primórdios da ciência química em portugal - a. m. amorim da
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Biblioteca Breve SRIE PENSAMENTO E CINCIA PRIMRDIOS DA CINCIA QUMICA EM PORTUGAL COMISSO CONSULTIVA JOS V. DE PINA MARTINS Prof. da Universidade de Lisboa JOO DE FREITAS BRANCO Historiador e crtico musical JOS-AUGUSTO FRANA Prof. da Universidade Nova de Lisboa JOS BLANC DE PORTUGAL Escritor e Cientista HUMBERTO BAQUERO MORENO Prof. da Universidade do Porto JUSTINO MENDES DE ALMEIDA Doutor em Filologia Clssica pela Univ. de Lisboa DIRECTOR DA PUBLICAO LVARO SALEMA
A. M. AMORIM DA COSTA Primrdios da Cincia Qumica em Portugal MINISTRIO DA EDUCAO Ttulo Primrdios da Cincia Qumica
em Portugal ___________________________________________ Biblioteca Breve /Volume 92 ___________________________________________
1. edio 1984
___________________________________________
Instituto de Cultura e Lngua Portuguesa
Ministrio da Educao
___________________________________________ Instituto de Cultura e Lngua Portuguesa Diviso de Publicaes Praa do Prncipe Real, 14-1., 1200 Lisboa
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reservados para todos os pases
__________________________________________ Tiragem 5000 exemplares
___________________________________________ Coordenao Geral Beja Madeira
___________________________________________ Orientao Grfica Lus Correia
___________________________________________ Distribuio Comercial Livraria Bertrand, SARL
Apartado 37, Amadora Portugal
__________________________________________ Composio e impresso Oficinas Grficas da Minerva do Comrcio de Veiga & Antunes, Lda.
Trav. da Oliveira Estrela, 10.
Dezembro de 1984 Ao Mestre e Amigo Prof. Antnio Jorge Andrade de Gouveia, que em mim suscitou o interesse pela histria da Qumica em Portugal. NDICE INTRODUO..................................................................................... 7 I / A IATROQUMICA PORTUGUESA ........................... 9 II / A REFORMA POMBALINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA.......................................................................... 19 As novas instalaes ............................................................... 28 A primeira aula de Qumica na Universidade
reformada..................................................................................... 32 Da no-viabilidade de um Laboratrio Qumico em
grande............................................................................................ 35 A loua de Vandelles .............................................................. 40 O Compndio para o Curso de Qumica......................... 46 Thom Rodrigues Sobral, novo director do
Laboratrio Qumico .............................................................. 50 De novo o Compndio para o Curso de Qumica........ 52 III / DO FLOGISMO PARA A QUMICA-PNEUMTICA........................................................................ 59 O mestre da plvora ................................................................ 69 A Cincia Qumica e o bem pblico................................. 74 O princpio febrfugo das quinas........................................ 83 Nomenclatura qumica ........................................................... 86 IV / QUMICA, UMA CINCIA EXPERIMENTAL .... 89 Dulce et decorum est pro patria mori.......................... 96 NOTAS ................................................................................................. 102 INTRODUO j lugar comum dizer-se que a origem da Qumica se perde na noite da Histria: a arte de fazer e alimentar
o fogo, bem como as primeiras manifestaes das artes
e dos ofcios primitivos da poca paleoltica so outras
tantas manifestaes qumicas, nos alvores da prpria
Histria. No sem razo que Jean Baptiste Dumas, nas
suas lies sobre a filosofia qumica, refere que a
qumica prtica nasceu nas oficinas do forjador, do
oleiro, do vidraceiro e na loja do perfumista 1. Muito embora to antiga quanto a atitude humana de inquirir a natureza sobre a constante e uniforme
produo dos mais variados fenmenos segundo as leis
que o seu Author primordialmente lhe prescreveo e das
quaes ella se no afasta 2, a qumica conheceu, no seu
desenvolvimento histrico, perodos diversos e de
contedo cientfico muito diferente. Na peugada de
James Campbell Browne 3, h que distinguir um perodo
pr-histrico (dos tempos pr-histricos at cerca do ano
1500 antes de Cristo), um perodo alqumico (do ano 1500
a.C at cerca do ano 1650 depois de Cristo), um perodo
iatroqumico (de 1500 a 1700 depois de Cristo), um perodo flogstico (de 1650 a 1750) um perodo quantitativo
pneumtico (de 1775 a 1900) e um perodo quntico-mecnico- 7estatstico (de 1900 aos nossos dias). As sobreposies
histricas destes perodos no-estanques so bvias. A cincia qumica comea verdadeiramente no sculo XVII, diferenciada da alquimia e regenerada, par
a par com a Fsica, as Matemticas e a Astronomia, pela
adopo definitiva do mtodo experimental. 8I / A IATROQUMICA PORTUGUESA sabido que os alquimistas mais afamados, de Arnaldo de Vilanova (1240-1311) ou Nicolau Flamel
(1330-1417) a Bernardo-o-Trevisano (1406-1490) ou
Paracelso (1493-1541), foram grandes viajantes, quais
judeus errantes procura do grande segredo da pedra-
filosofal, e sua apresentao, nos locais mais recnditos
e menos esperados. Portugal foi, certamente, pas
desejado e visitado por alguns alquimistas ambulantes
estrangeiros que por c se tero demorado (e,
porventura, at fixado), deixando atrs de si alguns
discpulos, talvez fervorosos depositrios de seus
ensinamentos, de cujas prticas se podem encontrar
vestgios, aqui e ali. Embora a sua histria esteja ainda
por fazer, nenhum deles parece, todavia, ter-se tornado
particularmente celebrado, nem mesmo nos tempos
ureos da prtica da alquimia. A pedra filosofal dos
Portugueses foi a descoberta de novos mundos. Os seus
laboratrios foram as caravelas, os seus alqumicos os
audazes mareantes, navegadores e descobridores que as
tripulavam, o seu campo de aco o mar imenso
como o nota o professor Alberto de Aguiar na sua
Notcia Histrica da Qumica Portuense 4. E o mesmo
autor continua: Sem base alqumica, as doutrinas 9transitrias dos iatroqumicos, dos flogsticos e dos
antiflogsticos no interessaram os Portugueses,
embriagados pelo xito das suas aventuras e conquistas,
enlevados pelo lirismo dos seus poetas e treinos dos
seus escritores, entretidos com as subtilezas dos seus
escolsticos. Antes de Alberto de Aguiar, o professor Ferreira da Silva dizia outro tanto, em 1910: Jusquau XVIII sicle
lhistoire de la science chimique ne compte le nom
daucun portugais que se rendt illustre dans cette
branche de connaissances humaines. Cest que le
Portugal sest occup plus des dcouvertes de nouvelles
terres e de nouvelles mers. 5 Porventura, verdadeira no seu formalismo, esta afirmao no pode, de modo nenhum, ser tomada
como absolutamente correcta. De facto, com a lenta
ocultao da arte alqumica, verificada a partir do sculo
XVII, o desenvolvimento da qumica foi, durante largos
anos, tarefa meritria de grande nmero de mdicos-
qumicos. Paracelso (1493-1541) abriu o caminho; Van
Helmont (1577-1644) e Francisco Sylvius (1614-1672) e
muitos outros deram-lhe sequncia. Paracelso bateu-se
pela substituio da farmcia galnica por uma farmcia espagrica 6 onde se buscassem os remdios do mais
elevado grau de pureza; Van Helmont e Francisco
Sylvius retomaram o pensamento de Paracelso e
formularam novos conceitos que se tornariam a base
slida de uma qumica aplicada preparao de
remdios e explicao dos processos que ocorrem nos
organismos vivos, isto , uma qumica essencialmente ao
servio da medicina, a chamada iatroqumica, de que so,
por isso mesmo, muitas vezes considerados os
fundadores. 10 nesta orientao da prtica qumica que alguns nomes de portugueses ilustres no podem, nem devem,
ser esquecidos, pois por mrito prprio ombreiam com
os seus mais distintos colegas da Europa de ento.
Garcia de Orta, Amato Lusitano, Ribeiro Sanches, Lus
de Lemos, Zacuto Lusitano, Rodrigo da Fonseca, Brudo
Lusitano, Francisco Sanches, Rodrigo Reinoso,
Rodrigues da Veiga, Antnio Barbosa, Lopes Neto, Lus
Nunes, etc., so apenas alguns dos muitos mdicos
portugueses a quem essa justia devida, que por suas
obras deixaram o seu nome recomendado
posteridade por meios de admirveis composies, nas
quais se v brilhar uma esquisita doutrina e uma slida
erudio. 7 Com eles teve incio um processo de educao cientfica que poderia ter levado Portugal, na sequncia
da aventura dos Descobrimentos que acabava de
realizar, a uma participao importante na aventura
cientfica iniciada com o Renascimento. Infelizmente, o
corajoso no tendncia para o estudo da cincia feita, subscrita pelas autoridades acadmicas e arquivada nos
tratados que informavam essa aventura cientfica, no
vingaria, to cedo, no nosso pas. Reflexo e ndice da
decadncia de Portugal no ltimo quartel do sculo
XVI, a Universidade distanciava-se tambm ela, cada
vez mais, do nvel europeu, perdendo o contacto com o
movimento cientfico do seu tempo. Muitos dos
egrgios e doutos mestres dessa poca da nossa histria,
no encontraram na Ptria o carinho e o acolhimento
que lhes permitissem nela viver o melhor de seus dias,
nela criarem a obra que os tornou famosos, e nela terem
morrido. Nem por isso renegaram alguma vez, por um
s instante que fosse, antes com orgulho sempre 11afirmaram a honra de neste pas terem nascido e
crescido, engrandecendo assim o nome portugus. Em preito de justia a todos eles, aqui queremos deixar registada uma muito breve notcia sobre a obra
que nos deixaram os mdicos-qumicos Garcia de Orta,
Amato Lusitano e Ribeiro Sanches, trs nomes grandes
da iatroqumica em Portugal. E no avanaremos sem
breve notcia sobre a obra de Jacinto de Magalhes, com
aqueles irmanado na mesma falta de carinho e
acolhimento ptrios; no domnio da qumica, Jacinto de
Magalhes ponte lanada entre a iatroqumica e a
qumica-pneumtica de Lavoisier, com pilar intermdio
bem assente sobre a qumica flogstica de Priestley. GARCIA DE ORTA (c. 1499-1568). Nasceu em Castelo de Vide e estudou em Salamanca, onde se doutorou em
Filosofia e Medicina. Regressou a Portugal em 1523 e,
dois anos depois, era mdico de D. Joo III. S em
1530, depois de vrias tentativas, conseguiu entrar no
corpo docente universitrio para reger a cadeira de
Filosofia Natural, rejeitada pelo seu amigo Pedro Nunes.
