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TÁBATA CHRISTIE FREITAS MOREIRA
POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE:
O PAPEL DAS IDEIAS, DOS ATORES E DAS INSTITUIÇÕES NA CONSTRUÇÃO DE
UMA PRÁXIS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA E DESINSTITUCIONALIZAÇÃO
Belo Horizonte
2013
Tábata Christie Freitas Moreira
POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE:
O papel das ideias, dos atores e das instituições na construção de uma práxis de Reforma
Psiquiátrica e desinstitucionalização
Dissertação apresentada à Escola de Governo Paulo Neves
de Carvalho da Fundação João Pinheiro como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
Administração Pública.
Orientadora: Profa. Dra. Carla Bronzo Ladeira.
Belo Horizonte
2013
FICHA CATALOGRÁFICA
M838p Moreira, Tabata Christie Freitas
Política de saúde mental no município de Belo Horizonte: o papel das idéias dos
atores e das instituições na construção de uma práxis de reforma psiquiátrica e
desistitucionalização / Tabata Christie Freitas Moreira – Belo horizonte, 2013.
---147 f.
Dissertaçaõ (Escola de Governo Paulo Neves de Carvalho da Fundação João
Pinheiro) –
1. Saúde Mental – Belo Horizonte. 2. Políticas Públicas. 3.Reforma Psiquiátrica. 4.
Saúde Pública
I. Título.
CDU – 616.89(815.11)
1. Saúde Mental – Belo Horizonte. 2. Políticas Públicas.3.Reforma
Psiquiátrica. 4. Saúde Pública
I. Título.
POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE:
O papel das ideias, dos atores e das instituições na construção de uma práxis de Reforma
Psiquiátrica e desinstitucionalização
Dissertação apresentada à Escola de Governo Paulo Neves
de Carvalho da Fundação João Pinheiro como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
Administração Pública.
Aprovada na Banca Examinadora
______________________________________________________________
Profa. Dra. Carla Bronzo Ladeira (Orientadora) – Fundação João Pinheiro
________________________________________________________________________
Profa. Dra. Ana Marta Lobosque – Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais
________________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Stella Brandão Goulart – Universidade Federal de Minas Gerais
__________________________________________________
Profa. Dra. Flávia de Paula Brasil – Fundação João Pinheiro
Belo Horizonte, 08 de Abril de 2013.
A Deus, pelos [des] encontros,
A minha família e amigos, pelo incentivo e paciência,
Aos atores que compõem a luta antimanicomial, pela inspiração.
Sou composta por urgências, minhas alegrias são intensas minhas tristezas,
absolutas. Entupo-me de ausências, me esvazio de excessos. Eu não caibo
no estreito, eu só vivo nos extremos. Eu caminho, desequilibrada, em cima
de uma linha tênue entre a lucidez e a loucura. (Clarice Lispector)
Inspirada por Clarisse Lispector, ouso dizer que dissertar consistiu em trilhar os
ápices e os declives de minhas ilusões e o maior desafio não se configurou em alimentá-las,
mas, a elas me entregar de coração, corpo e alma.
Nessa jornada, muitas foram às limitações, os medos e as angustias, mas acima
destes sempre esteve a paixão e a certeza de que este é o meu caminho e que nada, nem
mesmo minha “loucura”, poderia desviar os meus pés.
Fatores que a priori eram tidos como obstáculos, hoje são tidos como
propulsores para que eu possa ir ainda mais longe transformando o que tenho de mais obscuro
em feixes de luz. Feixes capazes de resplandecer a minha alegria e satisfação de poder realizar
os sonhos que florescem em meu coração.
Deleito-me, agora, na arte de ater as minhas lembranças, para assim, compor a
parte mais preciosa desse trabalho: os agradecimentos.
Agradeço a Deus por se fazer presente, mesmo, quando permaneço em
silêncio. Obrigada, não apenas por ocupar um lugar em mim, mas pela intensidade de tua
presença em tudo que eu faço.
Aos meus pais Júlio e Elaine, pelo amor ilimitado, pelo cuidado, carinho,
presença, apoio, confiança e por terem, também, compreendido que foi necessário um golpe
da loucura para que eu encontrasse o meu destino. Obrigada não apenas por terem me
ensinado a sonhar e a persistir, mas, por muitas vezes terem anulado seus sonhos para que eu
pudesse realizar os meus.
A minhas irmãs Carol e Nana, por serem parte de mim. Por rirem comigo, por
chorarem comigo, por ser, também, a razão do meu lutar. Tudo o que passamos juntas fez
com que o significado de irmandade transcendesse o seu sentido real. Seria possível sermos
mais que irmãs? Como agradecê-las se a mais delicada das palavras ou o mais carinhoso dos
atos são insuficientes e incapazes de expressar o tamanho da minha gratidão? Obrigada por
serem como são e brilharem mais do que milhões de sóis.
Ao meu cunhado, Wesley, pelo cuidado, carinho e respeito. Obrigada por ser
um grande amigo e por em momento algum ter-nos deixado só.
A minha avó, Nilva, por seu amor, ternura e sabedoria. A todos os meus tios e
primos, de maneira especial ao tio Rodrigo, Tarcísio, Moreira, minhas tias Dany, June, Luana
e aos meus primos Chris e Kênia por terem transformado minhas lágrimas em risos. Ao tio
Ericson (in memória), por carinhosamente ter feito parte da minha história, saudade. Tão
intensos foram os momentos que vivemos juntos, doce foi o aconchego que encontrei em
vocês, tamanho foi meu aprendizado, grandioso é meu carinho e gratidão.
À Carla Bronzo, por sua delicadeza, afeto, seriedade, dedicação, compromisso
e competência em me orientar nessa empreitada. Vou sentir saudade: das conversas nos
corredores e jardins, dos momentos de escuta, dos momentos de fala, dos abraços e votos de
boa sorte... Saudade de quem me fez acreditar que, independente de nossas limitações, é
possível realizar aquilo que sonhamos. À Flávia Brasil, Stella Goulart e à Ana Lobosque por
terem participado do tão importante ritual de passagem, a banca de defesa.
A todos os professores do departamento, de uma maneira cordial, ao Alexandre
Queiroz, Bruno Lazarotti, Eduardo Batitucci e Rosânia Rodrigues, grata pelas conversas,
orientações e conselhos. Agradeço também a Cristiane Barreto, Stella Goulart e Maria
Auxiliadora pelas indicações de textos, de pessoas a serem entrevistas e por terem despertado
em mim uma visão crítica sobre o percurso a ser trilhado.
A Fundação de amparo à pesquisa do estado de Minas Gerais - FAPEMIG,
pela bolsa de estudo.
Aos funcionários da Fundação, o meu muito obrigado pelos momentos que
passamos juntos, fosse à secretária, com Rosália, Cristina e Agnes; à cantina com Rafa, Rose,
Jussara, ou à biblioteca com Judith, Roseli, Elisa e Marcilene. Nossas conversas e risos foram
de extrema importância, suavizaram e enriqueceram meus dias.
Aos meus colegas de mestrado, de maneira especial ao Marcus, a Carol e a
Séfora por terem se disposto a trilhar comigo não apenas os ápices, mas os declives
encontrados no percurso. A todos o meu muito obrigado.
Aos meus queridíssimos coristas do Coral Campus em Canto, de maneira
carinhosa, a Carol Candido, Carol Taqueti, Emilly Hanna, pelas longas horas de escuta, pelas
palavras de motivação, pelos sorrisos que sempre me foram dirigidos e pelos abraços
acolhedores. Ao regente Daniel Rezende o meu muito obrigado, pela compreensão, pelo
carinho, amizade e, não menos importante, por ter me ensinado o prazer de cantar.
Aos entrevistados a minha gratidão por terem compartilhado suas histórias,
conhecimentos, agruras, dúvidas e esperanças. A vocês deixo as palavras de Drummond:
Que é loucura: ser cavaleiro andante ou segui-lo como escudeiro? De nós
dois quem é o louco verdadeiro? O que, acordado, sonha doidamente? O
que, mesmo vendado, vê o real e segue o sonho de um doido pelas bruxas
embruxados? Eis-nós, talvez, os únicos malucos, e nos sabendo tal, sem grão
de siso, somos — que doideira — loucos de juízo. (Carlos Drummond de
Andrade).
A Joyce Gonçalves, Rejane Nazário, Joyce E. Souza e Ana Laura Lamounier
pelo que me floreiam a vida, me serenam o espírito e me ensinam sobre a busca do equilíbrio,
muito obrigada. Também agradeço a Ana Claúdia F., Carla F., Julimar P., Daniel F., Breno F.,
Eduardo H., Erica C., Renata G., Carolina, Renata e Cleber Barbosa, Liliane M., Karen S.,
Ana Paula R., Raquel T., Mara A., Leonardo G., Samuel A., Letícia M., Jorge C., Marcelo B.,
Elisangela L, Adão R. e Laura A. em meu percurso sempre se fizeram presentes em luz,
solidariedade e amorosidade. Evidências efetivas que a amizade transcende o tempo e a
distância.
A Mônica Bosco e Luana Carola, aos profissionais do Cersam, Geraldine
Medeiros e André Luiz, pelo profissionalismo, competência e carinho dedicados a mim. Aos
outros funcionários, e aos meus queridos colegas Marcela B., Elizangela, Dudu, Deivinho e
tantos outros que compartilham as agruras do transtorno mental, desejo a vocês o mais belo
dos caminhos, envoltos por rosas, porque os espinhos, esses já conhecemos.
Mais uma vez expresso minha gratidão a todos vocês e a tantas outras pessoas
que de alguma forma me concederam o grande privilégio de cruzar os nossos caminhos e
assim sonharmos juntos os sonhos de cada dia.
Eu sou lúcida na minha loucura, permanente na minha inconstância,
inquieta na minha comodidade. Pinto a realidade com alguns sonhos, e
transformo alguns sonhos em cenas reais. (Martha Medeiros)
RESUMO
Essa dissertação focaliza as inovações ocorridas em torno das ideias sobre a loucura, a
constituição das agendas públicas, assim como a tradução dessas agendas em mudanças
institucionais. Para tanto, fez-se necessário privilegiar as perspectivas teóricas que elucidam
sobre o papel das ideias na formação das agendas governamentais e resgatar a trajetória
traçada pelos discursos e práticas referentes ao “louco”. A partir da experiência do município
de Belo Horizonte no campo da saúde mental, o presente estudo analisa a política municipal
de Saúde Mental buscando identificar a sua constituição, sua trajetória, seus avanços e, por
último, os seus desafios. Analiticamente, busca-se elucidar como a Reforma Psiquiátrica e
suas premissas foram incorporadas na estrutura e nas dinâmicas da política e como tal reforma
vem sendo implementada no município, tendo como eixo a diretriz da desinstitucionalização.
Observa-se que as inovações conceituais, sociais, jurídicas e institucionais ocorridas na
política municipal de Saúde Mental e na práxis da reforma psiquiátrica tem se concretizado a
partir da articulação entre diferentes atores que aproveitaram um contexto sociopolítico
favorável a mudanças e reconheceram que a violação do direito à cidadania das pessoas em
sofrimento mental e a demanda por serviços de atenção a saúde mental era um problema de
política pública. A construção dessa dissertação utilizou métodos de cunho qualitativo, tais
como a pesquisa documental, entrevistas com gestores da política de saúde mental, técnicos
de referências, usuários dos serviços substitutivos e pesquisadores da saúde mental, assim
como análise de dados secundários.
Palavras chave: 1. Saúde Mental – Belo Horizonte. 2. Políticas Públicas. 3.Reforma Psiquiátrica. 4.
Saúde Pública
ABSTRACT
This dissertation focuses on innovations that occurred around ideas about madness, the
establishment of public agendas, as well as the translation of these agendas in institutional
changes. Therefore, it was necessary to focus on the theoretical perspectives that shed light on
the role of ideas in the formation of government agendas and rescue the trajectory traced by
the discourses and practices relating to "crazy". From the experience of the city of Belo
Horizonte in the field of mental health, this study analyzes the municipal politics of Mental
Health in order to identify its constitution, its history, its advances and, finally, their
challenges. Analytically, we try to elucidate how the Psychiatric Reform and its assumptions
were incorporated into the structure and the dynamics of politics and how such reform has
been implemented in the city, with its central guideline of deinstitutionalization. It is observed
that the conceptual innovations, social, legal and institutional occurred in municipal politics
Mental Health and praxis of psychiatric reform has been realized from the articulation
between different actors who took advantage of a favorable socio-political changes and
acknowledged that the breach of right to citizenship for people in mental distress and demand
for care services to mental health was an issue of public policy. It is evident that the
construction of this dissertation used qualitative methods, such as desk research, interviews
with managers of mental health policy, technical references, users of substitute services and
mental health researchers, as well as secondary data analysis.
Keywords: 1. Mental Health - Belo Horizonte. 2. Public Policy 3. Psychiatric Reform. 4.
Public Health
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Critérios e fluxo dos pacientes no CERSAM – BH/MG ....................................... 99
Gráfico 1: Série histórica da expansão dos CAPS - Brasil, 1998 – 2011 ............................. 64
Gráfico 2: Série histórica indicador de cobertura CAPS/100.000 habitantes por região - Brasil
2002 – 2011 ........................................................................................................................... 67
Gráfico 3: Residências Terapêuticas por ano – Brasil, 2002 – 2011 .................................... 68
Gráfico 4: Beneficiários do Programa de volta pra casa por UF – Brasil, 2003 – 2011 ....... 71
Gráfico 5: Leitos psiquiátricos SUS por ano – Brasil, 2002 – 2011 ..................................... 74
Gráfico 6: Série histórica - % de leitos psiquiátricos por porte hospitalar - Brasil, 2002 – 2011
................................................................................................................................................. 76
Gráfico 7: Proporção de recursos do SUS destinados aos hospitais psiquiátricos e aos serviços
extra-hospitalares entre 2002 e 2011 ...................................................................................... 77
Gráfico 8: Evolução do investimento financeiro federal nos Centros de Atenção Psicossocial –
Brasil, 2002 – 2011 ............................................................................................................... 78
Gráfico 9: Número de supervisões clínico-institucionais implantadas por ano, através de
editais – Brasil, 2005 – 2011 ................................................................................................. 67
Quadro 1 – Modelos analíticos de Políticas Públicas ............................................................ 27
Quadro 2 – Agenda-setting – Os Modelos de Kingdon e Baumgartner/Jones ...................... 30
Quadro 3 – Síntese da legislação relativa ao atendimento e prestação de serviços no campo da
saúde mental .......................................................................................................................... 48
Quadro 4 – Trajetória da loucura na sociedade ..................................................................... 50
Quadro 5 – Conferências Nacionais de Saúde Mental .......................................................... 55
Quadro 6 – As macrofusões gestoras do Estado na política de saúde mental ...................... 59
Quadro 7 – Indicador de cobertura CAPS 100.000 habitantes por ano e UF – Brasil, 2002 –
2011 ....................................................................................................................................... 62
Quadro 8 – Parâmetro de cobertura do indicador CAPS/100.000 habitantes ....................... 63
Quadro 9 – Iniciativas de geração de trabalho e renda para pessoas com transtornos mentais –
Brasil, 2005 – 2010 ............................................................................................................... 69
Quadro 10 – Síntese da reforma psiquiátrica em Belo Horizonte ......................................... 88
Quadro 11 – Serviços substitutivos ....................................................................................... 96
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Série histórica CAPS por tipo – Brasil, 2006 – 2011 ............................................ 61
Tabela 2: Centros de Atenção Psicossocial por tipo e UF e indicador CAPS/100.000
habitantes por UF – Brasil, 2011 .......................................................................................... 64
Tabela 3: Residências terapêuticas por UF – Brasil, 2011 ................................................... 66
Tabela 4: Consultórios de rua implantados ou em implantação por UF – Brasil, 2010 ....... 70
Tabela 5: Leitos em hospitais psiquiátricos por UF – Brasil, 2011 ...................................... 72
Tabela 6: Mudança do perfil dos hospitais psiquiátricos – Brasil, 2002 – 2011 .................. 73
Tabela 7: Proporção de recursos do SUS destinados aos hospitais psiquiátricos e aos serviços
extra-hospitalares entre 2002 e 2011 .................................................................................... 75
Tabela 8: Série histórica do número de leitos psiquiátricos existentes em Belo Horizonte . 128
Tabela 9: Série histórica de fechamento de leitos psiquiátricos em BH ............................... 129
LISTA DE SIGLAS
AMP – Associação Mineira de Psiquiatria
ASUSSAM – Associação de Usuários de Saúde Mental
CAPS – Centro de Atenção Psicossocial
CERSAM – Centros de Referência em Saúde Mental
CONASEMS – Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde
CONASS – Conselho Nacional dos Secretários de Saúde
COREN – MG Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais
COSEMS – Conselho de Secretarias Municipais de Saúde
CR – Consultório de Rua
CRAS - Centro de Referência da Assistência Social
CRM/MG – Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais
DNS – Divisão Nacional de Saúde
eCR – equipes dos Consultórios de Rua
HCTP – Hospitais Psiquiátricos e Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
LBHM – Liga Brasileira de Higiene Mental
MÊS – Ministério de Saúde e Educação
NAPS – Núcleo de Atenção Psicossocial
NBDHSM – Núcleo Brasileiro de Direitos Humanos e Saúde Mental
NOB – Normas Operacionais Básicas
PDP – Programa de Desospitalização Psiquiátrica
PNSM – Política Nacional de Saúde Mental
RAPS – Rede de Atenção Psicossocial
SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
SDH – Secretaria de Direitos Humanos
SESAI – Secretaria Especial de Saúde Indígena
SNDM – Serviço Nacional de Doenças Mentais
SUS – Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 17
2 O PAPEL DAS IDEIAS NA FORMAÇÃO DE AGENDA E PRODUÇÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS .................................................................................................. 21
2.1 O papel das ideias na construção e inovação da política de saúde mental: o modelo de
Múltiplos fluxos e o modelo de Equilíbrio Pontuado ...................................................... 28
3 REFORMA PSQUIÁTRICA: A INSTITUIÇÃO DO NOVO PARADIGMA .......... 32
3.1 O mundo do internado: a experiência clássica da loucura ....................................... 32
3.2 Controle e repressão social: os sujeitos e as ideias sobre a loucura ......................... 36
3.3 A construção de novas ideias: a desinstitucionalização como princípio orientador
............................................................................................................................................... 40
3.4 Ideias, atores e instituições: a trajetória da saúde mental nas Conferências Nacionais
............................................................................................................................................... 51
4 O PAPEL DOS ESTADOS NA CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE
SAÚDE MENTAL ................................................................................................................ 56
4.1 O processo de descentralização e o papel dos Estados na política de saúde mental
............................................................................................................................................... 56
4.2 Um retrato sobre a rede de atenção psicossocial: avançamos?................................. 60
5 A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE:
CONQUISTANDO DIREITO À LIBERDADE E À CIDADANIA ............................ 80
5.1 Ideias, atores e instituições: a Reforma Psiquiátrica no âmbito de Minas Gerais
.............................................................................................................................................. 81
5.2 Por uma sociedade sem manicômios: a Reforma Psiquiátrica no Município de Belo
Horizonte ............................................................................................................................ 85
5.2.1 A trajetória da atenção à Saúde Mental em Belo Horizonte: conexões entre iniciativa
municipal e federal .............................................................................................................. 88
5.3 Estender a rede e [re] descobrir os espaços: a saúde mental e a cidade ................. 100
5.3.1 [Re] descobrindo a vida: o papel do acompanhamento terapêutico .......................... 100
5.3.2 [Des] construindo relações sociais: as residências terapêuticas e seus usuários ........ 101
5.3.3 Direito à diferença: atenção à Saúde Mental da Criança e Adolescente .................... 103
5.3.4 [Des] instituir direitos: os consultórios de rua ........................................................... 105
5.3.5 Atenção ao louco infrator: PAI-PJ ............................................................................. 107
5.3.6 A loucura e a arte: 18 de Maio e a Semana da Arte Insensata ................................... 109
5.3.7 [Re] inventando as relações de trabalho: SURICATO .............................................. 111
6 A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE:
CONSOLIDAR AVANÇOS E ENFRENTRAR DESAFIOS ..................................... 114
6.1 Ideias e atores importam, mas o contexto também ................................................... 114
6.2 [Des] institucionalizar ideias, práticas e instituições: a política de saúde mental in
lócus .................................................................................................................................... 117
6.3 De homem-objeto a homem-sujeito: novas idéias sobre a loucura e o louco ......... 122
6.4 Travessia: avanços e desafios na Política de Saúde Mental .................................... 128
7 CONCLUSÃO ................................................................................................................ 132
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 137
17
1 INTRODUÇÃO
Sancho, ninguém foge ao seu destino. O céu fez-me nascer, nesta prosaica
idade do ferro, para ressuscitar a Idade de Ouro dos heróis antigos. Nasci
para os grandes feitos, para as gloriosas façanhas, não sei se já notaste.
Nasci para ressuscitar e continuar os cavaleiros dos séculos passados.
Quanto mais dificuldades, quanto mais lutas, mais alegrias tenho em vencê-
las. Estou sendo chamado, outra vez, pelo mistério, pela adversidade e pela
glória. Aperta, portanto, a cilha do meu Rocinante. Vou enfrentar novo
inimigo, que não sei se é forte ou numeroso. Ouve-lhe os passos... Lá vou eu.
Espera-me aqui, dois ou três dias. Isto é aventura só para cavaleiros
andantes. (Miguel de Cervantes)
O objetivo dessa dissertação é analisar a Política de Saúde Mental do
município de Belo Horizonte, buscando identificar a sua constituição, sua trajetória, seus
avanços e, por último, os seus desafios. Analisou-se se e como a Reforma Psiquiátrica e suas
premissas foram incorporadas na estrutura e nas dinâmicas da política e como tal reforma vem
sendo implementada no município, tendo a desinstitucionalização como eixo a diretriz.
Na tentativa de evidenciar os motivos que me levaram a estudar a Política de
Saúde Mental, me atenho à experiência que tive no campo da saúde mental. Entretanto,
evidencio que mais importante do que falar sobre minhas motivações, é relatar os rastros
construídos e deixados por elas...
Para tanto, me atenho as lembrança. No início do curso de Mestrado em
Administração Pública na Fundação João Pinheiro eu fui acometida por uma série de crises
depressivas, seguidas de crises eufóricas. Crises que, no período de oito meses me levaram,
dentre tantos consultórios, aos serviços substitutivos, Centro de Referência em Saúde Mental -
CERSAM.
