angústia e existência na contemporaneidade

22
Jurema Barros Dantas Jurema Barros Dantas Angústia e Existência na Contemporaneidade Angústia e Existência na Contemporaneidade

Upload: editora-rubio

Post on 14-Mar-2016

303 views

Category:

Documents


60 download

DESCRIPTION

Livro publicado pela Editora Rubio no ano de 2011 e destinado à área da Psicologia.

TRANSCRIPT

Page 1: Angústia e Existência na Contemporaneidade

Jurema Barros Dantas

Outros títulos de interesse

Dependência, Compulsão e ImpulsividadeAnalice Gigliotti / Angela Guimarães

Drogas – Guia para Pais e ProfessoresGustavo Henrique Teixeira

Diretrizes Gerais para o Tratamento da Dependência QuímicaABEAD (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas)

Interlúdios em Veneza – Os Diálogos Quase Impossíveisentre Freud e Thomas MannAbram Eksterman

Investigando Psicanaliticamenteas PsicosesDécio Tenembaum

Manual de Comportamento AnimalMarcos Rochedo Ferraz

Série Distúrbios do Desenvolvimento – Autismo e MorteLetícia Amorin / Francisco B. Assumpção Jr. (Org.)

Transtornos Comportamentaisna Infância e AdolescênciaGustavo Henrique Teixeira

O Reizinho da Casa – Entendendo o Mundo das Crianças Opositivas, Desafi adoras e DesobedientesGustavo Henrique Teixeira

Saiba mais sobre estes e outros títulos em nosso site: www.rubio.com.br

Jurema Barros D

antasA

ngústia e Existência na Contemporaneidade

“Em uma época em que somos conclamados ora à efi cácia compulsiva no caminho

do sucesso e da felicidade, ora ao conformismo depressivo diante de um mundo

cada vez mais hostil e competitivo, o tipo de refl exão proposta neste livro é de

extrema relevância. A autora não propõe explicações científi cas ou, muito menos,

soluções para a angústia; leva-nos, antes, ao estranhamento crítico e à suspensão

dos valores e discursos cotidianos sobre a angústia e a existência. Mostra-nos que

a patologização médica ou psicológica da angústia, ao acenar com promessas de

bem-estar rápido e fácil, cobra muito mais do que os honorários dos profi ssionais

e o valor monetário dos fármacos. O preço maior da cura é abrir mão daquilo que

é mais essencial à existência: o pensamento e a liberdade.”

Roberto Novaes de Sá

Doutor em Engenharia de Produção pela UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Professor-Associado

da Universidade Federal Fluminense (UFF) vinculado aoPrograma de Pós-Graduação em Psicologia na área de

concentração Estudos da Subjetividade.

Sobre a autora

Jurema Barros DantasDoutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Mestre em Estudos da Subjetividade pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especia-lista e Professora em Psicologia Clínica Fenomenológico-Existencial pelo Instituto de Psicologia Feno-menológico-Existencial do Rio de Janeiro (IFEN), Professora da Uni-versidade Veiga de Almeida (UVA) e Professora e Pesquisadora do Centro de Estudos de Pessoal do Exército e Forte Duque de Caxias.

A n g ú s t i a e E x i s t ê n c i an a C o n t e m p o r a n e i d a d e

Angústia e Existência.indd 1Angústia e Existência.indd 1 18/10/2010 16:08:4518/10/2010 16:08:45

Page 2: Angústia e Existência na Contemporaneidade

Angustia Book 1.indb VIAngustia Book 1.indb VI 13/10/2010 10:22:2613/10/2010 10:22:26

Page 3: Angústia e Existência na Contemporaneidade

Angustia Book 1.indb IAngustia Book 1.indb I 13/10/2010 10:21:5713/10/2010 10:21:57

Page 4: Angústia e Existência na Contemporaneidade

Angustia Book 1.indb IIAngustia Book 1.indb II 13/10/2010 10:22:2313/10/2010 10:22:23

Page 5: Angústia e Existência na Contemporaneidade

Doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Mestre na área de Estudos da Subjeti vidade pela

Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista e Professora em Psicologia Clínica Fenomenológico-Existencial pelo Insti tuto de

Psicologia Fenomenológico-Existencial do Rio de Janeiro (IFEN), Professora da Universidade Veiga de Almeida, Professora e Pesquisadora do Centro de Estudos de Pessoal do Exército e

Forte Duque de Caxias.

