anotações - penal - 2º semestre de 2013 - carreiras jurídicas

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1 Curso Renato Saraiva – 2º semestre de 2013 Carreiras Jurídicas - Módulo I Direito Penal Professores: Rogério Sanches (quase todo o curso) e Fábio Roque (apenas no tema “culpabilidade”) Sumário: I - Noções Introdutórias (conceito, missão, classificação doutrinária, fontes e interpretação)................................................................... .....................................................PG.02 II - Princípios Gerais do Direito Penal............................................................................ ........PG.14 III Eficácia da Lei Penal no Tempo............................................................................ ...........PG.28 IV Eficácia da Lei Penal no Espaço........................................................................... ............PG.39 V Eficácia da Lei Penal em Relação às Pessoas...................................................................PG.46 VI Teoria Geral da Infração Penal............................................................................ ............PG.48 - Fato típico........................................................................... .................................................PG.54 - Ilicitude........................................................................ ........................................................PG.92 - Culpabilidade.................................................................... ................................................PG. 107 - Iter Criminis”........................................................................ ...........................................PG.114 VII Concurso de Pessoas.......................................................................... .........................PG. 126 VIII Prescrição....................................................................... ............................................PG.139

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Anotações CERS. Professor Renato Brasileiro de Lima. Ano 2013. Segundo semestre. Excelente material. Vale a pena ler. Aborda principais autores do processo penal, mais legislação, mais informativos de jurisprudencia.

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Curso Renato Saraiva – 2º semestre de 2013Carreiras Jurídicas - Módulo IDireito PenalProfessores: Rogério Sanches (quase todo o curso) e Fábio Roque (apenas no tema “culpabilidade”)

Sumário:

I - Noções Introdutórias (conceito, missão, classificação doutrinária, fontes e interpretação)........................................................................................................................PG.02

II - Princípios Gerais do Direito Penal....................................................................................PG.14

III – Eficácia da Lei Penal no Tempo.......................................................................................PG.28

IV – Eficácia da Lei Penal no Espaço.......................................................................................PG.39

V – Eficácia da Lei Penal em Relação às Pessoas...................................................................PG.46

VI – Teoria Geral da Infração Penal........................................................................................PG.48- Fato típico............................................................................................................................PG.54- Ilicitude................................................................................................................................PG.92- Culpabilidade....................................................................................................................PG. 107- “ Iter Criminis”...................................................................................................................PG.114VII – Concurso de Pessoas...................................................................................................PG. 126

VIII – Prescrição...................................................................................................................PG.139Noções Introdutórias

I - Conceito

1 – Aspecto formal ou estático: Direito Penal é o conjunto de normas que qualifica certos comportamentos humanos como infrações penais, define os seus agentes e fixa sanções a serem-lhes aplicadas.

2 – Aspecto material: O Direito Penal refere-se a comportamentos considerados altamente reprováveis ou danosos ao organismo social, afetando bens jurídicos indispensáveis à própria conservação e progresso da sociedade.

3 – Aspecto sociológico ou dinâmico: Neste aspecto, deve-se lembrar de controle social. “DP é mais um instrumento de controle social, visando assegurar a necessária disciplina para a harmônica convivência dos membros da sociedade”.

Necessidade de regras: A manutenção da paz social demanda a existência de normas destinadas a estabelecer diretrizes.

Quem viola regras, pratica infrações: Quando violadas as regras de conduta, surge para o Estado o dever de aplicar sanções (civis ou penais).

Nessa tarefa de controle social atuam vários ramos do Direito. Um desses ramos é o DP. Este é o que tem, dentre todos os ramos do Direito, a consequência jurídica mais drástica. Por isso, o DP é um soldado de reserva, devendo ser a derradeira trincheira.

Quando a conduta atenta contra bens jurídicos especialmente tutelados merece reação mais severa por parte do Estado, valendo-se do Direito Penal.

O que diferencia a norma penal das demais é a espécie de consequência jurídica (pena privativa de liberdade).

O DP não se confunde com política criminal ou criminologia:

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Direito Penal Criminologia (Ciência Penal)

Política Criminal (Ciência Penal)

Analisa os fatos humanos indesejados, define quais devem ser rotulados como crime ou contravenção, anunciando as penas.

Ciência empírica que estuda o crime, o criminoso, a vítima e o comportamento da sociedade.

Trabalha as estratégias e meios de controle social da criminalidade.

Ocupa-se do crime enquanto norma.

Ocupa-se do crime enquanto fato.

Ocupa-se do crime enquanto valor.

Exemplo: define como crime lesão no ambiente doméstico e familiar. Art. 129, §9º, CP.

Exemplo: quais fatores contribuem para a violência doméstica e familiar.

Exemplo: Estuda como diminuir a violência doméstica e familiar.

II - Missão

1 – Mediata ou indireta: Divide-se em:

a) Controle social: Ao lado dos demais ramos do direito. É o aspecto sociológico.

b) Limitação ao poder de punir do Estado: O DP serve como controle do cidadão e do Estado. Este, ao punir, não pode agir com abusos.

Se de um lado o Estado controla o cidadão, de outro lado é necessário também limitar seu próprio poder de controle, evitando hipertrofia da punição.

2 – Imediata ou direta: Há duas correntes que são cobradas em provas:

a) Proteger bens jurídicos. Um grande defensor dessa corrente é Roxin. Essa posição foi batizada como Funcionalismo Teleológico. É a que tem prevalecido, inclusive no Brasil.

b) Assegurar o ordenamento jurídico, isto é, a vigência da norma. Um grande defensor dessa corrente é Jacobs. Tal posição é denominada de Funcionalismo Sistêmico.

III - Classificação doutrinária1)

– Direito Penal Substantivo: Corresponde ao DP material.

– Direito Penal Adjetivo: Seria o Processo Penal. É uma classificação ultrapassada, de quando o processo penal era um mero instrumento a serviço do DP. Hoje, o processo penal é ramo autônomo.

2)

- Direito Penal Objetivo: Corresponde ao conjunto de leis penais em vigor no país. Ex. Código Penal, Lei de Tóxicos, Lei de Contravenções Penais etc.

- Direito Penal Subjetivo: É o direito de punir do Estado. Divide-se em:

a) Positivo: Criação e execução das normas penais. Cabe ao Estado (Congresso, administração penitenciária).

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b) Negativo: É o poder de derrogar normas penais ou restringir seu alcance. Cabe, principalmente, ao STF, quando realiza o seu controle de constitucionalidade.

O DP Subjetivo não é absoluto, mas sim condicionado. Encontra limites, por exemplo:

- Quanto ao modo: O DP deve respeitar os direitos e garantias fundamentais, por ex. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

- Quanto ao espaço: Ver art. 5º do CP. Em regra, aplica-se a lei brasileira ao crime cometido no território nacional.

- Quanto ao tempo: O direito de punir não é eterno. Exemplo disso é a prescrição. É uma garantia do cidadão quanto à eternização do direito de punir do Estado.

Somente o Estado possui o direito de punir; é monopólio do Estado. A justiça privada pode caracterizar o delito do art. 345 do CP (exercício arbitrário das próprias razões). Todavia, há um caso em que o Estado tolera uma sanção penal com predicados de justiça privada imposta pelo particular. Tal sanção é paralela à justiça estatal. Ver 57 da lei 6001/73 (Estatuto do Índio).

O TPI não seria uma exceção à exclusividade do direito de punir do Estado? O TPI não impede ou concorre com o Estado brasileiro no seu direito de punir. Na verdade, o princípio que o orienta é o da complementariedade, se e quando nosso estado falhar. O artigo 1º do Estatuto de Roma consagrou o Princípio da Complementariedade, segundo o qual, o TPI será chamado a intervir somente se e quando a justiça repressiva interna falhar, se tornar omissa ou insuficiente.

3)

- Direito Penal de Emergência: É aquele criado para atender à demanda de criminalização, ou seja, ao anseio da sociedade. O Estado dá a sensação de segurança criando crimes e estabelecendo penas. Ex. Lei de Crimes Hediondos.

Atendendo às demandas de criminalização, o Estado cria normas de repressão ignorando garantias do cidadão.

Tem a finalidade de devolver o sentimento de tranquilidade para a sociedade.

- Direito Penal Promocional, Político ou Demagogo: O Estado, visando a consecução de seus objetivos políticos, emprega leis penais desconsiderando o princípio da intervenção mínima.

Tem a finalidade de usar o DP para a transformação social.

Exemplo: Estado criando contravenção penal de mendicância (revogada) para acabar com os mendigos ao invés de melhorar políticas públicas.

- Direito Penal Simbólico: A lei, necessária, nasce sem qualquer eficácia social. Ex. Cria-se o tipo penal com pena desproporcional.

Velocidades do Direito Penal: Idealizada por Silva Sánchez. Trabalha com o tempo que o estado leva para punir uma infração penal mais ou menos severa.

1ª Velocidade: Enfatiza infrações penais mais graves, punidas com pena privativa de liberdade, exigindo procedimento mais demorado, observando todas as garantias penais e processuais. Exemplo seria o nosso CPP.

2ª Velocidade: Está-se diante de infrações menos graves. Flexibiliza-se direitos e garantias fundamentais, possibilitando punição mais célere, mas, em contrapartida, prevê penas alternativas. Exemplo seria a lei 9099/95.

3ª Velocidade: Mescla as duas anteriores:

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a) Defende a punição do criminoso com pena privativa de liberdade (1ª velocidade).

b) Permite, para determinados crimes, a flexibilização de direitos e garantias constitucionais (2ª velocidade).

Muitos dizem que no direito penal de 3ª Velocidade está o Direito Penal do Inimigo. Exemplo seria a lei de organização criminosa.

4ª Velocidade: Criada por outros doutrinadores, está ligada ao Direito Internacional. Para aqueles que uma vez ostentaram a posição de Chefes de Estado e como tais violaram gravemente tratados internacionais de tutela de direitos humanos, serão aplicadas a eles as normas internacionais (TPI). Nessa velocidade, há uma nítida diminuição dos direitos e garantias penais e processuais penais desses réus, defendida inclusive pelas ONG´s. O exemplo maior é o TPI. Tem-se a internacionalização do direito penal.

IV - Fontes do Direito Penal

Fonte quer dizer o lugar de onde vem (fonte material) e como se exterioriza (fonte formal) o DP.

Fonte material: é a fábrica, isto é, a fonte de produção da norma penal. É órgão encarregado de criar o DP. No Brasil, só a União pode criar DP, segundo o art. 22, I, da CF.

Observa-se que Lei Complementar pode autorizar o Estado a legislar sobre DP incriminador no seu âmbito. Exemplo seriam os crimes ambientais, quando determinado Estado tem uma fauna específica, querendo protege-la, ser autorizado a criar normas penais incriminadoras. Ver art. 21, PU, da CF.

Fonte formal: É o instrumento de exteriorização, de conhecimento do DP, o modo como as regras são reveladas (fonte de conhecimento ou cognição).

Fonte Formal (Doutrina Clássica) Fonte Formal (Doutrina Moderna)Imediata: Lei. Imediata: - Lei

- Constituição Federal- Tratados Internacionais de Direitos

Humanos- Jurisprudência- Princípios- Atos administrativos

Mediata: - Costumes- Princípios Gerais de Direito

Mediata: Doutrina

Lei: É a primeira fonte formal imediata. É único instrumento normativo capaz de criar infrações penais e cominar sanções. É a única fonte incriminadora.

Constituição Federal: Muito embora não possa criar infrações penais ou cominar sanções, nos revela o DP estabelecendo patamares mínimos (mandados constitucionais de criminalização) abaixo dos quais a intervenção penal não se pode reduzir.

Se a CF é superior à lei, porque ela não pode criar infrações penais ou cominar sanções? Em razão do seu processo moroso de alteração.

Exemplos de mandados constitucionais de criminalização:

a) Art. 5º, XLII, CF;

b) Art. 5º, XLIV, CF

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A CF não cria o crime, apenas estabelece patamares mínimos. A lei observa o patamar mínimo.

Existem mandados constitucionais de criminalização implícitos? De acordo com a maioria, a resposta é positiva, com a finalidade de evitar a intervenção insuficiente do Estado (imperativos de tutela). Ex. O legislador não poderia retirar o crime de homicídio do ordenamento jurídico, porque a CF/88 garante o direito à vida. Pelo exposto, com base no mandado constitucional de criminalização implícito questiona-se a legalização do aborto.

Tratados Internacionais de Direitos Humanos: Ingressam no nosso ordenamento jurídico de duas formas: a) status de constitucional (aprovado com quórum de EC); b) status supralegal (aprovado com quórum comum).

Não podem criar infrações penais ou cominar sanções para o direito interno, somente para o Direito Penal Internacional, julgados perante o TPI.

Observa-se que antes da lei nº 12694/12 (que definiu organização criminosa), o STF, no julgamento do HC 96.007, decidiu pela proibição da utilização da definição de organização criminosa dada pela Convenção de Palermo, reafirmando que tratados internacionais não podem criar infrações penais ou cominar sanções penais para o Direito interno, mas apenas para o Direito Penal Internacional.

Jurisprudência: Revela DP, podendo ter inclusive caráter vinculante.

Exemplo seria o art. 71 do CP. A jurisprudência sedimentou o prazo de 30 dias para “as condições de tempo”.

Princípios: Os Tribunais, em alguns julgados, absolvem ou reduzem penas com fundamentos em princípios. Ex. Princípio da Insignificância, causa de atipicidade material.

Atos administrativos: São fontes formais imediatas quando complementam, por ex., as normas penais em branco. Ex. Lei de drogas é complementada por uma portaria da Anvisa.

Fontes Mediatas: A doutrina é a única fonte mediata.

E os costumes? São classificados como fontes informais do DP.

V - Interpretação da Lei Penal

O ato de interpretar é necessariamente feito por um sujeito que, empregando determinado modo, chega a um resultado.

Interpretação quanto ao sujeito (quanto à origem):

1 – Autêntica ou legislativa: Aquela fornecida pela própria lei. Ex. art. 327 do CP, conceito de funcionário público para fins penais.

2 – Interpretação doutrinária ou científica: É a interpretação feita pelos estudiosos. Ex. livro de doutrina.

3 – Interpretação jurisprudencial: É o significado da lei dado pelos Tribunais. Ex. súmulas.

Observação: A Exposição de Motivos do CP é um exemplo de interpretação doutrinária, feita pelos doutos que trabalharam no projeto do CP. Por outro lado, a Exposição de Motivos do CPP é dada por uma lei, sendo classificada como autêntica ou legislativa.

Intepretação quanto ao modo:

1 – Gramatical, filológica ou literal: Considera o sentido literal das palavras.

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2 – Teleológica: Perquire a intenção objetivada na lei. Exemplo quando se discutiu o crime do art. 319-A (entrada de celulares em presídio) do CP, sendo que o STF entendeu que abrange também os acessórios.

3 – Histórica: Indaga a origem da lei. Foi usada para se chegar à conclusão de que a ação penal no delito de lesão corporal no ambiente doméstico e familiar contra a mulher é pública incondicionada. Na discussão da lei, tentaram colocar como condicionada à representação e essa proposta foi abolida.

4 – Sistemática: É a interpretação em conjunto com a legislação em vigor e com os princípios gerais do direito.

5 – Progressiva ou evolutiva: Busca o significado legal de acordo com o progresso da ciência.

Interpretação quanto ao resultado:

1 – Declarativa ou declaratória: É aquela em que a letra da lei corresponde exatamente àquilo que o legislador quis dizer (nada suprimindo, nada adicionando).

2 – Restritiva: A interpretação reduz o alcance das palavras da lei para corresponder à vontade do texto.

3 – Extensiva: Amplia-se o alcance das palavras da lei para que corresponda à vontade do texto.

Admite-se interpretação extensiva contra o réu?

1ª corrente) Nucci e Luiz Regis Prado. É indiferente se a interpretação extensiva beneficia ou prejudica o réu (a tarefa do intérprete é evitar injustiças). A CF/88 não proíbe a interpretação extensiva contra o réu.

2ª corrente) LFG e defensorias. Socorrendo-se do princípio “in dubio pro reo”, não admite interpretação extensiva contra o réu (na dúvida, o juiz deve interpretar em seu benefício).

Nesse sentido, ver Estatuto de Roma, Artigo 22, §2º.

3ª corrente) Zaffaroni. Em regra, não cabe interpretação extensiva contra o réu, salvo quando interpretação diversa resultar num escândalo por sua notória irracionalidade.

Exemplo: art. 157, §2º, I, CP (roubo majorado praticado com emprego de arma). Pergunta-se: qual o significado de “arma”? a) somente instrumento bélico – interpretação restritiva; b) qualquer instrumento, bélico ou não – interpretação extensiva. Os tribunais adotam a tese da interpretação extensiva, pois não aplica-la nesse caso resulta em um escândalo por sua notória irracionalidade. Assim, pedaços de pau, facas de cozinha, cacos de vidro são considerados armas para a majoração.

Não se pode confundir interpretação extensiva ( pega-se a expressão e amplia-se o seu alcance) com interpretação analógica (há exemplos seguidos de um encerramento genérico – interpretação intralegem). Nesta, o Código, atento ao Princípio da Legalidade, detalha todas as situações que quer regular e, posteriormente, permite que aquilo que a elas seja semelhante, passe também a ser abrangido no dispositivo (exemplos seguidos de fórmula genérica de encerramento). Exemplos de interpretação analógica:

a) art. 121, §2º, I, III e IV, do CP.

b) Artigo 306 do CTB.

Para Rogério Greco:

Interpretação Extensiva (Sentido amplo)Interpretação extensiva (sentido

estrito) Interpretação analógica

Amplia o alcance de uma expressão Fórmula casuística seguida de

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encerramento genérico.

Interpretação “sui generis”: Divide-se em:

I – Exofórica: O significado da norma interpretada não está no ordenamento normativo. Exemplo seria o art. 20 do CP. Quem define o que é “tipo legal” é a doutrina e não a lei.

II – Endofórica: O texto normativo interpretado empresta o sentido de outros textos do próprio ordenamento normativo (interpretação muito utilizada nas normas penais em branco). Exemplo seria o art. 237 do CP, onde a expressão “impedimento para o casamento” é interpretada de acordo com o CC.

Interpretação conforme a constituição: A Constituição informa e conforma as normas hierarquicamente inferiores. Assume nítido relevo dentro da perspectiva do Estado Democrático de Direito.

A interpretação analógica não se confunde com a analogia. Todavia, para Paulo Queiroz, a interpretação analógica seria uma espécie de analogia “in malam partem” autorizada por lei.

Analogia: Não é forma de interpretação, mas de integração de lacunas ( falta de previsão legal para o caso). Parte-se do pressuposto de que não existe uma lei a ser aplicada no caso concreto, motivo pelo qual é preciso socorrer-se de previsão legal empregada à outra situação similar.

Pressupostos da analogia no DP:

a) Certeza de que sua aplicação será favorável ao réu ( “in bonam partem”);

b) Existência de uma efetiva lacuna a ser preenchida (omissão involuntária do legislador).

Ex. escusa absolutória do art. 181, I, do CP: não abrange o companheiro, o convivente em união estável. Admite analogia, pois a mesma é benéfica (isenta o réu de pena) e a lacuna é involuntária.

Ex. furto privilegiado (art. 155, §2º, CP): O crime de roubo não tem dispositivo semelhante. Não se pode emprestar o privilégio do furto para o roubo. Num primeiro momento, tem-se que beneficia o réu. Porém, a lacuna não é involuntária, por conta da violência e da grave ameaça.

Interpretação Extensiva

Interpretação Analógica

Analogia

Forma de interpretação

Forma de interpretação

Forma de integração

Existe norma para o caso concreto

Existe norma para o caso concreto

Não existe norma para o caso concreto

Amplia-se o alcance da palavra

Exemplos seguidos de encerramento genérico

Cria-se nova norma a partir de outra (só quando favorável ao réu e a lacuna for involuntária)

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Princípios Gerais do Direito Penal

I – Princípios relacionados com a MISSÃO FUNDAMENTAL DO DIREITO PENAL

A) Princípio da Exclusiva Proteção dos Bens Jurídicos

O DP deve servir apenas e tão somente para proteger bens jurídicos relevantes (trabalha-se na linha de pensamento de Roxin).

Bem jurídico: É o ente material ou imaterial (honra por ex.), haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual, reputando como essencial para a coexistência e desenvolvimento do homem em sociedade.

Ex. o DP protege a vida, pois este é um bem jurídico essencial para a coexistência e desenvolvimento do homem em sociedade. Porém, o DP não deve proteger a religião “A”, pois deve respeitar a pluralidade no campo religioso, sendo que cada pessoa deve ter a sua liberdade de crença.

Espiritualização/liquefação do DP: Percebe-se uma expansão da tutela penal para abranger bens jurídicos de caráter coletivo e difuso, ensejando a denominada “espiritualização/ desmaterialização/ dinamização/ liquefação” do bem jurídico. Ex. tutela penal do meio ambiente.

B) Princípio da Intervenção Mínima

O DP se preocupa com fatos. Estes podem ser humanos ou da natureza. Os da natureza não interessam ao DP. Há fatos humanos desejados (ex. casar) e fatos humanos indesejados. O DP se importa com os fatos humanos indesejados pelo meio social. Porém, nem todos os fatos humanos indesejados interessam ao DP (ex. parar na faixa de pedestres). Pelo exposto, o DP é norteado pelo princípio da intervenção mínima. Por conta da sanção que ele traz, qual seja pena, o DP é subsidiário; é fragmentário.

O Direito Penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, de moda que sua intervenção fica condicionada ao fracasso das demais esferas de controle (caráter subsidiário), observando somente os casos de relevante lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado (caráter fragmentário).

Para alguns doutrinadores, intervenção mínima, subsidiariedade e fragmentariedade seriam expressões sinônimas. Contudo, para o professor, a fragmentariedade e a subsidiariedade seriam características da intervenção mínima.

O princípio da insignificância é desdobramento lógico de qual característica da intervenção mínima? Fragmentariedade.

Princípio da Insignificância: É um princípio limitador do DP. É causa de atipicidade material da conduta.

Requisitos de acordo com os tribunais superiores:

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I – Ausência de periculosidade social da ação;

II – Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;

III – Mínima ofensividade da conduta do agente;

IV – Inexpressividade da lesão jurídica causada.

Para Paulo Queiroz, os requisitos dizem a mesma coisa de formas diferentes.

Observações:

1 - STF e STJ: Para aplicação do princípio da insignificância, consideram a capacidade econômica da vítima. (STJ – Resp.1.224.795).

2 - Há julgados no STF e STJ (prevalece) negando o princípio da insignificância para o reincidente, portador de maus antecedentes, ou o criminoso habitual ( STF – HC – 107.674; STJ – Resp – 1.277.340). Nesse caso, não existe reduzido grau de reprovabilidade do comportamento. Contudo, para o professor, nesse caso, estar-se-ia diante direito penal do autor. A reincidência prepondera sobre o direito penal do fato.

3 - Prevalece no STF e no STJ não ser possível o princípio da insignificância no furto qualificado (falta o requisito do reduzido grau de reprovabilidade do comportamento).

4 - STF e STJ não admitem o princípio da insignificância nos crimes contra a fé pública, mais precisamente moeda falsa (STF – HC – 105.829).

5 – STF admite o princípio da insignificância nos crimes contra a Administração Pública praticados por funcionário público. O STJ não admite.

No entanto, STF e STJ admitem o princípio da insignificância nos crimes contra a Administração Pública praticados por particulares.

6 - Em decisão recente, o STF não admitiu o princípio da insignificância no crime do art. 334 do CP (contrabando e descaminho).

7 – Prevalece que STF e STJ não admitem o princípio da insignificância no porte de drogas para uso próprio.

8 – STF e STJ não admitem o princípio da insignificância em nenhuma forma de tráfico (drogas, mulheres, pessoas etc.).

9 – STF e STJ têm decisões admitindo o princípio da insignificância nos crimes ambientais (há importante divergência sobre o assunto).

10 – Os tribunais têm admitido o princípio da insignificância nos crimes militares, desde que, atendidos os requisitos já expostos, o fato não coloque em risco a hierarquia e disciplina militares.

Princípio da Bagatela:

Bagatela Própria (insignificância) Bagatela ImprópriaOs fatos já nascem irrelevantes para

o direito penal.Embora relevante a infração penal

praticada, a pena diante do caso concreto é desnecessária.

Causa de atipicidade material- Tipicidade material (exclui o

Falta de interesse de punir – exclui a punibilidade (consequência jurídica do

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desvalor do resultado jurídico – irrelevância da lesão).

crime).Atenção: o fato é típico, ilícito e

culpável, só não é punível.Ex. subtração de caneta BIC. Ex. perdão judicial no homicídio

culposo.

Princípio da Adequação Social: Não podemos confundir Princípio da Insignificância com o Princípio da Adequação Social (apesar de uma conduta se ajustar a um tipo penal, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida). Ambos os princípios limitam o Direito Penal. Porém, no Princípio da Insignificância há irrelevância da lesão ao bem jurídico tutelado, enquanto que no Princípio da Adequação Social há aceitação da conduta pela sociedade.

II – Princípios relacionados com o FATO DO AGENTE

A) Princípio da Exteriorização ou Materialização do Fato

O Estado só pode incriminar condutas humanas voluntárias, isto é, fatos.

Não se pode punir a pessoa pelos seus pensamentos ou desejos. Veda-se o Direito Penal do Autor, consistente na punição do indivíduo baseada em seus pensamentos, desejos e estilo de vida. Por isso que recentemente foi abolida a contravenção penal de mendicância. Também, deve-se abolir a contravenção penal de “vadiagem”.

O Direito Penal brasileiro é um Direito Penal do Fato. Exemplo seria o art. 2º do CP.

O nosso ordenamento penal, de forma legítima, adotou o Direito Penal do fato, mas que considera circunstâncias relacionadas ao autor, especificamente quando da análise da pena. Ex. art. 59 da CP; reincidência.

B) Princípio da Legalidade

Ver art. 5º, II, da CF.

Ver art. 5º, XXXIX, da CF.

Ver art. 1º, do CP.

Documentos internacionais:

I – Convênio para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (Roma – 1950);

II – Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica - 1969);

III – Estatuto de Roma (Tribunal Penal Internacional - 1998).

Conceito:

Real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais (É uma garantia do cidadão, daí a sua inclusão na Constituição Federal e nos Tratados Internacionais).

A Legalidade nasce da junção das garantias da reserva legal e da anterioridade.

Fundamentos:

Fundamento Político

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Vincula o Poder Executivo e o Poder Judiciário a leis formuladas de forma abstrata (impede o poder punitivo arbitrário).

Fundamento Democrático

Representa o respeito ao Princípio da Divisão de Poderes.

Compete ao Parlamento a missão de elaborar as leis.

Fundamento Jurídico

Lei prévia e clara produz importante efeito intimidativo.

Artigo 1º do CP:

Na expressão “crime” também estaria inclusa a contravenção penal? E na expressão “pena” também estaria inclusa a medida de segurança?

Não há infração penal (crime + contravenção) ou sanção penal (pena + medida de segurança) sem lei anterior. Contravenção penal é uma espécie de infração penal, assim como a medida de segurança é uma espécie de sanção penal.

Ver art. 3º do Código Penal Militar. Este dispositivo respeitou o Princípio da Reserva Legal, mas ignorou o Princípio da Anterioridade. Assim, na parte em que desrespeita o Princípio da Legalidade/anterioridade, não foi recepcionado pela CF.

Desdobramentos:

I – Não há crime ou pena sem lei (princípio da reserva legal):

- lei ordinária (regra)

- lei complementar (excepcionalmente)

Medida de Provisória pode criar crimes? Não sendo lei, mas ato do Poder Executivo com força normativa, a medida provisória não cria crime e comina pena.

É possível medida provisória versando sobre Direito Penal não incriminador? Por exemplo, medida provisória pode criar causa extintiva da punibilidade? O art. 62, §1º, “b”, CF, proíbe medida provisória versando sobre Direito Penal (matéria incluída pela EC 32/01). Contudo, a doutrina diverge:

1ª corrente) Com o advento da EC 32/01, ficou claro que medida provisória não pode versar sobre Direito Penal, incriminador ou não incriminador. Esta corrente prevalece entre os constitucionalistas.

2ª corrente) A EC 32/01 reforça a proibição de medida provisória sobre Direito Penal incriminador, permitindo matéria de Direito Penal não incriminador.