Lembro-me, nitidamente do dia 20 de Dezembro de 2011, dia em que foi
encaminhada para o CERSAM. Diferente dos ambientes já frequentados, o CERSAM me
pareceu um lugar de repulsa, onde algumas pessoas cantavam e falavam sozinhas, corriam e
gesticulavam no jardim, outras ofereciam flores a estátuas, outras pareciam olhar para o nada,
literalmente apáticas com relação ao seu entorno, algumas gritavam ou falavam bem alto em
um quarto ao lado do rol de espera, outras puxavam conversa, curiosos por saber o que me
levou aquele lugar.
18
O tempo foi passando e aquele lugar antes de repulsa, tornou-se um lugar
familiar, aqueles que antes me faziam sentir medo por agirem de um jeito diferente tornaram-
se meus companheiros. Muitas foram às histórias compartilhadas, histórias marcadas pela dor
do esquecimento familiar, pela exclusão social, econômica e cultural, pelo enfraquecimento
dos laços sociais, pelos atos cometidos de forma impensada ou impulsiva, pelos períodos de
surtos e crises (depressiva ou/e eufórica), histórias marcadas pelo delírio, pelos efeitos
colaterais dos remédios a serem ingeridos, histórias marcadas pela [des] esperança de dias
melhores.
O lugar a priori de repulsa, subsequente familiar, tornou-se meu objeto de
observação, observações que subsidiaram muitos questionamentos com relação a meu [mal]
estar, com relação aquele cenário e seus atores, com relação ao aparato institucional do
CERSAM. Nesse ínterim, me deparei com o grande desafio de iniciar a escrita do projeto de
dissertação. Mas, eu não tinha um problema de pesquisa, e não tê-lo consiste em um grande
problema. Então, porque não fazer da minha experiência um problema de pesquisa? Seria
possível distanciar do objeto a ser estudado, mesmo estando inserida nele? Como romper com
os conceitos e ideias já estabelecidas? Foi assim, que aflorou em mim o desejo de estudar a
Política de Saúde Mental.
Entre os textos e documentos a serem lidos, lá estava o campo, conversando
comigo, revelando suas conquistas, tornando notórios seus desafios, impondo suas demandas,
enfim, se [des] e [re] construindo a cada dia, a cada história. E assim, as ideias que
precisavam tornar-se mais claras e precisas, se misturavam em um emaranhado de
pensamentos, medos e dúvidas. Distanciar de algo tão presente era, ou melhor, é um grande
desafio, tentativas, a priori, em vão, achei por bem me entregar à leitura, a escuta e a escrita...
Para além dos muros do CERSAM, onde estão os “loucos”? O que eles fazem?
Como encontrá-los?
Responder tais perguntas só foi possível através da minha participação em
reuniões, seminários e eventos no campo da saúde mental, tais como, reuniões do Fórum
Mineiro de Saúde Mental, reuniões da Associação de Usuários dos Serviços de Saúde Mental
– ASUSSAM, reunião da Comissão de Reforma Psiquiátrica, comissão organizadora do 18 de
19
Maio, comissão do concurso da escolha do Samba Enredo, Casal de Mestre Sala e Porta
bandeira, Rainha e Princesa de 2013, visita ao Galba Veloso e a uma residência terapêutica.
Tais encontros foram de grande importância para que eu pudesse identificar e
conhecer quem eram os atores que compunham a rede de saúde mental, fossem profissionais,
usuários, ou simpatizantes a causa. Esses contatos me possibilitaram entrevistar um técnico de
referência da Suricato, uma técnica de referência do “18 de Maio”, uma integrante da
ASUSSAM, dois integrantes da RENILA, um integrante da comissão de reforma psiquiátrica,
dois professores da Escola Nacional de Saúde Pública, um técnico de referência do Serviço de
Urgência Psiquiátrica – SUP, a gerente do Fórum Mineiro de Saúde Mental, a gerente e uma
psicóloga do CERSAM Noroeste, o gerente do centro CERSAMi, a ex-coordenadora de
Política de Saúde Mental de BH, um técnico de referência das Residências Terapêuticas, um
acompanhante terapêutico, coordenadora do SURICATO, a gerente do Centro de Convivência
Padre Eustáquio, um técnico de referência Arte na Saúde, um técnico de referência do
consultório de Rua, dois usuários dos serviços substitutivos que havia passado pelos hospitais
psiquiátricos.
Importa ressaltar que esse trabalho foi subsidiado por métodos de cunho
qualitativo, o que possibilitou a concretização de (19) entrevistas com gestores da saúde
mental, técnicos, usuários dos serviços substitutivos, assim como, a análise de documentos
produzidos na e sobre a saúde mental, como jornal SIRIM, relatórios finais das conferências
nacionais, atas de reunião, exame de documentários, participação de reuniões, seminários e
eventos, assim como, consulta das legislações e normativas do campo da saúde mental, e por
fim, a análise de dados secundários publicados na Revista Dados.
No que tange a estrutura dessa dissertação, elucido que no segundo capítulo,
tendo em vista que o primeiro é a própria introdução, tracei o referencial teórico sobre
políticas públicas a fim de resgatar o papel das ideias na formação das agendas
governamentais, subsidio para a análise da Política de Saúde Mental. O terceiro versa sobre as
ideias construídas acerca da loucura, seu tratamento e, por conseguinte, a construção da
política de saúde mental, considerando, tanto, a ruptura com o paradigma clínico, quando a
construção do princípio da desinstitucionalização. No quarto contextualizo os Estados nas
discussões referentes à saúde mental, e, subsequente seu papel na construção política de saúde
mental. O quinto capítulo diz respeito à Política de Saúde Mental do Município de Belo
20
Horizonte, assim como as ideias, os atores e as instituições que contribuíram para sua
construção. No sexto capítulo verso sobre os desafios e as conquistas no processo de
formulação e implementação da Política de Saúde Mental. Por fim, na conclusão resgatei
alguns pontos discutidos ao longo do trabalho buscando evidenciar que muito se avançou,
mas que ainda é preciso desconstruir as ideias de “incapacidade, irresponsabilidade e
periculosidade atribuídas à experiência da loucura, abrindo o campo para a complexidade e
pluralidade que podemos colher da nossa relação com a condição humana em suas
diversidades subjetivas.” (BARROS, 2008, p.206)
21
2 O PAPEL DAS IDEIAS NA FORMAÇÃO DE AGENDA E PRODUÇÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS
O poder efetivo das ideias não pode ser dissociado dos arranjos das
instituições e dos diferentes interesses econômicos, políticos e sociais
organizados. [...] Há necessidade de qualificar em termos teóricos como
essas relações se estabelecem e qual é a sua dinâmica, enfrentando um
elenco bastante intrigante de questões tanto analíticas como empíricas.
(Peter Hall).
Com o intuito de compreender a mudança na percepção institucional e social
sobre a loucura e a possível inovação produzida na política de saúde mental do município de
Belo Horizonte, este capítulo explora alguns modelos analíticos, buscando construir um
arcabouço teórico capaz de nortear esta análise.
Na literatura sobre o campo da política pública, conforme Sabatier (2007),
cinco vertentes analíticas tem se destacado, a saber: a) a institucional; b) a que privilegia as
redes sociais; c) a da escolha racional; d) a que destaca o papel das ideias, do conhecimento e
da aprendizagem (policy learning); e) a que enfatiza o processo político de produção das
políticas públicas (policy process) (JOHN, 1999). Segundo Faria (2003), inicialmente as
políticas públicas eram estudadas a partir dos outputs - conjunto de decisões relativas ao
sistema político e dos inputs - problemas, questões e demandas originadas no interior do
sistema político. Posteriormente, a ênfase recai sobre o policy process – processo referente à
definição das próprias políticas públicas e os distintos atores envolvidos.
Neste estudo optou-se pela vertente que privilegia o papel das ideias na
produção e inovação de políticas públicas. Essa escolha se baseia no pressuposto de que a
formulação de políticas públicas é permeada por divergências de opinião, percepções e de
interesses. O fato é que, em um contexto marcado pelo conflito de posições, algumas ideias (e
não outras) se transformam em objeto de decisões e ações políticas. Isso significa que, nesse
processo, nem todos os interesses poderão ser contemplados.
Entre os modelos analíticos que buscam explicar a influência das ideias na
constituição e mudança das ações políticas, destacam-se as seguintes abordagens: a) a de
Sabatier e Jenkins-Smith sobre as coalisões de defesa (advocacy coalitions); b) a de Peter M.
Hass sobre as comunidades epistêmicas; c) a de Baumgartner e Jones conhecida como modelo
22
do “equilíbrio pontuado”; e d) a de Jonh Kingdon denominada de múltiplos fluxos (multiple
streams framework) (TRUE et al., 2007; FARIA, 2003; CAPELLA, 2006).
Segundo a primeira abordagem, de Sabatier e Jenkins-Smith (1999), a coalizão
de defesa é constituída por comunidades semi-autônomas (que incluem vários atores e
instituições) que compartilham de um conjunto de crenças políticas (policy beliefs) e atuam
em um dado subsistema de política1. Para esses autores, as mudanças em uma política pública
podem ser produzidas tanto por eventos internos ao subsistema quanto por eventos externos,
envolvendo uma diversidade de atores e instituições. As posições políticas dos atores
envolvidos distinguem os aliados dos oponentes e a interação de ambos garante uma relativa
estabilidade de um subsistema, ao longo do tempo. Quando os membros de cada uma dessas
“coalisões de defesa” não estão dispostos a renunciar às crenças, aos valores e às ideias, um
terceiro grupo de atores, os fazedores de política (policy brokers), busca fomentar o consenso
e reduzir a intensidade do conflito dentro e fora dessas comunidades visando garantir um
novo período de estabilidade no subsistema político (BRAVIN, 2008).
Para Baumgartner e Jones apud Capella (2006), defensores da segunda
abordagem, determinadas questões permanecem restritas às comunidades de especialistas e
outras ascendem à agenda de decisão. O modelo pressupõe que os processos de política
pública são caracterizados por períodos de “equilíbrio” e “pontuados” por momentos de
mudança (TRUE et al., 2007) (GOMIDE, 2008). Para romper com situações de equilíbrio e
processar mudanças de paradigma é necessário criar uma nova ideia ou uma nova imagem da
política (policy image). Desenvolver uma nova imagem para determinada política implica
criar e sustentar um novo contexto institucional, isto é, uma arena2 que forneça os elementos
necessários para que determinado problema seja difundido em subsistemas políticos (policy
venue) e/ou macrossistemas3 e, posteriormente, encaminhado à agenda de decisão. Dessa
forma, algumas questões permanecem restritas aos subsistemas, ao passo que outras são
inseridas no macrossistema, promovendo mudanças na agenda política. Normalmente, as
1 Conjunto de pessoas e organizações que interagem de maneira sistemática durante um período de
tempo para influenciar uma determinada política. (CAPELLA, 2010, p. 16) 2 Arenas são locais institucionais em que as decisões oficiais sobre determinada questão são tomadas
(BAUMGARTNER; JONES apud CAPELLA, 2006, p.32). 3 A comunidade de especialistas (policy communities) atua nos subsistemas políticos e os líderes
governamentais nos macrossistemas (CAPELLA, 2006, p. 40).
23
mudanças produzidas nos subsistemas são geradas de maneira diferenciada nos subsistemas e
macrossistemas, conforme esclarece Capella (2006) na citação seguinte:
Nos subsistemas, prevalecem mudanças lentas, graduais e incrementais,
configurando uma situação de equilíbrio, reforçada pela constituição de um
monopólio de políticas, uma imagem compartilhada e feedback negativo
(questões que não se difundem para além dos limites deste subsistema). As
decisões, em muitos subsistemas, são dominadas por um número pequeno de
participantes que compartilham um entendimento comum sobre uma questão
e criam monopólios, limitando o acesso de novos atores e restringindo o
surgimento de novas ideias. Subsistemas são caracterizados pela
instabilidade, propostas de mudanças são desencorajadas pelo feedback
negativo – pouco ganho dos atores políticos em relação aos investimentos –
resultando em equilíbrio e mudança incremental. (CAPELLA, 2006, p. 42).
Em alguns “momentos críticos”, o equilíbrio é interrompido por períodos de
rápida mudança. Esses momentos ocorrem quando a atenção a uma questão transcende os
limites do subsistema e alcança o macrossistema político (ou a agenda governamental, no
modelo de Kingdon). Mudanças na percepção das questões a transformam em problemas ou
eventos que focalizam a atenção (focusing events). Nesses “momentos críticos”, novas
imagens de política e reorganizações institucionais podem ser estabelecidas, reestruturando o
subsistema. Essas novas ideias e as mudanças nas instituições tendem a permanecer ao longo
do tempo (policy legacy), criando, após um período, um novo estado de estabilidade no
subsistema (CAPELLA, 2006).
Na terceira abordagem Peter M. Hass (1992) ressalta, na formação das
agendas, o papel das comunidades epistêmicas, entendidas como uma rede de profissionais e
experts com conhecimento relevante e que partilham de um conjunto de crenças normativas,
modelos causais, noção de validade causal e uma proposta de política. Importa ressaltar que a
influência da comunidade epistêmica no processo de inserção de novas ideias nas agendas
públicas é condicionada por estruturas de poder e limitada pelo monopólio da política. Isso
significa que determinadas ideias só ultrapassam os limites da comunidade epistêmica quando
rompem com situações de equilíbrio, no qual o debate sobre determinado problema e novas
ideias se restringe a grupos de poder (FARIA, 2003; GOMIDE, 2008).
Já a quarta abordagem, desenvolvida por Jonh Kingdon (1984), ajuda a
entender como determinados problemas atraem a atenção dos tomadores de decisão (decision
makers), como as questões são determinadas e modeladas para se tornarem itens na agenda do
24
governo e, finalmente, como é conduzida a busca por soluções. Na definição de Kingdon
(2006), agenda é a
lista de temas ou problemas que são alvo em dado momento de séria atenção
tanto da parte das autoridades governamentais como de pessoas fora do
governo mas estreitamente associadas ás autoridades. Assim, um processo de
estabelecimento da agenda filtra o conjunto de temas que poderiam ocupar
suas atenções produzindo a lista de temas na qual eles realmente se
concentram. (KINGDON, 2006, p. 222).
Segundo o modelo de Kingdon (1984; 2006) é a convergência de três processos
ou fluxos relativamente independentes que explica como certos problemas entram na agenda
de decisão (streams), enquanto outros, apesar de reconhecidos, não provocam,
necessariamente, uma ação efetiva do governo. Esses processos são: o fluxo do problema
(problems), o fluxo da política pública (policies) e o fluxo da política (politics).
No primeiro fluxo, o autor analisa como os problemas são reconhecidos,
inserindo-se na agenda governamental. Ou seja, de que forma determinadas questões ou temas
obtêm mais atenção dos formuladores de políticas que outros. É essencial compreender que as
questões não se transformam em problemas de maneira automática. Uma questão, embora
seja uma situação social percebida, pode não despertar o interesse dos formuladores de
política. Dessa forma, as questões somente configuram-se como problemas quando se tornam
alvo da decisão ativa dos formuladores de política (KINGDON, 1984; 2006; CAPELLA,
2006). Os problemas são construções sociais, sujeitos a interpretações, ou seja, não são
simplesmente questões ou eventos externos às organizações governamentais, há também um
elemento interpretativo que envolve percepções (KINGDON, 1984; 2006; CAPELLA, 2006).
Inclusive, Menicucci e Brasil (2008) apontam a possibilidade de ocorrer mudanças na
interpretação de um determinado fenômeno social, abrindo espaço para novas orientações de
intervenção pública.
Do ponto de vista estratégico, a definição do problema é uma questão chave na
inserção de uma questão no processo de agenda – setting. Um problema pode ser definido em
função de três variáveis: a) o contexto favorável a desequilíbrios institucionais – eventos,
crises e símbolos; b) os indicadores que evidenciam a necessidade de mudança de dada
realidade social; c) as informações e experiências oriundas da execução de políticas
25
anteriores, cuja prática possibilita a identificação de novos problemas, ou seja, feedback das
ações governamentais (KINGDON, 1984, 2006; GOMIDE, 2008; CAPELLA, 2006).
No fluxo da política pública, Kingdon (1984) analisa como são formuladas as
alternativas de solução para determinado problema político. Em analogia com o processo
biológico de seleção natural, o autor afirma que a geração de alternativas de solução também
passa por um processo de seleção e reformulação no interior das comunidades de
especialistas, integradas por pesquisadores, assessores políticos, representantes de grupos de
interesses, detentores de cargos públicos e outros. Capella (2006) explica que
As idéias a respeito de soluções são geradas em comunidades (policy
communities) e flutuam em um ‘caldo primitivo de políticas’ (policy
primeval soup). Neste ‘caldo’, algumas idéias sobrevivem intactas, outras
confrontam-se e combinam-se em novas propostas, outras ainda são
descartadas. Nesse processo competitivo de seleção, as idéias que se
mostram viáveis do ponto de vista técnico e as que têm custos toleráveis
geralmente sobrevivem, assim como aquelas que representam valores
compartilhados contam com a aceitação do público em geral e com a
receptividade dos formuladores de políticas. Como resultado final, partindo
de um grande número de idéias possíveis, um pequeno conjunto de propostas
é levado ao topo do ‘caldo primitivo de políticas’, alternativas que emergem
para a efetiva consideração dos participantes do processo decisório.
(CAPELLA, 2006, p. 27).
No que se refere aos participantes dos processos decisórios, Kingdon (1984,
2006) separa aqueles que compõem o grupo de atores “visíveis” e os que se inserem no grupo
de atores “invisíveis”. O grupo de atores visíveis são aqueles que recebem atenção da
imprensa e do público em geral – como o presidente, os assessores do alto escalão, os
membros do Congresso – podendo assim contribuir com a visibilidade de determinando tema
na agenda governamental. Já o grupo de atores invisíveis, composto pela comunidade de
especialista, contribui com o planejamento e avaliação de ideias que serão acatadas ou não no
processo de formulação de políticas públicas.
Voltando ao processo de seleção de ideias, a análise de Kingdon (1984, 2006)
torna evidente que o mesmo ocorre em uma esfera marcada por intenso jogo de interesses,
ações estratégicas, conflitos, coerção e demandas, onde os empreendedores de política (policy
entrepreneurs) atuam buscando influenciar a percepção das autoridades sobre problemas e
possíveis soluções para os mesmos. Normalmente, os empreendedores são especialistas em
determinada questão e possuem habilidade para representar ideias de outros indivíduos e
grupos.
26
Como geralmente ocupam uma posição de autoridade dentro do processo
decisório, os empreendedores mantêm conexões políticas que tornam o processo de
formulação de políticas receptivo a suas ideias. Esses atores podem desempenhar um papel
fundamental, unindo soluções a problemas; propostas a momentos políticos; eventos políticos
a problemas. Sem o empreendedor, a ligação entre os fluxos podem não acontecer: ideias
podem não ser defendidas; problemas podem não encontrar soluções; e momentos políticos
favoráveis à mudança podem ser perdidos por falta de propostas (CAPELLA, 2006, p. 31). De
maneira persistente e atuando como hábeis negociadores, os empreendedores difundem suas
concepções de problemas e propostas em diferentes fóruns, investindo recursos materiais,
privilégios sociais ou influência política para dar visibilidade a novas ideias e para angariar a
aceitação da comunidade de políticas e do público em geral. Essa difusão de ideias, discutida
por Kingdon (1984) é registrada por Capella (2006) na citação seguinte.
A difusão de ideias nas comunidades epistêmicas, não ocorre de maneira
automática, uma vez que comunidades bem estruturadas apresentam
tendência a resistirem às novas ideias. A difusão é descrita [...] [por
Kingdon] como um processo no qual indivíduos que defendem uma ideia
procuram levá-la a diferentes fóruns, na tentativa de sensibilizar não apenas
as comunidades de políticas (policy communities), mas também o público em
geral, vinculando a audiência às propostas e construindo progressivamente
sua aceitação. Dessa forma, as ideias são difundidas, basicamente, por meio
de persuasão. A importância desse processo de difusão – chamada de soften
up por Kingdon – vem da constatação de que, sem essa sensibilização, as
propostas não serão seriamente consideradas quando apresentadas. Com o
processo de difusão ocorre uma espécie de efeito multiplicador –
bandwagdon – em que ideias se espalham e ganham cada vez mais adeptos.
Assim, o fluxo de políticas – policy stream – produz uma lista restrita de
propostas, reunindo algumas ideias que sobreviveram ao processo de
seleção. (CAPELLA, 2006, p. 28).
O terceiro fluxo refere-se à dimensão da política que, independentemente do
reconhecimento do problema e das alternativas disponíveis, flui conforme dinâmica própria.
Esse processo envolve o “clima” ou “humor nacional” (nacional moodino), as eleições
governamentais, as alterações nas configurações partidárias ou ideológicas no Congresso
Nacional, a atuação de grupos de interesses. Segundo o autor, o “clima nacional é afetado por
forças políticas oriundas dos grupos de pressão que tanto podem apoiar, favorecendo novas
ideias, quanto podem se opor a determinada ideia, inviabilizando ou aumentando os custos de
sustentação de uma ideia. Igualmente as mudanças ocorridas dentro do próprio governo
(turnover) podem bloquear a entrada ou restringir a permanência de determinadas propostas
27
na pauta de interesse governamental, bem como potencializar a introdução de novas ideias na
agenda. A dinâmica política promovida pela mudança de governo é elucidada por Kingdon
(2006) da seguinte maneira:
Um novo governo, por exemplo, muda as agenda completamente ao enfatiza
as suas concepções dos problemas e suas propostas, e torna bem menos
provável que assuntos que não estejam entre as suas prioridades recebam
atenção. Uma tendência nacional percebida como profundamente
conservadora reduz as possibilidades de novas iniciativas de alto custo, ao
passo que um ambiente nacional mais tolerante permite maiores gastos. A
oposição de uma aliança poderosa de grupos de interesse – não impossibilita,
mas dificulta – que algumas iniciativas sejam contempladas. (KINGDON,
2006, p.230)
Kingdon (1984) sublinha que em determinadas circunstâncias os três fluxos se
convergem, criando “janelas de oportunidades” para que mudanças na agenda sejam
concretizadas, denominadas pelo autor de policy windows. Capella (2006) ressalta que quando
ocorre essa convergência um problema é reconhecido, uma solução está disponível e as
condições políticas são propícias à mudança, permitindo que questões alcancem a agenda
política (CAPELLA, 2006, p. 30). Kingdon (1984) explica que essas janelas se abrem a partir
dos fluxos de problemas e políticas.
