uma proteção luminosa para os bebês
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JULHO 1999 PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Uma proteção luminosa para os bebês
Pequena empresa brasileira desenvolve manta de fibra óptica para tratar a icterícia
Pág. 17
Encarte especial
Genoma Humano 2: A poucos passos do seqüenciamento do DNA do homem
Notícias FAPESP é uma publicação mensal da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
Conselho Superior Prof. Dr. Carlos Henrique de Brito Cruz
(Presidente)
Dr. Mohamed Kheder Zeyn (Vice-Presidente)
Prof. Dr. Adilson Avansi de Abreu
Prof. Dr. Alain Florent Stempfer Prof. Dr. Antônio Manoel dos Santos Silva
Prof. Dr. Celso de Barros Gomes
Dr. Fernando Vasco Leça do Nascimento Prof. Dr. Flávio Fava de Moraes
Prof. Dr. José Jobson de A. Arruda Prof. Dr. Maurício Prates de Campos Filho Prof. Dr. Paulo Eduardo de Abreu Machado
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(Diretor Presidente)
Prof. Dr. Joaquim J. de Camargo Engler (Diretor Administrativo)
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(Diretor Científico)
Equipe Responsável
Coordenador Prof. Dr. Francisco Romeu Landi
Editora responsável Mariluce Moura (MTB 790)
Editora exec{ftiva Mana da Graça Mascarenhas
Editor assistente Fernando Cunha Editor de Arte Moisés Dorado
Capa Hélio de Almeida
Foto: Eduardo César Colaboradores: Carlos Fioravanti, Marcos de Oliveira, Marcos Pivetta,
Mário Leite Fernandes, Mauro Bellesa, Miguel Glugoski, Mônica Teixeira, Otto Filgueiras, Sérgio Bueno,
Ulisses Capozoli e Wilson Marini Encarte especial: Genoma Humano 2
Planejamento gráfico: Hélio de Almeida
Produção gráfica: Tânia Maria dos Santos Fotolitos e Impressão: GraphBox Caran
Tiragem: 22.000 exemplares
FAPESP- Rua Pio XI, nº 1500,
CEP: 05468-901 -Alto da Lapa São Paulo-SP-Tel: (011) 838-4000
Fax: (011) 838-4117
Este informativo está disponível na
home-page da FAPESP: http://www.fapesp.br E.mail: mariluce@fapesp.br
CARTAS
História da FAPESP O Notícias FAPESP No 42, de maio de
1999, à página 6, em Política Científica e Tecnológica - Homenagem a Ulhoa C intra, traz uma citação do Projeto FAPESP - História e Memórias. Gostaria de obter informações a respeito. Esse projeto está disponível aos pesquisadores?
Anna Maria Martinez Corrêa Cedem, UNESP
O Projeto FAPESP-História e Memória, desenvolvido pelo professor Shozo Motoyoma, da Universidade de São Paulo, resultou em dois livros: FAPESP- Uma História de Política Científica e Tecnológica e Para uma História da FAPESP: Marcos Documentais, que estão em fase final de edição pela própria FAPESP e serão distribuídos às bibliotecas de universidades e centros de pesquisa.
Domeni co de Mas i Lendo a revista da FAPESP vi
que o sociólogo Domenico de Mas i proferiu palestra "O Trabalho Criativo nos Centros de Ciência e Tecnologia" no IPT, em 27/05. Gostaria de saber se vocês têm acesso ao conteúdo da palestra e, se possível, obtê-la na íntegra.
Datei Maria dos Santos Analista em Ciência e Tecnologia - CNPq
Não possuímos o texto da palestra. Sugerimos entrar em contato com a assessoria de imprensa do I PT: telefone O(XX)11 3767-4720, com João Garcia.
Trabalho sério É com prazer sempre renovado quere
cebemos o mensário Notícias FAPESP. Com tanto noticiário negativo a respeito do Brasil em geral e de São Paulo em particular, os relatos sobre tantos esforços sérios de pesquisa, tantas novidades tecnológicas e- por que não dizer? - tanto progresso real em nossas universidades, institutos de pesquisa e sociedades privadas, tudo isto nos toma otimistas e alimenta o entusiasmo em trabalhar e ensinar. Seria muito salutar para o País se esse noticiário fosse ainda mais divulgado.
Roberto Gomes da Silva, Professor Titular, Departamento
de Zootecnia, Unesp, Jaboticabal
Ficamos felizes em saber que o Notícias FA-
2
PESP está cumprindo seus objetivos de divulgar o importante trabalho dos pesquisadores paulistas. Concordamos plenamente que há muito trabalho sério e de grande importância para o país sendo desenvolvido, silenciosamente, nos institutos e universidades.
Livro sobre São Paulo Trabalho em uma agência das Nações
Unidas (ONU) que agora está sediada em Bonn, Alemanha. Fui professor associado da USP durante três anos e durante esse período tive estreita ligação com a FAPESP em assuntos relacionados com pesquisa.
Lia muito, e continuo às vezes recebendo aqui, a publicação Notícias FAPESP. No seu número 42 (maio 1999), a publicação traz
em sua contracapa uma reportagem sobre o livro Memória em Branco e Negro: Olhares sobre São Paulo, de Teresinha Bernardo (Educ/FAPESP/Edit. da Unesp ). Gostaria de adquirir esse livro, mas não sei como fazê-lo aqui da Alemanha. Aproveito para parabenizar sobreoNotíciasFAPESP, revista que me traz sempre informações interessantes e im-
portantes sobre São Paulo e Brasil (além do que, num lado mais pessoal, me ajuda também a matar um pouco a minha saudade dos meus tempos de São Paulo e USP).
Edmundo Werna Urban Development Specialist Research
and Development Unit United Nations Volunteers Programme
Agradecemos por sua apreciação do Notícias FAPESP. Estamos tentando melhorar sempre. Quanto ao livro, entramos em contato com a pesquisadora, que deverá enviá-lo dire-
. lamente.
Educação Indígena Li na revista Notícias FAPESP No 41 ,
de abril de 1999, a reportagem Os novos caminhos da educação indígena, na página 22, mencionando as antropólogas Aracy Lopes da Silva e Mariana Kawall Leal Ferreira. Gostaria, se possível, de saber o e-mail delas.
Renzo Morishita Unicamp
As antropólogas podem ser contatadas no Ma ri- Grupo de Educação Indígena, do Departamento de Antropologia da USP. E-mail: mariedu@edu.usp.br. Telefone: O (XX)tt-818-3569
Editorial ..................................... Pág. 4 Opinião ...................................... Pág. 5 Notas ......................................... Pág. 6 Memória ...... .................... ...... ... . Pág. 8 Fórum das FAPs .................. ..... Pág. 9 A reunião da SBPC ................... Pág. 1 O Livro .......................................... Pág. 32
FAPESP e FACEPE assinam convênio para a participação de pesquisadores de Pernambuco no Genoma Cana
Pág. 12
Os primeiros resultados do
Genoma Humano do Câncer
Pág. 14
O Laboratório de Investigações Médicas em Neurociências, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, vai realizar pesquisas voltadas para a neurociência básica e para a medicina psiquiátrica
Pág. 15
Pequena empresa de Campinas desenvolve manta de fibra óptica para tratar a icterícia dos recém-nascidos
Pág. 17
ÍNDICE
O Telescópio Solar para Ondas
Submilimétricas vai investigar o Sol na faixa de ondas do
infravermelho distante Pág. 20 ~
Novos materiais: membranas e filmes com aplicações múltiplas
Pág.22
Pesquisa sobre o plantio, manejo e
aproveitamento da floresta de caixeta
Pág.24
Está pronto o Dicionário Brasileiro da Língua de Sinais
Pág.28
O desenvolvimento de um novo antiinflamatório brasileiro
Pág.26
Pesquisa busca desvendar a relação entre a
alteração da pronúncia e da sintaxe do português falado hoje em Portugal
Pág.30
EDITORIAL
Pesquisa relevante em qualquer campo Boa parte do material jornalístico que vem sendo
publicado no Notícias FAPESP parece reiterar a tese de que a separação clássica entre pesquisa básica, pesquisa aplicada e pesquisa tecnológica perdeu a eficácia no contexto atual da produção de ciência e tecnologia. As fronteiras entre essas categorias diluem-se. E os produtos resultantes do que seria uma pesquisa altamente relevante em ciência básica podem se mostrar imediatamente úteis para uso social, do mesmo modo que resultados de uma pesquisa claramente orientada para uma inovação tecnológica relevante podem também representar contribuições significativas para a acumulação do conhecimento básico. Assim, uma palavra-chave neste momento, um termo que de certo modo dá um sentido unificado à pesquisa científica e tecnológica, por mais díspares que sejam as áreas de conhecimento a que se refere, parece-nos ser, exatamente, relevância. Como disse o diretor-presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, durante a assinatura do primeiro acordo de cooperação técnica desta fundação com uma instituição congênere de outro Estado brasileiro - a pernambucana FACEPE - , em 30 de julho último, a importância da pesquisa de-
cela importante dos recém-nascidos, ganhos econômicos são alguns resultados de um projeto no qual o investimento total da FAPESP, ao final , terá sido de R$ 250 mil.
Pesquisa de alta relevância e exposição da espécie de continuum que vai se formando entre pesquisa básica, pesquisa aplicada e tecnologia é o que aparece no encarte especial do Notícias FAPESP deste mês. Trata-se do segundo encarte baseado em entrevistas que foram feitas para a série de documentários "Genoma: em busca dos sonhos da ciência", produzida pela TV Cultura e programada para exibição de 16 a 20 de agosto, às 21 horas, na Cultura e nas tevês educativas de mais 15 Estados brasileiros. O objeto da série é o Programa Genoma da FAPESP, partindo de seu projeto pioneiro, o de seqüenciamento da Xylle/a fastidiosa - e honra de maneira especial esta fundação que uma de suas mais importantes iniciativas, em toda sua história, tenha se tornado tema de um documentário nos moldes do melhor jornalismo científico feito internacionalmente.
O genoma está tratado também no corpo do Notícias FAPESP, em matéria que apresenta os primeiros resultados estimu
fine-se por sua relevância, seja para a produção do conhecimento, seja para o desenvolvimento socioeconômico.
Esse critério da relevância está sem nenhuma dúvida respeitado na escolha da reportagem de capa desta edição do Notícias FAPESP. É esta a primeira vez que o resultado de um projeto do jovem programa de Inovação Tecnológica em Pequena Empre-
':.4 separação entre pesquisa básica,
aplicada e tecnológica
lantes do Projeto Genoma Humano do Câncer. Apenas quatro meses depois de iniciado, o projeto já gerou 4.506 seqüências e, o que é mais animador, dessas, 818 são inéditas, ou seja, nunca antes haviam sido identificadas por qualquer projeto científico internacional dedicado ao seqüenciamento do genoma humano.
é anacrônica. Importa só a
relevância da pesquisa"
sa-PIPE vai para a capa do informati-vo. E dado o enorme potencial criativo dos projetas que estão sendo financiados no âmbito desse programa, dado também o papel que a pequena empresa parece estar fadada a desempenhar na generalização de uma cultura de inovação mais ágil e consistente dentro do universo produtivo nacional, certamente este fato se repetirá muitas vezes. Desta feita , mostramos o desenvolvimento de uma malha de fibras ópticas que deverá se tornar uma alternativa muito melhor ao tratamento da icterícia, problema que anualmente atinge 200 mil recém-nascidos no País, ou seja, 5% da totalidade deles. A tecnologia nacional para essa manta resulta num produto cujo custo deverá equivaler a pouco menos de um terço do similar importado. Mais: esse custo é igual ao dos desconfortáveis equipamentos convencionais de fototerapia hoje usados para livrar bebês do excesso de bilirrubina no sangue (a causa da icterícia). Maior conhecimento nos usos da fibra óptica, mais eficiência e conforto no tratamento de um problema que atinge par-
4
Em vários outros campos há ma-térias interessantes - e sempre rele
vantes - para ler nesta edição do Notícias FAPESP. Por exemplo, vamos à astronomia para contar sobre um radiotelescópio concebido no Brasil e desenvolvido em parceria internacional, que opera no comprimento de onda do infravermelho distante, onde a atividade solar ainda é praticamente desconhecida. Passando a área muito diversa, nas ciências humanas, informamos detalhadamente sobre o primeiro dicionário brasileiro da língua de sinais (para deficientes auditivos) desenvolvido no Instituto de Psicologia da USP. Contamos também sobre uma pesquisa que tenta identificar como as mudanças de pronúncia no português influenciam a longo prazo as mudanças na sintaxe. E, para fechar como abrimos, com um projeto ligado à inovação tecnológica, só que no esquema de parceria empresa-instituição de pesquisa, no caso entre uma indústria farmacêutica e um pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, contamos sobre um novo antiinflamatório, que está em fase de patenteamento.
OPINIÃO
Prioridades em um novo contexto socioeconômico: o ponto de vista de um industrial
Atravessamos um momento no qual existe o risco de o conhecimento científico, do qual dependem as opções sobre nosso futuro , ser dominado pelo excesso de preocupação com resultados a curto prazo. Isso ocorre tanto na Pesquisa e Desenvolvimento industrial como nas pesquisas patrocinadas pelos governos. Ao mesmo tempo, a fronteira entre pesquisa e política industrial foi rompida e estamos diante de dois paradoxos.
Há várias razões para isso. Maiores investimentos em pesquisa não levam, necessariamente, a mais empregos. A longo prazo, o aumento do padrão de vida sempre dependeu e continuará a depender do progresso tecnológico. Mas é dificil provar que exista uma ligação di reta entre os recursos aplicados em pesquisa num local e o desenvolvimento desse local.
Esse paradoxo aparente tem duas explicações. Primeiro, os resultados das pesquisas científicas se espalham muito rapidamente. Segundo, o fator decisivo é a capacidade de usar os resultados das pesquisas, não os resultados em si. A pesquisa é apenas uma pequena parte de todo um processo de inovação que inclui o uso do conhecimento científico pela indústria.
Muitos desenvolvimentos tecnológicos tiveram origem em descobertas científicas. Mas várias bases científicas foram estabelecidas a partir de desenvolvimentos industriais. O modelo não é linear. A ciência e a tecnologia se desenvolvem de forma paralela.
Na empresa industrial, o processo de inovação é uma espécie de gerência do conhecimento e esse conhecimento vem de diversas fontes, como a convivência com clientes e fornecedores. Além disso, a empresa precisa formar em seu interior as competências necessárias para o aproveitamento desse conhecimento. Nas últimas décadas, o caráter das pesquisas industriais mudou de maneira significativa. Conceitos como a concentração no negócio principal e maior preocupação com os beneficias para os acionistas levaram a cortes importantes nas atividades de pesquisa e desenvolvimento. Isso colocou em risco a visão a longo prazo, a base da renovação e da manutenção da competitividade das empresas.
Algumas empresas tentam resolver a situação, de diversas maneiras. Uma delas é terceirizar as pesquisas a longo prazo para instituições públicas, muitas das quais, naturalmente, estão ansiosas para obter contratos desse tipo. A situação também abriu espaços para a criação de pequenas empresas de alta tecnologia, especializadas em nichos tecnológicos. Entretanto, há um limite para o que pode ser terceirizado. Uma empresa precisa manter suas competências fundamentais e a capacidade de
J.R. Rostrup-Nielsen acompanhar e adaptarnovos conhecimentos. O esforço em P &D não pode ser avaliado apenas com base em projeções de retomo financeiro.
O setor de P&D, porém, exige equipamentos e serviços cada vez mais caros. Isso está levando à formação de fusões e alianças, nas quais as empresas dividem custos e riscos. Muitos desses consórcios e redes de pesquisas têm caráterglobal. Hoje, aP&D industrial está sendo globalizada. Isso inclui o Terceiro Mundo. A P&D costuma ser colocada ou junto ao mercado ou junto ao centro de competência científica. O Terceiro Mundo tem as duas coisas. Tem grupos de alta qualidade em ciência e tecnologia, com grande potencial. Tem também riqueza em matérias-primas e vastos mercados. Os centros de conhecimento do Terceiro Mundo devem ser integrados à rede atual de P&D industrial , em bases de respeito mútuo e divisão igualitária de funções .
Um dos principais elementos para um local obter mais investimentos e empregos especializados é um sistema universitário forte . A indústria vê a universidade como fornecedora de candidatos a emprego. Assim, é importante que os universitários façam sua formação de acordo com os conhecimentos mais avançados e, além disso, estejam informados sobre as últimas fronteiras da pesquisa. Este é o principal motivo pelo qual as universidades devem ter programas de pesquisa ambiciosos, dos quais saiam novos conhecimentos e novos conceitos.
Nos últimos tempos, as universidades vêm sendo pressionadas a participarmais do procésso de inovação. Há pressões políticas para que elas se tomem fornecedoras de tecnologia e conhecimento para o beneficio da indústria e da sociedadeemgeral.Éimportantequeessaabertura para a sociedade e para a indústria não se transforme na razão de ser da pesquisa universitária. Isso poderia, inclusive, destruir os canais informais de cooperação entre a universidade e a indústria e levar a uma preocupação excessiva com objetivos a curto prazo. O dinheiro públicogastonasuniversidadesdevetercomofoco a pesquisa a longo prazo.
A principal força por trás da inovação nas empresas mudou. A visão voltada para o mercado foi parcialmente substituída por novas exigências da sociedade, que se traduzem em mais regulamentações. Mas, para que a nova legislação tenha uma base duradoura, ela precisa estar fundamentada no conhecimento. Sua implementação deve ser muito bem planejada. Precisamos estabelecer prioridades com base no conhecimento.
Para a indústria, esse processo pode ser perigoso. As forças do mercado serão substituídas por processos políticos imprevisíveis.
s ~SP
Não adianta ter a melhor tecnologia se as decisões políticas capazes de colocá-la em prática não forem tomadas. Vemos com freqüência o aparecimento de legislações arbitrárias e decisões tomadas olhando apenas o curto prazo. Isso significa que o curto prazo poderá dominar o planejamento da indústria. A administração desse processo é um dos maiores desafios do novo contexto sócio-econômico.
A pesquisa e a inovação deixaram de ser objetivos em si mesmos. Elas agora precisam atender necessidades sociais e individuais. Mas é necessário um limite para o controle social da ciência e da tecnologia. A relevância da pesquisa não pode ser julgada no dia-a-dia. As interferências podem facilmente deter o progresso. O público pode ser mais capaz de definir o que devemos fazer ou qual das opções disponíveis devemos seguir. Mas a indústria é mais capaz de administrar o processo de transferência da ciência para a produção, com os parceiros de sua escolha.
É perigoso para a ciência permitir que um processo político determine qual deve ser motivo de suas pesquisas. A história está cheia de julgamentos errados. Precisamos manter a visão científica de procurar a verdade e nunca parar para questionar a base de nosso conhecimento. A ciência não deve buscar o consenso. Deve perseguir resultados verdadeiros, não resultados que satisfaçam a todos. Se não fizermos isso, bloquearemos a renovação de nossa sociedade. Indústrias e governos têm diante de si grandes desafios sobre como usar melhor o conhecimento científico para o desenvolvimento a longo prazo.
As tendências do momento envolvem diversos riscos. Devem sair-se melhor: as empresas que mantiverem programas a longo prazo de P&D para abrir novas opções; as empresas que conseguirem integrar o potencial de pesquisas do Terceiro Mundo em bases igualitárias; os países que conseguirem formular e aplicar uma política integrada de ciência, tecnologia e inovação, evitando as armadilhas do modelo linear; e os países e regiões que conseguirem administrar a formatação social da tecnologia de maneira a evitar aregulamentação excessiva e permitir pesquisas ambiciosas e de longo prazo.
Devemos ter a coragem de explorar novos horizontes, seja qual for sua relevância para a política atual. Como disse Günther Grass: O que é correto não é necessariamente verdadeiro. A verdade é uma longa história.
Diretorda HaldorTopsoe AiS, da Dinamarca Resumo de palestra apresentada na Conferência Mundial de Ciência, realizada em Budapeste, em junho passado
NO~SNOThSNOThSNOThSNOThSNOTh~ NOThS TIASNOThSNOThSNOThSNOThSNOThSNOThS
Impactos da pesquisa acadêmica Fórum de C&T A pesquisa acadêmica tem
efetivamente impacto sobre a produção econômica sob a forma de inovações de produtos ou processos, com níveis variados de escala deaplicação.Além disso, o processo de inovação também se dá por via decontatos pessoais, através de treinamento ou da resolução de problemas práticos, sendo um resultado da interação entre a produção e a Pesquisa & Desenvolvimento(P&D).Éaconclusão da dissertação de mestrado Identificação de Impactos Económicos a Partir da Pesquisa Acadêmica: um Estudo de Projetas Temáticos da FAPESP, defendida pelo pós-graduando André Luiz Sica de Campos, da área de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp, no dia 2 de julho, tendo como orientador o professor AndréTosi Furtado.
Para o trabalho, ele selecionou 21 projetas temáticos financiados pela FAPESP, nas seguintes áreas de conhecimento: Agrárias, Humanas, Biológicas,Astronomia e Espaciais, Engenharia, Física, Administração e Economia, Matemática e Computação, Química e Saúde. Os projetas foram realizados no InstitutoAgronômico de Campinas (IAC), no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e na Unicamp. Seus coordenadores foram entre-
vistados em 1997. O levantamento constatou que 20 projetas tinham impacto científico-tecnológico; 16, impacto socioeconõmico; I O, impacto de interiorização da pesquisa; 5, impacto sociocultural, e I , impacto na formulação de políticas públicas.
No âmbito específico dos impactos socioeconômicos dos resultados dos projetas, ele constatou que 4 projetas tinham impactos reais efetivos (isto é, já aplicados na produção em grande escala), 4, impactos reais mas ainda em fase de transferência/ difusão, e 8, tinham potencial de aplicação econômica. Exemplos dos primeiros: o desenvolvimento de variedade de milho híbrido tolerante a alumínio, um aplicativo de verificação ortográfica, gramatical e de sinônimos, e o desenvolvimento de método de diagnóstico de doença causada pelaXylella fastidiosa em citros. Dentre os segundos (projetas com impactos reais ainda em fase de transferência/difusão) foram citados o desenvolvimento de um método de análise de solos para identificação de teores de micronutrientes, o desenvolvimento genético de um novo cultivar de amendoim, e o desenvolvimento de variedades de laranja livres de doenças e de seringueiras adequadas ao clima de São Paulo. Dentre os projetas na
Carlos Chagas Foi inaugurada oficial
mente a Biblioteca Virtual Carlos Chagas (http: //www.
sador, o TrFpanosoma cruzi , quanto do vetor, o inseto conhecido como barbeiro. A tua!-
prossiga.br chagas/), resultado da parccna entre o CNPq/Prossiga e a Fundação Oswaldo Cruz. O site traz informações sobre a vida e a produção c i enti fica do cien
..A :J·~~"~ <•J~ 4 0-ffl-....t.h ~ ' ;..,) ~
--... ... ~)' · ~1.. . - ·· .4J.j~ .t... •• .,..__;h,.
tista Carlos Chagas e sobre o chamado Mal ou Doença de Chagas, da qual ele foi odescobridor, tanto do agente cau-
("""-)
mente, nas grandes cidades, a transfusão de sangue é o principal meio de transmissão da doença.
6
ocasião classificados como de impacto potencial, foram destacados: processo para aproveitamento de xisto, processo para produção de piche mesofásico, desenvolvimento de software de controle de produção, desenvolvimento de protótipo para produção de energia a partir do carvão, método matemático para processamento de imagens e processo de desenvolvimento de hormônio do crescimento a partir de vegetais.
A dissertação de Campos busca contribuir para uma metodologia de identificação de impactos econômicos de P&D, adequados para a compreensão do ambiente econômico do País. Segundo ele, a avaliação econômica de P&D tem abordagens tanto quantitativas como de corte sociológico. Entretanto, a literatura existente, baseada em avaliações dos investimentos de P&D feitas especialmente em países desenvolvidos, é centrada em processos de inovação apoiados no setor privado, concentrando, portanto, o levantamento de dados em empresas. No caso brasileiro, os investimentos dependem principalmente do setor público e Campos mostra que o levantamento de dados para essa avaliação deve ser feito a parti r de pesquisadores acadêmicos.
Foi instalado, no dia 31 de maio passado, o Fórum de Ciência e Tecnologia do Mato Grosso do Sul, composto por representantes do governo e das comunidades científica e empresarial. Na ocasião foi definida, em um documento, uma política de ciência e tecnologia para o Estado, visando a um novo modelo de desenvolvimento. As iniciativas foram desmembradas em quatro tópicos: diretrizes gerais, recursos humanos, apoio à pesquisa científico-tecnológica e fortalecimento e gestão de C&T.
No primeiro, entre as medidas previstas, estão a promoção da integração entre os diversos agentes atuantes na área de C&T, com o objetivo de construir parcerias, e a promoção de mecanismos e programas por meio dos quais o conhecimento científico e tecnológico possa ser apropriado pelos setores produtivos. No tópico referente a recursos humanos, entre as medidas previstas estão o apoio à formação de recursos humanos em ciência e tecnologia, o desenvolvimento de estudos e programas que possibilitem a fixação de mestres e doutores no Estado e o desenvolvimento de programas para a formação de recursos humanos em áreas científico-tecnológicas estratégicas para o desenvolvimento do Mato Grosso do Sul.
ProBE em expansão O comitê dirigente do Pro
grama Biblioteca Eletrônica(ProBE) realizou, nos dias 4 e 5 de agosto, um ciclo de reuniões com editoras e agentes fornecedores de assinaturas eletrônicas de periódicos científicos para avaliaras possibilidadesdeexpandiroprograma. Os entendimentos foram feitos com representantes das editoras norte-americanasAcademic Press e High Wire Press e quatro diretores de agentes fornecedores que reúnem um grande conjunto de editores: OnlineComputer Library Center (OCLC), Blackwell's, EBSCO Brasil e SWETS Subscription Service.
A coordenadora do Pro B E e diretora do Sistema de Bibliote-
'ESP
cas da USP, Rosaly Favero Krzyzanowski, adianta que, inicialmente, a idéia é estender a todas as instituições do consórcio (USP, Unesp, Unicamp, UFSCar, Unifesp e Bireme) o acesso eletrônico a títulos que só algumas possuem de forma impressa, eliminando duplicações de assinaturas ao mesmo tempo em que promove a transição para o acesso via Internet a artigos científicos. Nesta primeira etapa, serão apresentadas propostas elaboradas segundo critérios de qual idade, rapidez e valores agregados. Numa segunda fase, o programa vai incorporar novos periódicos e definir as normas para adesão de outras instituições.
NO~SNO~SNO~SNO~SNOffiSNO~~ NO~S J~SNO~SNO~SNO~SNO~SNO~SNO~S
A FAPESP em BH
A FAPESP esteve presente na 2"d iUPAC -lnternational Conference on Biodiversity, realizada em Belo Horizonte, de 11 a 15 de julho, que reuniu cerca de 250 pesquisadores de diversos países. O coordenador do Programa Biota-FAPESP, Carlos Alfredo Joly, fez uma palestra sobre o programa, que pretende realizar todo o levantamento da fauna, flora e mi-
crorganismos do Estado de São Paulo. Também Andrew Simpson, coordenador dos projetas Genoma-Xylella e Genoma Humano do Câncer, que se desenvolvem no âmbito do Programa Genoma FAPESP, participou do encontro. No estande da FAPESP, bastante visitado, os pesquisadores puderam receber mais informações sobre a Fundação e os seus programas.
Jornalismo Científico Durante dois dias, após a
conclusão da Conferência Mundial sobre Ciência para o Século 21: um Novo Compromisso, realizada em Budapeste, Hungria, de 26dejunhoa l0 dejulho, 146jornalistas científicos de 30 países elaboraram uma declaração com oito recomendações para o exercício do jornalismo científico. O documento, resultado da Segunda Conferência Mundial de Jornalistas Científicos, parte do texto elaborado na primeira conferência, que aconteceu em Tóquio, em 1992, e chama a atenção desses profissionais para sua crescente responsabilidade na reportagem de fatos científicos de forma acurada, clara, completa e independente.
A declaração alerta para a necessidade de jornalistas científicos estarem atentos não apenas para a Ciência e Tecnologia em si mesmas, mas para seu contexto social e político e seus meios de produção. Os efeitos e dimensões internacionais de C&T, segundo o documento, devem também mo tivar jornalistas a superar barreiras de idiomas e aumentar esforços para atingir outras culturas. Editores e organizações de comunicação devem reconhecer o amplo interesse público e a importância social e para a democracia do jornalismo científico, oferecendo
maior suporte, espaço, tempo na programação, profissionais e treinamento para jornalistas que trabalham ou que estão entrando neste campo.