Posição do STF:

Antes da EC 32/01 Depois da EC 32/01STF admitiu medida provisória

versando sobre Direito Penal não incriminador (MP 1571/97) – extinguia a punibilidade pela reparação do dano em crimes tributários e previdenciários.

STF admitiu a medida provisória não incriminadora (MP 417/08) – que impedia a tipificação de determinados comportamentos relacionados com a posse de armas.

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Assim, pelo exposto, parece que o STF adota a 2ª corrente.

Resoluções de quaisquer espécies podem criar infrações penais e cominar penas? Não sendo leis em sentido estrito, não podem criar crimes e cominar penas. Ex. resolução do CNJ ou do TSE. Deve-se ressaltar que as menções a condutas criminosas indicadas nas Resoluções do TSE são mera consolidações de tipos penais previamente tipificados por lei.

II – Não há crime ou pena sem lei anterior (Princípio da Anterioridade):

Proibição da retroatividade maléfica da lei penal (a retroatividade benéfica é uma garantia constitucional).

O princípio da retroatividade impede a retroatividade da lei penal: É uma assertiva falsa, pois apenas impede a espécie de retroatividade maléfica.

III – Não há crime ou pena sem lei escrita:

Proíbe-se o costume incriminador.

Para que serve o costume no Direito Penal? Para a interpretação. O costume interpretativo “secundum legem” exerce importante missão no DP, atua dentro dos limites do tipo penal. Ex. art. 155, §1º, do CP (“repouso noturno” – momento em que a comunidade se recolhe costumeiramente para o descanso diário). Também era muito utilizado para explicar o antigo termo “mulher honesta”.

Costume pode revogar infração penal (ex. contravenção do jogo de bicho)?

1ª corrente) Admite-se o costume abolicionista ou revogador da lei nos casos em que a infração penal não mais contraria o interesse social deixando de repercutir negativamente na sociedade. Para esta corrente, jogo do bicho não mais deve ser punido, pois a contravenção foi formal e materialmente revogada pelo costume.

2ª corrente) Não é possível o costume abolicionista. Entretanto, quando o fato já não é mais indesejado pelo meio social, a lei não deve ser aplicada pelo magistrado. Por isso, a prática do jogo do bicho, apesar de ser formalmente uma contravenção, não serve para punir o autor da conduta, pois foi materialmente abolida.

3ª corrente) Somente a lei pode revogar outra lei. Não existe costume abolicionista. Assim, a prática do jogo do bicho é considerada uma contravenção penal, servindo a lei para punir os contraventores enquanto não revogada por outra lei (ver LINDB). É a corrente que prevalece. Observa-se que o STF e o STJ adotaram esta corrente quando decidiram que o crime de violação de direitos autorais (art. 184, §2º, CP) permanece vigente, formal e materialmente.

IV – Não há crime ou pena sem lei estrita:

Proíbe-se a utilização da analogia para criar tipo incriminador. Todavia, a analogia “in bonam partem” é admissível.

O art. 155, §3º, do CP abrange o sinal de TV à cabo? A 2ª Turma do STF, no julgamento do HC 97.261, declarou a atipicidade da conduta do agente que subtrai sinal de TV à cabo, asseverando ser impossível a analogia incriminadora com o crime de furto de energia elétrica. Sinal de TV à cabo não é forma de energia. Observa-se que tal raciocínio também pode ser aplicada para o wi-fi, sinal de telefonia etc. O grande argumento é que a energia gasta com o uso, enquanto que o sinal de TV não gasta com o uso.

Contudo, para outra corrente, abrange sinal de TV à cabo, pois este é forma de energia com valor econômico.

O STF, em decisão recente, decidiu que a associação para o tráfico (art. 35 da lei de drogas) não é crime equiparado a hediondo, pois, caso contrário, teria-se uma analogia “in malam partem”.

V – Não há crime ou pena sem lei certa (Princípio da Taxatividade ou da Determinação):

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Exige-se clareza dos tipos penais. Deve-se lembrar do fundamento jurídico do Princípio da Legalidade. No tipo, não se pode utilizar expressões ambíguas e duvidosas.

A doutrina entende que o art. 288-A, do CP, viola o Princípio da taxatividade. O que é organização paramilitar? Milícia particular? Grupo ou esquadrão? Quantas pessoas devem integrar esses grupos? Para Bitencourt, esse dispositivo é de duvidosa constitucionalidade.

Outro exemplo de ofensa ao Princípio da Determinação reside no Estatuto do Torcedor, em seu art. 41-B: O que significa provocar tumulto nos estádios?

VI – Não há crime ou pena sem lei necessária:

É um desdobramento lógico do Princípio da Intervenção Mínima. Como exemplos da aplicação deste desdobramento, temos a revogação dos crimes de adultério e de sedução. É errado dizer que estes delitos foram revogados pelos costumes!

O Direito Penal Simbólico e o Direito Penal Promocional ofendem este desdobramento, e, consequentemente, o Princípio da Legalidade.

Garantismo:

É um modelo de Direito, berço de inúmeros princípios, sendo o mais importante, a Legalidade. O Princípio da Legalidade é o vetor basilar do garantismo. Visa impedir a ingerência arbitrária do Estado na esfera particular do cidadão. Este é o mínimo poder punitivo do Estado em face das máximas garantias do cidadão.

Quando se fala em mínimo poder do Estado, tem-se que o mesmo deve ser eficiente. Enquanto eficiente, deve ser o mínimo possível: pena mínima, necessária.

Legalidade formal x legalidade material:

Legalidade formal Legalidade materialObediência ao devido processo

legislativo.Conteúdo do tipo deve respeitar os

direitos e garantias individuais do cidadão.Lei vigente Lei válida

A lei 8072/90, em seu art. 2º, §1º, previa o regime integralmente fechado. O STF decidiu que, apesar de vigente, tal dispositivo não é válido.

III - Lei Penal

O Princípio da Legalidade exige a edição de lei certa, precisa e determinada.

Espécies de lei penal:

I – Lei penal completa: É aquela que dispensa complemento valorativo ou normativo. Ex. art. 121, caput, do CP.

II – Lei penal incompleta: É a norma que depende de complemento valorativo ou normativo.

Subespécies:

Tipo aberto: Depende de complemento valorativo, dado pelo juiz na análise do caso concreto. Ex. crimes culposos, que são descritos em tipos abertos. O legislador não enuncia as formas de negligência, imprudência e imperícia, ficando a critério do juiz na análise do caso concreto. Para não ofender o Princípio da Legalidade, a redação típica deve trazer o mínimo de determinação. Ver art. 121, §3º, do CP.

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Observação: Há casos excepcionais de crimes culposos em que o legislador retira do juiz a análise do caso concreto, estabelecendo no tipo penal quais comportamentos ele entende como configuradores da culpa. Ex. art. 180, §3º, CP.

Norma penal em branco: Depende de complemento normativo, dado por outra norma.

Espécies:

a) Própria/ em sentido estrito/ heterogênea: O complemento normativo não emana do legislador, mas sim de fonte normativa diversa. Ex. portaria. A Lei de Drogas é complementada por uma espécie normativa diversa, conforme o seu art. 1º, PU ( Portaria 344/98, do Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância Sanitária).

b) Imprópria/ em sentido amplo/ homogênea: O complemento normativo emana do legislador.

Subespécies:

1) Homovitelina/homóloga: A lei penal é complementada por uma lei penal. Ex. Peculato (art. 312 do CP), onde a expressão “funcionário público” é esclarecida pelo art. 327 do CP.

2) Heterovitelina/heteróloga: A lei penal é complementada por uma lei extrapenal. Ex. Ocultação de Impedimento Para o Casamento (art. 237 do CP), onde a expressão “impedimento” é esclarecida pelo Código Civil.

O que é norma penal em branco ao revés(inversa)? O complemento refere-se à sanção, ao preceito secundário, não ao conteúdo da proibição. Por isso, o complemento da norma em branco ao revés deve ser necessariamente fornecido por lei. Ex. art. 1º da lei 2889/56.

A norma penal em branco heterogêna é constitucional?

1ª corrente) Impossibilita a discussão amadurecida da sociedade sobre o complemento da norma penal em branco. Ofende o fundamento democrático do Princípio da Legalidade. Tal espécie fere o art. 22, I, CF, sendo assim, inconstitucional. Nesse sentido, Greco e Paulo Queiroz.

2ª corrente) É constitucional. O legislador criou o tipo com todos os seus requisitos básicos. A remissão ao Executivo é absolutamente excepcional e necessária por razões de técnica legislativa. O Executivo apenas esclarece um requisito do tipo. Nesse sentido, Nucci, Prado e STF e maioria.

C) Princípio da Ofensividade ou da Lesividade

Exige que do fato praticado ocorra lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. É o legislador quem opta, ao criar crime, se o mesmo é de dano ou de perigo.

Crimes de Dano: Ocorre efetiva lesão ao bem jurídico.

Crimes de Perigo: Basta risco de lesão ao bem jurídico. Divide-se em:

I – Perigo abstrato: O risco de lesão é presumido por lei. Da conduta já se presume o risco de lesão ao bem jurídico, não se admitindo prova em sentido contrário.

II – Perigo concreto: O risco deve ser demonstrado. Divide-se em:

A – Com vítima determinada: Há a necessidade de comprovar que esse risco atingiu pessoa certa e determinada.

B - Com vítima difusa: Não é necessária uma pessoa certa e determinada correndo riscos.

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Tem doutrina entendendo que o crime de perigo abstrato é inconstitucional. Presumir prévia e abstratamente o perigo significa em última análise que o perigo não existe. É uma tese de defensoria pública.

Todavia, o STF entende que a criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional, mas proteção eficiente do Estado ( HC 104.410).

Ex. 1) Embriaguez ao volante – STF entendeu que o ébrio não precisa dirigir de forma anormal para configurar o crime, bastando estar embriagado (crime de perigo abstrato).

Ex. 2) Arma desmuniciada – STF – jurisprudência atual – crime de perigo abstrato – demanda efetiva proteção do Estado.

IV – Princípios relacionados com o AGENTE DO FATO

A) Princípio da Responsabilidade Pessoal

Proíbe-se o castigo pelo fato de outrem. Está vedada a responsabilidade penal coletiva.

Desdobramentos:

1 – Obrigatoriedade da individualização da acusação. É proibida a denúncia genérica, vaga ou evasiva (Promotor deve individualizar os comportamentos).

Observa-se que nos crimes societários, os Tribunais flexibilizam essa obrigatoriedade.

2 – Obrigatoriedade da individualização da pena.

B) Princípio da Responsabilidade Subjetiva

Não basta que o fato seja materialmente causado pelo agente, ficando a sua responsabilidade condicionada à existência da voluntariedade (dolo/culpa).

Em síntese, está proibida a responsabilidade penal objetiva.

Observa-se que há doutrina que anuncia dois casos de responsabilidade objetiva:

1 – Embriaguez voluntária:

Crítica: A teoria da “actio libera in causa” exige não somente uma análise pretérita da imputabilidade, mas também da consciência e vontade do agente.

2 – Rixa qualificada pela lesão grave ou morte:

Crítica: Só responde pelo resultado agravador quem atuou frente à ele com dolo ou culpa, evitando-se a responsabilidade penal objetiva.

3 – Responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais

C) Princípio da Culpabilidade

É um postulado limitador do direito de punir.

Só pode o Estado impor sanção penal ao agente imputável (plenamente capaz), com potencial consciência da ilicitude (possibilidade de conhecer o caráter ilícito do comportamento), quando dele exigível conduta diversa (podendo agir de outra forma).

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D) Princípio da Isonomia

Ver art. 5º, ‘caput”, da CF.

Tem-se a isonomia substancial e não a formal.

Deve-se tratar de forma igual o que é igual e desigualmente o que é desigual.

O STF, julgando a ADC nº 19 afastou as alegações de que o tratamento especialmente protetivo conferido à mulher pela lei nº 11.340/06 violaria a isonomia. Nesse julgamento foi observado que o princípio constitucional é o da isonomia substancial. A Lei Maria da Penha é uma ação afirmativa.

E) Princípio da Presunção de Inocência

Ver Art. 8º, §2º, da Convenção Americana de Direitos Humanos. Adota o Princípio da Presunção de Inocência.

Ver art. 5º, LVII, CF. A Constituição brasileira não permite presumir culpa.

Adota o princípio da presunção de inocência ou de não culpa?

Concurso da Defensoria Pública: não trabalha com o princípio da presunção de não culpa (só com o princípio da presunção de não culpa).

Demais concursos: trabalham com os princípios como sinônimos (presunção de inocência e não culpa).

Desdobramentos do Princípio da Presunção de Inocência:

1 – Qualquer restrição à liberdade do investigado ou acusado somente se admite após a condenação definitiva.

Observa-se que a prisão provisória é cabível quando imprescindível.

Ver art. 312 do CPP. “Conveniente para a instrução” – deve ser lido como “imprescindível para a instrução”.

2 – Cumpre à acusação o dever de demonstrar a responsabilidade do réu ( e não a este provar a sua inocência).

3 – A condenação deve derivar da certeza do julgador (“in dubio pro reo”). O princípio do “in dubio pro reo” é um desdobramento da presunção de inocência.

A súmula vinculante nº 11 do STF foi derivada do princípio da presunção de incocência.

V – Princípios relacionados com a PENA

A) Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

B) Princípio da Individualização da Pena

C) Princípio da Proporcionalidade

D) Princípio da Pessoalidade

E) Princípio da Vedação do “BIS IN IDEM”Esses princípios serão analisados no Módulo II

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Eficácia da Lei Penal no Tempo

Ver artigos 2º, 3º e 4º do CP.

I - Introdução

Como decorrência do Princípio da Legalidade, aplica-se em regra, a lei penal vigente ao tempo da realização do fato criminoso. Assim, aplica-se o Princípio do “tempus regit actum”

Excepcionalmente, no entanto, será permitida a retroatividade da lei penal para alcançar os fatos passados, desde que benéfica ao réu.

É possível que a lei penal se movimente no tempo, em um fenômeno denominado extra-atividade, que tem como espécies a ultra-atividade e a retroatividade.

Ultra-atividade RetroatividadeA lei revogada por outra mais gravosa

continua aplicando-se para os fatos cometidos na sua vigência.

A lei posterior mais benéfica retroage para alcançar fatos anteriores quando ainda não existia.

Quando (no tempo) um crime se considera praticado:

1 – Teoria da Atividade: Considera-se praticado o crime no momento da conduta.

2 – Teoria do Resultado: Considera-se praticado o crime no momento do resultado.

3 – Teoria Mista/da Ubiquidade: Considera-se praticado o crime no momento da conduta ou do resultado.

O Código Penal, em seu artigo 4º, adotou a Teoria da Atividade.

Pelo Princípio da Coincidência, Congruência ou Simultaneidade, é no momento da conduta que devem estar presentes todos os substratos do crime, quais sejam, tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Ex. No momento da conduta o agente era menor de dezoito anos; no momento do resultado, era maior de dezoito anos: Neste caso, deve-se aplicar o ECA ou o CP? Aplica-se o ECA, pois analisa-se a idade que o agente tinha no momento da conduta.

O momento do crime é também o marco inicial para saber a lei que, em regra, vai reger o caso concreto. A exceção seria quando sobreviesse lei mais benéfica.

II - Sucessão de Leis no Tempo

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A regra geral é a irretroatividade da lei penal, excetuada somente quando a lei posterior for mais benéfica (retroatividade). Exemplos possíveis:

Tempo da conduta

Lei posterior (IR) retroatividade

1 Fato atípico Fato típico Irretroatividade (art. 1º do CP)

2 Fato típico (ultra-ativa)

Mais grave Irretroatividade (art. 1º do CP)

3 Fato típico Supressão da figura criminosa: o que era crime deixou de ser crime.

Retroatividade (art. 2º, caput, do CP)

4 Fato típico Menos grave Retroatividade (art. 2º, PU, do CP)

5 Fato típico Migra o conteúdo criminoso para outro tipo

Princípio da Continuidade normativo-típica.

1 – No primeiro exemplo há a sucessão de lei incriminadora ( “novatio legis” incriminadora).

Exemplo: Lei 12.550/11:

Antes DepoisCola eletrônica era fato atípico (STF e

STJ).Cola Eletrônica: Pode caracterizar o

art. 311-A do CP. Neocriminalização (novo crime que

não existia anteriormente)A lei é irretroativa.

2 – No segundo exemplo há a hipótese da “novatio legis in pejus”/ “lex gravior”, ou seja, lei nova que de qualquer modo prejudica o réu.

Exemplo: Lei 12.234/10:

Antes DepoisO prazo prescricional para crimes

com pena inferior a 1 ano = 2 anosO prazo prescricional para crimes

com pena inferior a 1 ano = 3 anosDotado de ultra-atividade para crimes

praticados durante a sua vigência.Norma irretroativa.

Crime continuado e crime permanente: Começa-se durante a vigência da lei “A” (menos grave) e termina-se durante a vigência da lei “B” (mais grave). Aplica-se a Súmula 711 do STF. Em suma, aplica-se a lei vigente no momento em que cessar a continuidade ou a permanência, ainda que mais grave.

3 – O terceiro exemplo apresenta a hipótese da “abolitio criminis”: É a supressão da figura criminosa. É a revogação de um tipo penal pela superveniência de lei descriminalizadora. Ver art. 2º, “caput”, do CP.

Exemplo: Lei nº 11.106/05:

Antes DepoisArt. 240 do CP: Adultério era crime. Adultério não é mais crime.

Fato atípico (“abolitio criminis”).A lei é retroativa.

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Observação: A “abolitio criminis” não deixa de ser um desdobramento lógico do Princípio da Intervenção Mínima, na sua vertente negativa, isto é, onde o DP deve deixar de intervir.

Natureza jurídica da “abolitio criminis”:

1ª corrente) Causa que exclui a tipicidade. É defendida por Flávio Monteiro de Barros.

2ª corrente) Causa extintiva da punibilidade. Está prevista no art. 107, III, do CP. É a corrente que prevalece.

Consequências da “abolitio criminis”:

I - Cessa a execução: Lei abolicionista não respeita coisa julgada.

E o art. 5º, XXXVI, da CF? Este dispositivo é uma garantia do cidadão contra o Estado, e não uma garantia do Estado para punir o cidadão. Assim, a lei poderá prejudicar a coisa julgada para favorecer o indivíduo contra o Estado.

II - Cessa os efeitos penais da sentença condenatória: Faz cessar somente os efeitos penais (ex. reincidência). Os efeitos extrapenais permanecem (efeitos dos artigos 91 e 92 do CP – ex. reparação do dano).

4 – O quarto exemplo dispõe a “novatio legis in mellius”/”lex mitior

Tem-se a lei que de qualquer modo favorece o réu.

Ver art. 2º, PU, do CP.

Esta lei retroage alcançando fatos decididos por sentença condenatória definitiva. Assim, também não respeita coisa julgada.

Ex. Lei 12.015/09:

Antes DepoisArt. 229 do CP – Manutenção de casa

de prostituiçãoArt. 229 do CP – Manutenção de casa

de exploração sexualTipo penal mais amplo Tipo penal menos amplo

Lei retroativa

Depois do trânsito em julgado quem é o juiz competente para aplicar a lei mais benéfica?

A doutrina diverge:

1ª corrente) Juiz da execução. Súmula 611 do STF.

2ª corrente) Depende. Se de aplicação meramente matemática (ex. criação de uma causa de diminuição de pena), compete ao juiz da execução. Contudo, se implicar juízo de valor (ex. criação de uma causa de diminuição de pena, quando houver pequeno prejuízo para a vítima), necessária a revisão criminal.

É possível a aplicação de lei mais benéfica durante o seu período de “vacatio legis”?

1ª corrente) Sim. O tempo de “vacatio” tem como finalidade principal promover o conhecimento da lei promulgada. Não faz sentido, portanto, que aqueles que já se inteirarem do teor da lei nova fiquem impedidos de lhe prestar obediência quanto aos seus preceitos mais brandos. Nesse sentido, Alberto Silva Franco e Rogério Greco.

2ª corrente) Não. No período de “vacatio” a lei penal não possui eficácia jurídica ou social. É defendida pelo professor, Damásio e Nucci. É a que prevalece.

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É possível a combinação de leis penais para beneficiar o réu?

1ª corrente) Não é possível. O juiz, ao combinar as leis, passa a legislar, criando uma terceira lei “lex tertia”. É adotada por Nelson Hungria.

2ª corrente) É possível. O juiz pode aplicar o todo de uma lei ou de outra para beneficiar o réu, pode escolher parte de uma e de outra para o mesmo fim, qual seja, beneficiar o réu.

Há grande divergência na doutrina nos Tribunais Superiores:

Ver RE 596.152 do STF.

Ver HC 103.833 do STF.

Ver HC 111.306 do STJ.

Ver HC 179.915 do STJ.

Como proceder em caso de dúvida sobre qual a lei mais benéfica? Para Nelson Hungria, a defesa deve ser consultada.

5 - No quinto exemplo tem-se o Princípio da Continuidade Normativo-Típica. É a migração do conteúdo criminoso de um tipo penal para outro tipo.

Ex. Lei 12.015/09:

Antes DepoisArt. 213 do CP: estupro Art. 213 do CP: estuproArt. 214 do CP: atentado violento ao

pudorArt. 214 do CP: foi revogado e o seu

conteúdo migrou para o art. 213 do CP.

Não se confunde “abolitio criminis” com Princípio da Continuidade normativo-típica:

“abolitio criminis” Princípio da Continuidade normativo-típica

Supressão da figura criminosa (formal e material)

Supressão formal do tipo

A conduta não será mais punida (o fato deixa de ser punível)

O fato permanece punível. A conduta criminosa apenas migra para outro tipo penal.

A intenção do legislador é não mais considerar o fato criminoso.

A intenção de legislador é manter o caráter criminoso do fato, mas com outra roupagem.

III - Artigo 3º do CP: Lei temporária e lei excepcional

Lei temporária: é aquela instituída por um prazo determinado. Tem prefixado no seu texto o lapso de vigência. Ex. Lei da Copa (lei 12.663/12, art. 36)

Lei excepcional: é aquela editada em função de algum evento transitório. Perdura enquanto persistir o estado de emergência. Ex. estado de guerra, estado de epidemia.

Características:

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I – São leis autorrevogáveis, chamadas leis intermitentes. Consideram-se revogadas assim que encerrado o prazo fixado ou cessada a situação de anormalidade.

II – Ultra-atividade: Trabalha-se com a ultra-atividade em ambas as hipóteses. Fatos ocorridos na vigência da lei continuam sendo alcançados por ela mesmo que cessada sua vigência. Seria um caso excepcional de ultra-atividade maléfica.

Observações:

I – A doutrina observa que, por serem de curta duração, se não fossem ultra-ativas, não teriam força intimidativa (uma das características da lei penal).

II – Estas leis, temporária e excepcional, não se sujeitam aos efeitos da “abolitio criminis”, salvo se lei posterior for expressa nesse sentido.

Essa ultra-atividade maléfica é constitucional?

1ª corrente) O art. 3º do CP é de duvidosa constitucionalidade, posto que exceção à irretroatividade legal que consagra a CF, não admite exceções, possui caráter absoluto. A extra-atividade deve ser sempre em benefício do réu. É defendida por Zaffaroni e Rogério Greco.

2ª corrente) O art. 3º do CP não viola o princípio da irretroatividade da lei prejudicial. Não existe sucessão de leis penais. Não existe tipo versando sobre o mesmo fato sucedendo lei anterior. Não existe lei para retroagir. Está explicada no item 9 da Exposição de Motivos do Código Penal. É a que prevalece.

IV - Retroatividade da lei penal e norma penal em branco

Quando o complemento da norma penal em branco é alterado, essa norma penal retroage?

Importante recordar:

I – Norma penal em branco heterogênea: É a lei complementada por uma espécie normativa, por ex. portaria.

II – Norma penal em branco homogênea: É a lei complementada por outra lei.

1ª corrente) A alteração benéfica do complemento da norma penal em branco homogênea ou heterogênea retroage para alcançar os fatos pretéritos. É defendida por Paulo José da Costa Jr.

2ª corrente) A alteração, mesmo que benéfica, não retroage. A norma principal não é revogada com a simples alteração do complemento. É defendida por Frederico Marques.

3ª corrente) Defendida por Mirabete. Só tem importância a variação da norma complementar quando esta provoca uma real modificação da figura abstrata do tipo penal. Assim, a alteração pode gerar duas situações possíveis:

a) mera modificação de circunstâncias, que não altera a figura abstrata. Nesta hipótese, não retroage, mesmo que mais benéfica;

b) modificação da figura abstrata. Nesta hipótese, retroage, desde que mais benéfica.

4ª corrente) A alteração benéfica na norma penal em branco homogênea retroage. Quando se tratar de norma penal em branco heterogênea, a alteração só retroage se benéfica e a norma não se reveste de caráter de excepcionalidade (ex. lei excepcional ou temporária). É defendida por Alberto Silva Franco e STF.

Exemplos:

I – art. 237 do CP – É uma norma penal em branco homogênea. Lei posterior revoga um impedimento.

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Para a 1ª corrente, retroage, pois é mais benéfica.

Para a 2ª corrente, não retroage, mesmo que mais benéfica, haja vista que a lei penal continua a mesma.

Para a 3ª corrente, o legislador, ao retirar o impedimento, alterou o próprio crime. Assim, retroage.

Para a 4ª corrente, é norma penal em branco homogênea e a alteração é mais benéfica, retroagindo.

II – Lei de Drogas – É uma norma penal em branco heterogênea. Nova portaria revoga o lança-perfume do seu rol.

1ª corrente: Alteração benéfica. Retroage.

2ª corrente: Não retroage. A lei continua a mesma.

3ª corrente: Modifica-se a figura criminosa. Retroage.

4ª corrente: Não é lei intermitente. Assim, retroage.

III – Lei 1521/51 (crimes contra a economia popular), art. 2º, VI – é uma norma penal em branco heterogênea (lei complementada por portaria). Em momento emergencial de alta inflação o governo tabela o preço da carne, não podendo suplantar R$ 30,00. Nesse período, João vende carne por R$ 40,00. Após, a portaria é atualizada por conta da inflação para R$ 50,00.

1ª corrente: retroage, pois mais benéfica.

2ª corrente: Não retroage, mesmo que mais benéfica.

3ª corrente: Não retroage. Não houve modificação na figura criminosa, apenas uma atualização da tabela.

4ª corrente: Não retroage. A Portaria reveste-se de excepcionalidade. É sempre ultra-ativa para os fatos praticados durante a sua vigência.

V - Lei intermediária mais benéfica

Lei A sucedida por Lei B, que é sucedida pela Lei C. Ambas as sucessões durante o processo. A lei B é a mais benéfica. A lei intermediária mais benéfica tem duplo efeito: A Lei B é retroativa para os fatos anteriores (quando revoga a Lei A) e ultra-ativa para os fatos posteriores.

VI - É possível retroatividade de jurisprudência mais benéfica?

Ex. súmula 174 do STJ antes de outubro de 2001. Ela foi cancelada após essa data. Esse novo entendimento retroage para alcançar os fatos pretéritos?

A CF/88 só menciona retroatividade da lei. Da mesma forma, o CP.

Para a Defensoria Pública, deve-se seguir Paulo Queiroz: Deve ser proibida a retroatividade desfavorável de jurisprudência e aplicada a retroatividade benéfica.

Segundo a doutrina majoritária, é possível a retroatividade benéfica de jurisprudência vinculante (súmula vinculante e decisões nas ações no controle de constitucionalidade).

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Eficácia da Lei Penal no Espaço

Sabendo que um fato punível pode, eventualmente, atingir os interesses de dois ou mais Estados igualmente soberanos, gerando, nesses casos, um conflito internacional de jurisdição, o estudo da lei penal no espaço visa apurar as fronteiras de atuação da lei penal nacional.

Qual país aplicará a sua lei penal ao fato criminoso praticado?

I - Princípios aplicáveis na solução do aparente conflito

1 – Princípio da Territorialidade: Aplica-se a lei penal do local do crime. Não importa a nacionalidade dos envolvidos ou do bem jurídico tutelado. Ex. um americano mata um argentino no solo brasileiro. Aplica-se a lei penal do Brasil.

2 – Princípio da Nacionalidade Ativa: Aplica-se a lei penal da nacionalidade do agente. Não importa o local do crime. Também não importa a nacionalidade da vítima ou do bem jurídico tutelado. Ex. um americano mata um holandês em território brasileiro. Aplica-se a lei penal dos EUA, por um juiz norte-americano. No DP o juiz criminal não trabalha com a lei estrangeira.

