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ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014
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UM ESFORÇO EM VÃO – (RE)CONSTRUIR A EUROPA NO
ENTRE-GUERRAS: A IFHTP ENTRE 1919 E 1939
Thiago Mauer
thiagomauer@hotmail.com
Graduando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador e bolsista de iniciação científica do Grupo de Estudos sobre Sociedades e
Territórios (GEST)
Joel Outtes
j.outtes-wanderley@oriel.oxon.org
Professor do Departamento de Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Grupo de Estudos sobre Sociedades e Territórios (GEST)
Palavras-chave: Reconstrução; Habitação; Planejamento Urbano; Cidades-Jardins; I Guerra
Mundial.
Eixo 7 – Geografia Urbana
Resumo
A IFHTP Foi fundada em 1913 com o objetivo de propagar o movimento das
cidades-jardins, teoria de Ebenezer Howard, pelo mundo. Mas, com a eclosão da I
Guerra Mundial viu-se obrigada a mudar sua atenção para debater o planejamento e a
reconstrução das cidades devastadas pelo conflito. Passado esse período, concentra-
se na melhoria da habitação dos mais pobres, no planejamento das cidades
densamente povoadas e no planejamento regional, com foco na construção da
Europa. Porém, em 1939, com o início da II Guerra Mundial todo esse esforço físico se
perde, sobrando apenas a experiência teórica, a qual passará a ser aplicada no pós-
guerra.
Abstract
The IFHTP was founded in 1913 with the goal of propagating the Garden-cities
movement (theory created by Mr. Ebenezer Howard) worldwide, however, with the
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beginning of the 1st World War, it was obliged to debate the planning and
reconstruction of cities devastated by the conflict. After some time, it focused in the
improvement of the housing for the very poor, on the planning for highly populated
towns and on regional planning as well, with a focus on the construction of Europe.
However, the 2nd World War begun and all the physical efforts were lost, leaving only
the theoretical experience which was applied in the post-war period.
Introdução: O Pré-guerra
Reunidos em Londres em 25 de Julho de 1914, discutindo a ideologia das
cidades-jardins, inaugurada em 1898 por Ebenezer Howard e posta em prática em
1903, com a construção da cidade de Letchworth, na Inglaterra, aqueles planejadores
urbanos nem imaginavam que estavam tão próximos de um conflito tão grandioso que
estremeceria os alicerces da sociedade, que causaria tanto sofrimento à Europa, que
levaria a tanta destruição, morte e tanto trabalho e discussão para os anos seguintes,
e muito menos que começaria com um único tiro, em uma cidade não tão longínqua
dali, Sarajevo, dali a apenas três dias. Esse conflito seria a I Guerra Mundial,
devastaria o continente europeu, arruinaria centenas de cidades e mudaria para
sempre a história da humanidade.
Nem bem fazia um ano que a International Federation for Housing and Town
Planning – IFHTP (à época International Garden Cities and Town Planning
Association1 - IGCTPA) havia sido fundada, quando seus membros se encontravam
para o segundo congresso da instituição, na cidade de Londres, e já teriam de ver
seus encontros encerrados por um longo período por conta do conflito mundial. Nesse
congresso, que contou com a presença de 146 planejadores, excluindo os britânicos,
puderam fazer contatos e expandir sua rede de relacionamentos por toda a Europa,
pois o mesmo contou com a presença de delegados da Espanha, Itália, Polônia e
outros onze países (GCTPA, 1914 p.178), e, além de discutir os temas a que o nome
da instituição se propõe, discutiram ainda outros, como aqueles referentes à
habitação, principalmente para os mais pobres (GCTPA, 1914, p. 180).
Impedidos de continuar com seus congressos mundiais, no ano de 1915, a
IGCTPA, organizou um evento especial em Londres, com o objetivo principal de que
todos os planejadores ingleses e estrangeiros que estivessem exilados em território
britânico, em razão da grande guerra, pudessem trabalhar em conjunto pela melhoria
1 Em português: Associação Internacional de Cidades-Jardim e Planejamento Urbano.
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do trabalho e da propaganda do ideal da cidade-jardim, de forma que esses pudessem
retornar à sua terra natal, ao findar o conflito, com experiência suficiente para aplicar o
aprendizado em seus países. O evento só foi possível graças a um acordo entre os
governos britânico e belga, que enviou 300 planejadores, arquitetos, advogados e
estudantes para a capital inglesa. O tema principal do encontro, justamente devido a
esse acordo, foi a reconstrução das cidades devastadas pela guerra, principalmente
na Bélgica (GCTPA, 1917, p. 38), primeiro momento em que o assunto é abordado,
mal o conflito havia iniciado, anunciando os piores prognósticos do resultado final do
enfrentamento.