Abaixo, um quadro resumo com as principais abordagens teóricas sobre o
processo de formação de políticas públicas.
Quadro 1- Modelos analíticos de Políticas Públicas
Abordagem Autor Ênfase
advocacy coalitions Paul A. Sabatier (2007) Elucida sobre o padrão de alterações
que as políticas públicas estão
sujeitas
multiple – streams John Kingdon (1984) Analisa atores e processos na
definição de agendas e na elaboração
de alternativas.
Comunidades
epistêmicas
Peter M. Hass (1992) Analisa o papel dos experts na
formação das agendas
Equilíbrio Pontuado Baumgartner e Jones (2007) Analisa a produção de políticas
públicas a partir da ênfase nas ideias
que movem soluções e problemas,
destaca a questão institucional.
Fonte: Elaboração da autora.
28
Para além dos modelos mencionados, importa evidenciar que a relevância do
estudo das ideias justifica-se por sua contribuição na análise das mudanças ocorridas em
determinadas políticas, assim como, na promoção de novos valores. Tendo como referência a
política de saúde mental, o estudo das ideias nos permitiu compreender de que forma o
paradigma sobre o louco e a loucura foram modificados ao longo da história, e como as novas
ideias se tornam importantes num determinado momento, chamando a atenção do governo e
passando a integrar sua agenda.
Apesar de suas particularidades, os modelos de análise aqui mencionados
reservam destaque para o papel das ideias no processo de formação e inovação da agenda de
políticas governamentais. É de suma importância esclarecer que ao elucidar sobre esses
modelos buscou-se identificar elementos (atores, instituições, contextos) que contribuíssem
para a análise do processo de formulação e inovação da Política de Saúde Mental do
Município de Belo Horizonte.
2.1 O papel das ideias na construção e inovação da política de saúde mental: o modelo de
Múltiplos Fluxos e o modelo de Equilíbrio Pontuado
Das perspectivas teóricas elucidadas na seção anterior, os modelos
desenvolvidos por Kingdon (1984; 2006) e Baumgartner e Jones (1993) se destacam por sua
capacidade em explicar como ocorre a inserção de novas ideias nas agendas governamentais
e, subsequente, o processo de formulação e inovação de políticas públicas (CAPELLA, 2006).
Ainda sobre os tais perspectivas Capella (2006) tece as seguintes
considerações:
Assim, o modelo de Baumgartner e Jones (1993) apresenta grandes
similaridades com o modelo de Kingdon (2003), analisando a produção de
políticas a partir da ênfase nas ideias que movem soluções e problemas. No
entanto, cabe ressaltar que ao destacar a importância da dimensão
institucional, relacionando ideias e instituições como questão chave para a
compreensão dos períodos de estabilidade e mudança, o modelo de
Baumgartner e Jones supre uma lacuna presente no trabalho de Kingdon
(que não destaca a questão institucional), permitindo ampliar o entendimento
sobre o processo de formulação de políticas. (CAPELLA, 2006, p. 8).
29
Calcada nestes dois modelos analíticos esta seção visou construir um diálogo
entre o modelo de Múltiplos Fluxos - Multiple Streams Model - desenvolvido por Kingdon
(1984; 2006) e o modelo de Equilíbrio Pontuado - Punctuated Equilibrium Model -
desenvolvido por Baumgartner e Jones (1993) com o intuito de melhor compreender como
determinada ideia tornou-se ideia força, quais eram as ideias inovadoras no campo da saúde
mental, o que elas propunham, como os atores se posicionaram frente a elas, como a dinâmica
dessas ideias interferiu na agenda governamental e, por conseguinte, na construção da Política
Pública de saúde mental.
Em síntese, os modelos de fluxos múltiplos e equilíbrio pontuado elucidam que
o processo de definição da agenda governamental ocorre em um ambiente marcado pelo
conflito de interesses e condições de ambiguidade e incertezas. A partir do modelo de fluxos
múltiplos pode-se afirmar que a Política Pública de Saúde Mental no Município de Belo
Horizonte surgiu em meio a um processo sistêmico e contingencial, onde foi reconhecido que
lógica manicomial não atendia as necessidades dos “loucos”, tendo em vista que a mesma
prezava por práticas4 que infringia os direitos humanos e a dignidade humana. (MACHADO,
2008) No que tange a formulação de soluções, optou-se, sobre influência do processo de
desinstitucionalização da Psiquiatria ocorrido na Itália, por reformular o modelo de Atenção à
Saúde Mental e construir uma Rede de Atenção Psicossocial.
Importa elucidar que no caso do município de Belo Horizonte a junção entre o
problema, solução e a inserção dos mesmos na agenda governamental só foi possível porque
havia um contexto político e uma arena institucional que favorecessem um conjunto de
mudanças no campo da saúde mental, dentre elas a possibilidade de convivência social com o
“louco”. “Tal reposicionamento institucional é importante, porque enquanto algumas
jurisdições são refratárias aos argumentos desenvolvidos, outras são favoráveis à condução de
um tema, fornecendo o suporte necessário para o seu encaminhamento e decisão.” (GOMIDE,
2008, p.12).
4 Práticas de controle disciplinar e reeducação do comportamento desviante, tais como, isolamento,
interrogatória, tratamentos – punições como a ducha, os sermões e recompensas, trabalho obrigatório.
Os hospitais psiquiátricos deveriam ser instituições de tratamento, entretanto, se transformaram em
instituições de violação, onde os loucos estavam sujeitos a todo tipo de maus tratos e torturas
(MACHADO, 2008).
30
O modelo de equilíbrio pontuado evidencia que períodos de mudança ocorrem
quando um determinado tema vence o “monopólio da política” (policy monopoly),
caracterizado pela situação na qual um problema é tratado somente dentro das comunidades
técnicas, grupos de poder e subsistemas políticos, chame a atenção do governo e da classe
política, rompendo com a situação de “equilíbrio”. A experiência da política municipal de
saúde mental torna notório que novos discursos e práticas sobre a loucura só foram capazes de
romper com a situação de “equilíbrio”, e fazer com que propostas e problemas fossem
inseridos na agenda de decisão porque um conjunto de atores (profissionais da saúde, usuários
do serviço de saúde mental, familiares das pessoas em sofrimento mental), assim como a
comunidade de especialistas, já estavam mobilizados em prol das ideias antimanicomiais.
Embora compartilhem das mesmas premissas, os modelos aqui abordados
apresentam similaridades, complementando-se em alguns pontos, assim como diferenças, com
o intuito de evidenciá-las faço menção ao seguinte quadro:
Quadro 2 - Agenda-setting – Os Modelos de Kingdon e Baumgartner/Jones
KINGDON MULTIPLE STREAMS
MODEL
BAUMGARTNER E JONES
PUNCTUATED EQUILIBRIUM
MODEL
PROBLEMAS
Não há vínculo causal entre problemas e
soluções. Questões não se transformam
em problemas automaticamente:
problemas são construções que envolvem
interpretação sobre a dinâmica social.
Definição de problemas é fundamental
para atrair a atenção dos formuladores de
políticas. Problemas são representados por
meio de indicadores, eventos, crises e
símbolos que relacionam questões a
problemas.
Não há vínculo causal entre problemas e
soluções. Questões não se transformam
em problemas automaticamente:
problemas são construídos (policy images)
e difundidos. Definição de problemas é
essencial para mobilizar a atenção em
torno de uma questão. Problemas são
representados por meio de componentes
empíricos e valorativos (tone): números,
estatísticas, argumentação, histórias
causais.
SOLUÇÕES
Não são desenvolvidas necessariamente
para resolver um problema. Geradas nas
comunidades (policy communities),
difundem-se e espalham-se (bandwagon)
no processo de amaciamento (soften up).
Soluções tecnicamente viáveis, que
representam valores compartilhados,
contam com consentimento público, e a
receptividade dos formuladores de
políticas têm maiores chances de chegar à
agenda.
Não são desenvolvidas necessariamente
para resolver um problema. Geradas nos
subsistemas, difundem-se e espalham-se
rapidamente (bandwagon). Soluções que
têm imagens fortemente vinculadas a uma
instituição e representam valores políticos
(policy images) têm maiores chances de
chegar ao macrossistema.
31
Continuação
BAUMGARTNER E JONES
PUNCTUATED EQUILIBRIUM
MODEL
KINGDON MULTIPLE STREAMS
MODEL
DINÂMICA
POLÍTICO
INSTITUCIONAL
O contexto político cria o “solo fértil” para
problemas e soluções. “Clima nacional”,
forças políticas organizadas e mudanças
no governo são fatores que afetam a
agenda. Ideias, e não apenas poder,
influência, pressão e estratégia são
fundamentais no jogo político.
O contexto político e institucional exerce
influência sobre a definição de problemas
e soluções. Imagens sustentam arranjos
institucionais (policy venues),
incentivando ou restringindo a mudança
na agenda. Disputa em torno da policy
imagem é fundamental na luta política.
MUDANÇA NA
AGENDA
Oportunidades de mudança (windows)
possibilitam ao empreendedor (policy
entrepreneur) efetuar a convergência de
problemas, soluções e dinâmica política
(coupling), mudando a agenda.
Momentos críticos, em que uma questão
chega ao macrossistema, favorecem
rápidas mudanças (punctuations) em
subsistemas anteriormente estáveis. Policy
entrepreneurs, imagens compartilhadas
(policy image) e a questão institucional
são fundamentais nesse processo.
Fonte: Capella, 1996, p.46.
Esta discussão é aqui resgatada, embora de forma preliminar, porque se
apresenta importante para entender processos de mudança no campo das políticas públicas,
como é o caso da política de saúde mental. Novas ideias, concepções e paradigmas foram
inseridas no debate e passaram a orientar inflexões no campo da política. Esse é o objetivo do
próximo capítulo.
32
3 REFORMA PSQUIÁTRICA: A INSTITUIÇÃO DO NOVO PARADIGMA
O questionamento do sistema institucional transcende a esfera psiquiátrica
e atingi as estruturas sociais que o sustentam, levando-nos a uma crítica da
neutralidade científica – que atua como sustentáculo dos valores dominantes
– para depois tornar-se crítica e ação política. (Franco Basaglia).
No capítulo anterior buscou-se elucidar como novas ideias tornam-se ideias
forças e, por conseguinte, ascendem à agenda governamental. Importa ressaltar que quando
novas ideias conseguem sensibilizar um conjunto de atores e são associadas às dinâmicas
sociopolíticas e a fatores institucionais favoráveis a mudanças, elas tendem a se tornam
influentes e se traduzirem em possíveis inovações no processo de elaboração de políticas
públicas. Neste capítulo, evidenciou-se a trajetória traçada pelo “louco” na sociedade, assim
como, as mudanças ocorridas em torno das práticas e discursos destinados a ele. Dando
sequência ao capítulo anterior buscou-se entender como ocorreu à formulação e a
implementação do paradigma da desinstitucionalização nos serviços destinados as pessoas em
sofrimento mental.
3.1 O mundo do internado: a experiência clássica da loucura
Um ponto chave para iniciar o estudo sobre a saúde mental é entender os
fatores de ordem institucional, estrutural, simbólica e ideacional que circunscreveram as
mudanças política, social, legislativa e cultural ocorridas no sistema da assistência
psiquiátrica. Com o intuito de compreender tal processo, essa seção elucida sobre os
movimentos antimanicomiais, a reforma sanitarista, a reforma psiquiátrica, e por fim, as
inovações que os mesmos proporcionaram, gerando com isso paradigmas e orientação no
campo da saúde mental.
Os “loucos”, quem são esses? O que querem? Para onde vão? Sob a influência
das ideias renascentistas, a loucura5, a priori, se constituiu como um “estado de espírito”
inquietante e perturbador que poderia alterar o status quo de paz e de ordem das paisagens
imaginárias da Renascença. Na busca pela cura, os loucos eram submetidos, ora á rituais de
5 Neste período a loucura representava um desafio para a razão, ela ainda não havia sido neutralizada,
tampouco, domesticada. Essa domesticação, através da qual a razão silencia a loucura a ponto de já
não precisar temê-la, inicia-se com o Grande Internamento.
33
peregrinação através das naus dos loucos, navios altamente simbólicos de insanos em busca
da razão, ora a mortificação dos corpos através de seu aprisionamento em espaços de
exclusão.
A título de exemplo, Foucault (1978), tece as seguintes considerações:
Esses loucos são alojados e mantidos pelo orçamento da cidade, mas não
tratados: são pura e simplesmente jogados na prisão. É possível supor que
em certas cidades importantes – lugares de passagens e de feiras – os loucos
eram levados pelos mercadores e marinheiros em número bem considerável,
e que eles eram ali ‘perdidos’, purificando-se assim de sua presença a cidade
de onde eram originários. (FOUCAULT, 1978, p.11).
A partir da metade do século XVII, a ordem era recolher e confinar os loucos
no mundo do internato6. Mas, que mundo era esse? Qual a sua finalidade? Em síntese, o
internato seria a eliminação espontânea dos “a-sociais” da sociedade clássica, designando,
assim, uma nova reação à miséria, a mendicância e a ociosidade, bem como todas as fontes de
desordens sociais. Por conseguinte, o internamento institucionalizou uma nova forma de
relacionamento do homem com aquilo que pode haver de inumano em sua existência
(FOUCAULT, 1978, p.56).
Doravante, a loucura encontrou hospitalidade entre os muros das prisões, casas
de correção e hospitais psiquiátricos. Instituições definidas como local de residência e
trabalho, onde os loucos, excluídos da sociedade, levariam uma vida fechada e formalmente
administrada. Por ser um local estabelecido para cuidar de indivíduos considerados incapazes
de cuidar de si mesmo e que são também uma ameaça à comunidade, embora não-intencional,
as instituições se configuraram de maneira que a vigilância, o controle e a sanção fossem
mantidos (GOFFMAN, 1987).
Em busca de uma versão sociológica do mundo social do internato Goffman
elucida que:
6 O internato se constituiu como a busca de uma solução moralizante para o problema sócio-
econômico. Importa ressaltar que nessa época o trabalho era visto como o “grande valor moral”, em
contraposição a pobreza era entendida como preguiça. Dessa maneira a internação se institucionalizou
como cura para o pobre, os loucos, os libertinos, os blasfemos, os doentes venéreos, ligados entre si
pela categoria da Desrazão.
34
Quando resenhamos as diferentes instituições de nossa sociedade ocidental,
verificamos que algumas são, muito mais ‘fechadas’ do que outras. Seu
‘fechamento’ ou seu caráter total é simbolizado pela barreira à relação social
com o mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão
incluídas no esquema físico – por exemplo, portas fechadas, paredes altas,
arame farpado, fossos, águas, florestas ou pântanos. A tais estabelecimentos
dou o nome de instituições totais. (GOFFMAN, 1987, p. 16).
As instituições totais, assim denominadas por Goffman (1987), caracterizam-se
não apenas por seu fechamento, mas, também, pelo processo de mortificação do eu impostos
aos indivíduos que ali são inseridos. Isto é, ao ser admitido na instituição o indivíduo é
submetido a uma série de rebaixamentos, humilhações e profanações resultando, assim, na
perda de seu papel civil. Despido do papel antes executado, o internado internaliza outro
papel, agora condizente com o mundo da instituição.
Sobre tal processo, Goffman elucida que:
Nas instituições totais, as várias justificativas para a mortificação do eu são
muito frequentemente simples racionalizações, criadas por esforços para
controlar vida diária de grande número de pessoas em espaço restrito e com
o pouco gasto de recursos. Além disso, as mutilações do eu ocorrem mesmo
quando o internado está cooperando e a direção tem interesse pelo seu bem-
estar. (GOFFMAN, 1987, p. 48).
A mortificação do eu é acompanhado dos processos de desfiguração pessoal e
perda de identidade. Esses processos se efetivam quando os bens pessoais dos internados,
sejam estes, roupas, pentes, cosméticos, toalhas, sabão, aparelho de barbear, dentre outros, são
despojados e, logo em seguida, substituídos por outros bens, agora, padronizados. Dessa
forma, os sentimentos do eu é violado, “a fronteira que o indivíduo estabelece entre seu ser e
o ambiente é invadida e as encarnações do eu são profanadas.” (GOFFMAN, 1987, p. 31).
A mercê do controle, do julgamento e sem ter a menor condição de escolher
seu modo de viver, Basaglia explana que:
o enfermo, logo que internado no hospital, é definido como doente, e todas
as suas ações, participações e reações são interpretadas e explicadas em
termos de doença. Logo, a vida institucional se baseia sobre a negação de
valores aprioristicamente definida, para o internato, que é considerado
irreversivelmente objetivado pela doença, o que justifica, no plano prático-
institucional, a relação objetivante com ela instaurada. (BASAGLIA, 1985,
p.274).
35
Uma vez mortificados e padronizados os internatos são submetidos ao processo
de reorganização pessoal, o qual se efetiva por meio de três elementos, a saber: as regras da
casa, os privilégios e os castigos. As regras da casa se constituem em um conjunto de
prescrições que tornam evidente as exigências da instituição com relação à conduta do
internado. Os outros dois elementos são modos de organização da instituição, dessa forma, se
o internado tiver uma boa conduta em ação e espírito, recebe-se o privilégio, entretanto, caso
seja má, o mesmo é castigado.
Os castigos e privilégios passam ligar-se a um sistema de trabalho interno.
Os locais, de trabalho e os locais de dormir se tornam claramente definidos
como locais onde há certos tipos e níveis de privilégio, e os internados são
frequentemente e visivelmente levados de um local para outro, como um
recurso administrativo para dar o castigo ou o prêmio justificados por sua
cooperação. (GOFFMAN, 1987, p. 52).
Diante do sistema de privilégios e castigos os internados podem
institucionalizar diferentes táticas de adaptação, são elas; a) “afastamento da situação”, o
internado torna-se indiferente aos acontecimentos do entorno, exceto quando refere-se ao seu
corpo; b) “tática de intransigência”, o internato adota uma conduta desafiadora com relação a
instituição; c) “colonização”, o internato se relaciona com a instituição da melhor forma,
buscando internalizar e usufruir do mundo que lhe é oferecido; d)“conversão”, o indivíduo
não apenas internaliza e usufrui o mundo do internato, mas, aparenta estar satisfeito com o
mesmo, representando, assim o papel do internato perfeito, e, por fim, e) “viração”, os
internados agem de acordo com a situação e com seus interesses, dessa forma, ao combinarem
as já mencionadas táticas, os indivíduos internalizam a conduta da civilidade e não arrumam
encrencas (GOFFMAN, 1987).
Ao término do período de internação, segue o processo de reabilitação e
reorganização das atividades sociais. Isso significa que após a internalização das condutas e
valores impostos pelas instituições totais, os internados são, novamente, desposados dos
papeis que haviam sido a eles imputados, para assim retornarem a sociedade. Agora a
angústia do internato é: “será que posso me sair bem lá fora?” A resposta será formulada de
acordo com a finalidade da instituição, caso a instituição seja destinada a formação dos
internados, como, internatos para oficiais, conventos aristocráticos, os indivíduos sairão bem
tendo em vista a possibilidade de continuarem ou iniciarem novas atividades sociais, seja no
trabalho, na escola, ou, no confessionário. Em contrapartida, se a instituição for destinada a
36
cura ou a punição, como prisões e hospitais para doentes mentais os indivíduos,
provavelmente, não se sairão bem, tendo em vista o “estigma” criado pelo processo de
desculturação, entendido como perda ou impossibilidade do indivíduo adquirir novos hábitos
exigidos pela sociedade a qual foi inserido (GOFFMAN, 1987).
3.2 Controle e repressão social: os sujeitos e as ideias sobre a loucura
A vagar pelas ruas das cidades, carregando o estigma da insanidade, alienação
e, quiçá da loucura, os “portadores” de sofrimento mental, até o final do século XVIII e início
do século XIX, eram vistos como indivíduos desprovidos da razão, ameaçadores da ordem e
perturbadores da paz social. Em momentos de crise, os “loucos” eram recolhidos e
confinados, ora nos porões das Santas Casas de Misericórdia, ora em prisões, ora em quartos
próprios ou construções especialmente levantadas para o dado momento. Excluídos do
convívio social e desassistidos de cuidados médicos especializados os “loucos” eram contidos
de forma violenta e desumana. Já os seus delírios, alucinações e agitações eram reprimidos
com o uso de camisas de força e o uso excessivo de remédios.
A ausência de ações do poder público tornou possível a manifestação de tais
ações. Se por um lado os “loucos” oriundos de famílias pobres perambulavam a mendigar
pelas ruas, por outro, os “loucos” oriundos de famílias ricas eram submetidos a cárceres
privados. Esse quadro se repetiu até a década de 1830, período em que um grupo de médicos
higienistas revindicaram por medidas de higiene pública, dentre elas, a construção de um
hospital psiquiátrico apto para ofertar tratamento aos “alienados”. Inaugurado em 1852, na
cidade do Rio de Janeiro, o Hospício Pedro II marcou o princípio da assistência pública ao
doente mental no Brasil (DUARTE, 2008).
Norteados pelos princípios vigentes no Hospital Pedro II, os estados de São
Paulo, Pernambuco, Pará, Bahia, Paraíba, Rio Grande do Sul, Ceará, Alagoas e Amazonas
construíram em seus territórios um conjunto de instituições capazes de assistir os “loucos”.
Dessa forma, em vez de celas insalubres dos hospitais gerais e dos castigos corporais, os
loucos receberiam tratamento humanitário e psiquiátrico sistemático (DUARTE, 2008).
No ano de 1903, a assistência aos “loucos” alcançou a esfera legislativa, dessa
forma, foi aprovada a primeira lei federal brasileira, de n° 1.132 de 22 de Dezembro de 1903,
37
a qual passou a regulamentar e organizar a assistência ao doente mental. No que se refere aos
serviços ofertados para os indivíduos em crise a Lei Federal 1.132 previa a internação em
estabelecimento específico ou domiciliar. Tal reclusão, porém, só era efetivada após a
comprovação da existência da alienação por meio de atestados médicos (QUINTAS;
AMARANTE, 2008).