3 – Princípio da Nacionalidade Passiva: A doutrina diverge:

1ª corrente) Aplica-se a lei da nacionalidade da vítima. Não importa a nacionalidade do agente, do bem jurídico ou o local do crime. É majoritária (Bitencourt).

2ª corrente) Aplica-se a lei da nacionalidade do agente quando ofender um concidadão. Não importa o bem jurídico ou o local do crime. É defendida por Capez.

4 – Princípio da Defesa ou Real: Aplica-se a lei penal da nacionalidade do bem jurídico lesado. Não importa o local do crime ou a nacionalidade dos envolvidos. Ex. um português, servidor do Executivo brasileiro na Argentina, pratica um crime de corrupção. Será julgado de acordo com a lei brasileira, pois o bem jurídico tutelado é a administração pública brasileira.

5 – Princípio da Justiça Penal Universal: O agente fica sujeito a lei penal do país em que for encontrado. Não importa o local do crime, a nacionalidade dos envolvidos ou do bem jurídico tutelado.

Este Princípio está normalmente presente nos Tratados Internacionais de Cooperação na repressão de determinados delitos.

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6 – Princípio da Representação (Do Pavilhão), Da Bandeira, Da Substituição, ou Da Subsidiariedade: A lei penal aplica-se aos crimes cometidos em aeronaves e embarcações privadas quando praticados no estrangeiro e aí não sejam julgados (inércia do país estrangeiro). Ex. Está atracado no porto de Portugal, um navio particular brasileiro. Nesse navio, um americano mata um holandês. Se Portugal ficar inerte, aplica-se a lei brasileira (nacionalidade do navio).

O Brasil adotou como regra o Princípio da Territorialidade, segundo o art. 5º do CP. Contudo, é possível, por conta de regras internacionais, que um crime cometido no Brasil, não sofra as consequências da lei brasileira. Trata-se da Territorialidade Temperada. Os demais princípios atuam em nosso ordenamento jurídico para permitir a extraterritorialidade da lei penal brasileira.

Territorialidade Extraterritorialidade IntraterritorialidadeLocal do crime: Brasil Local do crime:

estrangeiroLocal do crime: Brasil

Lei aplicável: brasileira

Lei aplicável: brasileira

Lei aplicável: estrangeira. Ex. imunidade diplomática.

II - O que é território nacional?

Espaço geográfico (solo, subsolo, rios, lagos, mares etc.) + espaço jurídico (por ficção, equiparação, estampado no art. 5º, §1º, do CP).

Conclusões:

1 – Quando os navios ou aeronaves brasileiros forem públicos ou estiverem a serviço do governo brasileiro, quer se encontre em território nacional ou estrangeiro, são considerados parte de nosso território.

Quando navios ou aeronaves públicos estrangeiros estiverem em território nacional, pelo Princípio da Reciprocidade (art. 5º, §2º, do CP), não se aplica lei brasileira.

2 – Se privados, quando em alto-mar ou espaço aéreo correspondente, seguem a lei da bandeira que ostentam.

3 – Quando estrangeiros, em território brasileiro, desde que privados, são considerados parte de nosso território.

A embaixada é extensão do território que representa? O CP não abrange as embaixadas. A CF/88 também não. Pelo exposto, as embaixadas não são extensão do território que representam, apesar de invioláveis (posição do STF).

Situações elucidativas:

1 – Embarcação brasileira privada naufraga. Sobre os destroços dessa embarcação, holandês mata americano: Os destroços mantêm a sua bandeira. Logo, aplica-se a lei brasileira/da bandeira do território do crime.

2 – Embarcação brasileira privada colide com embarcação holandesa privada. É feita uma jangada com partes brasileira e partes holandesa. Americano mata argentino sobre a jangada: Nesse caso, afasta-se o território. Aplica-se a lei da nacionalidade ativa, para não surpreender o agente.

3 – Embarcação pública colombiana atracada em porto brasileiro. Crimes dentro da embarcação: Aplica-se a lei da Colômbia. Contudo, quando marinheiro colombiano comete crime no território nacional: Deve-se diferenciar duas situações: a) estava a serviço do seu país: lei colombiana; b) não estava a serviço do seu país: lei brasileira.

Direito de passagem inocente: Aplica-se a lei brasileira ao crime cometido a bordo de embarcação privada estrangeira de passagem pelo mar territorial brasileiro? Ex. Navio sai de Portugal com destino ao Uruguai, quando está passando pelo mar territorial brasileiro, um holandês mata um chinês.

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Ver art. 5º, §2º, do CP. Por este dispositivo, aplica-se a lei penal brasileira. Contudo, deve-se observar que este dispositivo é de 1984.

Ver art. 3º da Lei nº 8.617/93. Esta lei temperou o disposto no §2º, do art. 5º, do CP.

Para que seja reconhecida a passagem inocente, o navio privado deve utilizar o mar territorial brasileiro somente como caminho necessário para seu destino em outro país, sem pretensão de atracar no nosso território.

O direito de passagem inocente também abrange aeronaves? Apesar de não haver previsão expressa, a doutrina entende abranger as aeronaves, pois não há motivo justo para restringir.

III - Quando o crime se considera cometido no nosso território (lugar do crime)?

Há três teorias:

I – Teoria da Atividade: O crime considera-se praticado no lugar da conduta.

II – Teoria do Resultado/do evento: Considera-se praticado no lugar do resultado.

III – Teoria Mista/ubiquidade: Considera-se praticado no lugar da conduta ou do resultado.

Ver art. 6º do CP. O Brasil adotou a Teoria Mista.

Observação: Se no Brasil ocorre somente o planejamento e/ou preparação do crime, o fato, em regra, não interessa ao direito brasileiro, salvo quando a preparação, por si só, caracterizar crime (ex. associação para o tráfico).

Crime à distância/ de espaço máximo

Crime em trânsito Crime plurilocal

O crime percorre território de 2 países soberanos. Ex. Brasil e Argentina.

O crime percorre território de + de 2 países soberanos. Ex. Brasil, Argentina e Uruguai.

O crime percorre 2 ou + territórios do mesmo país. Ex. SP, BH e RJ.

Conflito internacional de jurisdição (a lei de qual país será aplicada?)

Conflito internacional de jurisdição (a lei de qual país será aplicada?)

Conflito interno de competência (qual juízo aplicará a lei?)

Resolve-se pelo art. 6º do CP: Teoria da Ubiquidade.

Resolve-se pelo art. 6º do CP. Teoria da Ubiquidade.

Como regra, aplica-se o art. 70 do CP: Teoria do Resultado.

IV - Extraterritorialidade

Em casos excepcionais, a nossa lei poderá extrapolar os limites do território, alcançando crimes cometidos exclusivamente no estrangeiro.

Art. 7º, I, CPExtraterritorialidade incondicionada

(§1º)O agente é punido segundo a lei

brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.

a) Crime contra a vida ou a liberdade do Presidente da República: P. da Defesa

b) Crime contra o patrimônio público brasileiro: P. da Defesa.

c) Crime contra a administração pública: P. da Defesa

d) Genocídio: P. da Justiça Universal

Art. 7º, II, CP a) Crimes que, por tratado ou

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Extraterritorialidade condicionada (§2º)

convenção, o Brasil se obrigou a reprimir, salvo o genocídio: P. da Justiça Universal

b) Crimes praticados por brasileiro: P. da Nacionalidade Ativa.

c) Crimes praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados: P. da Representação

Art. 7º, §3º, CPExtraterritorialidade

hipercondicionadaAlém das condições previstas no § 2º,

há mais duas condições previstas nesse parágrafo.

Crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil: P. da Nacionalidade Passiva

Extraterritorialidade condicionada: Nos casos do art. 7º, II, do CP, para que a nossa lei possa ser aplicada, é necessário o concurso (requisitos cumulativos) das seguintes condições:

1 – Entrar o agente no território nacional: Entrar é diferente de permanecer. O agente não precisa permanecer no território brasileiro.

Território nacional abrange o espaço geográfico e o espaço jurídico.

2 – Ser o fato punível também no país em que foi praticado: Ex. Bigamia é crime no Brasil; porém, não é crime em alguns países africanos.

3 – Estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição: Ver art. 77 da Lei 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro). Hipóteses em que não se aplica a lei brasileira a fato praticado no estrangeiro.

4 – Não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena:

5 – Não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável:

Brasileiro em Portugal mata dolosamente cidadão português. O agente foge e retorna ao território nacional antes do fim das investigações. A lei brasileira alcança este fato? A resposta é positiva, pois foram preenchidos os cinco requisitos da extraterritorialidade condicionada. Contudo, deve-se observar também que o Brasil não admite a extradição de brasileiro nato.

O autor do crime será processado pela justiça estadual ou federal? A regra, é que esse crime é da competência da Justiça Estadual. Não há nada que indique interesse da União nessa hipótese.

Qual a comarca competente para o processo e julgamento? Ver art. 88 do CPP.

Ato infracional praticado no estrangeiro:

1ª corrente) O ECA não prevê a extraterritorialidade da sua lei.

2ª corrente) Ato infracional é o crime praticado por menor. Pode-se aplicar o art. 7º do CP subsidiariamente ao ECA.

V - Pena cumprida no estrangeiro (art. 8º do CP)

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É possível que suceda a hipótese de ser o agente processado, julgado e condenado tanto pela lei brasileira como pela lei estrangeira (em especial nos casos de extraterritorialidade incondicionada) pelo mesmo fato. Neste caso, há “bis in idem”? Percebe-se que o art. 8º do CP revela clara exceção ao Princípio do “Non Bis In Idem”, admitindo dois processos, dois julgamentos e duas condenações. Com o fim de atenuar a dupla punição pelo mesmo fato, o art. 8º autoriza compensação de penas.

Eficácia da lei penal em relação às pessoas

A lei penal se aplica a todos, por igual, não existindo privilégios pessoais. Há, no entanto, pessoas que, em virtude de suas funções ou em razões de regras internacionais, desfrutam de imunidades. Longe de uma garantia pessoal, trata-se de necessária prerrogativa funcional.

Privilégio PrerrogativaExceção da lei comum deduzida da

situação de superioridade das pessoas que a desfrutam.

Conjunto de precauções que rodeiam a função.

Subjetivo e anterior à lei. Objetiva e deriva da lei.Tem essência pessoal. Anexo à qualidade do órgão.Poder frente à lei. Conduto para que a lei se cumpra.

I - Imunidades diplomáticas

Trata-se de prerrogativa de direito público internacional de que desfrutam: a) Chefes de Governo Estrangeiro ou de Estado, sua família e membros da sua comitiva; b) Embaixador e sua família; c) funcionários do corpo diplomático; d) funcionários das organizações internacionais, quando em serviço (Ex. ONU).

Ver Convenção de Viena sobre relações diplomáticas de 1961, artigos 31 e seguintes.

Natureza jurídica da imunidade diplomática:

1ª corrente) Causa pessoal de isenção de pena. É a que prevalece.

2ª corrente) Causa impeditiva da punibilidade. Defendida por LFG, por ex.

O diplomata deve obediência à nossa lei: Por força da característica da generalidade da lei penal, os agentes diplomáticos devem obediência ao preceito primário do país em que se encontram.

Escapam, no entanto, da sua consequência jurídica (punição – preceito secundário), permanecendo a eficácia da lei penal do Estado a que pertencem (intraterritorialidade).

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O agente diplomático, por disposição expressa, não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão, conforme o art. 29, do Decreto 56.435/65.

Essa inviolabilidade, de que são portadores, estende-se à sua residência particular, seus documentos, correspondências e bens, conforme o art. 30 do Decreto 56.435/65.

Os agentes consulares têm imunidades diplomáticas? Os agentes consulares têm imunidade funcional relativa. São imunes nos crimes cometidos no exercício da função. Por outro lado, o embaixador tem imunidade para crime cometido no exercício da função ou fora dela.

A imunidade é irrenunciável: É vedado ao seu destinatário abdicar da prerrogativa (pois esta é do cargo e não da pessoa).

Poderá haver renúncia por parte do Estado de origem, ficando o diplomata sujeito à lei do país em que ocorreu o crime.

Ver art. 32 do Decreto 56.435/65.

Teoria Geral da Infração Penal

I - Conceito de Infração Penal

I – Sob o enfoque formal, infração penal é aquilo que assim está rotulado em uma norma penal incriminadora, sob ameaça de pena.

II - Num conceito material, infração penal é comportamento humano causador de relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, passível de sanção penal.

III – O conceito analítico leva em consideração os elementos estruturais que compõem a infração penal, prevalecendo que os mesmos são: Fato típico, Ilicitude e Culpabilidade.

II - Crime x Contravenção Penal

Infração penal é gênero que se divide em crime e contravenção penal. Assim, o Brasil adotou o Sistema Dualista ou Binário.

Delito = crime.

Contravenção Penal = crime anão = delito liliputiano = crime vagabundo.

Essas espécies de infração penal não guardam entre si distinções de natureza ontológica (mundo do ser). A diferença é axiológica (valor). Os fatos mais graves devem ser rotulados como crime.

O rótulo de crime ou de contravenção penal para determinado comportamento humano depende do valor que lhe é conferido pelo legislador (opção política). Ex. Porte Ilegal de Arma de Fogo: 1) Até 1997 era uma contravenção penal (art. 19); 2) Após 1998, virou crime; 3) Depois de 2003, tronou-se inafiançável; 4) O STF declarou a inconstitucionalidade da inafiançabilidade.

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Diferenças:

Crime Contravenção1 – Quanto à pena

privativa de liberdade imposta. Ver art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal.

Pode ser punido com detenção ou reclusão. A primeira se inicia no regime semiaberto ou aberto, podendo regredir para o fechado. A segundo pode se iniciar nos regimes fechados, semiaberto e aberto.

Ver art. 6º da LCP.Pode ser iniciada no

regime semiaberto ou aberto. Jamais poderá ser cumprida no regime fechado.

2 – Espécies de ação penal

Pode ser pública incondicionada ou condicionada. Pode ser privada.

Somente pública incondicionada.

Para a doutrina, a contravenção penal de Vias de Fato não pode ter como ação a pública incondicionada, haja vista que a ação para a lesão corporal leve dolosa é pública condicionada à representação. Se assim o fosse, estariam feridos os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Contudo, STF e STJ entendem que o tipo de ação penal não está sempre ligado à gravidade da infração, sendo a contravenção em comento pública incondicionada.

3 – Punibilidade da tentativa

Em regra, é punível. Não é punível, segundo o art. 4º da LCP.

4 - Extraterritorialidade

Admite. Não admite, segundo o art. 2º da LCP.

5 – Competência para processo e julgamento

Justiça Federal e Justiça Estadual.

Somente Justiça Estadual, segundo o art. 109, IV, da CF. Nem mesmo a conexão é capaz de atrair a competência para a Justiça Federal.

Observa-se que quando o contraventor detém foro por prerrogativa de função federal, é julgado por órgão federal.

6 – Limites das Penas Art. 75 do CP: 30 anos.

Art. 10 da LCP: 5 anos.

III - Sujeito Ativo

É a pessoa que pratica a infração penal. Pode ser qualquer pessoa física capaz e com 18 anos completos.

Pessoa jurídica:

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Ver art. 225, §3º, da CF.

Seguindo o mandado constitucional de criminalização, nasceu a lei 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais). Ver art. 3º desta lei.

1ª corrente) A pessoa jurídica não pode praticar crimes, nem ser responsabilizada penalmente. A empresa é uma ficção jurídica, uma entidade virtual, desprovida de consciência e vontade. A intenção do constituinte não foi criar a responsabilidade penal da pessoa jurídica. O texto do §3º, do art. 225, da CF apenas reafirma que as pessoas naturais estão sujeitas a sanções de natureza penal, e que as pessoas jurídicas estão sujeitas a sanções de natureza administrativa. A pessoa física pode ser responsabilizada administrativa, civil e penalmente; a pessoa jurídica, administrativa e civilmente.

2ª corrente) Apenas pessoa física pratica crime. Entretanto, nos crimes ambientais, havendo relação objetiva entre o autor do fato típico e ilícito e a empresa (infração cometida por decisão do seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da entidade), admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica. A pessoa física pode ser responsabilizada administrativa, civil e penalmente; a pessoa jurídica, também, apesar de não praticar crime.

3ª corrente) a pessoa jurídica é um ente autônomo e distinto dos seus membros, dotado de vontade própria. Pode cometer crimes ambientais e sofrer pena. A CF/88 autorizou a responsabilidade penal do ente coletivo, objetiva ou não. Deve haver adaptação do juízo de culpabilidade para adequá-lo às características da pessoa jurídica criminosa. O fato de a teoria tradicional do delito não se amoldar à pessoa jurídica, não significa negar sua responsabilização penal, demandando novos critérios normativos. É certo, porém, que sua responsabilização está associada à atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (dolo ou culpa). Tanto pessoa física quanto a jurídica praticam crimes ambientais, podendo ser responsabilizadas administrativa, civil e penalmente.

É possível que o MP ofereça denúncia por crime ambiental apenas contra a pessoa jurídica, sem denunciar a pessoa física?

1ª corrente) No STJ tem se decidido que a denúncia deve imputar o fato criminoso à pessoa física para também abranger a pessoa jurídica criminosa.

2ª corrente) O STF, por sua 1ª turma, em decisão recente, decidiu que a denúncia pode imputar o fato criminoso somente à pessoa jurídica.

Classificação do crime quanto ao sujeito ativo:

1 – Comum: O tipo penal não exige qualidade ou condição especial do agente. Admite coautoria e participação. Ex. art. 121 do CP.

2 – Próprio: O tipo penal exige qualidade ou condição especial do agente. Admite coautoria e participação, mesmo de pessoas que não possuem os predicados exigidos pelo tipo. Ex. Peculato (não impede a coautoria ou a participação de alguém que não seja funcionário público).

3 – Mão Própria: O tipo penal exige qualidade ou condição especial do agente. Porém, não admite coautoria, só participação. É o chamado crime de conduta infungível. Ex. Falso Testemunho.

Esta espécie de crime é incompatível com a Teoria do Domínio do Fato. O STF, ao trabalhar com esta teoria, tem entendido poder haver coautoria nos crimes de Falso de Testemunho.

IV - Sujeito passivo

É a pessoa ou ente que sofre as consequências da infração penal. Pode figurar como sujeito passivo qualquer pessoa física ou jurídica ou mesmo ente indeterminado, isto é, aquele destituído de personalidade jurídica (ex. coletividade, família etc.), sendo que tais crimes são chamados pela doutrina de “crime vago”.

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Classificação:

1 – Constante/mediato/formal/geral/genérico: Estado, que é interessado na manutenção da paz pública e da ordem social.

2 – Eventual/imediato/material/particular/acidental: É o titular do interesse penalmente protegido. O Estado também pode aparecer aqui, como, por ex., nos crimes contra a AP.

O sujeito passivo eventual é classificado em:

a) Comum: o tipo não exige condição especial do ofendido. Ex. Homicídio

b) Próprio: O tipo exige condição especial do ofendido. Ex. Infanticídio (o sujeito passivo deve ser o nascente ou o neonato).

Tipo Bicomum: Não exige qualidade especial dos sujeitos ativo e passivo. Ex. Estupro.

Tipo Biprópio: Exige qualidade especial dos sujeitos ativo e passivo. Ex. Infanticídio

Crime de dupla subjetividade passiva: Crimes que têm obrigatoriamente pluralidade de vítimas. Ex. Violação de Correspondência – art. 151 do CP (remetente e destinatário da carta).

Morto pode ser vítima de crime? Não sendo titular de direitos, não é sujeito passivo de crimes. Não obstante, há os Crimes Contra o Respeito aos Mortos, onde a coletividade é a vítima. No crime de calúnia contra os mortos, a família do morto será a vítima.

Animais podem ser vítimas de crime? Não são vítimas de crimes, embora possam figurar como objeto material do delito. No crime de maus-tratos contra os animas, a coletividade é a vítima e o objeto material do crime é o animal.

O homem pode ser ao mesmo tempo sujeito ativo e sujeito passivo do crime? Em regra não. Porém, Rogério Greco admite uma exceção, qual seja, crime de rixa ( art. 137 do CP).

V - Objeto Material do Crime

É a pessoa ou a coisa sobre a qual recaí a conduta criminosa. Ex. “A” atira para matar “B”. “B” é o objeto material do crime.

É possível crime sem objeto material? Nem todo crime tem objeto material. Crimes de Mera Conduta não têm objeto material. Crimes omissivos puros não têm objeto material. Crimes formais podem ou não ter objeto material (ex. Falso Testemunho não tem objeto material).

Os crimes materiais sempre têm objeto material, porque o resultado deve produzir-se sobre uma pessoa ou coisa.

Quando o objeto material é absolutamente impróprio para se alcançar o resultado há o crime impossível (art. 17 do CP). Ex. disparar contra cadáver.

Nem sempre o sujeito passivo coincide com o objeto material. Ex. furto.

VI - Objeto Jurídico do Crime

Revela o interesse tutelado pela norma, isto é, o bem jurídico protegido pela norma penal.

Os crimes pluriofensivos protegem mais de um interesse jurídico. Ex. roubo (incolumidade pessoal + patrimônio da vítima).

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Não existe crime sem objeto jurídico. Deve-se lembrar que a missão fundamental do Direito Penal é proteger bens jurídicos.

VII - Substratos do Crime

O conceito analítico de crime compreende as estruturas do delito.

Prevalece, hoje, que, sob o enfoque analítico, crime é composto de três substratos: fato típico, ilicitude (ou antijuridicidade) e culpabilidade. Presentes os três substratos, surge para o Estado o direito de punir (consequência jurídica é a punibilidade – não integra o conceito de crime).

VII.1 - Fato Típico

É um fato humano indesejado, consistente numa conduta causadora de um resultado, com ajuste a um tipo penal (tipicidade). É o primeiro substrato do crime (Bettiol).

Requisitos do fato típico: a) conduta; b) resultado; c) nexo causal; d) tipicidade penal.

Tipicidade penal não se confunde com tipo penal:

Tipicidade penal Tipo penalOperação de ajuste do fato à norma. Modelo de conduta proibida.

Tipo penal:

1 – Elementos Objetivos:

Descritivos Normativos CientíficosRelacionados com

tempo, lugar, modo, meio de execução do crime, descrevendo seu objeto material.

Demandam juízo de valor.

O conceito transcende o mero elemento normativo, extraindo o seu significado da ciência natural.

Elementos percebidos pelos sentidos. Ex. art. 121 do CP – “matar alguém” (só é composto por elementos objetivos descritivos).

Não são percebidos pelos sentidos. Ex. art. 154 do CP: “...sem justa causa...”.

Não demanda juízo de valor.

Ex. art. 24 da lei 11.105/05: “utilizar embrião humano...”.

2 – Elementos Subjetivos: Relacionados com a finalidade específica que deve ou não animar o agente:

Positivos NegativosElementos indicando

a finalidade que deve animar o agente.

Elementos indicando a finalidade que não deve animar o agente.

Ex. art. 33, §3º, da lei 11.343/06: “... para juntos consumirem...”

Ex. art. 33, §3º, da lei 11.343/06: “...sem objetivo de lucro...” (finalidade que não deve existir, sob pena de se transformar em tráfico de drogas).

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Conduta: Não há crime sem conduta (“nullum crimen sine conducta”).

Temos doutrina negando a possibilidade de a pessoa jurídica praticar crime exatamente porque pessoa jurídica não tem conduta, mas é conduzida.

Não se confunde conduta com ato reflexo. A conduta é movimento voluntário; o ato reflexo é movimento involuntário.

O que é conduta?

1 – Teoria Causalista (causal naturalista, clássica, naturalística, mecanicista): Foi idealizada por Von Liszt, Beling e Radbruch no início do século XIX. Características:

a) Marcada pelos ideais positivistas;

b) Segue o método empregado pelas ciências naturais. Trabalha com as leis da causalidade;

c) O mundo deveria ser explicado através da experimentação dos fenômenos, sem espaço para abstrações.

d) Trabalha o Direito como se trabalha uma ciência exata (o Direito observado pelos sentidos).

e) O desejo do causalista é que o tipo penal seja composto somente de elementos objetivos descritivos (são os elementos percebidos pelos sentidos).

O crime é composto de fato típico, ilicitude e culpabilidade para esta teoria. A teoria causalista é tripartite. Conduta é o primeiro requisito do fato típico.

Conceito de conduta: É o movimento corporal voluntário que produz uma modificação no mundo exterior, perceptível pelos sentidos.

Dolo e culpa são analisados na culpabilidade.

De acordo com a teoria causalista, a conduta é composta de vontade, movimento corporal e resultado, porém a vontade não está relacionada com a finalidade do agente, elemento este analisado somente na culpabilidade.

O causalista quer observar a conduta apenas pelos sentidos, daí a distinção que faz de tipos normais e tipos anormais:

- Tipo normal: Composto somente de elementos objetivos descritivos, permitindo observar a conduta com os sentidos.

- Tipo anormal: Composto também de elementos objetivos normativos e subjetivos. Estes elementos não são compreendidos pelos sentidos.

Críticas ao causalismo:

a) Ao conceituar conduta como “movimento humano”, esta teoria não explica de maneira adequada os crimes omissivos;

b) Não há como negar a presença de elementos normativos e subjetivos do tipo;

c) Ao fazer a análise do dolo e da culpa somente na cupabilidade, não há como distinguir, apenas pelos sentidos, a lesão corporal da tentativa de homicídio, por exemplo;

d) É inadmissível imaginar a ação humana como um ato de vontade sem finalidade.

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2 – Teoria Neokantista (Causal Valorativa): Idealizada por Edmund Mezger. Desenvolvida nas primeiras décadas do século XX. Características:

a) Tem base causalista;

b) Fundamenta-se numa visão neoclássica marcada pela superação do positivismo, através da introdução da racionalização do método (reconhece que o Direito é ciência do “dever ser”).

c) Questiona se é possível apreciar toda a realidade com a ajuda dos métodos das ciências naturais. As ciências naturais explicam parcialmente a realidade (só os fenômenos que ser repetem). Não explicam os fenômenos individuais (explicados pela ciência da cultura – o Direito).

É tripartite. Crime é composto de fato típico, ilicitude e culpabilidade. A conduta está no fato típico.

Conduta: É o comportamento humano voluntário causador de um resultado. Assim, abrange os comportamentos omissivos.

A teoria em exame não se prende aos métodos da ciência exata. Não depende somente dos sentidos. Logo, admite elementos não objetivos descritivos no tipo penal. O Direito não é “ser”, mas “do dever ser”.

Não diferencia o tipo em “normal” e “anormal”. “Tipo é tipo”.

Críticas:

a) Permanece considerando dolo e culpa como elementos da culpabilidade;

b) Analisando dolo e culpa somente na culpabilidade, ficou contraditória ao reconhecer como normais os elementos normativos e subjetivos do tipo.

3 – Teoria Finalista: Criada por Hans Welzel nos meados do século XX. Características:

a) Percebe que o dolo e a culpa estavam inseridos no substrato errado (não devem integrar a culpabilidade).

Teoria Causalista Teoria Neokantista Teoria FinalistaDolo e culpa na

culpabilidade.Dolo e culpa na

culpabilidade. Contudo, reconhece elementos normativos/subjetivos do tipo.

Migra dolo e culpa para o fato típico.

Conduta = ato de vontade sem conteúdo.

Conduta = ato de vontade sem conteúdo.

Conduta = ato de vontade com conteúdo.

b) Nasceu tripartite. Crime é composto de fato típico, ilicitude e culpabilidade. Na conduta é analisado o dolo e a culpa. Assim, o fato típico passou a ter duas dimensões:

Dimensão objetiva Dimensão subjetiva- conduta- resultado- nexo causal- tipicidade penal

- dolo- culpa- conduta é ato de vontade com

conteúdo.

Conduta: Comportamento humano voluntário psiquicamente dirigido a um fim (toda conduta é orientada por um querer).

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Supera-se a “cegueira” do causalismo (não enxerga a finalidade do agente na conduta) com um finalismo “vidente” (enxerga a finalidade do agente na conduta).

Críticas:

a) Concentrou sua teoria no desvalor da conduta ignorando o desvalor do resultado.

b) Essa crítica foi superada, mas vale recordar: Num primeiro momento, a teoria finalista conceituou conduta como “comportamento humano voluntário psiquicamente dirigido a um fim ilícito” (exigindo fim ilícito, não explicava os crimes culposos). O conceito foi corrigido excluindo-se a expressão “ilícito”.

