria mais claro que o outro. Na paleta, o branco é a cor mais clara.

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133. Posso, de tal modo ter gravado na memória um determinado verde-cinzento que consigo sempre identificá-lo corretamente sem uma amostra. Mas consigo sempre, por assim dizer, reconstruir o vermelho puro (azul, etc). E apenas um vermelho que não tende nem para um lado nem para outro e que eu conheço sem uma amostra, como, por exemplo, traço um ângulo reto por contraste com um qualquer ângulo agudo e um obtuso.

134. Neste sentido, há então quatro (ou seis, com o preto e o branco) cores puras.

135. Uma história natural das cores deveria referir-se à sua ocorrência na natureza, não à sua essência. As suas proposições teriam de ser temporais.

136. Por analogia com as outras cores, um desenho preto sobre um fundo branco, visto através de um vidro branco transparente, deverá aparecer inalterado, como um desenho preto sobre um fundo branco. O preto deve permanecer preto e o branco, porque é também a cor do corpo transparente, deve ficar inalterado.

137. Poderia imaginar-se um vidro através do qual o preto aparecesse como preto, o branco como branco e todas as outras cores aparecessem como tons de cinzento; de forma que através dele tudo surgisse tal como uma fotografia.Mas por que lhe chamaria eu "vidro branco"?

138. A questão é: A construção de um "corpo branco transparente" é como a construção de um "biângulo regular"?

139. Posso olhar para um corpo e ver talvez uma superfície branca e baça, isto é, ter a impressão de uma tal superfície, ou a impressão de transparência (exista ela de fato ou não). Esta impressão pode ser provocada pela distribuição das cores, e o branco e as outras cores não participam nele da mesma maneira.(Tomei uma cúpula de chumbo pintada de verde por um vidro translúcido esverdeado, desconhecendo na altura a distribuição especial de cores que produziam esta aparência).

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140. O branco deve surgir, de fato, na impressão visual de um corpo transparente, por exemplo, como se fosse um reflexo, como uma luz brilhante. Isto é, se a impressão é percebida como transparente, o branco que vemos não será interpretado como se fosse a brancura do corpo.

141. Olho através de um vidro transparente: seguir-se-á que não vejo o branco? Não; mas também não vejo o vidro branco. Como é que isto se passa? Pode passar-se de maneiras diferentes. Posso ver com ambos os olhos o branco situado atrás do vidro. Mas, simplesmente pela sua posição, posso ver também o branco como uma luz brilhante (mesmo que ela não exista). Ainda estamos a tratar da visão e não a tomar alguma coisa por isto ou por aquilo. Nem é completamente necessário o uso de ambos os olhos para ver qualquer coisa como estando atrás do vidro.

142. As várias "cores" não têm todas a mesma relação com a visão tridimensional.

143. E é indiferente se explicamos, ou não, isto em termos de uma experiência na infância acumulada por nós.

144. Essa conexão deve ser entre a tridimensionalidade, a luz e a sombra.

145. Também não pode dizer-se que o branco é essencialmente a propriedade de uma superfície-visual. Pois, seria concebível que o branco ocorresse como luz brilhante ou como cor de uma chama.

146. Um corpo que seja, de fato, transparente pode obviamente parecer-nos branco; mas não pode parecer branco e transparente.

147. Mas não se devia expressar assim: o branco não é uma cor transparente.

148. "Transparente" pode comparar-se com "refletor".

149. Um elemento do campo visual pode ser branco ou vermelho, mas não pode ser transparente ou opaco.

150. A transparência e a reflexão só existem na dimensão de profundidade e de uma imagem visual.

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151. Por que não poderá uma superfície monocromática, no campo visual, ser cor de âmbar? Esta palavra de cor refere-se a um meio transparente; se, pois, um pintor pintar um vidro com cor de vinho, poderíamos chamar à superfície da pintura, que a representa, "cor de âmbar", mas não o poderíamos dizer de nenhum dos elementos monocromáticos desta superfície.

152. Não poderiam o preto brilhante e o preto baço ter nomes de cor diferentes?

153. De algo que parece transparente não dizemos que parece branco.

154. "Não se podem imaginar homens com uma geometria das cores diferente da nossa?" — Claro que isto significa: Não se podem imaginar homens com conceitos de cor que sejam diversos dos nossos? E isto, por sua vez, significa: Não se podem imaginar homens que não têm os nossos conceitos de cor e que têm conceitos de tal forma próximos dos nossos que também se poderiam designar "conceitos de cor"?

155. Se os homens estivessem habituados a ver apenas quadrados verdes e círculos vermelhos, poderiam observar um círculo verde com a mesma desconfiança com que observariam um monstro e, por exemplo, poderiam mesmo dizer que era realmente um círculo vermelho, mas com qualquer coisa de..(2)Se os homens só tivessem conceitos de formas de cor, teriam uma palavra especial para um quadrado vermelho e para um círculo vermelho, e uma para um círculo verde, etc. No entanto, se vissem uma nova figura verde, não lhes ocorreria alguma semelhança com o círculo verde, etc. ? E não lhes ocorreria que há uma semelhança entre os círculos verdes e os círculos vermelhos? Mas como quero eu que se patenteie a ocorrência para eles de tal semelhança?Poderiam, por exemplo, ter um conceito do "ajustar-se"; e, no entanto, não pensam ainda em usar palavras de cor.Na verdade, há tribos que só contam até 5 e que talvez não tenham achado necessário descrever algo que não possa ser descrito dessa forma.

2 Este parágrafo estava riscado (org.)

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156. Runge: "O preto suja". Isto significa que ele tira o brilho à cor, mas que significa isso? O negro tira a luminosidade à cor. Mas é isto algo de lógico, ou de psicológico? Há um vermelho luminoso, um azul luminoso, etc., mas nenhum preto luminoso. O preto é a mais escura das cores. Diz-se "negro carregado", mas não "branco carregado".Mas um "vermelho luminoso" não significa um vermelho brilhante. Também um vermelho escuro pode ser luminoso. Mas uma cor reluz em virtude do seu contexto, no seu contexto.O cinzento, porém, não é luminoso.Mas o preto parece escurecer uma cor, e a escuridão, não. Um rubi poderia assim tornar-se mais escuro, sem no entanto se tornar turvo; mas se se tornasse vermelho-escuro, tornar-se-ia turvo. Ora o preto é uma cor de superfície. O escuro não é uma cor. Na pintura, o escuro pode também representar-se pelo preto.A diferença entre o preto e, digamos, um violeta-escuro é semelhante à diferença entre o som do bombo grande e o som de um timbale. Do primeiro dizemos que é um ruído, e não um tom. E baço e totalmente negro.

157. Olha para o teu quarto à noitinha, quando dificilmente distingues as cores; acende então a luz e pinta o que viste no crepúsculo. Há pinturas de paisagens ou de quartos na semi-escuridão: Mas como se comparam as cores dessas pinturas com aquelas que se viram na semi-obscuridade? Que diferente é esta comparação da de duas amostras de cor que tenho diante de mim e se põem lado a lado!