Angustia Book 1.indb IIIAngustia Book 1.indb III 13/10/2010 10:22:2413/10/2010 10:22:24

Page 6: Angústia e Existência na Contemporaneidade

Angústia e Existência na Contemporaneidade

Copyright © 2011 Editora Rubio Ltda.

ISBN 978-85-7771-071-3

Todos os direitos reservados.É expressamente proibida a reproduçãodesta obra, no todo ou em partes,sem a autorização por escrito da Editora.

Produção e CapaEquipe Rubio

Editoração EletrônicaRedb Style Produções Gráfi cas e Editorial Ltda.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Dantas, Jurema Barros Angústi a e existência na contemporaneidade / Jurema Barros Dantas. -- Rio de Janeiro : Editora Rubio, 2011.

Bibliografi a. ISBN 978-85-7771-071-3

1. Angústi a - Filosofi a 2. Fenomenologia existencial 3. Heidegger, Marti n, 1889-1976 - Críti ca e interpretação 4. Psicoterapia I. Título.

10-08137 CDD CDD-111

Índices para catálogo sistemáti co:1. Heidegger : Angústi a : Filosofi a 111

Editora Rubio Ltda.Av. Franklin Roosevelt, 194 s/l 204 – Castelo20021-120 – Rio de Janeiro – RJTelefax: 55 (21) 2262-3779 • 2262-1783E-mail: [email protected]

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

Angustia Book 1.indb IVAngustia Book 1.indb IV 13/10/2010 10:22:2513/10/2010 10:22:25

Page 7: Angústia e Existência na Contemporaneidade

À todos aqueles queconseguem perceber no fenômeno

da angústia uma possibilidadede singularização da existência

Angustia Book 1.indb VAngustia Book 1.indb V 13/10/2010 10:22:2613/10/2010 10:22:26

Page 8: Angústia e Existência na Contemporaneidade

Angustia Book 1.indb VIAngustia Book 1.indb VI 13/10/2010 10:22:2613/10/2010 10:22:26

Page 9: Angústia e Existência na Contemporaneidade

AGRADECIMENTOS

À minha família, pelo apoio e pela confi ança constantes que tornaram este livro possível.

Ao professor Roberto Novaes de Sá, pela amizade que permitiu meu encanto pela fi losofi a, pela orientação dedicada e pela leitura valiosa destas páginas.

À professora Teresa Cristina Carreteiro, pela orientação deste tra-balho ainda nos bancos escolares da Universidade Federal Fluminense.

À professora Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo, pela presença cons-tante na minha trajetória docente e pela confi ança no meu trabalho.

À professora Márcia Oliveira Moraes, que sempre esteve presente nas minhas conquistas acadêmicas e, com seu exemplo, se tornou um incentivo determinante para meu ingresso na docência.

À Universidade Federal Fluminense, que como uma instituição re-nomada no Rio de Janeiro acolheu o meu interesse de estudo e propor-cionou todas as condições de realização do meu mestrado em Psicologia na área de Estudos da Subjetividade.

À Ana Maria, que com seu jeito todo especial me alegra e me ajuda de maneira incondicional.

Ao Marlon, pelo carinho e o amor que me tornam uma pessoa me-lhor e, principalmente, por querer compartilhar dos meus sonhos.

À minha fi lha que torna minha vida cada dia melhor.Aos meus amigos que, direta ou indiretamente, também fazem parte

deste livro com suas palavras de incentivos e eterna confi ança em meu trabalho.

À Editora Rubio, que sempre confi ou na credibilidade deste livro.

