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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA EXCLUSÃO DE TIPICIDADE
FORMAL
Suzana FelixTassara
Francis Rajzman
Orientador
Rio de Janeiro
2010
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA EXCLUSÃO DE TIPICIDADE
FORMAL
Apresentação de monografia à Universidade Candido
Mendes como requisito parcial para obtenção do grau
de especialista em Direito Penal e Processual Penal.
Por: Suzana Felix Tassara
AGRADECIMENTO
Agradeço ao meu esposo Nilo e aos meus
filhos Guilherme e Lorenzo que, com
paciência e constante apoio, deram-me todo
o suporte necessário à concretização deste
sonho.
DEDICATÓRIA
Aos colegas de trabalho, companheiros de
curso, assim como aos professores desta
instituição, que tanto me incentivaram nesta
trajetória.
RESUMO
Este estudo objetivou analisar o princípio da insignificância como uma das soluções para imprimir uma maior eficácia ao Jus puniendi estatal, mostrando-se relevante por buscar esclarecer que a Teoria Geral do Delito tem sofrido processos evolutivos na medida em que os operadores do Direito Penal buscam, sem sucesso, adequar os institutos penais às demandas da atual sociedade. Com ampliação do livre acesso ao Poder Judiciário, esta adentra cada vez mais nas portas da Justiça de modo a buscar a tutela penal. Entretanto, em determinados casos, a lesão identificada não justifica a utilização de toda a máquina judiciária penalista para efetivar seu deslinde. Desta forma, o Estado lança mão de posturas outras que não as estabelecidas na letra da lei - ou seja, na tipificação formal – tais como o princípio da insignificância, que ignora a lesão sem repercussão no mundo do direito. Assim, a pesquisa busca apontar que tal princípio decorre da fragmentariedade do Direito penal, em que utilizando esta postura garantista e menos interventora, busca excluir a tipicidade do fato sempre que possível. A pesquisa mostrará que o princípio ainda se encontra pouco utilizado nas primeiras instâncias do Poder Judiciário, sendo observado, no mais das vezes, apenas nas cortes superiores. Assim explanará que esta necessária evolução não se encontra imune a críticas, haja vista que o Direito Penal - pelo efeito drástico que acarreta nas vidas das pessoas - desde sempre, precisou pautar-se em institutos de grande rigidez, difíceis de serem abandonados, como o da segurança jurídica. Por esta razão perquirirá se, no exercício do Jus Puniendi, é preferível ao Estado-juiz deter-se no formalismo da lei penal, de modo a garantir segurança jurídica ou adotar posturas de intervenção mínima.
Palavras-Chave: Princípio da insignificância, Exclusão de tipicidade. Jus Puniendi.
METODOLOGIA
A presente monografia empregará o método teórico, baseado na pesquisa
descritivo/bibliográfica, que consistirá na análise de obra dos autores jurídicos
nacionais, assim como fazendo-se citações à doutrinadores estrangeiros no
curso da explanação.
Para possibilitar a análise proposta, será utilizado o sistema de
fichamento de livros e artigos que tratam do tema do ‘princípio da
insignificância’, assim como consultas aos acervos de bibliotecas jurídicas,
tomando-se o cuidado de creditar as citações aos respectivos autores.
Além disso, serão colhidas informações acerca do tema nas altas cortes
do país, armazenando as informações colhidas tanto em CD’s quanto em pen-
drives.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I - A ATUAL RELEVÂNCIA DO DIREITO DE PUNIR DO ESTADO
1.1 A OUTORGA DO JUS PUNIENDI AO ESTADO.
1.2 As teorias penais acerca da abrangência do Jus Puniendi como resposta ao descrédito do sistema penal.
1.3 Do Direito Penal Mínimo ou Princípio da Intervenção mínima do Estado CAPÍTULO II – Análise da tipicidade material e formal do delito
2.1 Breves apontamentos acerca das teorias da tipificação
2.2 Da Tipicidade do fato delituoso
2.2.1 Da Tipicidade Formal e Material
CAPÍTULO III – O Princípio da Insignificância como fator minimizante dos jus Puniendi
3.1 O surgimento do Princípio da Insignificância no ordenamento jurídico
3.2 Crimes bagatelares próprios e impróprios: diferenciação do instituto com o princípio da irrelevância penal do fato
3.3 A celeuma instaurada em torno do instituto
3.3.1 A interpretação do instituto como falta de interesse de agir do Estado ou de justa causa para a ação penal
3.4 O Princípio da Insignificância na Ordem Jurídica
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
WEBGRAFIA
ÍNDICE
FOLHA DE AVALIAÇÃO
ATIVIDADES CULTURAIS
9
INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende analisar, sem o escopo de esgotar tema de
tamanha abrangência, o princípio da insignificância, traçando algumas
considerações acerca da exclusão da tipicidade formal.
Inicialmente, o estudo se baseará na análise do Ius puniendi do
Estado, apresentando-o como a ultima ratio, face ao caráter fragmentário e
garantista do Direito Penal, demonstrando a importância do princípio da
Intervenção Mínima do Estado.
Tal pesquisa se mostra necessária, pois questionará se no exercício do
Ius Puniendi, é preferível ao Estado-juiz deter-se no formalismo da lei penal, de
modo a garantir segurança jurídica ou adotar posturas de mínima intervenção,
observando institutos garantistas que adentraram o Ordenamento Jurídico sob
o cunho principiológico e jurisprudencial, tais como o Princípio da
insignificância.
O presente estudo também se mostra relevante por buscar esclarecer
que a Teoria Geral do Delito tem sofrido processos evolutivos na medida em
que os operadores do Direito Penal buscam, sem sucesso, adequar os
institutos penais às demandas da atual sociedade.
Assim como, por explanar que esta necessária evolução não se encontra
imune a críticas, haja vista que o Direito Penal - pelo efeito drástico que
acarreta nas vidas das pessoas - desde sempre, precisou pautar-se em
institutos de grande rigidez, difíceis de serem abandonados, como o da
segurança jurídica.
O estudo apontará que tal princípio ainda se encontra pouco utilizado nas
primeiras instâncias do Poder Judiciário, sendo observado, no mais das vezes,
apenas nas cortes superiores, caracterizando a rigidez acima apontada.
No primeiro capítulo, o estudo se baseará na análise do Ius puniendi do
Estado, apresentando-o como a ultima ratio, face ao caráter fragmentário e
10 garantista do Direito Penal, demonstrando a importância do princípio da
Intervenção Mínima do Estado.
Em seguida, far-se-á um breve apontamento acerca da Teoria Geral do
Crime, identificando os elementos que o informam, mas precisamente na
tipicidade, tanto formal quanto material.
Por último, será demonstrado como o princípio da insignificância entrou
no ordenamento jurídico e sua natureza jurídica, assim a celeuma estabelecida
em torno deste instituto. Além disso, comparar-se-á o Princípio da
Insignificância com institutos similares, tais como o Princípio da irrelevância
penal do fato.
O desejado ao longo do estudo é perquirir se o instituto pode ser
admitido em um Estado Democrático de Direito, ou se trata de “supressão de
direitos duramente conquistados”.
Assim como, se aludido princípio fundamenta-se na exclusão da
tipicidade penal formal, na falta de interesse de agir do Estado, ou ainda, na
ausência de justa causa para ação penal como apontam determinados juristas.
11
CAPÍTULO 1
A ATUAL RELEVÂNCIA DO DIREITO DE PUNIR DO
ESTADO
1.1 A outorga do Jus puniendi ao Estado.
Para se compreender o tema proposto no presente trabalho - que versa
sobre o Princípio da Insignificância traçando algumas considerações acerca da
exclusão da tipicidade formal, há que se deter, inicialmente, na idéia do Jus
persequendi et Puniendi, onde a sociedade entrega ao Estado o direito de
perseguir e punir os crimes na defesa do bem da vida de cada ser humano.
Tal outorga se deu paulatinamente com a necessidade de sobrevivência
de um corpo social, pois na história do Direito pôde se verificar que, desde a pré-
civilidade, a humanidade se depara com a dificuldade de compor seus conflitos.
Isto porque, na medida em que o homem esboça naturalmente sua
defesa própria em relação a algo que entende suprimir seu bem da vida - o que
denominou-se “auto-tutela” – busca implementar uma espécie de direito,
baseado em valores puramente individuais.
Ainda embrionária, a sociedade se deparou com o que se convencionou
chamar “estado de guerra”, em que o homem passou a ser o lobo do próprio
homem, haja vista cada indivíduo apresentar seu instinto agressivo ao
confrontar-se com a resistência dos demais.