158. Por que se dirá que o verde é uma cor primária e não uma mistura de azul e amarelo? Será correto responder: "Apenas se pode saber diretamente, observando as cores?" Mas como hei de saber se, com as palavras "cores primárias", quero dizer o mesmo que outra pessoa que também tem tendência para chamar ao verde uma cor primária? Não, aqui há jogos de linguagem que decidem esta questão.Há um verde mais ou menos azulado (ou amarelado) e propõe-se a tarefa de misturar com um dado verde amarelado (ou verde azulado) um verde menos amarelado (ou azulado), ou de o escolher num número de amostras de cor. Um verde menos amarelado, todavia, não é um verde azulado (e vice-versa) e é preciso escolher agora — ou obter

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por mistura — um verde nem amarelado nem azulado. E digo "ou obter por mistura", porque um verde não é igualmente amarelado e azulado, porque se obtém pela mistura do amarelo e do azul.

159. Considero que as coisas se podem refletir numa superfície branca polida de modo que os seus reflexos parecem estar atrás da superfície e, num certo sentido, se vêem através dela.

160. Se eu disser que um papel é branco puro e o colocar ao lado da neve e então ele parecer cinzento, num contexto normal e para fins habituais, chamar-lhe-ia branco e não cinzento claro. Podia ser que utilizasse, digamos, num laboratório, um outro conceito de branco e, num certo sentido, mais refinado. (Como por vezes também utilizo um conceito mais refinado de determinação "precisa" do tempo).

161. As cores puras e saturadas são essencialmente caracterizadas por uma claridade relativa. O amarelo, por exemplo, é mais claro que o vermelho. Será o vermelho mais claro que o azul? Não sei.

162. Quem tenha aprendido o conceito de cores intermédias, que domine a sua técnica e tenha assim descoberto ou obtido por mistura tons de cor que são mais esbranquiçados, mais amarelados, mais azulados que esses tons, e assim por diante, é agora solicitado a escolher ou a obter por mistura um verde avermelhado.

163. Alguém familiarizado com um verde avermelhado estaria em posição de produzir uma série de cores que começasse com o vermelho e acabasse no verde e que constituísse também para nós uma transição contínua entre as duas cores. Talvez então descobríssemos que no ponto onde vemos sempre o mesmo tom de castanho, esta pessoa visse, umas vezes, castanho e, outras, verde avermelhado. Pode ser que, por exemplo, ela possa diferenciar entre as cores de dois compostos químicos, que para nós teriam a mesma cor, e chame a um "castanho" e ao outro "verde avermelhado".

164. Para descrever os fenômenos do daltonismo vermelho-verde, preciso apenas de dizer o que o daltônico vermelho-verde não pode aprender; mas, para descrever o "fenômeno

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da visão normal", teria de enumerar as coisas que podemos fazer.

165. Quem descreve os "fenômenos do daltonismo", descreve apenas os desvios do daltônico em relação ao normal, e não a sua visão em geral.Mas não poderia descrever também os desvios da visão normal em relação à cegueira total? Poderia perguntar-se: Quem aprenderia com isso? Poderá alguém ensinar-me que eu vejo uma árvore?E o que é uma "árvore"; e o que é "ver"?

166. Podemos dizer, por exemplo: Eis como uma pessoa age com uma venda nos olhos, e como age, sem a venda, alguém provido do sentido da vista. Com a venda, ela reage desta e desta maneira; sem a venda, caminha apressadamente pela rua, saudando os seus conhecidos, acenando a este ou aquele, evitando melhor os carros e as bicicletas quando atravessa as ruas, etc, etc. Mesmo quando se trata de recém-nascidos, sabemos que podem ver porque acompanham os movimentos com os olhos, etc, etc. — A questão é esta: Quem é que deverá entender essa descrição? Apenas os que vêem, ou também os cegos?Faz sentido dizer, por exemplo, "os que vêem distinguem com os olhos uma maçã madura de uma verde". Mas não: "os visuais distinguem uma maçã verde de uma vermelha". Porque, afinal, o que será o "vermelho" e o "verde"?Nota à margem: "O que vê distingue uma maçã, que lhe aparece verde, de uma que lhe aparece vermelha".Mas não posso dizer: "Distingo este tipo de maçãs de um outro" (enquanto aponto para uma maçã vermelha e para uma maçã verde)? E se alguém apontar para duas maçãs que me parecem exatamente iguais, dizendo isso?! Por outro lado, poderia dizer-me "ambas te parecem exatamente iguais e, por isso, podes confundi-las; mas eu vejo uma diferença e posso reconhecer cada uma delas em qualquer momento". Isto pode confirmar-se através de uma experiência.

167. Qual a experiência que me ensina que eu diferencio entre o vermelho e o verde?

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168. A psicologia descreve os fenômenos da visão. A quem os descreverá ela? Que ignorância pode eliminar esta descrição?

169. Se alguém que vê tivesse ouvido falar de um cego, — não lhe poderíamos descrever o comportamento das pessoas cegas?

170. Posso dizer: "Os daltônicos não podem distinguir uma maçã verde de uma vermelha". E isto pode ser demonstrado. Mas poderei dizer: "Distingo uma maçã verde de uma vermelha"? Bem, talvez pelo gosto. — E ainda, por exemplo: "Consigo distinguir uma maçã a que chamam 'verde' de uma a que chamam 'vermelha', por conseguinte, não sou daltônico".

171. Este papel varia de claridade em diversos pontos, mas parecer me cinzento nos pontos mais escuros? A sombra que a minha mão projeta é, em parte, cinzenta. Vejo brancas as partes do papel que estão mais distantes da luz, ainda que sejam mais escuras, mesmo quando para as pintar tivesse de misturar um cinzento. Não será isto semelhante ao fato de vermos freqüentemente um objeto distante apenas como distante, e não como mais pequeno? Assim, não podemos dizer: "Noto que parece mais pequeno, e daí concluo que está mais distante", mas noto que ele está mais distante, sem poder dizer como o notei.

172. A impressão causada por um meio transparente (e colorido) é a de que alguma coisa está atrás dele. Assim, se tivermos uma imagem visual totalmente monocromática, a impressão não poderá ser a da transparência.

173. Uma coisa branca atrás de um meio transparente e colorido surge com a cor do meio, uma coisa preta surge preta. De acordo com esta regra um desenho preto num papel branco, atrás de um meio transparente e branco teria de aparecer tal como se estivesse atrás de um meio colorido.Isto não é uma proposição da física, mas uma regra de interpretação espacial da nossa experiência visual. Podíamos dizer também que é uma regra para pintores: "Se quiseres representar algo branco atrás de algo que seja transparente e vermelho, terás de o pintar vermelho". Se o pintares de

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branco, não parecerá como se estivesse atrás de uma coisa vermelha.

174. Nos sítios onde há um pouco menos de luz sobre o papel branco, ele não parece cinzento, mas sempre branco.

175. A questão é esta: Como terá de ser a nossa imagem visual se tiver de nos mostrar um meio transparente? Como terá de aparecer, por exemplo, a cor do meio? Falando em termos de física — embora aqui não nos interessem diretamente as leis da física — tudo o que se vir através de um vidro verde tem de parecer verde mais ou menos escuro. O tom mais claro seria o do meio. O que se vê através do meio é, então, semelhante a uma fotografia. Se agora aplicarmos isto ao vidro branco, tudo teria novamente de parecer como se fosse fotografado, mas em tons entre o branco e o preto. E se houvesse um vidro assim — por que lhe não deveríamos chamar branco? Há alguma coisa a dizer contra isto, claudica em algum ponto a analogia com vidros de outras cores?