Outras recomendações com respeito ao desenvolvimento do fluxo de informações na Internet em outras línguas, além do inglês, e a atenção para a necessidade de monitoramento constante da qualidade, objetividade e integridade da informação na rede mundial de computadores também foram feitas no encontro. Na ocasião, os jornalistas concordaram em convocar a Unesco e outras organizações para apoiar a criação de uma federação mundial de associações de jornalistas, que se reuniria a cada dois anos e que criaria uma comunidade de jornalistas científicos por meio de uma página eletrônica bem feita, acessível, editada e de qualidade controlada.
Finalmente, o encontro de jornalistas científicos sugere a chamada da Unesco e de outras organizações mundiais para criar meios acessíveis de formação de jornalistas científicos a todas as nações. Esses meios devem refletir o novo e amplo papel do jornalismo científico, evidenciado na Conferência Mundial sobre Ciência.
A defasagem entre a ciência e a tecnologia nacionais Na edição passada do Notí
cias FAPESP, a de N° 43, publicamos, na seção Opinião, artigo do professor Edgar DutraZanotto, do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, com o título A defasagem entre a ciência e a tecnologia nacionais. A Tabela II que acompanhava o artigo foi publicada com incorreção. Estamos republicando a tabela com o trecho do artigo que faz referência a ela:
"Impacto da Ciência Nacional Os fatores de impacto (FI)
apresentados na Tabela II foram obtidos do excelente trabalho de DeMeise Leta (JJ_ Dentre inúmeros levantamentos, DeMeis e Leta computaram, para várias áreas do conhecimento, o número de citações dos trabalhos científicos assinados por autores vinculados a instituições brasileiras, acumuladas entre 1981 e 1993 (13 anos), e o dividiram pelo número de publicações de autores brasileiros no período 1981-1990 (I O anos). Além disso, DeMeis e Leta contabilizaram o percentual dos artigos nacionais indexados nunca citados, nesses 13 anos ( 44% ), e demonstraram que esse percentual é similar ao dos artigos mundiais jamais citados(49% ). Tal coincidência de
índices poderia levar à conclusão de que a qualidade média das publicações nacionais é semelhante à qualidade média dos trabalhos internacionais.
Evitando discorrer sobre a polémica questão de saber se a qualidade de um determinado trabalho ou periódico científico pode realmente ser avaliado pelo número de citações ou fatores de impacto(acreditamosqueestessejam indicadores relativos aceitáveis, pelo menos para comparações no interior de uma mesma área do conhecimento), apresentaremos a seguir uma análise sobre o impacto da produção científica nacional, usando dados de DeMeis e Leta, além de evidências adicionais.
Significativo é o fato de que as publicações de autores radicados no Brasil em co-autoria com pesquisadores estrangeiros (geralmente de países desenvolvidos) têm aproximadamente o dobro do impacto dos artigos publicados somente pelos primeiros. Por exemplo, a Tabela II mostra que o fatorde impacto médio (FI) das Engenharias nacionais salta de 3 para 7 e o de Física salta de 4 para 8, quando há participação de co-autores de instituições estrangeiras."
ÁREA "FATOR DE IMPACTO " ARTIGOS BRASILEIROS COLAB. EXTERIOR NUNCA CITADOS
Física 4,0 8,0 20% Química 4,5 7,0 18% Engenharia 3,0 7,0 35%
Média de todas as ciências: (1981-90) BrasiUmundo 4,4/7,1 44 /49 %
Tabela 11. Falar de impacto dos artigos publicados somente por autores 'oinculados a instituições nacionais e daqueles publicados em colaboração internacional, em penódicos indexados pelo ISI (número de citações entre 1981 e 1993 di'oidido pelo número de artigos publicados entre 1981 e 1990).
Escritório de patentes A Fundação para o Desenvol
vimento da Unesp (Fundunesp) criou o Escritório de Patentes, para auxiliar o registro de invenções de pesquisadores da universidade. O Escritório funciona junto ao prédio daFundunesp,emSãoPaulo,etem como responsável Antônio Carlos Massabni, diretor de fomento à pesquisa da Fundação. Segundo ele, atualmente, a complexidade
das exigências para registro de uma patente é enorme e todo o processo é bastante demorado.A função do escritório é a de assessorar o pesquisador nessa tarefa. Uma comissão formada por pesquisadores da Unesp avaliará os trabalhos, antes de ser encaminhado o requerimento de patente ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
7 p, p
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
MEMÓRIA
Franco Montoro e a Ciência O governador pôs em dia o repasse de recursos à FAPESP
Ao assumir o governo do Estado de São Paulo, em março de 1983, eleito com 5 milhões de votos, na primeira eleição di reta para governador após o golpe militar, André Franco Montoro afirmou: "A grande obra do meu governo será a soma das pequenas obras". Ali ele definia o seu estilo: pouca importância para as aparências e realizações de curto prazo e ênfase ao trabalho duradouro, com resultados significativos para a sociedade.
Poucos meses após a sua posse, talvez tenha passado despercebido do grande público o significado de um pequeno gesto do governador: depois de uma audiência com os diretores da FAPESP, Montoro assegurou a regularidade da transferência dos recursos do Estado para a Fundação, que, a partir de então, não atrasaram mais. Eram transferências asseguradas pela Constituição de 1947, mas que nem sempre foram rigorosamente feitas . Foi um gesto de pouca visibilidade do ex-governador, mas estratégico o bastante para permitira manutenção das atividades rotineiras da Fundação, que freqüentemente tinha de recorrer às reservas próprias para assegurar a continuidade da concessão de bolsas e de auxílios à pesquisa.
Mas o governador foi mais além. "Os recursos destinados à FAPESP - 0,5% do orçamento - eram transferidos pelo Estado com dois anos de atraso, o que reduzia seu valor a menos da metade", escreveu ele, no artigo "Trinta Anos de Apoio à Pesquisa", publicado na imprensa, por ocasião dos trinta anos da Fundação. Como solucionar isso? Ainda em 1983, logo após um seminário realizado na Assembléia Legislativa com a finalidade de aproximar a comunidade científica e a classe política, com marcantes pronunciamentos do próprio Franco Montoro a favor da ciência e da educação, o deputado Fernando Leça elaborou uma proposta de emenda à Constituição estadual para regularizar definitivamente o fluxo de recursos à FAPESP, que seria calculado com base no ano anterior e repassado em duodécimos mensais.
A emenda foi debatida, votada e por fim aprovada, passando a vigorar a partir de 1985. "Se Montoro não apoiasse, a proposta não passaria", comenta Leça, hoje diretor-superintendente do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e membro do Conselho Superior da FAPESP. Odesdobramento dessa outra aparentemente pequena obra do governador, falecido recentemente, no dia 16 de julho, dois dias após completar 83 anos, foi que a dotação anual da Fundação triplicou, favorecendo o desenvol-
vimento de suas atividades, que se desdobraram inclusive em grandes projetos científicos de impacto em São Paulo e no País.
Franco Montoro compreendia bem a importância da FAPESP e da ciência e tecnologia. Em 1993, em entrevista ao jornal Gazeta Mercantil, ele afirmou que "as políticas voltadas para o desenvolvimento científico e tecnológico nacional ganhariam mais consistência com a multiplicação, por todo o País, de experiências similares à da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo." Ele destacava, como pontos a serem imitados, a disposição estatutária que restringe a 5% do orçamento as despesas administrativas da Fundação e a competência admin istrativa da comunidade científica. "A generalização desse modelo da FAPESP, junto com uma visão de desenvolvimento científico e tecnológico que respeita as peculiaridades de cada região, auxi liaria muito o desenvolvimento do País", disse ele.
Institutos de pesquisa Permitira regularidade da transferência
de recursos à FAPESP não seria a única pequena obra de grandes efeitos realizada pelo ex-governador na área de política científica. Montoro mostrou-se envolvido com a comunidade científica ao longo de todo o seu governo. E mais de uma vez agiu como um autêntico cientista, sabendo esperar, pacientemente, atento não ao impacto imediato dé suas ações, mas aos beneficias a longo prazo de seu trabalho à sociedade.
Com uma visão abrangente, ele acompanhou a montagem de um modelo que poderia resolver a conturbada situação dos institutos públicos de pesquisa paulistas. Queixas de salários defasados e de fa lta de condições de trabalho motivaram a formação de um grupo de trabalho, com pesquisadores dos próprios institutos e das universidades e representantes do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia. Fizeram um levantamento das atividades e dos impasses dos institutos e elaboraram uma proposta de reorientação dos institutos, que seriam integrados às universidades. Os pesquisadores das universidades poderiam trabalhar nos institutos, sendo possível também o caminho inverso. Oplanoeraconstituiruma estrutura única de produção científica. Montoro gostou da idéia, mas a aproximação não ocorreu.As instituições de pesquisa preferiram manter as personalidades próprias.
De qualquer forma, os pesquisadores conseguiram, em dezembro de 1983, "dar continuidade à implementação de seu plano
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de carreira, após a criação de 1.811 cargos de pesquisador científico. Por sua vez, o orçamento das universidades estaduais seria reajustado gradativamente", segundo Marilda Nagamini , autora do artigo A FAPESP nos tempos da globalização; da década de 80 aos dias atuais , em FAPESP, Uma História de Política Científica e Tecnológica.
Coerência "O governo de Montoro foi marcado
pela absoluta coerência entre o discurso e a prática", atesta Fernando Leça. Coerência, aliás, parece ter sido a marca dele, um dos maiores nomes da política brasileira. Nascido na cidade de São Paulo em 1916, Franco Montoro formou-se em Direito, tendo sido vereador, professor universitário, deputado estadual e federal, ministro do Trabalho e senador antes de assumir o posto máximo do Executivo paulista. Ao deixar o governo, reelegeu-se deputado federal , presidindo a Comissão de Relações Exteriores da Câmara e o Instituto Latino-Americano (ILAM), cargo que exerceu até a sua morte.
Ao longo de toda a sua vida pública, teve grande preocupação com o social - educação, saúde e trabalho-, vendo sempre o desenvolvimento do País indissoluvelmente ligado à melhoria das condições de vida da população. "Montoro era um homem de grande visão social", comenta Alberto Carvalho da Silva, escolhido como diretor-presidente da FA~ PESP, com o respaldo da comunidade científica , no final de seu mandato.
Essa visão está sintetizada em uma de suas frases: "Se unirmos o Brasil em torno da idéia generosa de um desenvolvimento baseado em nossos próprios recursos, um desenvolvimento cujo centro seja a pessoa humana, iniciaremos um movimento de transformações sociais que hão de marcar a nossa história".
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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
Troca de experiências Fórum das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa reúne-se em Porto Alegre e elege novo coordenador
A continuidade dos trabalhos do Fórum das Fundações de Amparo à Pesquisa de todo o Brasil, segundo o regime de manter encontros periódicos para discussão de problemas comuns e troca de experiências, foi a principal decisão tomada por representantes das FAPs sobre a organização do Fórum. Em encontro realizado durante a 51 a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Porto Alegre, todos os diretores-presidentes e representantes de Fundações concordaram que a existência do Fórum é fundamental para o acompanhamento das questões relativas à Ciência e Tecnologia no País, e sua estrutura atual é a mais adequada para contribuir de forma produtiva e autónoma para o avanço dos debates sobre a política nacional de Ciência e Tecnologia.
a abertura da reunião dos representantes das Fundações, que aconteceu nos dias 15 e 16 de julho, a recém-empossada presidente da SBPC, a bioquímica Glaci Zancan, destacou a disposição da entidade para lutar, ao lado das FAPs, pela ampliação dos sistemas de Ciência e Tecnologia nos Estados e nos municípios e pelo fortalecimento das fundações de amparo em todo o País. "Movimentos cíclicos, ondulatórias, são prejudiciais ao sistema. É importante que os Estados tenham suas estruturas de apoio à atividade de pesquisa científica dentro de suas possibilidades, preservando a cultura da análise de mérito", afinnou.
Não pode haver dissociação entre Ciência e Tecnologia e desenvolvimento industrial nem, também, em relação ao desenvolvimento económico e social, segundo o economista José Carlos Cavalcanti, diretor-presidente da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (FACEPE), que fez uma apresentação sobre Avaliação de Projetos e de Impacto das FAPs na Sociedade.
Impacto social Escolhido como coordenador do Fómm,
odiretorda FACEPEelogiaos sistemas de avaliação de mérito, mas lamenta que a preocupação nacional com a capacitação não seja acompanhada dos meios de medir seus impactos. "Precisamos criar um novo patamar enquanto fazedores de C&T", disse. Cavalcanti
recomendou a instituição de um sistema nacional de inovação, que é geradora de riqueza, e a busca de recursos para consolidação de capital humano.
A falta de cobrança da sociedade sobre quando e como o capital investido em C&T retorna, naopiniãodo professor Francisco Romeu
Landi, diretor-presidente da FAPESP, não justifica a possível ausência de infonnações sobre o uso de recursos do contribuinte. "É preciso que todos saibam que o investimento em pesquisa vale a pena. O que se deseja é o desenvolvimento da sociedade, mas, por outro lado, não podemos concordar com a visão fazendária de que o retorno do investimento acontece em pouco tempo." Landi ilustra sua posição com o Programa Genoma, financiado pela fundação paulista. "A pesquisa é acadêmica, mas tem aplica
ção imediata. No caso do GenomaXylella, por exemplo, que está em fase de conclusão do seqüenciamento da bactéria que causa a praga do amarelinho, há uma ligação direta com questões socioeconómicas. Entretanto, à medida que se afasta das aplicações imediatas, passa a ser muito dificil medir impactos."
Na pauta, a extinção da FAPEMA Um dos temas de destaque durante a reunião
entre diretores-presidentes de FAPs e o presidente do Fórum Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência e Tecnologia, Adão Villaverde, do Rio Grande do Sul, foi a extinção da Fundação de Amparo à Pesquisa do Maranhão (FAPEMA), decorrente de uma reforma administrativa aprovada pela Assembléia Legislativa daquele estado. Em seu lugar, foi criado um Fundo de fi· nanciamento à pesquisa. O conjunto de representantes das FAPs, sob a coordenação do diretor -presidente da FACEPE, redigirá um documento em que solicita a manutenção, para o Fundo, do repasse de recursos da FAPEMA e a adoção dos mesmos critérios de seleção de projetas.
Para Glaci Zancan, presidente da SBPC, o importante é preservar o sistema de análise de mérito pela qualidade do projeto, pela revisão por pares especializados e priorizar pesquisas científicas de acordo com seu interesse para a população, e não pelo imediatismo político. A pesquisadora disse que os estados não podem ser escravos de um modelo de agência de fomento e acredita que é preciso discutir alternativas com as administrações estaduais.
O Fórum de Secretários de Ciência e Tecnologia também discutiu a extinção da Fundação do Maranhão. Segundo o secretário Adão Villaverde,
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a maioria de seus integrantes reconhece que o estado tem autonomia para tomar esta decisão, muito embora, em sua opinião, as fundações devam
Reunião conjunta dos dois Fóruns
ser preservadas porque representam uma forma avançada de estruturação de uma política de fomento, sobretudo sob os aspectos da análise do mérito e da autonomia científica.
A SBPC e a Secretaria Regional da SBPC do Maranhão também decidiram encaminhar à governadora Roseana Sarney uma cópia do documento aprovado pelo Conselho da Sociedade, que trata dos prejuízos à atividade científica do estado e pede providências para reativação da FAPEMA.
Sob a coordenação de Alberto Carvalho da Silva, professor honorário do Instituto de Estudos Avançados da USP, a Fundação está financiandooprojetoAvaliaçãodofmpactoda FAPESP no Desenvolvimento Científico e TecnológiconoEstadodeSão Paulo. "O trabalho está definindo parâmetros e estruturando uma metodologia de avaliação de impacto a partir de 130 entrevistas e 600 questionários, e já existem indicadores das áreas em que o trabalho teve maior relevância para o desenvolvimento socioeconômico", relatou Landi .
Outro tema levantado durante a reunião foi a possibilidade de operação, pelas FAPs, dos recursos provenientes dos royalties do petróleo recolhidos pelo governo federal e a flexibilização de sua aplicação para a área de energia como um todo, pois eles só poderiam serutilizados em pesquisas envolvendo petróleo e gás. No final de novembro de 1998, um decreto presidencial modificou a legislação e passou a transferir para o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) os recursos queatéaquela data eram repassados integralmente para Estados e municípios. Com a mudança, o MCT passou a contar com quantias extra-orçamentárias equivalentes ao corte de verbasparaC&Tresultantedasmedidasdeajuste fiscal do início deste ano.
Os sistemas de informação em Ciência e Tecnologia também estiveram na pauta da reunião das FAPs. A Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) se propôs a elaborar e disponibilizar a partir de setembro, na Internet, o LATTES, sistema único que encamparia todos os sistemas existentes. O projeto de unificação, apresentado por Evandro Mirra de Paula e Silva, vice-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), não chega a ser polêmico entre os representantes das FAPs, mas levanta algumas preocupações em relação ao investimento necessário para sua criação.
Financiamento e integração A questão dos desequilíbrios regionais
também foi levantada por Mirra. "A uniformidade nacional em relação à investigação científica é possível acima de um certo patamar de recursos. Devemos buscar alternativas para estabelecer esse patamar e construir programas regionais de pesquisa com estratégias diferentes, partindo da constatação de que há grupos de excelência em diferentes áreas que ampliam o trabalho científico." Para o vice-presidente do CNPq, é necessário localizar esses grupos e formar redes de pesquisa nas diversas regiões para juntar esforços.
Para a próxima reunião, que será realizada em Recife, nos dias 25 e 26 de novembro, o Fórum das Fundações de Amparo à Pesquisa definiu como ternário a discussão de novas metodologias para parcerias regionais, a definição de estratégias e mecanismos para maior integração entre as FAPs no desenvolvimento de trabalhos conjuntos e a comercialização de Ciência e Tecnologia.
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
SB
Reunião polêmica Transgênicos, Mercosul e financiamento
à pesquisa politizam debates
Produtos transgênicos, relações internacionais e escassez de recursos para a pesquisa científica no País foram assuntos que deram o tom acentuadamente politizado dos debates da 51" Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com o título "Mercosul: A Quebra das Fronteiras", o encontro atraiu cerca de 40 milestudantes, pesquisadores e cientistas doBrasil e países vizinhos, de li a 16 de julho.
A reunião coincidiu com a posse da nova presidente da SBPC, a bioquímica G la c i Zancan, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que deverá trabalhar, nos próximos dois anos, na articulação de alianças para ampliar o poder de influência da entidade na definição das políticas nacionais de pesquisa. Glaci assumiu no lugar do farmacólogo Sérgio Henrique Ferreira, de quem foi vice-presidente durante duas gestões, e já sinalizou para uma aproximação mais efetiva com o Fórum Nacional dos Secretários de Ciência e Tecnologia e com o Fórum das FAPs, que se reuniram dois dias durante o encontro anual.
A 51" Reunião da SBPC também testemunhou, dia 16, a substituição do ministro da Ciência e Tecnologia, Luiz Carlos Bresser Pereira, por Ronaldo Sardenberg, deslocado do Ministério Extraordinário de Projetos Especiais, antiga Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). Bresser chegou a participar da solenidade de abertura, no domingo ante-rior, dia II, anunciando um incremento de I 0% no orçamento do MCT este ano. Entretanto, mesmo com a elevação prometida para o orçamento, de R$ 700 milhões em 1998 para perto de R$ 800 milhões este ano, a ciência e tecnologia ainda contará, em 1999, com o mais baixo volume de recursos dos últimos anos. Em 1994, os investimentos do MCT no setor foram de R$ 956 milhões, de um total de R$ 2,2 bilhões aplicados por todo o governo federal, e caíram sem parar até o ano passado.
A nomeação de Sardenberg gerou, pelo menos em princípio, expectativas positivas no meio científico. A presidente da SBPC interpretou a decisão do governo federal como um sinal de que, em função da origem do novo ministro, a ciência e a tecnologia poderiam passar a ser vistas de maneira estratégica. "Esperamos que ele possa lutar por orçamento", disse Glaci, acrescentando que a entidade tem interesse em conversar com Sardenberg para apresentar as suas posições e reivindicações.
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Mesmo com a reação favorável à mudança no comando do Ministério, a SBPC pretende, por intermédio de sua articulação com o Fórum dos Secretários, ampliar seu poder político para lutar pelo aumento do financiamento à ciência e tecnologia e pela sua distribuição mais equilibrada pelo País. O primeiro resultado concreto é a proposta definida no encontro em Porto Alegre e que será levada ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
A proposição amplia para todo o País e todas as instituições científicas a isenção de TCMS sobre a importação de equipamentos para a pesquisa. Atualmente o benefício é limitado a compras externas feitas pelas universidades federais nos Estados do Rio Grande do Sul, Piauí, Amazonas, Ceará e Pará, desde que a operação já esteja livre do pagamento de Imposto de Importação (II) por forçada lei 8.010, de 1990.
Desigualdades regionais A aproximação entre SBPC e secretários
é boa para ambas as partes. "Temos consciência da necessidade de articulação com a comunidade científica para delinear um projeto de desenvolvimento que enfrente a dependência tecnológica externa e as desigualdades regionais", disse o presidente do Fórum, Adão Villaverde, do Rio Grande do Sul. De acordo com o secretário do Rio de Janeiro, Wanderlei de Souza, a região Sudeste fica com mais de 80% dos recursos nacionais para ciência e tecnologia. Somente São Paulo leva 50%.
Durante a Reunião Anual, o professor Luiz Martins de Melo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), defendeu a criação de um grande fundo para o financiamento da pesquisa no Brasil. Uma das "pernas" do novo sistema seria o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que teria a função de garantirrecursos subsidiados e "constantes" para o setor.
O professor Guilherme Ary Plonsky, da Universidade de São Paulo (USP), salientou que as próprias empresas brasileiras ainda investem muito pouco em pesquisa. De acordo com ele, a participação do setor privado nos gastos totais com pesquisa, desenvolvimento, aquisição de tecnologia e "engenharia não rotineira" no País passou de I 0% para 32% desde o início da década. Esta parcela, entretanto, é muito pequena quando comparada aos 50% registrados no Estados Unidos e aos 80% no Japão, destacou.
Autonomia e transgênicos As articulações da SBPC também deve
rão ser orientadas para ampliar sua influência nas discussões sobre o projeto de autonomia universitária. Segundo Hélgio Trindade, ex-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e conselheiro da entidade, a intenção é abandonar a posição a tua!, apenas "reativa" às propostas do governo federal.
O tema não chegou a ganhar destaque durante os debates públicos da 51 a Reunião Anual, mas sua importância está expressa no programa da nova diretoria, que incorporou a área de educação às suas metas centrais de atuação. De acordo com Trindade, isso mostra que a SBPC compreendeu que ciência e tecnologia dependem fundamentalmente da universidade pública, onde se concentram 90% das pesquisas em curso no País.
O conselheiro identifica um consenso no meio científico e acadêmico de que é preciso aprimorar o sistema de autonomia universitária, mas ressaltou a necessidade de "interferir na orientação das novas políticas". É imprescindível deter, por exemplo, o processo de "desfinanciamento" das 52 universidades federais, que, juntas, recebem R$ 5,5 bilhões por ano, contra os R$ 2 bilhões a R$ 2,5 bilhões repassados pelo governo de São Paulo às suas três instituições de ensino superior: USP, Unesp e Unicamp.
O tema que mais atraiu o interesse do público na reunião de Porto Alegre foi a pesquisa, o plantio e o consumo de produtos geneticamente modificados. O assunto, envolto em pendências judiciais que impedem a Monsanto de comercializar suas cinco variedades de soja transgênica aprovadas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança(CTNBio), revelou uma profunda divisão entre a comunidade científica.
"Sabemos muito pouco a respeito do tema", disse Glaci Zancan,justificando o fato de que os transgênicos ainda despertam "paixões" contrárias, de um lado, e favoráveis, de outro. A presidente da SBPC defendeu a po-
A FAPESP na Expociência
sição oficial da entidade, que sugere uma moratória de cinco anos para a liberação comercial desses produtos, até que todos os testes necessários sobre seus impactos na saúde humana, animal e no meio ambiente possam ser concluídos.
Para Glaci, a segurança da população para consumir produtos geneticamente modificados atualmente é apenas "relativa", já que os experimentos feitos até agora se limitaram a avaliar aspectos ligados à produtividade das culturas.
A posição da presidente da SBPC, porém, não espelha um consenso dentro da comunidade científica, exceto quando defende a manutenção das pesquisas na área. O geneticista gaúcho Francisco Salzano, da UFRGS, homenageado no encontro anual, defendeu a liberação dos produtos geneticamente modificados no País e chegou a classificar de "medieval" a decisão do governo do Rio Grande do Sul de transformar o Estado em área livre de transgênicos.
A pesquisadora Maria Irene Baggio, da Embrapa de Passo Fundo (RS), propôs a adoção de uma "moratória flexível" em relação ao plantio comercial de sementes geneticamente modificadas. Segundo ela, produtos transgênicos podem trazer riscos, mas também benefícios à saúde e ao controle ambiental, e as liberações deveriam ser estudadas caso a caso levando isso em consideração.
Mário Toscano Filho, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e membro da CTNBio, considerou "válida" na finalidade de "proteger seus cidadãos de possibilidades de risco" a decisão do governo gaúcho de transformar o Rio Grande do Sul em área livre detransgênicos. Ele ressalvou, contudo, que, em vez da proibição, "talvez fosse mais adequado montar um projeto vinculando a atuação das empresas a investimentos em controle de risco", numa linha semelhante à proposta pela presidente da SBPC.
Mercosul Os diversos debates a respeito do tema-
A FAPESP teve uma participação de grande destaque na Expociência,evento paralelo à 51ª reunião da SBPC, realizada em Porto Alegre, de 11 a 16 de julho. No estande foram instalados quatro microcomputadores, onde os visitantes podiam obter informações sobre todos os programas de pesquisa financiados pela Fundação, como o Genoma, Inovação Tecnológica, ProBE (Biblioteca Eletrônica), Biota- o Instituto Virtual da Biodiversidade, Ensino Público e outros, além de consultar informações dos Indicadores de Ciência e Tecnologia e conhecer o Sei ELO- Scientific Eletronic LibraryOnline.
Nos seis dias de exposição, instalada no câmpus da PUC do Rio Grande do Sul, o estande recebeu um grande número de visitantes. Cerca de 40 mil pessoas- estudantes e pesquisadores do Brasil e países vizinhos- participaram da SBPC Jovem e da SBPC Sênior, este ano.
título da 51 a Reunião Anual da SBPC levaram a uma conclusão consistente: as barreiras do Mercosul estão longe de desaparecer e os países do bloco económico ainda priorizam as visões nacionais nas relações com seus parceiros e com outros mercados internacionais. Outra constatação é que o processo de integração, tanto em âmbito regional quanto global, carrega distorções profundas que impedem sua apropriação pela maioria da população.
Para o professor Henrique Rattner, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), a integração é comandada exclusivamente pelas grandes empresas transnacionais e por parte das burocracias dos Estados, "atropelando" todos os demais setores sociais. Ele salientou que o processo deve ser conduzido de maneira a reduzir as disparidades entre os países sem desestruturar as economias locais, o que exige a participação de setores mais amplos das sociedades, como instituições comunitárias e Organizações Não-Governamentais (ONGs).
Paulo Nogueira Batista Júnior, da Fundação Getúlio Vargas, chegou a classificar de "exagerada" a importância atribuída ao Mercosul. Ele também considera "perigosa" a necessidade de o Brasil adequar suas estratégias de desenvolvimento aos interesses dos países parceiros, especialmente a Argentina, que "foi bem mais longe na descaracterização do Estado nacional".
Batista Júnior disse ainda que o resultado da liberalização económica a partir do início da década no Brasil é um "fiasco".A abertura, segundo ele, provocou uma taxa de crescimento inferior à da "década perdida" de 80 e um desemprego "muito maior". O professor defendeu ainda um Banco Central "intervencionista" sobre os capitais voláteis e na administração do perfil do endividamento externo e ainda a adoção de um "viés não declarado" de desvalorização cambial para assegurar a competitividade das empresas brasileiras no exterior.