Se por um lado a Lei Federal 1.132 representou o início do processo de
formulação e implementação da política de saúde mental no Brasil, por outro, em termos
práticos, a aprovação da lei não garantiu transformações sociais na assistência psiquiátrica e
nem na vida dos doentes mentais. Dentre as críticas direcionadas a mencionada lei, ressalta-se
a ausência da participação dos setores sociais, dos técnicos e da comunidade interessada na
elaboração do documento.
Com o intuito de melhor assistir os doentes mentais, um grupo de psiquiátricas
sensibilizado pela causa fundou, no ano de 1923, a Liga Brasileira de Higiene Mental
(LBHM). Como proposta visou-se aprimorar os serviços ofertados aos doentes mentais, seja
em estabelecimentos psiquiátricos públicos/particulares ou em domicílios da família. Em um
segundo momento, as ações da Liga destinaram-se a prevenção do adoecimento mental, para
tanto, buscou-se intervir em vários ambientes sociais, a saber, escola, trabalho, família.
Nesse contexto, a instituição familiar tornou-se fundamental para o tratamento
dos portadores de sofrimento mental. A família passou a exercer o papel de cuidar do alienado
em seu próprio domicílio, acionar a autoridade/internação hospitalar quando o período de
crise persistir mais de dois meses, requerer a retirada do paciente das instituições
psiquiátricas. Importa ressaltar que a atuação da família na assistência dos alienados teve
como respaldo o Decreto nº. 24.559 promulgado em 1934, o qual dispõe sobre a Profilaxia
Mental, a assistência e a proteção aos psicopatas e a fiscalização dos serviços psiquiátricos
(DUARTE, 2008).
Apesar dos avanços conquistados pelo mencionado decreto, o mesmo mostrou-
se inviável diante da complexidade em assistir e proteger os indivíduos considerados
psicopatas por perícia médica. Quando assim declarados, os portadores de sofrimento mental
eram tidos como incapazes de exercer suas atividades pessoal e civil, abdicando-se do direito
de ir e vir e de responder por seus atos.
38
Por fim, no que se refere à “fiscalização dos serviços psiquiátricos, o Decreto
24. 559 instituiu uma comissão inspetora, nomeada pelo governo e composta por juiz de
direito, médico e psiquiatra e procurador da república” (DUARTE, 2008, p. 60).
No ano de 1937, após a reorganização institucional do Ministério de Saúde e
Educação (MES) e da Divisão Nacional de Saúde7 (DNS), iniciou-se uma série de inquéritos
relativos ás condições de assistência psiquiátrica em território nacional. De maneira geral, os
inquéritos evidenciaram ineficiência nos serviços ofertados. Algumas unidades federativas
não possuíam hospitais psiquiátricos, já as existentes revelaram-se precárias, por se ancorarem
em instituições do século XIX (CASSÍLIA, 2011).
Em conformidade com as informações contidas nos inquéritos, elaborou-se o
“Plano Hospitalar Psiquiátrico – sugestões para ação supletiva da União”. Segundo o plano, a
administração da assistência psiquiátrica seria de responsabilidade do governo central, já a sua
efetivação seria delegada aos órgãos estaduais e municipais (CASSÍLIA, 2011). Ao propor a
reforma federal da legislação vigente sobre os serviços psiquiátricos, o plano idealizou a
criação de um órgão centralizador, normatizador e burocrático.
No ano de 1941, concretizou-se a criação do Serviço Nacional de Doenças
Mentais (SNDM). Como proposta visou-se:
Superintender os estabelecimentos oficiais de assistência a psicopatas no
Distrito Federal; [...] planejar, para todo o território nacional, os serviços de
assistência e proteção a psicopatas, orientando, coordenando e fiscalizando
as respectivas atividades, dentro de normas unificadas, relativas também às
instalações e ao funcionamento. (REGIMENTO DO SERVIÇO
NACIONAL DE DOENÇAS MENTAIS apud CASSÍLIA, 2011, p. 71).
A primeira proposta versava sobre a organização dos serviços sanitários e
assistenciais dos estados, que englobava um serviço destinado à assistência a deficientes
físicos e mentais dentro dos Departamentos Estaduais de Saúde; a segunda, referente a um
projeto de resolução sobre a obrigatoriedade do certificado médico pré-nupcial para evitar o
7 Criado em 1937, o MES, assim como a DNS (subordinada diretamente ao MES), tinha por objetivo
normatizar e centralizar as ações de saúde em órgãos federais (FONSECA apud CASSÍLIA, 2011, p.
67).
39
contágio de doenças que “se transmitem de um a outro cônjuge e a sua descendência”, como
doenças venéreas, tuberculose, lepra e doenças mentais. A terceira, por sua vez, tratava da
obrigatoriedade de, em todos os centros de saúde, haver um dispensário de profilaxia e
higiene mentais (FABRÍCIO apud CASSÍLIA, 2011, p. 71).
Em meio a avanços e retrocessos na fiscalização dos serviços, assistência e
proteção dos portadores de saúde mental, a década de 1950 tornou evidente o progresso
científico na área da psicofarmacologia. Entretanto, os psicofármacos contribuíram não só
com a contenção e enfrentamento dos sintomas clínicos e psíquicos da loucura, mas, com o
controle social do louco, resgatando, assim, os resquícios do modelo asilar. A título de
esclarecimento Augusto César Costa elucida que:
O uso indiscriminado e massificado desses medicamentos, distanciando de
outros conhecimentos e objetivos relacionados à reinserção social, utilizados
menos como método terapêutico e mais como instrumentos de
sequenciamento e como instrumentos de silenciamento e controle, fez com
que logo fossem chamados de camisa de força química. (COSTA apud
DUARTE, 2008, p. 62).
O período de 1960 caracterizou-se por uma conjuntura política desfavorável
aos avanços da política de saúde mental. A partir do golpe militar de 64, até os anos 70,
ocorreu o fenômeno da “indústria da loucura”, ou seja, uma exploração comercial dos
serviços destinados a cura da loucura. Dessa forma, houve surgimento demasiado de clínicas
psiquiátricas privadas, acrescido de um elevado número de internações em tempo excessivo.
Neste período, enquanto a população internada do hospital público
permaneceu estável, a clientela das instituições conveniadas saltou de 14.000
em 1965 para 30.000 ao final do período. O movimento de internações
seguiu a mesma tendência, pendendo a balança francamente para o lado da
empresa hospitalar, que em 1965 internou 35.000 pessoas e em 1970,
90.000. (RESENDE apud DUARTE, 2008, p. 63).
Já os hospitais da rede pública, em suas precárias condições de tratamento,
foram reservados aos indivíduos desassistidos da previdência social (RESENDE apud
DUARTE, 2008, p. 63). Desse modo, o tratamento oferecido a toda clientela admitida nos
hospitais psiquiátricos era cada vez pior, e a saúde mental permaneceu à mercê do lucro
(DUARTE, 2008, p. 64).
40
Insatisfeita com os feitos do poder público, em meados da década de 1970, a
sociedade civil se organizou em diversas frentes de enfrentamento do regime militar.
Articulados por meio de movimentos sociais os cidadãos suscitaram críticas acerta da má
qualidade da saúde e da educação, da precária condição habitacional, das crises de
financiamento do Estado, exigindo ampliação do processo de democratização políticas.
3.3 A construção de novas ideias: a desinstitucionalização como princípio orientador
Inserido no cenário italiano das décadas de 60 e 70, o Movimento
Antimanicomial configurou-se a partir do questionamento e da negação do sistema
institucional, tanto no que se refere à esfera psiquiátrica, quanto às estruturas sociais que o
sustentam. Contrário à narrativa que legitimava a relação estabelecida entre doentes, médicos
e enfermeiros, o Movimento Antimanicomial denunciou tanto a premissa de que os doentes
mentais deveriam ser isolados do convívio social em hospitais psiquiátricos, manicômios
judiciários ou nos serviços especializados extramuros, quanto à violência e os maus tratos que
os mesmos estavam sujeitos caso fossem internados (GOULART, 2007, 2004).
Sobre o sistema institucional e as ideais que subsidiavam o movimento
antimanicomial, Basaglia elucida que:
A situação que encontramos nossa instituição apresentava-se altamente
institucionalizada em todos os seus setores: doentes, enfermeiros e
médicos... Tratou-se então de provocar uma situação de ruptura capaz de
descristalizar as funções os três polos da vida hospitalar, dispondo-os em um
jogo de tensões e de contenções em que todos estivessem envolvidos e por
que todos fosses responsáveis. Isso implicava em um “risco”, mas era o
único meio de equiparar em um mesmo nível médicos, e doentes, doentes e
equipe do hospital, todos unidos em torno da mesma causa, unidos em
direção a um objetivo comum. (BASAGLIA, 1985, p. 115).
O Movimento Antimanicomial foi capaz de capitanear uma significativa
mudança nos modos de interpretar o sofrimento mental – códigos e crenças acerca da loucura
e da razão – e nas estratégias para seu enfrentamento. Instituiu-se, assim, um novo olhar sobre
as pessoas doentes internadas nos manicômios, reconhecendo-as como portadoras de direitos
e cidadania. Dessa forma, iniciou-se a construção de um modelo alternativo em prol da
promoção de justiça, promoção da liberdade e a reconstrução dos vínculos comunitários dos
portadores de distúrbios mentais através de ensejos que proporcione a tolerância e a
41
solidariedade, por parte, dos profissionais da saúde em relação àqueles que necessitam de
cuidados (GOULART, 2007; 2004).
Frente às contestações e reivindicações do Movimento Antimanicomial e a
necessidade de reformar e, posteriormente, superar o controle institucional sobre “os loucos e
a loucura” o Estado constituiu uma comissão para propor a revisão da lesgislação psiquiátrica
em vigor, que datava de 1904. Dessa forma, promulgou-se em 1978 a Lei 180, conhecida
como Lei Basaglia8.
Dos méritos da Lei 180, Rotelli tece as seguintes considerações:
Uma lei, portanto, que reorganiza radicalmente o setor da saúde; uma lei que
implicava uma obra de engenharia sanitária muito complexa; uma lei que
estabelecia que todo um pessoal político e institucional, completamente
novo, deveria assumir a responsabilidade sobre a questão da saúde. Era uma
lei que implicava uma concessão ‘universalística’ das necessidades; uma
concessão de direitos gerais de cidadania. (ROTELLI, 2001, p.94).
Ainda sobre a mencionada a Lei 180, importa ressaltar que a mesma tornou
legal, ações antes inexequíveis, tais como:
a proibição de construções de novos hospitais psiquiátricos na Itália;
regulamentou o seqüestro e internação de doentes mentais, de modo a se
evitar arbitrariedades; recolocou o portador de transtornos mentais no centro
do processo de tratamento resgatando a necessidade de consentimento e o
caráter voluntário do processo; garantiu o direito a comunicação e a
informação do usuário; e reorientou a assistência para os serviços extra-
hospitalares. (GOULART, 2007, p.11).
Concomitante ao questionamento do paradigma psiquiátrico e a promulgação
da Lei 180 institui-se o conceito de desinstitucionalização, o que implicou na desmontagem
8 Franco Basaglia foi um psiquiatra Italiano, precursor do Movimento da Reforma Psiquiatria Italiano,
conhecido como Psiquiatria Democrática. Em 1961, assume a direção do Hospital Psiquiatra de
Gorizia (Itália), com o objetivo de transformá-lo em uma comunidade terapêutica, humanizando o
atendimento. Após avaliar a instituição, compreendeu que mais do que humanizá-la era necessário
realizar profundas modificações no modelo psiquiátrico e nas relações da sociedade com a loucura.
Em Trieste, 1970, Basaglia propôs a substituição do modelo assistencial psiquiátrico, por uma rede de
atendimento (serviços de atenção comunitária, emergências, cooperativas, centros de convivência,
moradias assistidas) que resultou no fechamento do hospital psiquiátrico, em 1976. No ano de 1978 foi
aprovado, na Itália, a Lei 180 da Reforma Psiquiátrica Italiana, conhecida como Lei Basaglia (SILVA,
2005).
42
de todas as instituições postas a serviço da exclusão e da segregação dos indivíduos que
perturbavam ou ameaçavam o status da ordem.
A desinstitucionalização não se limitou ao desmantelamento dos manicômios,
mas propiciou a ruptura do paradigma clínico que fundamentava a relação causa-efeito no
processo de análise da constituição da loucura. Destarte, deu-se inicio a construção de um
novo paradigma, subsidiado na relação estabelecida entre possibilidades-probabilidades de
emancipar os indivíduos que sofrem de algum transtorno mental, transformando e
reconstruindo seu papel, sua identidade, sua sociabilidade, seu modo de viver e sentir o
sofrimento (ROTELLI, 2001).
O processo de desinstitucionalização tornou-se efetivo a partir da reconstrução
da complexidade do objeto. Logo, a ênfase não mais recai sobre o processo de “solução-cura”
da doença, mas, sobre a tentativa de “inventar a saúde” e de “reproduzir socialmente o
paciente” através de serviços capazes de colocar em movimento trocas sociais bloqueadas, de
recolher e valorizar cada sujeito, deslocando e desinstitucionalizando seus paradoxos, seus
sintomas, seus símbolos, seus sentidos plurais, a fim de reinscrevê-lo no corpo social
(ROTELLI, 2001).
Sobre o novo modelo institucional, Basaglia elucida que:
[...] não só os doentes, mas, também médicos e enfermeiros que
contribuíram para a realização dessa nova dimensão institucional boa se
veriam prisioneiros de uma prisão sem grades, edificada por eles próprios,
excluídos da realidade sobre a qual pensavam agir, à pressa de serem
reinseridos e reintegrados ao sistema, que dá-se pressa em consertar as falhas
mais desfaçatadamente evidentes apenas para imediatamente inaugurar
outras, mais subterrâneas. (BASAGLIA, 1985, p. 130).
O Movimento Antimanicomial e a desinstitucionalização italiana tornaram-se
referência para futuras iniciativas que também visavam o processo de transformação da
instituição psiquiátrica. Dessa forma, em um contexto marcado pela transição do regime
ditatorial militar à consolidação da democracia, iniciou-se no Rio de Janeiro a organização de
dois movimentos, a saber: o Movimento de Renovação Médica (1970) e o Movimento de
Trabalhadores em Saúde Mental (1978). Em síntese, o Movimento de Renovação Médica
reivindicou por melhores condições de trabalho, reajustes salariais, e controle dos planos de
saúde, tendo em vista o processo de mercantilização da saúde. Já o Movimento de
43
Trabalhadores de Saúde Mental, suscitou incisivos questionamentos e críticas acerta do
modelo de assistência focado em práticas que resultavam em estratégias de exclusão, das
práticas violentas cometidas contra os pacientes, das fraudes de diversas ordem praticadas nos
serviços de saúde mental e, por fim, da transformação da loucura em negócio lucrativo
(DUARTE, 2008).
A constituição de tais movimentos possibilitou o questionamento das políticas
psiquiátricas em voga, as quais preconizavam que para se tratar os indivíduos com algum tipo
de transtorno mental deveria se ausentar do convívio social por um período prolongado, senão
definitivo, e de subjugo à ação técnica e assistencial. Em resposta a tais diretrizes, os
movimentos visaram à desconstrução dos modelos asilares e a substituição dos serviços
ofertados aos portadores de saúde mental, prezando por uma nova cidadania e uma nova ética,
que somada à ideia de emancipação do sujeito, estivesse atenta às novas formas de exclusão
social (GOULART, 2007; 2004).
Consolidou-se, assim, a Reforma Psiquiátrica no Brasil. Essa consistiu em um
processo político e social complexo, composto de atores, instituições e forças de diferentes
origens, que tinham por proposta superar o modelo hospitalocêntrico, ou seja, alterar os
modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde, defender a saúde coletiva, proporcionar a
equidade na oferta dos serviços, e promover o protagonismo dos trabalhadores e usuários dos
serviços de saúde nos processos de gestão e produção de tecnologias de cuidado (DELGADO,
2007).
A ação transformadora da reforma psiquiatra foi se constituindo a partir de um
conjunto de iniciativas, a saber:
Desenvolvimento de ações alternativas e, num segundo momento,
substitutivas ao modelo asilar ou centrado no hospital psiquiátrico. Além
disso, aumento da fiscalização de clínicas e hospitais psiquiátricos e
ocorrendo, paulatinamente, a limitação ao crescimento das estruturas
psiquiátricas e a redução do parque manicomial em todo o país.
(GOULART, 2006, p. 10).
Em meio a denúncias e reivindicações de reforma, no ano de 1987, foi
realizado em Bauru, no Estado de São Paulo o II Congresso Nacional dos Trabalhadores em
44
Saúde Mental9. Evento no qual cunhou-se o lema de ordem “Por uma sociedade sem
manicômios e se estabeleceu o dia 18 de Maio como dia Nacional de Luta Antimanicomial.
(DUARTE, 2008).
Nessa circunstância iniciou-se o esboço do Movimento de Luta
Antimanicomial. Trata-se de um fenômeno associativo de caráter mobilizador e reivindicador
que congregou profissionais de saúde mental, portadores de saúde mental e familiares dos
portadores de sofrimento psíquico em prol do fim dos manicômios (GOULART, 2006).
Tendo como inspiração o processo de desinstitucionalização ocorrido na Itália,
que preconizou o fechamento de manicômios desde o final dos anos 60, o movimento
elaborou e divulgou propostas de regulamentação, legislação e novas propostas de
atendimento assistencial destinadas aos casos de maior gravidade. Tais propostas não se
restringiriam aos serviços clínicos, mas contemplaram o processo de reabilitação sociocultural
dos portadores de saúde mental.
Ainda sobre a desinstitucionalização pretendida pelo Movimento de Luta
Antimanicomial brasileira, Goulart ressalta que:
trata-se de questionar a potencialidade e extensão do discurso médico-
psiquiátrico através de uma leitura que enfrenta os seus efeitos sociais e
políticos. Isto se traduz na procura de superação da assimetria de
contratualidade entre pacientes e profissionais de saúde mental e na
necessidade de ampliação dos direitos humanos aos doentes mentais. [...]
Assim, a desconstrução se processa a partir do interior da instituição
psiquiátrica, com a negação do mandato técnico como elemento
desencadeador e com o apoio à expressão e ação dos portadores de
sofrimento mental que se traduz no estímulo na organização dos usuários,
através da auto-valorização do seu poder contratual nas instituições e nos
contatos interpessoais na sociedade. (GOULART, 2006, p. 13).
No campo legislativo, formulou-se o Projeto de Lei n 3657/89. O projeto Paulo
Delgado, como ficou conhecido, previa a extinção progressiva dos manicômios, substituição
dos serviços por outros recursos assistenciais, regulamentação da internação compulsória.
Apesar de não ter sido transformado em Lei de imediato, o projeto tornou-se fonte de
9 Institui-se o Dia Nacional da Luta Antimanicomial (18 de maio). Era um movimento que pretendia
acabar com os manicômios e hospitais psiquiátricos, em sintonia com as iniciativas ocorridas na Itália
dos anos 70 (LOBOSQUE, 1997; 2001; GOULART, 2004).
45
inspiração para a formulação de leis estaduais e municipais, todas com o mesmo preceito do
projeto inicial (GOULART, 2006).
No ano de 1990, por meio das leis 8.080 e 8.142, houve a regulamentação do
Sistema único de Saúde (SUS), instituído pela Constituição Federal de 1988. Esse sistema
alicerça-se nos princípios de acesso universal, público e gratuito às ações e serviços de saúde;
integralidade das ações, equidade na oferta de serviço, descentralização político e
administrativa de tais serviços, hierarquização da rede e controle social do sistema de saúde a
partir da participação da sociedade (DUARTE, 2008).
Em decorrência da criação do SUS novas diretrizes e ações foram estabelecidas
pelo Ministério da Saúde para efetivar a reforma psiquiátrica:
Mudar o financiamento da área de saúde mental na tabela de procedimentos
do Sistema Único de Saúde; Constituir um conselho permanentemente
composto por Coordenadores, Assessores Estaduais de Saúde Mental para
gerir articuladamente o processo de mudança; Pactuar com a sociedade o
processo de mudança convocando a Conferência Nacional de Saúde Mental;
Assessorar o Parlamento com vistas a alterar a legislação psiquiátrica.
(FERREIRA, 2006).
A promulgação das portarias 189/91 e a 224/92 do Ministério da Saúde foi
outra importante conquista em prol da Reforma Psiquiátrica. Em síntese, a portaria 189/91
objetivou organizar os serviços de saúde mental a partir dos princípios de descentralização,
universalização, hierarquização, regionalização e integralidade das ações; instituir métodos e
técnicas terapêuticas diversas nos vários níveis de complexidade assistencial; garantir a
continuidade da atenção nos vários níveis; multiprofissionalizar a prestação de serviços;
tornar possível a participação social nos processos de formulação, avaliação, monitoramento
das políticas de saúde mental; definir os órgãos gestores locais como responsável pela
complementação da presente portaria normativa e pelo controle e avaliação dos serviços
prestados.
Já a Portaria 224/92 teve por objetivo atribuir funções para o Núcleo de
Atenção Psicossocial – NAPS e para o Centro de Atenção Psicossocial – CAPS. Por serem
unidades de saúde locais/regionalizadas, o NAPS e o CAPS atendem uma população definida
pelo nível local e ofertam serviços de saúde que intermediam o regime ambulatorial e a
46
internação hospitalar, contemplando assim a necessidade por serviços de urgência psiquiátrica
ou de internação hospitalar (AMARANTE; TORRE, 2001; TORRE, 2008).
A ampliação da lei 10.216 de 10 de Abril de 2001, foi de grande importância
para a efetivação da Reforma Psiquiátrica. Como proposta buscou-se a regulamentação dos
direitos da pessoa com transtornos mentais, a extinção progressiva dos manicômios no país, o
redirecionamento da assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento
em serviços de base comunitária, dispondo sobre a proteção e os direitos das pessoas com
transtornos mentais.
Sob os princípios da Reforma Psiquiátrica, no ano de 2003, foi organizado um
colegiado de Coordenadores de Saúde Mental. Entretanto, somente no ano de 2010 através da
Portaria GM 3.796/10 ocorreu a oficialização do Colegiado Nacional de Coordenadores de
Saúde Mental como instância coletiva e participativa de gestão, com o objetivo de evidenciar
e consolidar a necessidade de se criar mecanismos de aperfeiçoamento da gestão tripartite da
Política nacional de Saúde Mental (PNSM) (GOULART, 2007).
