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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA INSTITUTO DE HISTRIA
CAPELA DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE DE CAMPO FORMOSO: A INVENO DE UMA
CIDADE MARGEM DA MODERNIDADE, 1889 1930
Jennydavison Ribeiro Santos Batista
UBERLNDIA MINAS GERAIS BRASIL
Maro 2016
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA INSTITUTO DE HISTRIA
CAPELA DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE DE CAMPO FORMOSO: A INVENO DE UMA
CIDADE MARGEM DA MODERNIDADE, 1889 - 1930
Jennydavison Ribeiro Santos Batista
Orientador: Prof. Dr. Jean Luiz Neves Abreu
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria, do Instituto de Histria, da Universidade Federal de Uberlndia, como parte das exigncias para obteno do ttulo de Mestre em Histria.
rea de concentrao: Histria Social
.
Uberlndia MG Maro - 2016
-
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.
B333c
2016
Batista, Jennydavison Ribeiro Santos, 1975-
Capela de nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso : a
inveno de uma cidade margem da modernidade, 1889-1930. /
Jennydavison Ribeiro Santos Batista. - 2016.
241 f. : il.
Orientador: Jean Luiz Neves Abreu.
Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Uberlndia,
Programa de Ps-Graduao em Histria.
Inclui bibliografia.
1. Histria - Teses. 2. Capela de Nossa senhora da Piedade de
Campo Formoso (GO) - Histria - 1889-1930 - Teses. 3. Brasil - Histria
- Repblica, 1889-1930 - Teses. 4. Cidades e vilas antigas - Histria -
Teses. I. Abreu, Jean Luiz Neves. II. Universidade Federal de
Uberlndia. Programa de Ps-Graduao em Histria. III. Ttulo.
CDU: 930
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BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Prof. Dr. Jean Luiz Neves Abreu ( UFU)
( Orientador)
________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Andra Angelotti Carmo ( UFU)
_________________________________________________________
Prof. Dr. Ismar da Silva Costa ( UFG Catalo)
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In Memorian minha amada e saudosa me Maria Marluce Santos Batista, pois sem a sua existncia e generosidade seria impossvel eu estar aqui.
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Agradecimentos
Esse momento sempre difcil e delicado. A hora dos agradecimentos emociona, pois nos faz recordar muitos episdios da nossa longa jornada. Agradecer um gesto que significa lembrana e reconhecimento por algo bom que algumas pessoas nos fazem, ento neste momento irei falar um pouco sobre essas pessoas. A cincia diz que: o mundo um acaso! Se assim for eu no saberia explicar todas as coisas boas e ruins que me levaram a estar aqui. Eu diria que o mundo uma aprendizagem e que quando movemos a mente, msculos, vontade e determinao em busca de algo iremos ao encontro do sucesso. Pois, somos responsveis pelo nosso destino. E a nica coisa que no podemos controlar so, parafraseando Epicuro, os golpes da sorte que esto para alm da nossa vontade os quais no podemos prever, imaginemos o quanto isto revelador. E esses golpes esto na vida de todos ns, como disse o grande filsofo, e na minha ele retirou pessoas significantes para mim, as quais dariam tudo para estar aqui nesse momento compartilhando comigo de mais essa vitria a minha me e os meus avs. Mas, temos que prosseguir mesmo que seja por entre lgrimas como escutei outro dia. E aqui estou finalizando esse caminho. E para alm das minhas aes, algo me inspirou em buscar esse caminho para nele encontrar o meu prprio destino. Na existncia de inmeros percursos da nossa vida, nas batalhas que travamos em busca do conhecimento, nas dificuldades do dia a dia e por ultimo, mas no menos importante, nas dezenas de horas a fio buscando a compreenso mais perfeita, na solido das noites e das alvoradas que construmos um trabalho como este. Mas, no somente nisto ele tambm produto de experincias, oportunidades e de largas reflexes.
No entanto, to ou mais, importante do que tudo isso que foi citado, ele composto de pessoas. Pessoas que esto na nossa vida por muito tempo, outras por alguns momentos, outras somente de uma rpida e breve passagem. E com elas deixamos um pouco de ns e levamos conosco tambm algo delas. Existem entre estas, aquelas especiais as quais temos a conscincia de que no esqueceremos, e entre essas pessoas eu gostaria de falar sobre uma em especial; o meu orientador. Falar sobre essa pessoa que tive o prazer de conhecer nos bancos acadmicos, que me ajudou e me orientou no que eu necessitava, mas que contribuiu comigo em uma coisa que considero o mais importante de tudo, a liberdade. A liberdade que precisamos para criar, para acertarmos e errarmos tambm. Porque aprendemos com os erros! E ele com sua vasta experincia, sabe disso. Ento, agradeo ao estimado e generoso professor Jean Luiz Neves Abreu e a ele ofereo meu
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total reconhecimento e gratido por suas palavras de coragem e conforto e principalmente por sua pacincia. Que imenso prazer em compartilhar esse caminho da minha dissertao com o senhor, professor! Por isso o meu mais sincero, muito obrigada e espero que um dia possamos novamente, coincidentemente, nos encontrar em outros trabalhos para que com ele possamos edificar ainda mais o conhecimento histrico.
Dentre tudo isso, quero agora fazer uma pequena escrita sobre essa outra pessoa que participa da minha vida em todos os momentos, estando ao meu lado em horas importantes da minha vida. Ao meu querido, amado e admirado pai, com quem apreendo todos os dias. Por ser amigo e companheiro dando os primeiros passos comigo aqui nesta terra, naquele tempo, desconhecida. Na busca de um sonho, uma meta que agora torna-se realidade. Que acreditou na minha capacidade e a quem eu dedico esse trabalho. Da mesma forma, minha irm Cinthya Ribeiro, minha companheira de todas as horas boas e ruins, minha amiga de f irm e camarada. minha pequena sobrinha pela alegria e companheirismo que trouxe a minha vida. Ao Mrcio Francisco pelo apoio e ajuda inestimvel que muito valeram na construo deste trabalho.
Nossa vida cheia de surpresas e por muitas vezes no sabemos o que vamos encontrar na prxima curva, ento quando nos deparemos com pessoas amigas so sempre bem vinda. Assim, gostaria de lembrar uma pessoa conhecida de algum tempo, a qual dedico meu agradecimento com alegria, a professora Gercinair Silvrio Gandara como a qual desenvolvi vrios projetos e compartilhamos de inmeros trabalhos que sempre terei orgulho de ter participado. Que sempre colocou motivao nos meus empreendimentos acadmicos e sempre acreditou em mim e na minha capacidade.
Tambm gostaria de agradecer aos professores da banca que com suas inmeras contribuies ajudaram a construir um trabalho ainda melhor, a professora Maria Andra Angelotti, e ao professor Florisvaldo Ribeiro, agradeo pela delicadeza e pacincia de colaborar comigo nessa jornada, obrigada!
E para finalizar agradecer a todos que tambm ajudaram a construir este trabalho de alguma forma, aos meus amigos e amigas
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SUMRIO
RESUMO...........................................................................................................06
ABSTRACT........................................................................................................07
INTRODUO...................................................................................................08
I. RELAES DE PODER NA CONSTRUO DE UMA CIDADE..................25
1. 1. A Igreja e as relaes de poder ............................................................25
1. 2. Conselho de Intendncia: a formao da elite poltica ..........................39
1. 3. O sonho de governar uma cidade .........................................................51
1. 4. As municipalidades na Repblica ..........................................................58
1. 5. Campo Formoso: uma cidade de coronis ............................................63
II. A INVENO DE UMA CIDADE: INTERVENES URBANAS E IDEIAS DE
TRANSFORMAO..........................................................................................87
2. 1. A urbanizao de Campo Formoso por meio do Cdigo de Posturas
.........................................................................................................................105
2. 1. 1. A Repblica impe com se morar ...............................................132
2. 1. 2. gua, um smbolo de poder: as concesses ..............................138
2. 1. 3. Sade pblica: no temos mdicos, temos curandeiros! ...........143
III. PORTOS, PONTES E FERROVIAS: ADESO E RESISTNCIAS AO
PROGRESSO EM CAMPO FORMOSO..........................................................156
3.1. A Modernidade pelos trilhos das ferrovias: percepes e
sensibilidades..................................................................................................165
3.2. A Repblica em Campo Formoso: como vencer o isolamento ................180
3.3. Campo Formoso uma cidade s margens dos trilhos..............................194
CONSIDERAES FINAIS.............................................................................216
FONTES.........................................................................................................223
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...............................................................231
ANEXOS..........................................................................................................241
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CAPELA DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE DE CAMPO FORMOSO: A
INVENO DE UMA CIDADE A MARGEM DA MODERNIDADE, 1889 1930
RESUMO: a presente pesquisa tem por objetivo uma anlise de aspectos histricos da cidade de Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso, hoje Orizona, situada na micro regio de Pires do Rio, sudeste de Gois no perodo da Primeira Repblica, 1989-1930. Entender uma cidade buscar compreender os sujeitos que nela habitam, pois eles so os responsveis pelas estruturas formadoras desse espao. Assim, a presente dissertao traz para a historiografia um estudo da cidade de Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso por meio de diversos mecanismos, como fontes orais, documentos oficiais do municpio coletados nos rgos pblicos da cidade disponibilizados na Cmara Municipal, arquivo pblico municipal e arquivo da prefeitura. Essas fontes nos ajudaram a tecer o conhecimento do lugar abordado. A Repblica trouxe para diversos lugares do Brasil expectativas e/ou solues, de inovaes modernizadoras no intuito de apagar as marcas o antigo sistema colonial. As cidades a serem criadas fariam parte dos moldes republicanos e dessa forma, deveriam seguir modelos prontos vindos, basicamente, de pases europeus. No entanto, a cidade de Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso fica fora desse processo modernizador, tendo sido relegada por vrios anos dificuldades existentes de uma regio distante e sem recursos. A historiografia goiana resume o perodo da chegada da ferrovia na regio sul do Estado, como um tempo de avanos em todos os setores da vida dessa sociedade. Entretanto, Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso apresenta uma realidade diferente do que proposto por essas afirmaes. Ento, para compreender a especificidade de Campo Formoso, abordamos a partir das fontes documentais existentes diversos elementos constitudores da histria da cidade: a sua constituio poltica formada pelos mais abastados da cidade, a fora do coronelismo, o papel da Igreja como poder poltico. Essas relaes de poder na regio foram decisivas para o desvio da ferrovia. Dessa forma, tambm buscamos analisar como ocorreu o processo de urbanizao e o que representou para a histria da cidade de Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso a no passagem da Ferrovia Gois dentro dos seus limites. Assim, situaremos as particularidades polticas de uma cidade no interior de Gois, que fica margem de um projeto institudo como modernizador promovido pela Primeira Repblica. Palavras chaves: Cidade, Ferrovia, Modernidade, Poltica, Repblica
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CAPELA DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE DE CAMPO FORMOSO: THE INVENTION OF A CITY THE MARGIN OF MODERNITY, 1889 1930
ABSTRACT: this research objective is to analyze the historical aspects of the city Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso, located in the micro region Pires do Rio, southeast of Gois in the period of the First Republic, 1989-1930. To understand a city is to try to understand the individuals who inhabit it, as they are the ones who are responsible for the structures that forms that space. Therefore this thesis brings to the historiography a study of the city of Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso through various mechanisms as oral sources, official documents of the municipality collected in public bodies of the city made available in town halls, municipal public and archive file of the prefecture. These sources have helped us to make the knowledge of the place approached. The Republic has brought to different places of Brazil expectations and/or solutions, of innovations that modernized in order to erase the marks the old colonial system. The cities to be created would be part of the molds republicans and this way, should follow models ready coming, basically, from European countries. However, the city of the Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso is outside of this process moderniser, having been relegated by several years to difficulties of a distant region and without resources. The historiography of Gois summarizes the period of the arrival of the railroad in the southern region of the State, such as a time of progress in all the sectors of the life of this society. Then, to understand the specificity of Campo Formoso, we approached from the documentary sources exist various elements constitutor city history: its political constitution formed by the most affluent of the city, the strength of the colonels, the role of the Church as a political power. These power relations in the region were decisive for the deviation of the railroad. In this way, also we sought to analyze how the process of urbanization has occurred and which represented for the history of the city Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso the passage of the Railroad Gois not within its limits. In the meantime we situate the special policies of a city in the interior of Gois, which is on the edge of a project set up as amodernizer moved by the First Republic. Key words: City, Modernity, Politics, Republic, Railoway
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INTRODUO
Duas cidades gmeas no so iguais.1
talo Calvino tenta retratar por meio dessas palavras todas as infinitas
particularidades que podero compor uma cidade. No perodo da Repblica,
nas paragens de Gois nasceu cidade de Capela de Nossa Senhora da
Piedade de Campo Formoso que a partir de 31 de dezembro 1943 pelo
Decreto-Lei estadual n 8305 passa-se a chamar Orizona.2 Entretanto, o
cenrio dessa investigao a cidade que primeiro nomeamos, Capela de
Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso ou simplesmente Campo
Formoso como ficou mais conhecida. Reivindicar sua presena estar ciente
que o mundo ao qual vamos nos debruar um universo bem distinto do que
hoje vivenciamos. Em diversos aspectos, diferente.