Pós-guerra e Reconstrução
A I Guerra Mundial durara entre os anos de 1914 e 1918, com um saldo de 19
milhões de mortos, em um embate que colocara de um lado a tríplice aliança,
composta por Alemanha, Bulgária, Áustria-Hungria e demais aliados, e de outro a
tríplice entente (ou simplesmente ‘aliados’), composta por Inglaterra, França, Rússia e
aliados. Por questões geográficas, a guerra na Europa contou com um frente de
batalha, que percorria o eixo norte-sul, a partir do Mar do Norte até os Alpes
franceses, partindo da Bélgica ao norte da França, e que foi a região mais devastada
pelas novas armas de guerra do período, os bombardeios aéreos e os tanques de
guerra.
Em razão da destruição da região, da proximidade e da aliança entre os
países, Bruxelas, na Bélgica, foi escolhida como sede do terceiro encontro mundial da
IGCTPA, o primeiro do pós-guerra, que teria, obviamente, como tema de discussão, a
reconstrução das cidades devastadas nos anos anteriores, com atenção especial para
os países aliados durante o conflito, como mostra o título do primeiro fórum de debate
do encontro, “Town Planning and Housing in the Allied Countries” (Planejamento
Urbano e habitação nos países aliados) (GCTPA, 1919a, p. 180). Como fruto da
ideologia da cidade jardim à época, o encontro foi unânime em ver na teoria de
Howard a solução para os problemas de habitação, de higiene, da “vida industrial” e, já
prenunciando o que a II Guerra Mundial e a “ciência nazista” trariam de pior à
humanidade, também poderia solucionar, segundo um dos participantes do evento, o
problema da “saúde racial”, clara alusão à eugenia. Ademais, apesar dos males
causados pela guerra e de toda a dor que ela causou, essa seria uma excelente
oportunidade para implementar mais cidades-jardins pelo continente, principalmente
na França e na Bélgica, onde se propôs a construção de uma “Cidade-Jardim
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monumento”, como “memorial da guerra”, que seria um presente à memória da
resistência belga aos alemães e uma obra-prima que serviria de modelo ao mundo, à
ser projetada pelo próprio Ebenezer Howard (GCTPA, 1919b. p. 239-240), mas que
jamais saiu do papel.
No ano de 1920 o congresso mundial volta à sua cidade de origem, Londres, e
conta com 150 delegados de 26 países (GCTPA, 1920c. p.66), tendo ainda, como
tema de discussão, a reconstrução das cidades devastadas pela I Guerra Mundial,
mas, diferentemente do encontro do ano anterior, dessa vez foca-se nas cidades que
tiveram tal devastação que não poderiam ser reerguidas no mesmo sítio, necessitando
de novas áreas para que os trabalhos pudessem ser iniciados. Sugere-se ainda que
as prefeituras mantenham a posse das áreas onde serão (re)construídos os prédios,
ao menos na França, para que se evitasse a especulação imobiliária ilimitada e para
que se pudesse realizar resultados otimizados com relação à saúde da população, o
que deveria ser alcançado a partir de um layout científico para as novas cidades,
respeitando o posicionamento e a incidência de raios solares e um número limitado de
habitantes por área (IGCTPA, 1920. p. 6, 11 e 67).
A Bélgica, país mais afetado por bombardeios e foco dos encontros anteriores,
volta a ser debatida, mas dessa vez por uma questão histórico-cultural. Dois
monumentos da cidade de Ypres foram demolidos durante ataque à cidade, de forma
que se tornaram ruínas, foram o Cloth Hall e a Catedral de St. Martin. Os planejadores
do país entraram em um ferrenho debate sobre o que fazer com relação a esses dois
monumentos históricos, se os restauravam com vias a manter a história medieval do
país ou se os mantinham em ruínas, como preservação da história recente e da
resistência do país diante da investida alemã durante a primeira grande guerra. Ao
final do Congresso é assinada uma petição, ao governo belga, solicitando a criação de
um parque nos entornos e a manutenção das ruínas dos dois monumentos, como
ficaram após os bombardeios, preservadas para a posterioridade (IGCTPA, 1920. p.
66-67), o que não surtiu efeito, pois, na atualidade, ambos os monumentos encontram-
se restaurados.