176. Um cubo de vidro verde parece verde quando está diante de nós. A impressão global é verde; desta maneira, a do cubo branco devia também ser branca.

177. Onde é que o cubo nos deve surgir branco para lhe podermos chamar branco e transparente?

178. Não haverá para o branco nada de análogo ao vidro verde transparente, porque as semelhanças e contrastes entre o branco e as outras cores são diferentes das que há entre o verde e as outras cores?

179. Quando a luz o atravessa, o vidro vermelho projeta uma luz vermelha. Como seria, então, a luz projetada através de um vidro branco? O amarelo tornar-se-ia esbranquiçado numa tal luz, ou apenas mais claro? E o preto tomar-se-ia cinzento ou permaneceria preto?

180. Não nos preocupamos aqui com os fatos da física, exceto quando eles determinam as leis que governam a maneira como as coisas aparecem à vista.

181. Não é imediatamente claro qual o vidro transparente que diríamos ter a "mesma cor" que um pedaço de papel verde.

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182. Se o papel é, por exemplo, cor-de-rosa, lilás ou azul-celeste, imaginaremos o vidro um pouco nebuloso, mas também o poderemos supor como vidro claro ligeiramente avermelhado, etc. Eis porque uma coisa incolor se diz por vezes "branca".

183. Poderia dizer-se que a cor de um vidro transparente é aquela em que aparece uma fonte de luz branca, vista através desse vidro.Mas, vista através de um vidro incolor, ela aparece branca não enevoada.

184. 184. No cinema, é possível ver com freqüência a ação tal como se ocorresse atrás do ecrã, como se o ecrã fosse transparente como uma placa de vidro. Ao mesmo tempo, contudo, a cor seria removida dos acontecimentos e apenas o branco, o cinzento e o preto atravessariam o vidro. Mas ainda não somos tentados a chamar-lhe uma superfície de vidro branca e transparente.Como veríamos, então, as coisas através de uma placa de vidro verde? Uma diferença seria a de que o vidro verde diminuiria a diferença entre a claridade e a escuridão, enquanto o outro não teria qualquer efeito sobre esta diferença. Uma placa cinzenta e transparente tê-lo-ia diminuído um pouco.

185. Dir-se-ia que uma placa de vidro verde dá às coisas a sua cor. Mas a minha placa "branca" também o fará? — Se o meio verde dá às coisas a sua cor, então fá-lo sobretudo às coisas brancas.

186. Uma fina película de um meio colorido colora as coisas apenas ligeiramente: como as colorirá um vidro fino e "branco"? Não lhes removerá todas as cores?

187. "Não deveríamos poder pensar que a água branca é pura..." Isto é: Não pode descrever-se como uma coisa branca pode parecer transparente; e isto significa: Não se sabe que descrição estas palavras se exige.

188. Não queremos encontrar uma teoria das cores (nem fisiológica, nem psicológica) mas apenas a lógica dos conceitos de cor. E esta proporciona o que muitas vezes injustamente se esperou de uma teoria.

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189. Para explicar a alguém os nomes das cores, apontando para pedaços coloridos de papel, não se aflora ainda o conceito de transparência. E este o conceito que tem relações dissemelhantes com os diferentes conceitos de cor.

190. Assim, se alguém quisesse dizer que nem mesmo reparamos que os conceitos das diversas cores são tão diferentes, teríamos de responder que apenas deu atenção à analogia (à identidade) entre estes conceitos, ao passo que as diferenças estão nas relações com os outros conceitos. [Uma melhor observação a este respeito. ]

191. Se uma placa de vidro verde dá uma cor verde às coisas que estão atrás de si, então muda o branco para amarelo esverdeado, o azul para azul esverdeado. Por conseguinte, a placa branca deveria tornar tudo esbranquiçado, isto é, tudo pálido; então por que não faria do preto um cinzento? — Até um vidro amarelo torna as coisas mais escuras; deve também o vidro branco tornar as coisas mais escuras?

192. Todo o meio colorido torna mais escuras as coisas que se vêem através dele porque absorve luz: deve então o meu vidro branco escurecer também as coisas, e tanto mais quanto mais espesso for? Mas deve deixar branco o branco. Então, o "vidro branco" seria realmente um vidro escuro.

193. Se através dele o verde se torna esbranquiçado, por que é que o cinzento não se torna mais esbranquiçado, e por que é que o preto não se torna cinzento?

194. O vidro colorido não pode tornar mais claras as coisas atrás de si: que deve então acontecer, por exemplo, com algo verde? Será que eu veria verde-cinzento? Como é que algo verde se deve ver através desse vidro? Verde-esbranquiçado?

195. Se todas as cores se tornassem esbranquiçadas, a imagem perderia cada vez mais profundidade.

196. O cinzento não é um branco mal iluminado, o verde escuro não é um verde claro mal iluminado.É verdade que dizemos "de noite todos os gatos são pardos", mas realmente isto significa: Não podemos distinguir a sua cor e poderiam ser pardos.

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197. Onde reside aqui a diferença decisiva entre o branco e as outras cores? Reside na assimetria que detém no octaedro das cores? Ou é antes a posição desigual das cores em relação à escuridão e à luminosidade?

198. Que pintaria um pintor se quisesse criar o efeito de um vidro branco e transparente?Deverão o vermelho e o verde (etc.) tornar-se esbranquiçados?

199. A diferença não estará simplesmente no fato de que todos os vidros coloridos dão a sua cor ao branco, enquanto o meu vidro o deixou inalterado ou apenas o escurece?

200. Visto através de um vidro colorido, o branco aparece com a cor do vidro. Esta é uma regra da aparência da transparência. Por isso, através de um vidro branco, o branco aparece branco, isto é, tal como através de um vidro incolor.

201. Lichtenberg fala de "branco puro" e com isso quer dizer a mais clara das cores. Ninguém poderia dizer o mesmo do amarelo puro.

202. É estranho dizer que o branco é sólido, pois também o amarelo e o vermelho podem ser cores de superfície e, como tal, não as diferenciamos categoricamente do branco.

203. Se tivermos um cubo branco com diferentes intensidades de iluminação nas suas superfícies e observamos através de um vidro amarelo, ele aparece agora amarelo e as suas superfícies surgem ainda diferentemente iluminadas. Como apareceria através de um vidro branco? E como deve aparecer um cubo amarelo através de um vidro branco?

204. Seria como se lhe misturássemos branco, ou como se tivéssemos misturado cinzento com as suas cores?

205. Não poderia um vidro deixar inalterados o branco, o preto e o cinzento, e tornar esbranquiçadas as restantes cores? E não se aproximaria assim de um vidro branco e transparente? O efeito seria então como o de uma fotografia, que ainda retém um vestígio das cores naturais! O grau de escuridão de cada cor teria de ser preservado, e certamente não diminuído.

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206. Tanto quanto posso antever, uma teoria física (tal com a de Newton) não pode resolver os problemas que motivaram Goethe, mesmo se nem ele próprio os resolveu.

207. Se eu olhar um vermelho puro através de um vidro e ele parecer cinzento, foi de fato o vidro que forneceu à cor o conteúdo cinzento? Isto é: ou ela apenas aparece assim?