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
Parceria inédita FAPESP e FACEPE assinam acordo para a participação de pesquisadores pernambucanos no Genoma Cana
Uma parceria inédita entre fundações estaduais de amparo à cultura foi estabelecida em Recife, no último dia 30 de julho: a paulista FAPESP e a pernambucana FACEPE- Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia assinaram um acordo técnico que abre a Rede ONSA (Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos ), criada em 1997 pela Fundação de São Paulo, e particularmente seu Projeto Genoma da Cana-deAçúcar, à participação dos pesquisadores pemambucanos.
Burnquist, e dezenas de pesquisadores pernambucanos.
Numa visão panorâmica da economia brasileira, Pernambuco e cana-de-açúcarformam um par quase óbvio, a despeito do sensível declínio experimentado por essa agroindústria no Estado, nos últimos 30 anos, com a conseqüente queda de sua participação no PIB estadual. Não há nisso o que estranhar: afinal, o setor sucro-alcooleiro pernambucano tem 400 anos de história, como destacou o superintendente do Sebrae-PE, e durante
De acordo com o documento firmado pelas duas FAPs, a cooperação prevê, além da montagem de uma infra-estrutura de laboratórios de seqüenciamento genético e de bioinformática, a capacitação e o aperfeiçoamento de recursos humanos na área de biologia molecular e de bioinformática em Pernambuco, para que o Estado possa parti c i par do Genoma da Cana. Os laboratórios pernambucanos incluídos na ONSA terão as mesmas obrigações que os laboratórios pau
Silva Cavalcanti e Brito Cruz comemoram a parceria
listas participantes da rede, e a FAPESP, entre outras coisas, fará o acompanhamento de suas atividades para assegurar a qualidade técnica do trabalho.
Entrelaçamento histórico A assinatura do convênio pelos presi
dentes da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, e da FACEPE, José Carlos Silva Cavalcanti , ocorreu durante o workshop de lançamento do Projeto Genoma-Pernambuco, na sede local do Sebrae (Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa). Participaram também do evento, que se estendeu pela manhã e tarde do dia 30, com exposições detalhadas e debates sobre o Programa GenomaFAPESP e seu projeto da cana, os di retores científicos das fundações paulista e pernambucana, José Fernando Perez e André Freire Furtado, o superintendente do Sebrae-PE, Fausto Falcão Pontual , o coordenador do Projeto Genoma Cana-de-Açúcar, Paulo Arruda, o gerente de Fitotecnia da Copersucar (Cooperativa dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo), William
longa parte dessa história foi o pilar central do desenvolvimento econômico do Estado.
Natural , portanto, que a participação de Pernambuco no Projeto Genoma da Canade-Açúcar seja vista com entusiasmo no ambiente de ciência e tecnologia no Estado, não só pelo que pode representar para o avanço regional da biologia molecular e da bioinformática, como pelo suporte que indiretamente poderá oferecer ao desenvolvimento local de novos produtos originários da canade-açúcar, com maior valor agregado.
Segundo Fausto Pontual, se o setor sucro-alcooleiro de Pernambuco em toda a sua história caracterizou-se por depender de um número restrito de produtos - açúcar, álcool, melaço, torta de filtro, bagaço e, em alguns raros casos, o aproveitamento da levedura -, há hoje uma grande demanda por "tecnologias de produção para adoçantes naturais com baixo poder calórico, plásticos biodegradáveis, peles artificiais, hormônios, fármacos , energia, compensados etc". Para cada um desses produtos, destacou ele em sua fala na abertura do workshop, "um con-
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junto de genes controla as diferentes rotas metabólicas que implicam os resultados finais desejados por essa nova indústria". E a seleção de variedades de cana com características específicas para os fins industriais visados poderá continuar a ser feita em campo, ou "empregando-se tecnologias mais refinadas de identificação dos genes envolvidos". Exatamente neste ponto, ressaltou, "é que entra a importância de um projeto científico com as características do Genoma da Cana-de-Açúcar".
Essas características, antes de serem apresentadas em seus detalhes técnicos por Perez e Arruda, foram situadas no plano mais amplo das estratégias da pesquisa científica por Brito Cruz. "O Projeto Genoma da Canade-Açúcaragrega fatores muito importantes, que dentro do ambiente de ciência e tecnologia brasileiro são pensados de maneira bastante dissimilar: ele é simultaneamente um projeto de ciência básica, de ciência aplicada e de tecnologia", disse. BritoCruzcitou o livro "O Quadrante de Pas
teur", de Donald Stokes, em apoio à tese de que, em lugar da velha oposição entre ciência básica, ciência aplicada e tecnologia, é preciso buscar, na pesquisa, o que é relevante do ponto de vista do conhecimento e do ponto de vista socioeconômico, independentemente de antigas categorias. "Não necessariamente a ciência mais básica é menos útil. Nem a pesquisa tecnológica é despida de importância para a construção do conhecimento. Pasteur, por exemplo, queria melhorar a produção de cerveja quando chegou a descobertas essenciais de ciência básica", disse.
O presidente da FAPESP observou depois que a parceria que naquele momento se celebrava com a FACEPE era uma importante novidade dentro das práticas nacionais de ciência e tecnologia e se confessou surpreendido com a rapidez com que as negociações entre as duas FAPs avançaram até a formalizaçãodo convênio. "A idéia surgiu há dois ou, no máximo, três meses, e hoje aqui estamos para assinar o convênio", disse.
A velocidade da montagem do acordo foi destacada também pelo presidente da FACE-
PE, que se disse "honrado com a parceria" que permitirá a Pernambuco participar de "um projeto de pesquisa sério, inovador, com características dos mais avançados projetas do Primeiro Mundo". Na visão de Cavalcanti, o Projeto Genoma da Cana-de-Açúcardeflagra uma nova perspectiva de conhecimento no Estado. "Estaremos preocupados em cumprir as exigências do convênio e em permanecer na Rede ONSA", observou, bem-humorado.
Rápido progresso A platéia de pesquisadores pemambuca
nos no workshop do Genoma Cana, com notória participação feminina , e jovem, ouviu
plicar a metodologia do trabalho com genes expressos nos vários tipos celulares (ESTs), para identificação prioritária daqueles envolvidos com processos metabólicos de grande significado para a agroindústria da cana, como o da produção de sacarose e os que definem a resistência da planta.
Paulo Arruda apresentou um breve resumo do quadro internacional da pesquisa de genoma de plantas e informou que, segundo os dados mais recentes de julho deste ano, dos poucos mais de 2,8 milhões de genes depositados no GenBank mantido pelo NIH (National Institutes of Health), apenas 6% eram
mando as bibliotecas, fonte da informação que será trabalhada no laboratório de bioinformática. "A informação no laboratório de bioinformática corresponde sempre a uma placa de clones no rreezer, a menos 70 graus", sintetizou.
Paulo Arruda informou que o projeto já tem 40 mil clones prontos para seqüenciamento. "Até o final deste ano eles deverão estar seqüenciados, ou seja, deveremos ter realizado 30% do trabalho de seqüenciamento", disse. Informou também
do diretor científico da FAPESP uma exposição didática sobre o Programa Genoma da Fundação paulista. Perez explicou a origem da sigla ONSA, seu paralelismo corajoso e bem-humorado com o TIGR norteamericano (The lnstitute for Genomic Research, a mais famosa instituição internacional de pesquisa genômica) e traçou a cronologia do programa desde que seu projeto pioneiro, o de seqüenciamento da Xylle
Perez (no destaque) apresentou o Programa Genoma, sob o olhar atento de Paulo Arruda, William Burnquist, João Kitajima e Silva Cavalcanti
que 2 mil genes da cana estão a essa altura seqüenciados e explicou para os pesquisadores pernambucanos que cada laboratório envolvido no projeto tem que fazer no mínimo 4 mil seqüências de
la fastidiosa , foi lançado, em outubro de 1997. Deu a notícia de que, àquela altura, já estavam seqüenciados mais de 98% do genoma dessa bactéria causadora da Clorose Variegada dos Citros, a praga do amarelinho, querepresenta uma séria ameaça para a citricultura paulista, e manifestou a convicção de que em setembro o seqüenciamento estará concluído - oito meses, portanto, antes do prazo originalmente estabelecido. Perez também situou rapidamente a entrada dos outros projetas - Genoma Humano do Câncer, Cana, Genoma Funcional da X fastidiosa e Genoma daXantomonas citri - no Programa Genoma-FAPESP.
O diretor científico da FAPESP, afinado com um pensamento que hoje é generalizado no ambiente internacional da pesquisa genômica, fez, por fim, uma previsão de que a atividade de seqüenciamento na academia logo deverá estar superada. A atividade tem um forte componente industrial e deverá se concentrar na indústria. "Mas a bioinformática, que lhe deu forte impulso, vai perdurar como área fundamental na academia. E nessa área, que se não fosse o Programa Genoma poderia representar nosso gargalo para o desenvolvimento científico no próximo século, estaremos bem avançados no Brasil", disse.
No computador e no freezer A exposição técnica do Projeto Geno
ma da Cana-de-Açúcar foi feita por seu coordenador, que se deteve primeiro em ex-
de plantas. Depois explicou que no Genoma Cana devem ser seqüenciados 50 mil genes, que é um número bastante representativo da totalidade do material genético de um organismo superior. Desceu a detalhes técnicos específicos, como ao dizer que é do RNA, molécula intermediária ou mensageira da informação genética originalmente contida no DNA, que os pesquisadores, depois de congelar as células que lhes interessam, captam os genes, que depois são clonados. Os clones são colocados em microplacas de Petri, for-
boa qualidade por ano. Os pesquisadores que participaram do
workshop receberam, na parte da tarde, uma infinidade de outras informações sobre o projeto Genoma Cana, dadas por William Burnquist, que entre outras coisas detalhou o panorama econômico em que se msere a agro indústria da cana atualmente, e por João Paulo Kitajima, um dos pesquisadores ligados à coordenação de bioinformática do projeto, na Unicamp, liderada por João Meidanis e João Setúbal.
Os laboratórios pemambucanos A participação do Estado de Pernambuco no
Projeto Genoma da Cana-de-Açúcar vai se dar, inicialmente, através de dois laboratórios de seqüenciamento - um da Universidade Federal Rural de Pernambuco-UFRPE e outro do Instituto de Pesquisa Agropecuária-IPA - , e de um laboratório de bioinformática, que será implantado na Universidade Federal de Pernambuco-UFPE, dentro do Departamento de Informática do Centro de Ciências Exalas e da Natureza. Os pesquisadores pernambucanos envolvidos com o projeto receberão, de imediato, treinamento em laboratórios de São Paulo e terão depois o acompanhamento contínuo da coordenação do projeto.
Segundo José Carlos Silva Cavalcanti, presidente da FACEPE e coordenador institucional do Genoma-PE, os dois laboratórios que vão entrar no seqüenciamento têm ambos um bom trabalho já re-
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alizado em biologia molecular e biotecnologia, com dezenas de pesquisas já realizadas e em curso. Já em bioinformática o Estado ainda não tem uma competência instalada, embora a UFPE tenha um trabalho conhecido e respeitado nacionalmente em ciências da computação e informática. "A bioinformática éumcampoemquevamosterqueentraretemoscondições para isso", diz Cavalcanti. Sua expectativa, na verdade, é que com a parceria estabelecida com São Paulo, "tanto biologia molecular quanto bioinformática entrem em efervescência em Pernambuco".
Estão definidos dois coordenadores científicos para o Genoma-PE, os pesquisadores José Geraldo Eugênio de França e Marcelo dos Santos Guerra Filho, e duas pesquisadoras, Gianna Maria Griz Carvalheira e Angélica Virgínia Montarroyos, já estão acertadas para trabalhar com seqüenciamento, depois de um estágio em laboratórios paulistas.
CIÊNCIA
GENOMA CÂNCER
Primeiros resultados Já foram geradas 4.506 seqüências gênicas, das quais 818 nunca antes tinham sido identificadas
Apenas quatro meses após o seu lançamento, o Projeto Genoma Humano do Câncer, que tem como meta gerar entre 500 e 750 mil seqüências de genes (totalizando 200 milhões de pares de bases) a partir de material retirado dos tumores de maior incidência no País, começa a dar os primeiros resultados. De 26 de março, data de seu lançamento oficial, até 5 de agosto, as modernas máquinas seqüenciadoras de genes do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer de São Paulo, onde fica a coordenação geral do projeto, e dos outros cinco centros envolvidos na iniciativa (Instituto de Química da Universidade de São Paulo - USP, Faculdade de Medicina da USP, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp e Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto)já tinham gerado4.506 seqüências genéticas provenientes de amostras de cânceres de cabeça e pescoço, gástricos (do estômago) e do cólon intestinal. A melhor notícia é que 818 ( 18, I% do total) dessas seqüências são novas, inéditas, ou seja, nunca antes tinham sido identificadas por nenhum outro projeto científico internacional dedicado ao seqüenciamento do genoma humano.
Essa constatação encheu de entusiasmo os pesquisadores do Projeto Genoma Humano do Câncer, primeira iniciativa institucional brasileira e do Programa Genoma da FAPESP a trabalhar com o código genético de nossa espécie. Afinal, os resultados iniciais desse trabalho comprovam a eficácia da nova e revolucionária tecnologia de seqüenciamento genético - o chamado método ORESTES (em inglês, Open Reading Frames EST Sequences), desenvolvido no Brasil - empregada no projeto, que se mostrou capaz de gerar informações novas num dos campos de pesquisas mais concorridos da atualidade. "Os dados produzidos até agora são ótimos. Mas representam menos de I% do nosso objetivo final. Ainda temos muito serviço pela frente", diz o bioquímicoAndrew Simpson, pesquisador do Instituto Ludwig de São Paulo, coordenador do Genoma Câncer e um dos criadores do ORESTES.
O investimento em todo o Projeto Genoma Câncer é de US$10 milhões. Metade da verba sairá da FAPESP e a outra parcela, da matriz do l nstituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, instituição internacional sediada em Nova York e com filial na capital paulista. A patente do método ORESTES de seqüencia-
menta genético pertence ao instituto, que, no entanto, se comprometeu a repassar à FAPESP metade dos eventuais ganhos com os royalties referentes à comercialização dessa técnica.
O método ORESTES Esse método permite seqüenciar a área
central dos genes - região praticamente inacessível paras as técnicas tradicionais, que exploram basicamente as suas extremidades. A importância da porção central reside no fato de que é justamente ela a responsável pela codificação dos genes. Como apenas 3% do DNA codificam genes (os outros 97% seriam uma espécie de "lixo" do genoma humano), os pesquisadores brasileiros acreditam que, com o método ORESTES, vão conseguirteracesso à parte do código da vida
que realmente tem importância. Dentro dessa ótica, seria perda de tempo se dedicar ao seqüenciamento de 100% do genoma humano, como fazem muitos projetas de pesquisa no exterior, que acabam tendo um trabalho muito árduo e com pouco retorno em termos de dados realmente novos.
A grande maioria das novas seqüências geradas nos três primeiros meses do Genoma Câncer- 776 das 818 novas seqüências, para ser mais preciso- não apresenta nenhuma homologia, nem mesmo com trechos de genes anteriormente descritos em outros organismos. Portanto, trata-se de seqüências sobre as quais a ciência ainda não tem a menor idéia de qual possa ser o seu papel na formação e desenvolvimento de cânceres. Sua função ainda permanece um mistério completo e terá de ser desvendada por algum pesquisador no futuro.
Já no caso de um pequeno número dessas novas seqüências (28), há um bom indicador de qual possa ser sua função. Isso porque elas são homólogas a seqüências de genes já mapeados e estudados em outros seres vivos, como ratos, camundongos, levedura e drosófilas. Portanto, é bastante provável que apre-
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sentem uma função semelhante em humanos. Segundo o especial is ta em biologia molecular Emmanuel Dias Neto, bolsista de pós-doutorado da FAPESP e coordenador de bibliotecas do projeto, entre I% e 2% de todas as seqüências geradas ao final do projeto devem ser novas seqüências humanas homólogas a seqüências já conhecidas de outros seres.
Comparando informações Para saber se uma seqüência gerada pelo
Genoma Câncer é nova ou não passa de repetição de uma estrutura genética já descoberta por outro cientista em algum projeto internacional que também estude o DN A humano, os pesquisadores brasileiros têm de comparar suas informações com todo o conjunto de seqüências da espécie disponível em bancos de dados públicos.lsso, logicamente, é feito com
o auxílio de potentes softwares e é tarefa desempenhada pela coordenação de bioinformática do projeto.
Depois de verificar se se trata ou não de um fragmento de um novo gene da espécie humana, os pesquisadores comparam esse dado com informações disponíveis sobre o DNA de outros organismos. Foi procedendo dessa forma que os pesquisadores brasileiros do Genoma Câncer des
cobriram, por exemplo, que uma das novas seqüências geradas a partir de material coletado de um tumor de cabeça e pescoço era homóloga a um gene, de nomeHYC, descrito em julho do ano passado em ratos. Como a ciênciajá sabe que, nos ratos, este gene está ligado ao desenvolvimento do sistema nervoso, é bastante provável que o HYC desempenhe o mesmo papel em humanos.
Nesses três primeiros meses de existência, o número de seqüências geradas pelo Genoma Câncer é pequeno, mas está dentro do cronograma de evolução de produtividade do projeto. Os pesquisadores dizem que já era esperado um ritmo mais lento de produção de seqüências na etapa inicial dos trabalhos. Apesar de alguns passos empregados na nova tecnologia já haverem sido usados no projeto de seqüenciamento da Xylella fastidiosa (bactéria causadora da praga do amarelinho que afeta os laranjais), este projeto surge com diversas inovações tecnológicas, que vão desde o uso de uma técnica inédita de geração de ESTs (o método OESTES) até o uso de seqüenciadores de DNA de nova geração, baseados na tecnologia capilar. Daí a aparen-
te lentidão na fase inicial do Genoma Câncer. Afinal , está se trabalhando com material genético do ser humano, um organismo mil vezes mais complexo do que uma bactéria. Além disso, foi necessário um tempo de adaptação dos laboratórios às novas máquinas seqüenciadoras de última geração, o MegaBace, mais avançadas do que os aparelhos usados na Xylella. Cada um dos centros de seqüenciamento conta com o apoio de mais quatro laboratórios ou grupos de pesquisa.
Entrando no ritmo em todos esses laboratórios são os
mesmos que participaram do projeto da Xylella. Mas toda a estrutura usada no Genoma Câncer - com a coordenação dos trabalhos centrada no Instituto Ludwig e o apoio de cinco centros de seqüenciamento, contando cada um deles com a ajuda de quatro laboratórios de seqüenciamento - coloca em ação novamente a rede virtual de laboratórios do Estado de São Paulo, chamada de Onsa (Organização para Análise e Seqüenciamento de Nucleotídeos).
A partir de agosto, os trabalhos de seqüenciamento devem se acelerar. "Nesse mês, cada centro deve gerar 2 mil seqüências. Ao final do primeiro ano de trabalho, nossa meta é que cada centro tenha gerado 50 mil seqüências ao longo desse período", diz Emmanuel Dias Neto. Durante o segundo ano do projeto, estima-se que cada centro atingirá sua "velocidade de cruzeiro" e deverá estabilizar sua capacidade de produção, gerando mensalmente 6. 000 seqüências. "Nós vamos terminar o projeto dentro do prazo", garanteAndrew Simpson.
Como todo o conhecimento que vai ser produzido durante os dois anos de duração do projeto, os resultados iniciais do Genoma Câncer já estão sendo repassados para bancos de dados públicos. É fundamental o compartilhamenta de todos os dados gerados pelas pesquisas com grupos internacionais, pois há empresas privadas que também estão se dedicando a mapear o GenomaH umano. O problema é que essas companhias querem simplesmente patentear o maior o número de genes possível para, mais tarde, lucrar com a possível exploração comercial desse conhecimento. Para que o livre exercício da pesquisa genética possa se darno futuro, é fundamental que projetas como o Genoma Câncer, que tem o compromisso de abrir todos os seus resultados à comunidade científica internacional, sejam estimulados e gerem resultados. Os cientistas esperam que o avanço do mapeamento do código genético humano fomeça novos dados que possibilitem o progresso nas pesquisas destinadas a decifrar a origem das doenças e desenvolver formasdeprevençãoecuradasmoléstias. No caso do Genoma Câncer, como o próprio nome sugere, o objetivo é gerar informação genética relevante sobre os tipos de tumores que mais acometem a população brasileira - um trabalho com um fim bastante específico, que dificilmente poderia ser feito no exterior.
MEDICINA
Na origem do pensamento Novo laboratório do HC vai realizar pesquisas nas
áreas da neurociência básica e médico-psiquiátrica Quem diz é o Global Burden ofDiseases,
publicação oficial da Organização Mundial da Saúde (OMS): a segunda maior causa de incapacitações do mundo, depois dos problemas coronarianos, é uma doença psiquiátrica, a depressão. "As doenças psiquiátricas foram subestimadas no passado, pois sua participação nas estimativas totais de óbitos é relativamente pequena", diz o professor titular e chefe do Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, o psiquiatra Wagner
Gattaz. Ele mesmo sublinha: "Porexemplo, enquanto a depressão é responsável por apenas I ,4% dos óbitos, ela é responsável por I I% das incapacitações, o que demonstra como as doenças psiquiátricas representam um grave problema de saúde pública."
Se o problema depender apenas de estudos e pesquisas, ele poderá ser menor nos próximos anos. E uma contribuição nacional nesse sentido é o mais novo centro de pesquisas biomédicas de ponta do País, o Laboratório de Investigações Médicas em Neurociências, recentemente instalado no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, tendo o professorGattaz como coordenador. "Trata-se do primeiro laboratório desse tipo no Brasil situado num instituto de psiquiatria e coordenado por psiquiatras", diz, "com pesquisas que visam não só a neurociência básica, mas também a pesquisa médico-psiquiátrica."
O laboratório nasceu já com um projeto temático, Metabolismo dos Fosfolípedes na Doença de A lzheimer e na Esquizoji-enia, a
1s 'SP
ser executado nos próximos quatro anos. Em termos de verbas, o projeto temático foi complementado por dois projetas de infra-estrutura, um para adequar as instalações elétricas do local e outro para a montagem do próprio laboratório, num espaço de 300 metros quadrados e capacidade para o trabalho simultâneo de25 pesquisadores. Foram aplicados, ao todo, R$ 2 milhões, dos quais R$ I ,7 milhão por parte da FAPESP. Três quartos da verba foram para a aquisição de equipamentos de análise de primeira linha. O setor de eletro
encefalografia digital de alta resolução do laboratório, por exemplo, conta com os
equipamentos mais avançados da América Latina.
Apesar de estar ligado na origem ao projeto temático, o laboratório está aberto aos pesquisadores de outras áreas do Instituto de Ciências Biológi-
,1 casdaUSPedeoutrosgrupos e universidades. "Quere
mos fazer do laboratório um dos centros de referência em neurociências do Brasil, mas
nossa m1ssão não é só realizar pesquisa", afirma
oprofessorGattaz. "Procuramos também formar uma nova geração de pesquisadores, receberpós-graduandos e pós-doutorandos, fazer
iniciação científica e despertar o interesse nas neurociências. Já estamos
recebendo um número grande de currículos de brasileiros e estrangeiros interessados em trabalhar no laboratório."
Fosfolípedes Gattaz passou 18 anos na Universidade
de Heidelberg, na Alemanha. Em 1996, voltou ao Brasil, integrando-se à USP. Seu grupo de pesquisa na Alemanha foi o primeiro do mundo a relacionar o metabolismo dos fosfolípedes das membranas das células nervosas com o desencadeamento da esquizofrenia e da doença de Alzheimer (DA). Os fosfolípedes têm papel fundamental na atuação dessas células. "O metabolismo da membrana determina as propriedades fisico-químicas dos neurônios, como, por exemplo, a transmissão de sinais, o número e a sensibilidade de neurorreceptores", explica o pesquisador.
O projeto temático investigará os mecanismos que levam aos distúrbios do metabolismo de fosfolípedes nas duas doenças, suas repercussões no funcionamento do cérebro e
Wagner Gattaz com os novos equipamentos que vão permitir realizar um leque variado de pesquisas
as implicações clínicas. Além disso, verificará o grau de associação entre os metabolismos de fosfolípedes periférico e cerebral, buscando parâmetros que possam ser úteis como marcadores biológicos para subgrupos da esquizofrenia e doença deAlzheimer. O estudo será feito em quatro módulos inter-relacionados: bioquímica e espectroscopia, genética molecular, biologia molecular e eletrofisiologia.
As descobertas biológicas serão comparadas com parâmetros psicopatológicos, neuropsicológicos e evolutivos. "Uma vez de posse dos dados, a equipe desenvolverá modelos em animais de laboratório, para, primeiro, tentarreplicaros transtornos biológicos e fimcionais e, segundo, iniciar estratégias terapêuticas e preventivas. Obtida a replicação em animais, serão feitos estudos comportamentais", explicou o coordenador.
Multidisciplinar Para Gattaz, um dos problemas da pes
quisa sobre o cérebro tem sido o fato de os investigadores pesquisarem quase sempre apenas o que é possível em seus laboratórios, dentro de sua especialidade. "Isso é como procurar uma agulha num palheiro, uma espécie de loteria científica", afirma. Por que o distúrbio que causa determinada doença neuropsiquiátrica estaria localizado exatamente na substância ou no gene que um pesquisador pode investigar no seu laboratório? Gattaz acha que os progressos nas neurociências se deram geralmente graças a pesquisas multidisciplinares: "Uma alteração no metabolismo provavelmente terá correlatas genéticos, anatômicos e funcionais", opina. "Nesse laboratório, o que estamos fazendo é integrando diferentes áreas de pesquisa, que são complementares", acrescenta.
O projeto temático foi elaborado com a colaboração de três outros pesquisadores: Homero Vallada, responsável por genética molecular, Orestes Forlenza, especialista em biologia molecular, e Luís Basile, responsável pelo módulo de psicofisiologia. Encaminhado à FAPESP em novembro de 1997, o projeto foi aprovado em maio de 1998. A compra
da aparelhagem de eletroencefalografia digital estava incluída no projeto original. Porém um pesquisador, Cláudio Guimarães dos Santos, tinha recebido uma aparelhagem semelhante, sem ter ainda um centro ao qual se filiar. Santos foi convidado a integrar a equipe do Laboratório de Neurociências e aceitou.
A espectroscopia porressonância magnética com fósforo-3 I será feita em colaboração com o Departamento de Radiologia e Ressonância Magnética do ln cor de São Paulo, sob a coordenação de Giovanni Guido Cerri e Cláudio Campi. "A espectroscopia permite avaliar o metabolismo cerebral in vivo, sendo, portanto, um método imprescindível para a pesquisa neuropsiquiátrica", diz Gattaz. A aquisição de equipamento de ressonância magnética próprio para o Instituto de Psiquiatria é um objetivo para os próximos anos.
Diagnóstico precoce Os cientistas acham que, depois de as
hipóteses estudadas no projeto serem confirmadas e replicadas em outros laboratórios, haverá chances de um diagnóstico neuroquímico mais acurado e rápido. O interesse básico da equipe, porém, vai mais adiante: é tornar possível, no futuro, o diagnóstico precoce da doença, se possível antes da manifestação dos sintomas. Para o professor Gattaz, essa será uma característica da medicina no próximo século. "O diagnóstico precoce abrirá caminhos visando ao desenvolvimento de estratégias para
prevenir a manifestação da doença", diz. Para tornar possível o diagnóstico
precoce, porém, é necessário compreender os mecanismos básicos que levam ao quadro clínico . "Diagnosticamos com base nos sintomas psíquicos, mas sobre a causa dos sintomas sabemos muito pouco", diz o coordenador. "No momento em que soubermos qual mecanismo, qual processo biológico causou o sintoma, então a nova fase da pesquisa se concentrará na normalização desses processos biológi-cos, para que não provoquem ma1s os Sin
tomas, e a doença seja evitada." Um papel especial na pesquisa está re
servado à doença de Alzheimer. A importância desse problema está aumentando, pois é uma doença que aparece principalmente entre os idosos e, com o crescimento da idade média da população, o número de pacientes é cada vez maior. Não é um problema desprezível. Há dois anos, em artigo publicado no New EnglandJournal of Medicine, um grupo de pesquisadores informou que um tratamento com vitamina E, neutralizando os radicais livres, é capaz de retardar em cinco anos a progressão da doença de Alzheimer. Na época, calculou-se que só isso economizaria US$ 50 bilhões - mais do que as reservas monetárias brasileiras - apenas para o sistema de saúde dos Estados Unidos. Se ainda faltam argumentos para apoiar a pesquisa sobre os problemas neurológicos, aí está mais um.