Angustia Book 1.indb VIIAngustia Book 1.indb VII 13/10/2010 10:22:2613/10/2010 10:22:26

Page 10: Angústia e Existência na Contemporaneidade

Angustia Book 1.indb VIIIAngustia Book 1.indb VIII 13/10/2010 10:22:2613/10/2010 10:22:26

Page 11: Angústia e Existência na Contemporaneidade

Em 1947, Heidegger recebeu uma carta do psiquiatra suíço Medard Boss, solicitando auxílio intelectual para a compreensão de seu pensamento fi losófi co. Deste primeiro contato resultou uma longa amizade e uma colaboração prestimosa do fi lósofo para com as iniciativas de elaboração de uma análise existencial clínica, realizadas por Boss. Anos após aque-le primeiro contato, Heidegger revelou a Boss que sua carta despertara nele a expectativa de que a colaboração intelectual com um médico po-deria levar seu pensamento fi losófi co para além dos círculos acadêmi-cos, se estendendo a pessoas em busca de auxílio para seus sofrimentos existenciais. A evocação desta amizade e ligação intelectual não deve ser vista, portanto, como uma mera curiosidade biográfi ca. Testemunha, antes, que a motivação essencial de seus esforços fi losófi cos, assim como o de qualquer pathos fi losófi co autêntico, nunca se pode reduzir apenas ao plano intelectual. O interesse e o empenho pessoais de Heidegger no desenvolvimento de uma análise existencial clínica expressa de modo fá-tico a indissociabilidade entre sua ontologia e sua analítica da existência tal como ele as articulou em Ser e Tempo. Sua chamada “questão do ser” nunca é um mero “problema fi losófi co”, no sentido acadêmico, mas uma questão existencial concreta.

É importante lembrar, no entanto, que, guardadas as proporções, na clínica corremos um risco semelhante àquele ao qual o pensamento de Heidegger sucumbiu em seu envolvimento político: a recaída em uma interpretação metafísica. Assim como a prática política facil-mente nos convida a alguma reifi cação histórica do sentido do ser e da existência autêntica do ser-aí, a análise existencial clínica também pode nos seduzir com promessas de algum saber positivo sobre a exis-tência saudável e os meios de alcançá-la. Certamente este perigo não deve invalidar ou desencorajar essa ligação, pelo menos, não no caso da clínica. Isto seria como “jogar a criança fora com a água do banho”, para usar uma signifi cativa expressão popular. Apesar de nossas com-

PREFÁCIO

Angustia Book 1.indb IXAngustia Book 1.indb IX 13/10/2010 10:22:2713/10/2010 10:22:27

Page 12: Angústia e Existência na Contemporaneidade

preensíveis necessidades de identidades profi ssionais e suas organiza-ções corporativas, temos que admitir que muitas vezes há mais clínica em uma aula de fi losofi a do que nos consultórios, assim como, outras vezes, há mais insight fi losófi co em uma sessão psicoterápica do que nas salas de aula.

O presente ensaio da psicóloga Jurema Dantas trabalha nesta inter-face da fi losofi a com a psicoterapia. Sua refl exão sobre a angústia na época contemporânea não se reduz a mera investigação histórica sobre os sen-tidos da angústia. A autora busca uma articulação entre a ontologia da existência do chamado primeiro Heidegger e a história do sentido do ser, elaborada pelo segundo Heidegger, particularmente com suas refl e-xões sobre a técnica moderna. Não é seu objetivo principal a realização de uma exegese conceitual rigorosa, mas sim a contextualização da ana-lítica da cotidianidade mediana a partir do horizonte histórico contem-porâneo. Trata-se, portanto, da tentativa de fazer uma fenomenologia da nossa cotidianidade historicamente situada, sem perder de vista que o sucesso de uma tal fenomenologia implica sempre um deslocamento existencial de quem a faz, seja na posição de autor do texto ou de leitor, daí a face clínica do trabalho.

A apropriação crítica de nosso horizonte histórico deve ser uma ta-refa contínua do pensamento e, tal como a apropriação de nossa dis-posição afetiva, está sempre atrasada em relação ao ser-aí, pois, em seu esforço apropriativo, já altera a disposição em que nos encontramos. A refl exão sobre a contemporaneidade nunca atinge uma transparência total, pois é parte da própria dinâmica de realização histórica do ser-aí contemporâneo. Somando-se a isto, o fato de que a fenomenologia não se faz por acumulação de resultados positivos, mas que seu valor reside na atitude, sempre renovada, de retorno à experiência, devemos ler o presente trabalho não como um diagnóstico imparcial do modo de ser contemporâneo, antes como um esforço de apropriação de nossa exis-tência historicamente situada, cujo resultado deve ser medido menos pelo que tem de objetivamente correto e mais pelo quanto questiona nossa liberdade possível perante as supostas certezas da cotidianidade mediana e impessoal.