Nesta dissertao pretendemos abordar aspectos da histria de Campo
Formoso, no perodo que compreende a Primeira Repblica no Brasil ( 1889-
1930). Nesse perodo o Pas vive uma difcil transio onde coleciona
problemas de diversos aspectos. Em uma fase tambm marcada pelos
compadrios e em busca de apoio para o regime que acaba ser proclamado
nasce o coronelismo um fenmeno que perdurou por toda a primeira fase da
Repblica. O coronelismo por sua vez foi uma das bases de sustentao dessa
primeira fase republicana, onde os lderes locais apoiavam candidatos do
governo em trocas de favores que seriam aproveitados nas regies onde se
compreendiam seus potentados. Assim, nessa fase truculenta da histria que
nasce a cidade de Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso,
em Gois.
Essa cidade agora se torna o nosso objeto de estudo, onde buscaremos
compreender uma fatia da sua histria e as relaes que foram tecidas entre a
1CALVINO, Itlo. As cidades invisveis. Trad. Diogo Mainard. So Paulo: Campainha das letras, 1999. p. 54. 2 Este gentlico Orizona um termo de origem Latina, ORIZA = Arroz + ZONA = Regio. Dados coletados do IBGE. Disponvel em: Acesso em: 20 de dez de 2016.
http://cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?lang=&codmun=521530&search=||infogr%E1ficos:-hist%F3ricohttp://cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?lang=&codmun=521530&search=||infogr%E1ficos:-hist%F3rico
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poltica local e a populao. Marcadamente constituda dentro do pensamento,
onde o conservadorismo impera, Campo Formoso se diferencia das cidades
que foram conhecidas como da regio dos trilhos porque, justamente, os
trilhos nunca chegaram aos seus limites.
Nesse Lcus a influncia da Igreja marca desde o incio, por volta e
1850, as histrias desse local que, primeiramente, era um lugar de passagem
aonde vinham rezar as missas domingueiras. Porm, mais tarde a fora dos
Coronis como o Cel. Jos da Costa Pereira Sobrinho, comea outra fase do
antigo arraial, sendo ele quem lidera no processo da sua emancipao, quando
foi elevada a categoria de vila e logo aps torna-se uma cidade. Portanto, neste
trabalho tentaremos compreender como foram erguidas as relaes de poder
que deram incio a histria poltica do lugar com a instalao do Conselho de
Intendncia e as foras polticas atuantes. Da mesma forma buscaremos como
fora constituda a cidade nesse tempo observando o modo de vida de seus
moradores. Optamos por analisarmos a sua urbanizao por meio do Cdigo
de Posturas no intuito de identificar as ideias de como a cidade fora pensada
pelo grupo abastado donos das decises polticas da regio. Tambm temos
como objetivo identificar a fora poltica atuante manifestada pelos lderes
locais que no permitiram a Estrada de Ferro Gois chegar at a cidade sendo
esta portanto, desviada para o povoado Ubatan uma regio no meio do cerrado
que fica a 12 quilmetros da urbes de Campo Formoso. Demonstrando quais
as estratgias utilizadas para contentar o pensamento de domnio desses
lderes locais.
Ao observarmos esse stio verificamos que ele contempla vrias
modificaes com o passar dos anos. A prpria paisagem natural hoje j fora
intensamente modificada e continua sendo, construda pelos novos recursos
modernizadores, que foram trazidos pelos homens e pelos trilhos nas cidades
vizinhas, pois eles no chegaram at Campo Formoso. A cidade passou longos
anos da sua histria em busca de melhorias, de progresso e modernidade que,
viessem a transformar este mundo distante chamado, serto. Um lugar antes
isolado, longnquo, sem notcias, afligido pelas doenas e esquecido pelo
estado.
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A modernidade, to falada na poca no chegou a Campo Formoso, no
de forma automtica, como prope as abordagens sobre Gois, muito pelo
contrrio, a cidade passa longos anos de estagnao mesmo depois da
chegada dos trilhos de ferro na regio sudeste
Os tempos do arraial de Nossa Senhora da Piedade de Capela dos
Correia no seria em nada parecido com o que atualmente conhecemos sendo
aquele um mundo quase esquecido, engolido, pelas modernidades que se
espalharam por todos os rinces desse serto planltico. Formado por uma
vegetao tortuosa, retorcida, constituda pelas adaptaes s grandes
adversidades climticas de esparsas folhas e razes profundas, que no as
deixam morrer. Os homens e mulheres que aqui chegaram tambm no de
curvaram s grandes dificuldades, achando para elas uma sada para uma vida
melhor. Chegaram procurando infinitos tesouros que nunca por estas bandas
foram encontrados, tomando as picadas3 nas beiras dos rios procuravam
chegar a lugares nunca antes vistos.
Ao fincar suas moradias, eles se deparavam com as matas densas, e
rios caudalosos, como nos conta os dirios de viagens daquele tempo, bem
diferentes dos de hoje em dia. As lembranas dos mais antigos e os dirios de
viagens, falam-nos em enfrentamento com onas vorazes e todos os tipos de
animais e com o embate, desleal, com os nativos da terra. Conta-nos tambm,
dos silncios profundos das noites escuras quebrados somente pelo som dos
lobos, que a todo instante, ecoavam na imensido do cerrado, dando a
impresso que estivessem a comunicar-se entre si, como se soubessem o
futuro que os aguardavam. As lendas, dezenas delas, viviam lado a lado com
os aqueles homens, influenciando no seu modo de viver e nos seus costumes.
Era um tempo de perigos e devoo extrema, um tempo em que homens com
nfimas condies, construam igrejas4, no meio do nada, comeando a partir
desse momento, a transformao da paisagem antes somente pertencente ao
mundo natural.
3 Primeiros caminhos trilhados pelos desbravadores que no constam nos mapas.
4 HILAIRE-SAINT, Auguste. Viagem a provncia de Gois. Traduo: Regina Regis Junqueira. Apresentao de: Mrio Guimares Ferri. So Paulo: Ed. da Universidade de So Paulo.
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Ento, ser sobre esse mundo que iremos nos debruar e sobre ele
buscaremos respostas e conhecimentos. Contudo, sabemos que construir uma
escrita histrica sempre um desafio, principalmente, nos dias atuais. Porque
hoje os sujeitos so to absorvidos pelas novidades que no param de chegar
e pelos presentismos, que quase no encontram tempo para a reflexo sobre
os nossos antepassados e os caminhos que nos fizeram chegar at aqui. Pois,
a rapidez com que as coisas so vividas intensifica a forma de vermos o mundo
a nossa volta e tambm nos paralisa. Mas, a complexidade de uma escrita
histrica nos faz tecer reflexes, principalmente, sobre alguns pontos de
tenses na constituio historiogrfica. Impelindo aos historiadores de ofcio a
ter que enfrentarem para o bem da histria, alguns entendimentos e definies
que da mesma forma que as fontes tambm nos ajudam a tecer o saber
historiogrfico.
O homem o pilar da histria, nos assegura o genial pensamento de
Bloch, so os homens que [a histria] quer capturar. Quem no conseguir isso
ser apenas, no mximo, um servial da erudio. [..] o bom historiador se
parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali est sua
caa.5 Ento, so eles que buscaremos; Padres, Coronis e moradores do
locais, os seus costumes e as relao tecidas por eles que foram responsveis
pela construo da cidade.