Estado da arte O Setor de Eletroencefalografia Digital de
Alta Resolução do Laboratório de Investigações Médicas em Neurociências tem equipamentos tão sofisticados que conseguem determinar, pratieamente em tempo real e com localização precisa, o comportamento eletrofisiológico do cérebro du· rante atividades como a leitura, ouvir uma músi· ca, resolver um problema de matemática, ver um filme ou tomar uma decisão.
Nenhum outro lugar da América Latina tem esses equipamentos. No mundo todo, são pouco mais de uma dezena os laboratórios que usam essa tecnologia. Conhecidos em conjunto pelo nome do fabricante , a Neuroscan lnc., os equipa· mentos foram adquiridos para o setor, coordena· do pelos pesquisadores Cláudio Guimarães dos Santos e Luís Basile, com recursos investidos pela FAPESP.
O ESI-128-System é um dos componentes do grupo. Trata-se de um sistema de amplifica· dores para 128 canais de eletroencefalografia, com o qual é possível registrar, em milésimos de segundo, as ati v idades do cérebro durante are· alização de tarefas relacionadas com a memória, linguagem, atenção, raciocínio e outras funções mentais, a partir de potenciais elétricos coloca· dos na superfície da cabeça. Ele é apoiado pelo Polhemus, um dispositivo que controla compre-
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cisão as posições espaciais dos 128 eletrodos distribuídos pelo couro cabeludo.
Ainda faz parte do conjunto o STIM-System, sistema interativo que permite a estimulação sensorial (visual e/ou auditiva) da pessoa examinada e registra suas respostas motoras. O Curry é um software que reconstrói as correntes intracrania· nas, responsáveis pelos potenciais elétricos me· didos através do couro cabeludo, e integra essas informações com dados anatómicos obtidos de imagens de ressonância magnética do cérebro.
Cinco pesquisas já estão confirmadas para os próximos quatro anos: estudo da coordenação de atividade do córtex pré-frontal (e do lobo tem· poral) em indivíduos saudáveis e em pacientes esquizofrênicos ou portadores da doença de Alzheimer; mecanismos neurobiológicos subja· centes ao processamento de inferências dedu ti· vas e indutivas em crianças (normais ou portado· r as de transtornos de atenção ou aprendizagem) e adultos (normais , portadores de lesões focais uni-hemisféricas e dementes do tipo Alzheimer); mecanismos neurobiológicos ligados à função do canto na espécie humana; processos de reorga· nização funcional relacionados com a recupera· ção de lesões cerebrais; e testes de modelos farmacológicos da fisiopatologia de doenças neuropsiquiátricas.
CAPA
FIBRAS ÓPTICAS
O cobertor de luz dos recém-nascidos Empresa de Campinas desenvolve um aparelho com fibras ópticas para tratar a icterícia
Num dos cantos da oficina da Komlux, uma pequena empresa de Campinas que fabrica equipamentos de fibras ópticas, o analista de sistemas Cícero Lívio Omegna de Souza Filho toma nas mãos, com delicadeza e orgulho, uma manta que irradia luz azul , como se segurasse um bebê. Não se trata apenas de uma comparação, que expressa seu discreto sentimento. Omegna Filho dedicase há dois anos ao desenvolvimento dessa malha feita de fibras ópticas que poderá se mostrar, dentro de alguns meses, uma alternativa ao tratamento convencional de um problema que atinge justamente os recém-nascidos: o excesso de bilirrubina no sangue, que causa a chamada icterícia, reconhecida pela coloração amarelada que dá à pele. Se não eliminada rapidamente, a bilirrubina - pigmento biliar, normalmente filtrado pela placenta ou quebrado pelo figado do recém-nascido- causa surdez e danos ao sistema nervoso central.
A icterícia é comum. Todo ano, nascem, no Brasil, cerca de 200 mil crianças com índices elevados de bilirrubina no sangue, o equivalente a 5% dos nascimentos. Dessas, metade mereceria cuidados médicos mais intensivos. Acontece que o tratamento convencional - chamado fototerapia , porque a luz
decompõe a substância, que é eliminada do organismo- apresenta uma série de inconvenientes. Durante horas ou dias, os recém-nascidos permanecem num berço, apenas com uma fralda e uma venda nos olhos, submetidos à luz que sai de sete lâmpadas fluorescentes (ou de 14lâmpadas, metade colocada acima e metade embaixo do bebê, nos aparelhos de fototerapia dupla).
L 7
Descoberto em 1956 pela enfermeira inglesa J. Ward, a primeira a verificar que as crianças perdiam o tom amarelado da pele quando dormiam próximas da janela ou tomavam sol no jardim do Rockford General Hospital, em Essex, o método do banho de luz funciona, mas para a mãe, que deseja a proximidade do filho, parece uma tortura. Embora seja o melhor disponível no momento, não é consi-
derado tecnicamente muito eficiente: como as lâmpadas não podem ser colocadas muito próximas do bebê, sob o risco de provocarem queimaduras, parte da energia se perde pela distância e outra se transforma em calor, que acentua o desconforto do tratamento.
Comodidade A equipedaKomlux cami
nha para resolver esses inconvenientes. Tão logo esteja pronta, provavelmente no final do próximo ano, a manta de luz poderá ser usada em contato direto com o corpo do recém-nascido, como um simples cobertor, mas sem gerar calor. A criança poderá se deitar, com roupa, sobre a trama de fibras ópticas ou ser enrolado com o cobertor, no colo da mãe. Muito mais confortável, portanto. A eficiência do processo se mantém porque se trata da chamada luz fria: a fonte de luz, à qual se liga o feixe de fibras ópticas, filtra ocalor e as faixas indesejáveis do espectro da luz, sobretudo o infravermelho e o ultravioleta, deixando passar apenas o azul. "A luz praticamente não se perde pelo caminho", assegura Omegna Filho, coordenador do projeto Desenvolvimento de um
Recém-nascido no banho de luz convencional, na maternidade
Equipamento para FototerapiaNeonatal baseado em Fibra Óptica Corrugada (modificada mecanicamente), já na segunda fase do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PITE), da FAPESP, com um crédito adicional de R$ 200 mil, após R$ 50
mil da primeira fase. Mundialmente, o produto que está nas
cendo na empresa de Campinas representa um marco na história da fototerapia, na avaliação do médico Fernando Facchini, professor do Centro de Assistência Integral à Saúde ~a
O Videoendoscópio Até setembro, a equipe de pesquisadores da
Komlux deve concluir a etapa inicial de outro projeto, o desenvolvimento de um protótipo do videoendoscópio. A pesquisa, aprovada na segunda etapa do Programa de Inovação Tecnológica em Pequena Empresa, encontra-se na Fase 1, com financiamento de R$ 50 mil. Trata-se de um acréscimo de eletrônica ao aparelho comum, que consiste basicamente em uma haste metálica dotada de uma lente que permite a visualização de áreas do interior do corpo humano sem a necessidade de grandes incisões.
O projeto, ao qual os especialistas se dedicam desde abril deste ano, consiste na substituição da lente ocular e do acoplador óptico do aparelho comum por uma microcâmera. Como no modelo original, o endoscópio é ligado a um feixe de fibras ópticas, que ilumina o objeto ou órgão a ser analisado. Nesta nova versão, a microcâmera capta e envia as imagens para um monitor de vídeo ou de computador, no qual po-
dem ser observadas. Mais do que conforto, pois o médico não pre
cisará mais se debruçar sobre o aparelho e sobre os pacientes para conduzir seus exames, a inovação tem outras implicações. Provavelmente, reduzirá o peso e principalmente o custo do aparelho. "Como as microcâmeras são extremamente pequenas, o endoscópio se torna do tamanho de uma caneta", conta o coordenador do projeto, Geraldo Ferreira Mendes. O protótipo, que ele mostra em seguida, assemelha-se, de fato, a uma caneta. "E está funcionando", comenta.
Para desenvolver o projeto, Mendes está se valendo da chamada óptica gradiente, constituída por lentes planas, que mudam gradualmente o índice de refração do meio onde a luz se propaga. Produzem uma variação contínua da refração da luz. Alteram o foco de acordo com o objeto. Portanto, a imagem é sempre focalizada, independentemente da distância.
ls ~SP
Mulher (Caism) da Universidade Estadual de Campinas. "É outra geração de equipamento", diz. Aos 64 anos, Facchini assiste à história . Trabalhou durante 19 anos na pediatria do Hospital Nove de Julho, em São Paulo, antes de ingressar na Unicamp, em 1981 , e dedicar-se mais intensamente às pesquisas. Foi no início dos anos 90 que lhe chegaram às mãos os primeiros artigos científicos sobre a malha de luz. Somente há dois anos, porém, é que conseguiu importar as malhas e iniciar os testes no Caism, com resultados tranqüilizadores. "A criança pode ser cuidada pela mãe como se não estivesse fazendo fototerapia", diz ele. Nos Estados Unidos, o produto, conhecido como biliblanket, é empregado com regularidade, até mesmo em tratamentos domiciliares, reduzindo os custos hospitalares.
Facchini tem participado da história não apenas como usuário de novas tecnologias. Em 1997, foi ele quem levou a Omegna Filho, da Komlux, o desafio de produzir um equivalente nacional, se possível melhor e mais eficiente que o im-portado, que custa cerca de
US$ 8 mil. Não foi uma escolha casual. Durante seis anos, entre 1977 e 1983, Omegna Filho trabalhou como técnico na Universidade Estadual de Campinas no projeto de pesquisa e desenvolvimento de fibras ópticas para telecomunicações no Brasil. Saiu de lá com 21
As lentes clássicas, da óptica convencional, são esféricas, mantêm o índice de refração homogêneo. É a alteração da espessura da lente, mais estreita nas bordas, que provoca a refração da luz. Em conseqüência, os objetos ou o observador precisam se dis· tanciar para atingir o foco da lente.
O trabalho financiado pela FAPESP trata do aparelho mais comum, o nasoscópio, para exames de narizes, mas Mendes imagina que a nova tecnologia poderá ser expandida e levar à criação de aparelhos similares , como o videootoscópio, para exame do aparelho auditivo, ou o intraoral , de uso odontológico. "Sendo barateado, o aparelho vai se enquadrar mais facilmente em diversas especialidades", comenta. Cálculos preliminares indicam que cerca de 50 mil médicos poderiam utilizar endoscópio , nas diferentes áreas (otorrinolaringologia , neurologia, ortopedia , pneumologia e ginecologia, por exemplo}. Há também outras aplicações, como os endoscópios industriais, utilizados, por exemplo, para inspeções no interior de motores.
anos e, enquanto estudava Análise de Sistemas, na Pontificia Universidade Católica de Campinas (PU CC), participava do projeto e da construção das máquinas da ABCxtal Fibras Ópticas, do grupo mineiro Algar, que se tomaria uma das mais maiores fabricantes nacionais de fibras ópticas. O senso empreendedor levou-o a criar sua própria empresa em 1986, na qual ganhou experiência na fabricação de equipamentos ópticos para indústria e construção civil e no desenvolvimento de produtos da área médica, como endoscópios e videoendoscópios com fibras ópticas.
Resultados Em julho do ano passado, sob a coorde
nação de Facchini, que se tornou um dos con-
A enfermeira J. Ward descobriu que a luz curava os recém-nascidos
sultores do projeto, o primeiro protótipo da manta nacional foi comparado com a importada no laboratório do Caism. Sobre as duas foram colocados capilares de vidro com um líquido de amarelo intenso, constituído por bilirrubina diluída em plasma sangüíneo. E, de tempos em tempos, era avaliada a decomposição da bilirrubina sob a ação da luz emitida pelas mantas. No final, mostraram-se equivalentes.
Mas o trabalho não se limita à simples nacionalização. Sob a consultoria do engenheiro mecânico João Plaza, professor aposentado da Universidade de São Paulo e da Unicamp que coordena os cinco bolsistas
mantidos pela FAPESP, e do fisico Geraldo Ferreira Mendes, também professor aposentado da U nicamp, a equipe inovou ao criar imperfeições na superficie das fibras ópticas, as tais corrugações mencionadas no título do projeto financiado pela FAPESP. São defeitos obviamente controlados, criados por meio de pressão e de aquecimento da trama de fios, com a finalidade de aumentar a dispersão da luz. Assim, após percorrer de modo impecável o feixe de fibras ópticas, a luz vai escapar e se espalhar aleatoriamente ao chegar à trama, contribuindo para ampliar a área coberta dos recém-nascidos e acelerara decomposição da bilirrubina.
"Estamos usando uma propriedade das fibras ópticas, a reflexão interna total, e de
pois a negamos completamente", explica Mendes, que fez mestrado em óptica na Universidade Rochester, nos Estados Unidos, e se doutorou em microeletrônica na Unicamp, onde lecionou de 1970 a 1982, antes de se dedicar à assessoria em óptica.
Os pesquisadores procuram atualmente aperfeiçoar a manta de fibras ópticas. A trama, que se segue ao feixe de fibras ópticas, ocupa uma área aproximada de 23 por 1 O centímetros, próxima à da similar norte-americana. Os pesquisadores pretendem aumentar essa área ou dividir o feixe de fibras ópticas em duas ou mais tramas, para que uma superficie maior dos recém-nascidos seja coberta pela luz. Pretendem também tornar a manta mais flexível , usando fibras mais finas . Os experimentos em andamento empregam fibras de 0,25 milímetro, com diâmetro três vezes menor que o dos fios uti-lizados atualmente.
Omegna Filho, cujos cinco filhos receberam banho de luz, embora nenhum exigindo maiores cuidados, calcula que a manta depois de pronta poderá custar cerca de R$ 2.500, equivalente aos equipamentos convencionais de fototerapia e um terço do pre-ço dos similares importados. Ain
da que atento ao mercado, planeja com rigor a próxima etapa da pesquisa: o teste nas próprias crianças, previsto para meados deste semestre. Seu olhar alonga-se para a possibilidade de produzir no Brasil as fibras ópticas da manta, feitas de plástico, o polimetil-metacrilato, e ainda importadas do Japão ou dos Estados Unidos. Olhando para a máquinade fibras ópticas de vidro, que ele ajudou a construir naABCxtal e alguns anos depois comprou, ele conta que as fibras de plástico poderiam ser feitas por um processo equivalente, a um custo estimado deUS$ 1 O milhões, mas com uma demanda mensal também próxima desse valor.
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A Revolução da Ciência
A partir de 1996, ao longo do desenvolvimento da manta de fibras ópticas, Cícero Lívio Omegna de Souza Filho notou que o contato com os orientadores do projeto - o médico Fernando Facchini , o físico Geraldo Mendes e o engenhei ro João Plaza - mudou o comportamento dos funcionários e a rotina da Komlux. "Foi uma revolução", diz ele.
Com os financiamentos aprovados inicialmente pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e em segu ida pela FAPESP, tomou forma o departamento de pesquisa e desenvolvi mento, hoje consistente, ocupando oito dos 24 funcionários da empresa. Preocupados em acompanhar os projetos, os integrantes da equipe constataram que era hora de voltar a estudar. E os colegas dos outros se tores os acompanharam.
Wagner Hermes Rodri gues, de 20 anos, após três anos sem estudar, voltou ao ensino médio, antigo segundo grau. Ana Lúcia Lourenço , também de 20 anos, está no segundo grau, atenta à universidade. Anderson Deitos, com a mesma idade, passou no vestibular e entrou no curso de Análise de Sistemas da Faculdade IPEP, inaugurada em 1998 em Campinas. Raquel Martins, de 26 anos, que também tinha parado de estudar, voltou e agora cursa o terceiro ano de Pedagogia na PUCC. O interesse por cursos de menor duração, sobre programas de computadores ou sobre mecânica de precisão, tornou-se comum.
"O pessoal da produção, acostumado à rotina, foi descobrindo a Ciência", conta Plaza. A preocupação em fazer bem feito e rever continuamente os procedimentos e os resultados, típica dos cientistas, espalhou-se também por outros se tores . Omegna Filho conta que até mesmo as compras de materiais tornaram-se mais rigorosas, aplicando os cuidados exigidos nas encomendas de componentes para o desenvolvimento dos produtos com fibras ópticas. "Após dois anos de arrumação, temos uma gerência mais profissional e menos intuitiva", diz.
Segundo ele , a empresa somou a partir de 1996 o reconhecimento da área médica ao respaldo que já contava na manutenção de equipamentos industriais de fibra óptica. "Houve ganhos de produtividade e de eficiência, que estão nos empurrando à exportação. Segundo ele, o primeiro embarque de cabos de fibras ópticas de uso odontológico para a Argentina, realizado no início de julho, deve render US$ 1 O mil. A metamorfose traduz-se também no faturamento, que passou da faixa dos R$ 20 a R$ 30 mil por mês em meados dos anos 80 para a casa do R$1 00 mil, aluaimente. "Estamos há três meses crescendo sem parar."
CIÊNCIAS
ASTRONOMIA
Uma janela para o Sol Radiotelescópio investiga a nossa estrela na faixa de ondas do infravermelho distante
Desde maio um novo equipamento investiga a turbulenta atividade do Sol. O instrumento, um radiotelescópio com antena de I ,5 metro de diâmetro, foi concebido no Brasil e desenvolvido com parceria internacional.
O Telescópio Solar para Ondas Submilimétricas (SST) opera no comprimento de onda do infravermelho distante, uma faixa do espectro situada entre a luz visível e as ondas de rádio. A atividade solar é praticamente desconhecida nessa janela, segundo o radioastrônomo Pierre Kaufrnann, diretor do Centro de RadioastronomiaeAplicaçõesEspaciais(Craae). Ocentroéumconsórcio para investigação em ciências espaciais que envolve o Instituto Presbiteriano Mackenzie e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe ), além da USP e da Unicamp.
O SST consumiu sete anos de trabalho, desde que foi concebido pelo próprio Kaufrnann, até ser implantado junto ao observatório argentino de EI Leoncito, num ponto a 2.550 metros de altitude, nos Andes argentinos. No início de maio ele fez o que os astrônomos chamam de "coleta da primeira luz". É uma espécie de batismo para um equipamento já instalado, mas ainda em fase experimental, preparando-se para a entrada em atividade rotineira.
No caso do SST, que reuniu esforços de parceiros como o Instituto de Física Aplicada da Universidade de Berna, na Suíça, e dois institutos argentinos (o ComplejoAstronómico EI Leoncito e o Instituto de Astronomia y Física dei Espacio) há boas razões para comemorações, festeja Kaufrnann. As principais foram que a operação experimental demonstrou que o equipamento tem o desempenho que se esperava e as excelentes condições de transparência da atmosfera.
Além de investigar o Sol e ter aplicações em outras áreas, como a climatologia e propagação atmosférica, o instrumento materializou uma experiência em colaboração internacional por parte da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), diz Kaufrnann. A FAPESP cobriu aproximadamente 70% do custo total deUS$ I milhão do equipamento.
Instrumento único para investigar o Sol nessa freqüência e pesquisar, entre outros fenômenos, os mecanismos que produzem as explosões que acontecem em plasmas ativos
na atmosfera junto às manchas dessa estrela, o SST teve seus subsistemas construídos em diferentes países. A antena cassegrain representou um dos maiores desafios, com precisão próxima ao espelho de um telescópio óptico. A dificuldade, neste caso, envolve tanto o processo de usinagem quanto o material para sua construção.
O desafio de construir a antena foi aceito pela Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, mas não sem um atraso que somou doze meses. Esse descompasso criou proble-
mas adicionais e, no conjunto, a instalação final do SST acumulou um atraso de dois anGs. Para obter o resultado desejado para a antena, os engenheiros dobraram uma peça de alumínio de alta qualidade e, a partir dela, fizeram a usinagem. A construção convencional fazendo uso de um bloco fundido tem porosidade e também estresse que comprometeriam aprecisão de superficie desse subsistema,justifica Kaufrnann.
de ondas submilimétricas foi encomendada da ESSCO nos Estados Unidos. O posicionador atinge precisão de um segundo de arco, equivalente ao de uma pessoa observada a uma d istância de seis quilômetros.
Absorção atmosférica Conceber um equipamento no Brasil, ar
car com a maior parte do seu financiamento e fazer sua instalação num sítio argentino pode parecerum contra-senso, à primeira vista. Mas, no caso de telescópios, não há alternativa. O
Brasil não dispõe de pontos suficientemente elevados, secos e com longos períodos de céu claro exigidos por esses equipamentos. Radiotelescópios operando em outras freqüências podem até trabalhar sob céu encoberto, mas um equipamento preparado para o infravermelho é mais exigente.
Ovapord'águaatmosférico tornaria o SST imprestável num sítio inadequado. A razão disso é que a água atmosférica absorve o infravermelho, deixando cego um telescópio que opere nessas freqüências. Numa região eleva
da, seca e de céu aberto, como o sítio andino de EI Leoncito, no entanto, o equipamento cativou os técnicos.
Antes de se decidir pelo sítio argentino, Kaufrnann e sua equipe consideraram a possibilidade de ele ser instalado nos Andes chilenos. Em Cerro Tololo, no Chile, estão os instrumentos ópticos do Observatório lnteramericanoeem LaSilla, também no Chile, os equi
pamentos do Observatório Europeu para o Sul (ESO).
A integração e testes do telescópio foram feitos na Suíça. Seus subsistemas principais, além da antena, são os receptores, o posicionador de precisão e a redoma protetora. Os receptores foram construídos sob encomenda pela RPG na Alemanha para operação em 212 G Hz e 405 GHz. O posicionador foi feito pela Orbit, uma empresa de Israel, e a redoma transparente para o comprimento Cúpula com abertura mostrando SST em seu interior
Havia a chance também de o instrumento ser instalado no Monte Graham, ou mesmo no famoso Kitt Peak, onde estão instalados equipamentos do Observatório Nacional Óptico e do Observatório Nacional de Radioastronomia dos Estados Unidos. Nessa região, no Arizona, está o conhecido telescópio solar com espe-
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lho de 200 centímetros de diâmetro. Ele capta a imagem do Sol e a envia por um túnel inclinado de 180metrosdecomprimento. Um jogo de espelhos faz múltiplos desvios da imagem até ela chegar ao laboratório solar, onde estão os equipamentos de análise. Os instrumentos começaram a chegar em Kitt Peak em 1958 e agora somam 17 cúpulas, abrigando telescópios com espelhos que vão de 60 a 395 centímetros de diâmetro.
A decisão de instalar o projeto SST na Argentina resultou de uma oferta feita por Horácio Ghielmetti , diretor do Instituto de Astronomia y Física dei Espacio, durante encontro da União Astronômica Internacional (UAI), em Buenos Aires, em 1991. Ghielmetti não pôde acompanhar o início da operação do radiotelescópio. Ele morreu em 1995.
Investigar o Sol em comprimentos de ondas curtas (30GHz e 90 G Hz)já trouxe resultados animadores para a equipe que Kaufmann dirige no radiotelescópio de Itapetinga. Esse observatório está montado na concha protetora de um fundo de vale nas proximidades deAtibaia, 80 quilômetros ao norte de São Paulo.
Em 1984, Kaufmann e sua equipe detectaram pulsos extremamente rápidos e altamente energéticos até então insuspeitos nas explosões que periodicamente cobrem a superfície solar. Em janeiro de 1985, o trabalho saiu publicado na prestigiosa revista britânica Nature. Uma das conseqüências dessa descoberta foi a atração de parceiros internacionais interessados na astrofísica solar, entre eles os pesquisadores da Universidade de Berna, que agora participa do desenvolvimento do SST.
Sol instável Investigar o Sol tem diversas vantagens.
A primeira delas é que essa estrela de I ,4 milhão de quilômetros de diâme-
durante as explosões solares. Essas investigações exigem diagnósticos na freqüência do infravermelho. Eles também estreitam colaborações com outras áreas da ciência, como a climatologia, para estabelecera relação entre explosões e comportamento climático na Terra. Equipes internacionais investigam, por exemplo, a relação entre ausência de manchas e temporadas mais frias e secas na Terra. Esse trabalho é inspirado num período conhecido comoMínimodeMaunder,entre 1645e 1715.
Além das explosões, cujo máximo de ocorrência acontece no período médio de onze anos- o seguinte se inicia no próximo ano-, o Sol também tem uma oscilação em seu diâmetro. Os astrofísicos ainda não dispõem de um mapa das profundezas solares indicando como esses fenômenos podem estar associados e, por isso mesmo, na interpretação de Kaufmann, a entrada em operação de equipamentos como o SST, espreitando a estrela de uma janela em que ela não é usualmente observada, acena com perspectivas animadoras.
Explosões mais intensas na superfície solar podem produzir mais que bons resultados científicos. Elas podem também trazer problemas acompanhados de grandes prejuízos para empresas proprietárias de satélites de comunicações em órbita da Terra.
Atingidos por jorros de partículas produzidas por essas explosões, o vento solar- fluxo de partículas emitidas pelo Sol e outras estrelas - é intensificado. O resultado disso são panes temporárias ou definüivas, interrompendo as comunicações internacionais. Explosões anteriores, além das coloridas auroras polares,já protagonizaram enormes blecautes, pelas interferências nas I inhas de transmissão de energia elétrica. E, ironicamente, derrubaram um instrumento posto em órbita exatamente para vigiar a atividade do Sol, o satélite norte-americano
Pierre Kaufmann : SST trará contribuições na área tecnológica e de radiometeorotogia
radiometeorologia. Neste caso, assegura Kaufmann, a concepção do SST vai permitir investigações envolvendo a sazonalidade do vapor d'água atmosférico, um parâmetro com desdobramentos que vão da previsão do tempo a variações climáticas com implicações na atividade produtiva.
Nas investigações na área de radiometeorologia Kaufmann prevê que será possível acompanhar a variação de monóxido de cloro atmosférico. Essa substância, de origem artificial , é o principal destruidor da camada de ozônio atmosférico.
Contribuição tecnológica Para complementaras trabalhos do SST,
Kaufmann já tem praticamente concluídos os planos para um experimento em satélite. Livre da absorção atmosférica, ele avalia que o experimentoespacial potencializaria ao máximo
o trabalho do SST. Esse equipamentro e a 150 milhões de quilômetros - o outro lado da rua, numa escala comparativa de distâncias astronômicas - é a usina de força para a vida na Terra. Outra, para ficarem duas justificativas, é que o conhecimento da atividade solar pode fornecer indicações precisas para o funcionamento de estrelas distantes - supergigantes que podem ter mais de 300 vezes seu diâmetro, caso de Antares, o coração do
SUN at 212 GHz (990704, 13:48UT) SUN at 405 GHz (990704, 13:48UT) to, no entanto, está em fase prelimi-na r.
50,70,90, tOO, tOt , t02, t03, t06% 50,70,90, tOO, tOt. t02, t03, t04, tOS, t06. t07% Satélites e câmaras de infravermelho estão desenhando uma nova imagem do céu. O Iras, sigla em inglês para SatéliteAstronômico do Infravermelho, lançado em janeiro de 1983, detectou nuvens de poeira em torno de estrelas como Vega, alfa da Constelação de Lira,
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em meio a pelo menos 200 mil outras fontes de infravermelho. Ouso anterior desse comprimento de onda esteve limitado por dificuldaEscorpião, ou corpos esmaeci-
dos, situados no limite entre uma estrela e um planeta. O próprio Sol, na classificaçãodosastrônomos, é uma anã amarela, um astro de média idade, que deve durar 5 bilhões de anos, além dos 5 bilhões em que já está ativo.
Observações intensificadas a partir do século 17 revelaram um acúmulo periódico de pontos escuros na superfície do Sol. Mais recentemente, essas manchas foram associadas às explosões, e o sonho atual dos astrofísicos é desvendar os mecanismos de aceleração de partículas a energias muito elevadas
crcmin (RA) crcmin (RA)
Solarmax, quecaiuem dezembro de 1989. Dez anos antes, despencou o laboratório norte-americano Skylab pela mesma razão.
Frentes de trabalho Além de ajudar a desvendar os mistéri
os do Sol, o SST trará pelo menos outras três contribuições interessantes, na interpretação de Kaufmann. Uma delas é de natureza tecnológica, envolvendo as pesquisas para a otimização operacional do equipamento. Uma segunda aplicação está prevista para a área de
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des tecnológicas relacionadas à emissão des-sa radiação pelos próprios instrumentosdepesquisa. Na astronomia óptica, as câmaras de infravermelho estão permitindo que os astrofísicos mergulhem mais profundamente em regiões como berçários de estrelas, cobertas por nuvens densas de gases e poeira interestelar.