Em 1533, deixou as funes acadmicas; e pouco depois
embarcava para a ndia, no se sabe se movido por
esprito de aventura e riqueza, se por receio de
perseguies religiosas, pois estava j em curso o
processo de instaurao da Inquisio em Portugal, que
viria a perseguir duramente vrios membros da sua
famlia e haveria, inclusive, de condenar a sua prpria
obra depois da sua morte. Lisboa era, j nessa data, um
lugar demasiado perigoso para um cristo-novo, como
ele, viver. Fixado em Goa, a publicou, em 1563, Os Colquios dos Simples e Drogas e Cousas Medicinais da ndia. Escrita em 12portugus (o que a privou, na sua forma original, de
uma mais vasta difuso), esta obra o resultado das suas
observaes e reflexes como mdico e naturalista,
durante quase trinta anos, em contacto com gentes,
costumes, vegetao e fauna completamente diferentes
das que conhecera na Europa. O ttulo traduz a forma
dialogal em que a obra se apresenta: uma srie de
conversas do autor com um hipottico doutor Ruano,
muito conhecido em Salamanca e em Alcal. S
esporadicamente, numa ou noutra cena, intervm outras
personagens. Assim trata, ao longo de cinquenta e nove colquios (cinquenta e oito numerados e um complementar), por
ordem alfabtica, do alos, do mbar, da cnfora, da
canela, do marfim, do cate, etc.. Neles d a conhecer
muitas plantas e drogas at ento desconhecidas no
Ocidente europeu, ou acerca das quais havia to-
somente informaes duvidosas e muitas vezes
contraditrias ou sem qualquer fundamento. Delas
refere, com pormenor, as virtudes curativas. A vastido e originalidade cientfica de que esto repletos os Colquios de Garcia de Orta, fazem deles
obra preciosa e certificam simultaneamente, sem
quaisquer sombras de dvidas, o interesse e actualizao
com que o seu autor seguia o movimento cientfico
europeu da sua poca. Os meios cientficos do seu tempo tiveram os Colquios em grande apreo, embora s lhes fosse dado
conhec-los, fora de Portugal, sob a forma de um
resumo em lngua latina feito por Carolus Clusius (1526-
1609), editado em 1567 na clebre Oficina Plantiniana de
Anturpia, sob o ttulo: Latino sermone in epitome contracta 8. 13AMATO LUSITANO (1511-1568). Nascido na Beira Baixa, Joo Rodrigues de Castelo Branco, que a histria
conhece por Amato Lusitano, estudou em Salamanca,
onde foi assduo na leitura de Gentil Foligno e
comentador de Avicena. Terminado o curso mdico,
regressou a Portugal em 1529. Viajou por variadas terras
portuguesas dedicando-se ao estudo de prticas
curativas, tendo-se demorado mais em Lisboa, a nica
localidade em que afirma ter exercido clnica. Foi aqui
que mais se entregou ao estudo da histria natural
mdica e obteve notcia da maioria das espcies
indgenas e grande nmero de informaes sobre
produtos que chegavam do ultramar. Poucos anos depois de criada a Inquisio, concretamente em 1534, Amato deixou Portugal para ir
viver, primeiro em Anturpia, e depois, sucessivamente
Ferrara, Roma, Ancona, Pesara, Ragusa e Salnica.
Viveu, assim, a maior parte da sua vida fora da ptria
que o viu nascer e fora dela se tornou justamente
clebre. Em toda a parte, porm, recordava com
saudade os tempos vividos em Portugal e a medo se
instrua do que em Portugal se estava passando com a
raa a que pertencia e das razes que tinha tido para
emigrar 9. Em Ferrara, comeou a redaco das suas histrias clnicas que viriam a ser publicadas sob o ttulo de Centrias, a primeira em 1531, e a ltima (a stima) em
1561. Em 1553, publicou tambm, em Veneza, os seus
comentrios obra Matria Mdica, de Dioscrides de
Anazarba (40-90) que viria a reunir sob o ttulo Dioscrides. Estas so as duas obras principais da sua
autoria. Alm delas, escreveu, ainda, um comentrio 14quarta Fen do Lib. I de Avicena, e traduziu para
castelhano Histria de Roma, de Eutrpio, obras estas que
no so hoje conhecidas por se terem perdido. As Dioscrides so um tratado completo dos simples da poca, onde so bem patentes a profundidade,
actualizao de conhecimentos e independncia de
opinies do seu autor, repletas de vasto saber de histria
natural e iatroqumica. Os assuntos versados nas Centrias so um vasto reportrio de tudo para quanto
poderia ser solicitado o auxlio da medicina e da cirurgia,
ao longo da discusso racional e descrio
pormenorizada de cada um dos cem casos clnicos que
constituem cada centria. Elas so a melhor afirmao
de Amato Lusitano como celebrizado mdico,
testemunhando com toda a clareza o domnio que
possua da literatura mdica e o constante esforo que
punha no aperfeioamento e actualizao da arte que
praticava. 10 RIBEIRO SANCHES (1699-1783). Nascido em Penamacor, Antnio Nunes Ribeiro Sanches frequentou
durante algum tempo a Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra, mas acabou por se doutorar,
em 1722, na Universidade de Salamanca. Como Garcia
da Orta e Amato Lusitano, acabado o curso regressou a
Portugal para aqui exercer clnica. Desejoso de
aprofundar os seus conhecimentos cientficos para
melhor combater a terrvel peste que, em 1723, flagelou
a regio de Lisboa, e tambm, para se furtar s
perseguies que a Inquisio comeava a mover contra
si e sua famlia, composta por cristos-novos, deixou o
Pas e passou vrios anos movendo-se entre vrias
cidades da Europa, onde a arte da medicina gozava de 15melhor reputao: Gnova, Londres, Paris, Montpellier,
Leiden. E no mais voltaria Ptria. Em Leiden, assistiu
s lies de Boerhaave que, impressionado pela
perspiccia do aluno que tinha sua frente lhe
comunicou a inteno de lhe conferir o grau de doutor.
Ribeiro Sanches teve de lhe confessar ento, que j era
doutorado pela Universidade de Salamanca.
Assombrado por tanta modstia, Boerhaave quis
restituir-lhe as quantias que pagara para assistir s lies,
mas Ribeiro Sanches recusou. Entre ambos criou-se
ento forte amizade. por indicao de Boerhaave que Ribeiro Sanches chamado, em 1731, pela imperatriz da Rssia, Ana
Ivanovna, a Moscovo, na qualidade de mdico-chefe
encarregado de examinar os mdicos que iam praticar na
capital. De Moscovo passou para a corte, em So
Petersburgo, onde veio a fazer parte do Conselho de
Regncia que governou o pas durante a menoridade do
czar Ivan VI, e do Conselho de Estado, depois da
deposio do mesmo czar. A instabilidade poltica que
se criou na Rssia, aps a deposio de Ivan VI, levou
Ribeiro Sanches a deixar, em 1747, a corte onde vivera
tantos anos, para se ir fixar em Paris, onde passaria o
resto dos seus dias. Nas viagens em que acompanhou os exrcitos imperiais recolheu pessoalmente numerosos produtos
naturais at ento desconhecidos; a essa coleco juntou
os que lhe eram enviados por outros mdicos dos
mesmos exrcitos, noutras regies do globo, com os
quais mantinha estreitos contactos, bem como por
muitos missionrios na China, com quem mantinha
tambm assdua e preciosa correspondncia. Estudou
cuidadosamente todos esses produtos, oferecendo 16prontamente os resultados a que chegava a sbios a
quem pudessem servir para o progresso cientfico. Scio correspondente da Academia de cincias de Paris, da Academia Imperial de So Petersburgo e da
Academia Real das Cincias de Lisboa, no esqueceu
nunca a sua Ptria, como no esqueceu nunca a Rssia,
sua ptria adoptiva. Muitas das suas memrias
cientficas so fruto das excelentes relaes que manteve
com o marqus de Pombal, em numerosa
correspondncia encetada logo a seguir ao terramoto de
1755. A ele se devem, possivelmente, a ideia da criao
do Colgio dos Nobres, e muitas das ideias-base que
presidiram Reforma Pombalina da Universidade.