208. Por que sinto que um vidro branco, se colorir qualquer coisa, tem de colorir o preto, ao passo que não posso admitir o fato de que o amarelo é absorvido pelo preto? Não será porque o vidro colorido, mas claro, deve, acima de tudo, colorir o branco, e se não o fizer e for branco, então é turvo?

209. Se se olhar uma paisagem com os olhos semi-cerrados, as cores tornam-se menos claras e todas as coisas começam a tomar as características do preto e branco; mas será que isto me parece como se eu visse através de uma placa colorida com uma ou outra cor?

210. Freqüentemente, diz-se que o branco não é colorido. Porquê? (Fazêmo-lo até quando não pensamos na transparência).

211. É estranho que o branco apareça, por vezes, nas mesmas condições que as outras cores puras (como nas bandeiras) e, outras vezes, não.Por que é que, por exemplo, um verde esbranquiçado ou vermelho se diz "não saturado"? Por que é que o branco, mas não o amarelo, enfraquece estas cores? Será isto um assunto da psicologia (do efeito) das cores, ou da sua lógica? Bem, o fato de usarmos certas palavras tais como "saturado", "sujo", etc, é um assunto psicológico; mas que façamos um distinção nítida, indica que é um assunto conceptual.

212. Relaciona-se isto com o fato de que o branco elimina gradualmente todos os contrastes, enquanto o vermelho não o faz?

213. O mesmo tema musical tem, no modo menor, características diferentes das que possui no modo maior; mas é completamente errado falar das características do modo menor em geral. (Em Schubert, o modo maior soa freqüentemente mais triste que o modo menor). Neste

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sentido, estamos realmente a pensar apenas em usos especiais. Se o verde, como cor de uma toalha de mesa, tiver um efeito e o vermelho o outro, isso não nos permite delinear quaisquer conclusões sobre o seu efeito num quadro.

214. O branco elimina todas as cores — também o vermelho o fará?

215. Por que é que não existe luz castanha nem cinzenta? Não existirá também luz branca? Um corpo luminoso pode surgir branco, mas nunca castanho ou cinzento.

216. Por que é que não se pode imaginar um cinzento-quente? Por que é que não o podemos pensar como um grau menor do branco-quente?

217. Se algo que parece luminoso não pode também surgir como cinzento, isso deve ser uma indicação de que algo luminoso e incolor se chama sempre "branco"; isto ensina-nos alguma coisa sobre o nosso conceito de branco.

218. Uma luz branca e fraca não é uma luz cinzenta.

219. Mas o céu, que ilumina tudo o que vemos, pode ser cinzento! E como é que sei, pela sua aparência apenas, que ele próprio não é luminoso?

220. Isto é: Uma coisa é "cinzenta" ou "branca" apenas num contexto determinado.

221. Não estou aqui a dizer o que dizem os psicólogos da forma: Que a impressão do branco surge desta ou daquela maneira. A questão é antes a seguinte: Que é a impressão do branco, qual o significado desta expressão, qual a lógica do conceito "branco"?

222. Pois, o fato de não podermos conceber alguma coisa "cinzenta-quente" não pertence à psicologia das cores.

223. Imaginem que alguém nos dizia que uma substância arde com chama cinzenta. No entanto, não conheces as cores das chamas de todas as substâncias: então, por que é que tal não seria possível? Mas isso nada significaria ainda. Se eu ouvisse uma coisa assim, pensaria apenas que a chama era fracamente luminosa.

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224. O que parece luminoso não parece cinzento. Tudo o que é cinzento parece iluminado.Que alguma coisa possa "parecer luminosa" depende da distribuição da luminosidade no que se vê, mas também pode acontecer "ver alguma coisa como luminosa"; sob certas circunstâncias, pode tomar-se a luz refletida pela luz de um corpo luminoso.

225. Poderia, então, ver uma coisa ora como mal iluminada, ora como cinzenta.

226. O que vemos como luminoso, não o vemos como cinzento. Mas podemos certamente vê-lo como branco.

227. Falamos de uma "luz vermelho escuro", mas não de uma "luz vermelho-negro".

228. Existe a impressão da luminosidade.

229. Não é a mesma coisa dizer que a impressão do branco ou do cinzento ocorre apenas sob estas circunstâncias (casualmente), e dizer que é a impressão de um certo contexto (definição). (Além, é psicologia da forma; aqui, é lógica).

230. O "fenômeno primordial", é, por exemplo, o que Freud julgou reconhecer nos simples sonhos de realização do desejo. O fenômeno primordial é uma idéia pré-concebida que se apossa de nós.

231. Se um fantasma me aparecesse durante a noite, podia brilhar com uma luz fraca e esbranquiçada. Mas se parecesse cinzento, então, a luz teria de parecer como se viesse de outro lado.

232. A psicologia, quando fala da aparência, liga-a com o ser. Mas podemos falar da aparência apenas, ou ligar a aparência com a aparência.

233. Poderia dizer-se que a cor do fantasma é aquela que tenho de misturar na paleta para o pintar rigorosamente.Mas como se determina o que é a pintura exata?

234. A psicologia relaciona o vivido com algo físico; mas nós relacionamos o vivido com o vivido.

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235. Poderia pintar-se a semi-obscuridade na semi-obscuridade. E a "luminosidade correta" de uma pintura poderia ser a semi-obscuridade. (cenografia).

236. Uma superfície branca e polida pode ser refletora: e, então, se cometêssemos um erro e o que parecia refletir-se nessa superfície estivesse realmente atrás dela e fosse visto através dela? A superfície seria então branca e transparente? Mesmo assim, o que vemos não corresponderia a algo colorido e transparente.

237. Falamos de um "espelho negro". Mas quando ele reflete, escurece obviamente, mas não parece preto, e o seu preto não "suja".

238. Por que é que o verde, e não o branco, é submerso pelo preto?

239. Há conceitos de cor que só se referem à aparência visual de uma superfície, e poderia haver os que só se referem à aparência de meios transparentes, ou, melhor, à impressão visual desses meios. Poder-se-ia não querer chamar "branco" a um brilho intenso na prata, e diferenciá-lo da cor branca de uma superfície. Daqui, creio eu, surge o discurso sobre a luz "transparente".

240. Se ensinássemos a uma criança os conceitos de cor apontando para chamas coloridas ou corpos transparentes e coloridos, a peculiaridade do branco, do cinzento e do preto mostra-se-ia mais claramente.

241. E fácil de ver que os conceitos de cor não são logicamente idênticos. E fácil de ver a diferença entre os conceitos "cor do ouro" ou "cor de prata" e "amarelo" ou "cinzento".Mas é difícil ver que existe uma certa afinidade na diferença entre o "branco" e o "vermelho".

242. O leite não é opaco por ser branco, — como se o branco fosse algo de opaco.Se o "branco" é um conceito que se refere apenas a uma superfície visual, porque não existirá um conceito de cor, relacionado com o "branco", que se refira a coisas transparentes?

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243. Não se quererá designar por cor branca a um meio, através do qual aparece inalterado um padrão preto-e-branco (um tabuleiro de xadrez). Mesmo ele já tornou esbranquiçadas as cores restantes.

244. O cinzento e o branco pouco iluminado ou pouco luminoso podem, num certo sentido, ser a mesma cor; pois, quando pinto a segunda cor, devo ter de misturar a primeira paleta.