Esse viver agressivo, onde o homem lançava mão desta auto-tutela,
revelou o que Duarte (DUARTE, 1990) denomina societas criminis, que a seu
ver, promoveu o nascimento do direito penal na sociedade.
12
Thomas Hobbes (2008, p. 102), constata o citado estado de guerra
quando afirma que: “enquanto cada homem detiver seu direito de fazer tudo o
quanto queira, a condição de guerra será constante para todos”.
Por esta razão, conforme se verificava a evolução humana, para garantir
sobrevivência do corpo social, abraçou-se a premissa de que o interesse privado
não poderia sobrepujar o interesse público.
Baseada nesta idéia, a sociedade, ao invés de “fazer justiça com as
próprias mãos”, entregou ao Estado o direito de perseguir e punir aqueles que
lesassem a ordem estabelecida.
Desta forma, segundo o modelo social adotado, cada um deveria abrir
mão de uma porção de sua liberdade de modo a depositar naquilo que Cesare
Beccaria (2006, p. 23) denominou como “repositório público”, local onde se
manteriam intactas a liberdades tuteladas pelo Estado, de forma que somente
este poderia persegui-la.
O Estado, assumindo suas funções – dentre as preconizadas por
Montesquieu na “Teoria da tripartição dos poderes” – de forma legítima e
soberana, emite-se no direito de perseguir e punir (jus persequendi et puniendi)
aquele que porventura venha a cometer ato ilícito, ou seja, aquele que macula a
norma penal legalmente estabelecida.
Beccaria (2006, p. 21) corrobora afirmando que tal infrator da norma “não
só fica com a porção que lhe cabe, como também tenta apoderar-se da dos
outros”.
Nesta instituída perseguição, o Estado lança mão de vários instrumentos
de modo alcançar a paz social, seja criando normas penais abstratas ou
mediante o atuar jurisdicional no caso concreto para limitar as liberdades.
No exercício de limitação das liberdades, o Estado recebeu da sociedade
todos os elementos de modo a possibilitar o exercício da coação de forma
13 operacional, entretanto, esta somente pode exercida por norma legitimamente
constituída.
Pelo entendimento de Roberto Lyra (1958, p. 12), por esta razão, as
primeiras leis que surgiram nas sociedades primitivas foram penais.
Verificou-se que somente a lei tem o condão de determinar a privação de
liberdade, caso contrário, estas estariam cerceadas, pois, as normas limitadoras
são exceções à regra geral da liberdade individual.
Assim, entende-se que, ao conferir ao Estado a soberania para ser o
legítimo administrador da sociedade e permitir a criação de leis penais, buscou-
se aumentar o fator segurança social, conforme se pode notar abaixo, na
afirmação do filósofo italiano:
(...) As leis são condições sob as quais homens
independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados
de viver em contínuo estado de guerra e de gozar de uma
liberdade inútil, pois não tinham certeza de que podiam
conservá-la. Sacrificou-se parte dessa liberdade para poder-
se gozar o restante com segurança e tranqüilidade.
(BECCARIA, 2006, p. 21)
Criada de modo a manter o Estado Democrático de Direito, a lei é a forma
de organização humana através da qual o homem tenta usufruir uma maior
segurança social. Por esta razão, Frederico Marques afirma abaixo que:
(...) O direito de punir é “o direito que tem o Estado de
aplicar a pena cominada no preceito secundário da norma
penal incriminadora, contra quem praticou a ação ou
omissão descrita no preceito primário causando um dano
ou lesão jurídica, de maneira reprovável” (Marques,
Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, vol. I,
p. 3).
14
Assim, a lei penal foi instituída para garantir a manutenção ao Direito de
Liberdade, mantendo a prevenção geral a bens e interesses da sociedade e
cabe ao Estado exercer a perseguição e punição exemplar do infrator, de modo
a evitar o caos.
1.2 As teorias penais acerca da abrangência do Jus Puniendi
como resposta ao descrédito do sistema penal.
Após a breve explanação acima da criação do Direito de Punir do Estado,
importa ressaltar que, não obstante a garantia impressa pela positivação da
norma estabelecedora do regramento social - que confere maior segurança
jurídica e, conseqüentemente, a manutenção do corpo social - eis que o
exercício do Jus Puniendi sem a observância de princípios que garantam a
dignidade da pessoa humana torna-se inócuo.
Isto porque hoje verifica- se um descrédito de toda a sistemática penal,
pois, embora o Estado tente exercer o direito de perseguir e punir o infrator da
norma, de modo algum se constata a diminuição da criminalidade, nem tão
pouco a ressocialização do infrator, que, por hipótese, deveria retornar ao seio
social após a quitação de sua dívida com a sociedade.
Ademais porque o atual discurso penal mostra-se imediatista, sem
qualquer compromisso com a manutenção da ordem social, senão com a
momentânea e ilusória contenção dos delitos.
Isto porque, hodiernamente, busca-se responder o anseio da sociedade
com a proposta midiática, na qual o Jus puniendi deve ser imediato e explícito,
dando à sociedade a sensação de que há, de fato, um controle estatal das
variadas condutas típicas humanas.
15
A sociedade – inclua-se aqui, parte da inteligência jurídica - com a ajuda
da mídia, busca difundir a idéia da erradicação das práticas criminosas através
de soluções tais como o aumento das hipóteses típicas ou da penas, ou ainda, a
diminuição da maioridade penal, em um esforço de amedrontar os possíveis
violadores da norma penal.
Esta corrente acredita que se eliminem os problemas sociais através de
um agir penal mais rigoroso.
A contrário senso, insta salientar que no que tange o comportamento do
Direito Penal há outra vertente ideológica que aponta pelo chamado
abolicionismo do Direito Penal, sobre o qual Rogério Greco (GRECO, 2008),
parafraseando Nilo Batista, Zaffaronni, Alagia e Slokar, afirma:
(...) O abolicionismo é um movimento impulsionado por
autores do norte da Europa, embora com considerável
repercussão no Canadá, Estados Unidos e na América
Latina. Partindo da deslegitimação do poder punitivo e de sua
capacidade para resolver conflitos, postula o
desaparecimento do sistema penal e sua substituição por
modelos de solução de conflitos alternativos,
preferencialmente informais. Seus mentores partem de
diversas bases ideológicas, podendo ser assinalada de modo
prevalentemente a fenomenológica, de Louk Hulsman, a
marxista, da primeira fase de Thomas Mathiesen, a
fenomenológico-histórica de Nills Christie e, embora não
tenha formalmente integrado o movimento, não parece
temerário incluir neste a estruturalista, de Michel Foucault.
(BATISTA, Nilo; ZAFARONNI, Eugenio Raul; ALAGIA,
Alejandro; SLOKAR, Alejandro apud GREGO, Rogério, 2008,
p. 2)
16
Tal pensamento, contrapondo-se à falta da efetividade do sistema penal,
baseia-se no princípio da dignidade humana e aponta a prisão como um
instrumento absolutamente irracional, devendo ser aplicada alternativa outra que
não a aplicação do Direito penal como método hábil para imprimir um juízo de
censura ao eventual infrator. Isto se verifica no apontamento de Douglas Dias
Torres, abaixo:
(...) Caracterizada está a falência da intervenção estatal nas
relações sociais no que toca a aplicação da pena já que a
pena de prisão é incapaz de reinserir o condenado na
sociedade. (...) O Direito Penal direcionou-se no sentido da
despenalização. (TORRES, 2003)
Isto porque, segundo o autor acima, a atividade incriminadora “manifesta-
se através de uma legislação claramente simbólica, sem qualquer possibilidade
de aplicação útil, vindo a chocar-se com a tendência que propõe um Direito
Penal mínimo”. (TORRES, 2003)
Da mesma forma, isto se pode verificar nos dizeres de Evandro Lins e
Silva, que são lembrados abaixo por Denival Francisco da Silva:
(...) A pena de prisão , ninguém mais contesta, é um remédio
opressivo e violento, de conseqüências devastadoras sobre a
personalidade, e só deve ser aplicada, 'ultima ratio', aos
reconhecidamente perigosos. É iniludível que o
encarceramento do homem não o melhora, nem o aperfeiçoa,
nem corrige a falta cometida, nem o recupera para o retorno à
vida da sociedade que ele perturbou com a sua conduta
delituosa. (...) Citando o não menos ilustre Heleno Fragoso,
o notável mestre finaliza: "como instituição total a prisão
necessariamente deforma a personalidade, ajustando-a à
subcultura prisional (prisionização)... o problema da prisão é a
17
própria prisão". (SILVA, Evandro Lins apud Silva, Denival
Francisco da. 2000).