No caso do SST, para ampliar sua performance futura, o equipamento deverá depender de seus próprios resultados. Por enquanto, ele é o único instrumento a vigiar o Soldessa janela privilegiada.
CIÊNCIAS
NOVOS MATERIAIS
Sem limites Pesquisas com sol-gel prometem de músculo artificial a vidro para regular temperatura ambiente Dominara passagem de materiais inorgâ
nicos do estado líquido ao sólido e, por meio dele, controlar a produção de partículas extremamente pequenas - a esse processo os cientistas denominam sol-gel. Graças a ele, pesquisadores do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), do câmpus de Araraquara, vêm desenvolvendo pesquisas que poderão ter aplicações práticas tão diferentes quanto um músculo artificial para implantes ou um vidro capaz de regular a temperatura ambiente em escritórios e fábricas .
O que se denomina "sol" é explicado pelos cientistas como adispersão de partículas de ordem nanométrica (algo cujo tamanho equivale a uma medida milhões de vezes menor que um metro) em líquido como a água ou álcool. O "gel", cujas características podem ser comparadas às da gelatina, é uma rede de macromoléculas que imobiliza o líquido. O processo solgel permite aos pesquisadores navegar no mundo invisível a olho nu das partículas e, por meio da manipulação de suas propriedades, chegara padrões fisicos e químicos que possam representar materiais com novas características.
cesso Sol-Gel Visando à Elaboração de Membranas Cerâmicas e de Camadas Delgadas, que contam com o financiamento da FAPESP de R$ 417 mil por um período de
O método não é exatamente novo. Teve um auge após a Segunda Guerra Mundial, com a sua utilização para a produção de pastilhas nucleares, com o objetivo de se eliminar ao máximo os vazios dentro dos materiais. Mais recentemente, o sol-gel passouaserusa-
Celso Santill i: observa amostra de sol termoreversivel
do para recobrir superficies. A indústria automobilística, por exemplo, desenvolve camadas que aplicadas sobre a pintura sirvam de repelentes naturais à poeira e água, dando então origem ao carro que não molha nem é manchado de pó nas estradas.
A partir dessas perspectivas, não há limites para a imaginação acadêmica. Resta avaliar, de tudo o que se descobre, o que pode ser aperfeiçoado para que desperte o interesse da indústria e represente conquistas da sociedade. É o que o grupo de Araraquara discute no momento.
As proezas, por enquanto, limitam-se às experiências desenvolvidas nos laboratórios do Departamento de Físico-Química, dentro do projeto temático Desenvolvimento de Conhecimento Básico sobre o Pro-
quatro anos. Os resultados, bastante animadores para quem se debruça na tarefa de criar novos materiais, estão confirmados em duas dezenas de trabalhos científicos publicados em revistas especializadas. Os projetas estão na fase de transição entre a universidade e a iniciativa privada.
"Estamos aguardando a oportunidade de contar com a participação da iniciativa privada", afirma o coordenador da pesquisa, professor Celso Valentim Santilli, engenheiro de materiais pesquisador do Departamento de Físico-Química da Unesp. No projeto, ele conta com o trabalho de outros dois grupos de pesquisa, comandados pela física Sandra Pulcinelli , do mesmo departamento, pelo doutor em química Sidney José Lima Ribeiro, do Departamento de
22 ~SP
Química Geral e Inorgânica da Unesp de Araraquara, e pelo físicoAldo Craievich, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP).
Vidro inteligente O Instituto de Química da
Unesp festeja ainda hoje um feito que tem dois anos e que ressoa apenas nos corredores da universidade. Em pesquisa sobre as qualidades de uma gelatina obtida com óxidos de zircônio somados à água, uma aluna de mestrado, Leila Chiavacci, percebeu que a substância, ao ser aquecida, apresentava sinais de enrijecimento e escurecimento. Em outras palavras, ela estava diante do que considera uma importante descoberta científica, a de que o material inorgânico é capaz de sofrer transformações termorreversíveis, ou seja, quando aquecido fica sólido e opaco e, quando submetido a esfriamento, retoma ao estado líquido e transparente.
Pelo que se sabia até então, essa propriedade só era obtida em materiais orgânicos. O feito de Lei la foi ter descoberto que pode ser obtida em materiais inorgânicos. Chegou-se, então, a um produto, o primeiro sistema inorgânico de que se tem notícia com tais propriedades, capaz de revolucionar diversos campos da indústria por meio, por exemplo, de um vidro capaz de bloquear luz ou ca-lor. Por isso, foi logo batizado de
"vidro inteligente". Uma das possibilidades é a aplicação do
gel entre placas de vidro de janelas em ambientes que haja interesse em controlar automaticamente a temperatura. Assim, com o calor, o gel se transforma e impede que os raios solares penetrem no local. Com a vantagem de que é possível especificar com antecedência o ponto de temperatura em que se deseja que o gel se solidifique e detone a mudança, numa escala vasta que vai dos I O graus centígrados a 90 graus centígrados. Tudo dependerá da proporção de mistura dos ingredientes que seria colocada entre as placas.
"É o efeito termocrômico, em que o vidro fica opaco à medida que a temperatura sobe", define Santilli. O pesquisador explica que o novo material passaria a funcionar
como um bloqueador de calor solar, sendo indicado para janelas de locais que não podem sofrer oscilações de temperatura externa, especialmente o calor excessivo, como é o caso das centrais de computação. "É como se fosse um pára-sol", explica.
Nas salas e ambientes fechados , haveria uma poupança substancial de energia, devido ao uso mais racional de aparelhos de arcondicionado. Lei la e os demais pesquisadores envolvidos no projeto da Unesp emAraraquara cuidam agora de aperfeiçoar a técnica, investigando os demais fenômenos químicos envolvidos na termorreversibilidade do gel. O objetivo é viabilizar o seu uso no cotidiano, despertando o interesse de empresas.
Graças a essa técnica, os pesquisadores de Araraquara imaginam também a possibilidade de o novo material ser usado em poços de petróleo no bloqueio de gás nas brocas perfuradoras - processo aparentemente simples que de outra forma exigiria aparatos tecnológicos muito mais sofisticados.
Músculos e metais Ganha força também entre os pesquisa
dores de Araraquara a idéia de propor o uso do gel na produção de músculos artificiais que seriam utilizados como prótese em implantes delicados, como o do pênis. Por apresentar notáveis características químicas de flexibilidade, uma vez aquecido, o produto "fica rígido, da mesma forma que acontece com a musculatura", segundo Santilli.
A hipótese ainda está longe de ser comprovada na prática, mas é o primeiro passo para que o objetivo seja perseguido e um dia testado em pacientes. Algo inimaginável antes do surgimento da ciência dos novos materiais. Caberá ao grupo deAraraquara desenvolver os estudos das propriedades químicas e depois entregá-los a outros grupos, como o de engenharia de equipamentos, para aperfeiçoamento da idéia, tudo isso antes de chegar ao uso pela medicina.
O processo sol-gel pode ser usado também para aumentar a resistência à corrosão de metais, com o recobrimento de peças por meio de filme. Em trabalho assinado em conjunto por pesquisadores do Instituto de Fí-
sica de São Carlos (USP) e do Instituto de Química da Unesp de Araraquara, são demonstrados os efeitos em anéis industriais submetidos à névoa salina durante 144 horas, em amostra recoberta e sem o recobrimento. A diferença é notoriamente visível em fotos de tamanho real : a peça sem o recobrimento apresenta-se corroída,
enquanto a outra permanece como nova, reluzente. O resultado foi considerado "excelente".
Outros testes foram conduzidos em parceria com a empresa Ogramac, de Campinas, empresa de recuperação de materiais, nas instalações da unidade de solventes químicos de uma indústria petroquímica do pólo da Refinaria do Planalto, em Paulínia. As peças foram bombardeadas durante seis meses com vapores de ácido fluorídico - e chegaram ao final ilesas em relação à corrosão, diferentemente daquelas que não haviam sido protegidas com o fi !me preparado à base de sol-gel. Na avaliação de Santilli , as peças recobertas "suportaram perfeitamente, sem nenhum sinal de ataque".
Um dos desafios no processo de recobrimento de metais é o inconveniente da tensão desenvolvida durante a secagem, que pode resultar na propagação de trincas durante o tratamento térmico do material.
Segundo eles, nos últimos anos o método sol-gel tem sido utilizado para desenvolveruma nova classe de materiais, chamáda ormocer. O fator-chave é a incorporação de grupos orgânicos ligados ao esqueleto inorgânico formado por hidrólise e condensação de alcóxidos. Os filmes híbridos solgel apresentam maior facilidade para relaxar as tensões durante o tratamento térmico, ao mesmo tempo que o óxido funciona como uma barreira efetiva contra a corrosão.
Membranas O processo sol-gel levou os pesquisadores
de Araraquara também a estudar a técnica de preparação de membranas cerâmicas para ultrafiltração de are de água. Por meio das membranas, consegue-se separar os íons de sódio e cálcio com grau de filtração tão aprofundado que consegue eliminar até 90%, em média, desses elementos de uma água salobra, índice considerado bom na maioria dos casos. Em outras palavras, significa tirar o sal da água, o que pode ser um achado para a produção de água potável em regiões com carência de abastecimento, como no caso do Nordeste.
Técnicos do governo mantiveram conta tos com os pesquisadores da Unesp de Araraquara no sentido de fornecer membranas apropriadas para essa filtração, para uso em aparelhos de dessalinização importados que estão sendo ativados em escala experimental.
Tais membranas podem ter aplicações múltiplas. Em ambientes com ultracontrole, como UT!s em hospitais, são apropriadas para as filtração do ar. A ultrafiltração implica separar pequenas moléculas, além das consideradas grandes, como vírus e bactérias. Na indústria da tecelagem, as membranas podem ser utilizadas para tratar a água utilizada na lavagem de tecido, na produção de jeans por exemplo, evitando o seu despejo nas águas industriais que poluem córregos ou o lençol freático. Na indústria de bebidas, as membranas cerâmicas podem contribuir para o processo de purificação, com a retirada de microrganismos sem o choque térmico da pasteurização, cujo contra-indicativo é a eventual alteração de sabor devido à variação brusca de temperatura a que o líquido é submetido, no caso de leite e cervejas.
Perfil: Celso Santilli, 39 anos, professor do Departamento de Físico Química do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara, é engenheiro de materiais formado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e doutorem Química e Ciências dos Ma· teriais pela Universidade de Bordeaux, na França.
Devido à pequena porosidade dos filmes, a taxa de corrosão do aço inoxidável é reduzida, no mínimo, pela metade. A seguir, o desempenho dos filmes na luta contra a corrosão pode ser melhorada com o preenchimento dos poros com polímeros orgânicos. Com isso, o tempo de vida das peças metálicas pode ser di !atado substancialmente.
Equipamento para análise de amostra
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CIÊNCIAS
ECOLOGIA
O bom uso da floresta Projeto de aproveitamento da caixeta melhora perspectivas dos moradores dos pântanos do Vale do Ribeira
Olhe bem o lápis que você tem sobre sua mesa de trabalho. Ou a tampa de madeira do seu perfume ou loção de barba. Pode ser que eles sejam feitos de uma árvore modesta, mas de múltiplas utilidades, que cresce em áreas pantanosas dos litorais leste e sul do Brasil, a caixeta (Tabebuiacassinoides). Sua importância deve aumentarnos próximos anos. Já está em fase final de construção, por exemplo, em Iguape, no litoral sul de São Paulo, uma serraria comunitária, que vai trabalhar com a madeira da caixeta, melhorando a qualidade e a disponibilidade desse material.
A serraria representará, certamente, melhores rendimentos e mais qualidade de vida para as cerca de 12 famílias que participam do projeto. Está inserido, também, num projeto de manejo florestal sustentável, fruto de uma pesquisa sobre a caixeta que professores da Escola SuperiordeAgricultura Luiz de Queiróz (Esalq-USP) de Piracicaba realizam no litoral paulista desde 1992. Há três anos, a pesquisa conduziu ao projeto temático Manejo Integrado e Sustentável de Florestas de Caixeta no Vale do Ribeira (SP), que conta com um financiamento de aproximadamente R$ 150 mil da FAPESP.
"Não existe incompatibi I idade entre conservação e desenvolvimento se as populações tiverem condições de manejar bem suas florestas", diz o engenheiro florestal Virgílio Maurício Viana, professor de silvicultura tropical do Departamento de Ciências Florestais da Esalq e coordenador do projeto te
caixeta foi um dos aspectos do conflito que existia entre muitos habitantes da área e a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, naquela época. "O problema era resultado de uma concepção equivocada de conservação, baseada no modelo de parques
mático. Isso representa uma notável A caixeta se reproduz por semente e rebrotos que surgem das raizes
mudança de enfoque. Em nome da conservação, o corte da caixeta de florestas nativas chegou a ser proibido, em 1989, provocando forte desemprego em várias áreas do litoral de São Paulo. Só em lguape, chegaram a funcionar nove serrarias que trabalhavam com a caixeta, responsáveis por cerca de 400 empregos diretos e indiretos.
Natureza intocada A pesquisa surgiu justamente de um de
bate que professores universitários organizaram em tomo do futuro da população da região da Juréia, no litora l su l de São Paulo, próxima a Iguape. A proibição do corte da
dos Estados Unidos", comenta o professor Viana. "Nela, a natureza é vista como intocável e dissociada das populações tradicionais", acrescenta.
Uma das primeiras constatações dos pesquisadores foi a de ver que QS caixeteiros, os habitantes da área que trabalham com a árvore, sabiam muito mais sobre os pontos básicos da ecologia e do manejo da espécie do que o mostrado nos livros. Quando se interessaram pelo assunto e foram fazer uma revisão bibliográfica sobre a exploração da caixeta, em 1992, os professores da Esalq descobriram que não havia nada sobre o tema,
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apesar de a caixeta ser a principal atividade econômica dos moradores das áreas pantanosas da Mata Atlântica e sua made ira ser usada na fabricação de lápis por empresas importantes, como a Labra e a Johann Farber.
"Só encontramos pesquisas sobre oreflorestamento", diz o professor Viana. Essas pesquisas foram feitas na década de 1960 e não deram bons resu ltados. Por exemplo, a caixeta é uma planta de áreas alagáveis e as mudas transplantadas muitas vezes bóiam, o que exige medidas especiais para ficarem no lugar. Muitas informações de posse dos caixeteiros, por sua vez, não foram levadas devidamente em conta. Por exemplo, a de que a caixeta é uma árvore que rebrota depois de cortada- o que pode dispensar a demorada e cara reprodução por sementes.
Nova legislação O primeiro passo dos profes
sores da Esalq foi realizar uma pesquisa, Diagnóstico das Areas de Caixeta, em parceria com a Associação dos Caixeteiros de lguape e com o Núcleo de Populações em Áreas Úmidas do Brasil (Nupaub) da USP, que recebeu financiamento de U$1 O mi l da Fundação Ford. O trabalho chegou à conclusão de que há um grande potencial econômico no manejo da caixeta e uma demanda social, urbana e rural , por atividades re lacionadas com o aproveitamento de sua madeira. Além disso, um relatório escrito por Viana, em parceria com os caixeteiros de Iguape, deu subsídios para uma nova legislação, que está em vigor desde 1992, e estabelece
normas para o manejo e colheita da caixeta. O trabalho não parou por aí. De um lado,
está um programa, que conta com financiamento de cerca de R$ 150 mil da Fundação Ford, destinado a espalhar as informações obtidas pelas pesquisas entre os caixeteiros, pessoas envolvidas com marcenarias que usam a madeira da caixeta, e professores da rede pública. Do outro, o projeto temático, financiado também com R$ 150 mil pela FAPESP, destinado a obter uma abordagem mais sistematizada de vários aspectos do programa e a desenvolver novas tecnologias para a colheita e o manejo da caixeta.
Estão envolvidos no projeto 23 pesquisadores, dos quais sete são professores. Ele está organizado em quatro linhas gerais de pesquisa: ecologia de florestas de caixeta; genética de populações de caixeta; manejo de florestas de caixeta; e aproveitamento de recursos madeireiros e não-madeireiros provenientes das florestas de caixeta. O objetivo é gerar bases conceituais e tecnológicas para o estabelecimento dos critérios e indicadores do manejo florestal, com bases sólidas na biologia e na silvicultura, de maneira a melhorar o aproveitamento dos recursos das áreas de caixeta e, em conseqüência, aumentar o nível de vida das pessoas ligadas à exploração da árvore.
Calcula-se que o trabalho vai permitir a criação de um sistema de certificação florestal (selo verde) para a caixeta e fornecer elementos para uma revisão da legislação florestal relacionada com seu manejo. Não é pouca coisa. A caixeta ocorre em áreas paludosas do litoral brasileiro de Pernambuco a Santa Catarina e é explorada tradicionalmente por populações dessas áreas há mais de 50 anos. Só em Iguape, há mais de 50 caixeta is, com áreas entre 2 e 500 hectares, cobrindo cerca de I .I 00 hectares de florestas com possibilidades de manejo.
Dupla reprodução As pesquisas já levaram a resultados
importantes. Uma delas é a confirmação de que a caixeta se reproduz também a partir de rebrotos que surgem das raízes. Esses rebrotos aparecem até mesmo em árvores jovens. Isso é bom, pois a maioria das árvores só se reproduz por meio de sementes, produzidas apenas por árvores adultas, que precisam de muito tempo para chegar a essa condição. A caixeta se reproduz tanto por rebrotos como por sementes. Um manejo adequado, assim, elimina a necessidade do reflorestamento, difícil pelas condições dos terrenos em que crescem as árvores.
Outra conclusão importante é a de que a colheita da caixeta não afeta significativamente a qualidade e o volume da água dos ribeirões que passam pelas áreas em que a árvore é dominante. Não é o que acontece quando a floresta é substituída, por exemplo, por plantações de banana, a atividade agrícola mais importante das regiões em que ocorre a caixeta.
Os pesquisadores organizaram também uma fórmula matemática para calcular ovolume de madeira existente numa área. Com essa fórmula, o proprietário do caixeta!, a partir dos diâmetros de suas árvores, pode planejar a colheita e a comercialização, de maneira a aumentara sustentabilidade da produção.
É um passo importante. Antigamente, o proprietário simplesmente cedia a área a uma equipe de caixeteiros ou a uma serraria e recebia uma porcentagem do material retirado.
O processo, além de ser largamente inexato, levava a desperdícios e a falta de cuidados na manutenção da área. O novo método pode, inclusive, superar a tendência existente de eliminar caixetais para o plantio de banana, contribuindo, assim, para a conservação ambiental da região do vale do Ribeira. Os pesquisadores da Esalq já têm planos para treinar os caixeteiros em métodos simples de inventário e planejamento. Com isso, a madeira da caixeta poderá transformar-se na primeira das florestas naturais da Mata Atlântica a obter o selo verde, muito importante para a exportação.
Os técnicos também elaboraram um novo sistema de colheita da madeira, com divisão em talhões para os caixeta is maiores e médios, que alimentam a indústria, e colheita seletiva, com base nos diâmetros das árvores, para as florestas menores, cuja madeira é usada principalmente em obras de artesanato. Os dois sistemas garantem a presença constante de árvores em situação de aproveitamento. A caixeta leva entre oito e dez anos para chegar ao ponto de corte.
Bromélias e orquídeas O lucro da floresta não está só na madei
ra, destaca a economista doméstica Adriana Maria Nolasco, professora da Esalq, co-coordenadora do projeto temático e responsável pelo tema Aproveitamento dos Recursos Florestais. Por exemplo, quando fizeram a caracterização dos diversos tipos de caixeta is, os pesquisadores descobriram que as árvores abrigam, no alto, grande número de epífitas, como bromélias e orquídeas. Na derrubada tradicional, essas plantas ficam abandonadas no chão, para morrer.
Assim, um dos trabalhos dos pesquisadores vem sendo o de identificar e quantificar essas epífitas e determinar seu potencial econômico. "Já temos uma classificação das plantas por espécie e tamanho", dizAdriana.
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No entanto, para que essa nova fonte de renda se transforme em realidade, será necessário introduzir uma legislação específica, pois a legislação atuallimita a colheita de bromélias e orquídeas nativas.
A madeira, no entanto, não foi esquecida. Fez-se uma caracterização do sistema industrial e artesanal nos três usos mais difundidos da caixeta, tábuas para lápis, saltos de tamancos e obras de artesanato, com avaliações do rendimento e perdas em resíduos. A conclusão foi a de que há perdas enormes, tanto na fase de retirada da floresta como no processamento. As causas: mãode-obra sem qualificação, comprimento inadequado das toras na colheita e pouca diversificação de produtos. No caso dos lápis e saltos de tamancos, o aproveitamento máximo de uma tora é de apenas 40 %.
Os remédios são vários.A indústria, por exemplo, quer toras com entre I, I O e I ,20 m de comprimento e, no caso de árvores maiores, as sobras devem ter outros destinos. Isso pode ser conseguido integrando a produção de tábuas para lápis e saltos de tamancos com a fabricação também de objetos menores, como caixinhas e tampas de perfumes. A serragem proveniente do beneficiamento, por sua vez, pode servir, misturada com esterco, como substrato para o plantio de cogumelos, bromélias e orquídeas, aparecer como matéria-prima para a produção de papel artesanal ou, mesmo, ser usada como combustível nos fornos destinados à secagem da própria madeira.
Com a melhor qualificação da mão-deobra e o uso de equipamentos mais aperfeiçoados e melhor regulados, afirmaAdriana, a caixeta, como matéria prima, será muito melhor aproveitada. "Estamos propondo um novo modelo para a indústria aprimorar seu sistema de produção e que pode ajudar a aumentar o rendimento e a rentabilidade dessa atividade, além de gerar mais empregos e
Rabecas feitas com madeira de caixeta
ter um impacto menor nas florestas", acrescenta a professora. A nova serraria comunitária, montada em conjunto com a Associação de Caixeteiros de Iguape, faz parte desse projeto.
Depois, há o problema das pessoas que fazem artesanato com a madeira de caixeta. Estão nessa situação 30 famílias na região de Iguape, 90 em São Sebastião e 30 em Para ti. Com poucas exceções, nenhuma tem estrutura de comercialização e se contentam em vender seus produtos nos mercados locais. Uma das exceções comprova o grande potencial da atividade. Um produtor de Saco de Mamanguá, na região de Para ti, fez parceria com um comerciante que coloca seus trabalhos em outras partes do País e no exterior. Cerca de dez famílias da região, assim, usando esse canal, têm renda que ultrapassa os cinco salários mínimos por mês por artesão.
Ou seja, tudo indica que o trabalho do grupo da Esalqjá está tendo e terá em breve resultados positivos para uma das parcelas mais pobres de uma das regiões mais empobrecidas do Estado de São Paulo, o Vale do Ribeira. "Nosso projeto não é só acadêmico, pois atende reivindicações de uma população marginalizada, além de contribuir para valorizar o desenvolvimento sustentável numa região problemática, cuja realidade a tua! gera destruição e miséria", diz o professor Viana. Além de dar subsídios para a elaboração de políticas públicas, completa, o projeto temático tem, ainda, uma importância fundamental: provar que é possível conci I i ar conservação da natureza e desenvolvimento.
Perfil: O professor Virgílio Maurício Viana formou-se em engenharia florestal pela Esalq em 1983. No ano seguinte, foi coordenador de educação ambiental da Secretaria de Agricultura do Estado do Rio de Janeiro. Tem mestrado em biologia evolutiva pela Universidade Harvard, dos Estados Unidos, obtido em 1986, e doutorado sobre o mesmo assunto, de 1989. Foi professor visitante da Universidade da Flórida em 1993 e 1994. Há dez anos é professor de silvicultura tropical do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (Esalq-USP) , de Piracicaba.
TECNOLOGIA
MEDICAMENTO
Remédio brasileiro Pesquisador da USP desenvolve um novo antiinflamatório
Dentro de quatro anos, as prateleiras das farmácias brasileiras vão estar recebendo um novo medicamento, sintetizado e patenteado exclusivamente no Brasil. Será um antiinflamatório com a molécula de seu princípio ativo desenvolvida pelo professor Gilberto De Nucci, titular do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP). O desenvolvimento do medicamento está sendo possibilitado pelo Programa de Inovação Tecnológica em Parceria da FAPESP, que prevê a parceria tecnológica e fmanceira entre pesquisadores de uma instituição científica e a iniciativa privada. Neste caso, o parceiroéoAché Laboratórios Farmacêuticos, de capital nacional e situado em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. O estudo chamado Avaliação de Moléculas com PotencialAntiinjlamatório in vitro e in vivo está em fase de escolha de duas das 20 moléculas sintetizadas em laboratório com substâncias químicas análogas, para possibilitar o início da reação da drogano organismo humano, o que deve ocorrer no próximo ano.
O princípio ativo do novo antiinflamatório não pode ter sua composição e nem nome divulgado porque ainda está fase de patenteamento. Gilberto De Nucci adianta que esse novo fármaco tem ação química semelhante a outros existentes no mercado. "Ele inibe a enzima ciclooxigenase presente em todos os tipos de inflamação", afirma. Essa enzima existente na corrente sangüíRea transforma o ácido araquidônico - liberado pelo organismo no processo de proteção contra uma agressão - em prostaglandina, uma substância que provoca a inflamação, resultando num quadro de dor, calor, tumor e rubor.
"As novas moléculas candidatas a se tornar uma nova droga são derivadas de um núcleo químico conhecido e confiável como antiinflamatório", explica Victor Siaulys, sócio e presidente doAché Laboratórios. "O que foi realizado é uma alteração estrutural na molécula antiga, transformando-a em outra substância." Isso vai possibilitar que o produto esteja pronto e testado em menor tempo do que se gasta normalmente, de dez anos, para a elaboração de um novo medicamento.
Avaliações As novas drogas exigem exaustivos tes
tes até chegar aos consumidores. A confirmação da principal atividade exigida por esse tipo de antiinflamatório- a ação inibidora da ciclooxigenase - foi obtida em laboratório com o contato da enzima com as moléculas sintetizadas por De Nucci. A avaliação in vi-
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tro também contou com testes positivos em plaquetas do sangue humano, que são os segmentos responsáveis para estancar uma hemorragia, verificando-se, assim, a compatibilidade das moléculas com esse mecanismo de proteção do corpo humano. Os experimentos in vivo foram realizados em modelos clássicos para esse tipo de avaliação, como artrites e edemas na pata de ratos. Os resultados mostraram-se favoráveis em todas os testes, principalmente pelo fato de as moléculas não induzirem a irritações gástricas nos animais, um efeito colateral comum entre outros tipos de antiinflamatórios.
A diminuição de efeitos colaterais pode ser uma das vantagens de se criar outro antiinfla-matório, mesmo com a grande variedade desse tipo de medicamento existente no mercado. "Com uma nova molécula (chamada tecnica-mente de nova entidade química) existe a possibilidadedeaperformanceser melhor que as já existentes, com menor número de efeitos colaterais", explicaDeNucci. "Outro aspecto é o do marketing dos laboratórios. Todos querem ter seu antiinflamatório." Nesse ponto, a formulação de novos medicamentos no país ganhou
·uma nova importância. Pela ~ ~- ~ atuallei das patentes, aprovada ~·
há dois anos pelo Congresso .... • _---.... Nacional, os laboratórios brasileirosnãopodemmaisreproduzirfármacospatenteadosnoexteriorcomo faziam até recentemente. "Antes, não havia o interesse da indústria farmacêutica nacional em desenvolver medicamentos aqui. Eles vinham prontos do exterior ou tinham suas fórmulas copiadas", afirmaDeNucci (veja quadro). Gilberto De Nucci: Nova droga teve
Para os consumidores de medicamentos, a importância do lançamento de novos fármacos de um mesmo segmento, como os antiinflamatórios, favorece a concorrência entre laboratórios, aumenta a oferta do produto e faz baixar os preços. Quando se tem apenas um tipo de medicamento para um determinado tratamento o preço é muito alto, como ocorre atualmente com o Viagra, na disfunção erétil , ou o Xenical, que impede a absorção de gordura. "Com mais opções, os preços baixam", explica De Nucci.