Como mdico-qumico de destacar o seu Tratado da
conservao da Sade dos Povos, escrito na sequncia do
terramoto de 1755, e vrias dissertaes sobre as
propriedades farmacuticas das flores-de-zinco, da
untura das cantridas, das razes-de-chumbo, etc.. A sua
vasta obra foi reunida, postumamente, em vinte e sete
volumes de grande formato, devidamente catalogados,
prefaciados, e com uma nota biogrfica de Andrey, o
amigo, a quem legara a sua valiosa biblioteca 11. JOO JACINTO DE MAGALHES (1722-1790). Descendente do navegador Ferno de Magalhes, Joo
Jacinto de Magalhes residiu a maior parte da sua vida
em Inglaterra, onde gozava da maior considerao
cientfica entre os seus contemporneos, como
claramente o testemunha o seguinte depoimento de
Kirwan: Um excelente tratado sobre estas descobertas 12 e sobre outras da prpria lavra, com diversas
engenhosas aplicaes de umas e de outras, foi
ultimamente publicado, em francs, pelo senhor 17Magalhes, que se tornou credor da gratido pblica
pela sua extraordinria ateno difuso dos
conhecimentos teis. 13 Membro da Sociedade Real de Londres e um dos maiores amigos de Priestley, era Magalhes quem, dia a
dia, informava Lavoisier de todos os trabalhos
realizados pelo mesmo Priestley e punha
simultaneamente ambos ao corrente de todas as novas
aquisies cientficas realizadas pelos mais eminentes
cultores da cincia, com os quais mantinha intensiva
correspondncia. 14 Estando em Paris e sabendo que
havia a vrios qumicos, no quis desprezar a
oportunidade de obter, por intermdio do meu amigo
Magalhes, uma ona de mercurius calcinatus, preparado
por Cadet e de cuja pureza no podia, por forma
alguma, duvidar, testemunha, por sua vez, o prprio
Priestley 15, que refere, ainda, noutro passo 16, que
Magalhes colaborou com ele na preparao do ar
desflogisticado (ar vital ou oxignio), no estudo do cido
clordrico, na determinao do poder antisptico do ar
nitroso, etc Foi a Magalhes que Lavoisier se dirigiu
na tentativa de obter um exemplar da obra de John
Mayow De sale nitro et spriritu nitro aero, em que se
refutava a novidade da teoria da combusto apresentada
pelo qumico francs. 18II / A REFORMA POMBALINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA com a Reforma Pombalina da Universidade de Coimbra, em 1722, pelo marqus de Pombal que a
cincia qumica cria verdadeiras razes em Portugal, e
frutifica em cultura brilhante e notvel desenvolvimento
tcnico. Mais de trs dcadas atrs, em 1737, Jacob de Castro Sarmento queixava-se de que a filosofia experimental de
Newton tinha entrado sem resistncia por toda a
Europa, menos em Portugal; poucos anos depois, em
1746, Verney cobria de ridculo os mtodos de ensino
da Fsica em Portugal, onde se continuava a explicar
todos os efeitos da natureza pelas palavras sacramentais
de uma Escolstica desligada do experimental, tais como matria, forma, privao, preferindo-se admitir o horror do
vcuo ao peso do ar, como havia sido demonstrado, h
mais de um sculo, em Itlia. Coimbra que em outro
tempo apresentara ufana ao mundo escolas to
florescentes, havia mais de um sculo que s oferecia
um msero esqueleto de cincias. Em vez de sbios
mtodos, doutrinas slidas e luminosas, usava 19infelizmente o mau gosto aristotlico, especulaes,
argcias, cansadas postilhas. 17 A Reforma da Universidade de Coimbra, em 1772, veio pr termo a esta situao degradante. Apareceram
subitamente levantados, como por encanto, um
Observatrio Astronmico, um Laboratrio Chimico,
um Jardim Botnico, um Museu de Histria Natural,
todos ricamente sortidos de instrumentos e outros
objectos, em uma cidade onde, alguns meses antes, as
cincias Fsicas e Matemticas eram quase ignoradas,
pese embora o passado brilhante que j haviam
conhecido. 18 Os Estatutos desta Reforma que determinam o ingresso da cincia qumica no ensino superior so
claros e significativos: i) Do Objecto da filosofia qumica
A Parte Experimental da Filosofia Natural deve ter dous Objectos differentes. O primeiro he indagar as
Leis, e propriedades geraes dos Corpos considerados,
como mveis, graves, resistentes, etc., e descubrir a
razo dos factos conhecidos tanto pela Observao,
como pela Experincia; e he o que constitue o que
propriamente se chama Filosofia Experimental. O segundo
he indagar as propriedades particulares dos Corpos:
Analyzando os Principios delles: Examinando os
Elementos, de que se compem: e descubrindo os
effeitos, e propriedades relativas, que resultam da
mistura e aplicao ntima de.huns aos outros. Isto he o
que constitue o objecto da Filosofia Chymica. 19 ii) Da insero da Qumica no curso filosfico 20Os Estudantes ouviro as Lies de todas ellas (as cadeiras do curso) no Quadriennio Filosofico pela
ordem seguinte. No Primeiro Anno ouviro as Lies
da Filosofia Racional, e Moral. No Segundo, estudaro a Historia Natural; e juntamente ouviro a Geometria na
Aula da Mathematica, para com ella se prepararem para
as Lies do Anno seguinte. No Terceiro, estudaro a Fysica Experimental. E no Quarto, finalmente a Chymica. Em todos eles faro os Exerccios regulares, que adiante
sero determinados. Cada um dos referidos Lentes ter hora e meia de Leitura cada dia. Para o que partindo-se o tempo
Lectivo de trs horas de manh, e outras tantas de tarde
(que principiaro sempre s horas j estabelecidas para
as outras Faculdades) em dous espaos iguaes; satisfaro
os Lentes ao tempo as suas obrigaes pela ordem
seguinte: O Lente de Lgica, e de Moral ler no primeiro espao da manh no Geral de Filosofia. O Lente de Histria Natural no primeiro espao da tarde no Geral,
no Museu, ou no Jardim Botnico. O Lente de Fysica no
segundo espao da tarde no Geral, ou na Casa das
Maquinas. E o lente de Chymica no segundo de manh
na Aula, ou no Laboratrio, conforme pedirem as
circunstncias das Lies, cuja Theorica ser explicada
sempre no Geral, e a Prtica nos respectivos lugares, que
ficam declarados. 20 iii) Do contedo programtico Tendo no Anno precedente aprendido os Estudantes Filosofos as verdades de facto, que o 21Magisterio da Experiencia tem mostrado nos Corpos,
considerados como massas homogeneas; e applicados
mecanicamente a obrar huns sobre os outros: Passaro
no quarto Anno a estudar as verdades, que a mesma
Experiencia tem mostrado sobre as partes, de que se
compem os mesmos Corpos; e sobre os Fenomenos,
que se no podem explicar pelas Leis ordinrias da
Mecanica; mas que dependem de hum Mecanismo
particular; e que constituem huma Sciencia parte. Esta Sciencia tem o nome de Chymica, e he a Terceira Parte de Filosofia Natural. Nella se ensina a
separar as differentes substancias, que entram na
Composio de um Corpo; a examinar cada huma das
suas partes; a indagar as propriedades, e analogias dellas;
a comparallas, e combinallas com outras substancias; e a
produzir por mixturas differentemente combinadas
novos Compostos, de que na mesma Natureza se no
acha modello, nem exemplo. Porm antes de entrar nas Lies desta Sciencia, dar o Lente hum Resumo abbreviado da Historia della:
Mostrando a origem que teve; os progressos que fez; as
revolues; os sucessos; a decadncia; e o descredito,
em que esteve pelos mysterios escuros dos Alchymistas, e
pelas pertenses frivolas da Pedra filosofal, e outros
segredos, cuja inveno se propunham homens de
maior temeridade, que prudencia: E expondo mais
circumstanciadamente a restaurao desta Sciencia
nestes ultimos tempos; e as utilidades, que tem
produzido nas Artes, que della se dependem. Como a da Analyse, e da Composio dos Corpos he limitada; e se no pde promover, seno at certo
ponto; parando-se finalmente nas barreiras de certas
substancias inalteraveis a todas as foras do Artificio 22Chymico; estas relativamente ao nosso uso se podem, e
devem tomar como Principios, e elementos dos Corpos.
E sobre estes explicar o Professor tudo o que tem
resultado da combinao das Experiencias Chymicas;
sem pertender com tudo averiguar a natureza de cada
hum dos elementos simplices, de que os Corpos se
compem; substituindo as imaginaes, onde faltam as
Experincias. Depois disto dar huma ida geral das propriedades relativas das substancias, que entram na Composio
dos Corpos, e pertencem ao objecto particular da
Chymica: Porque assim como na Fysica se expliam os
factos, que resultam da attraco, e impulso dos
Corpos, considerados huns fora dos outros; do mesmo
modo na Chymica se consideram os factos, que
resultam da ntima unio dos mesmos Corpos, qual
em termos da Arte se tem dado o nome de Afinidade. Com efeito todas as Experiencias concorrem a provar, que entre os differentes Corpos, tanto simplices,
como compostos, ha huma certa conveniencia, relao,
ou affinidade, em razo da qual algumas das ditas
substancias se unem intimamente entre si; ao mesmo
tempo, que repugnam a contrahir unio com outras.
Este efeito geral (seja qual for a sua causa) he o que se
chama Affinidade; e tem o mesmo lugar na Chymica, que
a Gravitao Universal no Mecanismo do Universo;
servindo no smente de dar razo de todos os
Fenomenos particulares, mas tambem de os ligar em
hum Systema de Doutrina. Pelo que, mostrar o Lente em primeiro lugar as verdades fundamentaes, que se tem provado
decisivamente cerca da Affinidade dos Corpos; como
por exemplo: Que se a um Composto de duas 23substancias se applica hum terceiro Corpo, que no
tenha affinidade com huma dellas; e que a tenha com a
outra, maior do que ellas ambas entre si; resulta
necessariamente huma Composio, e huma nova unio;
isto he, que o terceiro Corpo separa as duas substancias
huma da outra; e se une com aquella, com a qual tem
affinidade; formando com ella hum novo Composto; e
deixando a outra livre, e desembaraada, como ella era
antes de haver contrahido a unio. Semelhantes a estes
so outros factos geraes, que se devem explicar, antes de
entrar no exame dos particulares. Tendo explicado os Principios geraes, ou os factos generalizados, pela combinao das Experiencias;
entrar no exame das substancias, que constituem
especies particulares, comeando sempre pela mais
simplices, e passando dellas s mais compostas. Assim
principiar pelas substancias salinas em geral, e
particular; mostrando as propriedades, e affinidades dos acidos com as Terras absorventes, com a Agua, e com o flogistico; e explicando as particulares observaes dos Alkalis fixos, e volteis; dos saes neutros; dos acidos vitriolicos, nitrosos, etc. Dahi passar s substancias metallicas em geral, e particular; mostrando o resultado das Experiencias, que
se tem feito sobre o ouro, prata, cobre, ferro, estanho, chumbo,
mercurio, regulo de antimonio, etc.; sobre o que se no
esquecer dos factos mais importantes, que dizem
relao ao uso das Artes, que trabalham na manipulao
das ditas substancias metalicas; como so os meios de
procurar-lhes facilmente a fuso, dissoluo, separao, a malagmao, etc. Depois disto passar s substancias oleosas em geral, e particular; tratando dos oleos mineraes, vegetaes, e 24animaes; das preparaes, e dos usos delas. Donde se
encaminhar para a fermentao em geral, e para as
especies particulares della: Examinando as differentes
propriedades, e Fenomenos das fermentaes espirituosas, acidas, e e putridas: Ajuntando as reflexes
necessrias sobre os meios, e operaes, que se
empregam na analyse das substancias animaes,
vegetaes, e mineraes, como so as distillaes, emulses, dissolues, etc. E acabar a parte Theorica desta Sciencia, explicando a Taboa das Affinidades, em que se acham
artificiosamente recapituladas as verdades fundamentaes
da Arte, que no Curso das Lies se mostram pelo
resultado das Experiencias. No dissimular porm os
defeitos, e imperfeies, que nella se acham at o
presente. Antes mostrar (se possivel for) os meios de a
fazer cada vez mais perfeita, e completa. Como as Lies Theorethicas nesta Sciencia no podem ser bem comprehendidas, sem a prtica dellas;
dever o Professor mostrar aos seus Discipulos todos os
Processos Cymicos, que so conhecidos na Arte:
Tratando da Analyse, e das Operaes sobre os
differentes productos dos tres Reinos da Natureza: No
se limitando escolha dos Processos relativos ao uso de
alguma Arte particular: E extendendo a vista sobre
todas as que dependem da Chymica geral, e Filosofica. Para isso dar as Lies competentes de Prtica no Laboratorio; nas quaes no far dos seus Discipulos
meros espectadores; mas sim os obrigar a trabalhar nas
mesmas Experiencias, para se formarem no gosto de
observar a Natureza; e de contribuirem por si mesmos
ao adiantamento, e progresso desta Sciencia. A qual no
se enriquece com Systemas vos, e especulaes ociosas, 25mas com descubrimentos reaes, que no se acham de
outro modo, seno observando, e trabalhando. O Lente ser por isso obrigado a dar por si mesmo aos seus Discipulos exemplo do trabalho, e constancia,
que se requerem no Observatorio da Natureza:
Desabusando-os das idas insensatas dos Escolasticos,
que punham a sua gloria em fabricar Mundos
quimericos no vasio das suas imaginaes; e em ignorar
o nome, e as propriedades uteis, reaes, e verdadeiras de
tantos productos, e riquezas do Mundo actual, que Deus
creou para uso, e contemplao do Homem. E faltando
a esta parte essencial da sua obrigao, (o que no
Espero) ficar sujeito ao que Tenho Disposto a respeito
dos Medicos na Primeira Parte deste livro, Titulo
Terceiro, Capitulo Primeiro, Pargrafos Trinta e hum, e
Trinta e dous. Disposio, que igualmente se entender
a respeito dos outros Lentes, se faltarem do mesmo
modo, no que pertencer prtica nas suas respectivas
Lies. 21 iv) Do Laboratrio Chymico Sendo a Chymica huma parte da Fysica Prtica, que serve no smente para demonstrar por via de
Experiencias particulares as propriedades dos Corpos,
mas tambem para produzir pela mistura de differentes
substancias, novos Compostos de grande uso nas Artes;
pede o Estabelecimento do Curso Filosofico, que haja
na Universidade hum Laboratorio no qual alm de se
fazerem as Experiencias relativas ao Curso das Lies,
se trabalhe assiduamente em fazer as preparaes, que
pertencem ao uso das Artes em geral, e da Medicina em
particular. 26O Reitor cuidar em estabelecer sem perda de tempo esta Officina no lugar, que com o Parecer das
Faculdades Medica, e Filosofica se julgar mais
conveniente. Nelle haver todos os Aparelhos
necessarios para as Operaes da Chymica; e ser
provido dos matereaes, sobre que ellas se ho de fazer
custa da Arca da Universidade, para a qual lambem se
recolher o producto do seu rendimento, deduzidas as
despezas. A Intendencia desta Officina ser commettida ao mesmo Professor da Chymica debaixo da Inspeco do
Reitor na frma, que Tenho disposto a respeito de
outros Estabelecimentos da Faculdade, nos Capitulos
precedentes; e ter hum Official subalterno com o nome
de Operario Chymico, o qual ser provido pelo Reitor com
o Conselho das Faculdades Medica, e Filosofica; e
trabalhar na Demonstrao das Experiencias relativas
ao Curso das Lies s ordens do Professor. E tomar
entrega dos mveis, e simplices, que estiverem nos
Armazens do Laboratorio, por Inventario assinado pelo
Reitor, e pelos Directores das Faculdades Medica, e
Filosofica, pelo qual dar conta de tudo de tres em tres
meses, quando o Laboratorio for visitado pelo mesmo
Reitor com as Congregaes das duas sobreditas
Faculdades. O mesmo Operario ser o Mestre desta Officina pelo que respeita ao trabalho das Preparaes Chymicas,
que se ho de fazer para o uso das Artes, e em particular
da Medicina: Governando-se pelo que respeita a esta
pelas Direces da Congregao da Medicina, e pelo
que respeita quellas pela Congregao da Filosofia, as
quaes respectivamente tomaro deliberao sobre as 27Preparaes, de que houver maior necessidade, e que
puderem redundar em maior conveniencia. Tambem ter a seu cargo instruir na Prtica das Operaes Chymicas aos Praticantes, que no Laboratorio se
ho de exercitar por espao de dous Anos, para efeito
de serem admitidos prtica do Dispensatorio
Farmaceutico, e obterem a Approvao de Boticrios.