Entretanto, embora esta corrente jurídica entenda que não se possa
utilizar o Estado Penal em substituição ao Estado social e que em um Estado
Democrático de Direito deva-se consagrar a dignidade da pessoa humana, o
abolicionismo não responde pelas infrações mais graves, cuja brandura da pena
nada mais faz que colocar em “xeque” a tutela estatal, duramente laborada na
evolução contratualista social.
Por sua vez, Rogério Grecco (GRECCO, 2008) destaca da obra de
Cesare Beccaria que a intenção penal deve ser assertiva:
(...) Para que a pena não seja uma violência de um ou de
muitos contra um cidadão privado, deve ser
essencialmente pública, eficaz e necessária, a mínima das
possíveis nas circunstâncias dadas, proporcionada aos
crimes, ditada pelas leis. (BECCARIA apud GRECO,
Rogério, 2008, p. 1).
Assim, de modo a diminuir o rigor penal e garantir a eficácia do Ius
Puniendi, é que esta parte da doutrina aponta o abolicionismo como resposta à
crise instalada no sistema penal.
Segundo nas teorias penais tendentes a solucionar o atual descrédito da
sistemática penalista, por outro extremo, aponta-se o discurso de “Lei e Ordem”
pautada no Direito penal máximo – que acredita que o direito penal é a solução
de todas as mazelas que afligem a sociedade – cujo escopo baseia a política da
“tolerância zero”.
O raciocínio desta corrente pode ser melhor entendido na descrição
abaixo do magistério de Rogério Greco:
18
(...) A política da “Tolerância zero” é uma das vertentes do
chamado movimento de Lei e ordem. Por intermédio deste
movimento político-criminal, pretende-se que o direito
penal seja o protetor de, basicamente, todos os bens
existentes na sociedade, não se devendo perquirir a
respeito de sua importância. Se um bem jurídico é
atingido por um comportamento anti-social, tal conduta
poderá transformar-se em uma infração penal, bastando
para tanto, a vontade do legislador. (GRECCO, Rogerio,
2008, p. 14)
Continuando em sua lição, Greco afirma que os adeptos deste movimento
“entendem que todos os comportamentos desviados, independentemente do
grau de importância que se dê a eles, merecem o juízo da censura a ser levado
a efeito pelo Direito Penal”. (GRECO, 2008, p. 16)
Esta abordagem traduz a intervenção máxima do Estado, jus puniendi ao
extremo, ao qual também perfilha a doutrina do Direito Penal do inimigo, da lavra
de Gunter Jackobs, na segunda metade da década de 1990.
Neste escopo, o direito penal ramifica-se em Direito penal do cidadão e
Direito penal do inimigo, onde ao primeiro resguarda-se todo o arcabouço
garantista, posto que trata do delinqüente comum.
Já no segundo, este não gozaria de nenhum dos direitos fundamentais,
posto que os agentes não mais seriam considerados cidadãos, antes, “inimigos
do Estado”.
Embora o tema encontre grande relevância, basta por hora entender que
os destinatários deste tratamento seriam os agentes considerados mais
perigosos à sociedade tais como terroristas, os pertencentes à organizações
criminosas, dentre outros.
Segundo Jackobs, para estes, “a punibilidade se adianta um grande
trecho, até o âmbito da preparação, e a pena dirige-se a assegurar fatos futuros,
19 não à sanção de fatos cometidos”. (JACKOBS apud GRECCO, Rogério, 2008, p.
18).
Este teórico alemão afirma que a “insistência em delinqüir remete o
agente ao estado natural antes do estado de direito – sem o império da norma -
portanto não detém o privilégio de ser tratado com pessoa de direito”.
(JACKOBS apud GRECCO, Rogério, 2008, p. 18).
Neste escopo, a lição de Jésus-Maria Silva Sanchez, na doutrina da
“expansão do Direito penal”, afirma que a teoria de Jackobs é de terceira
velocidade, como se observa abaixo nas palavras de Rogério Greco:
(...) A primeira velocidade seria aquela tradicional do
Direito Penal, que tem por fim último a aplicação de uma
pena privativa de liberdade. Nessa hipótese, como está
em jogo a liberdade do cidadão, devem ser observadas
todas as regras garantistas, sejam elas penais ou
processuais penais. (...) Numa segunda velocidade, temos
o direito penal à aplicação de penas não privativas de
liberdade, a exemplo do que ocorre no Brasil com os
Juizados Especiais Criminais, cuja finalidade, de acordo
com o art. 62 da Lei nº 9.099/95 é precipuamente, a
aplicação de penas que importem na privação de
liberdade do cidadão, devendo, pois, ser priorizadas as
penas restritivas de direitos e a pena de multa. Nessa
segunda velocidade do Direito penal, poderiam ser
afastadas algumas garantias, com o escopo de agilizar a
aplicação da lei penal. (...) Embora ainda com certa
resistência, tem-se procurado entender o Direito Penal do
Inimigo como uma terceira velocidade. Seria, portanto,
uma velocidade híbrida, ou seja, com a finalidade de
aplicar penas privativas de liberdade (primeira
velocidade), com uma minimização das garantias
necessárias a esse fim (segunda velocidade). (GRECO,
2008, p. 19 e 20)
20
Não obstante tais teorias buscarem uma resposta para a manutenção do
corpo social, os dois extremos se mostram lacunosos quanto à apresentação de
soluções eficazes, de modo que atualmente aponta-se uma outra ramificação
para delimitar o comportamento de toda a sistemática penal.
Trata-se da Teoria do Direito Penal Mínimo, como se verá mais
detalhadamente nas linhas abaixo.
1.3 Do Direito Penal Mínimo ou Princípio da Intervenção mínima
do Estado
De modo a diminuir o rigor penal e garantir a eficácia do Ius Puniendi, a
doutrina aponta o Direito Penal Mínimo, como se verá a seguir, sendo certo que
este se pauta na teoria garantista, que apregoa que o legislador deve observar a
aplicação dos direitos humanos na elaboração das leis.
A proposta da teoria do Direito Penal Mínimo ou Princípio da Intervenção
Mínima é baseada em uma redução ao mínimo possível dos elementos estatais,
onde estes somente se justificarão quando da necessidade absoluta que
justifique a proteção dos bens mais relevantes para a sociedade.
Suas premissas apontam que o Direito Penal deve ocupar-se de condutas
de cunho mais gravoso e que gere um perigo lesivo maior.
O Princípio da Intervenção Mínima se mostra corolário do caráter
fragmentário do Direito Penal, haja vista despreocupar-se com a conduta
minimamente lesiva, somente a ela se reportando se outros ramos do Direito
não o fizerem, determinando que o Direito Penal deva ser a 'ultima ratio', ou
seja, a última instância formal de controle da sociedade, que limite e oriente o
Jus Puniendi do Estado.
21
Segundo tal entendimento, nem todo bem jurídico merece a tutela do
Direito penal, que somente deve atuar quando os demais ramos do Direito forem
insuficientes para estabelecer o deslinde desejável para cada caso, restando ao
Estado penal preciosos recursos para debruçar-se sobre os casos mais vitais
para a sociedade.
Desta forma, verificada está a postura hodierna no Direito Penal, baseada
em sua visão fragmentária, subsidiária e garantista, primando por uma
intervenção mínima do Estado.
Assim, o Direito penal somente intervirá se observada a ausência, a falha
ou a insuficiência dos outros ramos do ordenamento jurídico, devendo ser o
último recurso, ou seja, de utilização subsidiária, de caráter excepcional,
adequado à conduta e apto a proteger apenas aqueles bens considerados
indispensáveis à vida em sociedade, tais como o patrimônio, a honra e,
principalmente, o direito à vida e a liberdade.
Tendo-se explanado acerca do Jus puniendi e suas limitações, assim
como as teorias tendentes a solucionar a crise estabelecida no sistema penal,
no seguinte capítulo, passa-se à análise da teoria do fato típico, de modo a criar
um cenário para que o leitor compreenda o princípio da insignificância como um
corolário da postura da intervenção mínima do Estado.
22
CAPÍTULO 2
A ANÁLISE DA TIPICIDADE MATERIAL E FORMAL DO DELITO
2.1 Breves apontamentos acerca das teorias da tipificação
Como se pôde verificar, diante da constatação realizada no capítulo
anterior acerca das limitações e fragilidades do Jus puniendi na tutela dos bens
da vida, o estudo apontou para um direito penal de ultima ratio como solução da
crise penal hoje instalada, determinando sua efetiva subsidiariedade, de modo
que este ramo do direito limite sua atuação ao comando de outros do
ordenamento jurídico.