Os investimentos para essa primeira etapa do desenvolvimento do novo medicamento são da ordem deUS$ 400 mil. O Aché Laboratórios contribui com US$ 120 mil, ou
30% do total dos gastos. Os restantes US$ 280 mil foram financiados pela FAPESP. Quando o medicamento estiver à venda para a população, 5% dos royalties serão da USP. O projeto de parceria tecnológica dura um ano e foi iniciado em dezembro do ano passado, podendo ser renovado no próximo ano.
A nova molécula O nascimento da idéia de concepção da
nova molécula foi levado à frente há um ano pelo professor De Nucci. "Quando suspeitei que certa configuração atômica presente em uma molécula tinha potencial antiintlamatório, eu contatei um laboratório, que não se interessou no investimento, e depois procurei o Aché, onde seus di retores aceitaram desenvolver a nova molécula. Aí, fomos juntos à FAPESP viabilizar o projeto."
Embora pareça um feito extraordinário o registro de uma nova patente de medicamento, De Nucci desmistifica esse pensamento e afuma que todos os dias, no mundo, são patenteadas novas moléculas com objetivo terapêutico, mesmo que não resultem na imediata formulação de medicamentos. "No Brasil, não se estáacostumadocomessetipodetrabalho."Ele próprio já tem dez patentes de moléculas com potencial farmacológico registradas fora do
País. "Sempre pensei em desenhar moléculas e, durante o meu doutorado na Inglaterra, trabalhei nessa área em grandes laboratórios como o Wellcome e o G laxo", explica De Nucci. Seu trabalho científico no exterior teve como coautores os professores John Vane e Ferid Murad, ganhadores dos prêmios Nobel de Medicina, respectivamente, em 1982 e 1998.
Atualmente, o professor De Nucci trabalha também no patenteamento de uma outra molécula que poderá resultar num medicamento para a área cardiológica, que está em desenvolvimento no Departamento de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo (ex-Escola Paulista de Medicina) sob
os cuidados do professor Luiz Juliano. A contribuição inicial e mais importan
te nesse tipo de trabalho é o desenho da estruturaatômica da molécula. "No caso da molécula do antiintlamatório, eu tinha a estrutura na cabeça, mas era preciso sintetizá-la em laboratório apropriado", conta De Nucci. Nem a USP nem o Aché possuem um laboratório para esse fim. Para realizar esse trabalho de síntese, o professor De Nucci pediu ajuda a dois colegas químicos da Universidade de Nápoles, na Itália, onde ele é professor visitante. Giusepe Caliendo e Vicenzo Santagada realizaram a síntese das moléculas conforme o desenho de seu idealizador e aj udaram na caracterização da molécula nos laboratórios do ICB.
"Caracterização é verificar, depois de concluída a molécula, se ela está corretam ente estruturada. É como um bolo de chocolate em que iniciamos com uma receita, depois misturamos os ingredientes e colocamos para cozinhar. A caracterização acontece após o momento em que retiramos o bolo da fôrma, quando é preciso verificar se está bem assado e, finalmente, se está gostoso", compara. Nessa verificação, a molécula passou portestes de espectrometria de massa, realizado na USP, para a verificação da correta posição de
cada átomo.
Testes em humanos Depois de completada a avalia
ção em modelos de inflamação em animais, o teste em humanos, chamado inicialmente de fase I, vai se iniciarcom 20 a 30 voluntários sadios. São pessoas remuneradas, que se submeterão à ingestão do novo medicamento para os estudos de efeitos toxicológico, para análise da toxicidade, e farmacocinético, quando se verifica por quanto tempo e qual a quantidade do medicamento que fica na circulação sangüínea. O professor De Nucci acreditaquenoanode2001 devemseriniciados os testes com doentes. Aí, serão 50 pessoas, na fase 2, e de 500 a 5 mil pessoas, na fase 3, com a previsão de dois anos para o término desses testes. Depois disso, o medicamento é aprovado e entra em produção.
Se a boa perspectiva de sucesso desse antiintlamatório se confirmar, certamente abrirá campo para a confecção de novos medicamentos para servir como novas opções terapêuticas, possivelmente mais baratas e eficazes, para a população do País.
Perfil: O professor Gilberto De Nucci tem 41 anos. Graduouse em medicina na especialidade de farmacologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP Fez doutorado em farmacologia na Universidade de Londres, na Inglaterra. Atualmente, é professor titular do departamento de farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e professor adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
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Confiança mútua
A parceria entre a Universidade de São Paulo (USP) e o Aché Laboratórios Farmacêuticos é mais um exemplo da importância da cooperação entre a iniciativa privada e o meio acadêmico. "Com esse projeto foi quebrada uma resistência histórica entre cientistas e empresários", acredita o advogado Victor Siaulys, presidente e um dos três sócios da empresa. "Nossa relação de desconfiança mútua começa a mudar", afirma. Para ele, a universidade, cada vez mais, tem a necessidade de apresentar resultados práticos que atendam o dia-a-dia das pessoas. "Por outro lado, a indústria farmacêutica nacional , que representa apenas 20% do total de empresas desse setor instaladas no país, está sedenta de produtos novos."
Com a proibição da reprodução de fórmulas patenteadas no exterior, o futuro para as empresas nacionais está em desenvolver produtos no Brasil. "Esse é um dos caminhos alternativos para nossa sobrevivência. O outro é se associar a uma multinacional, obtendo uma licença de uso, que nos deixaria à mercê da vontade e do direcionamento dos preços dela", analisa Siaulys. Ele acredita que está chegando o momento de o Brasil ser a bola da vez no desenvolvimento de novos medicamentos. "Nós somos o 8º mercado farmacêutico do mundo em faturamento , com US$ 1 O bilhões anuais. Estamos atrás dos Estados Unidos, países da Europa e Japão. Todos esses países desenvolvem medicamentos", informa. "Por isso, no Aché , estamos investindo há alguns anos em vários campos de estudo em fitoterápicos e agora estamos envolvidos na elaboração desse fármaco sintético idealizado pelo professor De Nucci."
A importância de um novo antiinflamatório está nos números de mercado apresentados pelo presidente do Aché. "Os dois medicamentos mais vendidos no Brasil são antiinflamatórios, com o Voltarem em primeiro lugar. No Aché, nós temos dois desses fármacos que têm fórmulas reproduzidas do exterior. O Tandrilax é o mais vendido, com 300 mil unidades por mês ou 15 mil por dia." Ele acredita que o potencial do mercado brasileiro ainda é baixo. "Apenas 40 milhões de pessoas têm condições financeiras de comprar remédio no País. Com drogas de bom efeito terapêutico, seguras e, principalmente, compreços baixos poderemos atingir o potencial da população brasileira de 160 milhões. Para isso, irá contribuir muito o estabelecimento de mecanismos de extrema confiança entre as empresas e as universidades."
HUMANAS
DEFICIENTE AUDITIVO
Para ler e sentir Equipe do Instituto de Psicologia da USP prepara o primeiro dicionário da língua de sinais usada no Brasil
Se você conhece uma família que tem uma criança com suspeita de ter problemas auditivos, muita atenção. O período ideal para que seja feito o diagnóstico e para que a criança tome contato com a
nário já foi apresentado à Fundação. Além da FAPESP, colaboraram com o projeto a Fundação de Apoio à USP, as Pró-Reitorias de Pesquisa e de Cultura e Extensão da USP e o
A
outras línguas de sinais, especialmente a usada nos Estados Unidos.
No dicionário em papel, os sinais estão indexados pela ordem alfabética das palavras
correspondentes em por·~ tuguês. A versão eletrôniê ca terá também um índi~ ce organizado pelas caê racterísticas morfológi-
linguagem dos sinais, a mais eficiente para as pessoas surdas, é extremamente curto. Vai apenas dos 6 meses aos 6 anos de idade. Se não houver a imersão numa comunidade que use a linguagem dos sinais nesse período, a criança pode ter desenvolvimentos lingüístico, cognitivo e social afetados. Não são casos tão raros. Estudos internacionais mostram que nada menos de I 0% da população mundial sofre, num grau maior ou menor, de distúrbios na audição. No Brasil , segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), são 15 mi-
A: sm Primeira letra do alfabew e pnmeira vogal. Ex.: Alegria começa com a letra "a ". Mão dir ven fechada. palma-+. polegar tocando a lateral do ind.
cas. No CD-ROM, os sinais poderão ser selecionados diretamente, pelo mouse ou por tela sensível ao toque. Mas também haverá acessos indiretos, por varredura auto-~~~
Á direita: adv Para a direi/a. Ex.: Se você virar à direita c:hegord à escola. Mão dir em 8 hor, palma-+, dedos inclinados para dir. Movê-la ligeiramente para dir.
~ @_ ~ ~ ~ ,] 6 11
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mática e dispositivos sensíveis ao sopro, ao piscar e a movimentos discretos. Assim, a versão eletrônica poderá ser usada por pessoas tetraplégicas ou
À esquerda: adv Para a esquerda. Ex. : Virando 'a esquerda, você chegará mais rápido em sua com distúrbios motores
casa. severos. Milo dir cm 8 hor. palma para dentro. dedos inclinados para esq. Movê--la ligeiramcn1e para esq.
Fonte confiável lhões de pessoas com perdas auditivas, 350 mil que nada conseguem ouvir.
~ J1 ~ O dicionário terá muitas utilidades como obra de consulta e estu
Depois do diagnóstico, será preciso ter à mão os instrumentos adequados para o desenvolvimento da criança. Uma lacuna importante nesse campo, uma sistematização da Libras, a linguagem brasileira dos sinais, será preenchida ainda este ano. Uma equipe de pesquisadores do Labora-
~\1 ldt ~ Á frente: adv Para frente , em frente E:c Logo à freme você verá a padana que está procurando.
dos, até mesmo para professores surdos de Libras, que poderão em-Mão dir hor aberta, palma para esq. Movi-la ........ inclinando os dedos t .
pregá-lo para o ensino da
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À toa: expressdo. Ndo ter nada para fa:er. Et.: Ontem eu flquet à toa em casa. Ficar (GTria) Ex.: Estou ficando com ele( a). Sem qt1alquer compmm1sso
estrutura e gramática dessa língua. Mas sua principal aplicação será, sem dúvida, no dia-a-dia, no ensino das crianças
tório de Neuropsicolin-Dicionário terá cerca de mil páginas, com 15 mil ilustrações
güística Cognitiva Experi-mental, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), dirigida pelo professor Fernando Capo vi lia, acaba de completar o Dicionário de língua brasileira de sinais: ilustração e escrita visual direta de 3. 5 00 sinais usados por surdos em São Paulo, que faz justamente esse trabalho.
O dicionário está em fase final de revisão pela Federação Nacional de Educação e de Integração dos Surdos (Feneis). Uma versãoem CD-ROM será lançada, provavelmente, no fim do ano 2000. Financiamentos da FAPESP ajudaram a realizar o projeto de pesquisa e a elaborar um sistema computadorizado de comunicação com base em sinais. Um pedido de auxílio para a publicação do dicio-
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). As informações foram colhidas com o auxílio da Feneis e da Cooperativa Padre Vicente (Copavi).
As perspectivas são enormes. "O dicionário pode ser um primeiro passo para a padronização dos sinais", diz a coordenadora da Escola Especial de Crianças Surdas da Fundação de Rotarianos de São Paulo, a fonoaudióloga Sabine Vergamini . Ela afirma que uma das grandes dificuldades dos educadores é encontrar, mesmo dentro da cidade de São Paulo, sinais diferentes para a mesma palavra. Ela afirma também que as publicações usadas atualmente têm muitos problemas, como o de trazer sinais importados de
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surdas. Pela primeira vez, as professoras dessa área terão uma fonte de consulta confiável , com-
posta para surdos e a partir de informantes surdos, revisada por organizações especializadas na educação de surdos.
A obra terá cerca de mil páginas, com aproximadamente 15 mil ilustrações. Cada sinal será mostrado com desenhos que exibem a articulação das mãos, o local da articulação com relação ao corpo, o movimento do sinal e a expressão facial associada ao sinal. Os movimentos são mostrados em seqüências, com o auxílio de setas. Na versão em CD-ROM, será mostrado o próprio movimento.
À esquerda da ilustração do sinal aparece a ilustração de seu significado e abaixo dela aparece a palavra correspondente em portu-
guês, com classificação gramatical e definição. Isso é importante para a criança surda, que normalmente aprende primeiro a se expressar em Libras e só depois passa para o português. Além da definição, aparece também uma frase mostrando o contexto em que o sinal pode ser usado, em português e em Libras. Há também uma descrição precisa e detalhada do sinal , importante para estudos lingüísticos sobre a estrutura do sinal e para comparações com sinais usados em outras regiões e países.
Linguagem estruturada No lado direito da ilustração, o sinal apa
rece escrito na escrita visual direta SignWriting, por meio do programa SignWriter, um sistema internacional de escrita de sinais usado em todo o mundo. Isso é importante. Como a escrita alfabética mapeia os sons da fala, explica o professorCapovilla, beneficia bem mais o desenvolvimento da fala na criança ouvinte do que faz o desenvolvimento da língua dos sinais na criança surda. A escrita visual direta faz pela criança surda e pela língua de sinais o mesmo que a alfabética faz pela ouvinte e pela língua falada: estrutura e formaliza a linguagem, acabando por beneficiar a criança e a própria cultura.
Assim, o sistema SignWriting vem sendo usado em todo o mundo, para escrever cartas, artigos, textos literários e livros inteiros na I íngua de sinais própria de cada país ou região. Sua função principal, porém, não é a de substituir a escrita alfabética. É a de dar à criança surda, no período ideal para a aquisição da leitura e escrita, um instrumento de desenvolvimento psicolingüístico tão poderoso como é a escrita alfabética para a criança ouvinte.
A partir dos sinais do dicionário, o professorCapovilla e sua equipe estão terminando um sistema de comunicação multimídia, chamado SignoF one. Ele poderá ser usado em comunicações face a face por computador e para contatos em rede. O sistema terá uma forma ilustrada, com animações gráficas, e
outra escrita, por SignWriting, ambas com voz digitalizada associada. Para permitir comunicações internacionais, poderá cifrar mensagens em sinais entre a Libras e a língua de sinais usada nos Estados Unidos. Os textos escritos e falados poderão ser mudados também entre português e inglês.
O programa poderá ser ativado também por varredura automática ou por dispositivos
sensíveis. Assim, mesmo os surdos tetraplégicos poderão usar o sistema, enviando mensagens na linguagem dos sinais, imprimi-las em português ou em inglês, soá-las com voz digitalizada nas duas línguas ou armazenálas. Portanto, ao contrário do que acontece com os telefones de texto, os surdos terão à disposição uma maneira para comunicar-se com outros surdos, mesmo fora do Brasil, na própria linguagem dos sinais. Como se vê, o esforço dos pesquisadores do Instituto de Psicologia abre caminhos que não se limitam mais às utilidades de um dicionário.
Perfil: O professor Fernando Capovilla, do Laboratório de Neuropsicolingüistica Cognitiva Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) , trabalha há dez anos com crianças portadoras de distúrbios de comunicação e linguagem, resultantes de comprometimentos neurológicos, sensoriais ou cognitivos. Ele e seus colaboradores desenvolveram mais de cem programas de computador destinados a diagnosticar e tratardistúrbios de comunicação e linguagem em crianças e adultos. Capovilla obteve o doutorado em psicologia experimental em 1989, pela Universidade Temple, da Pennsylvania, nos Estados Unidos, e ocupa o cargo de presidente eleito (1 996-2000) da Divisão Brasileira da lnternational Society for Augmentative and Alternative Communication , organização internacional dedicada a pessoas com distúrbios sensórios-motores e cognitivos.
Juntos ou separados? O debate continua. O que é melhor para uma
criança surda? Agrupá-la com outras crianças surdas em classes especiais ou dispersá-la em classes comuns, junto com as crianças ouvintes, para que não se sinta discriminada? Para o professor Fernando Capovilla, da USP, não há dúvidas: as classes especiais obtêm resultados bem melhores. "A política de classes comuns é bem-intencionada, mas privilegia a integração social e não o desenvolvimento cognitivo e lingüístico do aluno surdo sem que ele tenha condições de acesso pleno à vida da comunidade", afirma. "Em nome da integração, acaba discriminando e, nessas condições, o desempenho do aluno especial não acompanha o dos colegas ouvintes."
A origem do problema está num congresso internacional que reuniu especialistas em educação de surdos de lodo o mundo em 1880, em Milão, na Itália. O congresso aprovou resolução banindo das escolas as classes especiais e a linguagem dos sinais e recomendando, inclusive, a demissão sumária dos professores e funcionários surdos. Essa foi a tendência dominante até a década de 1970, quando se adotou o princípio da chamada comunicação total, o uso dos sinais para apoiar o ensino da leitura labial.
Não deu certo. As professoras, nas salas de aula, lentavam falar e sinalizar ao mesmo tempo. Pesquisadores dinamarqueses filmaram algumas aulas dadas nessas condições. Omitiram o som e pediram às professoras filmadas que observassem
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os movimentos dos lábios e repetissem o que tinham dito aos alunos. Nenhuma conseguiu. Quando prestavam mais atenção à fala, tendiam a omitir sinais. Quando se preocupavam mais com os sinais, esqueciam as palavras. As crianças raras vezes conseguiam obter a leitura completa, quer pelos sinais, quer pela leitura dos lábios.
Atualmente, ganha força a filosofia educacional do bilingüismo, que defende o ensino primeiro da língua de sinais, depois da leitura da palavra escrita. Isso se baseia na constatação de que a criança surda, quando entende tudo o que o professor comunica por meio de sinais, aprende a ler e escrever com a palavra escrita muito mais facilmente. A pequena Nicarágua, na América Central, reformulou o atendimento aos estudantes surdos dentro desses princípios, com a criação de salas especiais e o ensino dos sinais. Hoje, é exemplo para o resto do mundo.
No Brasil, apesar da discussão entre as varias tendências, é oficial , pela nova Lei de Diretrizes e Bases, a existência de salas ou escolas especiais para surdos. Mas ressalva que isso só é obrigatório "quando for possível". De qualquer maneira, Capovilla ressalva que a criança surda deve ser introduzida na língua de sinais nos seis primeiros anos de vida. Em caso contrário, adverte, haverá um prejuízo considerável. A criança terá dificuldades para desenvolver-se plenamente e exercer, mais tarde, profissões que requeiram um domínio maior da linguagem.
HUMANAS
IDIOMA
Da fala à gramática Pesquisa busca a relação entre ritmo e sintaxe nas mudanças que levaram ao português falado na Europa
É possível que a dúvida já lhe tenha ocorrido. Qual é a forma correta, Pedro viu-me ou Pedro me viu? Em Portugal, não se vacila. Em frases desse tipo, usa-se sempre Pedro viume, com ênclise, isto é, pronome depois do verbo. No Brasil, as duas formas são aceitáveis . Normalmente, porém, o brasileiro usa Pedro me viu, com o pronome antes do verbo. O interessante é saber que nem sempre foi assim. Na origem da fase documentada da língua portuguesa, no século 12, o nom1al era Pedro viu-me. No século 15, houve uma mudança e Pedro me viu tornou-se a preferida.
o decorrer do século 19, porém, houve na Europa outra troca e a êncli se tornou-se a única opção.
Isso, naturalmente, não se deu por decreto. Na segunda metade do século 18, no período em que Portugal era governado pelo marquês de Pombal e seus cofres enriquecidos por grandes quantidades de ouro embarcadas no Brasil, ocorreu uma sensíve l mudança na prosódia, ou seja, na maneira como as palavras são pronunciadas, no português falado na Europa. Ainda não se sabe como e porque isso aconteceu. Mas o fato de se seguirem no tempo sugere uma relação de causa e efeito entre as mudanças prosódicas do século 18 e as sintáticas do século 19.
A construção de um modelo para mostrara relação entre a prosódia e a sintaxe, nesse processo de mudança lingüística que levou ao português europeu moderno, é justamente um dos objetivos do projeto temático Padrões Rítmicos, Fixação de Parâmetros e Mudança Lingiiística, financiado pela FAPESP. O projeto, iniciado em setembro de 1998, deve estender-se até 2002 e conta com a participação de uma equipe de lingüistas, matemáticos e especialistas em computação, sob a coordenação da professora Charlotte Galves, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
"Trabalhamos com a hipótese de que o português brasileiro seja muito próximo do português clássico em termos rítmicos", explica a professora Galves, referindo-se como português clássico ao falado nos séculos 16 a 18. "Assim, os padrões prosódicos dos dois serão contrastados, como se fosse uma comparação entre o português clássico e o português europeu moderno", acrescenta. O projeto não ficará só nisso. Entre seus resultados, está a preparação de um corpus comparativo, com registras de falas das duas variantes da língua, e um cor-
pus anotado, morfológica e sintaticamente, com 2 milhões de palavras.
Comendo sílabas Sabemos que ocorreu a grande mudan
ça prosódica do fim do século 18 principalmente por meio dos comentários sobre apresentações teatrais e representações de sotaques que saíam nos jornais da época. Gonçalves Viana, um foneticista portu-guês do século 19,por exemplo, queixava-se de
que os a tores da época pronunciavam apenas sete ou oito sílabas das dez dos decassílabos de Camões. Eles simplesmente "comiam" as sílabas que vinham antes da tônica, as pré-tômcas.
Isso ocorre até hoje. Em Portugal, muitas vezes, as vogais pré-tônicas desaparecem por completo na fala. o Brasil , porém, elas são mantidas. "Esse é o aspecto mais salien-
te da mudança fonológica", diz a professora Galves. "Nós o interpretamos como uma
Nos seus Sermões, Vieira usou ênclise na colocação dos pronomes, diferentemente de outros autores da época
Base teórica O projeto temático Padrões Rítmicos, Fixação de
Parâmetros e Mudança Lingüística, da professora Charlotte Galves, tem como quadro teórico o Modelo de Princípios e Parâmetros, originalmente proposto pelo lingüista norte-americano Noam Chomsky, do Massachusetts lnstitute ofTechnology (MIT) e desenvolvido com ele por muitos pesquisadores em vários países. Nesse modelo há a distinção entre a Linguagem Interna, ou seja, a competência lingüística, existente na mente, da Linguagem Externa, ou seja, todas as manifestações lingü ísticas produzidas pela pessoa.
As gramáticas específicas são obtidas pela fixação de valores para certos parâmetros deixados inespecificados pela Gramática Universal, isto é, a capacidade da linguagem inata à espécie humana. A partir disso, duas gramáticas- ou duas Linguagens Internas- são diferentes se possuem no mínimo um parâmetro estabelecido de maneira diferente, como acontece com o português europeu moderno e o clás-
30 p
sico em relação à colocação dos clíticos e outros fenômenos da ordem.
Os valores dos parâmetros são fixados por um indivíduo durante seu processo de aquisição de uma língua quando criança. A mudança de um parâmetro, porém, representa um rompimento tão profundo que não se dá durante o tempo de vida de uma pessoa. Por isso, os lingüistas consideram que a mudança gramatical aconteça durante a aquisição de uma língua e corresponda à fixação de um valor paramétrico de forma diferente do que vigorava na geração anterior.
O professor Anthony Kroch, da Universidade da Pennsylvania, dos Estados Unidos, outro participante do projeto, defende a tese de que, quando as variações começam a aparecer nos textos escritos, a Linguagem Interna dos autores já está modificada. Mas, como a linguagem escrita é mais conservadora do que a falada, os textos continuam a mostrar vestígios da antiga gramática, refletindo "gramáticas em competição".
Ele seria, assim, um puri sta, talvez como maneira de se contrapor ao uso do castelhano, que ganhou terreno enquanto Portugal esteve sob o domínio da Espanha, de 1580 a 1640. "Na segunda metade do século 18, uma razão do mesmo tipo pode ter levado à adoção de uma maneira de fa lar que reforçou a tendência, já ex istente na lí ngua portuguesa, a reduzir as voga is átonas", diz a pesquisadora da Unicamp. "Mas essa discussão é extralingüística e não há nenhuma evidência que possa indicar o porquê da mudança prosódica", acrescenta.
Modelo matemático
Charlotte Galves: em termos rítmicos, o português brasileiro está mais próximo do clássico
A intenção mais ambiciosa do projeto é o que Galves chama, brincando, de "busca da prosódia perd ida". "Queremos criar um modelo que permita determinar a prosódia subjacente aos textos", diz ela. Para isso, foi preciso sa ir dos li mites da lingüística e criar
mudança rítmica, ou seja, uma mudança na maneira como as sílabas átonas se reagrupam com as sílabas tônicas", prossegue.
Qual é a relação entre a pronúncia das vogais pré-tônicas e a si ntaxe dos pronomes clíticos e por que a redução das primeiras afeta a colocação dos segundos? Isso é uma das grandes questões do projeto. Do ponto de vista do lingüista norte-americano N oam Chomsky, a gramática muda na aquis ição quando, por por algum motivo, uma geração de crianças fixa um ou mais parâmetros de maneira di ferente dos pais (ver quadro). Galves explica que muitos lingüistas hoje defendem que, na aquisição de sua língua materna, as crianças usam "pistas" prosódicas indicativas das estruturas subjacentes aos enunciados. Se a prosódia dos adultos muda, as "pistas" também mudarão, levando, eventualmente, as crianças a uma gramática diferente.
Entretanto, é dific il saber por que a prosódia mudou e, em decorrência, a gramática. Nos Sermões, por exemplo, o padre Antônio Vieira usa basicamente a ênclise na colocação dos pronomes. Outros autores da época e mesmo Vieira, em suas cartas, davam preferência à próclise.A lingüista portuguesa Ana Maria Martins, da Universidade de Lisboa, participante do projeto, considera Vieira, por isso, um pioneiro do português moderno. Para a professora Galves, não é bem assim. Vieira, em vez de olhar para o futuro, estaria voltando ao passado.
um modelo matemáti co . Ele está sendo desenvo lvido por Marzio Cassandro , da Universidade de Roma La Sapienza, Pierre Collet, do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS) da França, e Roberto Fernández e Antonio Galves, da Universidade de São Paulo (USP), tendo como base a medida da probabilidade de Gibbs.
A medida da probabilidade de Gibbs governa a escolha da amostra de sentenças oferec idas à criança na aprendizagem da língua materna. Ela permite tratar de dois aspectos da relação entre sintaxe e prosódia: a restri ção de caráter algébri co que diz quais são as configurações admissíveis, no caso, quais são as sentenças aceitas pela sintaxe materna, e o potencial da atuação da prosódia para a escolha das sentenças mais eufônicas entre as admissíveis. Para especificar o potencial, é preciso analisar os contornos acentuais das duas variantes da língua. Um algoritmo com esse objetivo está sendo montado por Pierre Collet, do CNRS, e Arnaldo Mendel, da USP.
Perfil: A professora Charlotte Galves, de 48 anos, é autora de vários estudos comparando o português falado no Brasi l e o usado em Portugal. Professora do Departamento de Lingüística do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desde 1985, tem doutorado de Lingüística Portuguesa, obtido na Universidade de Paris IV.
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Quarenta textos na Internet
Um componente fundamental do projeto é o "Corpus Anotado do Português Histórico Tycho Brahe", constituído de textos de autores portugueses nascidos entre 1550 e 1850. Serão 40 textos de 50 mil palavras cada. Os dez primeiros textos, num total de 500 mil palavras, devem estar disponíveis neste mês de agosto. No final do projeto, em 2002, estarão reunidos todos os textos, com 2 milhões de palavras. O nome do astrónomo dinamarquês Brahe, nascido em 1546emortoem 1601 , foi escolhido por ter sido ele o primeiro a fazer uma anotação sistemática do movimento dos planetas
Cada texto será apresentado em três versões: a íntegra, com editoração especial, como, por exemplo, a abertura de todas as abreviaturas; o texto com cada palavra sendo acompanhada de "etiquetas" (códigos) que a especificam morfologicamente; e o texto com as etiquetas morfológicas e análise sintática.
Para as anotações morfológicas e sintáticas, estão sendo desenvolvidos dois programas similares aos utilizados no "Penn-Helsinki Parsed Corpus of Middle English", liderado por Anthony Kroch, da Universidade da Pennsylvania, dos Estados Unidos. Essa adaptação é coordenada por Marcelo Finger, do Instituto de Matemática e Estatística da USP. A coordenação dos aspectos lingüísticos da adaptação e da revisão da análise automática é de llza Ribeiro, da Unifacs, da Bahia, e de Charlotte Galves e Helena Britto, da Unicamp. O corpus conta com a assessoria filológica de Ivo Castro e Ana Maria Martins, da Universidade de Lisboa.