Entre estes haver cinco Partidistas, os quaes sero
providos na frma, que Tenho estabelecido nos
Estatutos de Medicina, Titulo Sexto, Capitulo Quarto,
Pargrafo Decimo. E os Partidistas, sero obrigados a
mostrar-se mais diligentes no Exercicio, e trabalho do
Laboratorio, pelos quaes o Operario repartir em
differentes tarefas as Preparaes, cuja execuo for
necessaria. 22 Do que fica referido, se conclui que estatutria e programaticamente, a cincia qumica que se prescrevia
para a Universide Reformada era, do ponto de vista
terico, uma qumica flogstica, a qumica que data
dominava ainda nos diversos pases da Europa; e do
ponto de vista prtico, uma cincia profundamente
alicerada sobre dados experimentais, e toda ela a
desenvolver-se por recurso contnuo ao mtodo
experimental. As novas instalaes Nenhum esforo foi poupado na correcta e pormenorizada execuo dos novos Estatutos. Para a
facilitar, o marqus de Pombal, com um ano de
antecedncia, comeara por mandar suspender 28provisoriamente os estudos na Universidade de
Coimbra. A 2 de Outubro de 1772, com festas de Igreja,
sermes de manh e de tarde, efectuava-se a abertura
dos novos cursos de Teologia. Trs dias depois,
comeavam as aulas na Faculdade de Cnones, e, no dia
seguinte, na Faculdade de Leis. A falta de edifcios
adequados e das mquinas destinadas s experincias
que a nova metodologia e os novos programas
comportavam, retardava um pouco o comeo das aulas
nas Faculdades de Medicina e Filosofia. Por despacho do marqus, datado de 3 de Outubro desse mesmo ano, era o doutor Domingos Vandelli
encarregado de se exercitar em dar aos discpulos das
referidas Faculdades as Instituies (Generalidades)
enquanto se no estabelecessem o Museu de Histria
Natural, o Horto Botnico e o Laboratrio Qumico,
que lhe permitissem leccionar convenientemente as
cadeiras de Histria Natural e de Qumica de que era
proprietrio, na categoria de primeiro Lente de Prima 23. Dias depois, a 16 de Outubro, ao incorporar no perptuo domnio da Universidade a poro do edifcio
vago para o Fisco e Cmara Real que constitua o Colgio
dos Jesutas, prescreve que para ele sejam transferidos,
alm de outros servios afectos quelas Faculdades, o Laboratrio Qumico, com as suas respectivas oficinas, e o Dispensatrio Farmacutico, em que deviam ser preparados
os remdios para os enfermos e exercitados os
estudantes de medicina nesta importante arte, duas
seces com proximo parentesco 24. Entretanto, a 30
de Novembro de 1772, o prprio marqus de Pombal
participa ao Doutor Domingos Vandelli: para
determinar o logar do Horto Botnico; a obra delle, e as 29da preparao do Laboratrio Chimico e do Theatro da
Histria Natural e dos Museus 25. Na vasta incumbncia que lhe posta sobre os ombros, Vandelli ocupa-se, sobretudo, do Museu de
Histria Natural e do Estabelecimento do Jardim
Botnico. Ajuntando as muitas coisas que tinha em
Lisboa com as coleces que recheavam o Museu que
possua em Itlia, dentro de poucos meses tinha
estabelecido na Universidade de Coimbra um grande Theatro da Natureza 26. Com o professor Dalla-Bella 27 elabora os primeiros projectos do Horto Botnico, onde tudo traado e
pensado com grandeza e magnificncia. Submetidos
aprovao do Governo, o marqus de Pombal manda a
Coimbra o tentente-coronel Guilherme Elsden para
tratar da sua viabilizao, mandando proceder de
imediato compra e demarcao dos terrenos
necessrios e pronto estabelecimento do referido horto 28 limitando-o, todavia, ao terrapleno central
mencionado nos apontamentos de Vandelli e Dalla-
Bella, sem os ornatos nem as grandezas artsticas que
haviam delineado 29. No princpio do ano lectivo de 1774, o Horto Botnico estava pronto para receber plantas, e o
marqus de Pombal dispensava, por algum tempo, o
jardineiro do Real Jardim Botnico, Jlio Mattiarri, para
proceder sua plantao. A 12 de Fevereiro de 1773, o mesmo marqus de Pombal diz ter em seu poder, para reformulao, uma
planta do Laboratorio Chymico formada pela que o doutor
Joseph Francisco Leal trouxera da Corte de Viena de
ustria, por ordem expressa do mesmo marqus, que se
tornava necessrio refazer por se ter concluido que o 30
Projecto do Laboratrio Chymico elaborado pelo Tenente-coronel Guilherme Elsden e assinado
pelo prprio Marqus de Pombal (Reproduo do original existente no Departamento de Qumica
da Universidade de Coimbra).