Para um claro entendimento da proposta do presente estudo e efetiva
inserção do princípio da insignificância no ordenamento penal, é mister que se
elucide a forma como a teoria da tipificação penal evoluiu ao longo dos anos.
Desta forma, inicialmente, busca-se na historicidade da tipicidade penal
delimitar os vários entendimentos acerca da conduta lesiva humana e o modo de
interpretação das diversas escolas penalistas.
Segundo o magistério de Luiz Flávio Gomes (GOMES, 2005) - com quem
se passa a travar um diálogo para esse fim - pode-se dividir a evolução da teoria
penal em cinco fases distintas, a saber, o ‘causalismo’, o ‘neokantismo’, o
‘finalismo’, o ‘funcionalismo’, e por último, o constitucionalismo, conforme se
verifica abaixo.
As lições do autor acima mostram que a primeira fase, do causalismo,
esteve compreendida entre o final do século XIX e começo do século XX, sendo
capitaneada por autores como Von Liszt, Beling e perfilhada por Nelson Hungria,
23 Magalhães Noronha, Pietro Nervolone, que, guardavam uma concepção
puramente objetiva ou formal do tipo penal.
Segundo Beling, a tipicidade seria requisito neutro, onde, nos casos de
crimes materiais, para haver fato típico deveria exigir-se: uma conduta; um
resultado naturalístico e um nexo de causalidade adequação típica.
Nota-se claramente que o tipo penal nesta fase era puramente formal-
objetivo. O eixo do tipo penal residia na mera causação, assim, para se concluir
pela tipicidade da conduta, bastava meramente identificar-se o nexo de
causalidade entre a conduta e o resultado.
Tal concepção permitia a adoção da teoria da equivalência dos
antecedentes causais, conditio sine qua non, em que tudo que concorre para o
resultado é causa do resultado.
Notou-se, nesta vertente, a premissa do regressus ad infinitum, onde
somente se esquivava da persecução estatal aquele que provasse a ausência
de dolo ou culpa em sua conduta (observa-se que, nesta fase, estes elementos
pertenciam à culpabilidade, que, por sua vez, integrava o conceito de crime).
A segunda fase verificada foi o Neokantismo, perfilhado, dentre outros
pensadores, por Max Ernst Mayer, Gustav Radbruch, Carl Sauer e Mezger,
cujas premissas abriram severas críticas acerca da neutralidade da tipicidade.
Para os pensadores acima apontados, o tipo penal descreve uma conduta
valorada negativamente pelo legislador e não uma conduta neutra, dando uma
ênfase objetivo-valorativa ao tipo penal.
Não obstante tal distinção, segundo Luiz Flávio Gomes (2005), “no que
concerne à estrutura formal (ou objetiva) da tipicidade pouco se alterou:
continuou sendo concebida preponderantemente como objetiva”.
Segundo tal autor, a tipicidade penal para o neokantismo é objetiva e
valorativa. O lado subjetivo da tipicidade só viria a ser admitido anos depois com
o advento do Finalismo.
24
A terceira fase, denominada Finalista, adveio da teoria da tipificação penal
de Hans Welzel, datada entre 1945 e a década de sessenta do século passado,
aponta para duas dimensões do tipo penal, a saber, dimensões objetiva e
subjetiva.
Esta última integrada pelo dolo ou culpa. Nota-se claramente, nesta fase,
que tanto o dolo quanto a culpa foram retirados da culpabilidade e incluídos no
bojo da tipicidade.
Luis Flávio Gomes afirma que se passou a ter “grande relevância o
desvalor da conduta (finalista)”, não sendo necessário perquirir a culpabilidade
para se afastar a sua responsabilidade, resolvendo-se satisfatoriamente a
questão no próprio âmbito da tipicidade.
Para tal teoria, ‘seria mais relevante para o crime o desvalor da conduta
ao desvalor do resultado’.
Gomes continua seu magistério afirmando que:
(...) A colocação do dolo e da culpa dentro da tipicidade
foi extremamente acertada. Resolveu problemas
importantes na esfera da tentativa, da participação etc..
Aliás, na tentativa, jamais saberemos qual é o delito
(tentado) sem ter ciência da parte subjetiva do agente.
Era, de qualquer modo, equivocado conceber a culpa
(imprudência, negligência ou imperícia) como requisito
subjetivo do delito. A culpa é normativa (porque depende
de juízo de valor do juiz), não subjetiva (leia-se: ela não
está na cabeça do agente). Foi um erro de Welzel admitir
a culpa como aspecto subjetivo do tipo. (GOMES, 2005)
Na quarta fase, no Funcionalismo, o tipo penal passou a ter configuração
bem distinta, onde as categorias do delito acham-se em função da finalidade da
pena, “sobretudo o teleológico-racional de Roxin, para quem a tipificação penal
25 baseava-se em uma tríplice dimensão: sob o aspecto objetivo; normativo e
subjetivo” (GOMES, 2005)
A quinta etapa, chamada de teoria constitucionalista do tipo penal
pressupõe a integração entre o Direito penal e a Constituição.
Segundo Luiz Flávio Gomes, nesta concepção constitucionalista, o delito
deve ser concretamente ofensivo ao bem jurídico protegido, posto que baseia-se
na máxima nullum crimen sine iniuria, devendo-se analisar o aspecto material do
delito, como ofensa ao bem jurídico.
Assim, “crime, portanto, nada mais é que uma ofensa grave e intolerável a
um bem jurídico relevante protegido pela lei”. (GOMES, 2005).
Partindo desse prisma, retoma-se ao princípio do direito penal mínimo,
anteriormente apontado, que determina que o crime deve ser grave e não
tolerável e o bem jurídico de relevância para o Estado aja.
Segundo tal teoria, Gomes continua:
(...) Ao lado dos clássicos princípios do Direito penal
(legalidade, culpabilidade, responsabilidade subjetiva
etc.), dois novos passaram a ocupar relevante espaço:
princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos e
princípio da ofensividade, que é chamado por Zaffaroni e
Ferrajoli, dentre outros, de princípio da lesividade.
(GOMES, 2005)
Diante do que se expôs, abaixo se passa a enumerar as diversas fases
da teoria da tipicidade penal:
26
(Figura 1)
AS CINCO FASES DA TEORIA DA TIPICIDADE PENAL
DENOMINAÇÃO EXPOENTES CARACTERISTICAS
1 Causalista Von Liszt, Beling, Nelson Hungria, Magalhães Noronha e Pietro Nervolone
Concepção puramente objetiva ou formal do tipo penal, bastando uma conduta, um resultado naturalístico e um nexo de causalidade.
2 Neokantista Ernst Mayer, Gustav Radbruch, Carl Sauer e Edmund Mezger.
Críticas severas críticas à acerca da neutralidade da tipicidade. Ênfase objetivo-valorativa ao tipo penal.
3 Finalista Hans Welzel Tanto o dolo quanto a culpa foram retirados da culpabilidade e incluídos no bojo da tipicidade. Imprimiu maior relevância para o desvalor da conduta que ao desvalor do resultado’.
4 Funcionalista Claus Roxin Tipiticação penal baseava-se em uma tríplice dimensão: sob o aspecto objetivo; normativo e subjetivo. As categorias do crime - tipicidade, antijuridicidade e responsabilidade devem ser interpretadas de acordo com a política de intervenção mínima. Teoria da Imputação objetiva.
5 Constitucionalista Eugenio Raul Zaffaroni e Luiz Flávio Gomes
A tipicidade divide-se em: tipicidade formal ou objetiva; tipicidade material (Juízo de desaprovação da conduta; Resultado jurídico ou princípio da Ofensividade (lesão ou perigo concreto de lesão a bem jurídico relevante) e Imputação objetiva do resultado (leia-se: o resultado tem que ter nexo direto com o risco proibido criado) e tipicidade subjetiva.
Fonte: GOMES, Luiz Flávio. Artigo: Evolução da Teoria da Tipicidade Penal, 2005. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=200506 06124155299&mode=print.> Acesso em 02 jan 2010.
Em relação às últimas teorias apontadas, importa salientar que pela
concepção de Claus Roxin, o Direito Penal deve ser humanizado através de
uma política criminal.
No escopo do funcionalismo, Flávio Cardoso Pereira afirma a proteção
dos bens jurídicos como meta do Direito Penal.
Já no aspecto da teoria constitucionalista, autores como José Henrique
Pierangelli fixam no conceito da tipicidade conglobante preconizada por
Zaffaroni, em que “o que está permitido ou fomentado ou determinado por uma
norma não pode estar proibido por outra”.