Todavia, entendemos que para se construir esse conhecimento procura-
se problematizar cada cidade colocando alguns aspectos particulares que tero
de ser desvendados, construdos e inventados. Dentro desse princpio, no
optaremos por semelhanas, pois sentimos que no aconselhvel utilizarmos
o mesmo olhar quando analisarmos uma cidade de poucos habitantes em um
interior de Gois, na primeira Repblica, como Campo Formoso, e outra cidade
com milhares de habitantes, no mesmo perodo proposto. Estas cidades
grandes seriam pontos de formao de grandes projetos estruturais,
remodelaes e construes de ambientes j lapidados por alguns avanos
tecnolgicos disponveis naquele tempo, mas, antes disso, elas foram
5BLOCH, Marc. Apologia da histria ou o ofcio do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 54.
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principalmente idealizadas pelos pensamentos que aderiram ao progresso a
todo custo6.
Se as investigaes fossem traadas dentro dessa ideia de uma suposta
semelhana no seria possvel a anlise, pois, ela teria que ser feita tomando
como pontos referenciais os mesmo elementos e as mesmas formas de
entendimento dos espaos abordados. Pois, apesar de percebermos que estes
espaos se constituem como stios chamados cidades e que existem algumas
regras gerais que no podemos perder de vista haver diferenas gritantes as
quais no poderemos ignorar.
Portanto, levando em conta essa ideia de distino, a constituio desse
espao como nicos, fez com que grupos de pesquisadores se debruassem
para o entendimento sobre o que so e como se configuram, as pequenas e
mdias cidades. Assim, a partir desse ponto utilizaremos algumas
compreenses pensadas pelo campo da geografia, por entendermos que no
h nada errado em dialogarmos com ela, muito pelo contrrio, esta ideia est
em total consonncia com entendimentos atuais de que dever haver tambm
no campo da pesquisa, a interdiciplinaridade; habilidade que preza pela no
compartimentao das disciplinas para que a construo de conhecimento no
seja compreendida e desenvolvida de forma isolada. Historiadores pelo mundo
dialogam com outras disciplinas, no intuito de trazer para a histria uma viso
holstica de um determinado assunto ou sujeito inserido em um tempo e espao
apontado, por eles. Obviamente, no momento que admitimos essa conexo
entre reas, no estamos propondo que aqui pensemos como gegrafos ou
como peritos de qualquer outra rea, estamos sim, alargando o campo de
atuao do pensar histrico trabalhando com outras ferramentas para
tentarmos entender da melhor maneira o objeto escolhido para a investigao.
A nossa anlise ser feita como historiadores, sem deixarmos que nossa viso
se confunda. Isso j foi proposto pelos historiadores da Escola dos Annales.
Dentre todos tomaremos como exemplo, Fernand Braudel j fazia conexes
6 Os principais trabalhos levam em conta, principalmente, as modificaes existentes no perodo da Repblica Velha em cidades j com grande nmero de habitantes como: Rio de Janeiro com 1. 447. 599, So Paulo com 579. 033, Salvador com 283.422 e Recife com 238. 843 de habitantes. Disponvel em: < http://www.skyscraperaty.com/showthril.php > Acesso em: 24 de maro de 2016.
http://www.skyscraperaty.com/showthril.php
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com a geografia, quando escreveu a famosa obra O Mediterrneo, marcando
na prtica uma nova era para a construo histrica.7
Assim, algumas compreenses foram levantadas sobre o assunto e
segundo Diva Lopes e Wendel Henrique, por vrios motivos, mas,
principalmente, pelo crescimento de trabalhos sobre o tema que vem tomando
espao dentro das academias. Estas pesquisas buscam a conceituao e
entendimento das pequenas cidades;
as pesquisas sobre cidades mdias e pequenas vm ganhando repercusso na produo acadmica brasileira, fruto da interiorizao dos cursos de graduao e ps-graduao, bem como do prprio processo nacional de urbanizao, no qual tais cidades apresentam destaques significativos nas dinmicas econmicas, demogrficas e culturais.8
Os pesquisadores procuram traar linhas de pensamentos, constituindo
elucidaes cada vez mais aprofundadas e at certo ponto permeveis a
outros conhecimentos a para que se possa desenvolver um conhecimento
maior sobre essas cidades ainda ignoradas, pois h necessidade de,
[..] compreender as cidades mdias e pequenas brasileiras no como um conhecimento parte do processo de urbanizao, ou da totalidade, mas sim como particularidades e singularidades. Para tanto necessitamos dissec-las, decomp-las e analis-las, sem perder de vista a forma e o contedo. Portanto, o que se pretende contribuir com o debate e com o conhecimento do Brasil urbano, partindo do que est na outra extremidade desse processo, ou seja, do que se configura como pequenas e mdias cidades, ou do que no se configura como grandes aglomeraes urbanas.9
A construo de novos trabalhos corrobora para uma abertura de
debates que visam observar pontos de convergncias e de divergncias, no
intento de edificar aquilo que melhor poder traduzir e representar essas
cidades. A dinmica das cidades pequenas vem mudando muito nos ltimos
tempos ela foi modificando suas caractersticas. So atingidas pelos problemas
7 Ver: LIRA, LARISSA Alves de. Geografia Braudeliana: a concepo de espao de Fernand
Braudel e suas relaes co a geografia Vidaliana. Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, FFLCH SP. Departamento de geografia, Universidade de So Paulo, So Paulo. Disponvel em: < https://uspdigital.usp.br/siicusp/cdOnlineTrabalhoVisualizarResumo?numeroI > Acesso em: 27 de maro de 2016. 8 LOPES, Diva M. Ferlin e HENRIQUE, Wendel. (orgs.).Cidades mdias e pequenas: teorias, conceitos e estudos de caso. Salvador: SEI, 2010. 250 p. il. (Srie estudos e pesquisas, 87).p. 09. 9 BRESCIANI. Maria Stella. Cidades e histria. In: LIPPI, Lcia. (org.). Cidades histria e desafios. Rio de Janeiro: Ed. Fundao Getlio Vargas. 2002. p. 18.
https://uspdigital.usp.br/siicusp/cdOnlineTrabalhoVisualizarResumo?numeroI
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sociais das cidades maiores, cada dia mais. Foi-se o tempo que as cidades
pequenas eram quase unanimemente consideradas seguras e pacatas. Hoje
apesar de se diferenciar das metrpoles elas tambm so atingidas pelos
desatinos e faltas de servios pblicos. Nenhuma cidade igual a outra, ento
cada cidade constri bases onde crescero, entretanto mais frente assumem
seus prprios caminhos. Nessas cidades observa-se que, sobre os aspectos
econmicos e sociais as pequenas cidades oscilam entre sinais de
luminosidade e de letargia.10
A cidade pequena, hoje, se conforma dentro dos estudos das redes e
hierarquia urbana. A partir desse conceito, inicialmente, a cidade pequena
seria um contra ponto da cidade grande, e a cidade mdia seria ocupar um
espao intermedirio entre as duas. Analisando de maneira superficial uma
cidade pequena seria dentro de uma categoria numrica, aquela que possui at
20 mil habitantes, acima desse nmero classificada como mdia at 500 mil,
e a cidade grande acima dessa quantidade de habitantes.
Mas, isto obviamente no suficiente para que possamos designar
entendimentos sobre tais espaos, apesar de ser utilizado este critrio, ele
somente abarcaria o aspecto da grandeza populacional. Portanto,
concordamos que o entendimento sobre cidades dessa natureza ultrapassa e
muito, este conceito. A conceituao e anlise das cidades pequenas e mdias
necessitam ser (re) vista, levando em conta suas diversidades e capacidades
de formao e no unicamente apontando para o valor numrico.
A reflexo de Maria Encarnao Sposito nos muito pertinente na
configurao desse entendimento, de acordo com seu pensamento ela
determina que o primeiro passo a ser dado nesse sentido est concentrado em,
empreender um esforo para superar a adoo desses adjetivos de cidades
pequenas e cidades mdias, pois, so insuficientes para caracterizar as
cidades no metropolitanas e ainda continua, a realidade das cidades
10 LUGAN, J. C. Sociabilit et integration dans les petites villes: hypothses sur une volution. In: LABORIE, J.P; RENARD, J. Bourgs et petites villes. Toulouse:Presses Universitaires du Mirail, 1997, p. 406.
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pequenas e mdias extremamente plural para que se continue adotando, no
plano terico-conceitual, esses dois adjetivos.11
Na conceituao construda por Milton Santos sobre cidades locais,
esse autor afirma conclusivamente que, esse termo seria utilizado para
designar cidades que possuem um mnimo de aglomerado populacional e
ento, deixam de servir s necessidades da atividade primria para servir s
necessidades inadiveis da populao com verdadeiras especializaes do
espao e que apresentam um crescimento auto sustentado e um domnio
territorial.12 Tomando como base ainda a anlise feita por Santos destacamos
que devemos ser cuidadosos ao, aceitar um nmero mnimo, como o fizeram
diversos pases e tambm as Naes Unidas, para caracterizar diferentes tipos
de cidade no mundo inteiro, pois isso incorrer no perigo de uma
generalizao perigosa.13
Por conta disto, percebemos a nossa dificuldade, logo de incio, antes
mesmo, dela se configurar totalmente. Pois, duas dificuldades nos chegaram
rapidamente; uma pequena cidade de algumas dezenas de habitantes, surgida
h um sculo. O tempo apesar de pilar importantssimo e fundamental da
histria tambm causa muitas vezes de runa no constituir historiogrfico.
Dessa forma, isso nos causou um incomodo perturbador que teramos que
solucionar para o bem da pesquisa. A pergunta primordial veio com o seguinte
questionamento: como poderamos investigar uma cidade pequena somente
com os olhos e as explicaes que so dialogadas em uma anlise que
buscam entendimentos de cidades grandes ou metrpoles? Assim, seria
problemtico. Dessa forma, fomos busca de conceitos que hoje so utilizados
nas investigaes sobre cidades pequenas ou locais para que possamos
construir uma anlise sem cair em equvocos ou em generalizaes perigosas
que no condizem com as experincias observadas. Autores como Milton
Santos, Maria Sposito, nos apresentam alguns entendimentos sobre o assunto,
onde expe algumas categorias por ele destacadas. A existncia de uma
11 SPOSITO, Maria Encarnao Beltro. Para pensar as pequenas e mdias cidades brasileiras. Belm: FASE/ICSA/UFPA, 2009. v. 1. 12 SANTOS, Milton. Espao e sociedade. Petrpolis: Vozes, 1982. p. 69-70. 13 SANTOS, Milton. Op.cit. 1982, p. 69-70.
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categoria cidade no se encerra por si s, ela apresenta desdobramentos
importantes para o seu estudo mais aprofundado.