Angustia Book 1.indb XAngustia Book 1.indb X 13/10/2010 10:22:2713/10/2010 10:22:27

Page 13: Angústia e Existência na Contemporaneidade

Em uma época em que somos conclamados ora à efi cácia compul-siva no caminho do sucesso e da felicidade, ora ao conformismo de-pressivo diante de um mundo cada vez mais hostil e competitivo, o tipo de refl exão proposta neste livro é de extrema relevância. A autora não propõe explicações científi cas ou, muito menos, soluções para a angús-tia; leva-nos, antes, a um estranhamento crítico e a uma suspensão dos valores e discursos cotidianos sobre a angústia e a existência. Mostra-nos que a patologização médica ou psicológica da angústia, ao acenar com promessas de bem-estar rápido e fácil, cobra muito mais do que os honorários dos profi ssionais e o valor monetário dos fármacos. O preço maior da cura é abrir mão daquilo que é mais essencial à existência: o pensamento e a liberdade.

Quando reduzimos o pensamento à capacidade de raciocínio lógico, ainda não pensamos; quando reduzimos a liberdade à realização volun-tarista de desejos, ainda não somos livres. O pensamento e a liberdade não se realizam como projeto de expansão ilimitada do pretenso poder do homem. É na experiência da fragilidade e da fi nitude que a existên-cia humana singulariza seus caminhos para a dimensão do mistério de onde provém sua essência. Se, como diz a autora, o território da angústia é aquele da ausência de qualquer território previamente constituído, não é sábio nos livrarmos apressadamente dela, abrindo mão da oportunidade de nos aproximarmos, ainda com lucidez, daquilo com que havemos inevitavelmente de nos defrontar enquanto mortais.

Roberto Novaes de SáDoutor em Engenharia de Produção pela Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Professor-Associadoda Universidade Federal Fluminense (UFF) vinculado ao

Programa de Pós-Graduação em Psicologia na área deconcentração Estudos da Subjetividade.

Angustia Book 1.indb XIAngustia Book 1.indb XI 13/10/2010 10:22:2713/10/2010 10:22:27

Page 14: Angústia e Existência na Contemporaneidade

Angustia Book 1.indb XIIAngustia Book 1.indb XII 13/10/2010 10:22:2713/10/2010 10:22:27

Page 15: Angústia e Existência na Contemporaneidade

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1. O Pensamento de Marti n Heidegger, 1 ▪ Percurso Filosófi co, 1

▪ A Ontologia Heideggeriana – uma Fenomenologia Hermenêuti ca, 4

▪ As Estruturas Ontológicas do Dasein, 9

▪ O Rompimento da Estrutura de Senti do – a Angústi a, 22

CAPÍTULO 2. A Angústi a na Contemporaneidade, 33

▪ O Contemporâneo e o Espetáculo, 34

▪ Espetáculo e Consumo, 38

▪ O Mundo Globalizado dos Turistas e dos Vagabundos, 42

CAPÍTULO 3. Heidegger e o Contemporâneo, 47

▪ A Época Moderna e o Seu Modo de Desvelamento de Senti do, 47

▪ Angústi a e Finitude na Contemporaneidade, 51

▪ Angústi a e Singularização, 56

CAPÍTULO 4. Considerações Finais, 63

Referências, 69

Angustia Book 1.indb XIIIAngustia Book 1.indb XIII 13/10/2010 10:22:2713/10/2010 10:22:27

Page 16: Angústia e Existência na Contemporaneidade

Angustia Book 1.indb XIVAngustia Book 1.indb XIV 13/10/2010 10:22:2713/10/2010 10:22:27

Page 17: Angústia e Existência na Contemporaneidade

Esta velha angústi a,Esta angústi a que trago há séculos em mim,Transbordou da vasilha,Em lágrimas, em grandes imaginações,Em sonhos em esti lo de pesadelo sem terror,Em grandes emoções súbitas sem senti do nenhum.Transbordou.Mal sei como conduzir-me na vidaCom este mal-estar a fazer-me pregas na alma!Se ao menos endoidecesse deveras!Mas não: é este estar entre,Este quase,Este poder ser que...,Isto.(...)