Segundo Goulart (2007), o Colegiado se consolidou e demonstrou ser uma
instância eficiente de pactuação da Política Nacional de Saúde Mental. Já participavam do
Colegiado Nacional os Coordenadores Estaduais e de Capitais, os Coordenadores dos
municípios acima de 250.000 habitantes e de municípios com mais de 300 leitos de hospital
psiquiátrico e/ou em processo de desinstitucionalização. Através das instâncias do SUS e do
Ministério da Saúde buscou-se garantir atenção básica e regulamentar os serviços de saúde
destinados a criança, ao adolescente, a mulher, a pessoa com deficiência e do idoso, dentre
outros cidadãos. Para atender as demandas indígenas nas questão dos transtornos mentais,
criou-se o Comitê Gestor da Política de Atenção Integral à Saúde Mental das Populações
Indígenas. Em parceria com a Secretaria Especial de Saúde Indígena, SESAI, o comitê
coordenou e executou o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena em
todo o território nacional (GOULART, 2007).
Já as demandas sociais dos pacientes egressos dos hospitais psiquiátricos, com
história de longa internação psiquiátrica (02 anos ou mais de internação ininterruptos), foram
atendidas pelo Governo Federal a partir da formulação da Lei 10.708, de 2003, intitulada “ De
Volta para Casa”. O objetivo deste programa é contribuir e garantir efetivamente o processo
47
de inserção social dessas pessoas, incentivando a organização de uma rede ampla e
diversificada de recursos assistenciais e de cuidados, facilitadora do convívio social, capaz de
assegurar o bem estar global e estimular o exercício pleno de seus direitos civis, políticos e de
cidadania.
É parte integrante deste Programa o auxílio-reabilitação, pago ao próprio
beneficiário durante um ano, podendo ser renovado, caso necessário (BRASIL, 2003) O
benefício consiste no pagamento mensal de auxílio-pecuniário, no valor de R$ 320,00
(duzentos e quarenta reais) ao beneficiário ou seu representante legal, se for o caso, com
duração de 01 (um) ano. Poderá ser renovado, a partir da avaliação de equipe municipal e de
parecer da Comissão de Acompanhamento do Programa “De Volta Para Casa”.
No que se refere à gestão do Programa “De Volta Para Casa” importa elucidar
que é de responsabilidades dos gestores do SUS:
No âmbito municipal: a) ser responsável pela atenção integral em saúde e
assegurar a continuidade de cuidados em saúde mental, em programas extra-
hospitalares, para os beneficiários do programa; b) selecionar, avaliar,
preencher e encaminhar ao Ministério da Saúde informações cadastrais
necessárias para inclusão dos beneficiários no Programa; c) acompanhar os
beneficiários inseridos no programa. No âmbito estadual: a) acompanhar as
ações dos municípios vinculados ao programa; b) confirmar o município
como apto a se inserir no programa; c) analisar os recursos provenientes das
solicitações indeferidas pelos municípios; d) ter papel articulador entre os
Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico e o município, quanto da
indicação de pessoas daquelas instituições, em condições de serem
beneficiadas pelo programa. No âmbito federal: a) cadastrar os beneficiários
do municípios habilitados no programa por portaria; b) organizar e
consolidar os cadastros dos beneficiários e dos municípios inseridos no
programa; c) zelar pelo monitoramento e avaliação do programa; d) definir
critérios de prioridade de inclusão de beneficiários por municípios; e) julgar
os recursos provenientes do âmbito municipal ou estadual; f) processar
mensalmente folha de pagamento dos beneficiários do programa; g)
constituir Comissão Gestora do Programa de Volta para Casa. (BRASIL,
2003, p. 1).
Instituído no ano de 2006, através da portaria interministerial MS/Secretaria de
Direitos Humanos (SDH), o Núcleo Brasileiro de Direitos Humanos e Saúde Mental
(NBDHSM), tem por finalidade articular sistematicamente os campos da saúde mental e dos
direitos humanos, através de cooperação entre o Ministério da Saúde e Secretaria de Direitos
Humanos, em defesa dos direitos dos usuários. Segundo Goulart (2007), com a instalação de
seu Comitê Executivo, em novembro de 2010, o NBDHSM passou a operar como um
48
dispositivo misto (composto por representantes de órgãos governamentais, da sociedade civil
e universidades), para garantir a não repetição de violações de direitos humanos no campo da
assistência à saúde mental no Brasil e ampliar a capacidade de monitoramento, proteção e
promoção dos direitos humanos no campo da saúde mental.
Evidencia-se, tomando o conjunto de iniciativas e variáveis apresentado, a
transformação cultural, política e social viabilizada pela Reforma Psiquiátrica. Entretanto,
alguns desafios acusam a necessidade de mobilização e esforços sistemáticos na construção
da política de saúde mental. Dentre eles Goulart (2006), evidencia a mercantilização da saúde
mental, desenvolvimento de estratégicas de avaliação qualitativa dos serviços territoriais
antimanicomiais e, por fim, à promoção de integração de ações com os diversos programas
públicos assistenciais e efetivos desenvolvimento de projetos comunitários capazes de
responder à proposta de reabilitação e reintegração daqueles que se tornam usuários dos
serviços de saúde mental.
Quadro 3: Síntese da legislação relativa ao atendimento e prestação de serviços no campo da
saúde mental
Legislação Eixos Principais
Lei Federal 1.132/1903 Regulamentar e organizar a assistência ao
doente mental.
Decreto nº. 24.559/1934 Assistir e proteger os psicopatas e a
fiscalização dos serviços psiquiátricos.
Projeto de Lei n 3657/1989 Extinguir progressivamente os manicômios,
substituindo-os por outros recursos
assistenciais, regulamentando a internação
compulsória
Leis Federais 8.080 e 8.142/1990 Regulamentar o Sistema Único de Saúde,
instituído pela Constituição Federal de 1988
Portaria 189/91 Organizar os serviços de saúde mental
organizar os serviços de saúde mental a partir
dos princípios de descentralização,
universalização,hierarquização,regionalização
e integralidade das ações
Portaria 224/92 Atribuir funções para o Núcleo de Atenção
Psicossocial – NAPS e para o Centro de
Atenção Psicossocial – CAPS.
Lei Federal 10.216/2001 Dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas portadoras de transtornos mentais e
redireciona o modelo assistencial em saúde
mental.
49
Continuação
Legislação
Eixos Principais
Portaria GM 3.796/10 Oficializar do Colegiado Nacional de
Coordenadores de Saúde Mental, com o
objetivo de evidenciar e consolidar a
necessidade de se criar mecanismos de
aperfeiçoamento da gestão tripartite da
Política de Saúde Mental
Lei 10.708, de 2003, intitulada “De volta
para casa”
Viabilizar o processo de inserção social de
cidadãos em sofrimento através de uma rede
de recursos assistenciais e de cuidados.
Fonte: Elaborado pela autora
Pela análise da legislação e normativas orientadoras da política de saúde
mental, percebe-se uma mudança na forma de entender a loucura e na sua própria
denominação dos que por ela são acometidos: loucos, alienados, pessoas em sofrimento
mental. A cada nova designação, tem-se uma reflexão na forma de compreender o problema e
atuar sobre ele.
O quadro abaixo ilustra a trajetória da loucura na sociedade, assim como, o
processo de inovação com que os paradigmas da loucura, do louco e do lócus estão sujeitos.
Observa-se que na Renascença a loucura representava um desafio para razão, entretanto, a
partir do período de grande internação a loucura passa por um processo de domestificação,
dessa forma a razão silencia a loucura a ponto de não precisar temê-la. O período de
Modernismo põe fim ao grande internato e cede espaço para a institucionalização dos
hospitais psiquiátricos, estabelecimento médico destinado aos cuidados dos doentes mentais,
que herda a marca moralizante das antigas instituições de internamento. Finalmente, o Século
XX, representa uma ruptura com os valores, a priori, defendidos, o louco passa a ser
compreendido como um cidadão portador de direitos e a loucura é submetida ao processo de
desospitalização e desinstitucionalização, recusando tecnicismos, repudiando tutelas, dando
assim, espaço para a institucionalização de novas ideias e novas práticas.
50
Quadro 4 - Trajetória da loucura na sociedade
Categoria Período
Até a Idade Média Clássica/ Renascença Modernismo Século XX
Contexto Até final do século XIV
– XV
Final da Nau dos Loucos
Rescimento
Séc.XVI e XVII
Iluminismo,
Racionalismo,
Império da Razão.
DESCARTE: “Penso logo
existo”.
Desenvolvimento da
economia – necessidade de
trabalho,
Lei dos pobres
Fim do século XVIII,
Pós Revolução Francesa,
Revolução Industrial.
Conhecimento Científico
especialidade. Psiquiatria
Pós Segunda Guerra Mundial – Guerra
Fria Mundo dividido Socialismo x
Capitalismo
Questionamento ao hospital psiquiátrico
Reformas Psiquiátricas desospitalização,
desinstitucionalização.
Loucura Manifestação de outro
mundo. Experiência
trágica
Forma de erro ou ilusão
(Perda da verdade).
Acesso a Razão. Consciência
Crítica.
Desvio. Grande Internação
Doença mental, coisa
médica Desordem que
manifesta pelas maneira
de agir e sentir pela
liberdade e vontade do
homem.
Alienação.
Doença mental, transtorno mental, saúde
mental
Louco Espécie de vidente,
alguém que tinha a
capacidade de se
comunicar ou entender
as mensagens dos
deuses.
Sujeito destituído da Razão Doente Mental alienado Cidadão portador de direito.
Lócus Sociedade Hospital Geral Hospital/Manicômio Hospitais Humanizados. Serviços extra-
hospitalares.
Fonte: Heidrich, 2007.
51
3.4 Ideias, atores e instituições: a trajetória da saúde mental nas Conferências Nacionais
A necessidade por serviços de qualidade no âmbito da saúde mental cresceu e
se tornou ainda mais complexa, exigindo assim, a permanente atualização e diversificação das
formas de mobilização, de gestão, articulação política, e, por fim, a construção de estratégias
inovadoras de cuidado. Entretanto, as mudanças ocorridas se entrelaçam com o desafio de
concretizar o processo de reforma psiquiátrica, tanto no campo legislativo, quanto no modelo
assistencial psiquiátrico ofertado as pessoas em sofrimento mental. A análise das
Conferências Nacionais busca identificar as inovações, lacunas e desafios no campo as saúde
mental; elucidar sobre a forma com que as ideias se configuram e cristalizam em novas
agendas políticas e, finalmente; compreender as mudanças ocorridas nas estratégias de
política pública.
Sob a égide dos princípios da Reforma Psiquiátrica ocorreu no Rio de Janeiro a
I Conferência10
de Saúde Mental, em 1987. Sua estruturação contou com três temas centrais,
a saber: a) Economia, sociedade e Estado: impactos sobre saúde e doença mental; b) Reforma
sanitária e reorganização da assistência à Saúde Mental, e c) Cidadania e doença mental:
direitos, deveres e legislação do doente mental.
Como desafio a I Conferência de Saúde Mental precisava superar o
emblemático modelo assistencial, baseado no modelo médico psiquiátrico, considerado caro,
ineficaz, e que, por fim, violava os direitos humanos fundamentais. Para tanto, teve-se como
proposta a implementação da Reforma Sanitária, o fomento de ações e serviços de saúde que
formassem o Sistema único de Saúde Pública, a formação de Conselhos de Saúde, a
democratização das instituições da unidade de saúde, a proibição da construção de novos
hospitais psiquiátricos tradicionais, a implementação de recursos assistenciais alternativos aos
asilares, tais como: hospital-dia, hospital-noite, pré-internações, lares protegidos, núcleos auto
gestionários e trabalho protegido, descentralização e maior capacitação técnica dos
ambulatórios de rede pública, visando melhor poder de resolubilidade, e por fim, a
implementação de equipes multiprofissionais nas unidades básicas.
10 As conferências nacionais consistem em instâncias de deliberação e participação destinadas a prover
diretrizes para a formulação de políticas públicas em âmbito federal. São convocadas pelo Poder
Executivo através de seus ministérios e secretarias, organizadas tematicamente, e contam, em regra,
com a participação paritária de representantes do governo e da sociedade civil (POGREBINSCHI,
2010).
52
A I Conferência torna evidente a necessidade de mudanças estruturais a partir
do processo da reforma psiquiátrica brasileira, a qual buscar transcender o predominante
campo técnico-assistencial, para alcançar uma dimensão mais global e complexa. Isto é, para
tornar-se um processo que ocorre, a um só tempo nos campos técnico-assistencial, político-
jurídico, teórico-conceitual e sociocultural (AMARANTE, 1998, p. 75-76).
Precedida de importantes eventos para o campo da Saúde Mental, como a
organização dos serviços de assistência ao cidadão em situação de transtorno mental, a II
Conferência, datada de 1992 teve como eixos temáticos: a) Psiquiatria, Manicômio e
Cidadania no Brasil; b) A Reestruturação da Assistência Psiquiátrica no Brasil, e por fim; c)
as Tecnologias, Modelo Assistencial e Saúde Mental no Brasil.
A II Conferência representou um marco significativo na história recente da
política de saúde mental, na qual se pôde aprofundar tanto as críticas ao modelo hegemônico,
quanto formalizar o esboço de um novo modelo assistencial, significativamente diverso,
sejam no que diz respeito aos conceitos e valores que deveriam reger a estruturação da rede de
atenção assim como da forma de lidar com as pessoas com a experiência dos transtornos
mentais, a partir de seus direitos de cidadão. As discussões então realizadas legitimaram as
medidas e os processos já em curso naquele período, apontaram as novas iniciativas e as
recomendações de afirmação, garantia e (re) construção dos direitos de cidadania das pessoas
com transtornos mentais e de transformação do modelo assistencial. Estas foram assumidas
como as duas diretrizes principais para o processo de reforma.
Nos anos que se seguiram, diversas iniciativas foram realizadas, dentre as
quais, o desenvolvimento de inúmeras experiências municipais de implementação de novos
modelos de atenção em saúde mental comprometidos com as diretrizes da reforma; a criação
de novas modalidades assistenciais, dispositivos e ações, como CAPS, NAPS, CAIS-Mental,
CERSAM, Oficinas Terapêuticas, Hospitais-dia, Serviços Residenciais Terapêuticos
(moradias assistidas), Centros de Convivência, inclusão da saúde mental na atenção básica e
no PSF, Projetos de Inserção no Trabalho e Cooperativas, Projetos de Intervenção Cultural,
atenção domiciliar e ações comunitárias e territoriais que forjaram práticas inovadoras. Dentre
essas práticas pode-se identificar: novas formas de cuidado da complexidade do sofrimento, a
transformação da relação com os usuários e os familiares, a criação de novos processos de
53
trabalho no cotidiano dos serviços, a inserção no território, a criação e potencialização de
redes sociais e de suporte, o desenvolvimento de múltiplos projetos de inserção no trabalho,
acesso aos direitos e de participação na vida pública.
Além de institucionalizar a política a publicação de portarias ministeriais
possibilitou a reorientação do modelo assistencial através da inclusão de modalidades
assistenciais substitutivas ao hospital psiquiátrico na tabela de financiamento; os processos de
vistorias, fiscalização e recredenciamento dos hospitais psiquiátricos; a criação de várias
Associações de usuários, familiares e profissionais que desenvolvem uma multiplicidade de
projetos e têm propiciado novas formas de participação e inserção social; a criação das
comissões nacional e estaduais de reforma psiquiátrica e em saúde mental vinculadas ás
instâncias de controle social do SUS; a aprovação de leis estaduais e municipais orientadas
pelas diretrizes da reforma; a aprovação da Lei n.° 9.867, a criação de Cooperativas Sociais.
Concomitante ao reconhecimento dessas conquistas e da promulgação da Lei
10.216/2001 persistiram os desafios e as dificuldades do processo de reforma psiquiátrica no
país. A III Conferência realizada no ano de 2001 visou criar uma oportunidade de discussão e
avanço deste processo, para tanto, assumiu-se que o debate principal ocorresse em torno do
eixo temático “Reorientação do Modelo Assistencial”, dentro do qual foram indicados os
seguintes subtemas: recursos humanos, financiamento, controle social, e finalmente, direitos,
acesso e cidadania.
Como dispositivo de discussões, buscou-se encontrar meios eficazes de incluir
a população que não têm acesso a atenção em saúde mental no contexto do SUS; deteriorar o
modelo assistencial com a reestruturação da atenção psiquiátrica hospitalar, além da expansão
da rede de atenção comunitária, com a participação efetiva de usuários e familiares, e por fim
no âmbito da legislação buscou-se, em síntese, criar um novo locus social para a loucura. A
Reforma Psiquiátrica tem na essência de sua motivação a busca incessante do direito e da
cidadania. Por conseguinte, não pode ser dissociada de todas as dificuldades sociais
adquiridas da deterioração da qualidade de vida, da marginalização crescente de grandes
contingentes populacionais e da exacerbação das desigualdades. Desta forma, preconizou-se a
reabilitação psicossocial das pessoas que apresentavam transtornos mentais, mediante
princípios como respeito e recontextualização das suas diferenças, preservação de sua
identidade e cidadania, envolvimento e participação ativa no tratamento por parte dos
54
familiares e responsáveis, horizontalidade nas relações, multiprofissionalidade com
interdisciplinaridade. Esses princípios buscam transformar o hospitalismo e a dependência em
desinstitucionalização e autonomia.
Se por um lado a III Conferência reafirmou os princípios da Reforma
Psiquiátrica Brasileira e comemorou a promulgação da Lei 10.216, por outro, vislumbrou a
complexidade, multidimensionalidade e pluralidade das necessidades em saúde mental, o que
exigiu de todo o campo a permanente atualização e diversificação das formas de mobilização
e articulação política, de gestão, financiamento, normatização, avaliação e construção de
estratégias inovadoras e intersetoriais de cuidado.
Frente a esses desafios, a complexidade e o caráter multidimensional,
interprofissional e intersetorial dos temas e problemas do campo, realizou-se no ano de 2010 a
IV Conferência de Saúde Mental. Essa teve como eixo temático: “Saúde Mental direito e
compromisso de todos: consolidar avanços e enfrentar desafios”. Como Sub-tema buscou-se
discutir sobre: a) as Políticas Sociais e Políticas de Estado: pactuar caminhos intersetoriais, b)
a consolidação da Rede de Atenção Psicossocial e o fortalecimento dos Movimentos Sociais
e, c) a efetivação dos Direitos Humanos e Cidadania como desafio ético e intersetorial.
Apesar dos desafios mencionados, a realização da IV Conferência de Saúde
Mental obteve importantes conquistas, dentre elas, a delimitação do campo da saúde mental
como intrinsecamente multidimensional, interdisciplinar, interprofissional e intersetorial, e
como componente fundamental da integralidade do cuidado social e da saúde em geral. Trata-
se de um campo que se insere no campo da saúde e ao mesmo tempo o transcende, com
interfaces importantes, necessárias e recíprocas com os campos dos direitos humanos,
assistência social, educação, justiça, trabalho e economia solidária, habitação, cultura, lazer e
esportes, etc. A seguir, apresento um quadro com os eixos principais das quatro Conferências
Nacionais de Saúde Mental.
55
Quadro 5 – Conferências Nacionais de Saúde Mental
Conferências/Ano Eixos Principais
I Conferência de Saúde Mental/ 1987 I Economia, Sociedade e Estado: impactos sobre
saúde e doença mental;
II Reforma sanitária e reorganização da
assistência à saúde mental;
III Cidadania e doença mental: direitos, deveres e
legislação do doente mental.
II Conferência de Saúde Mental/ 1992 I Psiquiatria, Manicômio e Cidadania no Brasil;
II Reestruturação da Assistência Psiquiátrica no
Brasil;
III Tecnologias, Modelo Assistencial e Saúde
Mental no Brasil.
III Conferência de Saúde Mental/ 2001 I Reorientação do Modelo Assistencial;
III Acessibilidade;
IV Direitos;
V Cidadania;
VI Controle Social.
IV Conferência de Saúde Mental/
2010
I Políticas Sociais e Políticas de Estado: Pactuar
caminhos intersetoriais;
II Consolidar a Rede de Atenção Psicossocial e
Fortalecer os Movimentos Sociais;
III Direitos Humanos de Cidadania como desafio
ético intersetorial.
Fonte: Elaborado pela autora.
Em síntese buscou-se, através da análise das conferências nacionais de saúde mental,
evidenciar as mudanças conceituais entorno da concepção da loucura, assim como, a inserção
da ideia de cidadania, com progressivo alinhamento com a percepção de novos serviços e
institucionalização de uma nova forma de operação das políticas públicas para esse segmento.
56
4 O PAPEL DOS ESTADOS NA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL E O
RETRATO DA IMPLEMENTAÇÃO DO NOVO MODELO DE ATENÇÃO PSICOSSIAL
O direito à saúde, tanto na política de saúde em geral, como na política de
saúde mental, não se remete a territórios isolados, mas a um sistema
nacional, com vistas à cooperação e interlocução entre os demais entes
federativos. (Aline Simon).
Qual o papel exercido pelos Estados na política de saúde mental? De que forma
esse papel têm sido desempenhado? Os Estados têm sido capazes de diversificar as estratégias
e instrumentos preconizados pela política nacional, de modo a atender às especificidades
regionais? Que recursos os estados possuem para exercer esse papel? Quais seus principais
desafios? Na presente seção buscou-se identificar as estratégias adotadas pelos Estados na
política de saúde mental, por conseguinte, foi evidenciado os dilemas de gestão, as
potencialidades e as dificuldades desta condução. (SIMON; BAPTISTA, 2011).
4.1 O processo de descentralização e o papel dos Estados na política de saúde mental
Inserida em um contexto marcado pela configuração do SUS e pelo movimento
da reforma psiquiátrica, a política de saúde mental consolidou-se simultaneamente ao
processo de descentralização assumido na Constituição de 1988 e na Lei Orgânica da Saúde.