Diante de tantas afirmaes e reflexes complexas seria necessrio
traarmos uma linha de pensamento na compreenso do que uma cidade
pequena, pois, o
processo de urbanizao brasileiro, as disparidades, as desigualdades e tambm as concentraes ganham maiores propores, o que ir despertar maior interesse pela anlise da rede e hierarquia urbana, bem como pelo processo de metropolizao. Urge a necessidade por desvendarem as contradies do espao urbano.14
Estudar uma cidade de menor porte significa aderir a uma nova
concepo em relao ao perceber do espao urbano, pois, mesmo com
todos os esforos na busca pelo conhecimento de novos objetos, na grande
maioria das vezes nos deparamos em maior nmero com pesquisas que
evidenciam as grandes cidades. No entanto, por muito tempo, e ainda hoje, s
cidades pequenas e mdias so esquecidas, fenmeno muito comum que
acontece, principalmente, nos pases emergentes. A esse respeito, Milton
Santos argumenta que, a maioria dos estudos urbanos em pases
subdesenvolvidos se interessa de preferncia pelas grandes cidades,
principalmente pelo fenmeno da macrocefalia. Assim, se isso no cria um
problema pelo menos sublinha a necessidade de reflexo sobre o assunto das
cidades pequenas.
Entretanto, se nos voltarmos s estatsticas, mais atuais, como tambm,
a realidade em que vivemos, diz o autor, vemos perfilar-se outro fenmeno
urbano, o das cidades locais que, a nosso ver, merece tanto interesse quanto o
precedente.15 Alis, o Brasil um Pas constitudo de cidades pequenas e
mdias, so mais de 3.80016 cidades pequenas. Ento, estudar as pequenas
cidades do Brasil desvendar o prprio Brasil com todas as suas
particularidades e modos de viver. Por conta disto, o referido autor desfaz essa
14MAIA, Doralice Styro. Cidades mdias e pequenas do Nordeste. Conferncia de Abertura. In. CIDADES MDAS E PEQUENAS: teoria conceitos e estudos de casos. (orgs). LOPES, Diva Maria Ferlin e HENRIQUE, Wendel. 2005, p. 15. 15 SANTOS, Milton.op. cit. Petrpolis: Vozes, 1982. p. 69. 16 Fonte: IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Disponvel em: Acesso: 25 de jan. de 2106.
http://www.ibge.gov.br/home/pesquisa/pesquisa_google
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nomenclatura de cidade pequena e a substitui por cidades locais, pois
segundo ele, estes cenrios dispem de uma atividade polarizante e, dadas as
funes que elas exercem em primeiro nvel, poderamos quase falar de
cidades de subsistncia.17
Campo Formoso, dentro do perodo estudado, entendida como uma
cidade de subsistncia, que produzia quase exclusivamente durante o perodo
da Repblica velha, para o seu prprio sustento. A cidade foi emancipada em
1906, a partir desse momento ela comea a configurar as estruturas que sero
abordadas neste trabalho, encontramos nesse espao uma mentalidade
conservadora que no foi inserida na onda modernizadora.
Assim, ser analisada enquanto uma cidade que no desfrutou dos
progressos que autores regionais afirmam ter havido na histria de Gois
depois da chegada da Ferrovia. Durante longos anos, acerca de trs dcadas,
depois de a Ferrovia chegar ao estado a pequena cidade de Campo Formoso
continua inserida em uma carncia predominante. Essa era uma poca
compreendida, no Brasil, onde se teciam intensos pensamentos de progresso.
Mas, sabemos que esse progresso no chegou em todos os recantos do pas
de maneira equnime. Assim, observamos que a estrada de Ferro Goyaz no
trouxe todas as mudanas que so marcadas por autores depois da sua
chegada. Ela concluiu um projeto de poder, que inicialmente visou somente o
aspecto econmico do estado de maneira generalista e depois tambm
servindo para consolidar um balco de negcios onde se procurou tecer uma
rede de aes que beneficiavam, principalmente, aqueles que comungavam
das mesmas ideias polticas dos dirigentes da Ferrovia e ou do governo
estadual a princpio, e posteriormente do governo Federal.
A pesquisa foi desenvolvida adotando como delimitao temporal a
Primeira Repblica no Brasil, 1889 a 1930. Pois, a data a mensageira de
mentalidades voltadas para o progresso, mesmo que esse progresso no fora
17 E em um aprofundamento prprios dos grandes pesquisadores, ainda destaca que poderia indicara a existncia de pseudocidades e verdadeiras cidades. Dentro desta linha de raciocnio destacamos que a avaliao das pseudocidades nos interessa haja vista a sua conceituao apropriada para o entendimento da diferenciao entre ela e as cidades locais no estudo do nosso caso sobres as pseudocidades temos, [...] pseudocidades inteiramente dependentes das atividades de produo primria, como as cidades mineiras ou as grandes aldeias, e mesmo de atividades no primrias, como algumas cidades industriais ou cidades religiosas, universitrias, balnerias, de montanha (serranas) etc. ver: SANTOS, 1982, p. 70.
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feito para atender largamente as necessidades do povo brasileiro, pois j viera
construdo de pases da Europa. Contudo, no que diz respeito ao temporal
teremos por necessidade, em alguns momentos, nos estenderemos um pouco
mais, com a finalidade de ratificar um dos nossos objetivos que sublinhar que
a Ferrovia no estado no atingiu todas as regies de Gois e menos ainda
todos os nveis da sociedade goiana, Campo Formoso ser o elemento de
negao dessa viso simplista e determinista. Demonstrar a estagnao
econmica de Campo Formoso dcadas depois de a Ferrovia ter chegado ao
estado, contraria a historiografia escrita proposta por vrios autores sobre
Gois. Tambm verificaremos a ligao com antigos modos herdados da
colnia e do Imprio mesmo em tempos de Repblica. Passaremos a discutir
as disputas pelo poder dentro da pequena cidade e a fora da Igreja e dos
coronis na regio que muitas vezes eram os grandes latifundirios dos
arredores.
Buscamos demonstrar por meio de anlises comparadas, de registros
oramentrios, recenseamento e dos testemunhos sobre o perodo abordados
que Campo Formoso no se coloca como modernizada depois que Gois foi
cortada pela ferrovia. Essa viso que nos colocada por alguns historiadores
que; afirmam uma modernizao homognea em todo o estado sobre a era
Ferroviria em Gois, no a compartilhamos. Pois, a nosso ver, se optssemos
por essa ideia estaramos admitindo uma viso generalista e superficial. A
nossa perspectiva parte de um certo estranhamento sobre essa ideia
construda e proliferada dentro da historiografia de Gois que afirma o grande
desenvolvimento de Gois, com a chegada da Ferrovia Goyaz, viso defendida
por Barsanufo Borges18.
Para o desenvolvimento dessa dissertao buscamos informaes de
diversos locais: Livro do Tombo, Cmara de vereadores, Prefeitura da cidade,
Atas do Conselho de Intendncia, Arquivo Pblico da cidade de Orizona, IHGG
- Instituto Histrico e Geogrfico de Gois, IBGE e Recenseamento de 1920,
Cmara de Deputados Federal, Prefeitura de Ipamer, alm de entrevistas
concedidas por pessoas na maioria quase centenrias que viveram na cidade 18 BORGES, Barsanufo Gomide. O despertar dos dormentes: estudo sobre a estrada de ferro Gois e seu papel nas transformaes das estruturas regionais: 1909 1922. Goinia: cegraf- UFG, 1990.
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de Campo Formoso. Nota-se- uma vasta lista de fontes utilizadas, mas isso
feito pra que possamos captar os acontecimentos da melhor forma possvel.
Mas, a partir disso entendemos que a existncia desse extenso leque
documental teria que ser articulados entre si. Entre elas as fontes orais foram
de grande valor na construo do nosso trabalho pelo seu valor genuno. Elas
foram necessrias para conjuntamente com as fontes escritas, trazermos uma
reflexo ainda mais ampla e profunda em determinados assuntos ouvindo
vozes que nunca tinham se pronunciado. Os entrevistados nos mostram por
meio das suas prprias experincias as formas de viver e sentir o espao
habitado, com seus dramas e alegrias. As experincias desses sujeitos so
ricas e demonstram as dificuldades e estratgias utilizadas para vencer a falta
de recursos vividos no perodo por isso so importantes meios de
conhecimento sobre os longos anos em busca das melhorias do espao
citadino. No nos recusamos s palavras faladas porque temos a conscincia
de que assim como Lucien Febvre, acreditamos que,
A histria fez-se, sem dvida, com documentos escritos. Quando h. Mas, pode e deve fazer-se sem documentos escritos, se no existirem [...] Faz-se com tudo o que a engenhosidade do historiador permite utilizar para fabricar o seu mel, quando falta as flores habituais: com palavras, sinais, paisagens, e telha; com formas de campo e com ms ervas; com eclipses da lua e arreios; com peritagens de pedras, feitas por gelogos, e anlises de espadas de metal, feitas por qumicos. Em suma com tudo o que, sendo prprio do homem, dele depende, lhe serve, o exprime, trona significante a sua presena, atividades, gostos e maneiras de ser.19
Por conta disso os caminhos da nossa pesquisa se formaram a partir do
momento que comeamos a investigao e do desenrolar dos fatos. Durante o
percurso do trabalho discutiremos vrias questes importantes para o refletir da
constituio desse espao/cidade no perodo republicano. Buscaremos assim
compreender e analisar a fora da Igreja catlica, como um dos elementos
determinantes na edificao da cidade, assim como, as foras polticas locais,
representadas na figuras dos coronis e sua influncia na urbanizao do
espao citado. Procuraremos articular aspectos que corroboraram para a
constituio deste espao urbano, de acordo com os elementos a sua volta os
19
FEBVRE, Lucien. Combats pour lhistoire. Paris: Colin, 1953. ( trad. port. Lisboa: Presena, 1977). p. 428.
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inserindo no contexto da poca. Tendo como enfoque o perodo da Repblica
no Brasil e as mudanas desejadas.