(Fernando Pessoa, Esta velha angústi a)

Angústia. Esta palavra tão familiar parece evocar um mal-estar consti-tutivo do cenário contemporâneo. Entender o sentido da angústia, ten-do como referência, inicialmente, a ontologia fundamental do fi lósofo alemão Martin Heidegger, e culminando em seu pronunciamento no contemporâneo, é a preocupação central deste livro. Associada, na gran-de maioria das vezes, a uma condição patológica, a angústia tende a ser considerada uma experiência que, a priori, se deve evitar. No entanto, não se pode deixar de pensar a angústia como um dos determinantes inerentes à nossa condição humana, direcionando-nos ao estatuto de seres livres, únicos e mortais.

Ao se lançar mão do pensamento do fi lósofo alemão Martin Hei-degger (1889-1976), compreende-se que a angústia faz parte da vida e, assim, será considerada uma possível desencadeadora de refl exão so-bre a existência. Destituída de negatividade, a angústia passa aqui a ser concebida como uma valiosa experiência, que emerge quando tomamos consciência ou nos apropriamos da nossa condição humana: a angústia nos coloca diante do “nada” existencial.

INTRODUÇÃO

Angustia Book 1.indb XVAngustia Book 1.indb XV 13/10/2010 10:22:2713/10/2010 10:22:27

Page 18: Angústia e Existência na Contemporaneidade

XVIA

ngús

tia

e Ex

istê

ncia

na

Cont

empo

rane

idad

e Para Heidegger (1989), somos lançados no mundo. O nosso ser-no-mundo é um ser-lançado, sem escolha pessoal ou conhecimento prévio. Ao apropriar-se refl exivamente de sua liberdade, que o leva a reconhecer a si próprio como “fonte original de possibilidade”, o homem vivenciaa experiência da angústia como a totalidade da experiência humana. Tal experiência pouco ou nada tem a ver com aqueles estados nos quais os homens são aterrorizados pelos perigos e asperezas da vida. Estas po-dem ser compreendidas como experiências de angústia transitórias e es-porádicas, ao passo que a experiência ontológica da angústia refere-se à integralidade da existência, não estando associada a episódios sombrios que nela podem ou não ocorrer.

A angústia abre-nos para o futuro e para a indistinta possibilidade de tudo. Essa abertura para uma existência mais singular que a angústia desvela tende a se restringir, de início e na maior parte das vezes, sob a fachada lisa e fria da impessoalidade. Tal fachada corrobora aquilo que consideramos ser uma marca do contemporâneo: o encobrimento da angústia. Encobrimento esse que se utiliza do ruído dominante das ati-vidades ininterruptas e do embotamento proporcionado pelos mais di-versos fármacos ou tranquilizantes. Há cada vez mais novos e poderosos psicofármacos à disposição de médicos e de pacientes, consumidores muitas vezes ávidos pelas novidades produzidas pela ciência. Circuns-crita pelo discurso médico, que dela faz um sintoma, a angústia torna-se facilmente objeto de medicação.

O encobrimento e a patologização da angústia apresentam-se como fenômenos recorrentes dos modos de ser e estar na contemporaneidade. Também é característica do contemporâneo uma tendência à objetifi ca-ção dos entes que a angústia atinge, inclusive a existência humana, e que opera em cadeias de causa e efeito. As respostas imediatas que cauteri-zam o sofrimento; a velocidade com que somos impelidos a correspon-der a papéis e demandas em nossas vidas; a objetifi cação das relações humanas; a cultura do consumo – cultura do “ter” que se sobrepõe à cultura do “ser”; a estetização do cotidiano; e a valorização do individua-lismo são fatores que ratifi cam o que denominamos encobrimento da angústia.