O corpus estará no site do projeto (www.ime.usp.br/-tycho).lsso permitirá o exame dos dados e seu uso em outras pesquisas pela comunidade científica. "Tudo o que está sendo feito na montagem do cotpushistórico estabelecerá uma metodologia reutilizável em outros períodos e variantes da língua portuguesa, em particular o português brasileiro", diz a professora Galves.
Um banco de dados com gravações de falas do português brasileiro e do português europeu constituirá um corpus comparativo entre os ritmos das duas variantes da língua. Esse corpus será construído de forma a também fornecer evidências para a conjectura de que, dentro dos limites das restrições impostas pela gramática da língua e dada uma situação discursiva, escolhas lexicais e morfossintáticas são impulsionadas pela implementação de padrões rítmicos.
A modelagem dos padrões rítmicos está sendo desenvolvida por Maria Bernadete Abaurre, Filomena Sândalo e Ricardo Figueiredo, da Unicamp; Sônia Frota, da Universidade de Lisboa; Marina Vigário, da Universidade do Minho, em Portugal; e Philippe Martin, da Universidade de Toronto, no Canadá.
LIVRO
Nós, e nossas ambigüidades O nosso provincianismo intelectual tem vista, pois o Partido Nacionalista (cuja traje- plexa relação entre Estado e nação ou, se qui-
muitasfaces,eomaldisfarçadoestranhamen- tória constitui o eixo de sua exposição) em sermos, a questão da identidade nacional. to que perpassa a historiografia brasileira nenhum momento chegou a constituir-se em Nesse sentido, desaparecem as (falsas) limi-quando confrontada com o fenômeno latino- alternativa real de poder na ilha caribenha, e tações que as reduzidas escalas de ordem americano não é somente uma das mais intri- nem Pedro Albizu Campos ( 1891-1965), a li- quantitativa podem sugerir, e a absoluta es-gantes, mas também das mais arraigadas. Isso derançamaisexpressivadesse partido, chegou pecificidade histórica da ilha e de seu povo, não é muito de estranhar se recordarmos que a tornar-se referência política com audiência ao contrapor-se ao padrão genérico de supe-a identidade nacional brasileira tomou forma, popular suficiente para interferir na definição ração do estatuto colonial na esfera hispano-desde a sua origem, com a fundação do lm- dos rumos do país. Mas a opção de americana, entreabre ricas possibilidades pé rio, mediante ajustes (de Kátia Gerab Baggio revela-se efi- para a compreensão do processo geral do qual contorno e conteúdo) de seu - · ·· · cientenademonstraçãodeque,em édimensãoparticular.Defato,aestratégiada reflexo nos simultâneos pro- se tratando de fenômenos h uma- autora funciona, mas a eficácia de sua opção cessos de emancipação política nos, não há temas irrelevantes, exige muito de seu leitor, pois o poder expli-
Q ·t'STÀÜ NAC10NAL das sociedades hispano-ameri- ,... u .. apenas problemas mal colocados. cativo da narrativa pressupõe, dada a parei-, 'M PüiHO RlCC.) canas. A imagem do nascente L. """"""" E este não é, certamente, o caso mônia da qual lança mão, que este leitor ja-
Estado monárquico capaz de as- "~'"''"~;" '"" do estudo que ela oferece ao lei- mais perca de vista o fato de que o movimen-segurar- continuidade na ruptu- - tor, introduzindo-o ao interior da to do todo (a história portoriquenha), revela-ra - a boa ordem erigida comova- , ... ···~~il ambigüidade portoriquenha. do a partir do movimento de uma de suas par-lor supremo da sociedade escra- ,, · .\ Trata-se de uma situação tes (o Partido Nacionalista), somente sedes-vista a ser mantida nas novas con- peculiar a desta ilha que, des- venda quando são considerados os nexos.que diçõespolíticas,osconstrutoresdo de a segunda viagem de Co- atam a ambos os movimentos a um terceiro Estado nacional brasileiro contra- lombo ( 1493) até a Guerra que os determina, e que é o do imperialismo punham uma outra: a de umaAmé- j fOIJ'fS" Hispano-americana (1898), norte-americano em sustentada expansão rica espanhola descrita como um ' integrou, na condição de colónia, o durante o período estudado. mundo de desordem e desagregação republi- Império espanhol quando, com o colapso de- Sem essa precaução, a percepção da im-canas a serem evitadas a todo custo. finitivo deste Império no Caribe, passou a gra- portância do tema exposto pode perder-se pelo
Percebe-se não ser fruto do acaso sermos, vitar na órbita norte-americana. Quanto a isso, atrativo do registro de paralelismos que, mes-os historiadores brasileiros, gestores de uma a trajetória desta "menor das grandes Anti- mo não sendo acidentais, tem seu tanto de cu-herança perversa na sua origem, legado que lhas" guardou semelhança com as de Cuba e rioso e, portanto, de atraente. É dificil em cer-perdura mal grado os alertas de pensadores de das Filipinas, mas, enquanto estas caminha- tos momentos fugir à tentação de ver no Parti-nossa história (e destino) do porte de Manoel ram em direção à independência política, do Nacionalista e nas camisas negras dos "ca-Bonfim, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Porto Rico permaneceu submetido ao contro- detes da república" uma versão antilhana dos Prado Jr. , Celso Furtado ou Fernando Nova is I e de Washington, e nada indica que o rompi- "galinhas verdes" das hostes de Plínio Salga-quanto à indissolubilidade, reconhecidamen- mento dos laços que atam a ilha aos EUA es- do, assim como é fácil deixar-seatrairpela tra-te em meio a diferenças que formam sua ri que- teja no horizonte da possibilidade. Afinal, em jetória pessoal deAlbizu Campos, descobrin-za, dessa trajetória comum latino-americana novembro de 1993, no plebiscito chamado a do-se antiimperialista ao estudar em Harvard que é também a nossa. Nesse quadro, A ques- decidir sobre o estatuto político da ilha, seus e assumindo, a partir daí, os riscos envolvidos tão nacional em Porto Rico- o Partido Na- cidadãos deram integral apoio à preservação numa opção política que lhe custaria longos cionalista (1922-1954), de Kátia Gerab Bag- dessa vinculação, ainda que divergindo entre períodos em prisões americanas. Mas certa-gio, publicado em 1998 pelaAnnablume/FA- si quanto à forma que deveria assumir. Recha- mente não está nisso o interesse maior deste PESP, vem justamente demonstrar a relevân- çando por escassa maioria a transformação de livro, e sim na revelação dos meandros de uma c ia do estudo da história hispano-americana Porto Rico no 51 o estado da União norte-ame- identidade nacional portoriquenha que seafir-para o conhecimento da nossa própria histó- ri cana, optando pela manutenção do a tua! es- ma através de uma valorização da herança co-ria. Trata-se de um livro pequeno ( 140 pági- tatuto de Estado Livre Associado (esta alter- lonial ibérica, no que foge ao padrão prevale-nas de texto seguidas de anexos, bibliografia nativa contando com 48,6% dos sufrágios e a centena América Latina. E ao erigir essa he-e indicação de fontes documentais), enxuto e anteriorcom46,3%),os portoriquenhosarqui- rança como núcleo forte da resistência que bem centrado, como o são em geral as boas (e varam a hipótese de plena independência, por oferecem ao avanço avassalador de outros úteis) dissertações de mestrado que têm vindo não ser de seu agrado. padrões culturais, que contrastam e buscam à luz no Departamento de História da Facul- Mas a recusa da integração plena na subordinarasua,osportoriquenhosfazemuma dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas União revela que o vínculo com os EUA não história que é bem a de todos nós nesse mundo da Universidade de São Paulo. O seu conteú- é imune de tensões, e a concisa narrativa da que se quer globalizado. do é uma competente exposição de um aspec- autora conduz o leitor ao cerne de um proble-to particular da vida de um país de extensão ma que não é restrito a Porto Rico, por ser reduzida(8.900km2),cujapopulaçãoempou- comum a toda a América Latina: a da com-co ultrapassa três milhões e meio de habitantes, aos quais devem-se acrescentar mais cerca de dois milhões dispersos pelos Estados Unidos da América, situação de "diáspora" que, mesmo sendo peculiar, é antecipatória de uma realidade que hoje envolve múltiplas comunidades "hispânicas" em acelerado crescimento na rica república do norte.
A estratégia que a autora escolheu para aproximar-se (e aos seus leitores) da problemática portoriquenha surpreende à primeira
ltJAPESP SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
István Jancsó Professor do Departamento
de História da FFLCH da USP
GOVERNO DO ESTADO DE SAOPAULO
ma uman
ESPECIAL A POUCOS PASSOS DO SEQÜENCIAMENTO DO DNA DO HOMEM
O recente anúncio da Celera, de que completou um milhão de seqüências da mosca de frutas, torna mais factível
o seqüenciamento c'ompleto do genoma humano até o ano 2000
Em meados de março passado, quando se despedia da equipe de reporta
gem da Tevê Cultura que fora entrevistá-lo para a série de documentários sobre o projeto pioneiro da genômica no Brasil -o seqüenciamento completo da Xyllela fastidiosa, proposto e financiado pela FAPESP -, Craig Venter disse que o genoma da Drosophila melanogaster estaria seqüenciado entre junho e setembro deste ano. Dito, e quase feito: na última semana de julho, a Celera Genomics, empresa fundada pelo cientista em maio de 1998, anunciou oficialmente que completara o primeiro milhão de seqüências do DNA da mosca de frutas, o inseto que vem sendo usado como modelo nos laboratórios de genética há mais de 80 anos; informou ter atingido essa marca em três meses de trabalho e declarou que espera completar o trabalho ainda neste agosto de 1999.
Andrew Simpson, coordenador de DNA do projeto de seqüenciamento do genoma da X fastidiosa, aponta a importância da notícia: se aCelera conseguiu mesmo esse volume de produção, então poderá cumprir sua promessa principal, e razão pela qual Craig Venter fundou a empresa: seqüenciar todo o DNA de nossa espécie até o ano 2000. O doutor Simpson é um dos entrevistados deste segundo encarte especial do Notícias FAPESP sobre o genoma humano. O primeiro, com entrevistas do próprio Craig Venter, de Leroy Hood, Phillip Green e João Carlos
NOTÍCIAS FAPESP
~ Setúbal, foi publicado na edi-5 ~ ção 43 do informativo. ~ A notícia divulgada pela
Celera sem dúvida aumenta a pressão sobre os cientistas comprometidos com o projeto público de seqüenciamento do genoma humano, que devem cumprir a promessa de tornar disponível uma primeira versão de nosso material genético ainda no primeiro semestre do próximo ano. Um desses cientistas, na linha de frente do projeto, é Robert Waterston, da Washington University. Neste encarte, ele diz quais são as suas preocupações no contexto da corrida disparada por Venter e que os cientistas ligados ao governo norte-americano não querem perder.
Finalmente, a outra entrevistada é Claire Fraser, farmacologista de carreira, atualmente presidente da TIGR -a instituição sem fins lucrativos que Craig Venter deixou para trás quando fundou a Celera. Claire é nome presente no seqüenciamento de todos os genomas bacterianos publicados pela TIGR até hoje e falou sobre a análise comparativa de material genético.
Esses cientistas, e muitos outros entrevistados pela jornalista Mônica Teixeira, autora também dos textos que se seguem, estão na série "Genoma: Em busca dos sonhos da Ciência", veiculada a partir do dia 16 de agosto, às 21 horas, na TV Cultura de São Paulo. A produção das entrevistas foi um trabalho das repórteres Myrian Clark e Manoela Ziggiati.
GENO M A H UMANO 2
Acesso livre às inforlllações do genoma humano
Em março passado, o vice-presidente dos Estados Unidos, AI Gore,
anunciou em Washington que o governo norte-americano decidira suplementar o orçamento do Projeto Genoma Humano com mais US$ 88 milhões, para cinco laboratórios. Desse total, US$ 38 milhões -a maior fatia para um só centro de pesquisa -foi para Bob Waterston, da Washington University, em Saint Louis, Missouri. Seu centro de seqüenciamento, o quinto maior do mundo, é um importante pilar sobre o qual se apoiam o desejo e a necessidade política dos National lnstitutes of Health de tornar disponível, até a primavera do próximo ano, um esboço da seqüência do genoma da nossa espécie. A entrevista do doutor Waterston revela, portanto, as concepções de um cientista comprometido com os valores do establishment científico do país que mais investe em pesquisa em todo o mundo. Ele defende a publicidade imediata de todos os dados e peleja pela precisão da informação. No entendimento do doutor Waterston, o Projeto Genoma Humano oferecerá a base de dados sobre a qual os cientistas deverão se debruçar durante o próximo século; daí a importância de que os dados sejam tão confiáveis quanto possível. Expõem-se, nas duas questões, as divergências que separam o grupo financiado por fundos públicos e o ousado e inovador Craig Venter. No ano passado, com John Sulston, Waterston publicou o genoma da C. e/egans - um nematóide de 1 milímetro de comprimento, o primeiro animal a ter seu DNA conhecido.
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Bob Waterston
• Gostaria de começar pedindo ao senhor que contasse a história das decisões que envolveram o esforço de seqüenciamento da C.elegans ...
- Decidimos trabalhar para a caracterização de todo o DNA da C elegans porque queríamos ter acesso a qualquer gene do nematóide a qualquer tempo. Quem começou o trabalho foi o John Sulston, agora no Sanger Center; mais tarde nos junta-mos a ele. Nós tínhamos os cromos
somos da C elegans divididos em pequenas seqüências, que nós poderíamos organizar para ter sua representação completa. Naquele momento, 1989, o Projeto Genoma Humano decidia que outros organismos seriam estudados além do nosso. A C elegans não estava na lista, e a comunidade em torno dela agitou-se: ficou claro que ter a seqüência completa traria vantagens, mesmo que isso soasse como uma fantasia naquele momento, inclusive por causa do investimento que seria gerado pela tentativa de seqüenciar. A C elegans é um organismo-modelo e, se a levedura e a drosófila iriam ter seus genomas seqüenciados, então os pesquisadores estudando C elegans estariam em desvantagem. A comunidade então decidiu reagir, e conseguimos ri1arcar um encontro com James Watson, diretor do laboratório de Cold Spring Harbour. Nós dissemos a ele que tínhamos o mapa, que estávamos prontos para entrar no seqüenciamento. A pressão da comunidade levou John e eu a nos dispormos a passar de mapear o genoma para seqüenciá-lo. E a C elegans acabou incluída como um entre os cinco organismos selecionados para serem seqüenciados além do humano.
• Além de não ficar em desvantagem, houve outros ganhos com o seqüenciamento da C. elegans?
- Para responder sua pergunta, vou precisar elogiar um pouco a mim mesmo. O fato de John e eu termos envolvido nossos grupos nisto teve um impacto significativo, tanto na forma de seqüenciamento quanto na maneira de lidar com os dados. Somos ambos pragmáticos e queríamos realizar o trabalho, este era o nosso maior objetivo; não nos importava qual seria a tecnologia, que programa usaríamos. Isso nos libertava dos
NOTICIAS FAPESP
constrangimentos que pesavam sobre outros centros de seqüenciarnento; o fato de sermos novos no negócio também tornou-se vantajoso, porque pudemos escolher soluções que funcionavam. Conseguimos diminuir muito os custos naquele momento, o que nos deu a possibilidade de impulsionar outros projetos. A participação dos nossos dois grupos para completar o seqüenciarnento da levedura foi central para apressar o cronograma dos grupos europeus envolvidos. Em vez de ficar pronta em 98, a levedura acabou em 95. Foi bom negócio para eles. O outro aspecto importante é que desde o começo, mesmo quando ainda estávamos
GENOMA H U MA N O 2
compreender o genorna humano, com centenas de milhares de pessoas trabalhando nele. Vai levar todo esse tempo e todo esse esforço para compreendê-lo e analisálo de urna maneira que faça sentido. Mas nós podemos obter a informação, no ano que vem vamos gerar um terço do genorna aqui neste centro. Teríamos o direito de controlar o desenvolvimento dessa informação e decidir quem poderá ter o privilegiado acesso a essa informação?
• A política em relação à divulgação de dados preocupa-o no caso de companhias como a Celera ou a lncyte?
no mapa, nós dividimos nossos dados com a comunidade o mais precocemente possível. Ainda não havia Internet, e não podíamos então oferecer os dados a cada 24 horas; mas encontramos urna maneira de divulgar de três em três meses, o que era essencialmente um produto não finalizado (work in progress). Nós aplicamos a mesma política para os dados do seqüenciarnento e, assim que foi
'' O cientista quer a informação
- Essencialmente, essas companhias vão restringir o acesso a seus dados. Ternos também de notar que eles ainda não fizeram nada e que suas políticas podem mudar, segundo as necessidades do negócio. No caso do Genorna Humano, corno há muita gente interessada, e pelo fato de suas implicações serem tão vastas, acho que há razão para preocupação. Seqüen-
tão logo ela esteja disponível,
mesmo que ainda imperfeita''
possível divulgar diariamente os dados, passamos a fazê-lo. Ficou muito claro pela resposta dos pesquisadores da C elegans que eles consideraram a disponibilidade dos dados altamente benéfica. Não reservávamos a informação para nossos próprios propósitos e para nossos próprios interesses. Essa era urna prática bastante diferente da tradição até aquele momento.
• O que o senhor gostaria que fosse o entendimento da extensão das patentes nesta área?
-No que concerne aos cientistas, é claro que eles desejam os dados tão logo possam obtê-los, e incluo aí os cientistas da indústria e da academia. O cientista quer a informação assim que ela esteja disponível, mesmo que ainda imperfeita. Fornos pagos para determinar a seqüência de pedaços de DNA importantes para eles; se colocarmos à disposição a seqüência bruta, eles irão buscar a informação lá, e estarão felizes com ela, mesmo com os defeitos. Logo, a pergunta é qual é a melhor maneira de assegurar que esta informação resulte no maior avanço possível para a ciência e para a medicina. Isso nos leva a toda urna questão filosófica: as patentes restringem o avanço ou incentivam o avanço? No caso de seqüenciarnento de DNA, há um diferencial, que é o volume de informação. Um centro corno o nosso obtém mais informação do que jamais poderá explorar. Imagino que todo o próximo século será necessário para
NOTÍCIAS FAPESP
ciarnento vai se tornar parte da indústria, a atividade ainda é de
senvolvida na academia porque há organismos que interessam à academia e não interessam à indústria. Claro que, no caso do genorna humano, todos se interessam. Sim, me preocupa a questão do acesso aos dados, e me preocupa também a precisão dos dados que estão sendo gerados. Ambas as coisas são muito importantes. Até agora, quem se provou capaz de atender aos dois requisitos foi o grúpo que recebe financiamento público: na última verificação que fizemos, os grandes centros apresentavam menos de um erro a cada mil bases. Aqui na Universidade de Washington, em trechos de 2 mil bases não foi encontrado nenhum erro.
• Por que os senhores decidiram publicar o paper da C. elegans, apesar de ainda haver buracos na seqüência?
-Estimávamos, quando publicamos, que havia mais ou menos 135 seqüências com buracos; agora, o número já caiu para 95 ou 100, por aí - quer dizer, já houve progressos. Os buracos remanescentes são realmente muito difíceis de ser seqüenciados, e ainda não está claro se será possível fazê-lo. Também parece claro que não há genes nesses trechos com problemas, eles contêm pouca informação biológica. Há outro aspecto peculiar sobre a C elegans: em vez de ela ter centrôrneros confinados em um determinado ponto do crornossorno, ela tem, na verdade, centrôrneros dispersos. Nos mamíferos, os centrôrneros
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GENOMA HUMANO 2
podem ser a repetição continuada de uma mesma seqüência. Então, o que encontramos na C elegans é um segmento aqui e outro ali e outro mais adiante, da mesma seqüência incrivelmente repetida. Ninguém realmente até agora afirmou que vai seqüenciar corretamente os centrômeros humanos. Todos reconhecem que é uma impossibilidade; na C elegans temos o mesmo problema, distribuído por uma porção de lugares; foi isso que deixamos para trás: repetições que serão ignoradas em outros genomas. Quando, no final do ano passado, aprontamos a maior parte do que era relevante, se não tudo que era biologicamente relevante, e já que não
fazem. Não é fácil porque, se você simplesmente elimina um gene entre as cópias que são encontradas no cluster, práticamente nada acontece. Será um desafio descobrir mais sobre eles. Parece claro que essa organização faz parte da estratégia que o nematóide vem usando para adaptar seu genoma ao ambiente. Relacionado também à evolução, há outro dado: os cromossomas não são uniformes em termos da taxa de mudança. Cada cromossoma parece ter uma região no centro, onde se localizam os genes mais conservados, mais antigos, que estão bem representados na levedura. Essa região central tem menos
segmentos repetidos, que aparesabíamos quanto tempo o resto do esforço iria custar, pareceu razoável ir em frente e publicar. O que estamos tentando fazer agora é descrever essas regiões o mais acuradamente possível. Sabemos que não obteremos a seqüência precisa de alguns desses lugares, porque eles são realmente muito complicados e muito resistentes às técnicas atuais. Com a descrição minuciosa, queremos ficar certos de que não
'' O governo foi responsável pela
cem muito mais nas pontas dos cromossomas. Algumas vezes são seqüências repetidas que só aparecem ali e que nunca encontramos na região central. Além do mais, os genes nas pontas tendem a ser menos conservados, e também a se expressar menos abundantemente. Há uma fronteira clara, um limite bem definido, como se houvesse algum mecanismo pelo qual o
conceitualização do Projeto Genoma Humano e é responsável até hoje
por seu progresso''
estamos perdendo nada impor-tante. Alguns desses segmentos são 30 a 50 mil bases de apenas uma simples repetição, e descobrir se não há nada nesses trechos é realmente um processo difícil. Fazemos essa verificação exaustivamente, sobre cada um dos pedaços, antes de desistir. Parece que há segmentos assim também no genoma humano, que não podem ser seqüenciados com o uso das técnicas atuais, mas os problemas são muito menos freqüentes. Enquanto na C elegans encontramos um segmento difícil a cada 1 O mil ou 50 mil bases, no genoma humano as regiões de dificuldade aparecem 1 O ou 1 00 vezes mais raramente.
• Qual o achado científico mais interessante que o senhor encontrou no seqüenciamento da C. elegans?
-Notável na C elegans são os agrupamentos (clusters) de genes. Em segmentos com 1 O genes, encontramos sete extremamente próximos uns dos outros e, com o que sabemos até agora, todos provavelmente fazendo a mesma coisa. Nós esperávamos encontrar isso, mas não na extensão em que de fato encontramos. Temos muito boa idéia sobre o que fazem alguns desses agrupamentos de genes, quando podemos estudá-los em outras espécies. Podemos comparar a C elegans com a levedura, por exemplo. No entanto, há ainda um número expressivo de genes sobre os quais nada sabemos. Há numerosos desses agrupamentos, e os pesquisadores precisam imaginar o que eles
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DNA das pontas tem permissão para mudar, para tolerar seqüên
cias repetidas. As mutações nesses genes parecem acontecer com mais freqüência; também é verdade que nas pontas há conjuntos de genes diferentes dos que encontramos no centro, que são mais importantes e mais conservados. Isso também se reflete na genética, porque quando você procura por uma mutação que tem efeitos maiores no fenótipo da minhoca, eles tendem a estar nas regiões centrais e menos freqüentemente nas pontas. No caso dos cromossomas humanos, não sabemos se há segmentos evoluindo a taxas diferentes, como parece ser o caso da minhoca. Não sabemos em quantos segmentos diferentes podemos dividir o cromossoma humano, mas está claro que ele tem algum tipo de segmentação, não é tão simples quanto na minhoca, porque nela há claramente uma região mais conservada flanqueada por esses segmentos mais variáveis. É bem possível que haja mecanismos na espécie humana para separar partes diversas dos cromossomos para diferentes propósitos.
• O senhor acaba de receber um grant de US$ 38 milhões, anunciado pelo vice-presidente da República, com a missão de apressar os trabalhos do Projeto Genoma Humano e entregar uma primeira versão da seqüência dentro de um ano. Isso será possível?
- Em primeiro lugar, confiamos que vamos cumprir o objetivo; esta é uma decisão séria e não apenas relações
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públicas. Os cinco maiores centros entre os financiados por dinheiro público já produzem alguma coisa como 14 milhões de leituras (reads) por ano; se nós produzirmos duas vezes ou duas vezes e meia esse número durante os próximos 12 meses, aprontaremos a primeira versão da seqüência. Nosso centro tem dobrado sua capacidade de seqüenciamento a cada ano desde que nós começamos; então, não será novo para nós. Neste momento, fazemos 4,5 milhões de leituras por ano, e nossa expectativa é chegarmos a 9 ou 1 O milhões. Então, é realmente possível executar a tarefa. Mas a decisão de lançar esta primeira versão surgiu de conversas com líderes da indústria farmacêutica e
G ENOMA H UMANO 2
dentro do setor público do Projeto Genoma Humano não foram adorados pela Celera; não sabemos se eles serão capazes de alcançar alta qualidade de produto com o método que estão usando. Pessoalmente, acho que não.
• Há muita esperança depositada sobre o seqüenciamento do genoma humano. A genômica é apresentada como um caminho para a imortalidade, há promessas de vida mais Longa, promessas de botar um ponto final no sofrimento humano. Não é demais?
- Bem, nós vivemos na era do
membros da comunidade que estuda genética humana. Eles querem acesso à seqüência já, o mais rápido possível - e achamos que este é o melhor meio de estimular a pesquisa. O que estamos tentando fazer é usar bem esses fundos do governo.
''Acho que o resultado final será que entenderemos o papel dos genes
exagero, do sensacionalismo. Em parte por causa da TV, estamos todos competindo por aparecer, e o exagero é o caminho para obter exposição; então, claro, concordo que a biotecnologia, e a genômica em particular, tem sido também objeto de exagero. E isso não vem só do setor privado, o setor acadêmico também tem culpa. O fato é que os genes e a genética estão • Mas Haseltine, da Human Geno
me Sciences, declarou aos jornais que o governo deveria sair desse tipo de projeto ...
muito mais claramente''
-Acho incrível essa declaração de Haseltine. Não estaríamos no ponto em que estamos hoje se o governo não tivesse se envolvido no assunto. O governo foi o responsável pela conceitualização do projeto, e é responsável por seu progresso até hoje. O Projeto Genoma Humano existe por causa do esforço de financiamento público. E, na verdade, afora a contribuição em ESTs, que não é genômica propriamente dita, os grupos privados contribuíram quase nada com seqüenciamento de genomas. Acho que há uma única bactéria cujo genoma foi feito por uma companhia privada. Parte disso deve-se ao fato de que o foco da indústria é diferente do foco da academia e do sistema público. Nós tentamos ver a longo prazo, e fornecer um produto que faça sentido e seja durável.
As ESTs são um exemplo ilustrativo das diferenças. Há muito entusiasmo na indústria pelas ESTs, o que não se dá na academia, e a razão é que as ESTs fornecem informação rápida, e malfeita ("quick and dirty"). É informação transitória, porque, quando o genoma humano terminar, ela terá muito pouco valor. As ESTs são importantes na tentativa de interpretar as seqüências, nesse sentido elas têm um valor mais durável porque são registras de substâncias expressas dentro da célula. Há objetivos diferentes. Não está claro, por exemplo, o que vai ser o produto da Celera. Os padrões que adoramos
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envolvidos em quase tudo. Estão claramente envolvidos no fato de
eu estar ficando careca e de eu ser ruivo, o que são coisas triviais; mas também, provavelmente, contribuem para eu ter ou não hipertensão, para ter ou não Alzheimer. Os genes provavelmente definem minhas habilidades atléticas, minha inteligência e daí para frente; eles estão por trás do que fazemos. Também há a questão do ambiente: algumas coisas sãp mais influenciadas pelo ambiente, outras mais pelos genes. Inteligência, por exemplo - não sabemos se se deve mais aos genes ou ao ambiente.
• O senhor acredita que vai haver reparo genético para a obtenção da felicidade?
-Penso que isso está além do que podemos esperar. Nós não entendemos a felicidade. Estamos começando agora a entender a que se deve a fibrose cística, de uma maneira que não entendíamos antes de conhecer os genes que se relacionam a essa doença. Penso que nós encontraremos genes que trazem uma disposição para o bom humor, em oposição a uma disposição para o mau humor. Mas esses genes não serão a resposta - se coisas más acontecem, provavelmente a tristeza virá. Será muito complexo, não haverá uma solução "tire este gene e tudo vai ficar bem". No entanto, acho que o resultado final será que entenderemos o papel dos genes muito mais claramente e seremos capazes de manipular a maneira como influenciam a natureza humana, a condição humana.