Observação: No Brasil foi criada a Teoria Finalista Dissidente/Bipartite por Rene Ariel Dotti. Para esta teoria crime é composto somente de dois substratos, quais sejam, fato típico e ilicitude. Culpabilidade é pressuposto de aplicação da pena. Contudo, observa-se que essa teoria é minoritária.

4 – Teoria Social da Ação: Foi desenvolvida por Wessels e tem como principal adepto Jecheck.

A pretensão desta teoria não é substituir as teorias clássica e finalista, mas acrescentar-lhes uma nova dimensão, qual seja, a relevância social do comportamento.

É tripartite. Crime tem três substratos: FT, I e C.

Conduta: É o comportamento humano voluntário psiquicamente dirigido a um fim, socialmente reprovável.

Observa-se que o dolo e a culpa integram o fato típico, mas são novamente analisados no juízo de culpabilidade.

Crítica: A principal crítica reside na vagueza do conceito “socialmente reprovável”. Trata-se de noção muito ampla, sendo arriscado incorporá-la ao Direito Penal, limitando sua intervenção.

5 – Teorias funcionalistas (Funcionalismo):

a) Ganham força e espaço na década de setenta, sendo discutidas com ênfase na Alemanha;

b) Buscar adequar a dogmática penal aos fins do Direito Penal (as teorias anteriores analisavam conduta sem atentar para os fins do DP);

c) Percebem que o Direito Penal tem necessariamente uma missão e que seus institutos devem ser compreendidos de acordo com essa missão (edificam o DP a partir da função que lhe é conferida).

d) Assim, conduta deve ser compreendida de acordo com a missão do Direito Penal.

Teoria Funcionalista Teleológica/Dualista/Moderado/da Política Criminal: De Roxin. O DP visa à proteção de bens jurídicos e dos valores essenciais à convivência social harmônica.

O crime é composto de fato típico (aqui está a conduta), de ilicitude e de reprovabilidade. Esta é constituída de imputabilidade, potencial consciência da ilicitude, exigibilidade de conduta diversa e necessidade da pena (pena desnecessária = fato deixa de ser reprovável, deixando de ser crime).

Conduta: É o comportamento humano voluntário causador de relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.

Funcionalismo Radical/Sistêmico/Monista: De Jakobs. O DP tem como missão assegurar a vigência do sistema. Está relativamente vinculada à noção de sistemas sociais (Niklas Luhmann).

O crime é composto de fato típico (aqui reside a conduta), ilicitude e culpabilidade.

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Conduta: É o comportamento humano voluntário causador de um resultado, violador do sistema, frustrando as expectativas normativas.

6 - Direito Penal do Inimigo/Bélico: As premissas sobre as quais se funda o funcionalismo sistêmico deram ensejo à “exumação” (estava presente nos pensadores e filósofos da antiguidade) da Teoria do Direito Penal do Inimigo, representando a construção de um sistema próprio para o tratamento do indivíduo “infiel ao sistema”.

Pensadores: Protágoras, São Tomás de Aquino, Kant, Locke, Hobbes.

Jakobs exumou o DP do inimigo (e não o inventou), inspirando-se nestes pensadores.

Jakobs fomenta o DP do inimigo para o terrorista, traficante de drogas, de armas e de seres humanos e para os membros de organizações criminosas transnacionais. “O delinquente, autor de determinados crimes, não é ou não deve ser considerado como cidadão, mas como um cancro societário, que deve ser extirpado” (Munhõz Conde).

Características:

a) Antecipação da punibilidade com a tipificação de atos preparatórios. Quer evitar o início da execução de determinados crimes. Ex. Terrorismo, tráfico de drogas;

b) Condutas descritas em tipos de mera conduta e de perigo abstrato, flexibilizando o princípio da lesividade;

c) Descrição vaga dos crimes e das penas, flexibilizando o princípio da legalidade.

d) Preponderância do Direito Penal do Autor, flexibilizando o princípio da exteriorização do fato;

e) Surgimento das chamadas “leis de luta e de combate”: leis de ocasião. Ex. Lei 12.850/13. Campo fértil para o Direito Penal de Emergência.

f) Endurecimento da execução penal. Ex. RDD;

g) Restrição de garantias penais e processuais: Direito Penal de 3ª Velocidade.

Qual dessas teorias o Brasil adotou? O CP, com a reforma de 1984, de acordo com a maioria, adotou o Finalismo. Contudo, o CPM, é causalista, analisando dolo e culpa na culpabilidade, de acordo com o seu art. 33. Não obstante, a doutrina moderna trabalha com as premissas do funcionalismo de Roxin, salvo o substrato da reprovabilidade.

Características da conduta:

a) Comportamento voluntário dirigido a um fim: Está presente na conduta dolosa e na conduta culposa. A diferença é que na conduta dolosa o fim é a lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, enquanto que na conduta culposa há a prática de um ato cujo resultado previsível seja capaz de causar lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.

b) Exteriorização da vontade: A vontade aparece por meio de uma ação ou omissão.

Causas de exclusão da conduta:

a) Caso fortuito ou força maior: MHD conceitua força maior como fato da natureza que ocasiona acontecimentos (ex. raio que provoca incêndio); no caso fortuito o evento tem origem em causa desconhecida (ex. cabo elétrico que sem motivo aparente se rompe causando incêndio). Em ambas as hipóteses não há conduta por ausência da voluntariedade, os fatos são imprevisíveis ou inevitáveis.

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b) Involuntariedade: Ausência da capacidade de dirigir a conduta de acordo com uma finalidade.

- Estado de inconsciência completa: Ex. sonambulismo, hipnose etc. Não existe comportamento voluntário.

- Movimento reflexo: Sintoma de reação automática do organismo a um estímulo externo. É um ato desprovido de vontade.

Movimento reflexo Ação em curto-circuitoImpulso fisiológico, desprovido de

vontade. Movimento relâmpago, provocado

pela excitação. É acompanhado de vontade.Ex. susto. Ex. excitação de torcida organizada;

comuns em crimes de multidão, onde o agente age com dolo de ímpeto.

c) Coação física irresistível: O coagido é impossibilitado de determinar seus movimentos de acordo com a sua vontade. Exclui a conduta, desaparecendo o fato típico.

Não abrange a coação moral irresistível. Exclui a inexigibilidade de conduta diversa, desaparecendo a culpabilidade.

Espécies de conduta quanto à voluntariedade

Teoria Clássica Teoria FinalistaCrime:- Fato típico- Ilicitude- Culpabilidade (dolo e culpa)

Crime:- Fato típico (dolo e culpa –

elementos implícitos do tipo ou da conduta)- Ilicitude- Culpabilidade

Crime doloso: Está previsto no art. 18, I, CP.

Dolo é a vontade consciente dirigida a realizar (ou aceitar realizar) a conduta descrita no tipo penal.

A noção de dolo não se esgota na realização da conduta, abrangendo resultado e demais circunstâncias da infração penal. Visa-se evitar responsabilidade penal objetiva.

Elementos do dolo:

I – Volitivo: É a vontade de praticar a conduta descrita na norma.

II – Intelectivo: É a consciência da conduta e do resultado.

Observação: Não raras vezes percebemos doutrina conceituando dolo como sendo vontade + livre + consciente. Contudo, a liberdade da vontade não é elemento do dolo, mas circunstância a ser analisada na culpabilidade.

1º exemplo: Vontade + livre + consciência: dolo, presente a culpabilidade.

2º exemplo: Vontade + não livre + consciência: dolo, ausente a culpabilidade (por inexigibilidade de conduta diversa).

Teorias do dolo:

I – Da Vontade: Dolo é a vontade consciente de querer praticar a infração penal.

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II – Da Representação: Fala-se em dolo sempre que o agente tiver a previsão do resultado como possível e, ainda assim, decidir prosseguir com a conduta.

Observação: Esta Teoria abrange no conceito de dolo a culpa consciente.

III – Do Assentimento/Consentimento: Fala-se em dolo sempre que o agente tiver a previsão do resultado como possível e, ainda assim, decidir prosseguir com a conduta, assumindo o risco de produzir o evento (por essa expressão não mais se abrange a culpa consciente).

O CP, no art. 18, I, adotou as Teorias da Vontade e do Consentimento:

Considera-se o crime doloso:

Dolo Teoria

“Quando o agente quis o resultado”

Direto Da Vontade

“Quando o agente assumiu o risco de produzi-lo”

Eventual Do Consentimento

Espécies de dolo:

I – Dolo normativo ou híbrido: Adotado pela Teoria Neoclássica ou Neokantista, essa espécie de dolo integra a culpabilidade (Teoria Psicológica-normativa da culpabilidade), trazendo, a par dos elementos consciência e vontade, também a consciência atual da ilicitude, elemento normativo que o diferencia do dolo natural. Pelo exposto, os elementos desse dolo normativo são: consciência (intelectivo) + vontade (volitivo) + consciência atual da ilicitude (normativo).

II – Dolo natural ou neutro: É o dolo componente da conduta, adotado pela Teoria Finalista. O dolo pressupõe apenas consciência e vontade. A consciência da ilicitude passou a ser elemento da culpabilidade, deixando de ser consciência atual para ser consciência potencial da ilicitude.

A culpabilidade seguiu a Teoria Normativa Pura, deixando de ter elementos psicológicos.

III – Dolo direto ou determinado ou imediato ou incondicionado: Configura-se quando o agente prevê um resultado, dirigindo sua conduta na busca de realizar esse evento.

IV – Dolo indireto ou indeterminado: O agente, com sua conduta não busca resultado certo e determinado. Divide-se em:

a) Dolo alternativo: O agente prevê pluralidade de resultados, dirigindo a sua conduta para realizar qualquer deles. Tem a mesma intensidade de vontade de realizar os resultados previstos. Divide-se em:

- Objetivo: Ocorre quando a vontade indeterminada estiver relacionada com o resultado em face da mesma vítima. Ex. Dispara-se contra a vítima para feri-la ou mata-la.

- Subjetivo: Ocorre quando a vontade indeterminada envolver vítimas diferentes de um mesmo resultado. Ex. Disparo contra grupo de pessoas para matar qualquer delas.

b) Dolo eventual: O agente prevê pluralidade de resultados, dirigindo a sua conduta para realizar um deles, assumindo o risco de realizar o outro. A intensidade da vontade em relação aos outros resultados previstos é diferente. Ex. O agente prevê lesão e prevê homicídio. Dirige a conduta visando a lesão. Porém, assume o risco de matar.

V – Dolo cumulativo: O agente pretende alcançar dois resultados em sequência. Hipótese de progressão criminosa. Ex. O agente, depois de ferir a vítima, resolve provocar sua morte.

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Não se confunde com o dolo alternativo. Neste emprega-se “ou”. No dolo cumulativo, emprega-se “e”.

VI – Dolo de dano: A vontade do agente é causar efetiva lesão ao bem jurídico tutelado. Ex. dirige a conduta para matar a vítima (art. 121 do CP).

VII – Dolo de perigo: O agente atua com a intenção de expor a risco o bem jurídico tutelado. Ex. dirige a conduta para periclitar a vida da vítima (art. 132 do CP).

VIII – Dolo genérico: O agente atua com vontade de realizar a conduta descrita no tipo penal sem um fim específico.

IX – Dolo específico: O agente atua com vontade de realizar a conduta descrita no tipo penal com um fim específico. Ex. é um crime que normalmente vem com a expressão “com o fim de”.

Observação: Atualmente não se fala em dolo genérico e dolo específico. O dolo genérico é o dolo. O dolo específico é dolo + elemento subjetivo do tipo.

X – Dolo geral ou erro sucessivo: Será analisado na próxima aula, no erro de tipo.

XI – Dolo de 1º grau: É o dolo direto.

XII – Dolo de 2º grau: É também espécie de dolo direto. No dolo de 2º grau, a vontade do agente se dirige aos meios utilizados para alcançar determinado resultado. Abrange os efeitos colaterais do crime, de verificação praticamente certa.

O agente não persegue imediatamente os efeitos colaterais, mas tem por certa sua ocorrência, caso se concretize o resultado imediatamente pretendido. Ex. o agente coloca uma bomba em um avião para matar determinada pessoa. Porém, com essa ação mata o agente (dolo direto – de 1º grau) e todos os demais passageiros do avião (efeitos colaterais do crime – dolo de 2º grau).

O dolo de 2º grau não se confunde com o dolo eventual:

Dolo de 2º grau Dolo eventualEspécie de dolo direto. Espécie de dolo indireto. O resultado paralelo é certo e

inevitável.O resultado paralelo é incerto e

eventual.Ex. abater avião para matar o piloto.

Demais tripulantes – dolo de 2º grau.Ex. Atirar contra carro em movimento

para matar motorista. Demais passageiros – dolo eventual.

XIII –

Dolo antecedente Dolo concomitante Dolo subsequenteO dolo é anterior à

conduta.É o dolo existente no

momento da conduta.É o dolo posterior à

conduta.

Observa-se que o dolo que interessa é o dolo concomitante. Os demais podem ensejar responsabilidade penal objetiva.

XIV – Dolo de propósito: A vontade é refletida, pensada. Caracteriza a premeditação. Observa-se que a premeditação, por si só, não agrava ou qualifica necessariamente o crime.

XV – Dolo de ímpeto: Caracterizado por ser repentino, sem intervalo entre a fase da cogitação e da execução. Está presente nas ações de curto-circuito. É atenuante de pena, prevista no art. 65, III, “e”, do CP.

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Crime culposo: Está previsto no art. 18, II, do CP.

O crime culposo consiste numa conduta voluntária que realiza um evento ilícito não querido ou aceito pelo agente, mas que lhe era previsível (culpa inconsciente) ou excepcionalmente previsto (culpa consciente) e que poderia ser evitado se empregasse a cautela necessária.

Crime culposo = conduta voluntária + resultado ilícito involuntário.

Ver artigo 33, II, do CPM.

Elementos do crime culposo:

I – Conduta humana voluntária: Ação ou omissão dirigida ou orientada pelo querer, causando um resultado involuntário.

Dolo CulpaVontade dirigida a realização de um

resultado ilícito. Vontade dirigida a realização de um

resultado lícito, diverso daquele que efetivamente se produz.

II – Violação de um dever de cuidado objetivo: O agente na culpa viola seu dever de diligência (regra básica para o convício social). O comportamento do agente não atende ao esperado pela lei e pela sociedade.

Como apurar se houve ou não infração do dever de diligência: De acordo com a maioria, o operador deve analisar as circunstâncias do caso concreto, pesquisando se uma pessoa de inteligência mediana evitaria o perigo. Se evitável, caracteriza violação do dever de diligência; se inevitável, não caracteriza violação.

Formas de violação do dever de diligência:

a) Imprudência: O agente age com precipitação, afoiteza. É a forma positiva da culpa. Está ligada à ação. Ex. conduzir veículo em alta velocidade em um dia chuvoso.

b) Negligência: É a ausência de precaução. É a forma negativa da culpa. Está ligada à omissão. Ex. conduzir veículo automotor com pneus gastos.

c) Imperícia: É a falta de aptidão técnica para o exercício de arte ou de profissão. Ex. Condutar troca o pedal do freio pelo pedal da embreagem, não conseguindo parar o automóvel.

As três formas acima são espécie do gênero negligência.

Observa-se que podem as três concorrer no mesmo evento.

Na denúncia, o Ministério Público deve apontar a forma de violação do dever de diligência, descrevendo no que consiste, sob pena de inépcia por violação à ampla defesa do acusado.

Ex1. Fulano matou culposamente Beltrano: Errado. Não aponta a forma de violação do dever diligência

Ex2. Fulano, com manifesta imprudência, matou Beltrano: Errado. Não descreve no que consistiu a imprudência.

Ex 3. Fulano, dirigindo em alta velocidade em dia de chuva, nisso, aliás, consistiu sua imprudência, matou Beltrano: Correto.

Problema: MP denuncia Fulano por crime culposo, indicando ter havido imprudência. Durante a instrução, comprova-se a culpa, porém decorrente de negligência. O juiz pode condenar Fulano ou deve enviar os autos ao MP

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para aditar a inicial? O réu se defende dos fatos. Assim, deve o MP aditar a inicial (art. 384 do CPP), para permitir que o réu também se defenda desses fatos, para não violar o Princípio da Ampla Defesa.

III – Resultado naturalístico involuntário: Em regra, o crime culposo é material (exige modificação no mundo exterior).

Observam-se casos excepcionais de crime culposo sem resultado naturalístico, isto é, crime culposo formal ou de mera conduta. Ex. art. 38 da Lei 11.343/06 (o crime se consuma com a entrega da receita ao paciente, independentemente do efetivo uso da droga).

IV – Nexo entre conduta e resultado:

V – Resultado involuntário previsível: Não se confunde com resultado previsto. Previsível é a possibilidade de prever o perigo advindo da conduta.

Ainda que previsto o perigo, não se descarta a culpa, desde que o agente acredite poder evitar o resultado previsto (culpa consciente).

VI – Tipicidade: Ver art. 18, PU, do CP. Se o tipo penal quer punir a forma culposa, deve ser expresso. No silêncio, o tipo penal só é punido a título de dolo. Tem-se o Princípio da Excepcionalidade do crime culposo (para punir a culpa o legislador tem de ser expresso).

Observação: A previsibilidade subjetiva, entendida como a possibilidade de conhecimento do perigo, analisada sobre o prisma subjetivo do autor, levando em consideração os seus dotes intelectuais, sociais e culturais não é elemento da culpa. Será analisada pelo magistrado na culpabilidade, dentro da exigibilidade de conduta diversa.

Espécies de culpa:

I – Culpa consciente/com previsão/”ex iasciva”: O agente prevê o resultado, mas espera que ele não ocorra, supondo poder evita-lo com suas habilidades ou com a sorte.

O agente mais do que previsibilidade, tem previsão. Porém, o resultado continua involuntário.

II – Culpa inconsciente/sem previsão/ “ex ignorantia”: O agente não prevê o resultado que, entretanto, era previsível.

Qualquer pessoa, de diligência mediana, teria condições de prever o risco.

III – Culpa própria/propriamente dita: O agente não quer e não assume o risco de produzir o resultado, mas acaba lhe dando causa por imprudência, negligência ou imperícia.

É constituída de conduta voluntária + resultado involuntário.

É gênero, do qual são espécies a culpa consciente e a culpa inconsciente.

IV – Culpa imprópria/por equiparação/por assimilação/por extensão: É aquela em que o agente, por erro evitável, imagina certa situação de fato que, se presente, excluiria a ilicitude (descriminante putativa). Provoca intencionalmente determinado resultado típico, mas responde por culpa por razões de política criminal (art. 20, §1º, 2ª parte CP).

A culpa imprópria é a consequência para a descriminante putativa por erro evitável.

Ex. Dois inimigos se encontram na rua a noite. Um vê o outro vindo em sua direção. Este outro está com o braço atrás do corpo. Aquele atira na cabeça deste para mata-lo, imaginando estar em legítima defesa. Porém, o agente que levou o tiro estava apenas pegando o celular no seu bolso traseiro. Tem-se uma legítima defesa putativa. Se o erro era evitável, o agente responderá pelo crime a título de crime.

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A estrutura do crime é dolosa (conduta voluntária + resultado voluntário), mas o agente é punido a título de culpa, por razões de política criminal.

Sendo a estrutura do crime dolosa, é a única culpa que admite tentativa.

V – Culpa presumida (“in re ipsa”): Modalidade de culpa admitida pela legislação penal anterior ao Código de 1940, consistente na simples inobservância de uma disposição regulamentar. Ex. dirigir com a carteira de habilitação vencida e se envolver em um acidente.

Com a reforma do CP, a culpa não se presume, devendo ser comprovada.

Voluntariedade:

Consciência VontadeDolo direto Tem previsão. Quer o resultado.Dolo eventual Tem previsão. Aceita o resultado,

assume o risco.Culpa consciente Tem previsão. Não quer e não

aceita o resultado previsto, acreditando poder evitar.

Culpa inconsciente Sem previsão, mas com previsibilidade.

Não tem vontade quanto ao resultado.

Embriaguez ao volante com resultado morte para o STF indica culpa consciente. Por outro lado, no racha o STF tem trabalhado com dolo eventual.

No DP não existe compensação de culpas.

Crime preterdoloso: Está previsto no art. 19 do CP.

Há quatro tipos de crimes agravados pelo resultado:

I - Crime doloso agravado/qualificado pelo dolo: ex. homicídio qualificado.

II – Crime culposo agravado/qualificado pela culpa: ex. incêndio culposo qualificado pela morte culposa.

III – Crime culposo agravado/qualificado pelo dolo: ex. homicídio culposo qualificado pela omissão de socorro.

IV – Crime doloso agravado/qualificado pela culpa: ex. lesão corporal seguida de morte. Somente esta espécie de crime agravado pelo resultado é que configura um crime preterdoloso.

No crime preterdoloso, o agente pratica o delito distinto do que havia projetado cometer, advindo da conduta dolosa resultado culposo mais grave do que o projetado. Cuida-se de figura híbrida, havendo concurso de dolo (no antecedente) e culpa (no consequente).

Elementos:

I – Conduta dolosa visando determinado resultado;

II – Provocação de resultado culposo mais grave do que o desejado: O resultado deve ser culposo. Se fruto de caso fortuito ou força maior, não pode ser imputado ao agente (sob pena de responsabilidade penal objetiva).

III – Nexo causal entre conduta e resultado;

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IV – Tipicidade: Não se pune crime preterdoloso sem previsão legal.

Erro de tipo

Conceito: Falsa percepção da realidade.

Cuida-se de ignorância ou erro que recai sobre as elementares, circunstâncias ou qualquer dado agregado ao tipo penal.

Ex. Fulano se apodera de material na rua, imaginando tratar-se de coisa abandonada. Na verdade, o material era de Beltrano, que reformava a sua casa.

Observa-se que Fulano não sabia que subtraia coisa alheia móvel. Assim, Fulano tinha uma falsa percepção da realidade.

Erro de tipo não se confunde com erro de proibição:

Erro de tipo Erro de proibiçãoExiste falsa percepção da realidade. O agente percebe a realidade,

equivocando-se sobre a regra de conduta. O agente não sabe o que faz. O agente sabe o que faz, mas ignora

ser proibido. Ex. Fulano sai de uma festa com

guarda-chuva pensando que é seu, mas logo percebe que era de outra pessoa. Fulano ignora tratar-se de coisa alheia.

Ex. Fulano encontra guarda-chuva perdido na rua e dele se apodera imaginando que “achado não é roubado”. Neste exemplo o agente desconhece a ilicitude do seu comportamento.

Espécies de erro de tipo:

I – Erro de tipo essencial: O erro recai sobre os dados principais do tipo penal. O agente ignora ou erra sobre elemento constitutivo do tipo penal.

Se avisado do erro, o agente para de agir criminosamente.

Previsão legal: art. 20, “caput”, do CP.

Ex. Caçador que atira contra um arbusto pensando que lá se esconde um veado. Ao se aproximar, percebe que matou alguém. O caçador ignora a presença de “alguém” (elementar do tipo de homicídio).

Espécies (a depender da espécie, as consequências serão diferentes):

a) Inevitável: Exclui o dolo. Tratando-se de erro essencial, o agente não tem consciência do que faz (consciência é elemento do dolo). Também exclui a culpa. Se inevitável, cuida-se de erro imprevisível (previsibilidade é elemento da culpa).

b) Evitável: Exclui o dolo. Tratando-se de erro essencial, o agente não tem consciência do que faz (consciência é elemento do dolo). Porém, por ser evitável (existe previsibilidade), não exclui a culpa, punindo-se o fato como crime culposo se previsto em lei.

Como aferir a evitabilidade ou não desse erro?

1ª corrente) Deve-se invocar a figura do “homem médio”. Se este pudesse evitar, o erro é evitável. É a que prevalece.

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2ª corrente) Trabalha com as circunstâncias do caso concreto (grau de instrução, idade do agente, momento e local do crime, profissão etc.). Essas circunstâncias podem interferir na previsibilidade.

II – Erro de tipo acidental: O erro recai sobre os dados secundários do tipo.

Quando avisado do erro, o agente corrige os caminhos ou sentido da conduta para continuar a agir de forma ilícita.

Espécies:

a) Sobre o objeto: Não tem previsão legal. É criação doutrinária.

Conceito: O agente se confunde quanto ao objeto material (coisa) por ele visado, atingindo objeto diverso do pretendido.

Ex. Fulano, querendo subtrair um relógio de ouro, por erro, acaba furtando um relógio dourado.

Observação: Quando o objeto confundido fizer parte da essência do crime, será erro de tipo essencial e não erro de tipo acidental. Ex. senhora de cultiva pé de maconha no quintal imaginando ser planta ornamental. Neste caso o objeto material droga faz parte da essência do tipo penal.

Consequências:

- Não exclui dolo e não exclui culpa.

- Não isenta o agente de pena. O agente responde pelo delito considerando-se o objeto efetivamente atingido, diverso do pretendido. Trabalha-se com a Teoria da Concretização.

No exemplo do relógio, o agente responde pelo furto do relógio dourado, podendo, inclusive, valer-se do furto privilegiado. Caso inverta-se esse exemplo, não caberá o privilégio, pois o relógio de ouro suplanta um salário mínimo.

b) Sobre a pessoa: Está previsto no art. 20, §3º, do CP.

Conceito: Equivocada representação do objeto material (pessoa visada) pelo agente. Em decorrência do erro, o agente acaba atingindo pessoa diversa da pretendida.

Erro sobre o objeto material “coisa” caracteriza erro sobre o objeto, que não se confunde com o erro sobre a pessoa.

Não há erro na execução, mas de representação. O agente confunde as vítimas.

Há dois personagens: 1 - Vítima pretendida – vítima virtual; 2- vítima atingida – vítima real.

Ex. Fulano quer matar seu pai (vítima virtual), porém, representando equivocadamente a pessoa que entra na casa, acaba matando seu tio (vítima real). Neste exemplo, não há erro na execução, mas confusão mental.

Consequências:

- Não exclui dolo e não exclui culpa.

- Não isenta o agente de pena. Responde pelo crime. Deve ser punido considerando as qualidades da vítima virtual. Trabalha-se com a Teoria da Equivalência.

c) Na execução: Também denominado de “aberratio ictus”. Está previsto no art. 73 do CP.

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Conceito: Por acidente ou por erro no uso dos meios de execução, o agente acaba atingindo pessoa diversa da pretendida (atinge o mesmo bem jurídico, mas de pessoa diversa).

Ex. Fulano mira seu pai, mas por falta de habilidade no manuseio da arma, acaba atingindo um vizinho que passava do outro lado da rua. Neste exemplo, não existe confusão mental, mas sim erro na execução.

Consequências:

- “aberratio ictus” com resultado único: O agente atinge somente a pessoa diversa da pretendida. Será punido considerando-se as qualidades da vítima pretendida. Trabalha-se com a Teoria da Equivalência.

- “aberratio ictus” com resultado duplo (ou unidade complexa): O agente atinge também a pessoa pretendida. O agente responde pelos crimes, aplicando-se a regra do concurso formal.

Observação: Quando o erro na execução envolve “coisa”, é tratado como erro sobre o objeto. Ex. joga-se uma pedra para danificar o carro de “A”, mas, por erro na execução, acaba danificando o carro de “B”.

Observação: O erro na execução também envolve dois personagens: 1 – Vítima virtual; 2 – Vítima real.

Observação: No erro na execução a vítima foi corretamente representada, mas o crime foi mal executado.

Observação: Tanto no erro sobre a pessoa quanto no erro na execução o agente responde pelo crime considerando-se as qualidades da vítima virtual. Aplica-se a Teoria da Equivalência.

Modalidades:

- “aberratio ictus” por acidente: Não há erro no golpe, mas desvio na execução. A vítima visada pode ou não estar no local. Ex. “A” coloca uma bomba no carro de “B” para explodir quando acionado. Naquele dia quem ligou o carro foi a esposa de “B”.

- “aberratio ictus” por erro no uso dos meios de execução: Existe erro no golpe. Desvio na execução em razão da inabilidade do agente no uso do instrumento. A vítima visada está no local. Ex. “A” atira para matar “B”, mas erra o alvo e acaba atingindo a esposa de “B”.

Problema: Fulano, querendo matar seu pai, atira, mas por erro, apesar de ferir a vítima visada, acaba matando o vizinho:

1ª corrente) O atirador responde, em concurso formal, por homicídio doloso do pai mais lesão culposa do vizinho. É defendida por Damásio.