A pesquisa ser dividida em trs captulos. Em que tentaremos tecer a
histria de uma cidade fundada em 1850, que chegou ao sculo XX, ainda
como arraial. Como um dos eixos nos fundamentaremos na ideia que Campo
Formoso no absorveu os principais sonhos de progresso da recente
Repblica. No tendo sido inserida no aspecto moderno atribudo a Gois
depois dos ventos ferrovirios. Sofrendo uma urbanizao desigual, tmida que
no demonstra nenhum aspecto dos que so falados sobre regio de Gois
pelas obras que tentaram retratar o perodo. Verificamos que Campo Formoso
perante as mudanas e os processos de urbanizao vigentes no perodo,
esbarrou em uma encruzilhada entre a tradio que, ser colocada como os
antigos hbitos e costumes vindos dos meios rurais e ainda do perodo
colonial, com seu modo de vida rude e fundamentado profundamente em
dogmas religiosos, e a prpria significao da modernidade que representa o
anseio de uma pequena elite local que aspirava por ideias de progresso. Essas
ideias progressistas seriam desenvolvidas ao modo dessa elite, que foi
concretizada na construo de uma cidade para eles e que pudesse ser
governada por eles prprios.
Esse pensamento de modernidade vindo dessa elite local passou grande
parte da sua existncia, mergulhado numa constituio social moldada, na
influncia catlica e em uma mentalidade ruralista, configurada pelos grandes
latifndios. Tambm discutiremos os problemas que envolvem uma cidade
construda no serto do Brasil, a questo do isolamento e da falta de recursos,
dentro de uma conjuntura marcada pelos graves entraves em relao a outros
lugares do pas, principalmente, da regio litornea onde se localizava a
maioria das cidades mais importantes da poca. Durante a pesquisa,
tentaremos entender o que a chegada da Repblica significou, para uma
populao que vivia em uma regio distante dos centros mais adiantados.
No primeiro captulo intitulado, As relaes de poder na construo de
uma cidade descobriremos quem eram os sujeitos que constituram a elite
poltica da cidade de Campo Formoso. Abordaremos de onde vieram, como
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viviam e o que os levaram a querer construir uma cidade. Desde o tempo do
arraial a elite poltica se organizava para construir uma cidade dos sonhos.
Onde tudo fosse coordenado por esse grupo. Assim, nasceu a cidade de
Campo Formoso, do sonho de um grupo rico local que desejava governar uma
cidade. Diremos que foi uma cidade para poucos, para os que poderiam pagar
as altas taxas de impostos que eram cobradas dentro do permetro urbano e
que poderiam fazer as exigncias colocadas no Cdigo de Posturas. As
medidas tomadas para a constituio do espao mostram os desnivelamentos
econmicos na regio.
A criao do Conselho de Intendncia marca um novo perodo para a
populao, a partir dele ser vista, claramente, aqueles que poderiam morar ou
no no espao urbano criado para ser, principalmente, belo. Nesse stio no se
poderiam cortar rvores que embelezavam as ruas e passeios, pois isso levaria
aos infratores a paragem altas multas. Ento, a construo da cidade foi feita
com recursos prprios, aliceradas em uma enorme quantidade de impostos.
Assim, discutiremos o abandono do governo estadual e federal que no
cumpria com as responsabilidades com os municpios brasileiros fato este que
vem ainda se perpetuar at os dias atuais. Desde a colnia as cidades foram
relegadas, ao total descaso sobrevivendo na mais profunda decadncia. No
imprio, ainda mais centralizado, a autonomia municipal diminuiu ainda mais. A
repblica fora continuadora deste amesquinhamento municipal, nada mudando
apesar dos discursos fervorosos que eram tecidos sobre o assunto.
Outro assunto problematizado ser a questo do coronelismo que
aponta Campo Formoso como uma cidade de coronis. Discutiremos como era
a influncia das principais figuras; o coronel Jos da Costa Pereira Sobrinho e
o coronel Zacarias Gonalves Caixeta e como se faziam a diviso de poder
entre os dois. Se havia conflito entre os dois potentados, quais os limites das
suas terras e consequentemente do seu poder. Apresentando uma discusso
sobre o fenmeno coronelismo na cidade, dialogando com a historiografia
brasileira, com autores como Victor Nunes Leal e Jos Murilo de Carvalho
entre outros. Confrontaremos vises e discusses de autores que teceram
variados entendimento sobre o fenmeno. Outro ponto trazido o
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entendimento que a Igreja por meio de seus representantes fora influenciadora
dos modos de vida dos moradores da regio de Campo Formoso e
concomitantemente com os coronis manobraram por muitos anos a vida
scio-poltica do local.
No segundo captulo, A inveno de uma cidade: intervenes urbanas
e ideias de transformao abordaremos a ideia de pequena cidade, espao
diferenciado das cidades grandes em diversos aspectos. Que sero
confrontados e levados a ser entendido com essas diferenciaes. As
pequenas cidades tm suas particularidades que as fazem constituir como
lugares estruturados que visam, na maioria das vezes, o bem estar dos sujeitos
que nela habitam.
Discutiremos as formas como o ambiente fora edificado tomando para
isso o modo como se administrava a cidade. Assim, observamos que esse
espao-cidade fora levantado por meio de impostos, que funcionavam tambm
como o agente responsvel pela excluso de uma classe carente para fora dos
limites da cidade. Uma cidade que foi criada por uma elite e para ser
governada por essa mesma elite assim que, Campo Formoso aparece no
cenrio nacional. Os impulsos de urbanizao da cidade no foram construdos
aos moldes da Repblica, so precrios em diversos pontos demonstrando as
dificuldades do dia a dia, vividas pelos moradores do local. Na percepo do
espao visualizaremos as suas casas, percebendo, principalmente, como eram
feitas de acordo com o Cdigo de Posturas. Essas novas moradias eram irreais
para a maioria da populao local que vivia em uma extrema carncia. Da
mesma forma, tambm discutiremos a distribuio da gua no espao-cidade,
sendo um elemento que mostrava poder e era somente adquirida pela
populao mais rica. Os servios da gua demonstram a desigualdade social
em uma populao que utilizava as guas dos rios e ribeires. O Conselho de
Intendncia, no visava uma distribuio pblica, os servios eram concesses
feitas por uma fatia muito seleta da sociedade.
Na sade pblica ser demonstrado o caos instalado nesse setor; das
doenas que ficavam sem tratamento, as expulses dos enfermos, e da falta
de conhecimento de uma populao analfabeta que contribua para o
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agravamento da situao, mas no somente isso, o abandono desses sujeitos
pelos poderes constitudos reflete um estado de calamidade na sade da
regio. Nesses locais no se tinham remdios, hospitais, assistncia pblica,
dentistas nem mdicos, as pessoas eram tratadas pelas razes do cerrado, por
benzeo, onde quem administrava os tratamentos eram os conhecidos
curandeiros.
No terceiro captulo, Portos, pontes e ferrovias: adeses e resistncias
ao progresso em Campo Formoso trataremos da Ferrovia Goyaz e os motivos
que barraram a sua chegada no espao cidade. Da mesma foram debateremos
as percepes que foram construdas pelos moradores de Campo Formoso em
relao ao desvio da Estrada como tambm o que significava para aqueles
sujeitos esse perodo tido como modernizador. A questo ser problematizada
a partir de eixos de pensamentos que, colocam em discusso a forma que foi
abordada e percebida a Ferrovia Goyaz dentro do estado pela viso de alguns
autores como; Barsanufo Borges e Nars Chaul por exemplo. Apresentaremos
um vis diferenciado da historiografia, no que diz respeito ideia de marcar a
Ferrovia como inauguradora de uma poca de modernidade e progresso para
todo o Gois e em todos os nveis da sociedade20. Entendimento o qual no
concordamos, por averiguar que em diversos aspectos Campo Formoso
continua sem desfrutar dessas modernidades por dcadas frente. Assim,
buscamos nos distanciar desses aspectos da historiografia goiana que retrata o
perodo, como inaugurado por uma automtica situao modernizadora. A
Ferrovia no parece ter proporcionado isso para todo o Gois como, por
exemplo, para a regio de Campo Formoso que vive por largo tempo em uma
situao de extrema carncia. Demonstraremos as ideias e articulaes da
elite poltica local no que diz respeito ao obstculo imposto por ela, para a
construo ferroviria dentro dos limites da urbe.
Logo aps apresentaremos uma discusso sobre a categoria
modernidade, procurando construir vrias vises sensveis que busquem
compreender o que significava esta palavra que fora to anunciada no perodo
da Primeira Repblica. Tomaremos como entendimento que essa categoria 20 Ver: BORGES, Barsanufo G. O despertar dos dormentes: estudo sobre a Estrada de Ferro Gois e seu papel nas transformaes das estruturas regionais: 1909-1922. Goinia: Cegraf, 1990.
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poder apresentar diversas percepes. Sero observados os testemunhos de
moradores e de trabalhadores da Estrada frrea os quais falaram sobre as
dificuldades e o significado da modernidade dentro das suas experincias.
Ao discorrer sobre o assunto ferrovia observamos que a mesma
construiu uma lgica prpria dispensando os que no se aliavam aos
pensamentos dos seus dirigentes assim como tambm dispensava os destinos
que no dariam bons lucros. Discutiremos o sentido desse isolamento
proposital para cidade de Campo Formoso, incorporando o testemunho de
alguns moradores da regio e seu entendimento sobre o fato ainda
incompreendido pela maioria. Abrindo diversas especulaes muitas delas
distantes do acontecido. Em um primeiro momento verificamos que poltica
criada dentro dos caminhos ferrovirios tece a malha agraciando umas cidades
e desprezando outras, dependendo da viso poltica predominante em cada
local, fazendo com que os trilhos de ferro em muitos momentos sejam
construdos utilizando a lgica das alianas polticas que por muitas vezes, o
bem geral no o objetivo. Mas, sim a viso que no foge s ideias
particularistas que sempre estiveram to presentes na histria do Brasil. Ao
longo dessa dissertao, buscamos discutir, portanto, as vrias especificidades
de uma cidade, sua trajetria e os principais elementos que iluminam as
relaes polticas tecidas nas primeiras dcadas do sculo XX, focando a
cidade de Campo Formoso. Nesse capitulo tambm dispensaremos ateno ao
quadro econmico que se instalou na cidade mesmo depois da chegada da
Ferrovia Goyaz na regio sudeste corroborando para o entendimento da
estagnao econmica. Por meio de vrios documentos visualizamos ainda a
carncia na cidade e a estagnao em termos de comrcio.