Angustia Book 1.indb XVIAngustia Book 1.indb XVI 13/10/2010 10:22:2713/10/2010 10:22:27

Page 19: Angústia e Existência na Contemporaneidade

XVII

Ang

ústi

a e

Exis

tênc

ia n

a Co

ntem

pora

neid

adeNa tentativa de problematizar esse cenário, esta investigação sobre o

tema da angústia parte de uma atitude fenomenológica-hermenêutica que, longe de procurar explicar os mecanismos neuroquímicos da an-gústia, pretende ressaltar uma compreensão dos sentidos do próprio fe-nômeno em questão. Até porque, considerando-se a questão da angústia uma questão existencial, esse sentido patológico torna-se insufi ciente e impreciso.

É respeitando a angústia como algo inerente ao ser humano que se pode seguir na via de pensamento tal como apresentada por Heidegger (1989), ou seja, prosseguir para além do objetivo terapêutico de alívio e de apaziguamento. Não sendo um sintoma, é do acolhimento dessa angústia e não de sua cura que trata este trabalho. Nada melhor para in-vestigar a angústia do que pensá-la como “disposição afetiva”, como uma presença que possibilita uma refl exão sobre a existência. Refl exão que costumeiramente é minada no bojo dessa dinâmica contemporânea, na qual o afeto da angústia deixa de apresentar uma positividade – enquanto uma inquietude básica existencial – e passa a ser vivido como uma expe-riência de horror e medo de aniquilamento.

A angústia deve ser interrogada no âmago do nosso contexto histórico,comungando com o fato de que ela não precisa ser tomada como um obstáculo à existência, mas sim como uma disposição privilegiada para a refl exão sobre nossa condição de indeterminação frente à vida. Uma compreensão positiva que a angústia pode nos proporcionar diante da condição da liberdade humana é que o homem poderá direcionar seus atos e sair do quietismo em que muitas vezes é lançado pela condição social contemporânea.

A angústia, dolorosamente, nos lembra a dimensão trágica inerente ao existir humano. Não há vida sem risco e sem sofrimento. A angústia marca nossa impotência frente à determinação e delimitação de con-tornos específi cos na existência humana. É a partir desse horizonte de sentido que a angústia deixa de ser algo que nos cabe curar para ser uma experiência que pode ser ressignifi cada ou traduzida em possibilidade de modos mais próprios e autênticos da existência. Pode ser, fundamen-talmente, traduzida como um agente de mudança e transformação de nossas possibilidades existenciais.

Angustia Book 1.indb XVIIAngustia Book 1.indb XVII 13/10/2010 10:22:2713/10/2010 10:22:27

Page 20: Angústia e Existência na Contemporaneidade

XVIIIA

ngús

tia

e Ex

istê

ncia

na

Cont

empo

rane

idad

e Para a compreensão dessas possibilidades de transformação faz-se necessária a abertura a outros modos de pensar. Para tal, o pensamento de Heidegger, mais precisamente aquele expresso em sua obra Ser e Tem-po (1989), mostra-se fundamental. As suas críticas à tradição metafísica, as suas refl exões acerca da existência e sua retomada da questão do ser contribuíram de maneira decisiva para o modo como se encontra tema-tizada neste trabalho a questão da angústia e da própria existência.

Este fi lósofo contemporâneo tomou a questão do ser, realizando uma crítica importante à metafísica ocidental como uma tradição de pensamento que esqueceu o problema do ser. Ele compreende a metafí-sica como uma história do “esquecimento do ser”. E a atenção que dá a este problema o faz pôr também em questão temas fundamentais como a existência humana, a historicidade e temporalidade, a realidade e a verdade. Nessa investigação sobre o sentido do ser, Heidegger considera necessário realizar uma análise preparatória do modo de ser do homem, ou seja, uma análise da existência, já que este ente, que nós mesmos so-mos, é quem coloca a questão sobre o sentido do ser.

Para compreender o pensamento de Heidegger sobre a angústia, é essencial nos centrarmos no que ele chama de abertura de sentido. Abertura esta que constitui a própria existência, pois o que caracteriza o ser do homem é, essencialmente, esta condição de estar e constituir-se em aberto. Aquilo que somos não está posto a priori; mantém-se em jogo no horizonte do tempo. Isto signifi ca dizer que não há possibilidade de reduzir a existência ao âmbito da previsibilidade e do cálculo. Por-tanto, se não somos previamente caracterizados por nenhuma essência simplesmente dada, o próprio ao homem é exatamente esta condição de ser-lançado, um vir-a-ser, e a disposição ontológica da angústia é prove-niente dessa situação inexorável de abertura.