Ao longo de todo o encontro, o ‘novo’ se mostra bastante corriqueiro, com a
apresentação de novas leis de habitação na França, novas formas de planejamento, a
necessidade de desenvolvimento de uma nova ciência que dê conta dos problemas do
planejamento urbano, que são, em si, problemas novos nas cidades europeias,
principalmente no que diz respeito à industrialização do capital e do trabalho (IGCTPA,
1920. p. 8-11; 66). Essa configuração é sintomática do período de transição que foi o
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conflito que a pouco terminara e que, segundo o Historiador Eric Hobsbawn, encerraria
a “Era dos Impérios”, e daria início à “Era dos Extremos”, demonstrada por um
participante que expressou a sua vontade de jamais partilhar a mesa com um alemão
novamente (Hobsbawn, 1988; 1995; GCTPA, 1920b), extremismo que haveria também
entre aliados, como em 1922, quando a IGCTPA se desliga da GCTPA, causando dois
congressos internacionais no mesmo ano, um em Londres, em Março e o outro em
Paris, em Outubro, último esse que foi encerrado antes da hora, por atritos entre os
britânicos e os franceses, que haviam tirado a liderança da Federação das mãos de
seus fundadores (IFHP, 1963; Allan, 2013. p. 61-62).
Desenvolvimento, Planejamento e Construção
Em 1923, em Gotemburgo, na Suécia, país que não se envolveu diretamente
na I Guerra Mundial, e já passados cinco anos do término desta, a IGCTPA começa a
deixar de lado a preocupação com a reconstrução das cidades devastadas, e passa a
focar em outros problemas que a nova ordem tem apresentado à sociedade europeia,
como o grande crescimento demográfico, fruto do rápido desenvolvimento industrial.
Nesse Congresso (que contou com 300 participantes de 22 países) ainda que
em menor quantidade de vezes que nos anteriores, ainda há a presença da ideologia
da cidade-jardim, mas agora voltada para os problemas do desenvolvimento, como no
artigo “The Garden City and the Overgrown Town” (A cidade-jardim e a cidade com
supercrescimento), de Raymond Unwin. A partir de 1923, as cidades-jardins começam
a cair em ostracismo nos encontros, sendo substituídas principalmente pelo
planejamento local, como solução aos mais variados problemas urbanos que possam
se apresentar e, pela primeira vez, com foco no planejamento urbano e rural, com
propostas de descentralização das tomadas de decisão, passando essas do âmbito
nacional para o local, que é mais próximo do problema e, consequentemente, de
encontrar a solução (IGCTPA, 1923).
No ano de 1924, em Amsterdã, a Federação sofre sua primeira alteração de
nome, passando a se chamar International Federation for Town & Country Planning
and Garden Cities2 – IFTCPGC, o que demonstra a perda de importância da ideologia
das cidades-jardins em sua filosofia. O planejamento regional foi indicado por Van
Peolje e Bakker Schut como solução para os problemas de países que possuem áreas
de maior densidade populacional em volta de cidades relativamente grandes, que foi o
2 Em português: Federação Internacional para Planejamento Urbano e Rural e Cidades-Jardim.
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que levou à criação da primeira lei de regulação do planejamento regional, dentro da
“Lei Neerlandesa de Habitação”, e que ambos acompanharam a implementação
(IFHP, 1963a). Um dos principais pontos de sugestão nos debates, do qual
participaram 500 delegados de 28 países (Allan, 2013 p. 72), foi o planejamento de
cidades satélites como meio de descentralizar e desafogar o grande número de
habitantes dessas, agora, metrópoles (IFHTP, 1924. p. 283-286). Muito dessa troca de
posicionamento da Federação se deveu a um “amadurecimento” que os trabalhos de
planejamento tiveram ao redor do mundo, que, nas palavras de frequentadores do
evento, “passou da infância para a fase adulta” (IFHTP, 1924. p.49).
Como é possível perceber até então, a Federação Internacional não passava
de uma federação europeia, até que em 1925 ela atravessou o atlântico e aportou na
cidade de Nova York, saindo pela primeira vez de seu continente de fundação e
chegando ao novo mundo. No Congresso que ocorreu em território estadunidense, e
que recebeu 500 delegados de 26 países, dois quais 130 eram estrangeiros (Allan,
2013 p. 74), os temas abordados deram conta do planejamento regional, do tráfego e
da descentralização das áreas (IFHTP, 1935, p. 417).