2ª corrente) O atirador deve responder por tentativa de homicídio do pai em concurso formal com homicídio culposo do vizinho. É defendida por Fragoso. Para o professor é a corrente mais acertada.

d) Resultado diverso do pretendido: Também denominado de “aberratio criminis/delicti”. Está previsto no art. 74 do CP. É espécie de erro na execução.

Conceito: Por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente atinge bem jurídico distinto daquele que pretendia atingir.

Ex. Fulano quer danificar o carro de Beltrano (coisa). Atira uma pedra contra o veículo, mas acaba atingindo o motorista (pessoa), que vem a falecer. Fulano responde por homicídio culposo.

Consequências: O agente responde pelo resultado diverso do pretendido, isto é, o resultado produzido a título de culpa. Em caso de resultado duplo, há concurso formal de delitos.

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Observação: a regra do art. 74 deve ser afastada quando o resultado pretendido é mais grave que o resultado produzido, hipótese em que o agente responde pelo resultado pretendido na forma tentada.

Ex. Fulano quer matar Beltrano. Atira uma pedra contra a cabeça de Beltrano, mas acaba atingindo o veículo da vítima. Se o art. 74 do CP fosse aplicado, Fulano teria quer responder por dano culposo, fato este atípico no CP. Neste exemplo, Fulano responde por tentativa de homicídio.

Quadro comparativo:

Art. 73, CP: “aberratio ictus” Art. 74, CP: “aberratio criminis”O agente, apesar do erro, atinge o

mesmo bem jurídico (vida), mas de pessoa diversa.

O agente, em razão do erro, atinge bem jurídico diverso.

O resultado pretendido (ceifar vida) coincide com o resultado produzido (ceifar vida).

O resultado produzido (ceifar vida) é diverso do pretendido (danificar patrimônio).

Relação pessoa x pessoa Relação coisa pretendida x pessoa atingida.

e) Sobre o nexo causal: Não tem previsão legal. É criação doutrinária.

Conceito: O agente produz o resultado desejado, mas com nexo causal diverso do pretendido.

Espécies:

- Erro sobre o nexo causal em sentido estrito: Ocorre quando o agente, mediante um só ato, provoca o resultado visado, porém, com outro nexo.

Ex. “A” empurra “B” de um penhasco para que ele morra afogado (nexo visado). “B”, na queda, bate a cabeça numa rocha e morre em razão do traumatismo craniano (nexo real).

- Dolo geral/ erro sucessivo/ “aberratio causae”: O agente, mediante conduta desenvolvida em pluralidade de atos, provoca o resultado pretendido, porém com outro nexo.

Ex. “A” dispara (nexo visado) contra “B” (1º ato). Imaginando que “B” está morto, joga seu corpo no mar (2º ato). “B” morre afogado (nexo real).

Consequências: O agente responde pelo crime, considerando o nexo real. Trabalha-se com o Princípio Unitário (o agente responde por um só crime). Assim, no 1º exemplo o agente responde por homicídio doloso com o nexo do traumatismo craniano. No 2º exemplo agente também responde por homicídio doloso com o nexo de afogamento.

Questões no tema erro de tipo:

I – Fulano quer matar um agente federal em serviço (vítima pretendida/virtual). Por acidente, acaba matando outra pessoa (vítima real) que passava pelo local. O crime de homicídio será processado e julgado por qual justiça, federal ou estadual? “aberratio ictus” é tema de Direito Penal. Não está prevista no CPP. Este, para fins de competência, trabalha com a vítima real. Assim, neste exemplo o crime será julgado pela justiça estadual.

II – Erro de subsunção: Não tem previsão legal. É criação doutrinária. Nesse erro, o agente decifra equivocadamente o sentido jurídico do seu comportamento. O erro recai sobre conceitos jurídicos. Ex. o agente falsifica um cheque do Banco Bradesco. O cheque, para fins penais, é equiparado a documento público.

Não se confunde com erro de tipo, pois não há falsa percepção da realidade (o agente sabe que falsifica cheque).

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Não se confunde com erro de proibição, pois o agente conhece a ilicitude do seu comportamento (sabe que falsificar cheque é comportamento ilícito).

Consequências: Não exclui dolo e culpa. Não isenta o agente de pena. Ele responde pelo crime, mas pode, alegando ignorância da lei, valer-se de atenuante de pena.

III – Erro provocado por terceiro: Está previsto no art. 20, §2º, do CP.

Conceito: No erro determinado por terceiro, temos um erro induzido. Este não se confunde com o erro de tipo, onde o agente erra por conta própria. Há dois personagens: I – O agente provocador (autor mediato); II – O agente provocado, aquele que foi induzido a erro (autor imediato).

Ex. Médico, com a intenção de matar o paciente, induz a enfermeira a erro para que ministre a dose letal no doente.

Consequências: Responde pelo crime o terceiro que determina o erro. Em regra, o autor imediato não pratica crime, pois é um instrumento na mão do agente provocador. A exceção se dá quando este agente age com dolo (homicídio doloso) ou com culpa (homicídio culposo).

Crime comissivo ou por ação

O Direito Penal protege determinados bens jurídicos proibindo condutas consideradas desvaliosas. Ex. Protege a vida, proibindo a conduta “matar alguém”.

O crime comissivo nada mais é do que uma conduta desvaliosa proibida pelo tipo incriminador. É uma ação que viola um tipo proibitivo.

Crime omissivo ou por omissão

O Direito Penal também protege bens jurídicos proibindo a inação de condutas valiosas. O crime omissivo nada mais é do que a não realização de conduta valiosa a que o agente estava juridicamente obrigado e que lhe era possível.

Essa omissão viola uma norma mandamental que busca que o agente pratique uma conduta valiosa.

A norma mandamental que determina a ação valiosa pode decorrer:

I – Do próprio tipo penal: O tipo incriminador descreve a omissão. Tipos compostos de elementos como “deixar de”. Está-se diante do chamado crime omissivo puro ou próprio. Ex. art. 135 do CP (omissão de socorro).

II – De cláusula geral: O dever de agira está descrito numa norma geral. Há norma geral descrevendo dever jurídico de agir e evitar o resultado. Está-se diante do chamado crime omissivo impuro ou impróprio ou comissivo por omissão. O agente responderá por tipo comissivo, praticado por omissão. Ex. mãe que não alimenta o filho, deixando-o morrer.

E se o agente desconhece que tem o dever de agir? Incorrerá em erro de tipo mandamental:

1ª corrente) Para LFG, trata-se de espécie de erro de tipo.

2ª corrente) Para a maioria, deve ser tratado como erro de proibição.

Crime omissivo próprio ou puro

A omissão está descrita no tipo. O tipo penal descreve a conduta valiosa que o agente deixou de realizar. Exemplo clássico é o art. 135 do CP.

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Crime omissivo impróprio ou impuro

O dever de agir está acrescido do dever de evitar o resultado. O dever está descrito em cláusula geral. Esta está prevista no art. 13, §2º, do CP (hipóteses de dever jurídico de evitar o resultado – figura do garante ou dos garantidores):

I – Tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: Dever legal. Ex. pais em relação aos filhos. Mãe que omite em alimentar filho de tenra idade, causando a sua morte, responde por homicídio doloso ou culposo; bombeiro que omite socorro, morrendo a vítima em perigo. Responde por homicídio doloso ou culposo.

II – Quem de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado: Abrange o dever contratual. Ex. salva-vidas de um clube que omite o dever de socorrer banhista em perigo que vem a falecer. Responde por homicídio doloso ou culposo, dependendo do “animus”.

III – Quem, com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado: Ex. banda que solta fogos dentro da boate. Responde por homicídio.

Omissão própria Omissão imprópriaDever de agir (dever genérico). É um

dever que atinge a todos.Dever de agir para evitar o resultado

(dever jurídico).O dever de agir decorre do tipo. O dever de agir decorre de cláusula

geral.O agente responde por crime

omissivo.Presente o dever jurídico de agir e

evitar o resultado, o omitente responde por crime comissivo por omissão.

Omitente = garante ou garantidor.

Crime de conduta mista

É um tipo penal incriminador composto de ação seguida de omissão.

Ex. Apropriação de coisa achada (art. 169, PU, II, do CP).

Resultado

Da conduta podem advir dois resultados:

I – Resultado naturalístico ou material: É a modificação do mundo exterior, perceptível pelos sentidos, provocada pelo comportamento do agente.

Não são todos os crimes que possuem resultado naturalístico.

Classificação doutrinária do crime quanto ao resultado naturalístico:

a) Crime material: O tipo penal descreve conduta e resultado naturalístico. Este resultado é indispensável para a consumação. Ex. homicídio.

b) Crime formal ou de consumação antecipada: O tipo penal descreve conduta e resultado naturalístico. Porém, o resultado naturalístico é dispensável para a consumação, sendo mero exaurimento. A simples prática da conduta já é suficiente para a consumação do crime. Ex. extorsão ( art. 158 do CP).

c) Crime de mera conduta ou mera atividade: O tipo penal descreve uma simples conduta. Não há resultado naturalístico descrito no tipo. Consuma-se com a prática da conduta. Ex. art. 135 do CP e art. 150 do CP.

II – Resultado jurídico ou normativo: É a lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.

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Todos os crimes (formal, material ou de mera conduta) possuem resultado normativo. A missão fundamental do DP é a proteção de bens jurídicos.

Classificação doutrinária do crime quanto ao resultado jurídico ou normativo:

a) Crime de dano: Quando a consumação exige efetiva lesão ao bem jurídico tutelado. Ex. art. 121 do CP.

Observa-se que nem todo crime de dano é necessariamente um crime material quanto ao resultado naturalístico. Ex. extorsão mediante sequestro (é um crime de dano quanto ao resultado jurídico e um crime formal quanto ao resultado naturalístico).

b) Crime de perigo: A consumação se contenta com a exposição do bem jurídico a uma situação de perigo. Não exige lesão ao bem jurídico tutelado.

Divide-se em:

Crime de perigo abstrato

Crime de perigo concreto

Crime de perigo abstrato de perigosidade real

O perigo advindo da conduta é absolutamente presumido por lei.

Basta o MP comprovar a conduta que o perigo advindo dessa conduta já é presumido por lei.

Há doutrina que diz que estes crimes não foram recepcionados pela CF, pois violam o Princípio da Lesividade e o Princípio da Ampla Defesa.

O perigo advindo da conduta deve sempre ser comprovado.

Deve ser demonstrado o risco para pessoa certa e determinada.

O perigo advindo da conduta deve ser comprovado (se aproxima do crime de perigo concreto).

Dispensa risco para pessoa certa e determinada (se aproxima do crime de perigo abstrato).

Crime de embriaguez ao volante (art. 306 do CTB):

1ª corrente) Crime de perigo abstrato. Basta o motorista embriagado conduzir veículo automotor para caracterizar o crime, mesmo que conduza o veículo de forma normal.

2ª corrente) Crime de perigo concreto. É necessário que o motorista embriagado conduza o veículo de forma anormal, perigosa, gerando risco para alguém.

3ª corrente) Crime de perigo abstrato de perigosidade real. É necessário que o motorista conduza o veículo de forma anormal, dispensando a prova de risco para alguém.

Nexo causal

Está previsto no art. 13 do CP.

Relação de causalidade: É o vínculo entre a conduta e o resultado. É a relação de produção entre a causa eficiente e o efeito ocasionado. Busca aferir se o resultado pode ser atribuído objetivamente ao sujeito ativo como obra do seu comportamento típico.

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O art. 13, “caput”, adotou a Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais (Teoria da Equivalência das Condições ou Teoria da Condição Simples ou Teoria da Condição Generalizada ou Causalidade Simples ou Teoria da “Conditio Sine Qua Non”): Considera causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Como saber se o fato (ação ou omissão) foi determinante para o resultado? Trabalha-se com outra teoria, qual seja, a Teoria da Eliminação Hipotética dos Antecedentes Causais. É um método empregado no campo da suposição ou da cogitação, através do qual causa é todo fato que, suprimido mentalmente, o resultado não teria ocorrido como ocorreu ou no momento em que ocorreu.

Ex. Morte por envenenamento. Fulano compra veneno. Fulano compra um suco. Fulano mistura veneno no suco. Fulano toma cerveja esperando a vítima. Quando a vítima chega, Fulano serve para a vítima suco com veneno. Quais as causas da morte da vítima? Compra do veneno. Compra do suco. Mistura do veneno no suco. Servir para a vítima o suco com veneno.

Fórmulas:

Causa (ponto de vista objetivo): é a Teoria da Equivalência + Teoria da Eliminação Hipotética. Contudo, essa fórmula é criticada, pois do ponto de vista objetivo acaba gerando regresso ao infinito.

A imputação do crime, no entanto, não regressa ao infinito, pois é indispensável a causalidade psíquica (se o agente agiu com dolo ou culpa), evitando responsabilidade penal objetiva.

Imputação do crime: é causalidade objetiva + causalidade psíquica (é um filtro que evita o regresso ao infinito da responsabilidade penal).

A Teoria da Imputação Objetiva busca corrigir esse regresse ao infinito.

Concausas: O resultado, não raras vezes, é feito de pluralidade de comportamentos, associação de fatores, entre os quais a conduta do agente aparece como seu principal (mas não único) elemento desencadeante.

Dividem-se em:

I – Absolutamente independentes: A causa efetiva do resultado não se origina do comportamento concorrente.

a) Preexistentes: A causa efetiva antecede o comportamento concorrente.

Ex. Fulano, às 20:00, insidiosamente, serve veneno para Beltrano. Uma hora depois, quando o veneno começa a fazer efeito, Sicrano, inimigo de Beltrano, aparece e dá um tiro no desafeto. Beltrano morre no dia seguinte em razão do veneno.

Causa efetiva da morte: Veneno.

Causa concorrente: Disparo.

O veneno não se origina do disparo. Isso demonstra uma relação de absoluta independência. O veneno preexiste ao disparo. Por isso, a causa é absolutamente independente preexiste ao disparo.

Fulano, que serviu o veneno, responde por homicídio consumado.

Sicrano, autor do disparo, de acordo com a causalidade simples (art. 13, “caput”, CP), deve responder por tentativa de homicídio, sendo que o resultado morte não lhe pode ser imputado, haja vista que, eliminado do mundo o disparo, a vítima morreria do mesmo modo.

b) Concomitantes: A causa efetiva é simultânea ao comportamento concorrente.

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Ex. enquanto Fulano envenenava Beltrano, surpreendentemente surge Sicrano que atira contra Beltrano, causando sua morte.

Causa efetiva: Disparos.

Causa concorrente: Veneno.

O disparo, causa efetiva, não se origina do veneno. A relação entre eles é de absoluta independência. O disparo e o veneno são comportamentos simultâneos. Por isso, são causas absolutamente independentes concomitantes.

O autor do disparo responde por crime homicídio consumado.

Fulano, autor do envenenamento, segundo o art. 13, “caput”, do CP (causalidade simples) responde por tentativa de homicídio, pois o resultado morte não lhe pode ser imputado.

c) Supervenientes: A causa efetiva é posterior ao comportamento concorrente.

Ex. Fulano ministra veneno em Beltrano. Antes do psicotrópico “fazer efeito”, enquanto descansava, viu o lustre cair na sua cabeça. Beltrano morre em razão do traumatismo craniano.

Causa efetiva: Queda do lustre.

Causa concorrente: veneno.

Não existe relação entre a queda do lustre e o veneno. A queda do lustre não se originou do veneno. A relação entre elas é de absoluta independência. A queda do lustre é posterior ao veneno. Assim, é uma concausa absolutamente independente superveniente à causa concorrente.

O envenenamento não foi determinante para a morte de Beltrano. Assim, de acordo com a causalidade simples, o resultado morte não pode ser imputado a Fulano, que responde por homicídio tentado.

Observação: Quando a relação entre as causas é de absoluta independência, o comportamento concorrente sempre é punido na forma tentada.

II – Relativamente independentes: A causa efetiva do resultado se origina, ainda que indiretamente, do comportamento concorrente.

a) Preexistentes: A causa efetiva antecede o comportamento concorrente.

Ex. Fulano, portador de hemofilia é vítima de um golpe de faca executado por Beltrano. O ataque para matar produziu lesão leve, mas em razão da doença preexistente acabou sendo suficiente para mata a vítima.

Causa efetiva: doença.

Causa concorrente: golpe de faca.

Existe um vínculo entre as duas causas. A doença e sua consequência se desencadearam em razão do golpe de faca. A doença é causa preexistente. Assim, é causa relativamente independente preexistente.

A morte deve ser atribuída às consequências da doença.

De acordo com a causalidade simples, eliminado o comportamento de Fulano, o resultado não ocorreria como ocorreu. Assim, o resultado deve ser imputado a Fulano, respondendo por homicídio doloso.

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Observação: Para evitar responsabilidade penal objetiva, o Direito Penal moderno, em casos como a morte do hemofílico, corrige essa conclusão, de maneira que somente seria possível imputar homicídio consumado ao agente caso ele soubesse da condição de saúde da vítima. Do contrário, haveria tentativa de homicídio.

b) Concomitantes: A causa efetiva é simultânea ao comportamento concorrente.

Ex. Fulano dispara contra Beltrano. Este, ao perceber a ação do agente tem um colapso cardíaco e morre.

Causa efetiva: colapso cardíaco.

Causa concorrente: disparo de arma de fogo.

Existe um vínculo entre as duas causas. O colapso cardíaco se originou do disparo de arma de fogo (relativamente independentes). São comportamentos concomitantes.

O resultado morte advém do colapso cardíaco.

De acordo com a causalidade simples o resultado deve ser imputado a Fulano, respondendo por homicídio consumado.

c) Supervenientes: A causa efetiva é posterior ao comportamento concorrente.

Trabalha-se com o art. 13, §1º, do CP, isto é, com a causalidade adequada (Teoria da Condição Qualificada ou Teoria da Condição Individualizadora). Esta teoria considera causa a pessoa, fato ou circunstância que, além de praticar um antecedente indispensável à produção do resultado (que para a causalidade simples é o que basta), realize uma atividade adequada à sua concretização.

O problema da causalidade superveniente se resume em assentar, conforme demonstra a experiência da vida, se o fato conduz normalmente a um resultado dessa índole (resultado como consequência normal, provável, previsível do comportamento humano).

Observação: O art. 13, §1º, diferencia as causas relativamente independentes que, por si só, produzem o resultado das que não, por si só, produzem o evento.

Ex1. “A” leva um tiro. No hospital o médico, ao tentar salvar a vida de “A”, pratica um erro médico que causa a morte do paciente.

Ex2. “A” leva um tiro. No hospital o teto cai em “A”, causando a sua morte.

Ambos os exemplos trabalham com causas relativamente independentes supervenientes. Pela aplicação do art. 13, “caput”, em ambos os exemplos o agente responderia por homicídio consumado. Contudo, deve-se observar:

“Que por si só produziu o resultado” “Que não por si só produziu o resultado”

A causa efetiva superveniente não está na linha de desdobramento casual normal da conduta concorrente.

A causa efetiva superveniente está na linha de desdobramento casual normal da conduta concorrente.

A causa efetiva é um evento imprevisível (sai da linha da normalidade).

A causa efetiva é um evento previsível (ainda que não previsto). Não dais da linha da normalidade.

Ex. disparo seguido da queda do teto (causa efetiva) do hospital. O atirador responde por tentativa.

Ex. disparo seguido de erro médico (causa efetiva). O atirador responde por homicídio consumado e o médico por homicídio culposo.

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Ex3. Disparo seguido por infecção hospitalar. Há divergência jurisprudencial. O CESP/UNB tende a equiparar a infecção hospitalar ao erro médico.

Teoria da Imputação Objetiva: Busca delimitar a imputação, sob o aspecto objetivo, evitando regresso ao infinito gerado pela Teoria da Causalidade.

A solução para evitar o regresso ao infinito da causalidade simples foi acrescentar ao estudo da causalidade o nexo normativo.

Causalidade Teoria da Imputação ObjetivaExiste causalidade objetiva quando

presente o nexo físico (mera relação de causa e efeito).

A causalidade objetiva precisa analisar:

I – Nexo físico;II – Nexo normativo:a) Criação ou incremento de um

risco proibido;b) Realização do risco no

resultado;c) Resultado dentro do alcance

do tipo.Com isso, ela evita o regresso ao

infinito.Presente a causalidade objetiva,

deve-se analisar dolo e culpa (evitando a responsabilidade penal objetiva).

Presentes os nexos físico e normativo, deve-se analisar dolo e culpa.

Ex. Fulano, dirigindo em alta velocidade, atropela e mata alguém. Para a Teoria da Causalidade, houve nexo físico. Após, deve-se analisar se agiu com dolo e culpa; por outro lado, para a Teoria da Imputação Objetiva, também houve nexo físico, sendo que o agente criou um risco proibido, este risco foi realizado no resultado e este resultado está dentro do alcance do tipo. Após, analisa-se dolo e culpa.

O fabricante do automóvel, apesar de causa (há nexo físico), não responde pelo resultado, pois não agiu com dolo ou culpa. Sob a ótica da imputação objetiva, quem fabrica um automóvel não está criando ou incrementando um risco proibido, pois a sociedade tolera esse risco.

I – Criação ou incremento de um risco proibido: Entende-se por risco proibido aquele não tolerado pela sociedade.

Ex. Fulano, percebendo que seu amigo Beltrano vai ser atropelado por um veículo desgovernado, empurra Beltrano ao chão para evitar o atropelamento, fraturando o braço do amigo.

Teoria da Causalidade Teoria da Imputação ObjetivaFulano é causa da fratura do braço de

Beltrano (nexo físico).Fulano agiu com dolo.Fulano praticou fato típico.Fulano não praticou crime, pois agiu

em estado de necessidade de terceiro.

Fulano não é causa do resultado, pois não criou ou incrementou o risco proibido. Fulano, na verdade, diminuiu o risco.

II – Realização do risco no resultado: O resultado deve estar na linha de desdobramento causal normal da conduta.

Ex. Fulano dispara contra Beltrano visando matá-lo. Beltrano, gravemente ferido, é levado até o hospital. Beltrano morre em razão de erro médico.

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Teoria da Causalidade Teoria da Imputação ObjetivaFulano é causa adequada da morte (o

erro médico é concausa relativamente independente superveniente que não por si só causou o resultado).

Fulano responde por homicídio doloso.

O médico responde por homicídio culposo.

Analisa se o resultado é produto exclusivo do erro médico ou combinação do erro médico mais disparo:

I – Se o resultado é produto exclusivo do erro médico, só pode ser atribuído ao autor desse risco. Ex. Paciente, depois da cirurgia, durante sua recuperação no hospital, por negligência do médico, recebe remédio em dose excessiva, causando a sua morte.

Nesta hipótese, o erro está fora do contexto do disparo. O médico responde por homicídio culposo e o atirador responde por tentativa de homicídio doloso.

II – Quando o resultado é produto combinado de ambos os riscos (lesões em razão do disparo e falha médica), então pode ser atribuído aos dois autores. Ex. A falha médica ocorre durante a cirurgia para estancar hemorragia da vítima. Nesta hipótese o médico responde por homicídio culposo e o atirador responde por homicídio doloso consumado.

III – Resultado dentro do alcance do tipo: O perigo gerado pelo comportamento do agente deve ser alcançado pelo tipo, modelo de conduta que não destina a impedir todas as contingências do cotidiano.

Ex. Fulano atira em Beltrano para matar. A vítima é socorrida e transportada numa ambulância para cirurgia de emergência. No trajeto, a ambulância, em alta velocidade, colide contra um poste, matando o paciente.

Teoria da Causalidade Teoria da Imputação ObjetivaApesar de entendimentos em sentido

contrário, Fulano é causa adequada da morte (o acidente é concausa relativamente independente superveniente que não por si só causou o resultado.

Fulano responde por homicídio doloso consumado.

Fulano não é causa normativa da morte. A morte de Beltrano por acidente de trânsito não se encontra dentro do alcance do tipo do art. 121, “caput”, do CP. Não é objetivo do art. 121, caput, prevenir mortes causadas por acidentes de veículos que não estejam sob o domínio, direto ou indireto, do autor do disparo. Neste caso, Fulano responde por homicídio tentado.

Nexo causal nos crimes omissivos: Os crimes omissivos dividem-se em próprios e impróprios.

Causalidade nos crimes omissivos próprios: Ex. omissão de socorro (art. 135 do CP).

Nesses casos a lei prevê e pune a inação. Assim, basta o agente não agir, podendo fazê-lo sem risco pessoal. Por isso, não se questiona nexo de causalidade. Está-se diante de um delito de mera conduta sem resultado naturalístico. Analisa-se apenas se existe um tipo penal punindo a inação.

Em alguns crimes omissivos próprios, o legislador, de forma excepcional, prevê resultado naturalístico qualificador. Ex. art. 135, PU, do CP. Pelo exposto, conclui-se que em determinados crimes omissivos próprios, é possível liga-los a resultados naturalísticos que funcionam como qualificadoras. Nessas hipóteses, é indispensável comprovar a

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relação de causalidade (nexo de não impedimento, pois do nada, nada surge, não havendo um vínculo físico) entre a omissão e o resultado ocorrido.

Causalidade nos crimes impróprios: Ex. mãe deixa de alimentar filho de tenra idade, que vem a falecer.

Pune-se o omitente como se tivesse praticado ativamente o resultado (crime comissivo por omissão). Tem-se na figura do omitente o garantidor (art. 13, §2º, CP).

Existe resultado naturalístico a ser imputado ao omitente. Contudo, deve-se lembrar que do nada, nada surge. Tem-se um nexo de não impedimento ou de não evitação, não havendo que se falar em nexo físico.

Tipicidade Penal:

Evolução:

A doutrina tradicional (Hungria, Noronha) entendia que a tipicidade penal era igual a uma tipicidade formal, isto é, operação de ajuste do fato à norma. Conclui-se que a insignificância não afasta a tipicidade penal.

A doutrina moderna entende que a tipicidade penal é composta por tipicidade formal + tipicidade material. Esta é a relevância da lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Conclui-se que o princípio da insignificância exclui a tipicidade material. Assim, não há tipicidade penal, um dos elementos do fato típico, não havendo que se falar em crime.

Segundo Zaffaroni a tipicidade penal é composta pela tipicidade formal + a tipicidade conglobante. Esta é composta pela tipicidade material + atos antinormativos.

Tipicidade conglobante: É a tipicidade material + atos antinormativos.

Atos antinormativos são os atos não determinados ou não incentivados por lei.

Caso o ato praticado seja determinado ou incentivado por lei, ele deixa de ser antinormativo, desaparecendo a tipicidade conglobante e a tipicidade penal. Ex. Penhora e sequestro de bem, contra a vontade do proprietário, feito pelo oficial de justiça, cumprindo ordem judicial, para garantir a execução. Olhando o fato sob o ponto de vista apenas formal, conclui-se que ele subtraiu coisa alheia móvel. Assim, esse oficial de justiça, para a doutrina tradicional e para a doutrina moderna, praticou um fato típico, porém não ilícito, por estar no estrito cumprimento do dever legal. Contudo, quando se adota a teoria da tipicidade conglobante, tem-se que esse oficial de justiça não praticou fato típico, haja vista que o fato não é antinormativo (a conduta do oficial é determinada por lei) e, consequentemente, não há tipicidade conglobante, um dos elementos do fato típico. Não se pode admitir que na ordem normativa uma norma (CPC) ordene o que outra proíbe (CP).

Ao se adotar a tipicidade conglobante, o estrito cumprimento de um dever legal e o exercício regular de um direito incentivado deixam de excluir a ilicitude, passando a excluir a tipicidade penal, pois são atos normativos e a tipicidade penal exige atos antinormativos.

Observa-se que estado de necessidade e legítima defesa não são atos determinados ou incentivados por lei, mas atos permitidos/tolerados por lei, antinormativos.

VII.2 - Ilicitude

O segundo substrato do crime é Ilicitude ou antijuridicidade?

1ª corrente) Ilicitude. É sabido que na teoria geral do Direito, “crime” constitui um fato jurídico. A expressão “antijurídico” como elementar do crime causa contradição (como um crime, fato jurídico, pode constituir-se em fato antijurídico?). É defendida por Francisco de Assis Toledo.

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2ª corrente) Ilicitude e antijuridicidade são expressões sinônimas. A contradição apontada pela 1ª corrente é aparente, pois o termo antijuridicidade é usado exclusivamente na teoria geral do crime, não se confundindo com a teoria geral do Direito. É a que prevalece.

Conceito: É uma conduta típica não justificada, espelhando a relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico como um todo.