Em relação à teoria acima aludida, Luiz Flávio Gomes, afirma que:
27
(...) O juízo de tipicidade deve ser concretizado de acordo
com o sistema normativo considerado em sua globalidade.
Se uma norma permite, fomenta ou determina uma
conduta, o que está permitido, fomentado ou determinado
por uma norma não pode estar proibido por outra.
Já Capez entende que “o nome conglobante decorre da necessidade de
que a conduta seja contrária ao ordenamento jurídico em geral (conglobado) e
não apenas ao ordenamentos penal”.
Pelo acima disposto, entende-se haver preparado terreno para
demonstração do que vem a ser tipicidade formal e material, de modo a verificar
o princípio da insignificância como uma materialização da política da intervenção
mínima.
2.2 Da Tipicidade do fato delituoso
Buscando atingir o escopo desejado na atual pesquisa, que é apresentar
o princípio da insignificância como causa de exclusão da tipicidade – no sentido
de uma limitação do jus puniendi - é necessário esclarecer o que seja a
tipificação de uma conduta.
Tipificar é o mesmo que tornar uma conduta humana lesiva em um crime,
descrevendo-a com precisão e atribuindo a esta uma pena.
Esta tarefa, entretanto, não é simples, porquanto decorre do comando
constitucional da obrigatoriedade de se definir crime para o exercício do Ius
puniendi, pois, como se verifica no inciso II do artigo 5° da Constituição Federal
de 1988: “Ninguém é obrigado a fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
28
Ademais, o § 16 do artigo 153 da CRFB/88 determina que “a instrução
criminal será contraditória, observada a lei anterior, no relativo ao crime e à
pena, salvo quando agravar a situação do réu”.
Assim, a doutrina enfrenta a tarefa constitucional de determinar formal e
materialmente o que é um tipo penal, o que faz classificando-o em tipo formal e
tipo material.
2.2.1 A Tipicidade Formal e Material
A corrente doutrinária clássica entende a tipicidade formal como a
adequação do fato social praticado pelo ser humano com a norma penal
estabelecida abstratamente.
Barros (BARROS, 2008) neste sentido explicita em seus apontamentos o
dizer de Damásio E. de Jesus: “a tipicidade é a correspondência entre o fato
praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei
penal incriminadora.”
Luiz Carlos Machado (MACHADO, 2009, p.8) por sua vez, afirma que o
conceito formal “pode ser, sem ofensa à realidade, reduzido a uma igualdade
quase que poética: o crime é o crime”.
Embora parte da doutrina especializada no tema entenda que o tipo
formal se confunde com a realização do princípio da legalidade, Luiz Carlos
Machado (MACHADO, 2009, p. 35) aponta a conceituação de BELING, que
afirma: “o tipo é a imagem reitora (leit-bild) à qual se deve ajustar a conduta para
se constituir em crime”.
O tipo formal deve ser o mais claro possível, objetivo e certo; por isso,
utilizando os ensinamentos de Luiz Carlos Machado, passa-se a brevemente
esclarecer sua estrutura.
29
Inicialmente informa-se que o Código Penal Brasileiro adota a Teoria
Finalista, nas linhas anteriores apontada, onde “a vontade que a ação porta é
uma vontade final”, restando clara a adoção da idéia do dolo e da culpa.
Ao referir-se ao crime, o Digesto Penal Brasileiro, o faz sob seu conceito
formal que informa que “apenas este pode ser doloso ou culposo, já que a
inconformidade da conduta com relação ao direito é mera constatação da
composição do tipo” (MACHADO, 2009, pp. 44 e 45).
O que importa para a devida aplicação do Jus puniendi é a certeza do
conteúdo e a garantia da aplicação da pena, pois como afirma Beccaria, “a
certeza de um castigo, mesmo moderado, sempre causará mais intensa
impressão do que o temos de outro mais severo, unido à esperança da
impunidade”. (BECCARIA, 2004, p. 87).
Para isso, abaixo se expõe as diversas e necessárias classificações do
tipo formal, resultadas da fusão de entendimentos jurídicos variados.
Segundo Machado, pode-se dividir as espécies de tipo formal mediante
sua construção histórica, sua ação (ou conduta), sua vinculação, sua
intensidade, sua construção técnica, quanto ao seu sujeito ativo, dentre outras.
(MACHADO, 2009, pp. 44 e 45).
Quanto à sua construção histórica: divide-se em normal e anormal, sendo
que a primeira apenas verifica os elementos objetivos sem sua valoração e a
segunda, anormal, portaria elementos normativos ou subjetivos.
Quanto à sua ação: pode se subdividir em comissivo (ou de ação),
omissivo (não ação), comissivo por omissão (também chamado de omissivo
impróprio) e omissivo por comissão.
O primeiro, quando o agente perfaz a descrição penal com sua ação; o
segundo, quando a ‘não ação’ do agente encerrar a descrição penal; o terceiro -
segundo Machado, “o tipo que caracteriza a ofensa a preceito proibitivo através
30 da omissão do agente”; o último, quando o agente impede o garantidor do bem
jurídico de agir.
Quanto à sua vinculação: pode ser de mera conduta ou de resultado. O
primeiro, o ato modifica o mundo exterior, quanto ao de resultado, é o resultado
atingido é o jurídico.
Quanto à intensidade ‘com que atinge o bem jurídico’: pode ser de lesão
ou de perigo. O primeiro, quando lesiona diretamente o bem jurídico.
O segundo, que pode ser subdividido em concreto ou real, quando o tipo
só se aperfeiçoa se houver comprovação do perigo; e em abstrato, quando a
presunção do perigo é juris et juris.
Quanto à sua construção técnica: pode ser simples, composto ou
alternativo.
O primeiro apresenta-se com uma única ação; o segundo, quando agrega
outras situações a uma já existente.
Já o alternativo, é o crime que apresenta várias opções de conduta e uma
delas realiza o tipo.
Quanto ao seu conteúdo: o tipo pode-se apresentar como completo ou
‘em branco’. O primeiro tem todos os elementos para realizar sua configuração.
O segundo solicita um preenchimento de preceito para sua configuração.
Quanto ao sujeito ativo: diz respeito ao agente que pratica a ação. Pode
ser comum (sujeito ativo não apresenta especificação), de mão própria (apenas
um agente específico pode praticar a ação para se configurar o tipo) ou especial,
quando exige que o agente tenha uma especificação própria.
Tal classificação poderá ser melhor visualizada no quadro que segue:
31
(Figura 2)
A SUBDIVISÃO DAS ESPÉCIES DO TIPO FORMAL
ESPÉCIES SUBDIVISÕES CARACTERÍSTICAS
Construção histórica
Normal Porta apenas os elementos objetivos
Anormal Porta elementos normativos ou subjetivos. Ação Comissivo (ou de
ação) Agente perfaz a descrição penal com sua ação
Omissivo (não ação) A ‘não ação’ do agente encerra a descrição penal Comissivo por omissão
O tipo que caracteriza a ofensa a preceito proibitivo através da omissão do agente
Omissivo por comissão O agente impede o garantidor do bem jurídico de agir.
Vinculação Mera conduta O ato modifica o mundo exterior Resultado O resultado atingido é o jurídico.
Intensidade Lesão Lesiona diretamente o bem jurídico.
Perigo Concreto Tipo só se aperfeiçoa se houver comprovação do perigo
Abstrato Presunção do perigo é juris et juris. Construção técnica
Simples Apresenta-se com uma única ação Composto Agrega outras situações a uma já existente Alternativo O crime que apresenta várias opções de conduta e uma delas realiza o
tipo Sujeito ativo Comum O sujeito ativo não apresenta especificação.
De mão própria Apenas agente específico pode praticar a ação para se configurar o tipo. Especial O agente possui uma especificação própria.
Conteúdo Completo Possui todos os elementos para realizar sua configuração. Em branco Solicita um preenchimento de preceito para sua configuração.
Fonte: MACHADO, Luiz Alberto. Uma visão material do tipo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 51 a 54.
Entendendo-se haver esclarecido o aspecto formal do tipo penal, passa-
se a versar sobre o tipo penal explorando o seu conceito material.
A tipificação de uma conduta implica na declaração de que aquele que
violou a ordem legalmente estabelecida deva receber exemplarmente uma
sanção. Isto porque a conduta lesiva é considerada um desvalor, ou seja, uma
ofensa ao que está inserido no mundo jurídico, uma anti-normatividade.