245. O fato de ver alguma coisa cinzenta ou branca pode depender de como vejo as coisas iluminadas à minha volta. Para mim, num contexto, a cor é branca sob uma má iluminação, outro, é cinzenta sob uma boa iluminação.

246. O balde que vejo à minha frente tem um brilho branco e vítreo; de nenhuma maneira podia chamar-lhe cinzento ou dizer: "Vejo realmente cinzento". Mas tem uma luz brilhante, que é de longe mais clara que o resto da sua superfície e, por ser redondo, há uma transição gradual da luz para a sombra, sem parecer, no entanto, colorido de uma maneira diferente.

247. Qual é a cor do balde neste sítio? Como poderia eu decidir esta questão?

248. Não há realmente, fenomenologia mas, sim, problemas fenomenológicos.

249. Gostaríamos de dizer: a adição do vermelho não dilui as cores como a adição do branco.Por outro lado, não percepcionamos sempre o cor-de-rosa ou um azul esbranquiçado como cores rarefeitas.

250. Podemos dizer que "o cinzento luminoso é branco"?

251. As dificuldades que encontramos ao refletirmos sobre a natureza das cores (aquelas com que Goethe deparou através da teoria das cores), já reside i no fato de não termos apenas um, mas vários conceitos de identidade das cores, entre si aparentados.

252. Eis a questão: Como terá de ser a imagem visual, se temos de dizer que é a de um meio transparente e colorido?Ou ainda: Como deve ser a aparência de algo para que nos pareça colorido e transparente? Isto não é uma questão da física, mas relaciona-se com questões físicas.

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253. Qual a natureza da imagem visual a que chamamos imagem de um meio colorido e transparente?

254. Parece existir o que se chama "cores de substâncias" e "cores de superfícies".

255. Os nossos conceitos de cor referem-se, por vezes, a substâncias (a neve é branca), por vezes, a superfícies (esta mesa é castanha), por vezes, à iluminação (a luz avermelhada ao anoitecer), por vezes, aos corpos transparentes. E não há também uma aplicação a um ponto do campo visual logicamente independente de um contexto espacial?Não poderei dizer "ali vejo branco" (e pintá-lo, por exemplo), mesmo se não posso de modo algum fornecer uma interpretação tridimensional da imagem visual? (Salpicos de cor). (Estou a pensar na pintura pontilhista).

256. Ser capaz de nomear em geral uma cor não é o mesmo que ser capaz de a copiar exatamente. Talvez eu possa dizer "vejo ali um ponto avermelhado" e, no entanto, não posso misturar uma cor que reconheço como exatamente a mesma.

257. Tenta, por exemplo, pintar o que vês quando fechas os olhos! E, todavia, podes descrevê-lo aproximadamente.

258. Penso nas cores da prata, do níquel, do cromo, etc, polidos, ou na cor de um risco nestes metais.

259. Dou a uma cor o nome "F" e digo que é a cor que vejo ali. Ou pinto talvez a minha imagem visual e digo então, simplesmente "vejo isto". Ora, que cor está neste ponto da minha imagem? Como é que a determino? Introduzo, digamos, a palavra "azul-cobalto": como é que fixo o que é "C"? Poderia tomar como paradigma desta cor um papel ou a tinta no recipiente. Como é que agora determino que (por exemplo) uma superfície tem esta cor? Tudo depende do método de comparação.

260. O que podemos chamar a impressão total e "colorida" de uma superfície não é de modo algum um tipo de média aritmética de todas as cores da superfície.

261. "Eu vejo (ouço, sinto, etc.) X" "Eu observo X"

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X não representa o mesmo conceito na primeira e na segunda vez, ainda que a mesma expressão, por exemplo, "uma dor", figure em ambos os casos. Pois, à primeira proposição podia seguir-se a questão "que tipo de cor" e a que poderíamos responder picando o inquiridor com uma agulha. Mas se a questão "que tipo de dor?" seguisse a segunda proposição, a resposta teria de ser de outro gênero, por exemplo, "a dor na minha mão".

262. Eu gostaria de dizer: "Neste ponto do meu campo visual, está esta cor (prescindindo completamente de qualquer interpretação)." Mas para que usaria esta proposição? Esta cor tem, sem dúvida, de ser uma que possa reproduzir. E tem de determinar-se sob que circunstâncias digo que alguma coisa tem esta cor.

263. Imagina que alguém aponta para um lugar na íris num rosto de Rembrandt e dizia: "A parede do meu quarto devia ser pintada desta cor."

264. O fato de podermos dizer "este ponto no meu campo visual é verde-cinzento" não significa que saibamos o que chamar a uma cópia exata deste tom de cor.

265. Pinto a vista da minha janela: pinto com ocre um ponto particular, determinado pela sua posição na arquitetura de uma casa. Digo: "Vejo este ponto com esta cor".Isso não significa que vejo a cor ocre nesse ponto, pois, em tal contexto, o pigmento pode aparecer mais claro ou mais escuro ou mais avermelhado (etc.) do que o ocre.Talvez possa dizer "Vejo este ponto da maneira como o pintei aqui (com ocre); a saber, como amarelo avermelhado".E se alguém me pedisse para indicar o tom exato da cor que aqui me aparece? Como é que o indicaria e como é que o determinava? Podiam pedir-me, por exemplo, que reproduzisse uma amostra de cor, um pedaço de papel retangular com esta cor. Não digo que uma tal comparação seja desprovida de todo o interesse, mas mostra que não é inicialmente claro como que os tons de cor se comparam, portanto, o que aqui significa a "identidade das cores".

266. Imaginemos uma pintura cortada em pequenos pedaços quase monocromáticos que se usem com peças de um

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quebra-cabeças. Mesmo quando um destes pedaços não é monocromático, não indicaria nenhuma forma tridimensional, mas surgiria como uma mancha colorida e plana. Apenas em conjunto com os outros pedaços seria um pouco de céu, uma sombra, uma luz brilhante, uma superfície côncava ou convexa, etc.

267. Poderia, pois, dizer-se que este quebra-cabeças mostra as cores genuínas dos vários pontos da pintura.

268. Poderíamos ter tendência para acreditar que uma análise dos nossos conceitos de cor conduziria finalmente às cores dos lugares no nosso campo visual, que seriam independentes de qualquer interpretação espacial ou física, pois neste caso não haveria iluminação, nem sombra, nem luz brilhante, nem transparência, nem opacidade, etc.

269. O que nos surge como uma linha clara e monocromática sem largura, sobre um fundo escuro, pode parecer branco, mas não cinzento (?). Um planeta não podia parecer cinzento claro.

270. Mas, sob certas circunstâncias, não interpretaríamos o ponto ou a linha como cinzento? (Pensa numa fotografia).

271. Será que na fotografia vejo realmente louro o cabelo do rapaz?! — Vejo-o cinzento?Será que apenas concluo que aquilo que parece assim na fotografia tem de ser louro na realidade?Num certo sentido, vejo-o louro, noutro sentido, cinzento mais ou menos claro.

272. "Vermelho escuro" e "vermelho enegrecido" não são a mesma espécie de conceitos. Um rubi pode parecer vermelho escuro quando olhamos através dele, mas, se for transparente, não pode parecer vermelho enegrecido. O pintor pode representá-lo com uma porção de vermelho enegrecido, mas na pintura esta porção não terá o efeito de vermelho enegrecido. Ver-se-a como se tivesse profundidade, assim como o plano aparecerá tridimensional.