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CAPTULO I
AS RELAES DE PODER NA CONSTRUO DE UMA CIDADE
1. 1. A Igreja e as relaes de poder
A igreja Catlica est presente desde o incio da formao desta cidade
pois a cidade foi instituda atravs de uma doao Igreja pelos meados do
sculo XIX, transformando este espao citadino em patrimnio Eclesistico. O
poder tem vrias faces, a Igreja desde o incio da sua criao dispensa devida
ateno para o poder simblico,
poder de constituir o dado, de fazer e fazer crer, de confirmar e de confirmar a viso do mundo e, desse modo, a aco sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mgico que permite obter o equivalente daquilo que obtido pela fora ( fsica e econmica) graas ao efeito especfico de mobilizao, s se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrrio. Isso quer dizer que o poder simblico no reside nos sistemas simblicos [...] mas que se define numa relao determinada - por meio desta entre os que exercem o poder e os que esto sujeitos, quer dizer, isto , na prpria estrutura do campo que se produz e se reproduz a crena.1
No Brasil a Igreja influenciou profundamente os governos locais. Assim,
mesmo depois da separao e embates acirrados que aconteceram durante a
Repblica ela no desistiu do seu projeto e de seu poder j constitudo, pois
as figuras-chave na conduo da poltica eclesistica destinada ao pblico
interno (a saber, os grupos dirigentes) passaram a ser aqueles bispos
empresrios que se mostraram bem-sucedidos na montagem de alianas
como detentores locais do poder oligrquico2. Assim, frente a diversos embates
Arajo Jnior nos esclarece,
suas aes conservadoras e pautadas nos princpios ultramontanos e tridentinos abalizados pela Cria romana encontraram uma dura resistncia por parte da poltica liberal e laicizante postulada pelo referido cl oligrquico. Os desdobramentos desse conflito resultaram numa grave crise da Igreja Catlica em
1 BORDIEUR, Pierre. Sobre poder simblico. Trad. de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: DIFEL, 1989. p. 14. 2 MICELLI, Srgio. A elite eclesistica brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. p. 21.
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Gois e que teve como conseqncia principal a transferncia da sede episcopal da Cidade de Gois para Uberaba, em 1896. 3
Mas, em Campo Formoso, essa interferncia atua de maneira constante
e profunda. Fundada a partir de doaes Igreja, que desde os seus primeiros
tempos determinava as aes de seus fiis, e apesar dos embates entre foras
laicizantes e religiosas que rondavam o estado de Gois desde 1870, demorou
muitos anos at romper com os laos mais fortes que os uniam ao poder da
Igreja Catlica.
A Igreja sempre teve um papel relevante desde o aparecimento do
arraial de Capela de Nossa Senhora da Piedade dos Correia. Ao nos
debruarmos sobre essa cidade-objeto observaremos variados aspectos na
sua composio, como foi pensada e construda. Nos finais do sculo XIX, a
cidade comea a caminhar para algumas mudanas no intuito de tecer
melhorias, muitas delas vieram em ateno aos desejos que a recm criada
Repblica impelia a todo o pas, no af de trazer um novo conceito o qual
desejava que o Brasil fosse inserido, a modernidade e o progresso. Diante de
tal proposta, no incio do sculo XX, a cidade tenta remodelar-se e libertar-se
de algmas das antigas estruturas coloniais.
Destacamos que nos fins do sculo XIX, poucos acontecimentos se
deram no pequeno arraial de Capela dos Correia. Os nicos que encontramos
se encontram descritos no Livro do Tombo de 1912, que dizem respeito s
primeiras atividades e remodelaes da Capela de Nossa Senhora da Piedade
dos Correias e as festas religiosas que aglutinavam as pessoas da regio.
Compreendermos que a capela desde que foi idealizada pela primeira vez pelo
senhor Fulgncio Caetano de Souza, que no chegou a v-la finalizada,
sempre convergiu pra a existncia do arraial e sua construo se deu por meio
de esforos hercleos na sua concretizao. A capela fora o marco inicial para
a construo do arraial. A partir dela a cidade, ou melhor, dizendo o pequeno
3 ARAJO JNIOR. Edson Domingues. A restaurao catlica em Gois no advento da nova capital (1932- 1942). Sociabilidades religiosas mitos, ritos e identidades: XI SIMPSIO NACIONAL DA ASSOCIAO BRASILEIRA DA HISTRIA DAS RELIGIES. Goinia UFG, ISBN. 978-85-7103. 564-5.
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arraial, deu seus primeiros passos na solidificao de um posterior espao
urbano e da constituio da cidade.
Antes da construo da tal capela, o espao pertencia a Fazenda Santa
Brbara, de propriedade do senhor Joo Correia Pres e depois passou as
mos do patrimnio catlico por meio de uma doao feita pelo senhor Correia.
Se olharmos mais atentamente, entenderemos que a cidade de
Campoformosense nasceu de um ato de f. De acordo com os documentos do
Tombo o primeiro prdio construdo, a capela, viera de uma doao ao
patrimnio eclesistico em devoo a Nossa Senhora da Piedade construda
em um terreno doado estas oferendas contriburam para enriquecer ainda mais
os cofres da Igreja. A planta original consta de um nico salo.4 Apesar de
parecer de tamanha simplicidade, foram esforos gigantes onde se demorou
quase vinte e seis anos para ficar pronta que nos indica as grandes
dificuldades do tempo, falta de mo de obra, e de materiais para sua
construo alm dos raros recursos econmicos.
A primeira atividade oficial na capela Nossa Senhora da Piedade dos
Correia aconteceu no ano de 1876 e foram descritas pelo Pe. Luiz Brs Prego
no livro do Tombo, o primeiro documento escrito que atesta a realidade da
Capela trs a data de primeiro de novembro de 1876, trata-se de um assento
de batismo de uma certa creana.5 A beno da capela da mesma forma foi
realizada pelo Pe. Luiz Brs Prego, pertencente a parquia Nossa Senhora da
Conceio de Santa Cruz de Gois, que veio a falecer em 1914. Ainda nesse
momento a freguesia de Capela dos Correia ainda se encontrava subjugada
Parquia de Santa Cruz de Gois. Nesse evento aconteceu o primeiro batismo,
cujos nomes das crianas constam nas escrituras, um menino de nome
Manoel Filho de Albino Claro de Oliveira e uma menina Maria da conceio6
alm dessas, vrias outras crianas tambm foram batizadas, mas seus nomes
no constam nos arquivos paroquiais.
A importncia da Capela Nossa Senhora dos Correia aparece em vrios
momentos da constituio da cidade. Diante disto, entendemos que no
4 Livro do Tombo Campo Formoso 1912, Arquivo da parquia de Orizona-GO, p. 05. 5 Livro do Tombo Campo Formoso 1912, Arquivo da parquia de Orizona-GO, p. 04. 6 Livro do tombo Campo Formoso 1912, Arquivo da Parquia de Orizona-GO, p. 04.
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poderemos ignorar este aspecto religioso na formao da cidade, haja vista
que a sua formao e consolidao est tambm condicionada a este poder.
Presenciamos inmeras vezes na sua histria a influncia da instituio
Catlica seja nos costumes, hbitos, na poltica, e na configurao do espao
urbano, pois sem ela a cidade no teria se formado nesse tempo. Todavia, foi
ao passar categoria de vila que esta regio afirmava-se de vez na histria de
Gois. Muitas disputas e controvrsias entre as famlias abastadas da regio
marcaram o incio da formao desta cidade, mas isso um fato normal j que,
a histria est sempre no centro das controvrsias.7
Nessa cidade, mesmo com todos os discursos desejosos de progresso
feitos em solo goiano, esses pensamentos no reverberaram completamente.
Assim, Campo Formoso fica em uma encruzilhada entre modernidade e
tradio, tendo a maioria da vezes optado pela segunda opo. Dessa forma,
faz-se significativo ilustrarmos, um fato que se deu dentro de uma reunio no
Conselho de Intendncia, j na Repblica, onde fizeram uma meno
memria de sua alteza D. Carlos: Foi pelo conselheiro Euclides Brettas
requerido que fosse inserido na presente acta um voto de profundo pesar e um
minuto de silncio pela morte trgica de sua alteza Dom Carlos rei de Portugal
o que foi unanimemente aprovado.8 No se tratava de uma simples
homenagem, aleatria, isso demonstra os valores tradicionais e conservadores
enraizados nesta sociedade ruralista.
Os laos que uniam a monarquia estavam presentes at o perodo. Para
os intendentes a famlia real ainda representava o verdadeiro smbolo da
autoridade do Brasil, a quem deveria se prestar reverncia. O fato dessa
reverncia nos ajuda a entender esta sociedade no interior de Gois, ainda
muito apegada aos valores da Monarquia. Outro fato que merece ateno
que mesmo com a separao entre estado e Igreja durante a proclamao da
Repblica, a elite poltica em Campo Formoso ainda continuava fiel seguidora
da Igreja, por meio dos seus representantes a Igreja era intimamente ligada s
7 LE GOFF, Jacques. Histria e memria. Trad. Bernardo Leito...[ et al.]. 5 ed. Campinas, SP: Editora Unicamp. 2003, p. 17. 8 Ata do Conselho do Municpio da Villa De Campo Formoso de 1907. Arquivo da Cmara de Vereadores de Orizona-GO.
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decises polticas. Durante muitos anos a instituio norteou a vida dos
moradores do local por meio das missas e das festas religiosas. As
interferncias vinham de vrios lados. Podemos tomar como exemplo o
cemitrio paroquial que somente fora desativado na dcada de 1935, isto , por
autorizao e vontade do Pe. Trindade. O cemitrio comeou a ser construdo
antes de 1918, por volta de 1920 ele fica pronto e mesmo assim no foi
inaugurado. O antigo cemitrio continua a ser utilizado. Quando na ocasio, no
ano de 1935, o Conselho fora advertido pela grande epidemia de febre
amarela, no decreto n107,
Eu Aguinaldo Frana, Prefeito Municipal de Campo Formoso usado os direitos que a lei lhe confere, e depois de ouvido o Conselho Consultivo, resolve de acordo com o virtuoso vigrio desta parquia, Rev. Pe. Jos Trindade, considerando com o crescente desenvolvimento desta cidade cuja as ruas j se estendem para depois do cemitrio Paroquial ( cemitrio velho) considerando no haver mais espao para o seu prolongamento, considerando no haver mais lugar para nenhuma inhumao sequer, sem que o coveiro encontre cadveres em franca decomposio.9
A necessidade da aprovao do Pe. Trindade importante. No
podemos deixar de perceber a ingerncia do tal cnego em assuntos polticos,
de sade pblica, mas que era tido como assunto de cunho religioso.