Tal anti-normatividade dá ensejo à reação do Direito, como se verifica no
dizer de Luiz Alberto Machado abaixo:
(...) Em todo o ramo do direito a violação à norma traz,
como conseqüência imediata, a imposição da sanção ou
da possibilidade de. A anti-normatividade é que
32
fundamenta e origina a reação do direito, salvo se este,
por outra norma, permitiu ou tolerou a conduta. Ora, o
mesmo deve ocorrer no direito penal: a ofensa ao preceito
implícito traduz a elaboração do tipo e, ao mesmo tempo,
antinormatividade, ofensa ao preceito. (MACHADO, 2004,
p. 67)
A conduta lesiva pode ser verificada sob o aspecto formal quanto
material, sendo que a concepção material do tipo implica que a descrição
abstrata não deva alcançar condutas penalmente sem significação.
Luiz Alberto Machado concorda com Heleno Claudio Fragoso, quando a
esse respeito afirma que o crime é um "desvalor da vida social", posto que
afirma que "o conceito material busca a essência do delito, a fixação de limites
legislativos à incriminação de condutas. (MACHADO, 2009, p. 78).
Desta forma, enquanto o conceito formal do tipo implica na análise
abstrata da conduta humana, indicando seu preceito e a sanção adequada, o
conceito material implica na busca da essência do tipo.
Assim, ainda que a ação seja típica, deve-se verificar se sua
antijuridicidade apresenta-se “desprovida de significado jurídico-penal”,
conforme o entender de Ivan Luiz da Silva. (SILVA, 2008, p.56)
Sob a análise do desvalor da ação realizada, retira-se a tipicidade da
conduta, posto que sua relevância é de somenos importância.
Atualmente verifica-se através da análise material, uma valorização da
tipicidade, baseada em um conjunto de teorias e de princípios que tem como
finalidade a celeridade processual e preenchimento de lacunas existentes no
sistema finalista, de modo que haja maior efetividade no Ius puniendi estatal.
E neste conceito se insere o princípio da insignificância que será
explanado a seguir
33
CAPÍTULO 3
O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA COMO FATOR MINIMIZANTE DO IUS PUNIENDI
3.1 – O surgimento do Princípio da Insignificância no ordenamento jurídico
Concluídas as informações básicas acerca do Jus Puniendi, suas
limitações e a resposta da inteligência jurídica para resolver o problema da crise
do sistema penalista, assim como a teoria da tipicidade, passa-se a explanar
acerca da origem do princípio da insignificância.
A origem deste princípio ainda não foi pacificada, haja vista que grande
parte da doutrina no campo do Direito Penal diverge quanto a ser romana ou
alemã.
Por um lado, a primeira corrente jurídica entende ser tal princípio
originário do Direito Romano, como se verifica nos apontamentos de Diomar
Akel Filho:
(...) O princípio da insignificância já vigorava no Direito
Romano, onde o pretor não cuidava, de modo geral, de
causas ou de delitos de bagatela, consoante a máxima
contida no brocardo mínima non curat pretor. (O Estado
não cuida de coisas insignificantes). (FILHO apud
GRECO, 2008, p.85)
Os que entendem a origem do princípio como corolário do Direito
Romano, afirmam que o magistrado responsável pela administração da justiça,
não devia cuidar de coisas “pequenas” ou “mínimas”, devendo desprezá-las,
abstendo-se de tratar casos insignificantes, para cuidar das questões
evidentemente consideráveis.
34
Nessa linha há controvérsias, haja vista que, notoriamente, os romanos
apresentavam o ramo do direito civil consideravelmente desenvolvido,
entretanto, não havia expertise dos princípios da legalidade penal, motivo pelo
qual, para tais juristas, seria precipitado creditar ao direito romano, o princípio da
insignificância.
Para os doutrinadores alemães, o crime de bagatela surgiu na Europa no
século XX, sendo incorporado ao Direito Alemão em razão das crises sociais
que sucederam às duas grandes guerras mundiais.
Isto porque, em decorrência do desemprego do pós-guerra e da
conseqüente escassez de alimentos, começaram a ocorrer pequenos furtos,
subtrações consideradas de pequena relevância, denominada ‘criminalidade de
bagatela’, ou bagatelledelikte.
Esta origem pode-se ser melhor compreendida com o magistério de
Maurício Antonio Ribeiro, abaixo:
(...) O princípio da insignificância, ou como preferem os
alemães, a ‘criminalidade de bagatela’ – bagatelledelikte ,
surge na Europa como problema de índole geral e
progressivamente crescente a partir da primeira guerra
mundial. Ao terminar esta, e em maior medida ao final do
segundo confronto bélico mundial, produziu-se em virtude
de circunstâncias socioeconômicas sobejamente
conhecidas. (RIBEIRO apud GRECO, 2008, p. 86)
Assim, o princípio foi inicialmente proposto pelo jurista alemão Claus
Roxin, que apontava a interpretação restritiva aos tipos penais, excluindo-se os
danos de pouca importância.
Para Roxin, uma determinada conduta só poderia ser punida quando
resultasse absolutamente incompatível com os pressupostos de uma vida
pacífica, materialmente assegurada.
35
Segundo tal autor, a aplicação do princípio parte da ínfima importância
das lesões ou danos causados aos bens juridicamente tutelados pelo Direito
Penal, que constituem interesses sociais, por esta razão o Estado Penal não
deve ocupar-se de minigâncias.
De qualquer modo, é indiscutível que o aludido princípio ganhou novos
contornos e um novo enfoque, sobretudo por parte dos doutrinadores europeus.
Nesta esteira, continuando com o exemplo de Claus Roxin, que no ano de
1970 deu os últimos retoques à sua teoria da imputação objetiva, criando uma
nova dimensão (normativa) na tipicidade, de modo a viabilizar a aplicação do
instituto em estudo. Assim, nem tudo que é formalmente típico é materialmente
típico.
Por esta razão, ao analisar a tipicidade, deve-se fazê-lo com duas
dimensões: formal e material (além da subjetiva, nos casos de crimes dolosos).
3.2 – Crimes bagatelares próprios e impróprios: diferenciação
do instituto com o princípio da irrelevância penal do fato
Importa ressaltar, no presente estudo que o princípio da insignificância
por vezes tem sido confundido com o princípio da irrelevância penal do fato.
O ponto convergente é que ambos destinam-se a orientar na solução da
infração bagatelar, sua diferenciação se pode verificar a baixo.
Em sede judiciária, os próprios juízes estão fazendo uma sutil distinção:
primeiramente, na aplicação do princípio da insignificância, leva-se em conta
apenas o desvalor da ação (não há periculosidade na ação) ou o desvalor do
resultado (não se trata de ataque intolerável ao bem jurídico) para que o nível de
periculosidade da conduta seja considerado ínfimo.
36
Outro entendimento é que para se reconhecer princípio da irrelevância
penal do fato, além do desvalor do resultado, deva se verificar se o fato é
penalmente irrelevante, ou seja, se há desvalor do resultado, assim como o
desvalor da culpabilidade do agente.
Desta forma, pode-se classificar a infração bagatelar em dupla dimensão:
infração bagatelar própria e infração bagatelar imprópria.
A primeira é a que já nasce sem nenhuma relevância penal: ou porque
não há desvalor da ação ou porque não há o desvalor do resultado, podendo-se
exemplificar o caso de quem atira um pedaço de papel contra um automóvel em
movimento.
Neste caso, o agente realiza objetivamente uma conduta de ínfima
periculosidade. Desta forma, não há o desvalor da ação, ou seja, não se trata
daquela ação desvalorada prevista no tipo penal.
Quem subtrai uma cebola pratica uma conduta desvalorada (há um furto;
portanto, um desvalor da ação), porém, o resultado jurídico é absolutamente
ínfimo, ou seja, falta o desvalor do resultado, não existe um ataque intolerável ao
bem jurídico.
No caso da infração bagatelar própria, deve-se aplicar o princípio da
insignificância, que tem o condão de excluir a tipicidade.
Independentemente de se analisar o ânimus do agente, eventuais
antecedentes, dentre outros aspectos subjetivos, deve-se considerar o fato
atípico não incidindo sobre este o sistema repressivo.
O princípio da irrelevância penal, também chamado de infração bagatelar
imprópria, que seria a ação que não nasce irrelevante para o Direito penal, mas
depois verifica-se a desnecessidade da pena.
37
Neste caso, pode-se exemplificar o crime de peculato culposo, quando a
reparação dos danos antes da sentença irrecorrível tem o condão de extinguir a
punibilidade. Assim, a infração é bagatelar no sentido impróprio e a pena se
mostra desnecessária.