273. Num filme, tal como numa fotografia, o rosto e o cabelo não parecem cinzentos; causam uma impressão muito natural. Por outro lado, num filme, a comida num prato parece freqüentemente cinzenta e, portanto, nada apetitosa.

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274. Mas que significa que o cabelo pareça louro numa fotografia? De onde advém que ele pareça assim, em oposição à nossa simples conclusão de que permite dizer isso? — Não parece branca uma cabeça de pedra ou de gesso?

275. Se a própria palavra "louro" pode soar loura, então é ainda mais fácil, para o cabelo fotografado, parecer louro.

276. Para mim, seria muito natural descrever a fotografia com estas palavras: "Um homem com cabelo escuro e um rapaz com cabelo louro puxado para trás estão diante de uma máquina". E assim que eu descreveria a fotografia; e se alguém dissesse que isso não a descreveria, mas sim os objetos que foram provavelmente fotografados, eu diria que a gravura parece como se o cabelo tivesse essa cor.

277. Se me pedissem que descrevesse a fotografia, tê-lo-ia feito com estas palavras.

278. Os daltônicos compreendem a afirmação de que são daltônicos. Os cegos de que são cegos. Mas não podem aplicar essas proposições em tantas maneiras diferentes como o fazem as pessoas normais. Pois, assim como estas dominam os Jogos de linguagem como, por exemplo, palavras de cores, que eles não podem aprender, podem dominar também jogos de linguagem com as palavras "daltônico" e "cego".

279. Pode alguém explicar a um cego o que é ver? — Certamente; o cego aprenderá bastante sobre a diferença entre ele próprio e aquele que vê e, no entanto, queremos responder negativamente a esta questão. — Mas não estará ela feita de forma enganadora? Pode descrever-se, tanto a alguém que não jogue futebol como a alguém que jogue, "como é que se joga futebol.", ao segundo talvez para que prove a exatidão dessa descrição. Pode então descrever-se a alguém que vê o que é ver? Mas pode certamente explicar-se-lhe o que é a cegueira! Isto é, podemos descrever-lhe o comportamento característico de uma pessoa cega e podemos vendar-lhe os olhos. Por outro lado, não podemos fazer que um cego veja por um instante; podemos, contudo, descrever-lhe como se comportam os que vêem.

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280. Poderemos dizer que o "daltonismo" (ou a cegueira) é um fenômeno e a "visão" não?Isso significaria: "Eu vejo" é uma expressão, "eu sou cego" não é. Mas, pesar de tudo, isso não é verdade. As pessoas na rua tomam-me freqüentemente por cego. Poderia dizer a alguém que me toma por cego: "eu vejo", isto é, não sou cego.

281. Poderia dizer-se: é um fenômeno a existência de pessoas que não podem aprender isto ou aquilo. Este fenômeno é o daltonismo. — Seria, por isso, uma incapacidade; ver, contudo, seria uma capacidade.

282. Digo a B, que não sabe jogar xadrez: "A não pode aprender xadrez". B pode compreender isto. — Mas agora digo a alguém que é absolutamente incapaz de aprender qualquer jogo: "Este e este não podem aprender a jogar". O que é que ele sabe da natureza do jogo? Não pode ele ter, por exemplo, um conceito de jogo completamente errado? Bem, talvez compreenda que não podemos convidá-lo nem a ele nem ao outro para uma partida, porque não podem jogar jogo algum.

283. Será que tudo aquilo que aqui quero dizer advém do fato de as expressões "vejo um círculo vermelho" e "vejo, não sou cego" serem logicamente diferentes? Como é que testamos um homem para descobrir se a segunda é verdadeira? A psicologia ensina-nos como determinar o daltonismo e, da mesma maneira, também a visão normal. Mas quem pode aprender isto?

284. Não posso ensinar a alguém um jogo que eu próprio não consigo aprender. Um daltônico não pode ensinar uma pessoa normal o uso normal das palavras de cores. Isto é verdade? Não lhe pode demonstrar o jogo, o uso.

285. Não poderia a um membro de uma tribo de daltônicos ocorrer a idéia de imaginar uma estranha espécie de seres humanos (a quem chamaríamos "de visão normal")? Não poderia ele, por exemplo, representar num palco uma pessoa de visão normal? Da mesma maneira que é capaz de representar alguém que tenha o dom da profecia, sem ele próprio o ter. Isto é, pelo menos, concebível.

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286. Mas ocorreria alguma vez aos daltônicos chamar "daltônicos" a si próprios? — Por que não? Mas como poderiam as "pessoas de visão normal" aprender o uso "normal" das palavras de cores, se fossem as exceções de uma população de daltônicos? — Não é possível que elas usem justamente as palavras de cores de maneira "normal" e que talvez aos olhos dos outros cometem certos erros, até que os outros aprendam finalmente a apreciar essas capacidades não habituais?

287. Posso imaginar (pintar) como se afiguraria a mim o encontro com uma tal pessoa.

288. Posso imaginar como se comportaria um homem que considera sem importância o que para mim é importante. Mas poderei imaginar o seu estado? — O que significa isto? Posso imaginar o estado de alguém que considera importante o que para mim é importante?

289. Eu poderia até imitar exatamente alguém que está a fazer um problema de multiplicação, sem eu próprio ser capaz de aprender a multiplicar.E não poderia ensinar outros a multiplicar, embora seja concebível que impelisse alguém a aprendê-lo.

290. Um daltônico pode obviamente descrever o teste em que se descobriu o seu daltonismo. E aquilo que ele subseqüentemente puder descrever, poderia também tê-lo inventado.

291. Pode alguém descrever a outrem altas matemáticas sem assim lhas ensinar? Ou então: E esta instrução uma descrição do mesmo tipo de cálculo? Descrever a alguém o jogo do tênis não é ensiná-lo (e vice-versa). Por outro lado, quem não soubesse o que é. (Knowledge by description and knowledge by acquaintance).

292. Quem tem ouvido absoluto pode aprender um jogo de linguagem que eu não posso aprender.

293. Poderia dizer-se que os conceitos dos homens mostram o que lhes interessa e o que lhes não interessa. Mas não como se isto explicasse os conceitos particulares que têm. É apenas para excluir a concepção de que nós teríamos conceitos certos, e as outras pessoas, conceitos falsos. (Há

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uma continuidade entre um erro de cálculo e um modo diferente de cálculo.)

294. Quando os cegos falam, como gostam de o fazer, do céu azul e de outros fenômenos visuais específicos, a pessoa que vê diz freqüentemente "quem sabe o que ele imagina sobre isso". Mas por que não diz o mesmo acerca de outra pessoa de visão normal? E evidentemente uma expressão errada.