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GE NOMA H U M ANO 2
A genôtnica é utna chave para a caixa-preta da ciência
Foi em setembro do ano passado que Claire Fraser chegou à presidência da
TIGR - a instituição de pesquisa que, ao seqüenciar o genoma do Haemophilus influenza, quatro anos atrás, assentou a pedra fundamental sobre a qual se ergueu o edifício da genômica. Claire assumiu o cargo quando Craig Venter, seu marido, trocou a TIGR, e sua história, pela Celera Genomics Corporation, a parceria com grupo Perkin Elmer através da qual o doutor Venter quer realizar o sonho de ser o primeiro a seqüenciar o genoma humano. Até 92, a doutora Fraser vinha construindo sua carreira no poderoso NIH; como especialista em farmacologia chegou, muito jovem - tem, agora, 45 anos -, ao cargo de chefe da Neurobiologia Molecular do instituto dedicado ao alcoolismo. Quando se mudou para a TIGR, como vicepresidente de pesquisa, Claire foi deixando para trás o campo em que se doutorou para participar das equipes de pesquisa que haviam seqüenciado, até setembro de 98, os genomas de sete dos 16 organismos publicados. Seu nome integra o corpo de autores dos papers de todos eles. Na entrevista a seguir, Claire demonstra seu entusiasmo pela genômica; em especial, pela análise comparativa de genomas. Ela recebeu a equipe de reportagem na clara e ampla sala de estar ao lado da presidência, na sede da TIGR em Rockville, a uma hora de Washington. Houve dois momentos em que a entrevista foi interrompida: primeiro, quando os dois poodles do casal entraram pela sala e ela parou para agradá-los e acalmá-los; depois, pela visita de Craig, vindo da vizinha Celera para encontrá-la. Claire parece serena e segura de si.
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Claire Fraser
~ • Hd agora 18 organismos que tive~ ram seus genomas seqüenciados. A ~ partir desses dados, que importância
adquire a andlise comparativa de genomas?
- O que nós temos encontrado nestes primeiros estudos de comparação entre genomas, especialmente genomas microbianos, é que mesmo organismos considerados muito próximos têm um grande conjunto de genes próprios a cada
espécie, que parecem ser únicos. Isso significa que há uma tremenda quantidade de biologia que não entendemos em cada um desses organismos - embora todos eles sejam extremamente simples. Genômica comparativa também informa sobre outras questões. Podemos, por exemplo, examinar patógenos humanos, patógenos do trato respiratório, etc. Por esse tipo de aproximação, podemos começar a definir subconjuntos de genes que possivelmente se revelarão importantes para o entendimento de propriedades biológicas desses diferentes organismos. É um tipo de informação que você, se tiver apenas a seqüência de um organismo, só pode adivinhar; mas se t~m a possibilidade de examinar vários organismos, entre eles os muito próximos e outros mais distantes, pode ter uma idéia muito melhor do que os organismos compartilham, do que é próprio de cada um. Isso vai nos ajudar muito na tentativa de descobrir quais os genes mais importantes em um organismo e compreender sua biologia.
• Hd aspectos novos em evolução que surgiram dos dados obtidos com seqüenciamento completo de genomas?
- Uma das coisas que descobrimos sobre evolução é que o quadro evolutivo, particularmente em termos de micróbios -e isso pode vir a se revelar verdadeiro também para organismos superiores quando o Projeto Genoma Humano chegar a seu término -, não é talvez tão simples como se pode pensar baseado nas árvores genéticas existentes. A primeira razão para isso é que temos encontrado evidências muito positivas sugerindo que há muita transferência de genes entre espécies e, assim, especiação e aquisição de novas propriedades
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GENOMA H UMANO 2
bioquímicas podem não vir verticalmente na linha evolutiva, e sim pela troca de DNA entre espécies. Não fomos os primeiros a perceber a transferência lateral de genes; aliás, essa é uma idéia que já tem bastante tempo. O que os seqüenciamentos completos de genoma têm mostrado é que a transferência lateral parece ser um processo que conta mais para a diversidade evolutiva do que se poderia antecipar.
'' Esse tipo de projeto é melhor realizado por organ1zaçoes
como a TIGR, que tem eficiência econômica
por causa da escala''
novas hipóteses e novos experimentos.
• Quando começou sua carreira, a senhora imaginou que sua prática seria como é? Sua vida como cientista é como a senhora tinha imaginado?
- Meu treinamento foi em farmacologia. Comecei como estudante de graduação e por 15 ou 16 anos, depois que me
• O aspecto industrial da genômica predomina sobre o aspecto propriamente científico da especialidade? Não se trata de montar rotinas, e de assegurar que tudo seja realizado conforme a elas?
- Há, sem dúvida, um componente industrial importante no que fazemos . É trabalho de larga escala, nós nos apoiamos largamente em automação, as atividad_es são rotineiras. Fazemos a mesma coisa todos os dias qualquer que seja o organismo que estejamos seqüenciando. Essa parte é claramente industrial, e por essa razão acredito que esse tipo de projeto é talvez melhor realizado por organizações como a TIGR, em que temos eficiência económica por causa da escala com que trabalhamos. No entanto, nem por um minuto penso que genômica não é ciência fundamental, porque o interesse dos cientistas em cada um desses projetas que completamos é levar a informação um passo adiante, olhar as seqüências e tentar fazer novas perguntas. O que nas seqüências nos ajuda a entender a biologia desses organismos, o que aprendemos de novo, o que não sabíamos antes ... Todas essas informações nos dão um novo ponto de partida para a formulação de hipóteses que nos levarão de volta aos laboratórios para novos experimentos, o que acon-
formei, trabalhei com receptores para neurotransmis-sores, proteínas da membrana celular que interagem com hormônios para causar mudanças em determinadas células. Ao longo desses estudos, aprendi biologia molecular, clonei muitos genes, usei receptores para olhar em detalhes como eles interagiam com os hormônios e os neurotransmissores, mapeando sítios de ligação para aminoácidos específicos . Eu julgava meu trabalho muito, muito importante- até que o seqüenciamento automático evoluiu a ponto de termos condições de montar esses novos tipos de projeto. Eles começaram com ESTs humanas, e não com projetas genoma de micróbios, e então ficou claro que podíamos pensar biologia em larga escala e fazer biologia em larga escala. Foi isso que me fez refletir sobre o trabalho que fazia em meu próprio laboratório; que talvez o que eu fazia não fosse importante comparado ao que poderia ser realizado em genômica. Isso revolucionou a ciência de vma maneira maravilhosa, pois agora é realmente possível pensar que se pode trabalhar em um organismo ou em um sistema e conhecer seu esquema genético completo antes mesmo de começar o estudo. Você sabe exatamente com o que você está trabalhando; a ciência tornou-se muito menos uma caixa-preta. Essa é uma das contribuições fundamentais oferecidas pela genômica. Mas nada disso quer dizer que não há
mais lugar para o tipo de tratece aqui com freqüência. Mas há grupos nos Estados Unidos e em outros países do mundo que parecem mais interessados em gerar as seqüências e que vêem isso como um fim . Ao contrário , acredito que há muita ciência interessante a ser feita mesmo no computador, particularmente na área de genômica comparativa, assim como através da geração de
''Agora é realmente possível trabalhar num orgamsmo
do qual se conhece antes o esquema
genético completo''
balho que eu fazia antes de mudar para a genômica. Aliás, há mais lugar do que antes para aquele tipo de trabalho, porque ignoramos a função de 30% a 50% dos genes quedescobrimos - e, portanto, precisamos voltar ao laboratório para pesquisar o que esses genes fazem e como eles contribuem para a biologia dos orga-nismos. Em suma, a genômica
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GEN OMA H UM A NO 2
mudou a ciência em muitos níveis: ao possibilitar o estudo dos organismos no nível de seus genomas, ao tornar as ciências da computação e a bioinformática muito mais importantes na compreensão do todo, e ao dar a cientistas, que estão trabalhando num único gene ou em conjuntos de genes, novos pontos de partida para avançar.
''Vamos levar
torne o mais educado possível em ciência, e em tudo que ela significa. Mesmo para um cientista, é difícil avaliar bem o que lê sobre um determinado avanço numa área que não é sua; nem sempre ele é realmente capaz de pôr a informação no devido contexto. Imagino então a dificuldade para os leigos, que têm um back-
a melhor parte do próximo século
para entender parte da informação que
geramos até agora''
• A mídia trata a nova biologia molecular e a genômica como uma espécie de caminho para a imortalidade. O que a senhora pensa sobre esse tratamento que a ciência e os cientistas recebem?
- Isso é um exagero. Vamos levar a melhor parte do próximo século para entender parte da informação que geramos até agora. Em poucos anos, teremos disponíveis as seqüências da drosófila, do rato, do homem; e se nós sabemos tão pouco a respeito das bactérias neste momento, teremos muito mais dificuldade para entender o que acontece com os organismos superiores. Por enquanto, esse entendimento é apenas uma pretensão. Para mim, os cinco anos de trabalho nesta área têm sido a mais humilhante experiência em toda a minha carreira, porque encontro cada vez mais indicações do quanto é pouco o que sabemos.
• Apesar disso, não se vê os cientistas desmentindo a imprensa ...
- É verdade: os cientistas querem retratar seu trabalho como o mais relevante possível; e especialmente na área humana, onde você pode encontrar um novo gene e associá-lo a uma doença. É aí que vem a publicidade e a imprensa. Não é considerada boa história se alguém descobre um gene e não
ground muito mais limitado. Acontece com freqüência de
sermos visitados por pacientes, ou por grupos de apoio a esses pacientes, e eles estão tão desesperados em busca de um avanço, em busca da cura, que toda vez que há qualquer novidade, tenta-se transformá-la na esperança de um avanço fundamental ou de um tratamento em curto espaço de tempo. Então, acho que sempre haverá esse exagero, essa espécie de sensacionalismo -não há escapatória.
• Pessoalmente, a senhora acredita que os avanços relacionados da genética humana levarão a ciência a poder responder a perguntas como: por que Brahms era tão bom compositor, ou por que James Joyce escreveu tão belos livros? Os reparos genéticos vão resolver a questão do sofrimento humano?
-Acho que essa é uma visão super simplificada do tipo de informação que virá de termos o genoma humano seqüençiado. Habilidade artística, habilidade musical, e esse tipo de coisas sobre as quais você falou, claramente têm componentes genéticos; há múltiplos fatores genéticos que influem nisso e que tomarão décadas de estudo, ou mais, para serem elucidados. Há também a questão dos fatores ambientais. Os estudos que comparam gêmeos são perfeitos como exemplo para isso: você tem dois indivíduos
com o mesmo código genétisabe dizer exatamente o que ele faz. É muito melhor dizer que encontramos um gene associado a determinada doença, que pode levar a um novo tratamento ou à cura. Essa é uma história muito melhor, e o público vai se interessar em ler. Ambos os lados têm parcela de culpa, e essa é uma das razões que levam os cientistas a pensar que é vital que o público se
''Os cinco anos de trabalho nesta área
têm sido a mais humilhante experiência
em toda a
co, e se eles crescem em ambientes diferentes, apesar de terem muitas similaridades, se tornarão indivíduos diferentes. Esse grau de complexidade não será resolvido simplesmente com o seqüenciamento completo do genoma. O que é boa notícia para os cientistas: haverá trabalho a fazer por muitas e muitas décadas à
minha carreira'' frente ...
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GENOMA HUMANO 2
O que não está nos genes tan1béni não está no n1undo
O inglês Andrew Simpson, que se afirma um "cientista brasileiro"
;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;:;::;:::;;:=;:;::;:::;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;:;=;:::;;;;;;;;;;;;;;; :;; • Gostaria de começar falando de pag tentes e genômica. Na sua opinião, que g política de patentes deve prevalecer? c;
:E na entrevista a seguir, é um homem radical: deixa-se levar tão longe quanto possível pelo pragmatismo que caracteriza as concepções da quase totalidade dos pesquisadores envolvidos com a biologia molecular contemporânea.
Andrew Simpson
-Eu acho que hoje patentes fazem parte integral das ciências da vida e de genomas. Mas há muita ilusão e ignorância sobre todo esse processo. Muitas pessoas acham que patente dá dinheiro. Não dá. Depois acham que dá direitos. O único direito que dá é o de você defender sua posição
Nesta área do conhecimento que se erigiu sobre a confiança de que o caminho da verdade nascerá inevitavelmente do acúmulo de informações sobre as partes (o DNA sendo a parte última) e que deseja controlar a intimidade dos mecanismos da vida, o pensamento que Simpson esboça nesta entrevista, com coragem e clareza incomuns, é o dominante entre seus colegas. Aos 44 anos, o coordenador de DNA do seqüenciamento da Xylel/a fastidiosa, e coordenador - geral do Genoma Câncer, uma parceria da FAPESP com o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, é um militante da objetividade sem nuances, tão típica desta transição entre milênios. Para o doutor Simpson, o que não está nos genes não está no mundo - e isso vale para uma bactéria ou para um ser humano. No futuro imaginado por este homem tão fortemente conectado a seu tempo, a imortalidade terá sido alcançada e nenhum mistério restará sobre a vida. Fazer este futuro chegar mais depressa é o compromisso de Andy, como ele gosta de ser chamado pelos amigos; e como ele é infatigável, é provável que consiga. Com vocês, Andrew Simpson:
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na frente de um juiz. E, quando se tem realmente uma coisa boa que se patenteou, depois se vão enfrentar todos os desafios. Cansa, é complicado e custa caro. Mas temos de assimilar isso, senão estamos fora do jogo.
• Quanto custa manter uma patente?
- Se alguém tem uma patente de uma coisa boa que quer defender, no final vai gastar de meio milhão de dólares para cima. Tem os legal fies, o advogado, patent office, etc. Depositar, que é o início de tudo, é barato: US$ 15 mil. Neste momento complicado em que estamos, há patentes muito precoces. Fazem-se muitas e abandona-se a maioria. Restam, rio fim, aquelas que realmente valem a pena. Prefiro mil vezes a idéia de que a patente deve ser de um gene inteiro, que já tem uma utilidade. Mas para trabalhar assim temos também de aprender a falar menos - primeiro assinar uma patente e depois começar a falar a respeito. Minha posição é que patentes em cima de seqüências sem utilidade complicam a vida do pesquisador. Temos de fazê-las porque a lei ainda não é clara, mas seria bom que fosse e explicitasse que as seqüências para serem patenteadas têm de ter uma utilidade comprovada, que pode ser um gene de nível de expressão de tumor, coisas que tenham um potencial.
• O senhor tem trabalhado nisso por causa das seqüências já geradas pelo Genoma Câncer?
- Sim, toda hora tenho meia dúzia de processos de patente em andamento. Cada vez que vou para Nova York sempre gasto pelo menos um dia com advogados, olhando processos. É um trabalho a que não estamos acostu-
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mados, e o retorno para o pesquisador raramente aparece. Mas temos de assimilar isso, aprender e temos de estar sempre procurando a possibilidade de patentear.
• Há uma idéia geral de que sem patente não tem pesquisa, pois ninguém vai querer investir sem garantias.
- É verdade. Em algum momento é preciso investimento de uma empresa, e ninguém vai investir sem alguma garantia de propriedade, senão gastam-se milhões de dólares desenvolvendo uma droga e, quando termina, qualquer pessoa pode fazer exatamente
formações, porque não têm tempo de olhar os dados. Não fazem nada da parte de genomics.
• Qual a diferença que o senhor vê entre Craig Venter e Bob "Waterston? Gostaria que descrevesse a importância e o lugar que eles ocupam no mundo da genômica.
-O Craig é a pessoa que realmente fez com que genomics se tornasse uma área exciting para trabalhar. Mais do que qualquer outro, ele estimulou o interesse do público em geral pela área, inclusive o do mundo científico. Todo
mundo ficou fascinado com um o mesmo - copiar e pronto. Então, obviamente, tem de se proteger a propriedade intelectual. É bom para o pesquisador, porque agora ele tem um produto mais tangível do que um paper, tem uma coisa que pode vender. Também vem embutida nisso a garantia de que é mais provável que sua descoberta seja desenvolvida porque é atraente para um investimento. Minha preocupação é com patentes muito
'' Craig Venter levou o ato de seqüenciar para a
ciência. Mas ficou numa posição desconfortável
entre o mundo acadêmico e o comercial''
genoma inteiro pela primeira vez. Para comparar, olhe-se o número de papers, na Nature, Science, etc., que Craig produziu, e o número que Bob Waterston produziu. Por ter se arriscado um pouco mais, por estar mais vulnerável, Craig sempre teve que answer his critics. Os grandes papers de ESTs na Nature, o primeiro genoma completo ... todos vêm da TIGR, todos
precoces porque, se você tem pa-tente de parte de um gene antes de saber realmente o que ele faz, isso é um "desincentivo" para todos os outros trabalharem com aquele gene. Todo o mundo científico está batalhando para descobrir onde deve ser a linha abaixo da qual não se pode patentear, e acima da qual pode-se. Patente é importante para a pesquisa porque incentiva o pesquisador e o investidor. Mas também pode desincentivar.
• O doutor Robert "Waterston enfatiza a política de lançamento diário dos dados das seqüências brutas como a que traz mais beneficias para a pesquisa. O senhor concorda?
- Para o tipo de trabalho que eles estão fazendo, acho ótimo. Nossa filosofia no projeto do câncer é a mesma, já começamos a depositar no GenBank, e vamos disponibilizar raw sequences. O dinheiro que nos permitiu produzilas não é investimento de empresa, é do Instituto Ludwig e da FAPESP. A humanidade tem mais chance de se beneficiar se a seqüência do genoma humano estiver totalmente livre. Vamos patentear, sim, genes completos, com utilidade. Mas me ajuda demais o fato de eles já terem depositado as seqüências: por exemplo, posso pegar a seqüência produzida na Washington University, colocar junto com uma minha, mostrar que isso faz alguma coisa e patentear. Então, acho ótimo que eles estejam disponibilizando. O problema deles é que só estão produzindo seqüências, não fazem mais nada. Não vão aproveitar as in-
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vêm dele, todos são complicados para serem submetidos through the
scrutiny. Foi ele também quem descobriu como produzir resultados científicos baseados no genomics, porque é mais do que a seqüência, é também annotation. Ele inventou o genomic 's paper: fazer a seqüência inteira, anotar, descrever as funções. Ele o fez pela primeira vez. Ele levou o ato de seqüenciar para a ciência. Mas fez também algumas coisas erradas dentro da comunidade, principalmente porque ficou ríuma posição desconfortável entre o mundo acadêmico e o mundo comercial. Ele quis ser aceito no mundo acadêmico, mas teve de receber financiamento do mundo comercial. E, principalmente com as ESTs humanas, ele decepcionou a comunidade acadêmica, não divulgando os dados da maneira como prometeu. Ele ficou nessa posição desconfortável, agora decidiu desafiar o mundo inteiro com aCelera, e redobrou os problemas que tem.
• O senhor considera-o um bom cientista?
- Sim, com certeza. Seus papers são cheios de erros, mas exigem uma cabeça muito boa, ele faz mais que seqüenciar. Dizem que ele não inventa nada, que só enxerga o que é uma boa idéia dos outros e a coloca para funcionar. Mas, depois que funciona, ele interpreta bem, tira as informações, transforma-as em informações úteis para os outros. Por outro lado, Bob Waterston, John Sulston, Francis Collins, todo aquele grupo do dinheiro público dos National Institutes of Health e do Departamento de
NOTICIAS FAPESP
Energia - foi realmente Waterston quem iniciou tudo -são homens diferentes. São homens do sistema que assumiram um papel dentro do sistema, o trabalho como protestant work ethic. São pessoas que fazem, produzem, são honestas e muito abertas.
• O foto de Craig Venter se ligar à Perkin-Elmer não é uma dificuldade, por eles serem fobricantes do equipamento?
- Bom, no man is an island De certa maneira, ele ficou isolado. Para acelerar o projeto do NIH, pode-se ter o apoio de muitas pessoas que acre-
G E NOMA H UMANO 2
rão mesmo melhores diagnósticos de muitas doenças, todas as doenças genéticas vão ser muito melhor definidas. Isso inclui o câncer, em que o grande benefício será um enorme aperfeiçoamento no diagnóstico. O câncer é uma doença curável enquanto se tem um tumor isolado, porque uma simples cirurgia o retira e acabou a história. O grande problema do câncer é que ele normalmente não tem sintomas enquanto está nesse estágio, só depois que já se espalhou, quando essencialmente não é mais curável. Daí, para curar câncer, simplesmente tem de se ter a consulta mais cedo. E eu acredito que o genoma humano vai
possibilitar isso. Vamos ter uma caixa de ferramentas muito maior, ditam no projeto. Craig não tem
esse tipo de apoio. Em relação à Perkin-Elmer, acho uma posição complicada, porque em cada seqüenciador colocado no projeto a empresa está perdendo dinheiro, porque não vendeu para outras pessoas. Não sei os detalhes, mas tenho a impressão de que a Celera não está acelerando tanto como eles pensavam. A Celera vai ter pouca coisa antes do grupo dos
''Não é um mistério porque temos
vamos conhecer muitos genes que são super expressos desde que o tumor se instala, e isso vai permitir que uma simples cirurgia seja a cura para a maioria dos casos. vida curta. Nem vida
nem morte são mistérios. São processos
químicos''
• E isso vai ser feito pelo uso disseminado dos chips de DNA?
- Chips de DNA, ou testes imunológicos baseados em proteínas descobertas a partir dos genes, fundos públicos. Craig Venter é
inteligente, sabe se virar, mas acho que está muito isolado. Eu não gostaria de estar na posição dele.
• Mas ele deve gostar, porque criou esta posição para ele. Afinal, poderia estar na TIGR.
- Exatamente, então boa sorte. Mas a posição de Bob Waterston e de Sulston é muito mais confortável, eles são os white knights, salvando a humanidade contra o inimigo. Se não conseguirem, ajudaram e fizeram o melhor possível. Craig vai ganhar ou perder, agora eles só vão ganhar.
• Quais são as expectativas que a mídia tem em relação ao genoma humano e o que o senhor acha que é de foto real e o que é invenção? O que vai se cumprir?
- Timing is everything in politics. Eu acho que infelizmente tem muita confusão com genoma humano, com clonagem, transgênicos e biotecnologia, tudo vem junto na cabeça de todo mundo. E a ciência não fez muito bem seu papel de educação e deu muito espaço para as ONGs e outros criticarem.
• O senhor estd folando de transgênicos.
-É que vem tudo junto. É o genoma humano que vai virar clonagem, que vai virar não sei o quê. Acho que vi-
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etc., e em curto prazo. Nos próximos cinco anos isso vai dar frutos. Sempre vai haver câncer, é inevitável, faz parte do processo de envelhecimento. Por isso é importante ter as ferramentas para descobrir cedo. O desafio depois vai ser como não envelhecer.
• Isso também estd contido nas promessas do genoma humano, uma espééie de imortalidade?
-Não, mas eu acho o seguinte. Tente imaginar que o futuro é longo, daqui a mil anos. Não tenho muita dúvida de que antes disso a imortalidade seria factível.
• Por quê?
- Para mim não há mistério. Não é um mistério porque temos uma vida curta. Nem vida nem morte são mistérios, são processos químicos. Parece que se explica grande parte dos acontecimentos de envelhecimento com base na acumulação de mutações. O que eu notei, e já publiquei, é que duas coisas estão ligadas: envelhecimento e evolução. Porque, para uma espécie evoluir, precisa-se de uma taxa de mutação para gerar variabilidade, pois sem variabilidade não há seleção natural e a existência fica muito vulnerável à mudança de ambiente. Então, temos uma seleção positiva para uma taxa de mutação fixa, que resultou na existência do ser humano.
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GEN OM A H UMANO 2
Portanto, mutação é uma coisa muito positiva. Temos em nosso corpo dois tipos de célula: germinativa e não germinativa. Mas os processos genéticos nos dois tipos são exatamente os mesmos. Então, o que acontece nas células germinativas é o seguinte: elas dividem-se relativamente pouco entre uma geração e outra. E é na própria divisão celular que acontecem as mutações, e são corrigidas por proteínas e enzimas de reparo. Minha hipótese é que é a eficiência das enzimas de reparo que determina a taxa de mutação. Nas nossas células germinativas tem uma taxa de eficiência que permite a evolução - e isso é herdado pelas células so-
talvez tenha outros fatores envolvidos: oportunidades, sorte, etc. Mas ninguém vai superar seu potencial genético. Isso é impossível. Talvez eu esteja errado, porque se alguém vai atingir, ou não, o seu potencial genético também é determinado geneticamente. Acho que a influência dos pais e das escolas é muito menor em termos positivos do que nós gostaríamos de pensar.
• O senhor se sente bem nesse mundo sem mistério?
- Claro. A humanidade sempre procurou se desculpar usando o destino. Então, estou colocando o destino em genética. Se máticas, que continuam se divi
dindo. A acumulação de mutação nas células somáticas é exponencial. Por isso, o câncer é inevitável. Então, é simples: se as enzimas de reparo forem moldadas para não ter acúmulo de mutações, não se vai envelhecer, ter câncer, enfarte, não se vai ter reumatismo.
'' Parece possível explicar grande
parte do processo
eu não ganhar o Nobel Prize, eu não podia mesmo, ou foi azar. Assim, isso me desculpa de muitas coisas. Com meus filhos também, eu não penso: "meu Deus, se eu fizer isso, eles serão criminosos". Eles vão ser o que eu já defini no momento em que dei meus genes, então posso conviver com eles e gastar meu tempo de uma manei-• Se nem vida nem morte são mis
tério, por que os cientistas falharam em reproduzir o começo da vida em laboratório?
de envelhecimento com base na acumulação
de mutações''
-Não conseguiram ainda, mas talvez precise-se de milhões de anos para isso funcionar. A grande contribuição do genomics é que tirou o mistério da vida. Quando você olha uma página da Nature que tem todos os genes de uma bactéria, você está olhando para rodas as proteínas necessárias e suficientes para aquele organismo existir. Então, em certo momento, vamos saber como construir grandes moléculas de DNA sintético e assim vamos criar vida. Para mim, é uma grande mudança poder dizer: a vida é isso, a vida é esta lista de genes. Não tem mais nada. A biologia agora é uma ciência exata. A vida não é um mistério, é só um processo complexo, que está começando a ser totalmente definido.
• O senhor acha que do estudo detalhado da infinidade de partes e detalhes e suas variações emergird, então, a explicação de tudo?
-Sim, acredito que sim. Vamos supor um experimento. Pegamos meu filho e um chimpanzé e colocamos na mesma escola. Depois de 5 anos, quem terá aprendido mais? Os chimpanzés conseguem acompanhar o desenvolvimento humano até um ano de idade, depois não conseguem mais. É o limite genético. A genética define seu potencial. Se cada pessoa vai atingi-lo é uma questão que
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ra agradável, em vez de pensar roda hora que a minha influência
vai determinar seu futuro, o que não é verdade. Dá uma liberdade para viver despreocupado. Eu acho ótimo.
• Como o senhor define a posição de coordenador de DNA de um projeto genoma?
- Como muitas coisas no projeto da Xylella, não ficou definido exataÍnente o que é ser coordenador de DNA. Então, criei essa posição e assumi, na realidade, a liderança do projeto. Isso me permitiu, depois, delegar. Estava um pouco inseguro no início, tinha uma tendência a achar que deveria conhecer tudo, e as outras pessoas fazerem só o seqüenciamento e a anotação. Agora não, tem muita gente participando do fechamento, e o que estou tentando fazer é realmente coordenar.
• Como o senhor se sente, sendo um inglês entre brasileiros?
-Eu não penso que sou inglês. O Brasil é um país de imigrantes, e eu sou um imigrante mais recente do que a maioria dos outros, só isso. Quando falo no exterior sobre esse projeto, eu falo do Brasil, dos brasileiros; esse projeto é brasileiro. Agora as pessoas começam a perguntar: Where are you originally from? Where were you born? Eu já virei de uma certa maneira um brasileiro, assimilado pela comunidade científica brasileira, eu sou parte disso, independentemente de minhas origens, porque eu não tenho mais laços lá fora.
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