A descentralização constitui um processo nitidamente político, circunscrito a um Estado
nacional, que resulta da transferência (ou conquista) efetiva de poder decisório a governos
subnacionais, que a) adquirem autonomia para escolher seus governantes e legisladores; b)
para comandar diretamente sua administração; c) para elaborar uma legislação referente às
competências que lhe cabem. E, por fim d), para cuidar de sua estrutura tributária e financeira
(ABRUCIO, 2006).
Neste processo ocorreu não apenas, a definição das instâncias governamentais,
União/Estado/Município, mas, a delimitação da competência de cada órgão no que se refere à
formulação de sua própria agenda na área social. Assim, a descentralização refere-se a
variadas formas de transferência de recursos e delegações de atribuições, o que permite a
gestão de políticas por parte de determinado ente federado, independente se sua autonomia
política e fiscal (ARRETCHE, 1996).
57
Além da relação intergovernamental, transferência hierárquica de competências
em níveis diferentes de governo, a descentralização, também, pode implicar na transferência
de atribuições administrativas na mesma instância de governo. Isso ocorre quando serviços
públicos, a priori, de responsabilidade do governo passam, também, a ser ofertados por
entidades da sociedade. A descentralização, de alguma forma, cataliza os serviços públicos,
mas ainda se pauta em um processo de característica variada e paulatina quando se observa a
forma como o Estado brasileiro transfere atribuições de gestão para os demais entes
federativos (CARNEIRO, 2011).
Nesse cenário, a política de saúde mental no âmbito estadual se demonstrou
insipiente, tendo em vista que poucos estados haviam estabelecido coordenações e planos de
saúde mental. Não obstante, nesse mesmo período, criou-se o Colegiado dos Coordenadores
Estaduais de Saúde Mental, constituindo assim, um mecanismo de articulação e negociação
intergovernamental. Se por um lado o Colegiado dos Coordenadores Estaduais de Saúde
Mental viabilizou a construção das normativas nacionais de forma participativa, por outro, o
papel dos estados na condução da política continuou indefinido.
Essa indefinição permaneceu até o ano de 1996, período em que foi retomado o
debate a respeito do papel a ser desempenhado pelos estados na política de saúde mental. No
mesmo ano, o modelo de atenção à saúde foi reordenado, a partir da formulação das Normas
Operacionais Básicas – NOB – as quais implicaram na promoção e consolidação do pleno
exercício, por parte do poder público municipal e do Distrito Federal, da função de gestor da
atenção à saúde dos seus munícipes11
, com a consequente redefinição das responsabilidades
dos Estados, do Distrito Federal e da União, avançando na consolidação dos princípios do
SUS (SIMON; BAPTISTA, 2011).
Desde então, os Estados tornaram-se responsáveis por formular, monitorar,
supervisionar e coordenar as ações assistenciais em saúde mental, como também, gerenciar o
programa de aquisição de medicamentos e os recursos financeiros destinados aos municípios
destituídos da rede pública de atenção ambulatorial nesse setor. Ressalta-se que essa inflexão
de ações e diretrizes no âmbito estadual estava previsto no relatório da II CNSM, dessa forma
Simon e Baptista (2011), elucidam que:
11 Artigo 30, incisos V e VII, e Artigo 32, Parágrafo 1º, da Constituição Federal.
58
O relatório de III CNSM foi o mais completo em termos de atribuições dos
estados na política de saúde mental, prevendo a participação destes na
elaboração de leis e planos, no financiamento e apoio ao processo de
municipalização dos serviços, na atuação na Comissão Intergestores
Bipartide (CIB) e na articulação com as instâncias de controle social.
(SIMON; BAPTISTA, 2011, p.2232).
A criação do Colegiado de Coordenadores de Saúde Mental – CCSM, no ano
de 2002, viabilizou a participação dos estados na discussão sobre os avanços e desafios do
modelo assistencial, assim, como nas funções de formulação de políticas e planejamento,
coordenação federativa, coordenação da atenção, acompanhamento e prestação de serviços
em saúde mental (SIMON; BAPTISTA, 2011).
Ao analisar o papel dos estados na condução da política de saúde mental, no
período de 1990 a 2009, Simon e Baptista (2011) evidenciaram uma maior participação dos
estados na elaboração e planejamento dos planos de saúde mental e na articulação da saúde
mental com a regionalização12
, esforço que resultou em uma expressiva expansão da política
nas unidades federativas. Sumariamente, os estados têm exercido o papel de estruturador e
controlador dos serviços assistenciais, seja na gestão dos leitos psiquiátricos, seja
atendimentos de usuários de droga e álcool através do planejamento da rede e distribuição de
Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Droga13
.
Por fim, ainda sobre os papeis exercidos no âmbito estadual, importa ressaltar,
o empenho dos estados na construção de marcos legais, de normativas inspiradas nas
diretrizes da reforma psiquiátrica e na articulação com o Ministério de Saúde e municípios,
principalmente através de sua participação nos fóruns de deliberação da política, na tentativa
de garantir mecanismos de pactuação de compromissos e arranjos de gestão regional que
fortaleçam os municípios na gestão e prestação de serviços extra-hospitalares (SIMON;
BAPTISTA, 2011). O quadro abaixo sintetiza os papeis exercidos pelos estados na política de
saúde mental no Brasil no período de 1990 a 2009.
12 Para muitos estados, subentende-se que a regionalização estaria ou associada à inserção das ações de
saúde mental nas regiões de saúde, ou inseridas nas propostas de regionalização da saúde prevista no
plano estadual (SIMON; BAPTISTA, 2011, p. 2233). 13
Destaca-se, desde de 2005, maior abertura da política para um conjunto de questões pertinentes à
saúde mental as quais até então, não encontravam espaços de discussão. A entrada desses temas
promoveu maior articulação da saúde mental com diferentes áreas do Ministério da Saúde e também
com áreas de outros ministérios e secretarias especiais (SIMON; BAPTISTA, 2011, p. 2233).
59
Quadro 6 – As macrofunções gestoras do estado na política de saúde mental
Macrofunções Atributos na política de saúde Especificidades da política de
saúde mental
Formulação de
políticas e
planejamento
Definição das regiões de saúde;
repartição de responsabilidades
entre distintas esferas de governo
na gestão do sistema e serviços
das regiões de saúde;
identificação das necessidades de
saúde das populações.
Estruturação das coordenações de
saúde mental; características do
plano de saúde mental;
regionalização e divisão de
responsabilidades entre as esferas
de governo na gestão do sistema de
saúde mental; identificação das
necessidades de saúde mental.
Financiamento
Participação no financiamento do
SUS; alocação regional de
recursos próprios para o
financiamento da saúde;
promoção da programação
pactuada e integrada da
assistência à saúde; mobilização
de recursos e definição de plano
de investimentos.
Participação no financiamento do
SUS (percentual de recursos
próprios destinados às ações de
saúde mental); critérios utilizados
para a alocação de recursos próprios
destinados às ações de saúde
mental; formas e critérios utilizados
para definir os montantes de
recursos a serem transferidos do
Ministério da Saúde para os
municípios.
Coordenação
federativa
Implantação de instâncias de
gestão regional em saúde;
regulamentação da gestão do
sistema e serviços nas regiões de
saúde; promoção da pactuação e
formalização de compromissos
entre entes governamentais em
âmbito regional; fortalecimento da
capacidade institucional dos
municípios e outros órgãos de
gestão descentralizada do SUS em
âmbito regional.
Arranjos adotados para a gestão em
saúde mental (comissões e
colegiados de saúde mental);
instrumentos legais e normativos de
pactuação e formalização de
compromissos em saúde mental;
mecanismos e instrumentos
utilizados para o fortalecimento dos
municípios (visitas, supervisões,
treinamentos).
Coordenação da
atenção
Implantação de mecanismos de
referência e contrarreferência
entre serviços nas regiões de
saúde; regulamentação da
prestação de serviços nas regiões
de saúde; contratualização de
serviços de abrangência regional.
Reestruturação da assistência em
saúde mental; mecanismos de
organização do sistema de
referência e contrarreferência entre
serviços de saúde mental;
intersetorialidade; participação
social.
Monitoramento e
acompanhamento
Existência de serviços voltados
para o controle, avaliação,
monitoramento e auditoria do
sistema e serviços que conformam
as regiões de saúde;
acompanhamento e avaliação de
indicadores com base nos
Mecanismos e instrumentos
utilizados para o acompanhamento
e monitoramento dos serviços de
saúde mental; acompanhamento e
avaliação de indicadores dos
serviços de saúde mental.
60
Continuação
Macrofunções Atributos na política de saúde Especificidades da política de
saúde mental
objetivos e metas propostos no
plano regional de saúde, pactos e
contratos envolvendo gestores e
prestadores de serviços.
Prestação
de serviços
Prestação de serviços de
referência regional por órgão da
Administração Direta ou Indireta
Prestação de ações e serviços, por
meio de órgãos da Administração
Direta ou Indireta vinculados à
Secretaria Estadual de Saúde, nos
diversos campos da atenção à saúde
mental.
Fonte: Simon, 2010; Simon; Baptista, 2011.
4.2 Um retrato sobre a rede de atenção psicossocial: avançamos?
Com respaldo na discussão apresentada na secção anterior, busca-se nessa
apresentar um quadro geral dos programas, ações e serviços da rede hospitalar e
extra‐hospitalar de atenção à saúde mental. Para tanto se fará uso da base de dados do
Ministério da Saúde e do DATASUS, o que permitirá ver os avanços na implementação dos
serviços substitutivos no campo da saúde mental.
De antemão, importa evidenciar que as mudanças ocorridas na estrutura do
atendimento às pessoas com transtorno mental, como o desmantelamento dos manicômios e a
formulação de um modelo assistencial extra hospitalar, representaram um grande avanço na
concretização do processo de reforma psiquiátrica no Brasil, tanto em termos legislativos,
quanto na institucionalização dos serviços substitutivos e no processo de adaptação dos
envolvidos no cotidiano do tratamento psiquiátrico. Entretanto, a promulgação de leis e
portarias, ainda, não garantiram a efetivação de seu conteúdo, tendo em vista que a cobertura
dos serviços psiquiátricos comunitários e os recursos financeiros investidos nos serviços
existentes permanecem insuficientes, faltam profissionais qualificados para o trabalho e o
preparo adequado das famílias e comunidades para o convívio com as pessoas com
transtornos psiquiátricos (BARROSO; BANDEIRA, 201-).
Em contra partida, os impasses no campo da saúde mental tornam-se
exequíveis de serem superados a partir de um posicionamento mais ativo das unidades
61
federativas na formulação e no planejamento das políticas; da elaboração de planos de saúde
mental que articulem com a regionalização da assistência nos territórios e na promoção de um
planejamento participativo; da capacidade dos gestores se articularem intersetorialmente,
assegurando apoio político e trabalho integrado entre todas as linhas e níveis de atuação
governamental no campo da saúde mental; da construção de mecanismos que viabilizem o
acompanhamento e monitoramento dos municípios no que tange o controle dos serviços; da
elaboração de planos que garantam incentivos e recursos novos no contexto do SUS; do
investimento na rede extra-hospitalar e a pactuação de novos compromissos para o
desenvolvimento da política; da qualificação dos profissionais; e por fim, da
institucionalização de uma cultura compromissada com os princípios do SUS e com a
assistência aos usuários dos serviços de saúde mental (SIMON; BAPTISTA, 2011).
Tabela 1: Série histórica CAPS14
por Tipo – Brasil, 2006 – 2011.
Ano CAPS I CAPS II CAPS III CAPSi CAPSad CAPSad III Total
2006 437 322 38 75 138 ‐ 1010
2007 526 346 39 84 160 ‐ 1155
2008 618 382 39 101 186 ‐ 1326
2009 686 400 46 112 223 ‐ 1467
2010 761 418 55 128 258 ‐ 1620
2011 822 431 63 149 272 5 1742
Fonte: Coordenação de Saúde Mental; Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS apud BRASIL,
2012.
A tabela 1 evidencia a expansão dos diferentes tipos de CAPS - voltados aos
cuidados de populações específicas, como crianças e adolescente e usuários de álcool e outras
drogas - a partir do ano de 2006. Importa enfatizar a implementação do CAPS III, tal serviço
representa um grande avanço no que se refere à consolidação da rede de atenção psicossocial
tendo em vista que o mesmo assiste os usuários da rede em horário integral, reduzindo assim
14 O Centro de atenção psicossocial - CAPS é um serviço de saúde aberto e comunitário do SUS, local
de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves
e persistentes e demais quadros que justifiquem sua permanência num dispositivo de atenção diária,
personalizado e promotor da vida. Os CAPS podem ser de tipo I, II, III, álcool e drogas (CAPSad) e
infantojuvenil (CAPSi). Para sua implantação deve-se primeiro observar o critério populacional, cujos
parâmetros são definidos da seguinte forma (Ref.:Portaria GM nº. 336, de 19/02/02): Municípios até
20.000 habitantes – rede básica com ações de saúde mental; Municípios entre 20.000 e 70.000
habitantes – CAPS I e rede básica com ações de saúde mental; Municípios entre 70.000 e 200.000
habitantes – CAPS II, CAPS ad e rede básica com ações de saúde mental; Municípios com mais de
200.000 habitantes – CAPS II, CAPS III, CAPSad, CAPSi e rede básica com ações de saúde mental e
capacitação do SAMU (AMARANTE, 2007).
62
a procura por serviços psiquiátricos convencionais. A tabela, também, nos apresenta que no
ano de 2011 implementou-se um novo componente da Rede de Atenção Psicossocial: o
CAPSad III, que assim como CAPS III, funciona 24 horas, nos 7 dias da semana, mas que de
maneira específica é destinado ao cuidado de pessoas que fazem uso de álcool e outras
drogas. (BRASIL, 2012).
Quadro 7 – Indicador de Cobertura CAPS/100.000 habitantes por ano e UF – Brasil, 2002‐
2011
Unidade
Federativa 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Região Norte 0,12 0,16 0,19 0,21 0,25 0,29 0,31 0,36 0,41 0,45
Rondônia 0,14 0,17 0,2 0,36 0,42 0,55 0,67 0,66 0,7 0,74
Acre 0,17 0,16 0,3 0,29 0,31 0,29 0,29 0,27 0,27
Amazonas 0,03 0,11 0,11 0,1 0,12 0,23 0,45
Pará 0,16 0,21 0,24 0,24 0,27 0,32 0,33 0,39 0,43 0,5
Tocantins 0,25 0,28 0,28 0,27 0,26 0,28 0,35 0,5 0,47 0,47
Região do
Nordeste
0,12 0,18 0,23 0,3 0,5 0,58 0,66 0,72 0,81 0,87
Maranhão 0,04 0,05 0,07 0,23 0,43 0,48 0,59 0,63 0,63 0,65
Piauí 0,03 0,03 0,08 0,22 0,49 0,56 0,58 0,65 0,82 0,91
Ceará 0,25 0,27 0,3 0,35 0,57 0,69 0,79 0,85 0,93 0,95
Rio Grande do
Norte
0,19 0,23 0,27 0,37 0,56 0,63 0,69 0,7 0,84 0,92
Paraíba 0,06 0,13 0,27 0,36 0,73 0,87 0,99 1,11 1,22 1,27
Pernambuco 0,14 0,2 0,24 0,27 0,32 0,36 0,45 0,45 0,55 0,64
Alagoas 0,17 0,21 0,2 0,31 0,69 0,77 0,82 0,81 0,88 0,9
Sergipe 0,11 0,32 0,55 0,66 0,75 0,88 0,9 1,02 1,11 1,16
Bahia 0,08 0,19 0,23 0,25 0,45 0,52 0,6 0,71 0,82 0,87
Região Centro-
Oeste
0,14 0,19 0,23 0,3 0,35 0,37 0,43 0,46 0,49 0,53
Mato Grosso do
Sul
0,16 0,16 0,2 0,35 0,44 0,49 0,51 0,64 0,69 0,69
Mato Grosso 0,25 0,32 0,41 0,55 0,61 0,65 0,68 0,7 0,69 0,69
Goiás 0,1 0,18 0,21 0,24 0,28 0,29 0,38 0,37 0,42 0,5
Distrito Federal 0,7 0,7 0,7 0,11 0,1 0,1 0,22 0,21 0,21 0,25
Região Sudeste 0,26 0,28 0,32 0,34 0,39 0,44 0,47 0,52 0,58 0,63
Minas Gerais 0,26 0,3 0,35 0,38 0,43 0,48 0,51 0,57 0,65 0,69
Espírito Santo 0,17 0,18 0,23 0,28 0,36 0,37 0,39 0,44 0,44 0,44
Rio de Janeiro 0,28 0,29 0,33 0,34 0,39 0,45 0,5 0,5 0,55 0,59
São Paulo 0,26 0,27 0,3 0,33 0,38 0,41 0,45 0,51 0,56 0,64
63
Continuação
Unidade
Federativa 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Região Sul 0,21 0,32 0,38 0,45 0,58 0,69 0,73 0,79 0,87 0,91
Paraná 0,15 0,16 0,21 0,28 0,45 0,6 0,65 0,67 0,72 0,76
Santa Catarina 0,35 0,35 0,43 0,53 0,6 0,68 0,73 0,79 0,87 0,9
Rio Grande do
Sul
0,39 0,44 0,52 0,56 0,68 0,77 0,8 0,9 0,1 1,07
Brasil 0,21 0,24 0,29 0,33 0,43 0,5 0,55 0,6 0,66 0,72
Fonte: Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS apud BRASIL, 2012.
A tabela acima evidencia as modificações ocorridas na rede extra hospitalar de
saúde mental nas regiões federativas no período de 2002 a 2011. Para analisar a mesma é de
grande importância o quadro abaixo que mostra os parâmetros de cobertura do indicador
CAPS/100.000 habitantes. A partir dos mesmos pode-se aferir que as regiões Sul e Nordeste,
têm uma cobertura muito boa no que se refere a oferta de serviços de atenção psicossocial
para cada 100.000 habitantes, já a cobertura das regiões Centro-Oeste e Sudeste, de acordo
com os parâmetros de cobertura, pode ser considerada boa tendo em vista que o indicador das
mesma se encontra entre 0,50 e 0,69 CAPS por 100.000 habitantes, por fim, a região Nordeste
apresenta um cobertura regular, evidenciando a necessidade por maior investimento. Importa
evidenciar que apesar da cobertura assistencial do país no ano de 2011 ter chego a 0,72
CAPS/100.000 habitantes, o que significa um cobertura muito boa, tal indicador não nos
possibilita realizar uma análise precisa tendo em vista a disparidade dos indicadores de
cobertura de cada região federativa. (Brasil: 2012)
Quadro 8 – Parâmetros de Cobertura do indicador CAPS/100.000 habitantes
Parâmetros
Cobertura muito boa (acima de 0,70)
Cobertura boa (entre 0,50 e 0,69)
Cobertura regular/baixa (entre 0,35 a 0,49)
Cobertura baixa (de 0,20 a 0,34 )
Cobertura insuficiente/crítica (abaixo de 0,20 )
Fonte: Brasil, 2012.
O gráfico abaixo torna notório o comportamento do indicador CAPS/100.000
habitantes para as cinco regiões federativas, no período de 2002 a 2011. É expressivo o
crescimento do indicador da cobertura assistencial nas regiões Centro-Oeste, Nordeste, Norte,
64
Sudeste e Sul, sobretudo a expansão da cobertura dos serviços substitutivos nas regiões, Sul e
Nordeste.
Gráfico 1: Série Histórica Indicador de Cobertura CAPS/100.000 habitantes por região –
Brasil, 2002 ‐ 2011
Fonte: Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS apud BRASIL,
2012.
Tabela 2: Centros de Atenção Psicossocial por tipo e UF e Indicador CAPS/100.000
habitantes por UF – Brasil, 2011
UF
Pop
CA
PS
I
CA
PS
II
CA
PS
III
CA
PS
i
CA
PS
ad
CA
PS
ad
III
TO
TA
L
Ind
icad
or
CA
PS
/100.0
00
hab
Acre 732793 1 - - 1 - 2 0,27
Alagoas 3120922 38 6 - 1 2 - 47 0,9
Amapá 668689 - - - 1 2 - 3 0,45
Amazonas 3480937 7 4 1 - 12 0,26
Bahia 14021432 125 32 3 7 16 - 183 0,87
Ceará 8448055 48 29 3 6 17 - 103 0,95
Distrito Federal 2562963 1 2 - 1 3 - 7 0,25
Espírito Santo 3512672 7 8 - 1 3 - 19 0,44
Goiás 6004045 16 16 2 4 - 38 0,5
65
Continuação
UF
Pop
CA
PS
I
CA
PS
II
CA
PS
III
CA
PS
i
CA
PS
ad
CA
PS
ad
III
TO
TA
L
Ind
icad
or
CA
PS
/100.0
00 h
ab
Maranhão 6569683 37 24 1 3 6 - 61 0,65
Mato Grosso 3033991 24 22 2 5 - 33 0,69
Mato Grosso do Sul 2449341 9 6 1 1 4 - 21 0,69
Minas Gerais 19595309 86 44 10 12 21 - 173 0,69
Pará 7588078 24 15 2 2 6 - 49 0,5
Paraíba 3766834 39 8 3 8 8 - 66 1,27
Paraná 10439601 37 28 2 8 22 - 97 0,76
Pernambuco 8796032 28 19 2 7 12 1 69 0,64
Piauí 3119015 30 7 1 1 4 - 43 0,91
Rio de Janeiro 15993583 36 39 1 16 18 1 111 0,59
Rio Grande do Norte 3168133 15 11 1 2 7 - 36 0,92
Rio Grande do Sul 10695532 66 37 17 26 1 147 1,07
Sergipe 2068031 19 4 3 2 4 - 32 1,16
Tocantins 1383453 7 2 - - 1 - 10 0,47
Brasil 190732694 822 431 63 149 272 5 1742 0,72
Fonte: Área Técnica de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS apud BRASIL, 2012.
Ao final do ano de 2011 o país chegou a uma cobertura de 0,72 CAPS/100.000
habitantes. Atualmente 11 estados apresentam uma cobertura acima da média nacional. 18
estados possuem pelo menos 1 CAPS 24h (III ou AD III). Por outro lado, 5 estados ainda não
possuem nenhum CAPSi e 1 estado não possui nenhum CAPSad.
Destaca‐se a implantação de 5 CAPSad III (que são, a partir de 2012,
regulamentados pela Portaria GM nº 130 de 25/12/2012) e o empenho em relação ao estado
do Amazonas que, por conta da recente expansão de serviços, ultrapassou o DF no que tange
a cobertura assistencial em saúde mental (BRASIL, 2012).