Entendemos que essa atitude era fruto de uma mentalidade formada dentro
dos preceitos religiosos catlicos que no fora ainda continuava vigente. A
figura do padre representava a prpria Igreja, devemos perceber que a palavra
dele era o aval da prpria Igreja e de tudo que ela representa de divino. A
Igreja era quem deveria direcionar seus fieis para que eles no se desviassem
do caminho da salvao. Assim, dentro dessa orientao a urbe construiu
muito sua histria, pois os moradores da cidade e do campo obedeciam aos
ensinamentos da instituio.
As transformaes chegaram lentamente e mesmo com a Repblica, a
cidade, no que diz respeito s mudanas estava longe do ideal que os
pensamentos republicanos da poca representavam. Cabe observar que tal
aspecto foi prprio das relaes polticas no Brasil do perodo, em que as 9 Prefeitura Municipal de Campo Formoso Registros de Leis e Decretos de 1930 a 1939. Arquivo da prefeitura da Cidade de Orizona-GO.
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ideias modernizadoras no eram compartilhadas entre vrias camadas da
populao. De acordo com Emilia Viott, a ideia de Repblica consubstanciava
o sonho poltico de algumas camadas intelectualizadas da pequena burguesia
urbana e de alguns setores positivistas [..] que viam na Repblica a soluo de
todos os males.10
Portanto, Campo Formoso no incio da Primeira Repblica ainda nutre
fortes laos com os tempos Imperiais. Confirmando que o pensamento
republicano fora tecido, principalmente, nos meios urbanos, os Republicanos
eram principalmente gente das cidades, e no gente do campo11, isto foi
notado fortemente nesta cidade, recm formada. Assim, a maioria da
populao estava alheia a ela, os brasileiros ocupantes das regies rurais no
participavam, na sua grande maioria dessa ideia como verificamos nesse
espao. No que diz respeito indiferena da maioria da populao o viajante
Max Leclerc12 tece uma ideia quando escreve no seu livro intitulado Cartas do
Brasil,
A revoluo est terminada e ningum parece discuti-la, mas aconteceu que os que fizeram a revoluo no tinham de modo algum a inteno de faz-la, e h atualmente na Amrica um presidente da repblica fora. Deodoro desejava apenas derrubar um ministrio hostil. Era contra Ouro Preto e no contra a monarquia. A monarquia cara. Colheram-na, sem esforo como um fruto maduro.13
Em Campo Formoso isso verificado pela atuao de uma mentalidade
ainda conectada com uma supremacia catlica e ruralista, nesse caso,
cultivada tambm pelas elites locais atuantes na poltica. Ento, quando
buscamos entender os vrios aspectos, caractersticas e modos de viver nesse
espao-cidade, refletimos na construo de um olhar que desvende as foras
atuantes na formao desse espao e impreterivelmente, a prpria sociedade
nela inserida. De fato, muitos aspectos foram discutidos no desvendar desse
cenrio urbano e sabemos que eles no se esgotam. As dificuldades
10 VIOTTI, Emlia. Da Monarquia repblica. 9. ed .- So Paulo: EDITORA: UNESP, 2010. p. 441. 11 VIOTTI, Emlia. op. cit. 2010. p. 412. 12 Viajante francs que visitava o Brasil justamente pelo acontecido de quinze de novembro, a proclamao da repblica. 13 Leclerc, Max. Cartas do Brasil. Trad., prefcio e nota de Srgio Milliet. So Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1942. p. 17.
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encontradas para a anlise se passa principalmente pelo refletir de um tempo
distante de ns. Mas, a nosso ver nenhum acontecimento poderia ser mais
revelador do que influncia catlica e a fora dos coronis na regio. Isso
nos indica os moldes em que foi construda essa sociedade at o ano de 1930.
Se refletirmos as tenses que influenciaram a constituio desse espao
e dentro de sua configurao social entenderemos o espao investigado de
Campo Formoso como constitudo dentro de uma mentalidade nos moldes
catlicos e coronelistas da poca, ou seja, de estrutura conservadora e
ruralista. No seria, portanto, a chegada da Repblica que iria de maneira
rpida modificar o panorama de uma pequena cidade de subsistncia atada
aos antigos preceitos construdos dentro de uma realidade agrria, onde
prevalecia a grande propriedade e assim sendo seus donos. Essa imobilidade
tambm justificada pelas profundas razes constitudas dentro dos antigos
moldes coloniais. A igreja sempre estava interferindo nos assuntos do estado.
No ano de 1907 foi lido pelo presidente da Intendncia um ofcio sobre a
construo de uma linha telefnica na cidade de Campo Formoso, que seria
financiada pela igreja,
Em seguida foi pelo presidente entregue a mesa um officio do reverendssimo Pe. Francisco Vaz da Costa a este conselho no qual prope a garantia de juros a seis por cento sobre o capital de doze contos, com privilgio de vinte anos, para o traado da linha telephonica neste municpio.
A Igreja estava disposta a financiar esse benefcio para a cidade, e em
conjunto com a poltica ela tambm era responsvel pelas transformaes
nessa regio. Apesar da linha no ter sido construda por falta de condies
econmicas, indica que apesar de se pensar que os juros estavam baixos ele
no seria comportado pelo oramento do municpio.
Nesse tempo os giros eram feitos em diversas regies do interior,
desde h muito tempo por conta da falta de Igrejas nas localidades mais
distantes, sendo o arraial tambm visitado nos primeiros tempos, pelo menos
trs vezes ao ano. Nas anotaes referentes ao sculo XIX fala-se, so dignos
de registros os Pe. Jos Olinto e Pe. Antnio Ferreira de Lima os quais
percorreram a regio pregando a palavra de Deus e os sacramentos as almas,
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at trs vezes por ano.14 Os padres os faziam a p, de carro de boi, ou a
cavalo, pregando a palavra, visitando os doentes, fazendo batismos, e dando a
extrema- uno. A extrema uno era realizada caso os doentes terminais
tivessem a sorte dos vigrios chegarem na hora do seu descanso eterno.
Estas obrigaes religiosas foram por sua vez uma enorme motivao para
construo de uma capela no antigo arraial que, pudesse atender aos fiis,
pois, eles pretendiam cumprir com as suas obrigaes religiosas. Os padres no
incio do arraial vinham para rezar as missas domingueiras e cumprirem as
obrigaes eclesisticas como, batismos e casamentos nas fazendas.
Em 1836 aparecem os nomes do stio do Bah, onde se batizam muitos inocentes, Cocal, Santa Barbara, Cuiabanos, Taquaral, Cachoeira, Posses, Piracanjuba, Engenho Velho, Boa Vista, Campo Alegre, como se depreende no Livro de registro do Pe. Calado e o Pe. Joaquim Ferreira. 15
Ento, mesmo que ainda no estivesse construda a capela, os fiis no
ficavam sem o apoio dos ministros de cristo. De Santa Cruz de Gois tambm
vieram inmeros vigrios para servirem o arraial de Capela dos Correia
fazendo parte da vida religiosa dos habitantes do distrito como mencionado
no livro do tombo, Pe. Colado, Pe. Antnio Joaquim Teixeira, Pe. Antnio
Francisco do Nascimento, Pe. Antnio Joaquim de Azevedo.16 Fbio Gumieiro
aponta um caminho para entendermos a dedicao s instituies religiosas;
A presena de instituies religiosas entre a sociedade colonial brasileira era de certa forma um consolo aos fiis, que muitas vezes, devido falta de padres diocesanos, ficavam devendo em suas obrigaes religiosas, estes casos eram geralmente resolvidos pelos religiosos que auxiliavam atendendo confisses e pregando nos mais longnquos lugarejos da colnia tanto no tempo quaresmal como em outras pocas do ano, quando organizavam incurses ao interior para pregar misses e catequizar os moradores.17
Ainda percebe-se a preservao de uma viso poltica dominada pelos
chefes regionais os coronis. Mas, alm desses muitos padres assumiam a
representao desse tipo de autoridade, pois se transformam em verdadeiros
lderes de uma determinada comunidade local como aponta Victor Nunes Leal,
14 Livro do Tombo Campo Formoso ano de 1912. Arquivo da parquia de Orizona, p.07. 15 Livro do Tombo Campo Formoso de 1912. Arquivo da parquia de Orizona-GO. p. 02. 16 Livro Tombo Campo Formoso ano de 1912. Arquivo da parquia de Orizona, p. 07. 17 GUMIEIRO, Fbio. As ordens religiosas e a construo scio-poltica na Brasil: Colnia e Imprio. Tuiuti: Cincia e Cultura, n. 46, Curitiba, 2013, p. 68.
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destacando que o padre funciona como um aliado dos coronis e dessa
forma, atinge um prestgio poltico. O Padre Trindade refletia algumas
caractersticas desse conceito, contudo ele no tinha aliados coronis, mas
fazia de tudo para deter muita influncia na cidade e durante o tempo que
esteve frente da sua parquia ele reformou a capela da cidade passando a
ser a Igreja Matriz, reformou as outras igrejas do municpio, transferiu o
cemitrio paroquial para o novo cemitrio. Em cima dos lombos de cavalos o
Padre fazia seu habitual giro, no difcil conhecer pessoas na localidade
que recordam da figura do Padre montado em seu cavalo pelas ruas de terra
empoeiradas.18
Uma de suas ltimas contendas com a parte poltica da cidade foi em
torno da mudana da nomenclatura, para Orizona, onde teceu crticas
ardentes. Afirmava que a nomenclatura no estava correta em relao a escrita
e tambm no concordava com a mudana entrando em divergncia com o Dr.
Raphael Lemes Franco, mdico, o autor da nova nomenclatura19. O Cnego se
acha em uma verdadeira luta por vrios valores na frente das quais se coloca
como o seu maior feitor,
A corda da justia ser-me reservada na Glria de Deus, por Quem tudo nos propusemos a fazer de joelhos agradecemos a nossa Senhora da Piedade, essa Me extremosa que sempre nos orientou e confortou em todas as horas em que as testemunhas do mal investiram-se contra ns fomos alvos das maiores campanhas, Mas, sabemos resistir a tudo. Se fizemos algum bem, foi o nosso sacerdcio; e se fizemos ou fomos culpados de algum mal, foi a nossa humanidade.20
As palavras do Cnego retratam que as animosidades eram elementos
constantes e o vereador Joel Andrade do P.S.D. era um dos seus opositores.