Vê-se, assim, que o princípio da insignificância é causa de exclusão da
tipicidade do fato, enquanto o princípio da irrelevância penal do fato é causa de
dispensa da pena por sua desnecessidade no caso concreto.
3.3 – A celeuma instaurada em torno do instituto
Conforme se verificou nos capítulos anteriores, há diversos
entendimentos divergentes em relação ao enfoque que o Estado Penal deve
imprimir aos casos considerados de menor lesividade.
Pode-se verificar que por um lado, corrente jurídica entende pelo direito
penal máximo - ou a política da tolerância zero – e por outro, o abolicionismo
penal.
Não obstante os posicionamentos extremados de ambos os lados, o
princípio da insignificância tem sido apontado pela doutrina como corolário de
um “direito penal do equilíbrio”, preconizado por Rogério Greco.
Tal entendimento apresenta uma visão minimalista do Direito penal de
modo que este ramo do Direito venha exclusivamente a proteger os bens
entendidos como os mais importantes para o convívio pacífico da sociedade.
Tal ramificação doutrinária não é isenta de ataques, haja vista alguns
autores entendem pela inaplicabilidade do aludido princípio por falta de previsão
legal. Não se podendo integrá-lo ao ordenamento jurídico por tal razão.
38
Nesta esteira, o princípio da insignificância seria inaplicável pelo fato de o
Direito Penal prever os tipos penais e estabelecer as respectivas penalidades,
não havendo desclassificação quando da irrelevância dos danos ou lesões
ocasionados.
Isto porque somente se verifica as atenuantes pertinentes ao Estado
legislador. Se fosse esta a intenção, o Legislador já teria previsto a aplicação do
princípio.
Verifica-se a tímida aplicabilidade do princípio no caso do Brasil quando
nos Tribunais são levados casos extremamente ínfimos, sobre os quais toda a
máquina judiciária deve-se ser acionada e a maioria do reconhecimento do
princípio se verifica apenas em segunda instância.
Luiz Flávio Gomes é enfático quando aponta a disparidade entre o fato
que merece ou não a atenção do Poder Judiciário:
(...) Quando lhe aparece um caso de subtração de um
queijo, de um frango, de biscoitos, de um xampu, de rolos
de papel higiênico etc., ele tende a seguir a jurisprudência
dos tribunais locais e reconhecer o crime de furto,
aplicando a pena de reclusão de um a quatro anos.
(GOMES, 2009)
(...) O furto de uma carteira (R$ 80,00), de uma faca e de
cadeados (R$ 86,00), de um pacote de arroz, de um
alicate, de um violão, de um cobertor, de uma camiseta,
de uma jaqueta etc.: em todos esses casos o STF já
reconheceu o princípio da insignificância (Folha de S.
Paulo de 21.03.09, p. C1). O chocante não é o fato de
todos os Ministros desta Corte já terem reconhecido o
princípio (sobretudo a partir do famoso HC 84.412,
39
relatado pelo Min. Celso de Mello), não é isso, o chocante
é ver como boa parcela da magistratura brasileira
continua ignorando a sua força científica, cogente e
normativa. (GOMES, 2009)
Para autores com este entendimento, tais fatos são tão banais que não
deveriam jamais tomar o tempo dos juízes e promotores. De fato, o princípio da
insignificância não está previsto expressamente na lei brasileira, exceto no texto
do Código Penal militar Brasileiro. Abaixo, Luiz Flávio Gomes explica a ínfima
aplicação do princípio no Brasil:
(...) A falta da aplicação do princípio na primeira instância
se verifica pelo fato de ainda existirem juízes
extremamente legalistas (ou positivistas-legalistas). A
formação jurídica no nosso país continua (em geral)
vinculada à doutrina do século XIX, isto é, ao nascimento
do Estado moderno (burguês-liberal). (GOMES, 2009)
Segundo o magistério de Luiz Flávio Gomes, o juiz deve analisar os
resultados naturalísticos e jurídicos para valorar uma determinada conduta:
(...) Na dimensão formal deve o juiz constatar a conduta, o
resultado naturalístico, o nexo de causalidade e a
adequação típica. Na dimensão material o juiz valora a
conduta assim como o resultado jurídico. (GOMES, 2009)
(...) A valoração da conduta tem por fundamento o critério
do risco proibido/permitido, que vem da teoria da
imputação objetiva de Roxin. A valoração do resultado
40
jurídico exige do juiz a análise de seis exigências:
resultado concreto, transcendental, grave, intolerável,
objetivamente imputável ao risco criado e que esteja no
âmbito de proteção da norma. (GOMES, 2009)
O que se verifica no caso brasileiro, é que no exercício do Ius Puniendi,
grande parte dos juízes de primeira instância ainda prefere deter-se no
formalismo da lei penal, entendendo conferir maior segurança jurídica, a adotar
posturas de intervenção mínima e a observância de institutos garantistas.
3.3.1 – A interpretação do instituto como falta de interesse de
agir do Estado ou de justa causa para a ação penal
Em que pese a natureza jurídica do instituto, doutrinadores tais como a
professora Cláudia Marlise da Silva Alberton (ALBERTON, 2004) apontam que o
princípio, baseado que é no garantismo penal, somente será um instrumento de
igualdade e justiça se estudado juntamente com o conceito de justa causa.
Para a autora acima, o papel fundamental do processo penal dentro do
Estado Democrático de Direito, assim como os fins sociais da ação penal, é o de
buscar uma verdadeira proporcionalidade entre o ilícito e a pena a ele cominada,
levando em consideração as deficiências do sistema repressivo, não se
apresentando outra opção senão definir primeiramente o se pretende com a
ação penal.
Isto porque segundo a autora, “o conceito de justa causa exprime em si
mesmo os limites de aplicação do direito material, que se submete aos princípios
da adequação social do delito e da insignificância do resultado”. (ALBERTON,
2004)
41
Nesse compasso, aplica-se a teoria do injusto penal, devendo a ação
penal ser instrumento último do Estado de perseguir eventuais delinqüentes,
pois representa um grau superior de intervenção estatal, somente sendo
acionado quando inexistir qualquer dúvida sobre a efetiva necessidade dessa
intervenção.
Para que seja iniciada a ação penal, necessariamente preenchidos todos
os requisitos previstos na lei. Além disso, o dano deve ser relevante de modo a
atingir bem jurídico penal, caso contrário não haverá interesse de agir estatal.
Destarte, o princípio da insignificância pode ser definido como instrumento
de interpretação restritiva do tipo penal, fundado na concepção material deste,
alcançando por via judicial a descriminalização de condutas que, embora
formalmente típicas, não atingem de forma relevante os bens jurídicos
protegidos pelo direito penal.
Segundo Cláudia Marlise da Silva Alberton:
(...) Efetivamente, entendendo a sanção penal como um
malefício, nada mais “justo” do que acionar um processo
penal da forma mais garantista possível, de todos os
direitos do acusado, dentro e fora do processo, para que
nada mais lhe seja retribuído, senão o mínimo devido a
puni-lo proporcionalmente ao dano causado e dar um
retorno à sociedade de que aquele ato, que rompeu com o
sentimento comum de “dever ser”, não passou em
brancas nuvens pelo órgão que tem suafunção pautada na
resolução de conflitos, qual seja, o Judiciário.
(ALBERTON, 2004)
A falta de justa causa pode ser entendida com a leitura do artigo 386 do
Código de Processo Penal Brasileiro: “o Juiz absolverá o réu, mencionando a
42 causa na parte dispositiva, desde que reconheça: (...) II – não haver prova da
existência do fato”.
Assim, para que seja recebida a ação penal, no mínimo, a existência de
provas que comprovem a existência do fato, caso contrário será um exagero no
exercício do Ius Puniendi.
3.4 – O Princípio da Insignificância na Ordem Jurídica
Como se verificou acima, grande parte da doutrina entende que o
princípio não deva ser aplicado por falta de positivação na lei processual penal.
Entretanto, para outros autores, que consideram a lei apenas parte do
ordenamento, consideram o princípio da insignificância como princípio do Direito
Penal a ser observado.
Conforme se verifica abaixo, para Capez:
(...) Os mais importantes princípios penais derivados da
dignidade da pessoa humana são: legalidade,
insignificância, alteridade, confiança, adequação social,
intervenção mínima, fragmentariedade, proporcionalidade,
humanidade, necessidade e ofensividade. (CAPEZ (2004)
Desta forma é notório que o autor o considera como princípio penal
derivado da dignidade da pessoa humana, orientador e limitador do Direito
Penal.