295. Aquilo sobre que estou a escrever tão fatigadamente pode ser óbvio para alguém com o espírito menos decrépito.

296. Dizemos: "Imaginemos homens que não conhecem este jogo de linguagem". Mas isto não nos oferece qualquer idéia clara sobre a vida destas pessoas, no ponto em que se desvia da nossa. Ainda não sabemos o que havemos de imaginar, pois, no resto, a vida destas pessoas deve supostamente corresponder à nossa, e primeiro teria de se determinar o que, sob as novas circunstâncias, chamaríamos uma vida correspondente à nossa.Isto não é o mesmo que dizer: Haverá pessoas que joguem xadrez sem o rei? Imediatamente se levantam questões: Quem vence então, quem perde, etc. Tens de tomar decisões mais amplas que ainda não tinhas previsto nesse primeiro enunciado. Como não tens uma visão da técnica original, familiarizas-te com ela apenas de caso para caso.

297. Também faz parte do fingimento olhar os outros como capazes de fingimento.

298. Se os seres humanos se comportassem de tal forma que tendêssemos a suspeitar deles por fingimento, mas não mostrassem desconfiança entre si, então isto não apresentaria um quadro de pessoas que fingem.

299. "Temos sempre de nos espantar de novo com estas pessoas".

300. Podíamos representar certas pessoas no palco e pôr nos seus monólogos (apartes) coisas que na vida real naturalmente não diriam alto, mas que todavia corresponderiam aos seus pensamentos. Mas não poderíamos representar deste modo uma espécie estranha de humanos. Mesmo que pudéssemos prever o seu comportamento, não poderíamos dar aos seus monólogos os

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apartes apropriados.E, no entanto, há qualquer coisa de errado nesta maneira de ver coisas. Pois, alguém pode, de fato, dizer alguma coisa a si próprio enquanto vai fazendo coisas e isto podia ser absolutamente convencional.

301. O fato de eu poder ser amigo de alguém depende de que ele tenha as mesmas possibilidades que eu próprio tenho, ou antes, semelhantes.

302. Seria correto dizer que os nos os conceitos refletem a nossa vida?Eles estão no meio dela.

303. A sujeição a regras, própria da nossa língua, impregna a nossa vida.

304. De quem diríamos que não tem o nosso conceito de dor? Eu poderia admitir que ele não conhece a dor, mas quero admitir que a conhece; ele fornece, pois, expressões de dor e poderíamos ensinar-lhe as palavras "tenho uma dor". Será também capaz de recordar a sua dor? — Reconhecerá nos outros expressões de dor; e como é que isso se revela? Mostrará pena? — E entenderá uma dor fingida como tal?

305. "Não sei como ele estava irritado". "Não sei se ele estava realmente irritado". — Sabia-o ele próprio? Bem, perguntamos-lhe e ele diz, "sim, estava".

306. Que é, então, esta incerteza sobre se a outra pessoa estava ou não irritada? Será um estado psíquico de uma pessoa insegura? Por que é que ele tem a ver conosco? Isso reside no uso da expressão "ele está irritado".

307. Mas um é inseguro, o outro pode estar seguro: ele "conhece a expressão do rosto" desta pessoa quando ela está irritada. Como é que aprende a conhecer o sinal de irritação como tal? Não é fácil de dizer.

308. Não só: "O que significa estar inseguro sobre o estado da outra pessoa"? — Mas também: "O que significa "saber", estar seguro de que essa pessoa está irritada"?

309. Aqui poderia perguntar-se o que quero realmente, até que ponto quero lidar com a gramática.

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310. A certeza de que ele me visitará e a certeza de que ele está irritado têm qualquer coisa em comum. O jogo de tênis e o jogo de xadrez têm também qualquer coisa em comum; mas ninguém diria aqui: "E muito simples: jogam em ambos os casos, só que coisas diferentes". Este caso mostra-nos a dissemelhança com "uma vez, ele come uma maçã, outra vez, uma pera", enquanto no outro caso não é assim tão fácil de ver.

311. "Eu sei que ele chegou ontem" "Eu sei que 2x2 = 4" — "Eu sei que ele tinha uma dor" — "Eu sei que está aí uma mesa".

312. De cada vez que sei, saberei sempre algo de diferente? Seguramente, — mas os jogos de linguagem são muito mais diversos do que nos vem à consciência nestas proposições.

313. "O mundo dos objetos físicos e o mundo da conseqüência". Que sei eu do segundo? O que me ensinam os meus sentidos? Ou seja, o que é que nos ocorre quando vemos, ouvimos, sentimos, etc., etc. — mas será que aprendo realmente isso? Ou aprendo como é quando agora vejo, ouço, etc, e creio que antes também foi assim?

314. Que é, afinal, o "mundo" da consciência? Aí, gostaria de dizer: "o que se passa no meu espírito, o que se passa nele agora, o que vejo, ouço,..." — Não poderíamos simplificar isso e dizer: "O que estou a ver agora".

315. A questão é clara: como é que comparamos objetos físicos — como comparamos vivências?

316. O que é afinal o "mundo da consciência"? — O mundo que está na minha consciência: o que estou agora a ver, a ouvir, a sentir ... — e que estou eu, por exemplo, a ver agora? A resposta não pode ser: "Bem, tudo isso", acompanhada de um gesto largo.

317. Quando alguém que acredita em Deus olha à sua volta e pergunta "de onde vieram todas as coisas que vejo?" "De onde veio tudo?" Não exige uma explicação (causal); e o que tem graça nesta questão é que ela é a expressão de uma tal exigência. Ele expressa, pois, uma atitude perante todas as explicações. — Mas como se revela ela na sua vida? E a atitude que toma a sério uma coisa determinada, mas, em seguida, num determinado ponto, não a toma a sério apesar

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de tudo, e declara que algo de diferente é ainda mais sério.Desta forma pode dizer-se que é muito grave que este ou aquele morra antes de poder acabar uma certa obra; e, noutro sentido, isso não importa de todo. Aqui usam-se as palavras "num sentido mais profundo".O que eu, de fato, quero dizer é que também aqui o que interessa não são as palavras que usamos ou o que pensamos quando as usamos, mas a diferença que fazem em vários pontos da vida. Como é que sei que dois homens querem dizer a mesma coisa quando cada um diz que acredita em Deus? E pode dizer-se exatamente a mesma coisa acerca da Trindade. A teologia que insiste no uso de certas palavras e frases e interdita outras não clarifica nada (Karl Barth). Atrapalha-se, por assim dizer, em torno destas palavras, porque quer dizer alguma coisa e não a sabe expressar. A prática dá às palavras o seu sentido.

318. Observo esta mancha. "Agora ela é assim" — E, simultaneamente, aponto, por exemplo, para uma pintura. Devo observar constantemente a mesma coisa e o que vejo deve então permanecer mal, ou deve mudar. O que observo e o que vejo não têm a mesma espécie de identidade. Pois, as palavras "esta mancha", por exemplo, não nos permitem reconhecer a espécie de identidade, que eu quero dizer.

319. "A psicologia descreve os fenômenos do daltonismo e os da visão normal". O que são os "fenômenos do daltonismo"? Certamente, as reações dos daltônicos, que os diferenciam das pessoas normais. Mas, certamente, nem todas as reações dos daltônicos, por exemplo, as que os distinguem dos cegos — posso eu ensinar a um cego o que é ver, ou posso ensiná-lo a alguém que vê? Isso nada significa. Então, o que significa: descrever a visão? Mas posso ensinar a seres humanos o significado das palavras "cego" e "com o sentido da vista", e, de fato, aquele que vê aprende-as, tal como o cego. Saberá então o cego como é o ver? Mas sabe-o quem vê? Saberão também o que é que é ter consciência?Mas não pode o psicólogo observar a diferença entre o comportamento dos que vêem e dos cegos? (o metereologista, a diferença entre a chuva e a seca?). Poderia certamente observar-se, por exemplo, a diferença entre o comportamento de ratos, a que tenham sido removidos os bigodes, e o daqueles que não tenham sido assim mutilados.