Como nos eventos anteriores – Amsterdã (1924) e Nova York (1925) – não há
a menor menção, nos debates, ao motivo pelo qual a Federação foi fundada – a
propagação da ideologia das cidades-jardins – em seu 10º encontro, em 1926 na
cidade de Viena, a pauta é enterrada de uma vez por todas, com uma nova alteração
do nome da entidade, e a supressão desse substantivo de seu texto, que passa a se
chamar International Federation for Housing and Town Planning3 – IFHTP, nome que
se manteria até 1960, quando apenas a expressão Town seria retirada do título4. Além
dessa novidade, Viena dobra os números de participação do evento anterior,
chegando a 1000 delegados, de 34 países.
No congresso de Viena foram justamente os dois temas a que o novo nome da
Federação se propunha que foram debatidos, com sessões temáticas que discutiam a
posse da terra em relação à cidade e o planejamento regional, a distribuição racional
de pequenas habitações e cortiços, e discussões sobre habitação com referência
especial à utilidade pública da habitação, principalmente no que diz respeito aos
problemas fundiários e de posse da terra para a construção das habitações. Ou seja,
1/3 do congresso dando conta da questão do planejamento urbano e os outros 2/3
3 Em português: Federação Internacional para a Habitação e o Planejamento Urbano.
4 Se tornando International Federation for Housing and Planning – IFHP (Federação Internacional
para Habitação e Planejamento), nome que mantém até os dias de hoje.
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preocupados com a questão da habitação, que passa a ganhar maior destaque nos
encontros (IFHTP, 1926).
Completando 10 anos do término da primeira grande guerra, o congresso volta
para Paris, onde se bate o recorde de participantes em eventos da Federação, com
1300 delegados de 47 países, numero que só seria superado em 1962, em outro
congresso na mesma cidade, e não será batido novamente na história da instituição
(Allan, 2013 p. 111; 265). O tema foco de debates do congresso de 1928 foi a
habitação, que já fora discutida diversas vezes antes, mas pela primeira vez é tratada
como assunto principal. As sessões do congresso de 1928 foram divididas em
habitação para os muito pobres (com 20% dos trabalhos apresentados), habitação
rural (também 20%), custos com a construção das casas (com 37%), dificuldades
práticas e legais para seguir os planos elaborados para as cidades e regiões (com
12%) e, por fim, a densidade das construções com relação aos espaços-abertos (10%
do total) (IFHTP, 1928). A alteração do foco para objetivos cada vez mais sociais
(como é o caso do congresso de 1928, onde somados os trabalhos sobre a habitação
para os mais pobre e os custos com a construção dessas, dão 57% dos trabalho),
após uma década da devastação por bombardeios, e a preocupação com os mais
desafortunados parece demonstrar a superação da crise instaurada pela guerra e o
sucesso na reconstrução do que havia sido perdido, de forma que os grupos
governantes e os planejadores pudessem deixar de se preocupar apenas com esses
focos, e sim com aqueles que, comumente, são esquecidos pelos grupos dominantes.
Em 1929 a Roma fascista de Benito Mussolini recebeu o congresso da IFHTP,
e mais 1200 delegados de 60 países, e teve como tema principal de debates o
financiamento da habitação para as classes média e trabalhadora (16 artigos, 29,62%
dos trabalhos apresentados), com foco especial nos métodos para atrair novos
capitais, a partir do qual se sugeriu como solução para as nações com dificuldades
para realizar políticas de empréstimos à população, a intervenção estatal com
obtenção de fundos por vias de taxação (o que já era feito na Alemanha), ou pela
obtenção de economias nacionais a partir de acordos internacionais com a redução de
custos militares, e também que a responsabilidade da habitação, ainda que com
capital e apoio nacional, ficasse com as autoridades locais, mais próximas do
problema (IFHTP, 1929, p. 18-19). Também foram debatidos os esquemas de
planejamento de apartamentos para grandes cidades (14 trabalhos, 25,92%), que, até
recentemente os planejadores concordavam, era preferível construir casas (family
houses) à apartamentos (apartment houses), mas que, com o crescimento das
cidades e suas densidades demográficas, têm-se mudado essa lógica e, até mesmo
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por praticidade e economia, países que davam preferência quase que unânime pela
primeira opção, estavam trocando pela segunda, e que um dos motivos para isso, era
que os apartamentos modernos eram muito diferentes do que foram os mais antigos.