Não se tem um simples fato, mas fato tipicamente penal, isto é, fato que consiste numa conduta produtora de um resultado, e que tem tipicidade penal.

Existe relação entre tipicidade e ilicitude?

Teoria da Autonomia ou Absoluta Independência: De Von Beling (1906). A tipicidade não tem qualquer relação com a ilicitude. Excluída a ilicitude, o fato permanece típico.

Teoria da Indiciariedade ou “ratio cognoscendi”: De Mayer (1915). A existência do fato típico gera presunção (relativa) de ilicitude. Entre tipicidade e ilicitude existe uma relativa independência. Excluída a ilicitude, o fato permanece típico. O fato típico gera um indício de ilicitude. Inverte-se o ônus da prova. Cabe ao réu comprovar a causa excludente da ilicitude.

De acordo com a maioria da doutrina, o Brasil seguiu esta teoria. Provada a tipicidade, presume-se relativamente a ilicitude, provocando a inversão do ônus da prova quanto à existência da descriminante.

Comprovada a causa de exclusão da ilicitude:

Comprovado que o fato não correu sob o manto da descriminante:

Ficou a dúvida se o fato é ou não ilícito:

O juiz absolve. O juiz condena. O juiz condena. Quando o ônus da prova é da defesa, não se aplica o “in dubio pro reo”. Ver OBSERVAÇÃO.

Observação: A jurisprudência autorizava a absolvição quando a dúvida era razoável, isto é, não simples dúvida. Adotando essa jurisprudência majoritária, a lei 11.690/08 alterou o art. 386, VI, do CPP, temperando a teoria da indiciariedade.

Teoria da Absoluta Dependência ou “ratio essendi”: De Mezger (1930). A ilicitude é essência da tipicidade, numa relação de absoluta dependência. Excluída a ilicitude, exclui-se o fato típico. Tem-se o chamado tipo total do injusto.

Teoria dos Elementos Negativos do Tipo: Chega ao mesmo resultado da 3ª teoria, mas por outro caminho. De acordo com essa teoria, o tipo penal é composto de elementos positivos (explícitos) e elementos negativos (implícitos). Para que o fato seja típico, exige a presença dos elementos positivos e ausência dos elementos negativos. Ex. art. 121 do CP pune “matar alguém”. Os elementos positivos estão explícitos no “matar alguém”. Os elementos negativos são o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legar e o exercício regular do direito. Deve-se ler o artigo da seguinte maneira: “É crime matar alguém desde que não esteja em legítima defesa”.

Antijuridicidade formal x antijuridicidade material: A primeira é a relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico como um todo. Já a segunda, é a relevância da lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Observa-se que essa classificação encontra-se ultrapassada, pois a antijuridicidade formal atualmente é denominada de antijuridicidade, enquanto que a antijuridicidade material é atualmente denominada de tipicidade material.

Princípio da Insignificância: Para aqueles que adotam a classificação mencionada, este princípio excluí a antijuridicidade material. Contudo, para aqueles que não adotam essa classificação, o princípio em tela excluí a tipicidade material, afastando o fato típico.

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Causas excludentes da ilicitude (descriminantes ou justificantes): Em regra são encontradas no art. 23 do CP.

Descriminantes na parte especial do CP: Ex. aborto permitido (art. 128)

Descriminantes na legislação extravagante: Ex. Lei 9605/98

Descriminante não prevista em lei (supralegal): Ex. consentimento do ofendido.

Estado de necessidade: Está previsto no art. 23 e explicado no art. 24, ambos do CP.

A noção de estado de necessidade remete à ideia de sopesamento de bens diante de uma situação adversa. Se há dois bens em perigo, permite-se que seja sacrificado um deles, pois a tutela penal não consegue proteger ambos.

Fundamento jurídico: Reside no conflito de interesses diante de situação adversa. O agente atua movido pelo espírito de conservação, de preservação, de proteção do bem jurídico em risco.

Requisitos: O estado de necessidade depende de requisitos objetivos (art. 24) e subjetivo (não está expresso, mas é decorrência do finalismo).

Requisitos objetivos:

I – Perigo atual: É o risco presente causado por conduta humana (ex. carro desgovernado), por comportamento animal (ex. ataque de um cachorro) ou por fato da natureza (ex. desmoronamento).

No estado de necessidade, o perigo atual não tem destinatário certo.

E o perigo iminente (prestes a desencadear-se), autoriza o estado de necessidade?

1ª corrente) Diante do silêncio da lei, o perigo iminente não autoriza estado de necessidade. Perigo iminente é o “perigo do perigo”, algo muito distante para autorizar o sacrifício de bem jurídico alheio. Deve ser defendida em provas objetivas.

2ª corrente) Diante do silêncio da lei, o perigo iminente autoriza estado de necessidade. É difícil a tarefa de definir quando o perigo deixa de ser iminente e passa a ser atual. Deve ser mencionada em provas abertas.

Quanto à existência do perigo, a doutrina classifica o estado de necessidade em:

a) Estado de necessidade real: A situação de perigo existe efetivamente. Exclui a ilicitude.

b) Estado de necessidade putativo: A situação de perigo não existe, é imaginária. Não exclui a ilicitude.

II – Que a situação de perigo não tenha sido causada voluntariamente pelo agente: Se o agente é o causador voluntário do perigo, não pode alegar estado de necessidade.

O que significa ser causador voluntário do perigo?

1ª corrente) Ser causador voluntário é ser causador doloso do perigo. O agente que, culposamente, provoca incêndio no cinema pode alegar estado de necessidade. É a que prevalece.

2ª corrente) Ser causador voluntário é ser causador doloso ou culposo do perigo (Mirabete). O fundamento dessa corrente é o art. 13, §2º, “c”, do CP. Esse causador é um garante, pois com seu comportamento anterior criou o risco da ocorrência do resultado.

III – Salvar direito próprio ou alheio:

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Para alegar estado de necessidade de terceiro, é preciso da autorização do terceiro?

1ª corrente) É dispensável a autorização do titular do direito ameaçado. A lei não exige. É a que prevalece.

2ª corrente) A autorização só é dispensável quando o direito ameaçado for indisponível. Sendo disponível (ex. patrimônio), a autorização é indispensável.

IV – Inexistência do dever legal de enfrentar o perigo: Se o agente tem o dever legal de enfrentar o perigo, não pode alegar estado de necessidade enquanto o perigo comportar enfrentamento.

O que significa dever legal?

1ª corrente) Entende-se apenas aquele derivado de mandamento legal (art. 13, §2º, “a”, CP). Ex. Bombeiro tem o dever legal d enfrentar o perigo; salva-vidas de um clube não tem dever legal, tem dever contratual.

2ª corrente) Exposição de Motivos do CP: Entende-se dever jurídico de agir, abrangendo todas as hipóteses do art. 13, §2º, CP.

V – Inevitabilidade do comportamento lesivo: O único meio para salvar direito próprio ou de terceiro é o cometimento de fato lesivo, sacrificando-se bem jurídico alheio (não pode ser o meio mais cômodo).

No estado de necessidade, a fuga, se possível, é preferível, ao invés de sacrificar bem jurídico alheio.

Classificação doutrinária quanto ao terceiro que sofre a ofensa:

a) Estado de necessidade defensivo: Sacrifica-se bem jurídico do próprio causador do perigo.

b) Estado de necessidade agressivo: Sacrifica-se bem jurídico de pessoa alheia ao perigo. Existe obrigação de reparar o dano.

VI – Inexigibilidade de sacrifício do interesse ameaçado: Trata-se do requisito da proporcionalidade entre o direito protegido e o direito sacrificado.

Teoria Diferenciadora Teoria Unitária1 – Estado de necessidade

justificante: Exclui a ilicitude. O bem jurídico protegido vale mais ou igualmente ao bem jurídico sacrificado.

1 – Estado de necessidade justificante: Exclui a ilicitude. O bem jurídico protegido vale mais ou igualmente ao bem jurídico sacrificado.

2 – Estado de necessidade exculpante: Exclui a culpabilidade. O bem jurídico protegido vale menos do que o bem jurídico sacrificado.

No caso de o bem jurídico protegido valer menos do que o bem jurídico sacrificado poderá haver uma causa de diminuição da pena.

O CPM adotou a Teoria Diferenciadora. Ver artigos 39 e 45.

O CP adotou a Teoria Unitária. Ver art. 24, §2º.

Requisito subjetivo: Exige do agente conhecimento da situação de fato justificante, isto é, consciência e vontade de salvar de perigo atual direito próprio ou alheio.

Cabe estado de necessidade em delito habitual e crime permanente?

O crime habitual exige a reiteração de atos (ex. exercício ilegal da medicina).

No crime permanente a consumação se prolonga no tempo (ex. cárcere privado).

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Exigindo a lei como requisitos o perigo atual, a inevitabilidade do comportamento lesivo e a não razoabilidade de exigência de sacrifício do direito ameaçado, referindo-se às circunstâncias do fato, não se tem admitido estado de necessidade nos crimes habituais e permamentes. Ex. mãe que acorrenta o filho em casa para ele não consumir drogas (há o crime de sequestro); estudante de medicina que evita epidemia ao ministrar remédios (há o crime de exercício ilegal da medicina). Não podem alegar estado de necessidade, mas pode configurar caso de inexigibilidade de conduta diversa, excluindo a culpabilidade.

Legítima defesa: Ver art. 23, II, e art. 25, do CP.

Fundamentos:

a) No prisma jurídico-individual: É o direito que tem todo homem de defender seu bem jurídico.

b) No prisma jurídico-social: O ordenamento jurídico não deve ceder ao injusto.

Requisitos:

I – Requisitos objetivos:

a) Agressão injusta: Conduta humana contrária ao direito que ataca ou coloca em perigo bens jurídicos de alguém.

A agressão injusta é dolosa ou culposa?

1ª corrente) Pode ser dolosa ou culposa. É possível legítima defesa de agressão culposa injusta. É a que prevalece na doutrina.

2ª corrente) A agressão deve ser dirigida com destinatário certo, pressupondo dolo. Assim, não é possível legítima defesa de agressão culposa. A agressão culposa é, na verdade, um perigo atual, autorizando o estado de necessidade.

Observação: A agressão injusta não significa necessariamente um fato típico. Ex. reagir diante um furto de uso. É um fato atípico. Apesar disso, não deixa de ser uma agressão injusta ao patrimônio de alguém.

Observação: Uma vez constatada a injusta agressão, o agredido pode rebatê-la, não se lhe exigindo a fuga do local.

Fuga do local = “commodus discessus”. Este não é requisito da legítima defesa, mas sim do estado de necessidade.

Para Roxin, não se deve conceder a ninguém um direito ilimitado de legítima defesa face à agressão de um inimputável, de modo que a excludente não se aplica a todas as situações, mas apenas naquelas em que a reação, o combate mostra-se inevitável. Assim, o “commodus discessus” também será requisito da legítima defesa quando a agressão for praticada por inimputável.

Quanto à existência da agressão, a legítima defesa classifica-se em:

- Legítima defesa real: O ataque existe efetivamente.

- Legítima defesa putativa: O ataque é fantasiado, imaginário. Não havendo efetivamente “agressão injusta”, não exclui ilicitude.

Defender-se de ataque de animal é estado de necessidade ou legítima defesa?

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Ataque não provocado por alguém Ataque provocado por alguémConfigura perigo atual. Há estado de

necessidade. Sendo possível a fuga, a pessoa em perigo deve fugir.

Configura agressão injusta. O animal é um instrumento letal na mão do dono. Há legítima defesa. Mesmo que possível, a pessoa atacada não está obrigada a fugir.

Agressão atual ou iminente:

Atual: Está ocorrendo.

Iminente: Prestes a ocorrer.

Quando se está diante de uma agressão passada, a reação é vingança.

Quando se está diante de uma agressão futura, antecipar a reação é mera suposição. A agressão futura divide-se em:

- agressão futura incerta: antecipar a reação é mera suposição;

- agressão futura certa: antecipar a reação pode caracterizar hipótese de inexigibilidade de conduta diversa. É a chamada legítima defesa antecipada. Ex. Fernandinho Beira-Mar, preso, ameaça uma pessoa de morte. Em duas semanas, ele será solto. Essa pessoa ameaçada o mata. Há inexigibilidade de conduta diversa.

Uso moderado dos meios necessários:

Meio necessário: Meio menos lesivo à disposição do agredido no momento da agressão, porém, capaz de repelir o ataque com eficiência.

Encontrado o meio necessário, deve ser utilizado de forma necessária.

Salvar direito próprio ou alheio:

- Legítima defesa própria ou “in persona”: Direito próprio.

- Legítima defesa de terceiro ou “ex persona”: Direito alheio.

II – Requisito subjetivo: O agente deve conhecer as circunstâncias da situação de fato justificante, isto é, saber que está agindo em legítima defesa.

Quadro comparativo:

Estado de necessidade Legítima defesaConflito entre vários bens jurídicos

diante da mesma situação de perigo.Ameaça ou ataque a um bem jurídico.

Pressupõe: Perigo + atual + sem destinatário certo.

Pressupõe: agressão humana + atual/iminente + injusta + com destinatário certo.

Os interesses em conflito são legítimos.

Conclusão: cabe estado de necessidade x estado de necessidade. Ex. dois náufragos brigando pelo mesmo instrumento salva-vidas.

Os interesses do agressor são ilegítimos.

Conclusão: não cabe legítima defesa x legítima defesa.

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Legítima defesa x erro na execução: Ver art. 73 do CP. Ex. “A” agride “B”. Este, ao repelir a agressão, acerta “C”. “B” pode alegar legítima defesa?

1ª corrente) Aplicando-se o art. 73 do CP, considera-se a pessoa pretendida (“A”), não descaracterizando a legítima defesa. Prevalece.

2ª corrente) Não havendo reação contra o injusto agressor, atingindo um inocente (“C”), “B” pode alegar estado de necessidade, mas não legítima defesa.

Legítima defesa simultânea: pressupondo agressão injusta, não é possível duas pessoas, simultaneamente, uma contra a outra, agindo em legítima defesa.

Legítima defesa sucessiva: nada impede legítima defesa sucessiva, que é a reação contra o excesso do agredido.

Legítima defesa x legítima defesa putativa (ato injusto): É possível.

Legítima defesa putativa (ato injusto) x legítima defesa putativa (ato injusto): Nenhum dos dois pode alegar excludente de ilicitude.

Legítima defesa x estado de necessidade: Na primeira, há agressão injusta, contrária ao direito. Na segunda, ato permitido por lei. Assim, não é possível atuar em legítima defesa diante de estado de necessidade, pois este não é agressão injusta.

Estrito cumprimento de dever legal: Ver art. 23, III, 1ª parte, do CP.

Conceito: O agente público, no desempenho de suas atividades, não raras vezes é obrigado, por lei (em sentido amplo), a violar um bem jurídico. Essa intervenção lesiva, dentro de limites aceitáveis, é justificada pelo estrito cumprimento do dever legal.

A presente descriminante não tem um artigo exclusivo anunciando seus requisitos objetivos.

Ex1. Policial que emprega violência necessária para executar prisão em flagrante de perigoso bandido. Observa-se que não existe lei determinando a execução de alguém. Assim, não se mata ninguém que mata em estrito cumprimento do dever legal. Neste caso, o policial poderá alegar legítima defesa.

Ex2. Juiz, na sentença, emite conceito desfavorável quando se reporta ao sentenciado.

Ver art. 301 do CPP.

Ver art. 142 do CP.

“Dever Legal”: a expressão deve ser tomada no sentido amplo, abrangendo todas as espécies normativas (ver art. 59 do CP).

Para Francisco de Assis Toledo, em posição minoritária, essa expressão abrange também os costumes.

O dever legal deve ser complementado por outra norma. Trata-se de descriminante penal em branco, pois o conteúdo da norma permissiva (dever atribuído ao agente) precisa ser complementado por outra norma jurídica. Ex. policial que prendeu em flagrante – precisou do art. 301 do CPP.

Observação: O agente deve ter conhecimento de que está agindo em face de dever imposto por lei. É o aspecto subjetivo da descriminante.

Observação: Para os adeptos da tipicidade conglobante, o estrito cumprimento de um dever legal não serve como causa excludente da ilicitude, mas da própria tipicidade.

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O particular pode alegar estrito cumprimento do dever legal?

1ª corrente) Mirabete. É exclusiva de agentes públicos, abrangendo o particular somente quando no exercício de função pública. Ex. mesário.

2ª corrente) Para a maioria, particular também pode invocar essa descriminante. Ex. advogado que se recusa a depor em juízo em razão do dever do dever de sigilo profissional.

Exercício regular de direito: Ver art. 23, III, 2ª parte, do CP.

Conceito: Compreende condutas do cidadão comum autorizadas pela existência de um direito definido em lei e condicionadas à regularidade do exercício desse direito.

Não existe dispositivo específico anunciando os requisitos do exercício regular de direito.

Quadro comparativo:

Estrito cumprimento do dever legal Exercício regular de direitoEm regra, é para agente público. Descriminante do cidadão comum.

Exemplo 1: Qualquer do povo prendendo perigoso assaltante em flagrante delito (art. 301 do CPP). Temos nesse exemplo, caso típico de exercício regular de direito “pro magistratu”. O Estado, não podendo estar presente para impedir a ofensa a um bem jurídico ou recompor a ordem público, incentiva o cidadão a atuar no seu lugar.

Exemplo 2: Luta de boxe – A violência empregada nesse esporte também caracteriza exercício regular de direito. A Lei Pelé (9615/98) incentiva a prática esportiva, ainda que o esporte seja violento, desde que exercida dentro das regras do esporte.

Exemplo 3: Possuidor de boa-fé que retém coisa alheia para ressarcir das benfeitorias necessárias e úteis não pagas.

Ver art. 1219 do CC.

Esse direito (exercício regular de direito) é anunciado por outra norma. Trata-se de descriminante penal em branco.

Para configurar exercício regular de direito é indispensável:

a) Proporcionalidade;

b) Indispensabilidade;

c) Conhecimento do agente de que atua concretizando direito previsto em lei, isto é, conhecimento da situação de fato justificante.

Para os adeptos da tipicidade conglobante, o exercício regular de direito não exclui a ilicitude, mas a própria tipicidade penal.

Ofendículos: É o aparato preordenado para a defesa do patrimônio. Ex. cerca elétrica.

E o animal? Pode ser considerado ofendículo.

Natureza jurídica do ofendículo:

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1ª corrente) Legítima defesa preordenada.

2ª corrente) Exercício regular de direito.

3ª corrente) Enquanto não acionado, trata-se de exercício regular de direito. Quando acionado, trata-se de legítima defesa (preordenada). Prevalece.

4ª corrente)

Ofendículo Defesa mecânica predispostaVisível. Oculta.Exercício regular de direito. Legítima defesa.

Observação: independentemente da corrente que se adota, o ofendículo traduz direito do cidadão de defender seu patrimônio, devendo ser utilizado com prudência e consciência, evitando excessos.

Consentimento do ofendido:

Previsão legal: Não tem previsão legal. É uma causa legal supralegal de exclusão da ilicitude.

Requisitos:

a) O dissentimento (não consentimento) não pode integrar o tipo penal. Não pode ser elementar do tipo. Se o dissentimento aparece como elementar do tipo, o consentimento do ofendido exclui uma elementar, e o fato passa a ser atípico. Ex. mulher que consente que outrem tenha relação sexual com ela (art. 213 do CP); no crime de dano, o consentimento do ofendido não é elementar do tipo. Se o ofendido consente, o fato típico deixa de ser ilícito. (art. 163 do CP).

b) Ofendido capaz de consentir.

c) Consentimento válido. Deve ser livre e consciente.

d) Bem disponível. Bem indisponível não autoriza esta descriminante.

e) Bem próprio.

f) Consentimento prévio ou simultâneo à lesão ao bem jurídico. O consentimento posterior não exclui a ilicitude, mas pode refletir na punibilidade. Pode figurar como renúncia ou perdão nos crimes de ação privada.

g) Consentimento expresso. Existe doutrina admitindo o consentimento tácito.

h) Ciência da situação de fato que autoriza a justificante.

A integridade física é bem disponível? Entende a doutrina que a integridade física é bem disponível quando: a) a lesão for leve (ação penal pública condicionada à representação da vítima); b) não contrariar a moral e os bons costumes.

Descriminante putativa

Trata-se de causa excludente da ilicitude imaginária. O agente age em erro. Existem duas formas de se fantasiar uma descriminante:

I – O agente supõe agir sob o manto de uma justificante e razão de erro quanto à sua existência ou seus limites: Apesar de conhecer a situação de fato, ignora a ilicitude do comportamento.

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Ex. Fulano, depois de ser agredido com um tapa no rosto, acredita estar autorizado a revidar com um disparo de arma de fogo. Fulano erra quanto aos limites da legítima defesa.

Neste caso, está-se diante de um erro de proibição, qual seja, erro de proibição indireto (recaí sobre descriminantes).

Ex. Marido quer manter conjunção carnal com a esposa. Ela se recusa. Diante da recusa, o marido acredita estar autorizado a constrangê-la, agindo no exercício regular de direito. Trata-se também de erro de proibição indireto.

II – O agente engana-se quanto aos pressupostos fáticos do evento: Supõe estar diante de uma situação de fato que, na realidade, não existe. O agente não conhece a situação de fato.

Está prevista no art. 20, §1º, do CP.

Ex. Fulano, acreditando que seu inimigo Beltrano vai agredi-lo, adianta-se e atira contra o desafeto, percebendo, depois, que Beltrano jamais queria atacá-lo. Fulano equivocou-se quanto aos pressupostos fáticos da legítima defesa, imaginando uma injusta agressão que nunca existiu.

O erro sobre os pressupostos fáticos deve ser tratado como erro de tipo ou de proibição?

Lembrando:

Erro de tipo Erro de proibiçãoInevitável: Exclui dolo e culpa. Inevitável: isenta o agente e pena.Evitável: pune a culpa se prevista em

lei.Evitável: diminui a pena.

Para essa pergunta, há três correntes:

1ª corrente) Teoria Limitada da Culpabilidade. O erro sobre os pressupostos fáticos equipara-se a erro de tipo. É a corrente que prevalece na doutrina. Está prevista na Exposição de Motivos do CP. O art. 20 do CP trabalha o erro de tipo.

2ª corrente) Teoria Extremada da Culpabilidade. O erro sobre os pressupostos fáticos equipara-se a erro de proibição.

3ª corrente) Teoria Extremada “sui generis” da Culpabilidade. O art. 20, §1º, do CP, adotou a Teoria Extremada “sui generis”, equiparando-se a descriminante putativa a erro de proibição. Se inevitável, isenta o agente de pena. Se evitável, ao invés de diminuir a pena, pune a forma culposa por razões de política criminal. Prova Cespe tende a adotar essa teoria.

VII .3. Culpabilidade

Para parte da doutrina, a exemplo de Damásio, Capez e Delmanto culpabilidade não seria elemento do conceito analítico de crime, sendo apenas um pressuposto para aplicação da pena. Esta é perspectiva bipartida.

Para Roxin o crime é composto de fato típico, ilicitude e responsabilidade. Dentro de responsabilidade teríamos a ideia de prevenção.

Conceito: É o juízo de reprovação pessoal que recaí sobre o autor de um fato típico e ilícito que, podendo se comportar conforme o direito, opta livremente por se comportar de forma contrária a ele.

Juízo de reprovação: A ideia de culpabilidade é a ideia de reprovabilidade.

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Pessoal: Culpabilidade é juízo de valor sobre a pessoa, ao contrário da tipicidade e da ilicitude, que são juízos de reprovação sobre o fato.

Essa reprovabilidade decorre do livre-arbítrio. O agente podia agir conforme o direito. É por isso, por exemplo, que o doente mental não tem culpabilidade.

Teorias da Culpabilidade:

I – Teoria Psicológica: Teoria do Causalismo. Franz Von Liszt e Ernst Beling defendiam que a culpabilidade era psicológica. Na culpabilidade estavam dolo ou culpa. O elemento subjetivo do crime, na época estava dentro da culpabilidade.

Na época, o crime era composto por fato típico + ilicitude + culpabilidade. Culpabilidade era dolo ou culpa. A teoria era puramente psicológica. Nesse período, a imputabilidade era um pressupostos para aferir a culpabilidade, mas dela não fazia parte.

Culpa não se confunde com culpabilidade!

II – Teoria psicológico-normativa: Defendida por James Goldschmti, Berthold Freudenthal, Edmund Mezger e Reinhart Frank. Mantiveram o elemento psicológico dentro da culpabilidade. Contudo, acrescentaram dois elementos normativos (valorativos): imputabilidade e exigibilidade de conduta diversa. A consciência da ilicitude fazia parte do dolo.

III – Teoria Normativa Pura: Teoria Finalista. Defendida por Hans Welzel. Toda conduta humana é uma conduta destinada a um fim. Se este fim é ilícito, a conduta é dolsa. Se o fim é lícito, mas o sujeito não emprega as cautelas devidas, é culposa. Toda conduta humana penalmente relevante é dolosa ou culposa. Dolo e culpa saem da culpabilidade, sendo que esta passa a contar apenas com elementos normativos/valorativos (imputabilidade + exigibilidade de conduta diversa + potencial consciência da ilicitude).

Elementos da culpabilidade:

I – Imputabilidade: Imputar é atribuir algo a alguém. Imputável é aquele a quem se pode atribuir a responsabilidade penal. A regra, é que se pode atribuir a responsabilidade penal. Esta regra é afastada em três hipóteses:

a) Menoridade: Ver art. 228 da CF.

Redução da maioridade penal: a) Cláusulas pétreas, art. 60, §4º, IV, CF. Esse art. 228 está no rol dos direitos e garantias individuais? Sim. Para o STF, eles estão espalhados por todo o texto constitucional; B) Se houver uma EC para diminuir essa idade haveria uma violação a cláusula pétrea? A constituição diz que não serão objeto de deliberação as propostas de emenda constitucional tendentes a abolir o direito. O direito pode ser alterado, reformado, sendo até mesmo diminuído, inclusive, desde que não se atinja o seu núcleo essencial:

Para uma primeira corrente doutrinária, reduzir a maioridade penal vai abolir o direito. O direito individual não seria a existência da maioridade penal, mas sim a existência da maioridade penal a partir dos 18 anos. É o entendimento majoritário.

Para outra corrente, seria possível desde que não atingisse o núcleo essencial do direito. A redução para 16 anos não reduziria esse núcleo essencial, ao contrário do que ocorreria se essa maioridade fosse reduzida para 10 anos.

Critério empregado para aferição da inimputabilidade por menoridade: É o critério puramente biológico ou cronológico ou etário. Basta constatar a idade para que a lei presuma que ele não entenda o ilícito.

O inimputável, menor de dezoito anos, não pratica crime, pratica ato infracional equiparado a crime. A ele não se aplica pena, aplica-se medida sócio-educativa, que é uma medida de natureza terapêutica.

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b) Doença mental: Ver art. 26 do CP. Quando se fala na existência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, tem-se um critério biológico. Quando se fala que em razão disso, ele não entende o caráter ilícito do fato ou não consegue se determinar de acordo com esse entendimento (ele sabe que é errado, mas a patologia psíquica o impele àquilo), tem-se um critério psicológico. Pelo exposto, essa situação trata de um critério biopsíquico ou biopsicológico. Ex. cleptomaníaco.

O dente mental não tem esse livre-arbítrio.

Para o doente mental aplica-se medida de segurança. Não existe condenação à medida de segurança. Absolve-se e impõe-se medida de segurança. É uma sentença absolutória imprópria, isto é, o juiz reconhece a imputabilidade por doença mental, absolve (não condena porque não está presente a culpabilidade e, consequentemente, crime) e aplica a medida respectiva. Espécies:

- medida de internação: Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.

- tratamento ambulatorial: Tratamento compulsório sem a necessidade de internação.

Prazo da medida de segurança: O CP prevê um prazo mínimo de um a três anos. É o prazo mínimo a partir do qual o sujeito começa a ser submetido a novas avaliações psiquiátricas. Caso o médico constate que cessou a periculosidade (fundamento da medida de segurança), cessa a medida de segurança; permanecendo a periculosidade, permanece a medida de segurança. Para a doutrina, a medida de segurança não tinha natureza punitiva, tendo natureza curativa, podendo durar o tempo necessário para cessar a periculosidade. Contudo, para o STF, o limite das medidas de segurança é o art. 75 do CP (30 anos). Este artigo deve-se aplicar por analogia. Essa analogia é “in bonam partem”. Por outro lado, para o STJ, o limite da medida de segurança é o limite máximo da pena que seria aplicada ao fato praticado pelo inimputável.