66
Tabela 3: Residências Terapêuticas por UF – Brasil, 2011
SRTs NO BRASIL – 2011
UF
Módulos Total de
módulos
Total de
moradores Em
funcionamento
Em
implantação
BA 20 1 21 112
CE 5 4 9 29
ES 5 0 5 37
GO 11 3 14 58
MA 3 1 4 18
MG 77 27 104 518
MS 1 0 1 2
BA 20 1 21 112
PA 0 2 2 0
PB 17 6 23 107
PE 45 24 69 329
PI 4 0 4 22
PR 22 3 25 138
RJ 106 25 131 593
RN 3 0 3 20
SC 4 1 5 31
SE 20 0 20 103
SP 233 52 285 1136
TO 0 1 1 0
TOTAL 625 154 779 3470
Fonte: Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS apud BRASIL, 2012.
A tabela acima refere aos Serviços Residência Terapêuticos – SRTs –
alternativas de moradia construídas segundo o ritmo de fechamento dos leitos psiquiátricos.
Tais serviços tem por objetivo subsidiar o processo de desinstitucionalização e reabilitação
psicossocial de pessoas acometidas de algum sofrimento mental que estiveram internadas em
manicômios, ou seja, a inserção do usuário na rede de serviços, organizações e relações
sociais da comunidade.
O ano de 2011 finalizou com 625 módulos do Serviço Residencial Terapêutico
em funcionamento, sendo que 421 módulos concentram-se na região sudeste. Importa
evidenciar a discrepância de residências terapêuticas implementadas nas regiões federativas, a
região Sudeste possui 67,36% do total das residências terapêuticas implementadas, enquanto,
a região Norte tem apenas 0,48% de dispositivo implementados.
67
Observa-se que a expansão do número de moradias no país ainda é um grande
desafio apesar de 2011 ter-se avançado nos estados em que não havia SRT implantados, assim
como, nos estados que descredenciaram leitos em hospitais psiquiátricos. (BRASIL, 2012).
Gráfico 2: Residências Terapêuticas por ano – Brasil, 2002‐ 2011
Fonte: Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS apud BRASIL, 2012. .
O gráfico acima permite observar que até o ano de 2008 houve importante
crescimento do número de SRTs, com a implantação de 76% do numero atual de serviços.
Nos últimos quatro anos o ritmo de implementação dos serviços residenciais terapêuticos
manteve‐se continuo, com ritmo diminuído em relação ao período anterior, porém com
pequena aceleração em 2011, como consequência do desencadeamento do processo de
fechamento de grandes hospitais Psiquiátricos (BRASIL, 2012).
68
Gráfico 3: Beneficiários do Programa de volta para casa por UF - Brasil, 2003 – 2011
Fonte: Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS/Datasus apud
BRASIL, 2012.
O Programa de Volta Pra Casa ‐ PVC, instituído pela Lei Federal nº 10.708, de
31 de julho de 2003, integra, a partir da Portaria/GM nº 3088, a rede de Atenção Psicossocial
em seu componente “estratégias de desinstitucionalização”. Tal integração promove um
contexto favorável no campo da reinserção social. Sabemos que, em relação ao número de
moradores de hospitais, o PVC apresenta evolução tímida, porém, os investimentos na Rede
de Atenção Psicossocial que marcam o final do ano de 2011 fazem do Programa um potencial
instrumento no campo da reinserção social e resgate de cidadania de pessoas ainda em
situação de internação de longa permanência.
Em fevereiro de 2012 o Programa de Volta Pra Casa alcançou mais de 4 mil
beneficiários em folha de pagamento . Os processos de fechamento de hospitais, em especial
nos estados de Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, contribuem de forma significativa
para o aumento de beneficiários cadastrados no Programa (BRASIL, 2012).
69
Quadro 9 – Iniciativas de geração de trabalho e renda para pessoas com transtornos mentais –
Brasil, 2005- 2010
UF Nº Iniciativas de Geração de
Renda
Acre 3
Alagoas 0
Amapá 14
Amazonas 7
Bahia 48
Ceará 18
Distrito Federal 9
Espírito Santo 5
Goiás 9
Maranhão 11
Mato Grosso 14
Mato Grosso do Sul 13
Minas Gerais 59
Pará 6
Paraíba 25
Paraná 46
Pernambuco 22
Piauí 9
Rio de Janeiro 114
Rio Grande do Norte 14
Rio Grande do Sul 38
São Paulo 99
Sergipe 9
Tocantins 13
Brasil 640
Rondônia 1
Santa Catarina 34
Fonte: Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS e Coordenações
Estaduais e Municipais de Saúde Mental apud BRASIL, 2012.
Da parceria entre o Ministério da Saúde e a Secretaria Nacional de Economia
Solidária/SENAES, do Ministério do Trabalho e Emprego, surge a política de incentivo
técnico e financeiro para as iniciativas de inclusão social pelo trabalho, estabelecendo as
diretrizes para o Programa de Inclusão Social pelo Trabalho. O Programa de Inclusão Social
pelo Trabalho faz parte do componente de reabilitação psicossocial da Rede de Atenção
Psicossocial – RAPS, com vistas à melhoria das condições de vida de seus usuários e
familiares.
70
Tabela 4: Consultórios de rua implantados ou em implantação por UF – Brasil, 2010
Estado n°CR
AC 1
AL 4
AM 2
AP 1
BA 4
CE 3
DF 3
ES 3
GO 6
MA 1
MG 1
MS 2
MT 1
PA 2
PB 3
PE 4
PI 1
PR 3
RJ 8
RN 2
RO 1
RS 6
SC 4
SP 18
TOTAL 92
Fonte: Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS./Datasus apud
BRASIL, 2012.
O Consultório de Rua (CR) nasce como uma estratégia para promoção de
acesso e vinculação de pessoas em situação de rua, com grave vulnerabilidade social e com
maior dificuldade de adesão ao tratamento. Através do trabalho no território, visa acolher e
ofertar cuidados básicos de saúde; ofertar/motivar para tratamento a agravos relacionados ao
consumo de drogas; orientar sobre direitos e políticas públicas em geral e mediar o acesso a
estas políticas.
71
A tabela acima apresenta os 92 Consultórios de Rua selecionados através III
Chamada para Seleção de projetos de Consultório de Rua (2010) e estão sob a
responsabilidade da Área Técnica de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas/DAPES/SAS/MS.
Para 2012, o Consultório de Rua passa a ser denominado “Consultório na Rua”, sendo agora
um serviço no âmbito da Atenção Básica.
Os Consultório de Rua poderão integrar as ações da Atenção Básica, como
Equipes dos Consultórios na Rua (eCR) após o período de 12 (doze) meses desde o início do
financiamento e da execução total do recurso, se adequando a uma das modalidades dispostas
na Portaria nº 122, de 25 de janeiro de 2011 (BRASIL, 2012).
O Gráfico 4 demonstra o processo de redução de leitos em Hospitais
Psiquiátricos no país, desde o ano de 2002. Este processo decorre da reversão planejada e
articulada do modelo de atenção em consonância com a expansão de uma rede de ações e
serviços territoriais. A partir da avaliação do PNASH‐Psiquiatria, 18 Hospitais Psiquiátricos
foram apontados para descredenciamento do SUS, o que vem ocorrendo gradativamente, em
parceria com Estados e Municípios, para implantação da rede substitutiva. Destaca‐se a
continuidade da redução dos leitos em Hospital Psiquiátrico de forma longitudinal com a
migração de macro para micro hospitais e processos de fechamento em transição (BRASIL,
2012).
Gráfico 4: Leitos psiquiátricos SUS por ano – Brasil, 2002 – 2011
Fontes: Em 2002-2003, SIH/SUS, Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras
Drogas/DAPES/SAS/MS e Coordenações Estaduais. A partir de 2004, PRH/CNES e Coordenações
Estaduais apud BRASIL, 2012.
72
.
A tabela 5 apresenta o número de leitos em Hospital Psiquiátricos por Unidade
Federativa. Cabe ressaltar a grande variação da proporção de leitos nos diferentes Estados.
Notoriamente no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina a proporção de
leitos está muito acima da média nacional.
Tabela 5: Leitos em hospitais psiquiátricos por UF – Brasil, 2011
UF População Nº hospitais Leitos SUS Leitos por
10.000 hab.
AC 15993583 1 53 0,03
AL 3120922 5 880 2,8
AM 41252160 1 126 0,03
BA 10439601 7 832 0,8
CE 8796032 7 928 1,06
DF 6004045 1 85 0,14
ES 3766834 3 620 1,65
GO 3168133 10 1171 3,7
MA 3512672 3 663 1,89
MG 2068031 17 2242 10,84
MS 19595309 2 200 0,1
MT 1383453 2 202 1,46
PA 8448055 1 56 0,07
PB 6249682 5 706 1,13
PE 6569683 13 2028 3,09
PI 2449341 1 160 0,65
PR 10695532 15 2460 2,3
RJ 3033991 33 5819 19,18
RN 14021432 4 572 0,41
RS 3119015 6 801 2,57
SC 732793 4 670 9,14
SE 2562963 2 280 1,09
SP 7588078 54 10570 13,93
TO 3480937 1 160 0,46
Total 188.052.277 198 32.284 1,717
Total Brasil 190.732.694 1,693
Fonte: Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS./Datasus apud
BRASIL, 2012.
Estados como Pará, Acre e Amazonas, por apresentarem um único hospital em
seus territórios, demonstram percentual abaixo da média nacional, em comparação com outros
73
estados. Entretanto, demandam maior incentivo à organização de redes de atenção
psicossocial com especificidades geográficas, sócio‐culturais e consequentemente o aumento
da acessibilidade (BRASIL, 2012).
Tabela 6: Mudança do perfil dos hospitais psiquiátricos – Brasil, 2002 ‐ 2011
Faix
as/
Port
es
Hosp
itala
res 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
N % N % N % N % N % N % N % N % N % N %
Até
160
leit
os
12.3
90
24,1
1
14.3
01
29,6
1
15.6
16
34,0
9
16.1
55
38,3
9
16.8
29
42,5
3
16.7
09
43,9
8
16.8
46
45,7
8
15.8
15
45,7
8
15.9
33
48,6
7
15.9
91
49,5
3
De
161 a
240
leit
os
11.3
14
22,0
1
10.4
71
21,6
8
9.9
59
21,7
4
9.1
38
21,7
2
8.2
34
20,8
1
7.2
99
19,2
1
7.0
42
19,2
1
6.7
66
19,5
5
7.0
03
21,3
9
7.1
57
22,1
7
De
241 a
400
leit
os
12.5
64
24,4
5
12.4
76
25,8
3
10.8
83
23,7
5
9.0
13
21,4
2
8.1
28
20,5
4
8.4
74
22,3
2
7.5
90
22,3
2
7.4
71
21,5
9
6.0
01
18,3
3
5.7
52
17,8
2
Aci
ma
de
400
leit
os
15.1
25
29,4
3
11.0
55
22,8
9
9.3
56
20,4
2
7.7
70
18,4
7
6.3
76
16,1
2
5.5
06
14,4
9
5.3
19
14,4
9
4.5
49
13,1
5
3.7
98
11,6
3.3
84
10,4
8
Tota
l
51.3
93
100
48.3
03
100
45.8
14
100
42.0
76
100
39.5
67
100
37.9
88
100
36.7
97
100
34.6
01
100
32.7
35
100
32.2
84
100
Fontes: Em 2002-2003, SIH/SUS, Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras
Drogas/DAPES/SAS/MS e Coordenações Estaduais. A partir de 2004, PRH/CNES e Coordenações
Estaduais apud BRASIL, 2012.
Com o PNASH/Psiquiatria e o Programa de Reestruturação da Assistência
Psiquiátrica (PRH), observa‐se, desde 2002, uma mudança do perfil dos hospitais
psiquiátricos a partir da redução de leitos. Tal cenário foi reforçado com a publicação da
Portaria GM 2.644/09, de 28 de outubro de 2009, que vem induzindo o sistema, a partir do
reagrupamento dos hospitais psiquiátricos em 4 classes, a remunerar melhor os hospitais de
menor porte. Esta mudança estrutural contribui para a qualificação do atendimento, redução
74
dos problemas presentes nos macro‐hospitais e se configura como uma estratégia, em
contextos mais difíceis, de fechamento processual de leitos (BRASIL, 2012).
Gráfico 5: Série histórica ‐ % de leitos psiquiátricos por porte hospitalar – Brasil, 2002 – 2011
Fontes: Em 2002-2003, SIH/SUS, Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras
Drogas/DAPES/SAS/MS e Coordenações Estaduais. A partir de 2004, PRH/CNES e Coordenações
Estaduais apud BRASIL, 2012.
O Gráfico acima nos mostra o processo de migração dos leitos de hospitais de
maior porte para hospitais de menor porte sem a criação de novos leitos ou novos hospitais
psiquiátricos (dezembro de 2002 a julho de 2011) Destaca‐se a curva crescente que representa
a porcentagem de Hospitais Psiquiátricos de menor porte e reflete a mudança de perfil
(BRASIL, 2012).
A tabela abaixo informa a evolução dos gastos federais da Política de Saúde
Mental durante o período 2002‐2011. Especificamente para o último ano, os dados
apresentados correspondem a uma apuração parcial das informações disponibilizadas pelos
sistemas de monitoramento do Ministério da Saúde, tendo em vista que os gestores estaduais
e municipais têm prazo até junho/2012 para inserir e/ou corrigir informações de produção
através do sistema DATASUS.
75
Tabela 7 – Proporção de recursos do SUS destinados aos hospitais psiquiátricos e aos serviços
extra‐hospitalares entre 2002 e 2011
Gastos Programa de
Saúde Mental *
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Ações e programas
extra‐hospitalares
153,3
1
226
287,3
5
406,1
3
541,9
9
760,4
7
871,1
8
1012,3
5
1.2
80,6
0
1.2
90,7
0
Ações e programas
hospitalares
465,9
8
452,9
3
465,5
1
453,6
8
427,3
2
439,9
458,0
6
482,8
3
534,2
5
522,0
7
Total
619,2
9
678,9
4
752,8
5
859,8
1
969,3
1
1.2
00,3
7
1329,2
4
1495,1
8
1.8
14,8
5
1.8
12,7
7
% Gastos
Hospitalares/Gastos
Totais 75,2
4
66,7
1
61,8
3
52,7
7
44,0
8
36,6
5
34,4
6
32,2
9
29,4
4
28,8
% Gastos Extra
Hospitalares/Gastos
Totais 24,7
6
33,2
9
38,1
7
47,2
3
55,9
2
63,3
5
65,5
4
67,7
1
70,5
6
71,2
Orçamento
Executado Ministério
da Saúde **
28.2
93,3
3
30.2
26,2
8
36.5
38,0
2
40.7
94,2
0
46.1
85,5
6
49.4
89,3
7
54.1
20,3
0
62,9
19,1
0
67.3
39,2
8
78.5
61,2
7
% Gastos Programa
de Saúde
Mental/Orçamento
MS
2,1
9
2,2
5
2,0
6
2,1
1
2,1
2,4
3
2,4
6
2,3
8
2,7
2,3
1
Gastos MS em Ações
e Serviços Públicos
de Saúde***
24.2
93,3
4
27.1
81,1
6
32.7
03,5
0
37.1
45,7
8
40.7
50,5
9
45.8
03,7
4
48.6
70,1
9
58,2
70,2
6
61.9
65,2
0
72332,2
8
% Gastos Programa
de Saúde Mental/
Gastos CASPS 2,5
5
2,5
2,3
2,3
1
2,3
8
2,6
2
2,7
3
2,5
7
2,9
3
2,5
1
Fontes: Subsecretaria de Planejamento e Orçamento/SPO/MS, DATASUS, Coordenação de Saúde
Mental, Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS apud BRASIL, 2012. .
Notas: *Em Milhões de Reais; ** Empenhado; *** Ações relativas à promoção, proteção, recuperação
e reabilitação da saúde (excluídas Amortização da Dívida, Pessoal ‐Inativo, Fundo de Erradicação da
Pobreza). Apoio Técnico: Área de Economia da Saúde e Desenvolvimento/SE/MS apud BRASIL,
2012.
76
Até o momento os valores apurados chegam a 2,31 % do Orçamento Total da
Saúde. Se considerarmos apenas os Gastos federais com ações e serviços de Saúde (ASPS), o
investimento federal em saúde mental em 2011 chega a 2,51% do total gasto pelo Ministério.
Ao comparar as informações atuais com o ano anterior, percebemos uma diminuição no valor
total de gastos, porém é necessário contextualizar que em 2010 o Ministério da Saúde pôde
contar com recursos extraordinários, decorrentes da Medida Provisória nº 498, de 28 de julho
de 2010, que estabeleceu recursos no montante de R$ 90 milhões para o Ministério da Saúde e
R$ 35 milhões para a Secretaria Nacional sobre Drogas, para ações em saúde relacionadas ao
crack, álcool e outras drogas.
Apesar de não contar com recursos extraordinários em 2011, ainda assim foi
possível aumentar o valor gasto com a rede extra‐hospitalar em relação ao ano anterior. Para o
ano de 2012 espera‐se um aumento significativo do investimento financeiro da Rede de
Atenção Psicossocial, por conta do recente reajuste dos valores pagos aos CAPS, da
instituição do custeio mensal para os SRTs, da criação de novos dispositivos de cuidado de
base comunitária e do investimento para qualificação da rede como um todo (BRASIL, 2012).
Gráfico 6: Proporção de recursos do SUS destinados aos hospitais psiquiátricos e aos serviços
extra‐hospitalares entre 2002 e 2011
Fontes: Subsecretaria de Planejamento e Orçamento – SPO/MS, DATASUS, Coordenação de Saúde
Mental, Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS apud BRASIL, 2012.
77
.
O ano de 2006 marcou a inversão dos gastos na rede de atenção psicossocial,
em que o investimento na rede de serviços e ações extrahospitalares superou os gastos com a
rede hospitalar. Em 2011 podemos observar a continuidade desta tendência, que reafirma o
compromisso da gestão federal com o investimento em uma rede de atenção com ações e
serviços diversificados, de base comunitária e que proporcionam o exercício dos direitos
civis, acesso ao trabalho, educação, cultura e o fortalecimento dos laços familiares e
comunitários (BRASIL, 2012).
O Gráfico acima permite visualizar o aumento da média de recursos
financeiros federais aplicados no custeio dos CAPS (em vermelho), em função do aumento do
número de serviços (em azul). É nítido o congelamento do financiamento a partir dos anos de
2007 e 2008, que coincide tanto com a alteração dos códigos dos procedimentos dos CAPS na
nova tabela unificada de procedimentos do SUS, quanto com o novo modelo de
financiamento proposto pela Portaria GM nº 2.867, de 27 de novembro de 2008, que fixou o
custeio dos CAPS com base da série histórica de procedimentos.
Gráfico 7: Evolução do investimento financeiro federal nos Centros de Atenção Psicossocial –
Brasil, 2002 – 2011
Fontes: Subsecretaria de Planejamento e Orçamento – SPO/MS, DATASUS, Coordenação de Saúde
Mental, Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS apud BRASIL, 2012.
78
Com intuito de minimizar a distância entre o aumento de serviços e os recursos
a eles destinados, e que o financiamento acompanhe de forma mais compatível a expansão da
rede CAPS, foram publicadas as Portarias GM nº 3089 de 23 de dezembro de 2011 que
estabelece novos valores de financiamento para os CAPS – e nº 3099, de 23 de dezembro de
2011 que repassa novos recursos aos CAPS já existentes para que atinjam os valores da PT nº
3089 – com previsão de impacto significativo para o ano de 2012 (BRASIL, 2012).
A Supervisão Clínico Institucional é importante estratégia de Educação
permanente na Saúde Mental. Ela deve promover espaços de trocas de saberes e experiências,
que favoreçam a construção de novos conhecimentos e fortaleça a articulação entre os
princípios e diretrizes da Saúde Mental e as suas práticas no Território. É importante que o
processo de Supervisão Clínico Institucional traga para o palco, outros atores intrasetoriais,
intersetoriais e da comunidade, com o objetivo de ampliar e diversificar os recursos de
cuidado, promovendo a circulação dos usuários nas diversas redes de atenção. Este modo de
operar o cuidado, potencializa as condições dos usuários para a construção da autonomia e o
exercício da cidadania.
Gráfico 8: Número de supervisões clínico institucionais implantadas por ano, através de
editais – BRASIL, 2005-2011
Fonte: Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS apud BRASIL,
2012.
79
Entre os anos de 2005 e 2011, foi possível apoiar 851 projetos de supervisão
clínico institucional através do Programa de Qualificação da Rede de Serviços. Em 2011
houve seleção de 194 novos projetos através da VIII chamada de supervisão da rede de
atenção psicossocial, álcool e outras drogas. As novas chamadas para seleção de projetos de
supervisão, desde 2010 têm focado as supervisões para toda a rede de atenção psicossocial e
não apenas para os CAPS (BRASIL, 2012).
80
5 A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE:
CONQUISTANDO DIREITO À LIBERDADE E À CIDADANIA
Uma serpente que entrou pela boca de um homem enquanto este dormia e se
alojou em seu estômago. E daí passou a impor ao homem sua vontade, seus
desejos, seu destino, privando-o assim da liberdade. O homem estava a
mercê da serpente: já não se pertencia. Até que uma manhã o homem sentiu
que a serpente havia partido e que era livre de novo. Então dá-se conta de
que não sabe o que fazer da sua liberdade. Em vez de liberdade ele
encontrara o vazio, porque junto com a serpente saíra a sua essência
adquirida no cativeiro, e não lhe restava mais do que reconquistar pouco a
pouco o antigo conteúdo humano de sua vida. (Fábula Oriental)
Como visto no terceiro capítulo a Política Pública de Saúde Mental se insere
em um contexto marcado pela emergência dos principais movimentos sociais e de outras
formas de organização da sociedade civil na “polis”. O auge desse movimento foi o processo
constituinte de 1988, que proporcionou aos cidadãos a soberania popular, por meio de
sufrágio universal e do voto direto e secreto para representantes da sociedade civil, a
participação nas organizações representativas no processo de formulação de políticas públicas
e no planejamento municipal, dentre outras atividades da vida política (AVRITZER, 2009).