O Laboratrio Chymico da Universidade de Coimbra nos nossos dias (Fotografia tirada nas
primeiras dcadas do sculo XX) 31paiz de Allemanha he aquelle em que a referida Arte
tem chegado ao grao da maior perfeio 30. E com a
notcia vinha a promessa: Esta planta chegar porm
brevemente presena de V. S. com o tenente-coronel
Guilherme Elsden, de cuja notoria desteridade se
ajudar V. S. to utilmente, como j lhe mostrou a
experincia do servio que ahi fez o referido oficial. No
deve V. S. coangustar-se pela falta de meios necessrios
para se effectuarem as referidas obras. A indispensvel
necessidade dellas deve prevalecer a todo reparo dos
antigos zelos. Na sua Relao Geral sobre o estado da Universidade, em 1777, D. Francisco de Lemos, o reitor-reformador,
refere-se sucintamente execuo das obras do
Laboratrio: Para fundar este Estabelecimento aplicou
o Marquez Vizitador a parte septemtrional do Collegio,
que comprehendia o refeitorio, e as mais officinas
adjacentes. E no podendo tambem servir todos estes
edificios para o Laboratorio, foi precizo demolir tudo e
edificar de novo o Edificio que se v nas Plantas n. 10,
n. 11, n. 12 e n. 13. Acha-se feito o mesmo edificio, e
s necessita de alguns ornatos e perfeioenz que no
impedem o uzo, que j se faz delle, para as
Demonstraes e Processos chimicos. Necessita este
Estabelecimento de Regimento, etc 31. A primeira aula de Qumica
na Universidade reformada Enquanto se procedia s obras dos novos edifcios, e se no punha prompto o Laboratorio que havia de
servir para os uzos prescritos pelos Estatutos, se formou 32interinamente hum pequeno Laboratorio nas aulas do
Real Collegio das Artes 32. Em Maio de 1773, o reitor
considerava que se achavam prontos os
estabelecimentos interinos para o ensino das cadeiras da
Faculdade filosfica que restavam para se porem em
exerccio. Por isso mesmo, ordenava aos professores
respectivos que principiassem as suas lies. O professo
Domingos Vandelli iniciava as suas aulas de Histria
Natural e de Qumica, na quarta-feira, 14 de Maio de
1773 33. Na aula de Qumica 34, falou guisa de introduo, da natureza desta cincia, rotulando-a de a Algebra dos
corpos: A chimica he para os corpos taes quaes a natureza os
representa relativamente, como h a Algebra para a quantidade
toda geralmente considerada. A Algebra insigna a decompor e
disinvolver as quantidades para descobrir os seus principios, e as
verdades que de estes nascem; a Chimica insigna a descompor os
corpos, que a Natureza oferece para chegar aos seus principios, e
deduzir todas aquellas verdades, que delles dependem; de sorte que
a Chimica he a Algebra dos corpos, da mesma sorte, que a
Algebra he a Chimica das quantidades. Falou depois da sua
diviso (a Chimica-Fisica, a Chimica Tecnica, a Chimica
Comerciante e a Chimica Economica), origens e
evoluo: No se sabe o tempo em que esta Sciencia comeou,
nem tambem qual foi o primeiro, que a coltivou. He porem bem
certo que ella he muito antiga: pois que lemos na Sagrada
Escritura, que depois de Adam, o seu oitavo descendente, quero
dizer, Tubalcain, trabalhava em cobre, e em ferro, e isto para
differentes fins, e usos, o que certamente no podia faer sem
extrair os sobreditos metaes das suas respectiva veas, sem os
fundir, e se aplicar a outros mais particolares travalhos, que so
proprios da arte Chimica; donde sem duvida podemos concluir a
grande antiguidade desta sciencia, ao menos, por que pertence a 33metallurgia; a qual se coltivou na Asia, donde passou para os
Egipzios, e destes para os Gregos, daqui para os Arabes, e destes
enfim para as outras Naes, soffrendo sempre varias mudanas, e
aplicando-se sempre differentemente aos diversos usos das artes,
athe que pouco a pouco se chegou a formar huma Sciencia, e em
esta figura he que foi tratada no tempo de Becher, Boyle,
Homberg, Geoffroy, Lmery, Sthal, Hoffmann e Boeraave,
continuando a aperfeoarse muito com as experiencias de Henkel,
Pott, Margraff, Newman, Grossi, Hellot, Lewis, e Bom, tendose
enfim na Affinidade descobertas algumas leis geraes. O tema central da lio foi, porm, a affinidade ou attraco chimica. Com o fim de mostrar huma
semilhante affinidade, ali mesmo executou quinze
experincias, primeiro conjunto dos muitos processos
qumicos que neste curso vos heide explicar. Como
manual de estudo recomendou as Instituioins Chimicas de
Spielberg, muito sufficientes para dar huma boa idea da
Chimica 35. Para estudo mais aprofundado recomendou
Lemery, Hoffmann, Boerhaave, Geoffroy, Pott, Maquer
e Bom. Terminou sublinhando bem o carcter
experimental da cincia em apreo, ideia-chave de toda a
metodologia por que pugnava a reforma universitria
em que se enquadrava: e alm disso deveis para vos
mesmos fazer muitos ensayos de experiencias; doutra
sorte ficareis com huma simplez tintura desta ciencia. As quinze experincias que executou no tero exigido mais que alguns reagentes e alguns tubos de
ensaio. Operaes qumicas em grande no eram
certamente possveis de imediato, no estado em que se
encontravam as obras do edifcio projectado para
Laboratrio Qumico. A 3 de Setembro de 1773, relatava o reitor-reformador ao marqus de Pombal: o mesmo 34tenente-coronel (Guilherme Elsden) se acha pondo em
limpo as Plantas do Observatrio e Laboratrio, as quais
brevemente sero apresentadas a V. Ex.. Vae-se
cuidando no novo edifcio com grande calor; e j vae
subindo a parede principal do Prospecto com muito
gosto e satisfao de todos os que a vem 36. Porm, certo que a 8 de Fevereiro de 1774, referindo-se s aulas de Domingos Vandelli, o reitor-
reformador d a entender que no ano transacto as aulas
de Qumica no teriam funcionado de modo aceitvel 37,
e no ano em curso ainda no estariam a funcionar
minimamente: O doutor Domingos Vandelli vae
continuando com as lies da Historia Natural, fazendo
frequentes ostentaes no Museu, anatomisando
animaes, e exercitando em tudo aos seus discipulos.
Alem das lies de Botnica, que pretende dar, quer
tambm abrir as lies da cadeira de chimica, para o que
tenho j mandado pr promto tudo o que he necessario
para as mesmas lies, a fim de que neste anno nada
fique por ensinar 38. Da no-viabilidade
de um Laboratrio Qumico em grande Com as condies naturais a proporcionar-lhe cada vez mais uma maior dedicao Histria Natural do
que Qumica, no tarda que Domingos Vandelli d o
melhor da sua actividade cientfica Botanica, relegando
para plano secundrio os seus interesses no domnio da
Qumica. Disso so prova as suas publicaes cientficas
e diversos episdios conhecidos da sua actuao. Pouco
a pouco, no seu atarefado dia a dia, o seu interesse pela 35qumica foi-se circunscrevendo s aulas que lhe estavam
confiadas como Lente de Prima, proprietrio da cadeia
de Qumica e, porventura, s necessidades decorrentes
de outras actividades a que se dedicava. No parece ter
votado organizao do Laboratrio Qumico o mesmo
fervor que votara organizao do Museu de Histria
Natural ou ao Estabelecimento do Jardim Botnico,
nem mesmo, talvez, o empenho que ps na fundao da
Academia Real das Sciencias de Lisboa, de que a sua
correspondncia com o visconde de Barbacena d
testemunho. De acordo com um aviso rgio datado de 1778, pretendia-se um Laboratrio Qumico onde se pudesse
trabalhar em preparaes chimicas em grande. Porm,
enquanto Domingos Vandelli esteve sua frente, nunca
tal se concretizou. Na Congregao da Faculdade de Filosofia havida no dia 1 de Fevereiro de 1774, se assentou que o
demonstrador de Histria Natural exercesse tambm as
funes de demonstrador de Qumica, enquanto o
Laboratrio Chimico se no punha em trabalhos de ter
o opperario e os mais officiaes que prescrevem os
Estatutos 39. Um ano depois, em Janeiro de 1775,
Manoel Joaquim de Payva, ento estudante ordinrio da
aula do terceiro ano, que no ano anterior servira em
lugar do demonstrador de Histria Natural, era
empregado como mestre de oficina do mesmo
Laboratrio, continuando vago o lugar de demonstrador 40. Mais de trs anos passados, em Julho de 1778, em visita efectuada ao Laboratrio pelo reitor-reformador e
pelos lentes das Faculdades de Medicina e de Filosofia,
se achava estar ele em bom estado, tornando-se 36imperioso que se puzesse na sua inteira execuo na
conformidade dos Estatutos. Para tanto, se assentou
que se devia imediatamente passar-se a pr-se prompto
quanto fosse necessario. As providencias que se julgaro
necessarias fro: 1. Executar-se a nomeao que se
havia feito do opperario chymico; e nomearem-se os
cinco partidistas do nmero e mais dous serventes, aos
quaes todos se daria regimento para o complemento das
suas respectivas obrigaes; 2. Que se mandassem
alargar as chamins j feitas para poder accomodar os
fornos necessarios. 41 Ficou o doutor Domingos Vandelli encarregado de levar a cabo estas e outras providncias que se
julgassem conveniente e necessario para o exercicio do
dito estabelecimento 42. Apesar disso, um ano depois, em Maio de 1780, ao informar-se o Exm.o e Rev. Senhor Principal
Reformador-Reitor sobre o estado da Faculdade, se
dizia: pelo que pertence ao Laboratorio Chymico
sobre se era ou no necessario mestre para elle se
assentou uniformemente por todos que enquanto no
houvesse occazio de nele se trabalhar em preparaes
chimicas em grande no havia necessidade delle, e que
no intanto bastava um demonstrador, com obrigao de
instroir os praticantes operarios, o qual servisse com o
ordenado de duzentos mil reis por anno, evitando-se
assi as mayores e muito avultadas despezas que ero
indispensaveis, sem utilidade alguma mais que a das
lies que suprio pelo demonstrador. 43 A situao foi-se arrastando. Nunca Vandelli viabilizou a execuo do estabelecido pelos Estatutos e
reforado por aviso rgio de 1778, que mandava pr em
prtica o Laboratrio em grande. 37Em 1783, uma minuta da Junta da Fazenda da Universidade sobre uma representao de Manoel
Joaquim Henrique de Payva, o nomeado mestre
operrio do Laboratrio Qumico, inquiria tambm
sobre as razes por que se no haviam continuado as
tentativas nesse sentido. O processo desencadeado pela
referida representao, apresentada pelo empregado
Manoel Joaquim Henrique Payva, leva definio do Regimento do Operario Chymico e demonstrador do Laboratorio
Chymico, cujo texto o seguinte: 1. Residir dentro da cidade, quanto mais perto possa ser do Laboratorio Chymico. 2. Lhe sero entregues por inventario todos os trastes do Laboratorio, e aquellas drogas, que forem
necessarias para os processos chymicos, que lhe ordenar
o lente. 3. Dever fazer todos os processos respectivos ao curso das lioins chymicas; e por isso dever preparar
tudo quanto for necessario, por se achar promto antes
do lente principiar as lioins. 4. Dar conta tanto dos trastes, quanto das drogas, que ter recebido: e far hum assento exacto de todos os
productos, que se podero tirar dos processos, que tiver
feitos, os quais se entregaro botica do hospital. 5. Na entrega dos trastes, e mais drogas, que se lhe fizer por inventario, deve assignar termo de pagar pelo
seo ordenado todo o descaminho, ou deteriorao, que
houver por sua negligencia. 6. Dever instruir os partidistas, como tambem os praticantes, que quizerem, na pratica da chymica
fazendo algum processo, que for necessario, parte,
alem daquelles do curso das lioins, que o mesmo lente 38lhe ordenar; mas no dar lioins theoreticas por ser
incumbencia do lente. 7. No poder dar licensa alguma aos praticantes, ou partidistas para se auzentarem das suas obrigaoins. 8. Os partidistas no podero faltar mais de 8 dias dentro de cada trimestre nem isto sem causa, ou licensa
do lente. 9. Se para acabar algum processo for necessario a prezena do operrio, ser obrigado a qualquer hora
estar assistindo: de outra sorte ser elle obrigado, e
responsvel de todos os damnos. 10. Por isso havendo necessidade no haver para elle dias feriados. 11. Dever continuar a pratica dos partidistas por o tempo lectivo, isto he da abertura da Universidade at o
fim do ms de Julho. Ao aprovar este Regimento, a Congregao de Medicina e de Filosofia pronuncia-se sobre as razes
subjacentes a algumas das normas enunciadas nos
seguintes termos: No fs conta a Universidade de trabalhar-se em grande: assim pelas referidas obrigaoins cobrar o
operario e demonstrador o ordenado a duzentos mil reis
somente sem poder allegar rezo de ter tido o operario
passado quatrocentos porque foi sempre inteno da
dita Congregao de no dar o dito ordenado seno no
caso de se trabalhar em grande. E apontam-se as razes
porque se abdica da inteno que a Congregao sempre
tivera: Ponderaram-se as obrigaoins, que o Estatuto
de Filozofia na parte 3., ttulo 6., captulo 4. impem
ao dito operario, que so ser demonstrador nas
experiencias relativas ao curso, servir de mestre da
officina para trabalhar em grande nas operaoins digo 39nas preparaoins para redundarem em maior
conviniencia, e na qualidade de mestre instruir tambem
na pratica das operaoins chymicas aos praticantes para
boticarios. E vendo-se pela experiencia dos tempos
passados, que era impraticavel o pr-se em execuo o
trabalho das preparaoins em grande para o comercio
por se no achar sujeito a quem se posso commetter
com segurana, e sem perda da Fazenda da
Universidade nem a mesma Fazenda poder por ora
supportar os gastos que so precizos para os ensaios das
preparaoins em grande afim de pr algum em estado,
de as praticar com segurana, e proveito nem outro sim
se poder convocar pessoa a quem se entregase o
Laboratorio para o dito effeito afim de ser interessada
no commercio em grande por no ser praticvel
Fazenda da Universidade o entrar nesta sociedade com
o fundo precizo, e achar-se alguns productos de maior
consumo no reyno preocupados pela posse, e costtume
de se mandarem vir de fora no que correria grande risco
qualquer empreza para fazer gastar os fabricados no
Laboratorio. 44 E logo se nomeou o doutor Constantino Antnio Botelho de Lacerda para exercer o ofcio de operrio
qumico e mestre do Laboratrio que se achava vago,
pela ausncia de Manoel Joaquim de Payva, na Corte. A loua de Vandelles Entretanto, o doutor Domingos Vandelli apresenta o projecto do estabelecimento de uma fbrica de loia na
espaosa casa que a Universidade possuia na vizinhana
do Mondego, onde se fizera a telha para os novos 40edifcios e que, acabadas as obras, ficara sem uso algum.