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E talvez se lhe pudesse chamar uma descrição sobre o papel desse aparelho táctil. — A vida dos cegos é diferente da vida dos que vêem.

320. A pessoa normal pode, por exemplo, aprender a escrever um ditado. Que será isso? Bem, uma pessoa fala e a outra escreve o que ela diz. Assim, se ela diz, por exemplo, o som A, a outra escreve o símbolo "A", etc. Não terá, então, alguém que compreender esta explicação ou ter já conhecido o jogo, mesmo sem ser por este nome, — ou tê-lo aprendido através da descrição? Mas Carlos Magno compreendeu, sem dúvidas, o princípio da escrita e, no entanto, não pôde aprender a escrever. Qualquer pessoa pode assim também entender a descrição de uma técnica, sem ser ainda capaz de aprender. No primeiro caso, apenas não obtemos uma certa competência; no outro, falta-nos a compreensão. Podemos "explicar" um jogo a alguém: ele pode entender esta explicação, mas não ser capaz de aprender o jogo; ou pode ser incapaz de entender uma explicação do jogo. Mas o oposto é também concebível.

321. "Vês a árvore, o cego não a vê". Isto é o que eu teria de dizer a alguém que vê. E teria então de dizer ao cego: "Tu não vês a árvore, nós vêmo-la"? Como seria se o cego acreditasse que via, ou se eu acreditasse que não via?

322. Será um fenômeno o fato de eu ver a árvore? E um fato que eu reconheça corretamente que isto é uma árvore; que não sou cego.

323. "Vejo uma árvore", como expressão da impressão visual, é a descrição de um fenômeno? Que fenômeno? Como explicar isto a alguém?E será um fenômeno para mais alguém que eu tenha esta impressão visual? Trata-se de algo que se observa, mas que eu não observo.As palavras "estou a ver uma árvore" não dão a descrição de um fenômeno. (Eu não podia dizer, por exemplo, "vejo uma árvore! Que estranho!", mas podia dizer: "Vejo uma árvore, apesar de ali não haver nenhuma. Que estranho!")

324. Ou devo dizer: "A impressão não é um fenômeno; mas é um fenômeno o fato de L. W. ter esta impressão"?

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325. (Poderíamos imaginar alguém a falar consigo próprio e a descrever a impressão como num sonho, sem usar o pronome na primeira pessoa.)

326. Observar não é a mesma coisa que contemplar ou olhar. "Contempla esta cor e diz o que te faz lembrar". Se a cor mudar, já não estás a contemplar aquela a que eu me referi.Observamos para ver o que não veríamos, se não observássemos.

327. Diz-se, por exemplo: "Contempla esta cor durante algum tempo". Mas não o fazemos para ver mais do que tínhamos visto no primeiro olhar.

328. Poderia uma "Psicologia" conter a proposição: "Há homens que vêem"?Bem, seria isso falso? — Mas a quem é que isto comunicaria alguma coisa? (E não quer apenas dizer: o que se comunica é já de há muito conhecido).

329. É-me familiar o fato de ver?

330. Poderia querer dizer-se: Se não houvesse tais homens, então não teríamos o conceito de visão. — Mas não poderiam os marcianos dizer uma coisa assim? Seja como for, os primeiros homens que eles encontraram eram todos cegos.

331. E como pode não ter sentido dizer "há homens que vêem", quando não é sem sentido dizer que há homens que são cegos? Mas o sentido da proposição "há homens que vêem", isto é, o seu uso possível, não é imediatamente claro.

332. Não podia a visão ser exceção? Mas nem os cegos nem os animais podiam descrevê-la, exceto como uma capacidade para fazer isto ou aquilo. Por exemplo, jogar estes jogos de linguagem, mas aí temos de ser cuidadosos na maneira como descrevemos estes jogos de linguagem.

333. Se dissermos: "Há homens que vêem", segue-se a questão: "E o que é a visão?" E como é que responderíamos? Ensinando ao inquiridor o uso da palavra "ver"?

334. E, que tal esta explicação: "Há homens que se comportam como tu e eu, e não como aquele homem ali, o cego"?

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335. "Como os teus olhos abertos, podes atravessar a rua e não seres atropelado, etc".A lógica da informação.

336. Dizer que uma proposição com a forma de informação tem um uso, não é ainda dizer algo sobre o tipo de uso que ela tem.

337. Poderá o psicólogo informar-me sobre o que é ver? A que é que chamamos "informar alguém sobre o que é ver"?Não é o psicólogo que me ensina o uso da palavra "visão".

338. Se o psicólogo nos informar: "Há homens que vêem", podemos perguntar-lhe "e a que chama você 'homens que vêem'"? A resposta seria do gênero "homens, que sob estas e estas circunstâncias, reagem assim e assim, e que se comportam assim e assim". A "visão" seria um termo técnico do psicólogo, que ele nos explicaria.Ver é, então, qualquer coisa que ele observou no homem.

339. Aprendemos a usar as expressões "eu vejo,"ele vê...", etc. antes de aprendermos a distinguir entre a visão e a cegueira.

340. "Há homens que podem falar", "posso dizer uma proposição", "posso pronunciar a palavra 'proposição'", "tal como vêem, estou acordado", "eu estou aqui".

341. Há certamente uma instrução incluída nas circunstâncias sob as quais uma certa proposição pode ser uma informação. Como chamarei a esta instrução?

342. Pode dizer-se que tenho observado que eu e outras pessoas podemos andar com os olhos abertos sem chocar com as coisas e que não podemos fazer isto com os olhos fechados?

343. Quando digo a alguém que não sou cego, isso será uma observação? Posso, em todo o caso, convencê-lo disso pelo meu comportamento.

344. Um homem cego poderia facilmente descobrir se eu também sou cego; por exemplo, fazendo um certo gesto com a mão e perguntando-me o que fizera.

345. Não poderíamos imaginar uma tribo de pessoas cegas? Não poderiam elas ser capazes de ver sob certas

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circunstâncias? E não deveriam as pessoas com vista surgir como exceções?

346. Suponhamos que um cego me dizia: "Podes andar sem chocar com qualquer coisa, eu não posso." — Comunicar-me-ia ele alguma coisa na primeira parte da proposição?

347. Bem, ele não me diz nada de novo.

348. Parece haver proposições com característica de proposições de experiência, mas cuja verdade é para mim indiscutível. Quer dizer, se eu admitir que elas são falsas, tenho de desconfiar de todos os meus juízos.

349. Existem, em todo o caso, erros que eu tomo por lugares comuns e outros com características diferentes e que têm de ser colocados à parte do resto dos meus juízos como uma confusão temporária. Mas, não haverá também casos de transição entre estes dois?

350. Se introduzirmos o conceito de conhecimento nesta investigação, isso não constitui nenhuma ajuda; pois, conhecer não é um estádio psicológico cujas características especiais expliquem todos os tipos de coisas. Pelo contrário, a lógica do conceito "saber" não é a de um estado psicológico.