Algumas dessas diferenças eram que esses apartamentos poderiam ser construídos
próximos aos centros urbanos ou em vias radiais movimentadas nas cidades satélites,
facilitando os meios de transporte para o trabalhador chegar ao seu local de trabalho
(IFHTP, 1929, p. 36-37).
Por se tratar de Roma, outro importante tema que foi debatido foi o
replanejamento de cidades antigas e históricas para o encontro com as condições
modernas (com nove artigos, 16,66% do total), onde foi lembrado que um problema
comum à quase todas as cidades é a preservação dos centros históricos e da história
de suas cidades, ao mesmo tempo em que essas se desenvolvem e avançam rumo ao
‘futuro’, com a criação de novas vias arteriais para o tráfego, novos espaços e novas
áreas abertas, que correm o risco de fazer o velho centro desmoronar. Algumas
propostas para proteção desse centro geralmente mencionam a construção de um
cinturão em volta dele, com propostas como a criação de avenidas e calçamentos em
torno dessa área central, para afastar o verdadeiro tráfego dela, protegendo-a, da
poluição e do alto fluxo de pessoas. Uma proposta mais ousada seria a manutenção
do centro histórico para a burocracia estatal, onde ficariam apenas as construções e
os órgãos necessários para a administração pública, e a construção de um novo
centro comercial e econômico afastado do antigo (IFHTP, 1929, p. 56-59). Por fim,
com vias a resolver de forma mais apropriada a todos os problemas que o
planejamento urbano apresenta, propunha-se um investimento público-privado na
criação de uma ciência do planejamento urbano, a “Geografia Social”5, que teria como
preocupação a vida do ser-humano em seus aspectos intergeracionais, o que abriu
espaço para a discussão de métodos planejamento para a expansão da cidade, e que
contou com 13 artigos, ou 24,07% do total de apresentações (IFHTP, 1929, p. 104).
Berlim recebeu o Congresso de 1931, que, com a participação de 1000
pessoas, de 50 países, abordou o problema do tráfego em relação aos planejamentos
urbano e regional, a maioria dos trabalhos (56%); enquanto outros tratavam o tema da
habitação, e a abolição das favelas (44%), com a construção de espaços apropriados
para que os cidadãos pudessem habitar. Pela primeira vez nos congressos da
Federação, na sessão final, foi passado um filme, “Die Stadt von Morgen” (A Cidade
5 Proposta por Dr. I. G. Gibbon, do Ministério da Saúde, de Londres (IFHTP, 1929. p. 104).
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do Amanhã) (IFHTP, 1931. p. 407-410), não por acaso na nação que possuía o maior
avanço tecnológico na área cinematográfica do período.
Após uma pausa de quatro anos, em 1935, no congresso realizado em Londres
se debateu o planejamento no desenvolvimento rural e a preservação do interior (com
29 papers, ou 43% do total apresentado), o planejamento e o realojamento (rehousing)
da população (20 papers, 30% do total) e planejamento positivo (20 papers, 30% das
apresentações) (IFHTP, 1935, p. 411), em um evento que contou com a presença de
1100 delegados oriundos de 50 países, ao passo que em 1937, em Paris, o eixo único
de discussões foi o financiamento da construção de moradias para as classes mais
pobres e o aluguel de pequenos alojamentos (IFHTP, 1937).
Saindo novamente do continente europeu, apenas pela segunda vez em 25
anos, o 16º Congresso da IFHTP ocorreu na Cidade do México, no ano de 1938, com
dois eixos de discussão, planejamento de áreas de recreação, e educação para o
planejamento urbano, que propôs, pela primeira vez, uma socialização do
conhecimento do planejamento urbano e uma aproximação entre o planejador e a
comunidade (IFHTP, 1938). Na reunião do conselho da Federação, naquele ano ficou
decido que as Américas e a Europa sediariam de forma intercalada os próximos quatro
congressos, em Estocolmo (1939), Los Angeles (1941), Roma (1942) e Montreal
(1944), planejamento que seria impedido pela II Guerra Mundial, que duraria de 1939
a 1945 (Allan, 2013 p. 167).