Conferindo miudamente sobre todos os pontos da
memria em que esse projecto era apresentado, a
Congregao da Faculdade de Filosofia assentou o
seguinte, na sua reunio de 12 de Janeiro de 1781: 1. Que tendo os estudos filosoficos da Universidade por fim a indagao das couzas naturaes,
no para ficar na ociosa especulao dellas, mas para
deduzir conhecimentos prcticos uteis ao comercio e
uso dos homens, ficario perdidas todas as experiencias
e descubertas feitas a este respeito em pequenas provas
executadas no Laboratorio da Universidade, se no se
mostrasse ao pblico a conveniencia que resulta de se
executarem em grande por meio do estabelecimento das
fabricas competentes. 2. Que havendo o sobredito Doutor Vandelli proposto differentes objectos, em que tinha feito
experiencias, e de que podio resultar grandes utilidades
ao pblico, no se devia cuidar na execuo de todos
elles em grande, estabelecendo diferentes fabricas ao
mesmo tempo, porque desse modo succederia que
nenhuma dellas ficaria bem estabelecida, mas que devia
principiar-se por huma s, pondo nella todo o cuidado e
diligencia, que he necessaria no principio; e depois de
ter esta chegado sua perfeio, caminhando j sem
embarao algum na economia das suas manipulaoins, e
produzindo as conveniencias que della se esperavo,
ento se passaria ao estabelecimento de outra, e assim
por diante, servindo o lucro das primeiras para hir
plantando as seguintes. 3. Que de todas as que havio proposto parecia melhor para principiar huma fabrica de loia, assim
porque se podia estabelecer com menor despeza, como 41tambem porque havia j muitas cousas preparadas para
ella. Por quanto tem a Universidade na vezinhana do
Mondego huma casa espaosa que mandou compr
para nella se fazer a telha para os novos edificios, e
depois que cessou aquella necessidade, ficou sem uso
algum; e nela se pode agora estabelecer a dita fabrica
com muita comodidade, por ficar na vezinhana do rio,
por onde se far a importao das primeiras materias, e
a exportao dos productos. 4. Que no convinha estabelecer esta fabrica por conta da Universidade. Por quanto tendo a Junta da
administrao da Fazenda della muitos e differentes
negocios em que cuidar, deixaria a fabrica descrio de
officiaes subalternos, que sem intelligencia da materia
transtornario toda a economia della, de maneira que
nem chegaria a produzir obras perfeitas no seu genero,
nem a dar lucro algum, ath perda Fazenda da mesma
Universidade. 5. Que a Congregao da Faculdade se offerecia a tomar sua parte este estabelecimento, tendo a
inspeco necessaria sobre a perfeio do trabalho,
procurando que a economia della seja disposta de
maneira que produza a maior utilidade, e pondo nella
hum mestre intelligente sem salario algum certo, mas
com interesse nos lucros que houver, debaixo das
condioens, que a mesma Congregao julgar
convenientes. 6. Que sendo necessario algum fundo para dar principio a este util estabelecimento, bastava
Congregao que a Universidade lhe desse os sobejos da
consignao dos partidos filosoficos, attendendo aos
que se no provero nos annos precedentes, desde que
Sua Magestade foi servida ordenar que elles 42efectivamente se pagassem. E que os sobejos, que
houvesse para os annos futuros se separasse sempre
para esta consignao das fabricas, consignao que
podia guardar-se separadamente no cofre da
Universidade, accumulando-se a ella o que proviesse dos
lucros da mencionada fabrica, e das que para o futuro se
estabelecessem, para se applicar a novos
estabelecimentos, conforme parecer mesma
Congregao que melhor convem a utilidade publica. 45 A Fazenda da Universidade no estava em condies de poder suportar os gastos precisos para os ensaios das
preparaes em grande no Laboratrio Qumico, nem
parecia possvel convocar pessoa a quem se entregasse o
Laboratrio para o dito efeito, afim de ser interessada
no comrcio em grande Mas no havia razo que
obstasse a que a Congregao da Faculdade se achasse
em condies de tomar sua parte um tal
estabelecimento e julgasse no ser difcil arranjar um
mestre inteligente, sem salrio algum certo, mas apenas
com interesse nos lucros que houvesse, que deles se
pudesse encarregar! Para o prprio problema do
financiamento se oferecia de imediato soluo fcil:
os sobejos da consignao dos partidos filosoficos. O
projecto foi aprovado, e no tardou que na dita fbrica
se produzisse a melhor loua do distrito, com o nome
de loua de Vandelles. Por alvar de 7 de Fevereiro de
1787, era concedido a Domingos Vandelli o privilgio
exclusivo da venda dessa loua. As duas resolues em causa no esto de todo isentas de contradio. O projecto da fbrica de loua
contava, porm, com todo o empenhamento de 43Vandelli, cada vez mais alheio aos problemas do
Laboratrio Qumico que ia deixando, cada vez mais,
entregue aos seus substitutos extraordinrios, o opositor
da cadeira de Qumica e o demonstrador da mesma,
cargos que foram sendo ocupados pelo j mencionado
doutor Constantino Antnio Botelho de Lacerda, o
doutor Thom Rodrigues Sobral, o doutor Paulino de
Nolla Oliveira e Souza, o doutor Marques Vieira, o
doutor Sebastio Navarro de Andrade e o doutor
Vicente Seabra, entre outros. Em 1787, Vandelli transfere-se para Lisboa, para dirigir o Jardim Botnico da Ajuda, e se ocupar em
Negcios do Real Servio, como Deputado da Real
Junta do Comrcio, Agricultura, Fbricas e Navegao
destes Reynos e seus Domnios. Nem por isso, deixa a
direco do Laboratrio Qumico, nem o lugar de
decano da Faculdade de Filosofia. Os avisos rgios de
14 de Junho de 1787 e 20 de Janeiro de 1789, so disso
prova clara: mandado que o Doutor Domingos
Vandelli, lente proprietrio das cadeiras de Histria
Natural e de Chymica e Decano da Faculdade de
Philosophia, seja contado como presente na
Universidade de Coimbra em todo o tempo em que tem
estado ausente e que como tal seja pago. 46. Em Maro de 1787, dada a ausncia de Vandelli, foi o doutor Teotnio Jos de Figueiredo Brando
encarregado de elaborar o Regulamento pertencente ao
operrio qumico ou mestre de laboratrio, lugar
pertencente mesma oficina, e encarregado de rubricar
o livro que devia haver no Laboratrio para se
assentarem os smplices e tudo o mais que entrasse para o
Laboratrio ou dele sasse. O doutor Teotnio Brando
executou prontamente a tarefa de que fora encarregado, 44apresentando o livro rubricado e o Regulamento
pedidos na Congregao de 5 de Maio de 1787. A
Congregao aceitou o primeiro; e do segundo, limitou-
se a extrair um breve eptome com as obrigaes
pertencentes ao operrio qumico, ao ajudante e guarda
do Laboratrio e aos partidistas. No se conhecem as
razes que tero levado a Congregao a pedir a
elaborao do referido Regulamento, em Maro de
1787, e muito menos se compreende o procedimento,
uma vez que o reitor-reformador, em carta dirigida ao
visconde de Villanova de Cerveira, ministro da Rainha e
secretrio de Estado dos Negcios do Reino, semanas
antes (a 25 de Janeiro de 1787), pedia a abolio do
cargo de operrio qumico por no aver prezentemente
necessidade de um mestre do Laboratorio Chymico e
poder suprir-se este lugar com um dos demonstradores
da Faculdade Filosofica.47 Pouco depois de ter sido
aprovado o dito Regulamento, o visconde de Villanova
de Cerveira respondia, a 14 de Maio de 1787, ao reitor-
reformador aprovando a pedida abolio do cargo de
operrio qumico, decidindo que nom aja aquele mestre
e se poupe o ordenado dele, se nom necessidade do
seo ministerio 57. Apesar de tudo, o ministro da Rainha
aproveita a ocasio para insistir, uma vez mais, na ideia
de pr o Laboratrio Qumico a trabalhar em grande.