Semi-imputável ou fronteiriço: Ver art. 26, PU, CP. É o portador de distúrbio psíquico (perturbação mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado). Não existe semi-imputável por idade.

É aquele que tem uma patologia psíquica e em razão deste distúrbio tem parcial capacidade de entendimento. Ele tem parcial culpabilidade, sendo parcialmente reprovado. Ele é condenado, mas com uma causa de diminuição de pena. Dependendo das circunstâncias, o juiz pode ou não converter a pena em medida de segurança.

Em 1984 foi abolido o Sistema do Duplo Binário, que permitia aplicar a pena e a medida de segurança. A partir de 1984, passou-se a adotar o Sistema Vicariante, onde aplica-se a pena ou a medida de segurança.

c) Embriaguez completa e fortuita: A embriaguez pode se dar por substância alcoólica ou qualquer outra substância que altere a consciência e a capacidade psicomotora da pessoa (ex. drogas, permitidas ou não).

Teoria da “Actio Libera In Causa” (ação livre na origem): Em matéria de embriaguez, o livre-arbítrio não é aferido no momento da conduta, é aferido no momento da ingestão da substância.

Existem cinco modalidades de embriaguez:

- Embriaguez preordenada: O sujeito quer ingerir a substância, quer se embriagar e quer praticar a infração penal. Embriaga-se para cometer o crime. Não exclui a culpabilidade, e ainda incide uma agravante contemplada no art. 61 do CP.

- Embriaguez voluntária ou dolosa: O sujeito quer se embriagar, mas não quer praticar infração penal. Não se discute o dolo e a culpa, pois a análise do dolo e da culpa não integra a culpabilidade, mas discute-se a imputabilidade. Não exclui a culpabilidade.

- Embriaguez culposa: O sujeito que ingerir a substância, mas não quer se embriagar. Não exclui a culpabilidade, pois no momento da ingestão da substância a ação dele foi livre.

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- Embriaguez fortuita: O sujeito não tem a intenção de ingerir a substância. Ex. sujeito está em uma festa e colocam droga em sua bebida, ficando completamente embriagado; outro exemplo é o trote de calouros em que os veteranos obrigam os mesmos a beber cachaça. Exclui a culpabilidade, pois no momento da ingestão da substância a ação do agente não foi livre. Observa que, para excluir a culpabilidade nesta hipótese, a embriaguez deve ser completa. Se a embriaguez for fortuita e incompleta, o agente será condenado, mas com a pena diminuída.

- Embriaguez patológica: É o vício do álcool, é o vício da droga. Pode excluir a culpabilidade, mas fundamentado não na embriaguez, pois esta deve ser completa e fortuita para tanto, e sim porque são considerados modalidades de doença mental (critério biopsicológico: doença mental + não saber o que está fazendo ou de se determinar de acordo com esse entendimento).

E o índio? O Estatuto do Índio divide o índio em três grupos de acordo com o grau de integração ao restante da comunidade brasileira: a) integrado: Fala o português; trabalha; frequenta a escola. b) em vias de integração: fala português; faz questão de permanecer na tribo c) isolado: Vive em mata fechada; não fala português. Durante muito tempo se defendia a ideia que o integrado era imputável, o isolado inimputável e o índio em vias de integração deveria se submeter a um laudo antropológico. Contudo, para o STF, o índio é culpável ou não de acordo com o resto da sociedade. Para o índio não existe uma hipótese específica de inimputabilidade.

II – Exigibilidade de conduta diversa: A ideia é poder exigir outra conduta do cidadão. Inexigibilidade de conduta diversa é a exclusão da culpabilidade.

O CP traz dois institutos que materializam a inexigibilidade de conduta diversa:

Ver art. 22 do CP.

a) Coação moral irresistível (vis compulsiva): Não se confunde com a coação física irresistível (vis absoluta). Esta exclui a conduta humana penalmente relevante, tornando o fato atípico. Na coação física irresistível não há vontade, não há o direito de escolha do agente.

Na coação moral irresistível, por ex. quando a quadrilha de roubo a banco sequestra a família do gerente e obriga o mesmo a facilitar o roubo ao banco, o agente tem vontade, um direito de opção, porém uma vontade viciada pela coação, vício do consentimento. Observa-se neste exemplo não se pode exigir do gerente do banco uma conduta diversa.

b) Obediência Hierárquica: Hierarquia em DP é vínculo de Direito Público, entre funcionários públicos, vínculo funcional. O superior hierárquico dá uma ordem não manifestamente ilegal ao seu subordinado.

Quando a ordem é manifestamente ilegal, não há obediência hierárquica.

Obediência hierárquica não se confunde com o estrito cumprimento de um dever legal, onde a expressão “legal” abrange também atos normativos, legais ou infralegais. Ato normativo é genérico e abstrato. Ordem é concreta.

c) Para parte da doutrina, além dessas duas hipóteses, haveria causas supralegais de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa. Ex. mãe, necessitada, que não tinha nenhum lugar e nem alguém para deixar seus filhos ao sair para trabalhar, que trancava seus filhos em casa, adotando precauções básicas de segurança para os mesmos. Um dia, a casa da vizinha pegou fogo. As crianças não conseguiram fugir porque estavam trancadas. Pediu-se o arquivamento do IP com base em inexigibilidade de conduta diversa.

III – Potencial consciência da ilicitude: Ninguém se escusa da subordinação à lei invocando o seu desconhecimento. Esse dogma no processo penal é flexibilizado. A ausência da consciência da ilicitude (não saber que o fato é ilícito) é uma atenuante contemplada no art. 65 do CP.

A ausência da potencial consciência da ilicitude dá ensejo ao erro de proibição inevitável, que excluí a culpabilidade. Potencial consciência da ilicitude é a aptidão para adquirir a consciência da ilicitude.

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Exemplo de ausência da potencial consciência da ilicitude se dá com o índio não civilizado, quando o mesmo mata uma criança gêmea acreditando que ela é a personificação do mal.

No erro de proibição o agente sabe o que faz, mas não sabe que é ilícito, e nem tem condições para adquirir essa consciência da ilicitude.

O erro de proibição não se confunde com o erro de tipo. Neste, há um erro sobre a circunstância fática.

Teoria da valoração paralela na esfera do profano: Tem a ver com a potencial consciência da ilicitude. Teoria criada por Mezger. Utiliza essa Teoria para tentar identificar quando haveria ou não a potencial consciência da ilicitude. Para ele, profano é o não jurídico (religião, cultura, condições econômicas etc).

Zaffaroni fala no erro culturalmente condicionado. É um erro de proibição no qual se incorre por força da cultura em que o agente sempre viveu.

Roxin trabalha algumas causas supralegais de exclusão de culpabilidade: a) fato da consciência: espécie de escusa de consciência. A convicção do sujeito é o seu próprio ser. Ex. sujeito que professa a religião rastafári, utilizando maconha em rituais sagrados.; b) Colisão de deveres: Sujeito que tem mais de um dever. Ex. Sujeito que tem o dever de não deixar seus filhos irem para mendicância e para isso pratica um crime; c) Desobediência civil.

Co-culpabilidade (culpabilidade do vulnerável): Está prevista no art. 66 do CP. Traz a circunstância atenuante inominada ou genérica. Significa repartir a reprovabilidade da conduta entre o criminoso e a sociedade, reconhecer que a comunidade teve uma parcela de culpabilidade na conduta daquele sujeito.

VIII - “Iter Criminis”

É o caminho percorrido pelo crime. Conjunto de fases que se sucedem cronologicamente no desenvolvimento do delito (doloso).

Fases: Em regra, o crime doloso tem essas quatro fases.

I – Cogitação: É a ideação do crime. A fase da cogitação é impunível (desdobramento lógico do princípio da materialização do fato). Querer punir a cogitação é trabalhar com Direito Penal do Autor.

Cogitação não implica premeditação.

II – Preparação: Há os atos preparatórios (“conatus remotus”). O agente procura criar condições para a realização da conduta idealizada.

Em regra, os atos preparatórios também são impuníveis. Exceções: a) art. 188 do CP (Crime de Associação Criminosa); b) art. 291 do CP (Petrechos para falsificação de Moeda); c) art. 2º da Lei 12.850/13 (Formação, Constituição de Organização Criminosa). Nestes casos, o legislador antecipa a punição para a fase de preparação.

III – Execução: Os atos executórios traduzem a maneira pela qual o agente atua exteriormente para realizar o crime idealizado e preparado.

Em regra, a punição só tem cabimento com o início dos atos executórios.

Atos preparatórios x atos executórios:

Ex. Fulano quer subtrair objetos do interior de um imóvel. Aguarda, na esquina, o dono do imóvel deixar a residência. Depois que o dono sai, Fulano pula o muro e toma a intimidade da casa. Fulano apodera-se do aparelho visado.

Quando se iniciou a execução?

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1 – Momento em que aguarda na esquina?

2 – Momento em que pula o muro e toma a intimidade do imóvel?

3 – Momento do apoderamento do aparelho visado?

Teorias que buscam delimitar o início da execução:

1 – Teoria da Hostilidade ao Bem Jurídico/critério material: Para essa teoria, consideram-se atos executórios aqueles que atacam o bem jurídico, criando-lhe concreta situação de perigo. É adotada por Nelson Hungria.

No exemplo anterior, essa teoria corresponde ao momento 1 (já existe início da execução – podendo ser preso por tentativa de furto).

Críticas: Início da execução está muito distante da consumação.

2 – Teoria objetivo-formal: Entende-se como ato executório aquele que inicia a realização do núcleo do tipo. É adotada por Frederico Marques.

No exemplo anterior, essa teoria corresponde ao momento 3 (o início da execução ocorre com o apoderamento do bem).

Críticas: Início da execução muito próximo da consumação.

3 – Teoria objetivo-individual: Consideram-se atos executórios aqueles que, de acordo com o plano do agente, ocorrem no período imediatamente anterior ao começo da realização do núcleo. É defendida por Zaffaroni e o STJ tem julgados nesse sentido.

No exemplo anterior, essa teoria corresponde ao momento 2 (o início da execução ocorre no momento em que o agente pula o muro e toma a intimidade do imóvel).

IV – Consumação: É o instante da composição plena do fato criminoso, isto é, nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal.

Crime consumado: Está previsto no art. 14, I, do CP.

Classificação doutrinária quanto ao seu momento consumativo:

a) Crime material: Composto de conduta + resultado naturalístico. Este resultado é indispensável para a consumação. Ex. art. 121 do CP

b) Crime formal ou de consumação antecipada: Composto de conduta + resultado naturalístico. Este resultado é dispensável, haja vista que a consumação ocorre com a realização da conduta. Ex. extorsão.

c) Crime de mera conduta: O tipo só descreve a conduta. Ex. violação de domicílio.

d) Crime permanente: A consumação se protrai no tempo (até que o agente encerre a conduta delituosa). Ex. sequestro ou cárcere privado; associação criminosa.

Ver súmula 711 do STF.

e) Crime habitual: A consumação exige reiteração da conduta típica. Ex. art. 284 do CP (Curandeirismo). Se o agente realiza um ato, o fato é atípico. Praticando fatos reiterados, ainda que dois, o fato é típico.

Observação: Crime consumado não se confunde com crime exaurido (esgotado plenamente). A consumação encerra o “iter crimines”. O exaurimento são os atos posteriores ao encerramento do “iter criminis”. Ex. concussão (art.

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316 do CP). Nela, o funcionário público exige indevida vantagem. A partir desse momento, o crime está consumado. O recebimento da indevida vantagem na concussão é mero exaurimento. O exaurimento pode servir:

a) Como circunstância judicial desfavorável, isto é, majora a pena base;

b) Pode atuar como qualificadora. Ex. art. 329, §1º, CP.

c) Pode caracterizar causa de aumento de pena. Ex. 317, §1º, CP.

d) Pode configurar crime autônomo. Ex. art. 148, §1º, V, do CP, onde o exaurimento, ou seja, a prática de atos libidinosos configura crime sexual autônomo.

Tentativa: Ver art. 14, II, do CP.

Crime de tentativa ou tentativa de crime? A tentativa não caracteriza crime “sui generis” com pena autônoma. É forma incompleta de violação da mesma norma de que o crime consumado representa violação plena. Logo, não há crime de tentativa, mas tentativa de crime.

O art. 14, II, trabalha como norma de extensão temporal. Amplia a proibição para alcançar fatos humanos realizados de forma incompleta.

No crime consumado a adequação do comportamento é imediata ao tipo penal. Por outro lado, com crime tentado, a adequação do comportamento é mediata ao tipo penal (pelo art. 14, II, do CP será possível punir esse fato).

Elementos da tentativa:

a) Início da execução:

b) Não consumação do crime por circunstâncias alheias à vontade do agente: Aqui reside a diferença da tentativa em relação à desistência voluntária e ao arrependimento eficaz.

c) Dolo de consumação: Isso explica a razão de o crime culposo não admitir tentativa.

d) Resultado possível: Aqui reside o marco diferencial do crime impossível.

Existem duas teorias sobre a punibilidade da tentativa:

I – Teoria Objetiva/realística: Observa o aspecto objetivo do delito (sob a perspectiva dos atos praticados pelo agente).

O crime consumado é subjetivamente perfeito e objetivamente acabado. O crime tentado também é subjetivamente perfeito (o dolo do crime consumado é igual ao dolo do crime tentado). Porém, na tentativa é objetivamente inacabado (não termina a execução). Sob o ponto de vista objetivo, o crime tentado é menor do que o crime consumado, merecendo uma pena reduzida.

A tentativa é chamada de tipo manco, pois a perna objetiva é menor do que a subjetiva no crime tentado.

II – Teoria Subjetiva/voluntarística/Monista: Observa o aspecto subjetivo do delito (sob a perspectiva do dolo).

O crime consumado é tão completo quanto o crime consumado. Sob o aspecto subjetivo, tentativa e consumação são idênticas. Assim sendo, a tentativa deve ter a mesma pena da consumação, sem qualquer redução.

Pela leitura do art. 14, II, do CP, em regra, adota-se a Teoria Objetiva. Excepcionalmente, adota-se a Teoria Subjetiva. Exemplos: a) art. 352 do CP (Evadir-se ou Tentar-se evadir); b) art. 309 do Código Eleitoral (votar ou tentar votar mais de uma vez em lugar de outrem). Tem-se os chamados delitos de atentado ou empreendimento (pune-se a tentativa com a mesma pena do crime consumado, sem qualquer redução).

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Há crimes que só são punidos na forma tentada. A consumação é fato atípico. Exemplos. Crimes de Lesa Pátria da Lei 7170/83: artigos 11 e 17.

Classificação doutrinária da tentativa:

I – Quanto ao “iter” percorrido:

a) Perfeita/acabada/crime falho: apesar de o agente praticar todos os atos executórios à sua disposição, não consuma o crime por circunstâncias alheias à sua vontade.

A tentativa perfeita só é cabível nos delitos materiais. Sendo um crime formal ou de mera conduta, tendo praticado todos os atos executórios, há consumação.

b) Imperfeita/inacabada: o agente é impedido de prosseguir no seu intento, deixando de praticar os atos executórios à sua disposição.

II – Quanto ao resultado produzido na vítima:

a) Incruenta/branca: O golpe não atinge o corpo da vítima.

b) Cruenta/vermelha: O golpe atinge o corpo da vítima.

III – Quanto à possibilidade de o agente alcançar o resultado:

a) Idônea: O resultado era possível de ser alcançado.

b) Inidônea: O resultado era absolutamente impossível de ser alcançado. É sinônimo de crime impossível.

Infrações penais que não admitem a tentativa:

a) Crime culposo: No crime culposo não existe dolo de consumação (elemento da tentativa).

Na culpa imprópria existe dolo de consumação, sendo possível a tentativa.

b) Crime preterdoloso: O resultado que agrava ou qualifica o crime não é alcançado pelo dolo do agente (e sim a título de culpa).

É possível a tentativa quando a parte frustrada é a dolosa. O crime preterdoloso é composto de dolo no antecedente e culpa no consequente. Se a parte frustrada for a dolosa, sendo a culposa realizada, percebe-se a tentativa de crime preterdoloso. Ex. aborto qualificado pela morte da gestante. Se o aborto ficar frustrado e a gestante morrer, há tentativa do crime de aborto qualificado pela morte.

O agente interrompe a gravidez e a gestante não morre em razão do socorro médico: Neste exemplo ocorreu o aborto, não ocorreu a morte. Não há dolo de consumação na parte da morte.

c) Crimes unissubsistentes: Consideram-se praticados com a prática de um único ato. Não admitem fracionamento da execução. Ex. crime de mera conduta, como ato obsceno.

No crime de violação de domicílio (art. 150 do CP), apesar de infração de mera conduta, excepcionalmente admite tentativa na modalidade “entrar”.

Os crimes omissivos próprios também são unissubsistentes. Ex. omissão de socorro.

d) Contravenção penal: Não é punível a tentativa de contravenção penal, segundo o art. 4º da Lei de Contravenções Penais. De fato, a contravenção admite a tentativa.

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e) Crimes de atentado ou de empreendimento: Crime cuja forma tentada é punida com a mesma pena da consumação.

Na verdade, crime de atentado admite tentativa. Não admite a redução da pena.

f) Delitos habituais: São caracterizados pela reiteração de atos.

g) Crime condicionado ao implemento de um resultado: Só serão punidos se o evento descrito na norma efetivamente ocorrer. Ex. art. 122 do CP: Fulano induz Beltrano a se matar. Beltrano ingere substância letal: a) Se Beltrano morre, Fulano responde pelo art. 122 consumado, com pena de 02 a 06 anos; b) se Beltrano sofre lesão grave, Fulano responde pelo art. 122 consumado, com pena de 01 a 03 anos; c) Se Beltrano sequer sofre lesão grave, o fato é atípico. É um exemplo de crime material plurissubsistente que não admite tentativa.

h) Dolo eventual: Discute-se se o dolo eventual admite tentativa. De acordo com o CP, existe vontade no dolo direto e no dolo eventual. Logo, as duas formas de dolo admitem tentativa.

Tentativa qualificada ou abandonada: Ver art. 15 do CP. A desistência voluntária e o arrependimento eficaz são suas espécies.

Tentativa Simples Tentativa QualificadaArt. 14, II, CP. Art. 15 do CP.O agente inicia a execução. O agente inicia a execução.O resultado não ocorre por

circunstâncias alheias à vontade do agente.O resultado não ocorre por

circunstâncias inerentes à vontade do agente. O agente abandona o intento inicial.

A tentativa simples atua como norma de extensão, em regra reduzindo a pena.

Já o art. 15 do CP, de acordo com a maioria, é causa de extinção da punibilidade da tentativa, respondendo o agente pelos atos já praticados.

Ex1. Fulano quer subtrair o veículo de Beltrano. Pula o muro da casa, rompe o vidro do carro e, no momento em que ia ligar o motor, desiste e abandona o local. Há desistência voluntária. Extingue a punibilidade da tentativa de furto. Fulano responde por violação de domicílio + dano do vidro do carro.

Ex2. Fulano quer matar Beltrano. Dispara contra a vítima e ao vê-lo pedindo socorro se arrepende e a conduz a um hospital, onde é salva, mas sofre lesões graves. Há arrependimento eficaz que extingue a punibilidade da tentativa de homicídio. Fulano responde por lesão corporal grave.

I – Desistência Voluntária: Está prevista no art. 15, 1ª parte, do CP. O agente, por manifestação exclusiva do seu querer, desiste de prosseguir na execução do crime.

O agente abandona o intento quando tinha atos executórios para serem praticados.

Na tentativa o agente quer prosseguir, mas não pode. Na desistência voluntária o agente pode prosseguir, mas não quer.

A desistência deve ser voluntária, ainda que não espontânea. A desistência voluntária admite interferência subjetiva externa (influência externa de outra pessoa).

Não configura desistência voluntária a influência objetiva externa, isto é, tudo o que não parte de uma pessoa. Ex. tocar um alarme, escutar uma sirene, acender uma luz.

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II – Arrependimento Eficaz(resipiscência): Está previsto no art. 15, 2ª parte, do CP. Ocorre quando os atos executórios já foram todos praticados, porém, o agente abandona o intento, desenvolve nova conduta para impedir o resultado.

O arrependimento eficaz só tem cabimento nos crimes materiais. Nos crimes formais e nos de mera conduta, o esgotamento dos atos executórios já consuma o crime, sendo que qualquer arrependimento, nesses casos, será rotulado como ineficaz.

O arrependimento deve ser:

a) Voluntário: Não precisa ser espontâneo.

b) Eficaz:

Quadro comparativo:

Desistência Voluntária Arrependimento EficazArt. 15, 1ª parte, CP. Art. 15, 2ª parte, CP.Exige voluntariedade. Exige voluntariedade + eficácia.O agente abandona o dolo antes de

esgotar os atos executórios.O agente abandona o dolo após

esgotar os atos executórios, impedindo a consumação.

Arrependimento posterior: Ver art. 16 do CP.

Na desistência voluntária o agente abandona o dolo durante a execução.

No arrependimento eficaz o agente abandona o dolo depois de esgotados os atos executórios, evitando a consumação.

No arrependimento posterior o agente se arrepende após a consumação do crime.

Requisitos:

a) Crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa. A violência contra a coisa não impede o benefício. Crimes culposos, mesmo que violentos, admitem o benefício.

Quanto aos crimes cometidos com violência imprópria (qualquer outro meio diferente da violência ou da grave ameaça capaz de impossibilitar a resistência da vítima), de acordo com a maioria, não impede o benefício.

b) Reparação do dano ou restituição da coisa: A reparação do dano deve ser integral. A reparação parcial pode servir autorizar a redução da pena desde que a vítima concorde.

Essa reparação do dano deve ocorrer até o recebimento da denúncia ou da queixa. Se a reparação ocorrer após o recebimento da inicial, pode configurar atenuante de pena (art. 65, III, “b”, CP).

c) Ato voluntário do agente: A lei contenta-se com voluntariedade, não exige espontaneidade. Não exige sequer motivos nobres na condução do arrependimento.

Consequências: Uma vez atendidos todos os requisitos previstos em lei, a reparação do dano ou restituição da coisa tem como consequência a redução de 1/3 a 2/3 da pena do agente.

A diminuição se opera na terceira fase de aplicação da sanção penal e terá como parâmetro a maior ou menor presteza (celeridade e voluntariedade) na reparação ou restituição.

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A reparação do dano se comunica ao corréu?

1ª corrente) A reparação do dano é circunstância objetiva comunicável. É a que prevalece.

2ª corrente) exigindo-se voluntariedade, a circunstância é subjetiva incomunicável. Só quem se arrepende é quem tem direito ao benefício. Nesse sentido, Luiz Regis Prado.

A recusa da vítima impede o arrependimento posterior? O art. 16 do CP não elencou como requisito a aceitação da vítima. O infrator deverá restituir o bem à autoridade policial ou depositá-lo em juízo.

Situações especiais de reparação do dano ou restituição da coisa:

a) Peculato culposo (art. 312, §3º, CP): Extingue a punibilidade.

b) Estelionato mediante emissão de cheque sem fundos (art. 171, §2º,VI, CP + Súmula 554 do STF): Extingue a punibilidade.

c) Crimes contra a ordem tributária, o pagamento integral do débito tributário: Pode extinguir a punibilidade.

d) Crimes de menor potencial ofensivo: Permite a extinção da punibilidade.

Crime impossível: ou tentativa inidônea ou quase crime ou crime oco. Está previsto no art. 17 do CP.

Teorias:

I – Teoria sintomática: Com a sua conduta, demonstra o agente ser perigoso, razão pela qual deve ser punido, ainda que o crime se mostre impossível de ser consumado. Por ter como fundamento a periculosidade do agente, esta teoria se relaciona diretamente com o direito penal do autor.

II – Teoria subjetiva: Sendo a conduta subjetivamente perfeita (vontade consciente de praticar o delito), deve o agente sofrer a mesma pena cominada à tentativa, sendo indiferente os dados (objetivos) relativos à impropriedade do objeto ou ineficácia do meio, ainda quando absolutas. Essa teoria também dá campo fértil para o direito penal do autor.

III – Teoria Objetiva: Crime é conduta e resultado. Este configura dano ou perigo de dano ao bem jurídico. A execução deve ser idônea, ou seja, trazer a potencialidade do evento. Caso inidônea, temos configurado o crime impossível. A teoria objetiva subdivide-se:

a) Teoria objetiva pura: Não há tentativa, mesmo que a inidoneidade seja relativa, considerando-se, neste caso, que não houve conduta capaz de causar lesão.

b) Teoria objetiva temperada ou intermediária: a ineficácia do meio e a impropriedade do objeto devem ser absolutas para que não haja punição. Sendo relativas, pune-se a tentativa. É a teoria adotada pelo Código Penal.

Elementos:

a) Início da execução;

b) Não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente;

c) Dolo de consumação;

d) Resultado absolutamente impossível de ser alcançado.

Formas de crime impossível:

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I – Crime impossível por ineficácia absoluta do meio: A inidoneidade absoluta do meio se verifica quando falta potencialidade causal, pois os instrumentos postos a serviço da conduta não são eficazes, em hipótese alguma, para a produção do resultado. Ex. João, para matar Antônio, se vale, sem saber, de uma arma de brinquedo.

II – Crime impossível por impropriedade absoluta do objeto: Quando a pessoa ou a coisa que representa o ponto de incidência da ação delituosa (objeto material) não serve à consumação do delito. A inidoneidade do objeto se verifica tanto em razão das circunstâncias em que se encontra (objeto impróprio) quanto em razão da sua inexistência (objeto inexistente). Ex. João pratica manobras abortivas em mulher com gravidez psicológica.

Concurso de Pessoas

I - Classificação do crime quanto ao concurso de pessoas

1 – Monossubjetivo

É um crime de concurso eventual: O delito pode ser praticado por uma ou mais pessoas associadas.

É a regra no CP (exs.: arts. 121, 155,157, 213).

2 – Plurissubjetivo

É um crime de concurso necessário: O concurso de agentes é elementar do tipo.

É exceção no CP.

Espécies:

a) De condutas paralelas: Ex. art. 288 do CP. As várias condutas auxiliam-se mutuamente.

b) De condutas convergentes: Ex. art. 235 do CP. As condutas encontram-se para formar o tipo..

c) De condutas contrapostas: Ex. art. 137 do CP. Uma conduta contra a outra.

Observação: A teoria geral do concurso de pessoas só interessa para os crimes monossubjetivos. Nos crimes plurissubjetivos o concurso de pessoas é elementar do tipo.

II - Conceito

Reunião de vários agentes concorrendo, de forma relevante, para a realização do mesmo evento, agindo todos com identidade de propósitos.

Observação: O concurso de pessoas demanda adesão de vontade do concorrente até a consumação. Depois da consumação, a adesão pode configurar crime autônomo. Ex. “A” e “B” combinam um furto (cogitação e preparação). Durante a execução, “C” propõe ajudar os furtadores (execução). Depois de subtraída a coisa (consumação), “D” admite ocultar o bem em benefício dos agentes. “A”, “B” e “C” praticaram furto qualificado pelo concurso de agentes (art. 155, §4º, IV, CP). “D” praticou Favorecimento Real (art. 349 do CP).

III - Requisitos

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1 – Pluralidade de agentes e de condutas:

2 – Relevância causal das condutas:

3 – Liame subjetivo entre os agentes: Os agentes atuam conscientes de que estão reunidos para a prática do mesmo evento.

Faltando liame subjetivo, desaparece o concurso de pessoas, podendo configurar autoria colateral ou incerta.

Concurso de agentes Autoria colateral ou incertaPluralidade de agentes e de conduta. Pluralidades de agentes e de conduta.Relevância causal das condutas. Relevância causal das condutas.Liame subjetivo entre os agentes. Não há liame subjetivo entre os

agentes.

Observação: liame subjetivo não significa acordo prévio. Ex. empregada percebe que ladrão vai subtrair a casa do patrão e deixa a janela aberta. Existe liame subjetivo por parte da empregada, ainda que não haja acordo prévio com o furtador. O ladrão responde pelo furto simples, caso contrário, há responsabilidade penal objetiva. A empregada, no entanto, responde pelo furto qualificado pelo concurso de pessoas. Observa-se que há doutrina em sentido contrário.

IV4 – Identidade de infração penal: Todos os concorrentes devem contribuir para o mesmo evento.