Considerando-se a inaplicabilidade do princípio pela falta de previsão na
legislação, para estes autores, é uma posição formalista e frágil, uma vez que
nem todos os princípios constam expressamente no ordenamento.
Salienta Mañas que:
43
(...) A norma escrita, como é sabido, não contém todo o
direito. Por esse motivo, no campo penal, a construção
teórica de princípio como o da insignificância não fere o
mandamento constitucional da legalidade ou reserva legal.
(MAÑAS, 1994)
Por esta razão, o Poder Judiciário brasileiro vem, por meio de suas
decisões, invocando o princípio na solução dos casos concretos que, não
obstante apresentem uma conduta típica, não atingem substancialmente o bem
jurídico penalmente tipificado.
Assim, é possível, em razão dos danos de alcance ínfimo, servir-se do
princípio como excludente de tipicidade, de modo a impedir a penalização
prevista para o fato típico.
O Supremo Tribunal Federal atual entende que, para o reconhecimento
do princípio da insignificância, deve-se levar em consideração requisitos tais
como a ofensividade mínima da conduta do agente; a ausência de
periculosidade social da ação; o reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento do agente e inexpressividade da lesão ao bem juridicamente
tutelado.
Como se pode verificar nos julgados abaixo:
(...) HABEAS CORPUS. PENAL. MOEDA FALSA.
FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. CONDUTA ATÍPICA. ORDEM
CONCEDIDA. A apreensão de nota falsa com valor de
cinco reais, em meio a outras notas verdadeiras, nas
circunstâncias fáticas da presente impetração, não cria
lesão considerável ao bem jurídico tutelado, de maneira
que a conduta do paciente é atípica. Habeas corpus
deferido, para trancar a ação penal em que o paciente
figura como réu." (HC 83.526/CE, Rel. Min. JOAQUIM
BARBOSA).
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E M E N T A: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA -
IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA
LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO
DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE
DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM
SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO
SIMPLES, EM SUA MODALIDADE TENTADA - "RES
FURTIVA" NO VALOR (ÍNFIMO) DE R$ 20,00
(EQUIVALENTE A 5,26% DO SALÁRIO MÍNIMO
ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA -
CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA
DO STF - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE
DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE
PENAL. (HC 92463 / RS. DJU 31-10-2007)
(...) ACIDENTE DE TRÂNSITO. LESÃO CORPORAL.
INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO. Princípio da
insignificância. Crime não configurado. Se a lesão
corporal (pequena equimose) decorrente de acidente de
transito e de absoluta insignificância, como resulta dos
elementos dos autos (...) há de impedir-se que se instaure
ação penal que a nada chegaria, inutilmente
sobrecarregando-se as varas criminais, geralmente tão
oneradas. (RHC 66869-PR, STF, 2ª Turma, rel. Min. Aldir
Passarinho, j. 06.12.1988).
Pode-se verificar que o princípio da insignificância, ou infração bagatelar
tem sido discutido pela inteligência jurídica em uma dialética, em que parte da
doutrina entende que a falta de previsão legal enseja em sua inaplicabilidade.
45
Isto porque, querendo, o legislador já poderia ter se posicionado e
retirado da esteira penal as infrações que não resultassem em dano lesivo e
relevante à sociedade, no que se eximiu e apenas previu medidas atenuantes.
Ademais, a aplicação do princípio seria atenuador à segurança jurídica
duramente conquistada ao longo da história processual penal.
Por outro lado, com vistas ao garantismo e a fragmentariedade do direito
penal hodierno, outra vertente aponta pela aplicabilidade do princípio de modo a
restar esforços e recursos do Estado/Juiz para tratar de casos de maior
relevância social, devendo as infrações ínfimas ser tratadas por outros ramos do
Direito, de cunho menos repressivo, desta forma tornando mais eficaz o Jus
Puniendi.
46
CONCLUSÃO
Este trabalho objetivou analisar o princípio da insignificância, traçando
algumas considerações acerca da exclusão da tipicidade formal sem o escopo
de esgotar tema de tamanha abrangência
Inicialmente, o estudo baseou-se na apresentação do Ius puniendi
estatal, apresentando-o como a ultima ratio, face ao caráter fragmentário e
garantista do Direito Penal, demonstrando a importância do princípio da
Intervenção Mínima do Estado.
Isto poque verificou-se que, ao deparar, com ampliação do livre
acesso ao Poder Judiciário, a sociedade adentra cada vez mais nas portas da
Justiça de modo a buscar a tutela de seus bens jurídicos.
O que ocorre, é que, em determinados casos, a lesão identificada não
justifica a utilização de toda a máquina judiciária penal para efetivar seu
deslinde.
Isto implica na utilização de posturas outras que não as estabelecidas na
letra da lei - ou seja, na tipificação formal - lançando mão, por exemplo, do
princípio da insignificância, que ignora a lesão sem repercussão no mundo do
direito.
A pesquisa demonstrou, e de fato, se há de concordar, que em caso
penais de ínfimo valor jurídico e de lesões que não alterem o mundo do direito,
deve-se remeter o Estado-Juiz à utilização de uma postura garantista e menos
interventora, como a utilização do princípio da insignificância, de modo a excluir
a tipicidade do fato sempre que possível.
Assim agindo, o Estado não estará suprimindo direitos duramente
conquistados na seara penal, como afirma parte da doutrina.
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Antes, estará assumindo a teoria do direito penal mínimo, restando para si
tão somente lançar mão do rigor de seu Jus puniendi se a lesão não for de
mínima importância.
Desta forma, poderá, no exercício da persecução estatal, debruçar-se
sobre fatos típicos de notória relevância para a sociedade, garantindo
efetividade e utilidade ao Direito Penal.
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BIBLIOGRAFIA
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WEBGRAFIA
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GOMES, Luiz Flávio . Artigo: Evolução da Teoria da Tipicidade Penal, 2005. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=200506 0612415599&mode=print.> Acesso em 02 jan 2010. PEREIRA, Flávio Cardoso. Breves apontamentos sobre o funcionalismo penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3474>. Acesso em: 25 jan 2010. SILVA, Denival Francisco da. Em busca de um novo direito penal. Artigos. Neófito. 29.02.2000. Disponível em: http://www.neofito.com.br/artigos/art01/penal139.htm. Acesso: 02 fev 2010. TORRES, Douglas Dias. O Direito Penal na atualidade. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/333/O-Direito-Penal-na-atualidade. Acesso em: 15 fev 2010.
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ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 02 AGRADECIMENTO 03 EPÍGRAFE 04 DEDICATÓRIA 05 RESUMO 06 METODOLOGIA 07 SUMÁRIO 08 INTRODUÇÃO 09 CAPÍTULO I - A atual relevância do Direito de Punir do Estado 11 1.4 A outorga do Jus Puniendi ao Estado 11 1.5 As teorias penais acerca da abrangência do Jus Puniendi como resposta ao descrédito do sistema penal 14 1.6 Do Direito Penal Mínimo ou Princípio da Intervenção mínima do Estado 20 CAPÍTULO II – Análise da tipicidade material e formal do delito 22 2.1 Breves apontamentos acerca das teorias da tipificação 22 2.2 Da Tipicidade do fato delituoso 27 2.2.1 Da Tipicidade Formal e Material 28
CAPÍTULO III – O Princípio da Insignificância como fator minimizante dos Ius Puniendi 33 3.1 O surgimento do Princípio da Insignificância no ordenamento jurídico 33 3.2 Crimes bagatelares próprios e impróprios: diferenciação do instituto com o princípio da irrelevância penal do fato 35 3.3 A celeuma instaurada em torno do instituto 37 3.3.1 A interpretação do instituto como falta de interesse de agir do Estado ou de justa causa para a ação penal 40 3.4 O Princípio da Insignificância na Ordem Jurídica 42 CONCLUSÃO 46 BIBLIOGRAFIA 48 WEBGRAFIA 49 ÍNDICE 50 ÍNDICE DE FIGURAS 51 FOLHA DE AVALIAÇÃO 52 ATIVIDADES CULTURAIS 53
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ÍNDICE DE FIGURAS
FIGURA 1 – As cinco fases da teoria da tipicidade penal 26 FIGURA 2 – A subdivisão das espécies dos tipos penais 31
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FOLHA DE AVALIAÇÃO Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes, Pós-Graduação “LATO SENSU”, Projeto A Vez do Mestre. Título da Monografia: Princípio da insignificância: algumas considerações acerca da exclusão de tipicidade formal Autor: Susana Felix Tessara Data da entrega: Avaliado por: Conceito:
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