O Poder Central nunca se conformou com a deciso da
Faculdade de desistir de um tal intento. Diz o ministro,
textualmente: Conhecendo que o adiantamento da
Faculdade Filozofica pelo que respeita chymica tem
dependencia, de que o seo Laboratorio aja de trabalhar
em grande, nom s para que por meio dele se posam
suprir muitas compozisoenz, que entram na farmacia; e
outras, que levam para fora do reino grande cabedal: 45servida (Sua Magestade), que Vossa Excelncia
ponderando esta matria; e tratando-a com a solidez, e
prudencia, que lhe prpria, examine quaes sam as
compozisonez mais necessarias, e uteis ao consumo do
reino; e que para ele vem de fora; e que podendo-se
trabalhar nessa Universidade, nom s consiga criar abeis
chymicos; evitar a saida daquele cabedal para fora, mas
posa conseguir grandes vantagens, e utilidades sua
Fazenda, nom sendo, como nom improprio a uma
Faculdade Filozofica mostrar as utelidades, que ela pode
produzir: com o resultado deste exame Vossa
Excelencia me informe a todos estes respeitos;
interpondo o seo parecer. 48 Se em Maro de 1787, ao doutor Teotnio Brando que se pede a elaborao do Regulamento do
operrio qumico, ainda em Abril de 1788 ao doutor
Domingos Vandelli que a Faculdade pede a colaborao
para um estudo sobre as possibilidades de ser cometida
ao Laboratrio Qumico da Universidade a preparao
de todo o solimo, toda a gua forte e todos os cadilhos
de que se pudesse fazer uso nas Reaes Cazas e Fbricas
de Fundio 49. Da efectivao deste estudo nada se conhece. Provavelmente caiu em saco sem fundo, como
acontecera j com outras incumbncias que lhe haviam
sido, repetida e insistentemente, confiadas. O Compndio para o Curso de Qumica Em carta rgia de 26 de Setembro de 1786, mostrava-se Sua Majestade, a Rainha, muito apreensiva
ao verificar com desprazer, que as repetidas ordenz que 46tem manifestado Universidade, quanto aeficacia com
que mandou que se compuzessem nela os compendios
para as lisoenz, proprias de cada uma das Faculdades,
nom tem produzido o efeito que era de esperar que
produzissem e tendo em visto, que no espao de
quatorze anos com ademirassam das Universidadez
estrangeiraz, nom tinha a de Coimbra produzido luz
escrito algum que fasa ver os progresos dela e esteja se
servindo de livroz adaptadoz quando os podia ter
proprioz. 50 Mandava, ento, resolutiva e definitivamente que em cada uma das Congregaes se tratasse sem perda de
tempo da composio do seu compndio prprio para
servir ao uso do ensino pblico das suas aulas,
deputando para isso uma ou mais pessoas escolhidas de
entre os lentes catedrticos ou dos opositores mais
dignos. E determinava que os que fossem deputados
para tal tarefa houvessem logo de dar princpio
composio, sem lhes ser admitida escusa alguma. Em Congregao da Faculdade de Filosofia, realizada em Dezembro desse ano, Domingos Vandelli
foi encarregado de elaborar os Prolegmenos para o
sistema de Lineu, e o Compndio de Qumica. Porque no
estava presente, ficou o Secretrio da Faculdade
incumbido de lhe transmitir a resoluo havida,
devendo tambm remeter-lhe uma cpia dos avisos de
Sua Magestade. Da mesma resoluo era dada notcia
directa Rainha pelo reitor-reformador, em carta de 18
de Dezembro do mesmo ano. Sua Majestade deu-lhe
total aprovao e ordenou que se procedesse em
conformidade, mencionando concretamente o encargo
confiado a Vandelli, embora no presente na
Congregao. E foi ao ponto de aliviar os lentes 47encarregados da composio dos Manuais da regncia
das respectivas cadeiras, que ficariam, entretanto,
entregues aos lentes substitutos. Reunida novamente em Fevereiro de 1787, a Congregao no dispe ainda de qualquer resposta de
Vandelli que continua a no comparecer s reunies.
Determinou ento que o Secretrio da Faculdade
escrevesse novamente da parte da mesma ao Doutor
Domingos Vandelli, cujo original devia antes ser lido na
mesma Congregasam, e lhe mandase dizer que segunda
vs determinava a Congregasam que fizesse uns novos
prolegomenos para o sistema de Lineo, ampliando-os e
enmendando-os segundo o estado em que atualmente se
axam as sciencias; e que antes de os principiar devia
prezentar o plano para ser aprovado pela Congregasam;
se determinou mais que o mesmo Secretario, e na
mesma carta, mandasse pedir ao Doutor Vandelli o
novo Compendio que tinha feito para a cadeira de
Chimica ou na sua falta o plano que tinha seguido na
mesma compozisam para igualmente ser visto e
aprovado pela mesma Congregasam. 51 A carta redigida
pelo Secretrio contendo o determinado, foi lida e
aprovada na Congregao de 31 de Maro de 1787 e
remetida ao destinatrio. Vandelli no chegou a apresentar nunca os compndios em causa, nem sequer os respectivos
planos. Da composio dos Prolegmenos ao sistema
de Lineu se viria a encarregar mais tarde o doutor
Ribeiro de Paiva; e da composio do compndio de
qumica, o doutor Thom Rodrigues Sobral. Apesar de tudo, em Maio de 1788, Vandelli ainda encarregado de elaborar um catlogo de todos os vazos
e simplices que se axam no Laboratorio Chymico, tal 48como o doutor Dalla-Bella era encarregado de elaborar
um catlogo de todas as mquinas e vasos que se
achavam no Gabinete de Fsica. Dois meses depois, a 26 de Julho de 1778, a Congregao da Faculdade recebia o
catlogo ou index elaborado por Dalla-Bella,
determinando que fosse arquivado, depois de rubricado
pelo director da Faculdade (o dr. Vandelli) e pelo reitor,
no prprio gabinete de Fsica. O primeiro catlogo dos
simplices existentes no Laboratrio Qumico de que se
tem notcia da autoria de Thom Rodrigues Sobral 52. em todo este contexto que se compreende o depoimento nada elogioso, particularmente para quem
foi durante tantos anos o principal responsvel e
director mximo do Laboratrio Qumico da
Universidade de Coimbra, que Link nos deixou sobre
Vandelli, resultante dos contactos directos que com ele
teve durante as suas viagens em Portugal: il ne faut pas sattendre rencontrer dans cet tablissement (o Jardim Botnico da Ajuda) une bonne
indication des trsors quil renferme. Si vous demandez
des renseignements, le professeur Vandely (sic) vous
ouvre le systma vegetabilium de Linne (dition de
Murray;) et pour peu quune description qui soffre lui
ait quelque trait la plante en question, ce botaniste ne
balance pas un instant lui assigner son nom. Au reste,
ce docteur Domingos Vandelly, n en Italie, es connu
des naturalistes par quelques ouvrages, mais
particulirement par ses liaisons avec Linne. On ne
saurait lui disputer davoir t, dans sa jeunesse, un
homme studieux, et davoir entrepris beaucoup, pour
acqurir de la clbrit. () Il est bien arrire pour les
connaissances. A peine connat-il les plantes quil a jadis
dcrites lui-mme, il est galement mauvais 49minralogiste, et ses Mmoires de Chimie, insrs dans les
Memorias de lAcademie, lont couvert de ridicule
auprs des savans 53. Thom Rodrigues Sobral,
novo director do Laboratrio Qumico Por carta rgia de 24 de Janeiro de 1791, Vandelli jubilado: Hey por bem jubilallo na cadeira de chymica
que ocupa, vencendo o ordenado della com o
acrescentamento que fui servida estabelecer a
Rainha. Para o seu lugar foi nomeado Thom
Rodrigues Sobral: Nomeo para terceiro lente que
ter a cadeira de Chymica e Metalurgia, o Doutor
Thom Rodrigues Sobral referia a mesma carta rgia
que nomeava, ainda, para demonstrador da mesma
cadeira de Qumica e Metalurgia, o bacharel Vicente
Coelho da Silva Seabra, a quem era concedido, para o
efeito, graciosamente, o grau de doutor da Faculdade de
Filosofia. S a partir desta data o Laboratrio Qumico tem novos responsveis. Com Rodrigues Sobral e Vicente
Seabra, a cincia qumica em Portugal envereda
realmente pelos caminhos apontados pela metodologia
consignada nos Estatutos da Reforma Pombalina,
acertando o passo pela revoluo qumica que ento se
processava na Europa, pela mo de Lavoisier. O cronista da Faculdade de Filosofia na celebrao do primeiro centenrio da Reforma Pombalina resume:
No tempo da direco deste professor (Thom
Rodrigues Sobral), os trabalhos prticos no Laboratrio
no cessavam, no s em delicadas investigaes de 50chymica, mas ainda nas mais importantes applicaes
industriaes. Faziam-se varias e repetidas experincias
concernentes respirao das plantas e a outros
phenomenos de physiologia vegetal; ensaiavam-se
processos para a conservao das substancias animaes e
vegetaes; preparavam-se sem descanso os principaes
productos chimicos. Os outros professores da
Faculdade de Philosofia e os de Medicina frequentavam
muito o laboratorio; auxiliavam o seu director nas mais
arriscadas experincias de chimica; e emprehendiam
outros trabalhos relativos s sciencias que ensinavam,
consultando sempre e ouvindo os sbios conselhos do
seu illustre collega. Foi uma epocha florescente e
memoravel do ensino da chimica em Portugal. 54. Natural de Felgueiras, comarca de Moncorvo, onde nasceu a 21 de Dezembro de 1759, Thom Rodrigues
Sobral, filho de Joo Rodrigues e Isabel Pires,
matriculou-se na Universidade de Coimbra, em
Matemtica e Filosofia, a 29 de Outubro de 1779. Foi
ordenado de Presbtero, na Arquidiocese de Braga, em
1782, e graduado, a 26 de Junho de 1783, pela
Faculdade de Matemtica e Filosofia da Universidade de
Coimbra. Antes de ser nomeado 3. Lente Benemrito
de Chymica e Metalurgia, havia sido provido como
demonstrador de Histria Natural, em Julho de 1786, e
depois substituto extraordinrio para as cadeiras de
Fsica (em Outubro de 1786 e Julho de 1788), Histria
Natural (em Julho de 1787) e Qumica (em Julho de
1789). 51De novo o Compndio
para o Curso de Qumica Ao suceder a Vandelli na direco do Laboratrio Qumico, em Janeiro de 1791, e nomeado Lente de
Prima, proprietrio da cadeira de Qumica e Metalurgia,
Thom Rodrigues Sobral incumbido, em Julho desse
mesmo ano, da elaborao do compndio da cadeira.