Há doutrina lecionando que a identidade de infração não é requisito, mas consequência regra do concurso de agentes.

Todos os concorrentes respondem pela mesma infração penal no concurso de pessoas? Há três teorias:

a) Teoria Monista, unitária ou igualitária: O crime é único para todos os concorrentes.

b) Teoria Pluralista: A cada um dos agentes se atribui conduta, razão pela qual cada um responde por delito autônomo. Haverá tantos crimes quantos sejam os agentes.

c) Teoria Dualista: Tem-se um crime para os executores do núcleo e outro aos que não realizam o verbo nuclear, mas concorrem de qualquer modo. Divide a responsabilidade dos autores e dos partícipes.

O CP adotou como regra a Teoria Monista. Ver art. 29, “caput”, do CP. O CP adotou o Monismo quanto ao injusto penal, isto é, mesma infração para todos. Porém, quando o CP diz “na medida de sua culpabilidade”, anuncia um pluralismo quanto à pena, isto é, a pena não será necessariamente a mesma para todos.

Excepcionalmente, no que tange à infração penal, o CP adota ora o Dualismo, ora o pluralismo.

Ex. Dualismo: Art. 29, §2º, CP (cooperação dolosamente distinta).

Ex. Pluralismo: corrupção passiva e corrupção ativa; consentimento para o aborto e terceiro que provoca o aborto.

IV - Autoria

Para se compreender o assunto concurso de pessoas é imprescindível definir “autoria”.

O conceito de autor depende da teoria adotada:

1 – Teoria subjetiva/unitária: Não existe distinção entre autor e partícipe. Todo aquele que, de alguma forma, contribui para a produção do resultado é rotulado como autor.

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2 – Teoria extensiva: Não distingue autor do partícipe, mas permite o estabelecimento de graus diversos de autoria. Todo aquele que, de alguma forma, contribui para a produção do resultado é autor, mas admite distinção dos autores em graus de participação. Ex. autor com grau maior de participação e autor com grau menor de participação.

3 – Teoria objetiva/dualista: Estabelece clara distinção entre o autor e o partícipe. Esta teoria divide-se em:

Teoria objetivo formal Teoria objetivo materialAutor: realiza o núcleo do tipo. Autor: contribui de forma mais

efetiva para a ocorrência do resultado (sem necessariamente praticar o núcleo do tipo).

Partícipe: concorre sem realizar o núcleo do tipo.

Partícipe: concorre de forma menos relevante.

Ver Item 25 da Exposição de Motivos do CP.

4 – Teoria do Domínio do Fato: A doutrina moderna (ex. STF – Mensalão) trabalha com esta teoria.

Tem predicados finalistas.

Surgiu para diferenciar, com clareza, o autor do executor do crime, conciliando as teorias objetiva e subjetiva.

Teoria objetiva Teoria do domínio do fatoAutor = executor do crime. Autor não necessariamente é o

executor do crime.

Autor: É quem controla finalisticamente o fato, ou seja, quem decide a sua forma de execução, seu início, cessação e demais condições. Não precisa necessariamente realizar o núcleo do tipo. Ex. José Dirceu no caso “Mensalão

“.

Partícipe: Será aquele que, embora colabore dolosamente para o alcance do resultado, não exerce domínio sobre a ação.

Quem tem o controle final do fato?

a) Aquele que, por sua vontade, executa o núcleo do tipo. É o autor propriamente dito;

b) Aquele que planeja o crime para ser executado por outras pessoas. É o chamado autor intelectual;

c) Aquele que se vale de um não culpável ou de pessoa que age sem dolo ou culpa para executar o tipo. É o chamado autor mediato.

Observação: A teoria do domínio do fato tem aplicação apenas nos crimes dolosos, única forma em que se admite o controle finalístico sobre o fato criminoso.

Autoria mediata:

Conceito: Sujeito que, sem realizar diretamente a conduta típica comete o crime por ato de interposta pessoa, utilizada como seu instrumento. Este sujeito tem o controle final do fato.

Autor Mediato PartícipeSua conduta é principal. Sua conduta é acessória.Detém o domínio do fato. Não possui o domínio do fato.

Observação: Autor mediato e partícipe não realizam o núcleo do tipo.

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Observação: Um inimputável (menor de 18) pede ajuda para um imputável para a subtração de um veículo. O imputável (maior) é partícipe de um furto, pois tem conduta meramente acessória no ato infracional praticado pelo inimputável.

Autor Mediato Autor IntelectualVale-se de pessoa sem consciência,

vontade ou culpabilidade para executar o crime planejado.

Planeja o crime a ser executado por outro.

O CP, sem definir autoria mediata, anuncia as hipóteses em que o instituto é aplicável:

I – Inimputabilidade penal (art. 62, III, CP);

II – Coação moral irresistível (art. 22, 1ª parte, do CP). O coator, quem coage, é autor mediato; o coagido é um não culpável.

III – Obediência hierárquica (art. 22, 2ª parte, do CP). O superior hierárquico é autor mediato; o subordinado é não culpável.

IV – Erro de tipo escusável provocado por terceiro (art. 20, §2º, CP). Quem induz terceiro ao erro é autor mediato. O induzido ao erro não é culpável.

V – Erro de proibição escusável provocado por terceiro (art. 21 do CP).

É possível autoria mediata nos crimes culposos? Não. O instituto é incompatível com os crimes culposos. O autor mediato deve dominar finalisticamente a ação criminosa. Não existe domínio finalístico nos crimes culposos.

É possível autoria mediata nos crimes próprios e de mão própria?

Crime próprio Crime de mão própriaO tipo penal exige qualidade ou

condição especial do agente.O tipo penal também exige qualidade

ou condição especial do agente.Admite coautoria e participação. Só admite participação.

Não admite coautoria (delito de conduta infungível).

O STF tem admitido coautoria no crime de falso testemunho entre o advogado e a testemunha que mente.

Crime próprio: Admite autoria mediata desde que o autor mediato reúna as condições exigidas no tipo. Ex. Fulano, particular, hipnotiza um servidor público, fazendo com que este pratique peculato (art. 312 do CP – crime próprio – “funcionário público”). Fulano, não sendo servidor público, não é autor mediato de peculato.

Crime de mão própria: Exigindo atuação pessoal (direta), para a maioria, a autoria mediata não é admissível. Ex. Fulano, réu, hipnotiza, a testemunha para mentir em juízo (art. 342 do CP – crime de mão própria). Autoria mediata, não significando atuação impessoal e indireta, é incompatível com o falso testemunho, crime de atuação pessoal e direta. Fulano não é autor mediato de falso testemunho.

Para Zaffaroni, em ambos os exemplos, Fulano é autor por determinação. Se, nos termos do art. 29 CP, pune-se quem, quem de qualquer modo concorre para o crime, não há razão para deixar impune o autor de determinação que, dotado de plena eficácia causal, é levado a efeito por quem atua, por exemplo, sem conduta (sob o efeito de hipnose). O agente não autor do crime, mas responde pela determinação para o crime por exercer, sobre o fato, domínio equiparado à autoria.

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O autor por determinação é um autor “mediato” nos em que não se admite autoria mediata.

Autor de escritório: É o caso do agente que emite a ordem para que outro indivíduo, igualmente culpável, pratique o fato criminoso.

Trata-se de espécie particular de autoria mediata, comumente identificada no âmbito de organizações criminosas, em que certo indivíduo, exercendo funções de comando, determina o cometimento de crimes por agentes que se encontram em posições subalternas.

Os “subalternos” não podem ser considerados meros instrumentos nas mãos de quem exerce funções de comando (não há obediência hierárquica no ramo privado).

Autoria colateral:

Verifica-se quando dois ou mais agentes, sem liame subjetivo (um ignorando a contribuição do outro), concentram suas condutas para o cometimento da mesma infração penal. Ex. Fulano e Beltrano, um ignorando a presença do outro, escondem-se esperando Sicrano para matá-lo. Surgindo a vítima, os dois disparam, atingindo Sicrano. Sicrano morre em razão do disparo de Fulano. Fulano responde por homicídio consumado. Beltrano responde por tentativa de homicídio.

E se não é possível determinar quem é om responsável pela morte? Autoria incerta: dois ou mais agentes, sem liame subjetivo, concorrem para o mesmo resultado, porém não há como identificar o real causador. A solução é condenar Fulano e Beltrano por tentativa de homicídio. Aplica-se o “in dubio pro reo”.

Um tiro atingiu a vítima com vida. Outro tiro atingiu a vítima já sem vida. Não é possível saber de qual arma veio o tiro quando a vítima estava morta. Qual a solução? Os dois respondem por nada. O crime é impossível. Havendo dúvida sobre qual agente praticou crime impossível, aplica-se o “in dubio pro reo”.

V - Coautoria

É a própria autoria delineada por vários indivíduos.

Teoria objetivo formal Teoria do domínio do fatoCoautoria: pluralidade de agentes

executando o núcleo do tipo.Coautoria: pluralidade de agentes

com o domínio sobre o fato.

Admite-se coautoria nos crimes próprios? Sim. A coautoria é compatível com os crimes próprios. Ex. O peculato, crime próprio, pode ser praticado por uma ou várias pessoas. O servidor (“intraneus”) pode ter como coautor um particular(“extraneus”)

Admite-se coautoria nos crimes de mão própria? Em regra, não admitem coautoria. Crime de conduta infungível a atuação pessoal.

A falsa perícia, apesar de crime de mão própria, excepcionalmente admite coautoria. Ex. dois peritos combinam falsear um laudo.

O STF entende existir coautoria no falso testemunho entre o advogado e a testemunha que mente. Adota a Teoria do Domínio do Fato.

VI - Participação

O conceito varia conforme a teoria da autoria.

Teoria objetivo formal Teoria do domínio do fatoPartícipe: Concorre para o crime sem Partícipe: Concorre para o crime sem

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realizar o verbo nuclear. ter domínio do fato.Formas de Participação:

1 – Moral:

a) Induzimento: O partícipe faz nascer a ideia criminosa para o autor.

b) Instigação: O partícipe reforça a ideia que já existe na mente do autor.

2 – Material:

- Auxílio: Assistência material. Ex. emprestar a arma.

A participação só é possível até a consumação. Após, pode configurar crime autônomo.

A participação é conduta acessória. Para ter relevância, depende da conduta principal.

Punição da participação:

1 – Teoria da acessoriedade mínima: para punir o partícipe, basta que o fato principal seja típico.

Essa teoria é injusta, pois, se o partícipe induzir outrem a matar em legítima defesa só partícipe responde pelo crime.

2 – Teoria da acessoriedade média/limitada: É a que prevalece. Foi adotada no Brasil. Para punir o partícipe, basta que o fato principal seja típico e ilícito. Ex. Fulano participa de fato praticado por menor. Fulano é partícipe do furto praticado por menor infrator. Não é autor imediato, pois não há notícia de que tinha o domínio do fato.

Agente infiltrado e crimes praticados durante a infiltração:

1ª corrente) Não responde pelo crime pois não há dolo;

2ª corrente) Não responde pelo crime pois está no estrito cumprimento de um dever legal;

3ª corrente) Não responde pelo crime pois dele é inexigível conduta diversa. A Lei 12.850/13 adotou esta corrente. Por essa corrente, pode-se punir o partícipe do agente infiltrado (membros da organização criminosa).

3 – Teoria da acessoriedade máxima: Para punir o partícipe, basta que o fato principal seja típico, ilícito e culpável. No exemplo anterior, Fulano não pode ser punido.

4 – Teoria da hiperacessoriedade: para punir o partícipe, o fato principal deve ser típico, ilícito, culpável e punível.

Participação em cadeia: Ocorre quando alguém induz outrem a induzir, instigar ou auxiliar terceira pessoa a praticar um crime. Ex. “A” convence “B” a convencer “C” a matar “D”. “A” e “B” participação em cadeia. “C” é o autor imediato do crime de homicídio.

Participação sucessiva: O mesmo agente é instigado, induzido ou auxiliado por duas ou mais pessoas, sem que estas conheçam a participação uma da outra. Ex. “A” é induzido por “B” e também por “C” a matar “D”.

Participação negativa (conivência): O agente não tem qualquer vínculo com a conduta criminosa (não induziu, não instigou, não auxiliou), nem tampouco a obrigação de impedir o resultado. Não há participação, mas simples contemplação do crime. Ex. Fulano percebe que a casa do vizinho está sendo furtada. Fulano nada faz. Fulano não é garantidor da casa do vizinho. A sua omissão é um indiferente penal.

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Concurso de pessoas nos crimes culposos: De acordo com a maioria, admite coautoria, mas não participação.

Fundamento: A inobservância do dever de cuidado é o substrato da coautoria (qualquer ato de que possa derivar o resultado involuntário é considerado ato de autor). Toda forma de negligência é autoria. Várias pessoas concorrendo de forma negligente são coautores.

Ex. Fulano induz Beltrano a acelerar veículo. Beltrano perde o controle de direção e atropela pedestre. Fulano e Beltrano são coautores de um homicídio culposo.

Participação de menor importância: Ver art. 29, §1º, CP.

Esta minorante só tem aplicação para o partícipe. Assim, não existe coautoria de menor importância.

Participação de menor importância é aquela de pouca relevância causal. O caso concreto dirá se ela é de pouca relevância causal.

Ex. Três pessoas resolvem roubar um banco. Uma fica no carro, para garantir eficiente fuga para os demais. Esta não é considerada partícipe de menor importância. Segundo a jurisprudência, ele é quem dá tranquilidade para os outros agirem.

A redução da pena é faculdade do juiz ou direito subjetivo do réu?

1ª corrente) Faculdade do juiz. A lei diz “a pena pode ser reduzida”. Adotada por Mirabete.

2ª corrente) Direito subjetivo do réu. É um poder-dever. A discricionariedade do magistrado diz respeito ao quantum da diminuição. É a que prevalece.

Participação dolosamente distinta: Ver art. 29, §2º, CP.

Ex. Fulano e Beltrano combinam um roubo. Fulano fica do lado de fora enquanto Beltrano entra na casa. Beltrano, durante o assalto, resolve estuprar a moradora.

Previsível não se confunde com previsto.

Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste.

Se o crime ocorrido (diverso do combinado) era previsível, a pena do crime combinado é aumentada até metade.

Se o crime ocorrido (diverso do combinado) for previsto e aceito, os concorrentes respondem por este crime.

No exemplo citado, Beltrano responde por roubo majorado pelo concurso de pessoas mais estupro.

Se o estupro não era previsível, Fulano responde por roubo majorado.

Se o estupro era previsível, Fulano responde por roubo majorado + pena aumentada até metade.

Se o estupro foi previsto e aceito, Fulano responde por roubo majorado + estupro.

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Prescrição

I - Conceito

É a perda, em face do decurso do tempo do direto de estado punir (PPP) ou executar a punição já imposta.

Trata-se de um limite temporal a poder punitivo estatal. Garantia do cidadão em face do excesso do Estado.

II - Imprescritibilidade

São hipóteses excepcionais, devendo estar previstos na CF.

1 – Art. 5º, XLII, CF: Racismo (lei 7716/89).

2 – Art. 5º, XLIV, CF: ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

Observação: A tortura é prescritível. Todavia, em alguns tratados internacionais ratificados pelo Brasil, é tida como um crime imprescritível (ex. Estatuto de Roma). Discute-se na doutrina pátria se, em razão desses tratados, a tortura deve ou não ser imprescritível. Não há decisões nos Tribunais Superiores reconhecendo a imprescritibilidade da tortura na seara penal. Não obstante, o STJ já decidiu que a indenização por conta de torturas praticadas no regime militar é imprescritível.

III - Fundamentos da prescrição

1 – O decurso do tempo leva ao esquecimento do fato.

2 – O decurso do tempo recupera naturalmente o criminoso.

3 – O decurso do tempo enfraquece o suporte probatório.

Em resumo, o tempo faz desaparecer o interesse social de punir.

IV - Espécies de prescrição

Prescrição da pretensão punitiva Prescrição da pretensão executóriaPerda do direito de punir. Perda do direito de executar a

punição já imposta.

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Ocorre antes do trânsito em julgado.Impede qualquer efeito de eventual

condenação.

Ocorre após o trânsito em julgado.Impede somente a execução da pena

(os demais efeitos permanecem).Divide-se em 4 espécies:a) Em abstrato (PPPA);b) Retroativa (PPPR);c) Superveniente (PPPS);d) Virtual (PPPV).

Prescrição da pretensão punitiva em abstrato ou propriamente dita (PPPA): Tem previsão legal no art. 109 do CP.

Tendo o Estado a tarefa de buscar a punição do delinquente, deve anunciar até quando essa punição lhe interessa.

Sendo incerto o “quantum” da pena que será fixada na sentença, o prazo prescricional é resultado da combinação da pena máxima prevista abstratamente no tipo e a escala do art. 109 do CP.

Observação: A lei nº 12.234/10 alterou a tabela do art. 109 do CP, mais precisamente o seu inciso VI. Essa lei é irretroativa, não alcançado fatos pretéritos.

Antes DepoisPrescreve em 02 anos se o máximo

da pena é inferior a 01 ano.Prescreve em 03 anos se o máximo

da pena é inferior a 01 ano.

Na busca da pena máxima em abstrato:

Leva-se em consideração Não se leva em consideraçãoQualificadora. Circunstâncias judiciais (art. 59 do

CP). O valor de uma circunstância judicial

não tem previsão legal.Causas de aumento e diminuição.Tratando-se de aumento ou

diminuição variável (ex. 1/3 a 2/3), considerar o maior aumento e a menor diminuição.

Agravantes e atenuantes.A atenuante da menoridade e da

senilidade reduz o prazo prescricional pela metade (art. 115 do CP).

Concurso de crimes (art. 119 do CP).

Consequências da PPPA:

1 – Desaparece para o Estado seu direito de punir, inviabilizando a análise do mérito.

Observação: O inciso IV do art. 397 do CPP demonstra um erro técnico do legislador, falando em absolvição quando do reconhecimento da prescrição. A decisão que extingue a punibilidade não é condenatória e nem tampouco absolutória, mas declaratória.

2 – Eventual sentença condenatória provisória é rescindida (não permite operar qualquer efeito penal ou extrapenal).

3 – O acusado não será responsabilizado pelas custas.

4 – Terá direito à restituição integral da fiança.

Termo inicial da PPPA (art. 111 do CP): Quando começa a correr o prazo prescricional anunciado pelo art. 109 do CP?

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1 – Do dia em que o crime se consumou.

Quando o crime se considera praticado

Quando se inicia o prazo prescricional

Na data da conduta.O art. 4º do CP adota a Teoria da

Atividade.

Na data da consumação.O art. 111 do CP adota a teoria do

resultado.

2 – No caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa, isto é, do dia em que se verificou o último ato executório.

3 – Nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência. Ex. cessa com a liberação da vítima no caso de sequestro.

4 – Nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido. Isso se dá pela demora em que se leva para descobrir esses fatos.

5 – Nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.

Observação: Abrange crimes contra a dignidade sexual previstos em legislação extravagante.

Observação: “salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal”:

1ª corrente) Significa ação penal oferecida (interpretação literal);

2ª corrente) Significa ação penal recebida (interpretação teleológica e sistemática com o art. 117, I, CP).

Observação: Não se trata de imprescritibilidade, mas termo inicial diferenciado de prescrição.

Qual o termo inicial da prescrição de um crime habitual? O STF entende que deve-se aplicar o inciso III do art.111, isto é, quando cessada a habitualidade.

Suspensão (art. 116 do CP – “param o cronômetro”) e interrupção (art. 117 do CP – “zeram o cronômetro”) do prazo prescricional:

1 – Causas interruptivas da prescrição:

Os incisos I a IV do art. 117 do CP referem-se á prescrição da pretensão punitiva.

Os incisos II e III do art. 117 do CP são exclusivos do Júri.

Os incisos V e VI do art. 117 do CP referem-se à prescrição da pretensão executória.

a) Recebimento da denúncia ou da queixa: A doutrina diverge se a interrupção se dá com o despacho de recebimento ou sua publicação, em cartório.

O simples aditamento para correção de meras irregularidades não o interrompe.

Ver súmula 709 do STF.

Anulado o despacho de recebimento da inicial, o novo recebimento será o marco interruptivo.

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b) Pronúncia: Reconhecendo haver prova da materialidade e indícios de autoria de crime doloso contra a vida, submete-se o caso a julgamento popular.

Ver súmula 191 do STJ.

c) Decisão confirmatória da pronúncia: O novo prazo conta-se da sessão que confirmou a decisão de 1º grau.

d) Publicação da sentença ou acórdão condenatório recorríveis: Observa-se que o acórdão meramente confirmatório de sentença de 1º grau não interrompe o prazo prescricional. Todavia, no caso da confirmação da pronúncia, o prazo é interrompido.

É crescente o entendimento de que acórdão que agrava a pena causa a interrupção da prescrição.

Balizas prescricionais: Surgem da combinação dos artigos 111 e 117 do CP.

1 – Crimes não dolosos contra a vida:

a) Termo inicial (art. 111 do CP) até o recebimento da inicial (art. 117, I, CP);

b) Recebimento da inicial até a publicação da sentença condenatória (art. 117,IV,CP);

c) Publicação da sentença condenatória até o trânsito em julgado.

2 – Crime doloso contra a vida:

a) Entre a data do fato e o recebimento da inicial;

b) Do recebimento da inicial até a publicação da pronúncia (art. 117,II,CP);

c) Da publicação da pronúncia até a confirmação da pronúncia (art. 117,III,CP);

d) Da confirmação da pronúncia até a publicação da sentença condenatória;

e) Da publicação da sentença condenatória até o trânsito em julgado.

Caso prático: Maria abandonou recém-nascido para ocultar desonra própria. Pena: 06 meses a 02 anos.

1º Qual o prazo da PPPA? Combina a pena máxima do crime com o art. 109 do CP: prazo prescricional de 04 anos;

2º Quanto tempo tem o Estado para investigar Maria? 04 anos;

3º Quanto tempo tem para processar e julgar Maria? 04 anos, lembrando que o recebimento da inicial é uma causa interruptiva da prescrição, que “zera” o seu prazo;

4º Suponhamos que Maria foi condenada a 06 meses e o MP recorreu, buscando aumentar a pena. Quanto tempo tem o Estado para julgar definitivamente o caso? 04 anos, pois a publicação da condenação é uma causa interruptiva.

Prescrição da pretensão punitiva retroativa (PPPR): Está prevista no art. 110, §1º, do CP.

Antes da sentença recorrível, não se sabe a quantidade de pena a ser fixada pelo juiz, razão pela qual o lapso prescricional regula-se pela pena máxima prevista em lei (teoria da pior das hipóteses). Contudo, fixada a pena, ainda que provisoriamente, transitando em julgado para a acusação (ou sendo seu recurso improvido), não mais existe razão

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para se levar em conta a pena máxima, já que, mesmo diante do recurso da defesa, é proibida a reforma para prejudicar o réu. A pena aplicada na sentença passa a ser o novo norte, parâmetro para o art. 109 do CP.

Características da PPPR:

1 - Pressupõe sentença ou acórdão penal condenatórios.

2 – Pressupõe transito em julgado da pena para a acusação, no que se relaciona com a pena.

3 – Tem como norte a pena aplicada na sentença.

4 – Os prazos prescricionais estão no art. 109 do CP.

5 – O termo inicial conta-se da publicação da condenação até o recebimento da inicial (contagem retroativa).

Observação: Sendo espécie de prescrição da pretensão punitiva, seus efeitos são os mesmos da PPPA.

Observação: Com o advento da lei 12.234/10, não amis se considera a PPPR entre o recebimento da inicial e a data do fato.

Observação: A lei 12.234/10 é prejudicial ao réu, portanto, irretroativa (fatos praticados antes dela admitem a PPPR entre o recebimento da inicial e a data do crime).

Observação: O recurso da acusação só impede a PPPR se buscar o aumento da pena. Se o MP recorre contra o tipo de pena, não impede a PPPR.

Observação: Discute-se se essa espécie de prescrição pode ser reconhecida em 1º grau ou só pelo Tribunal:

1ª corrente) Com a sentença, o juiz de 1º grau esgotou sua jurisdição, não podendo reconhecer a PPPR.

2ª corrente) Tratando-se de matéria de ordem pública, o juiz de 1º grau pode reconhecer a PPPR de ofício ou mediante provocação das partes.

Prescrição da pretensão punitiva superveniente (PPPS): Está prevista no art. 110, §1º, do CP.

Tal qual a PPPR, a superveniente (ou intercorrente) tem por base a pena concreta (a ser combinada com o art. 109 do CP).

A única diferença da PPPR em relação à PPPS é que aquela conta-se da condenação para trás, enquanto que esta conta-se da condenação para frente.

Caso prático: João está sendo processado pelo crime de furto (art. 155 do CP – pena de 01 a 04 anos).

Quanto tempo tem o Estado para condenar João? PPPA – 08 anos;

Suponhamos que depois de 02 anos João é condenado a 01 ano de reclusão. Quanto tempo tem o Estado para julgar o recurso dessa decisão? Depende. O recurso é de quem? Se a condenação não transitou em julgado para a acusação, estamos diante da PPPA, tendo o Estado o prazo de 08 anos para julgar o recurso. Contudo, se o MP não recorreu ou recorreu sem se insurgir quanto à quantidade de pena aplicada, tem-se a PPPS (desde que não haja a PPPR), tendo o Estado o prazo de 04 anos para julgar o recurso.

Prescrição da pretensão punitiva virtual (PPPV): Não tem previsão legal. É criação doutrinária.

Tem como finalidade reconhecer antecipadamente a PPPR (reconhecer a falta de interesse em prosseguir com ação penal que certamente será alcançada pela PPPR).

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Os Tribunais Superiores não têm admitindo a ocorrência da PPPV.

Ver súmula 438 do STJ.

Prescrição da pretensão executória (PPE): Está prevista no art. 110, “caput”, do CP.

Trata-se de prescrição de pena efetivamente imposta, que tem como pressuposto sentença condenatória com trânsito em julgado para ambas as partes.

Verifica-se dentro dos prazos estabelecidos no art. 109 do CP, os quais são aumentados de 1/3 se o condenado é reincidente.

Consequências da PPE: Extingue-se a pena aplicada sem rescindir a sentença condenatória (produz os demais efeitos penais e todos extrapenais).

PPP PPEOcorre antes do trânsito em julgado

para ambas as partes.Pressupõe condenação para ambas as

partes.Rescinde eventual condenação. Não rescinde eventual condenação.Impede qualquer efeito. Extingue a pena, mas permanecem os

demais efeitos.

Termo inicial da PPE: Ver art. 112 do CP.

Em regra, conta-se do dia do trânsito em julgado para a acusação.

Observação: A 5ª Turma do STJ ignorou a redação do art. 112, I, do CP, decidindo que o termo inicial da contagem do prazo da PPE é da data do trânsito em julgado para ambas as partes.

Suspensão e interrupção da PPE: O prazo da PPE pode ser suspenso, no caso do art. 116, PU, do CP, ou interrompido, nos moldes do art. 117, V e VI, do CP.

Ver art. 113 do CP: Prescrição no caso de evasão do condenado ou de revogação do livramento condicional.

Redução dos prazos de prescrição: Ver art. 115 do CP.

De fundo nitidamente humanitário, baseia-se o dispositivo na possibilidade de modificação da personalidade do agente que, no caso do menor de 21 anos, ainda não atingiu a maturidade mental (e talvez por isso tenha delinquido), e no caso do maior de 70 anos, se aproxima da caducidade.

Ambos os benefícios permanecem vigentes, sem alteração, mesmo com o advento do CC/02 (que alterou a maioridade civil para 18 anos) e do Estatuto do Idoso ( assim considerado todo aquele com idade igual ou superior a 60 anos). Seria necessária revogação expressa dos dispositivos penais, já que qualquer interpretação que contrarie a norma configuraria afronta à vedação de analogia maléfica.

O art. 115 do CP se aplica a todos os prazos prescricionais, inclusive aqueles previstos na legislação especial e incide sobre todas as modalidades de prescrição.

Prevalecendo-se o agente das mesmas circunstâncias de tempo, local e modo de execução (art. 71 do CP), praticando vários crimes da mesma espécie, sendo alguns antes dos 21 anos do criminoso e outros depois, a redução só incidirá nos crimes cometidos antes da maioridade (art. 119 do CP). Já no caso de crime permanente, iniciado na menoridade e terminado na maioridade, não se reduz o prazo prescricional.

De acordo com a súmula 338 do STJ, é aplicável o instituto da prescrição aos atos infracionais.