Antes que a Alemanha nazista invadisse a Polônia, em 1º de Setembro de
1939, dando início ao maior confronto militar da história da humanidade, Estocolmo,
na Suécia, recebe a última edição do entre guerras do Congresso Mundial da IFHTP,
que contou com a presença de 1000 participantes. Os organizadores desse congresso
estavam preocupados com o bem-estar de grupos especiais, razão pela qual, meses
antes do início do evento, enviaram um questionário para todas as nações-membro da
Federação com perguntas a respeito da situação econômico-social de grupos como
fazendeiros, idosos, famílias numerosas, incapacitados pela guerra e criminosos
reabilitados, para saber como a sociedade trata esses indivíduos e o como o governo
encoraja esses na sua vida diária e na aquisição da moradia própria, na estrutura que
essa possui, seja em questão financeira ou física, e a localização dessa conforme a
necessidade dessas pessoas (IFHTP, 1939. p. 3-5). Em Estocolmo ainda se debateu
dois temas que vinham sendo debatidos desde anos anteriores pela IFHTP, o
planejamento do tráfego local e a habitação da classe trabalhadora (IFHTP, 1939),
tema que foi negligenciado nos primeiros congressos, mas que, com o
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desenvolvimento da Europa pôde ganhar força e atenção nos debates ao longo dos 25
primeiros anos da associação.
Conclusão
A IFHTP nasce com o propósito de divulgar o ideal das cidades-jardins, mas
termina seus primeiros 25 anos focada no problema das populações trabalhadoras e
das mais desfavorecidas, o que mostra, nas palavras de um planejador do período, um
“amadurecimento”.
Em um primeiro momento a preocupação é com a saúde das populações e o
realocamento delas para cidades menores que misturem o urbano e o rural, conforme
se propunha Ebenezer Howard desde o começo. Porém os debates em torno dessa
ideologia sofrem um duro golpe com a eclosão da primeira guerra mundial, que dura
entre 1914 e 1918, e acaba por deslocar a abordagem da associação para a
reconstrução das cidades devastadas pelo conflito, o que é visível nos primeiros
encontros durante e depois do fim dela, em 1915, 1919 e 1920, onde esse é
praticamente o único assunto discutido nos congressos, ainda que se encontre as
cidades-jardim como uma das soluções, mas rapidamente, o planejamento urbano das
cidades existentes começa a suplantar essa ideologia. Nesse sentido, os planejadores
do período são ‘reconstrutores’.
Em um segundo momento, que vai de 1922 a 1939, e no qual a Europa
encontra-se em plena fase de desenvolvimento, não apenas os planejadores
abandonam a “fase infantil” da cidade jardim para entrar na “fase adulta” do
planejamento urbano, como já deixaram para trás o período de reconstrução do
continente, e passam a lidar com questões como a habitação para as populações mais
pobres, a preservação dos monumentos históricos, a alta densidade demográfica de
determinadas regiões e a descentralização do poder (o que é paradoxal, em um
momento no qual o fascismo está em voga no continente, com a centralização do
poder nas mãos de ditadores na Itália, Espanha, Alemanha, Portugal e na recém-
criada União Soviética, que apesar de tudo, possuía certa descentralização política),
os planejadores agora podem ser vistos como ‘construtores’.
Mas todo o avanço que foi feito no período sofre novo baque com a eclosão da
Segunda Guerra Mundial. Muito mais cidades são devastadas nesse confronto que no
anterior. As tecnologias de bombardeio se tornam mais avançadas e a guerra sai das
batalhas nos campos e vai para dentro das áreas urbanas, com a devastação das
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grandes cidades, como as invasões de Paris, Bruxelas, Amsterdã, Berlim, Stalingrado,
as destruições atômicas de Hiroshima e Nagasaki e o bombardeio de Londres, que
não deixou “pedra sobre pedra”, e obrigou o primeiro congresso do pós-guerra ser em
uma pequena cidade do interior, o balneário de Hastings, em 1946, pois nenhuma
grande cidade possuía estrutura suficiente para receber as delegações visitantes.
Assim, muito do esforço construtivo e capital financeiro e laboral empregado no
período entre 1919 e 1939 na (re)construção da Europa se perdeu no período da II
Guerra Mundial, entre 1939 e 1945. Mas, certamente, o aprendizado que se adquiriu
nesse entre guerras se manteve, e pôde ser aplicado ao término do segundo conflito,
como mostra a divisão efetuada da Federação em dois comitês separados, um para o
continente e outros para a Inglaterra e Estados Unidos, possibilitando a manutenção
dos diálogos mesmo na impossibilidade da realização dos congressos durante o
período, divisão essa que foi o que possibilitou a realização do encontro de 1946 em
Hastings (Scheffer, 1963), feito que serve de prova que o esforço empreendido no
entre guerras serviu, ao menos, de experiência prévia para a (re)construção do
continente no período posterior. (Re)construção essa que não foi em vão.
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