Na mesma Congregao da Faculdade de Filosofia em
que tal incumbncia lhe era confiada, era decidido
transplantar-se na lngua nacional o artigo Affinit de
lEncyclopdie Methodique da autoria do baro de
Morveau. Segundo a proposta do director da
Faculdade, doutor Antnio Soares Barbosa, deveria
encarregar-se dessa traduo o opositor doutor Luiz
Antnio de S. Payo. Dela discordou, todavia, o Reitor
que determinou que tal traduo s competia ao
demonstrador da cadeira de chimica, o Doutor Vicente
Coelho de Seabra, para cujo fim foi elleito 55. Na Congregao de 25 de Abril do ano seguinte, Thom Rodrigues Sobral apresenta a primeira parte do
plano do almejado compndio de qumica, e em Julho, a
parte restante. Em 1793, aparece publicado pela Real
Imprensa da Universidade, o Tractado das Affinidades
Chimicas, artigo que no Diccionario de Chimica, fazendo parte da
Encyclopedia por ordem de materias, deu Mr. de Morveau, traduzido e prefaciado por Rodrigues Sobral. No se sabe porqu, nem como, a traduo para cujo fim tinha sido eleito Vicente de Seabra em desfavor de
Luiz Antnio de S. Payo, acabaria por ser feita por
Rodrigues Sobral. No prefcio de apresentao, diz o
tradutor: 52
53 Sendo sem dvida o artigo cuja verso ofereo aos
meus ouvintes, o que temos de mais completo nesta
materia, nem por isso deixa de ser susceptvel de
algumas reflexes, filhas dos conhecimentos
posteriormente adquiridos, que pouco a pouco vo
aproximando este objecto ao ltimo ponto da sua
perfeio. Eu me reservo porm propor estas reflexes
em o meu compndio de chimica, em o qual me
proponho expor de um modo elementar todas as
minhas ideias, ou, para o dizer melhor, o resultado dos
imensos trabalhos dos melhores chimicos, o que
constitui o estado actual dos conhecimentos chimicos, e
uma das mais brilhantes Epocas desta ciencia;
contentando-me entretanto de enunciar em minhas
Preleces aquelas observaes que julgar
indispensavelmente necessarias aos principiantes, a
quem somente dirijo este insignificante trabalho. 56. A traduo em causa poder explicar que entre a apresentao, em Congregao da Faculdade, e ao plano
do compndio de Qumica e a apresentao do
compndio propriamente dito medeiem mais de dois
anos. Na verdade, este s acabaria por ser apresentado
na Congregao de 31 de Julho de 1794, tendo sido
ento nomeado seu censor o doutor Manuel Jos
Barjona; e foi aprovado at ao pargrafo 243, na
Congregao de 22 de Abril de 1795. Possveis dificuldades surgidas com os pargrafos subsequentes (de cujo teor nada se sabe) tero sido a
possvel causa de se chegar a meados de 1798 e o
compndio no estar ainda definitivamente pronto para
ser publicado. O professor Rodrigues Sobral ento
dispensado das aulas no ano lectivo prximo futuro de
1798 para 1799, ficando somente obrigado aula no 54primeiro dia lectivo de cada semana 57 para mais
rapidamente poder satisfazer tarefa de que estava
incumbido. Entretanto, as aulas de Qumica iam sendo dadas segundo o compndio Fundamentos de Qumica, de
Scopoli 58, como fcil depreender da determinao
havida na mesma Congregao de 30 de Julho de 1798 e
subsequente parecer e voto por escrito do director da
Faculdade. Nessa Congregao se considerou, com
efeito, se se devia ou no ensinar chimica por outro
compndio que no fosse Scopoli, enquanto o
proprietrio da cadeira de chimica no acabasse o
compndio de que estava incumbido, e procedendo-se a
votos, se determinou, que interinamente se ensinasse
chimica por Jacquin 59, e como este compndio he ainda
raro entre nos, e no haveria tempo de se mandar vir em
abundancia, tornou-se a deliberar sobre o compndio
que se adoptaria na falta de Jacquin, e houvero tantos
votos a favor de Scopoli quantos a favor de Xaptal. Perante o empate verificado na votao, o Ex.mo senhor Principal Castro, reformador-reitor, que presidia
Congregao, encarregou o secretrio, o doutor
Vicente Seabra, de dirigir um ofcio ao director da
Faculdade, doutor Antnio Soares Barbosa, que no
estivera presente na reunio, para dar o seu parecer e
voto por escrito. O director deu a sua resposta na forma seguinte: Em observancia da ordem de Sua Excelncia pella qual
se me manda responder com o meu parecer sobre o que
se propoz em Congregao, e ficou empatado pellos
vogaes, respondo o seguinte: Sempre foi bem constante
a Sua Excelncia, e a toda a Congregao o meu
sentimento a respeito do Scopoli; e por isso sempre o 55regeitei, e regeito como incapaz para o ensino publico,
como indigno de apparecer nas prezentes luzes da
chimica, e alem isso como vergonhozo para os que o
apadrinho, e infamatorio para a Faculdade. Fui de parecer, que se ensinasse por Lavoisier pello crer mais conforme chimica geral filosofica, a qual to
somente manda ensinar o Estatuto de Filosofia
prohibindo na mesma filosofia o ensino da chimica
medica, e farmaceutica. Porem j que a Faculdade no
foi para ahi, voto s a fim de desterrar o Scopoli, que se
ensine interinamente pello Xaptal, enquanto no houver
copia suficiente de Jacquin, ou de outro melhor, que for
mais apropriado aos fins da Faculdade segundo manda
o Estatuto. 60 Em consequncia deste voto, ficou adoptado interinamente o compndio de Jacquin enquanto o
proprietrio da cadeira no acabasse o seu prprio
manual; e falta de exemplares de Jacquin deveria ser
adoptado o compndio de Xaptal at que esses
exemplares fossem conseguidos. Entretanto, antes mesmo de ser nomeado demonstrador de Qumica e graduado gratuitamente no
grau de doutor da Faculdade de Filosofia, ainda como
estudante da Faculdade de Medicina, Vicente Coelho
Seabra, o secretrio da Congregao da Faculdade de
Filosofia referido na questo anterior compusera um
Manual de Qumica intitulado Elementos de Chimica offerecidos Sociedade Litteraria do Rio de Janeiro
para uso do seu Curso de Chimica, publicado na Real
Oficina da Universidade, em duas partes, a primeira das
quais em 1788 e a segunda em 1790. Este manual havia
sido apresentado para apreciao, na Congregao da
Faculdade de Filosofia, a 21 de Dezembro de 1787, sob 56o ttulo geral Observasoens Phisico-Chimicas, tendo sido
aprovado para impresso, pela dita Congregao, em
Maio de 1788. No h, todavia, qualquer notcia de que
este compndio, redigido dez anos antes da aludida
polmica, tenha servido para uso do curso de qumica
da Universidade de Coimbra, pese embora o seu notvel
contedo e orientao geral, um e outra totalmente em
sintonia com o melhor e mais actualizado da revoluo
qumica em processo data em que foi publicado. Nele,
o autor adopta a Qumica do Oxignio, com
consideraes crticas, mas sem restries de fundo.
Apresenta conhecimento exacto e fundamentado, s
vezes por experincias prprias, de problemas qumicos
da poca: composio do ar; reconhecimento de
substncias elementares e suas propriedades (oxignio,
nitrognio, hidrognio, carbono, metais, etc.); sntese,
produo e anlise de substncias e suas propriedades,
com destaque para gua, amonaco, cidos, bases, sais e
produtos orgnicos. A interpretao do comportamento
qumico de sistemas base da afinidade e, em certa
extenso, da influncia das concentraes e doutras
condies; a utilizao de calores especficos de substncias
na descrio de reaces qumicas, com trocas de calor
(energia); o tratamento de processos de oxidao e de
reduo; tudo isto, largamente desenvolvido no texto,
revela as preocupaes de determinao das
circunstncias de possibilidade de reaces, do rumo
que estas tomam, temas fundamentais no
desenvolvimento seguinte das cincias fsico-qumicas. 61 57
58III / DO FLOGISMO PARA A QUMICA-PNEUMTICA Embora se no saiba qual fosse a posio concreta de Rodrigues Sobral na votao sobre se se devia ou
no ensinar qumica por outro compndio que no
fosse Scopoli, o mais natural ser supor que o seu voto
fosse a favor da manuteno desse manual. Com efeito,
sendo ele o proprietrio da cadeira, e havendo na
Faculdade uma corrente a favor da rejeio de um tal
manual, lado a lado com um grupo que o apadrinhava,
como transparece do parecer emitido pelo director da
Faculdade, a corrente a favor da rejeio s teria
quaisquer possibilidades de se no impor como
determinante no caso de contar com a oposio do
prprio proprietrio da cadeira. Mas tambm no de
todo claro como poderia Rodrigues Sobral aparecer
como um dos apadrinhadores do compndio de Scopoli
e feraz defensor do seu uso para o ensino da qumica. Na verdade, Scopoli declaramente um adepto e defensor do flogisto. A orientao geral do seu
compndio no muito diferente da adoptada por
Spielmann nas suas Instituies Qumicas. Se no seu
Prolegmeno XII, estas defendiam a existncia de trs
elementos constitutivos de todos os corpos, a gua, a 59terra e o flogisto (princpio inflamvel), os pargrafos 66
e 69 dos Fundamentos de Qumica, de Scopoli referem,
tambm, o flogisto como instrumento qumico activo,
par a par com o fogo, o ar, a gua e os corpos salinos. E ao
longo de todo o seu tratado sobre as diversas operaes
qumicas (cuja classificao difere um pouco, na forma,
da apresentada por Spielmann, embora, na sua
globalidade ambos os autores acabem por referir as
mesmas operaes, embora num enquadramento
ligeiramente diferente) h, por diversas vezes,
referncias aos produtos flogsticos nelas envolvidos (v.
g., pargrafo 161: produtos flogsticos na teoria da
soluo; pargrafos 195-196: produtos flogsticos na
teoria da precipitao; pargrafos 266-167: produtos
flogsticos na teoria da sublimao). E Rodrigues Sobral, pelo menos data em que se punha a questo de continuar ou no a ensinar a
qumica por outro compndio que no fosse o de
Scopoli, isto , em 1798, no era certamente, um adepto
entusiasta do flogisto. Muito pelo contrrio, como
claramente o testemunha Link, na sequncia dos
contactos que com ele manteve, em Coimbra, ao longo
de 1797-1799: Don Thom Rodrigues Sobral, professeur de Chimie, est un homme trs-habile. Il connait les
procds actuel des Franais dans cette science; il enseigne
la chimie daprs les nouveaux principes antiphlogistiques; il a
mme traduit leur nomenclature en portugais, et
soccupe maintenant publier um manuel de chimie, qui
manque en Portugal. Je ne doute nullement de son
succs. 62 Os escritos qumicos que Rodrigues Sobral deixou apontam claramente no mesmo sentido, embora se deva 60notar que todos eles foram escritos mais de uma dzia
de anos depois da data daquela Congregao da
Faculdade de Filosofia. Na breve exposio que faz sobre o sistema flogstico, Jacquin refere que o cido muritico vulgar
para os flogistas o cido muritico flogisticado que, uma
vez espoliado do seu flogisto se transforma em cido
muritico desflogisticado, que ns (os antiflogistas)
designamos por oxigenado; Acidum muriaticum
imperfectum sive vulgare Phlogisticis est acidum
muriaticum phlogisticatum, quod, spoliatum phlogisto
suo mutatur in acidum muriaticum dephlogisticatum,
nobis dictum oxygenatum. 63 Em Agosto de 1809, a peste grassava em todas as freguesias de Coimbra e em muitos outros pontos do
Pas, fruto da injusta guerra que to barbaramente
assolara a Nao. O flagelo da guerra ameaara de uma
parte a nossa existncia poltica; o contgio declarado na
sua sequncia e que principiava a devastar algumas
freguesias por inteiro, ameaava, por sua vez, a nossa
existncia fsica. Rodrigues Sobral tornou-se ento
notvel pelas operaes levadas a cabo, sob sua
orientao, para atalhar o progresso do contgio. Delas
fez relato dirio publicado primeiramente no peridico
de Coimbra Minerva Lusitana e, depois, compendiado
num longo e nico escrito no Jornal de Coimbra 64. De acordo com este relato, para o efeito se fizer fabricar no Laboratrio pequenos vazos de barro muito
commodos e, isto feito, em 17 de Agosto de 1809 se
dero em Coimbra as primeiras providencias, depois das
quaes se procedeo s fumigaes com o gaz muriatico
oxigenado em todos aquelles lugares,
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