Neste sentido, a angústia está sempre presente, mesmo quando enco-berta pelos dispositivos contemporâneos de nivelamento e despotencia-lização da dimensão trágica do existir. Enquanto tudo funciona segundo o previsto, como se a vida fosse perfeitamente controlável, nos sentimos seguros e tranquilos. No entanto, quando algo ocorre, rompendo a es-trutura de sentidos familiar e segura que construímos, surge a angústia.

Angustia Book 1.indb XVIIIAngustia Book 1.indb XVIII 13/10/2010 10:22:2713/10/2010 10:22:27

Page 21: Angústia e Existência na Contemporaneidade

XIX

Ang

ústi

a e

Exis

tênc

ia n

a Co

ntem

pora

neid

adeA angústia é essa disposição fundamental que sinaliza nossa condição

de abertura. Podemos dizer que, enquanto nos compreendemos, a par-tir da impessoalidade, como um ente cujo modo de ser é simplesmente dado, há a ilusão da completude e do controle. Mantemos a crença napossibilidade de previsibilidade sobre o devir. Ao nos darmos contada nossa condição de existentes, ou seja, de que nossas “verdades” estão em constante mutação, de que aquilo que somos está continuamente em jogo no tempo, nos angustiamos. Angústia esta que, na maior parte das vezes, encobre-se inautenticamente na impessoalidade do cotidiano.

A angústia se dá frente ao nada, perante a ruptura da estrutura de signifi cados que nos diz quem somos e que nos dá, antes de tudo, a im-pressão de familiaridade e controle sobre os entes que nos circundam. Sem esse suposto sistema de referências, o que nos parecia familiar per-de o seu sentido e somos confrontados com o que nos é próprio, com nossa liberdade e nossa singularidade; e não mais com uma compreen-são a partir das determinações medianas e impessoais da existência. O território da angústia é, na verdade, a ausência de qualquer território previamente constituído e, desta maneira, ela assume o papel de pro-vocadora da tematização de nossas possibilidades mais próprias de ser. Reconhecendo a existência humana como um poder-ser, um vir-a-ser, ou melhor, como essa própria condição de abertura, a angústia perde o caráter patológico de algo que deva ser abolido, para assumir um papel de sinalizador da nossa condição de estar sempre em jogo no tempo.

Quanto à sua sistematização, este livro foi dividido em quatro capí-tulos. No primeiro, discorremos sobre os principais conceitos fi losófi cos desenvolvidos por Heidegger, necessários à compreensão que buscamos sobre a angústia. No segundo capítulo, apresentamos algumas das carac-terísticas mais preponderantes da contemporaneidade a fi m de contex-tualizar a angústia nos atravessamentos históricos que a constituem. Isto nos leva ao terceiro capítulo, no qual, na busca de uma desconstrução da angústia tal como entendida pela ciência moderna, lançamos mão das refl exões feitas por Heidegger sobre a técnica moderna seguido pelo quarto capítulo, com as considerações fi nais. Nosso objetivo é mostrar como o fenômeno da angústia enquanto caráter patológico ganha espaço

Angustia Book 1.indb XIXAngustia Book 1.indb XIX 13/10/2010 10:22:2713/10/2010 10:22:27

Page 22: Angústia e Existência na Contemporaneidade

XXA

ngús

tia

e Ex

istê

ncia

na

Cont

empo

rane

idad

e na contemporaneidade, à medida que avança um modo de pensar técnico e cientifi cista que parece atender perfeitamente às demandas da moder-nidade. Nesse último capítulo fazemos articulações dos conceitos heideg-gerianos com autores que problematizam o contemporâneo, em especial Zigmunt Bauman. Nossa intenção é convidar o leitor a pensar como a angústia se pronuncia ou se oculta de acordo com as afetações da contem-poraneidade, dando abertura a subjetividades próprias do nosso tempo.

Angustia Book 1.indb XXAngustia Book 1.indb XX 13/10/2010 10:22:2713/10/2010 10:22:27