Em contrapartida o Pe. Trindade tinha o apoio dos mais conservadores
pertencentes do partido U.D.N,21 destacadamente pela figura do Arthur Silva,
filho de Pio Jos da Silva Antigo Intendente municipal. Como destaca o Livro
18 Entrevista concedida por Maria Pereira, 82 anos moradoras da cidade de Orizona, nascida no povoado da Cachoeira. Av: EgerineuTexeira, centro, Orizona. Entrevista feita em udio digital 30 minutos. 19 Livro do Tombo de 1945. Parquia da cidade de Orizona-GO. 20 Livro do Tombo da cidade de Orizona de 1945. Pe. Jos Trindade. Parquia de Orizona-GO. 21 UDN, Partido da Unio Democrtica Nacional, Criado em 7 de Abril de 1945 e extinto em 27 de outubro de 1965. Partido criado, principalmente, para fazer oposio a Getlio Vargas e ao Ento partido PSD, ( Partido Social Democrata.
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do Tombo agradecimentos ao senhor Arthur Silva, tambm catlico e dedicado
operrio em todas as atividades da parquia.22
Observa-se que o Pe. Trindade fora citado em ata relatando com
indignao alguns desses desentendimentos descritos de maneira clara nas
atas da Cmara de vereadores na dcada de 1940, pois, o vereador Joel
Andrade, mdico da cidade de Campo Formoso, no cansava de reclamar das
investidas do Cnego Jos Trindade da Fonseca e Silva23 em assuntos
polticos. O cnego tornou-se uma figura poltica eminente no estado de Gois.
Se na regio j tinha uma forte corrente religiosa em sua poltica, com a
chegada do Pe. Trindade, isso foi ainda mais evidente. Por fim suas aes lhe
renderam uma vaga na cmara dos deputados federais pelo estado de Gois
nesse perodo. As reclamaes do vereador Joel Andrade denunciam os
intrometimentos do padre nos assuntos polticos locais achando o vereador que
ele deveria se restringir ao contexto da parquia, como cabia a um verdadeiro
ministro de Jesus.24
Uma disputa de poder evidenciada de forma clara e inflamada, entre
as partes. No perodo da dcada de 1940, quando Campo Formoso j era
Orizona, ainda lutava-se pelo fim da influncia religiosa nos assuntos polticos
do estado. As discusses eram conflagradas de maneira aberta, tanto que
constou em ata, e cabe citar sobre uma dessas passagens escrita pelo ento
vereador Joel de Andrade, o escrito um pouco amplo, mas necessrio para
compreenso do espao abordado,
[...] estando eu em Goinia, fui surpreendido com uma pesarosa notcia do ocorrido em nosso municpio. To logo tive a notcia fui procurar o que havia de anormal, verificado o ocorrido
22 Livro do Tombo da cidade de Orizona de 1945. Pe. Jos Trindade. Arquivo da Parquia de Orizona-GO. 23 Jos Trindade da Fonseca e Silva nasceu na histrica cidade de Jaragu, Estado de Gois, em 07 de junho de 1904, filho de Ernesto Camargo da Fonseca e Ernestina Luiza da Fonseca. Cedo transferiu residncia para a cidade de Corumb de Gois, onde iniciou os seus estudos com o destacado professor AgnelloArllngton Fleury Curado (1891-1966), na poca, iniciante na escola primria local. Estudou no Seminrio Santa Cruz da Cidade de Gois e, mais tarde, no Seminrio Anchieta, da cidade de Bonfim, hoje Silvnia. Ativo e intelectual dedicou-se aos estudos histricos, notadamente da educao. Foi nomeado Secretrio de Estado da Educao de Gois e mais tarde Deputado Federal. Tambm, foi secretrio da Arquidiocese de Goinia. Dirigiu, ainda, o Banco do Estado de Gois e o Conselho Regional dos Servios Sociais e Rurais de Gois, cargos que exerceu com sabedoria e justia. 24 Atas da Cmara de vereadores da cidade de Orizona , ( nessa data a cidade de Campo Formoso j tinha outra nomenclatura, 1948). p. 54.
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cheguei a concluso que tudo fora obra satnica do pe. Jos Trindade [..] deixou de ser surpresa para mim, pois tais fatos s poderiam partir do maquiavelismo do Pe. que em nossa terra s tem trazido desarmonia. Em todo o estado ele conhecido como intranquilizador das massas. Em sua terra natal todos dele querem distncia, em Pires do Rio, sempre foi o agitador, em Gois Velho nunca fez outra coisa, em Anpolis assim procedeu e aqui em nossa Orizona tem sido ele o maior perturbador da ordem pblica. [...] quer ser chefe da igreja e muito mais ainda chefe poltico. Esquece o Padre que o povo no o quer de forma alguma. Ele foi o fantasma que levou dr. Francisco do Nascimento a derrota. Ele colocado em um partido seja ele qual for sombra negrade seus correligionrios pertenceu aos partidos P.S.D., U.D.N., E.D., P.S.P., P.R. s no pertenceu ao comunismo porque esta abertamente contra a religio catlica. Ele quer mandar, entretanto o partido em que consegue penetrar a derrota certa, pois desde 1930 que luta para ser qualquer coisa nesta terra.25
Figura polmica, que no aceitava as solues polticas feitas na poca
sem que participasse das mesmas, o cnego Trindade, tambm tentou deixar
por meio dos seus registro no Livro do Tombo um resumo de vrias pginas, a
histria do incio da formao da cidade Capela dos Correias. So ( re)
inscries das anotaes feitas pelo Pe. Ramiro Meireles. O Cnego realizava
trabalhos no campo da cultura do estado de Gois, e na cidade na sua
parquia ele reformou a matriz central, antiga capela, e as igrejas dos
municpios reivindicando para elas a autonomia pelos seus patrimnios. Eles
trabalham em nome da Igreja e pela Igreja,
A capela de Santa Luzia de Ubatan, hoje Egerineu Teixeira, encontram-la no mais completo desprezo [...] hoje est reconstruda com todo o necessrio para amplo exerccio do culto divino ao lado de um povo bom; a referida capela que at o presente momento no possui patrimnio a no ser a praa onde est edificada.26
Observamos que seu interesse era deixar registros seus, satisfazendo
as suas vaidades, que ficassem na histria de cidade e assim na histria de
Gois. Mas, no devemos entender a intromisso do Pe. Trindade como um
assunto isolado, e nico, pois j no tempo da criao do Conselho de
Intendncia em 1907, houve um acordo entre a administrao do Conselho e a
Igreja de fazer uma sociedade onde construiriam um espao que chamaram de
25 Pronunciamento feito pelo vereador Joel Andrade. Ata da cmara de vereadores da cidade de Orizona em 03 de fevereiro 1948, p. 54-55. 26 Livro do Tombo da cidade de Orizona ano de 1945. Pe. Jos Trindade. Arquivo da parquia de Orizona-GO. p. 20.
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Pasto das Almas. Esse referido lugar era uma espcie de casa de orao onde
o lucro obtido seria dividido entre a Igreja e a administrao da cidade.
[...] pedindo a palavra o conselheiro Pio Jos da Silva, e concedida pelo presidente, foi por aquelle appresentado o projeto para que o denominado Pasto das Almas, sobre o consentimento da competente autoridade eclesistica, fique sobre administrao deste conselho servindo de fonte de renda que ser dividida em partes iguaes, entre o municpio e a Igreja.27
Construindo uma ligao econmica para a arrecadao de errio, a
Igreja Catlica no se restringe simplesmente levar os fiis para a salvao ela
tambm deseja dinheiro. E em ata todos os conselheiros aprovam
unanimemente. Devemos lembrar que nesse perodo ainda no existia a
freguesia, pois ela estava subordinada a cidade Santa Crus de Gois. O
prprio nome de Capela de Nossa Senhora de Campo Formoso um
desdobramento da ao catlica. Assim, Nossa Senhora da Piedade proveio
da devoo de um dos membros da comisso que construiu a capelinha.28
Atualmente os terrenos da cidade ainda fazem parte do patrimnio da
Igreja Catlica, e muitos continuam pertencendo legalmente instituio
Catlica, fazendo com que muitos moradores ainda no possuam as escrituras
das suas casas e as outras propriedades ainda so alugadas aos moradores
do local, segundo o relato do atual padre da cidade, o Pe. Roberto. O mesmo
ocorre com os povoados ao redor da urbe, que tambm
pertenceram/pertencem ao patrimnio eclesistico e foram responsveis por
litgios entre moradores e igreja. O povoado da Cachoeira, por exemplo,
existiram litgios no faz muito tempo, a Igreja queria recuperar as suas terras o
que no ocorreu.
A intensidade da vida religiosa na cidade sempre foi/ notada. Em
qualquer uma das duas situaes a influncia do apostolado era significativa.
Dentre os vrios dogmas e preceitos que deveriam ser seguidos, as doaes
nos chamam ateno, pois, so mencionadas nos sermes, sendo tambm
responsveis pela origem do arraial e as cartas pastorais sempre lembram aos
fiis da importncia impar das contribuies ofertadas pelos mesmos. Eram 27 Ata do Conselho de Intendncia de Campo Formoso 4 sesso de 23 de novembro de 1906. Arquivo da Cmara de vereadores da Cidade de Orizona-GO. 28 Livro do Tombo da cidade de Campo Formoso ano de 1912. Arquivo da parquia de Orizona, p. 10.
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eles que contribuam de boa vontade, para a construo do grande patrimnio
Catlico.
Observamos isso na carta pastoral, que veremos mais adiante, escrita
por D. Prudncio Gomes da Silva, Bispo de Gois em 19 de maio de 1913
endereado a recm inaugurada parquia Campo Formoso vemos o interesse
nas esmolas dadas pelos fiis. A parquia teve como primeiro vigrio
encarregado o Pe. Julio Calsada vigrio da parquia de Santa Cruz de Gois,
que era o responsvel no momento da instalao da freguesia, na data de 31
de agosto de 1912 antes mesmo da prpria criao oficial da Parquia. Por
meio dela temos por objetivo no somente uma descrio, mas para, alm
disso, a sua escrita nos traz pensamentos, determinaes e dogmas que eram
priorizados, na poca.
Vrios Bispos da diocese de Gois, antes de D. Prudncio, faziam parte
do Ultramontanismo, como o Bispo D. Joaquim Gonalves de Azavedo (1865-
1876) e D. Cladio Jos Gonalves Ponce de Leo ( 1880-1890). E mesmo D.
Prudncio Gomes no ter a fora dos seus antecessores mesmo assim, eles
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