A Constituição tornou evidente a responsabilidade do Estado no que se refere
aos direitos dos Cidadãos, sejam eles portadores ou não do transtorno mental. Dentre as
várias ações estatais pós-constituição, as destinadas ao campo da saúde mental viabilizaram a
assistência e a promoção da saúde dos portadores de transtornos mentais e a formulação e
desenvolvimento de uma política pública.
Nesse contexto, a Reforma Psiquiátrica foi se constituindo como um processo
político e social complexo, composto de atores e instituições que ao se articularem, buscam
redefinir o lugar do sujeito, reconhecer a dimensão cultural, fomentar oportunidades de
trabalho alternativas à lógica do mercado, reconhecer e respeitar os direitos humanos dos
portadores de transtorno mental e, por fim, viabilizar o controle sobre as políticas públicas.
Esse capítulo trata do processo de institucionalização da política de
desinstitucionalização, identificando como, a partir de um movimento amplo que envolveu
sociedade civil e estado, foi sendo configurada uma nova concepção sobre a loucura e sobre
seu enfrentamento.
81
5.1 Ideias, atores e instituições: a reforma psiquiátrica no âmbito de Minas Gerais
Para reconstruir a trajetória da política no município de Belo Horizonte é
necessário ampliar o olhar e abordar a emergência de iniciativas que se deram no âmbito do
estado de MG, que serviram para configurar e impulsionar a mudança operada na política de
saúde mental na PBH.
Ao resgatar a história da Reforma Psiquiátrica mineira, tem-se como marco
histórico o ano de 1979, quando Franco Basaglia e Robert Castel visitaram Belo Horizonte,
durante o III Congresso Mineiro de Psiquiatria15
. Evento que também contou com a
participação de usuários, familiares, jornalistas e sindicalistas, configurando assim uma ampla
discussão a favor de um conjunto de transformações e inovações que contribuísse para a
construção de um novo imaginário social sobre a loucura e os sujeitos acometidos de
sofrimento mental (AMARANTE, 2007; DUARTE, 2008).
Neste mesmo evento ocorreu a apresentação do curta metragem Em Nome da
Razão, de Helvécio Ratton, que retratou a condição desumana que se encontravam os internos
do Hospital Colônia de Barbacena. Também foi divulgada uma série de Reportagens de
Hiram Firmino, no Jornal Estado de Minas, gerando depois, no ano de 1982, um livro cujo
título era “Nos porões da Loucura”. Como consequência instaurara-se uma série de debates e
seminários sobre a realidade do que se passava dentro dessas instituições. Era preciso
humanizar os hospitais psiquiátricos e ao mesmo tempo criar novas modalidades de cuidado
que gradativamente permitissem prescindir da sua existência (DUARTE, 2008).
Construir uma sociedade sem manicômios demandava a formulação de novas
concepções e no adensamento de novas ideias o movimento nascente da luta antimanicomial
ganhou apoio de grupos de trabalhadores dos Hospitais Psiquiátricos, iniciando assim um
processo critico e contestador em relação às condições de tratamento oferecidas pelos
hospitais aos internados (LOBOSQUE, 2001).
Construir uma sociedade sem manicômios demandava a formulação de novas
concepções e no adensamento de novas idéias o movimento nascente da luta antimanicomial
15 Este Congresso foi promovido pela Associação Mineira de Psiquiatria.
82
ganhou apoio de grupos de trabalhadores dos Hospitais Psiquiátricos, iniciando assim um
processo critico e contestador em relação às condições de tratamento oferecidas pelos
hospitais aos internados (LOBOSQUE, 2001).
Ocorreram também iniciativas oriundas dos cidadãos e dos profissionais da
área de saúde mental. Exemplo disso foi a criação do Fórum Mineiro de Saúde Mental que, a
partir do final dos anos 80, passou a realizar empreendimentos a partir da organização da
sociedade civil, dando espaço à deliberação entre usuários do serviço de saúde mental, seus
familiares, e os profissionais, todos contra a lógica manicomial e a exclusão social da loucura,
todos em prol da construção da cidadania do próprio excluído (LOBOSQUE, 2001).
Sobre as atividades realizadas pelo Fórum ressalta-se que:
Recebemos e encaminhamos denúncias de maus-tratos e discriminações aos
portadores de sofrimento mental. Conquistamos a aprovação da lei estadual 11.802,
que preconiza a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por um modelo
assistencial comprometido com a cidadania e a presença social dos chamados
loucos. Participamos ativamente da formulação de projetos assistenciais, justamente
por entendê-las como responsabilidade do poder público, aí nos apresentamos como
interlocutores. Promovemos debates, cursos, seminários teóricos. Acompanhamos
de forma constante a criação e as atividades da Associação de Usuários de Serviços
de Saúde Mental de Minas Gerais, a ASUSSAM. (LOBOSQUE, 2001, p.164).
No ano de 198216
, a temática Saúde Mental foi inserida na agenda da Secretaria
de Saúde do Estado, marcando o início da expansão e formalização dos serviços públicos
ofertados aos portadores de Saúde Mental. Em consonância com as ideias da luta
antimanicomial, as iniciativas almejaram a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos
por um modelo assistencial comprometido com a cidadania e com a participação social dos
usuários dos serviços de atenção psicossocial para tanto as propostas eram as seguintes:
a não criação de novos leitos em hospitais psiquiátricos especializados, e a redução
onde possível e/ou necessário; b) a regionalização das ações em saúde mental,
integrando setores internos dos hospitais psiquiátricos ou hospitais específicos com
serviços ambulatoriais em áreas geográficas de referência; c) o controle das
intervenções na rede conveniada de hospitais psiquiátricos privados via
centralização das emissões de AIH nos serviços de emergência do setor públicos; d)
a expansão da rede ambulatorial em saúde, com equipes multiprofissionais de saúde
mental, compostas basicamente por psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais e, às
vezes, também por enfermeiros, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos; e) a
humanização e processos de reinserção social dentro dos asilos estaduais, também
com equipes multiprofissionais. (VASCONCELOS, 2000, p 25).
16 Ano em que Tancredo Neves ganhou as eleições do Estado de Minas Gerais.
83
Na década de 90, a Coordenação Estadual de Saúde Mental conduziu uma
auditoria técnica em todos os hospitais mineiros, a saber, 36 hospitais psiquiátricos com 8.087
leitos. Para tanto, foi destinado um supervisor, psiquiatra de formação, para cada hospital
psiquiátrico público ou privado, conveniado ao SUS. Ao participar da rotina dos hospitais, os
supervisores avaliariam e exigiriam qualidade nos serviços e um atendimento mais “digno”
aos internos.
Tal auditoria revelou a precariedade das condições e do funcionamento, tanto
em relação às estruturas físicas quanto à assistência prestada pelos hospitais psiquiátricos.
Em oposição a essa realidade foi realizada uma série de denúncias exigindo a mudança da
assistência oferecida, as quais foram encaminhadas ao Conselho Regional de Medicina de
Minas Gerais (CRM/MG), ao Ministério Público e à Auditoria do Estado.
Iniciou-se então a implantação de um modelo assistencial em Saúde Mental
com enfrentamento real ao hospital psiquiátrico em vários municípios que prestavam uma
assistência integral aos portadores de sofrimento mental com quadros graves e persistentes.
Sobre o projeto de transformação institucional iniciada no Estado de Minas Gerais Botti
(2004) evidencia que:
A reorientação da assistência psiquiátrica seguiu os princípios do SUS, em
busca de um processo de descentralização e regionalização, tendo a proposta
de reestruturação do serviço partido da crítica ao modelo hospitalocêntrico,
propondo um conjunto de serviços integrados que funcionasse como um
sistema para o tratamento da clientela a nível local. (BOTTI, 2004, p. 45).
Ainda sobre a reorientação da assistência psiquiátrica, no ano de 1995, a
Assembléia Legislativa Mineira aprovou a lei 11.802/95, denominada Lei Carlão, que
estabeleceu os princípios legais da reforma de assistência psiquiátrica em Minas (CRUZ,
2006). A lei propõe “a implementação de ações e serviços de saúde substitutivos aos hospitais
psiquiátricos e a extinção progressiva destes; regulamenta as internações, especialmente as
involuntárias”. Dessa forma, o sancionamento da Lei Carlão oficializou o compromisso do
Estado com os princípios defendidos pela Reforma, legitimando, assim, as discussões e as
iniciativas que já estavam sendo articuladas e desenvolvidas a favor do reconhecimento da
cidadania do “louco” e da possibilidade e necessidade do mesmo construir laços sociais
(CRUZ, 2006).
84
Um importante papel nesse processo de dar materialidade a novas práticas e
discursos e contribuir, dessa forma, para a inserção de outro paradigma de atenção ao portador
de sofrimento mental foi desempenhado pela Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde
Mental de Minas Gerais – ASUSSAM – que tem por desígnio o exercício do controle público
das instituições psiquiátricas. Como entidade civil, sem fins lucrativos, políticos ou religiosos
o controle social por parte da ASUSSAM se efetiva por meio da participação de usuários,
familiares, técnicos, e simpatizantes à Luta Antimanicomial nas vistorias em hospitais
psiquiátricos, nas reuniões e assembleias itinerantes da Reforma Psiquiátrica, nos encontros
do Fórum Social Mundial, Fórum Social Brasileiro, Rede Nacional de Internúcleos da Luta
Antimanicomial Fórum Mineiro, Secretaria Municipal de Saúde e Conferências Municipais de
Saúde e de Saúde Mental.
A ASUSSAM, em regime democrático, tem exercido seus direito de
cidadania, representando os usuários e defendendo os princípios
antimanicomiais. Tendo encontrado, ali, ótimos parceiros, podendo, até, por
meio do controle social, manifestar sua insatisfação e objeção àqueles
gestores públicos que não estariam em consonância aos princípios da Luta
Antimanicomial. (FERREIRA et al., 2008, p. 231).
Além do controle social faz parte do escopo da ASUSSAM promover
atividades sociais, culturais e desportivas, firmar convênios com associação congêneres,
autarquias, fundações, entidades religiosas, Poder Público federal, estadual e municipal, fazer
cumprir deliberações da Carta de Direitos e Deveres dos usuários e familiares do serviços de
saúde mental, divulgar e defender os princípios e propostas do Movimento da Luta
Antimanicomial, sensibilizar os familiares para garantir participação efetiva e defesa dos
princípios da Luta Antimanicomial (FERREIRA et al., 2008, p. 229).
Como se pode observar, a profundidade e amplitude destes propósitos,
perseguidos pela ASUSSAM, só podem realizar no momento em que nós,
usuários, nos tornamos muitos, muitas vozes que demonstram ser possível,
necessário e justo substituir o manicômio por serviços abertos de saúde
mental, nos quais os usuários são tratados e reconhecidos como cidadãos e,
além de receber saúde de qualidade, também são destinatários dos direitos
sociais básicos como: trabalho, educação, moradia, lazer, cultura, etc,
garantidos nas constituições Federal, Estadual e na lei Orgânica do
Município para todo o povo brasileiro. (FERREIRA et al., 2008, p. 229).
No percurso dessa militância, a presença dos usuários e seus exercícios de
cidadania têm assegurado à legitimidade dos desejos e demandas que sustentam suas falas.
85
Nesse protagonismo, a ASUSSAM tem podido cobrar do Poder Público as ações da Reforma
Psiquiátrica condizentes aos princípios da Luta Antimanicomial: lutando pelos direitos
humanos, dentre eles, a liberdade e a cidadania (FERREIRA et al., 2008).
5.2 Por uma sociedade sem manicômios: a reforma psiquiátrica no município de Belo
Horizonte e sua institucionalidade
Em consonância com o caráter permanentemente conflitual da Reforma
Psquiátrica, a experiência de Belo Horizonte expressa não apenas os conflitos que se
restringem a posições político-partidárias (ainda que este ou aquele partido político possa
favorecer mais do que outros o projeto da Reforma) e, tampouco, os que se reduzem a
embates de interesses econômicos que envolvem segmentos sociais diretamente favorecidos
pelo modelo hospitalar, mas também e principalmente os conflitos impostos pelo desafio de
se construir novas ideias sobre loucura (LOBOSQUE, 2007). A ideia da
desinstitucionalização é a base do movimento da reforma e, dado seu caráter inovador, não é
trivial o desafio de alterar a lógica dominante nesse campo de saber e atuação. Busca-se, com
a implementação da reforma e das novas idéias em sua base, a
desconstrução do manicômio, a transformação produzida através de gestos
elementares: eliminar meios de contenção, restabelecer a relação do
indivíduo com próprio corpo, reconstruir o direito e a capacidade de palavra,
eliminar a ergoterapia, abrir as portas, produzir relações, espaços e objetos
de interlocução, liberar os sentimentos, restituir os direitos civis eliminando
a coação, as tutelas jurídicas e o estatuto de periculosidades, reativar uma
base de rendimentos para poder ter acesso aos intercâmbios “sociais”.
(ROTELLI et al. apud NOGUEIRA, 2008, p.104).
Imbuídas pelo anseio de transpor a lógica pautada na exclusão e segregação da
loucura para práticas que visassem à inclusão social, as diretrizes que nortearam a Saúde
Mental do Município de Belo Horizonte sofreram, nos últimos quinze anos, consideráveis
modificações, resultando, assim, em uma configuração pautada em princípios que visassem a
desinstitucionalização. Processo estratégico que engendrou a construção de um conjunto de
dispositivos no plano da política, do trabalho, da cultura, da contratualidade, da sociabilidade
e, por fim, a substituição dos serviços ofertados para tratamento do portador de saúde mental
(TURCI, 2008).
86
Os anos 80 marcaram um período onde houve a concretização de importantes
eventos e práticas em prol da instrumentalização e luta pela Reforma Psiquiátrica no
município de Belo Horizonte (AMARANTE, 1995). O cenário manicomial belo-horizontino
se configurou a partir do movimento por uma sociedade sem manicômios, lançado
nacionalmente em 1987 por trabalhadores, familiares e usuários de serviços de saúde mental.
Em prol da desinstitucionalização ou da desconstrução/invenção, o movimento se norteou a
partir das seguintes diretrizes:
Alargamento das fronteiras da luta para a ação no interior da própria cultura,
trazendo a discussão sobre a loucura para o cotidiano da sociedade, numa estratégia
que amplie a atividade puramente assistencial e criar pontes entre as ações no âmbito
do Estado com a sociedade civil. (AMARANTE, 1998, p. 93).
O lema ‘Por uma sociedade sem manicômios’ tornou evidente tanto a questão
da violência e da exclusão social das instituições psiquiátricas, quanto a necessidade de
inaugurar um novo paradigma para a Saúde Mental. Paradigma que subsidiasse o processo de
humanização do tratamento dos portadores de sofrimento mental – com o fechamento de
todos os leitos em hospitais psiquiátricos e sua consequente substituição por serviços abertos,
juntamente com a inserção social do indivíduo portador de sofrimento mental, e, por fim, a
construção de uma política descentralizada com ações intersetoriais e com a participação de
atores sensibilizados pela luta antimanicomial.
Alguns momentos foram importantes para o fortalecimento dessa ideia força.
As eleições promulgadas no ano de 1987 na Associação Mineira de Psiquiatria (AMP), em
Belo Horizonte, nas quais obteve a vitória a chapa que se identificava com os valores
defendidos pelo movimento da Reforma, a saber, a ruptura com a clínica tradicional.
A participação dos trabalhadores de saúde mental e usuários do serviço no
“Encontro de Santos” que ocorreu no ano de 1989 foi um marco na trajetória dos
trabalhadores de saúde mental de Belo Horizonte. Tal evento proporcionou aos trabalhadores
de saúde mental do Instituto Raul Soares e Hospital Galba Veloso um primeiro contato com o
conjunto de ações e serviços de saúde mental inscritos na rede pública da cidade santista. As
propostas assistenciais apresentadas por Santos buscavam legitimar a cidadania do louco,
conquista possibilitada pela Reforma Psiquiátrica. A visita permitiu aos trabalhadores
conhecerem os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) – territorializados e capacitados para
acolher os pacientes em crise – as oficinas, as cooperativas e os Centros de Convivência,
87
espaços que se propõem a viabilizar a inserção social das pessoas em sofrimento mental
(SILVA, 2009).
Impactados pela experiência de Santos, os trabalhadores retornaram a Belo
Horizonte com a proposta de desenvolver um conjunto de ações do interesse do movimento
antimanicomial. Dentre estes, o desejo de construir núcleos territorializados, que permitiriam
a redução de internações psiquiátricas, desenvolver oficinas e instalar centros de convivência
para a inserção do portador de saúde mental. Assim, almejaram e contribuíram com a
formulação um modelo que assistisse os portadores de sofrimento mental no esteio das
concepções do paradigma antimanicomial.
Atentos ao papel do controle público no avanço da Política de Saúde Mental e
no processo de desinstitucionalização das instituições psiquiátricas a Comissão Municipal de
Reforma Psiquiátrica do Município de Belo Horizonte – instância representativa de caráter
consultivo – objetiva, em um primeiro momento, fomentar ações em favor da substituição da
assistência psiquiátrica exclusivamente hospitalar por uma rede mais ampla, diversificada e
intersetorial de recursos assistenciais e cuidados e facilitadora do convívio social. Em um
segundo momento, as atribuições da comissão perpassam pela transmissão de informações
sobre a reforma psiquiátrica para os usuários, fiscalização do cumprimento da Lei da Reforma
Psiquiátrica, proposições de diretrizes para as ações de implantação da Reforma Psiquiátrica,
no âmbito do município e, por fim, avaliação das políticas públicas em relação à implantação
da Reforma Psiquiátrica.
O controle social se revela, desta forma,como preciosa inovação no modo
brasileiro de fazer política pública, na medida em que organiza em uma
estrutura colegiada as representações de usuários, gestores e trabalhadores
do sistema, de modo a fazer dessa conjunção tripartite o núcleo de
convergência para a proposição, a avaliação e o monitoramento das políticas
e das ações em Saúde.(LOBOSQUE, 2010, p. 137).
O quadro abaixo resgata a discussão realizada nesse capítulo, busca-se
evidenciar o contexto que viabilizou a institucionalização da Reforma Psiquiátrica, assim
como, as ideias, os atores e as instituições que subsidiaram tal processo.
88
Quadro 10: Síntese da reforma psiquiátrica em Belo Horizonte
Contexto Configuração do SUS; Processo de descentralização assumido na Constituição
de 1988 e na Lei Orgânica da Saúde; Transição do regime ditatorial militar à
consolidação da democracia.
Ideias Sociedade sem manicômios; Reconhecimento dos “loucos” como portadores de
direitos e cidadania; Construção de serviços substitutivos; Instituição do
conceito de desinstitucionalização.
Atores Profissionais da saúde;
Usuários dos serviços da saúde mental;
Familiares dos usuários;
Movimento antimanicomial.
Instituições Instituições psiquiátricas / Serviços substitutivos.
Fonte: Elaboração da autora
5.2.1 A trajetória da atenção à Saúde Mental em Belo Horizonte: conexões entre iniciativa
municipal e federal
No final do ano de 1992, Belo Horizonte, passou por uma mudança de
governo, assumindo a gestão denominada “Frente BH Popular”17
. Articulados com a luta-
antimanicomial a nova gestão teve como eixo norteador a premissa de inovar a lógica
psiquiátrica ofertando recursos assistenciais que se diferenciasse do modelo manicomial
hegemônico. Para tanto, viabilizou-se a elaboração do projeto “Uma Proposta de Programa
para a Saúde Mental/SMSA/BH” encaminhado à Secretaria Municipal de Saúde e ao prefeito,
na época, Patrus Ananias (SILVA, 2009).
O programa para a Saúde Mental/SMSA/BH teve por objetivo a reorganização
da rede de saúde mental, com serviços substitutivos públicos, abertos, regionalizados, para
tanto, criou-se os Centro de Referência em Saúde Mental – CERSAM, para acolher o paciente
em momento de crise, articulados a outros dispositivos, a saber, a) as equipes de Saúde
Mental, para o acompanhamento e a sustentação de projetos terapêuticos singulares e
territorializados; b) os centros de convivência, para o resgate dos laços sociais; c) os serviços
17 Inicialmente, a gestão “Frente BH Popular” se dividia em dois segmentos desarticulados no campo
da saúde mental: de um lado, profissionais da saúde mental distribuídos de forma sistemática em
centros de saúde, profissionais que se norteavam pelo ideário de prevenir e controlar, sem nenhuma
proposta clínica ou diretriz institucional que orientasse suas ações. De maneira antagônica, o outro
lado era composto por um conjunto de hospitais, espaço tradicionalmente reconhecido como único
recurso para o atendimento de casos de maior gravidade (ABOU-YD e LOBOSQUE apud SILVA,
2009, p. 80).
89
residenciais terapêuticos, para a reabilitação civil de egressos de internações de longa
permanência; d) e as equipes complementares para dar suporte ao atendimento da criança e do
adolescente nos Centros de Referência em Saúde Mental de Minas Gerais para clientela
infanto-juvenil CERSAMi, e aos usuário de álcool droga no CERSAMad (OLIVEIRA,
2008).
Pautado em princípios e diretrizes que assegurassem a universalidade dos
serviços ofertados, a equidade, atenção integral generalizada, abrangência, acolhimento,
humanização, responsabilização, trabalho em equipe e a intersetorialidade, o projeto de saúde
mental do município representou a formulação da Política municipal de Saúde Mental, assim
como a consolidação dos princípios defendidos pela Reforma Psiquiátrica (SILVA, 2009;
TURCI, 2008).
No período de implementação do projeto, a cidade de Belo Horizonte era
conhecida como “parque manicomial”, possuindo cerca de 2.100 leitos, sendo que grande
parte era de longa permanência (Souza: 2008). Tais leitos eram distribuídos em sete hospitais
psiquiátricos, dentre eles seis estavam vinculados ao SUS, três públicos (Instituto Raul
Soares, Hospital Galba Veloso e Centro Psicopedagógico) e três privados (Clínica Pinel,
Clínica Nossa Senhora de Lourdes e Instituto Psicominas). Posteriormente, a clínica particular
Serra Verde, conveniada ao SUS e localizada no município de Vespasiano, teve seu
gerenciamento assumido por Belo Horizonte. Os mencionados hospitais são classificados em
hospitais de agudos e de crônicos e, a partir dessa tipologia, tem-se como hospitais agudos a
Clínica Pinel, Psicominas, Instituto Raul Soares, Hospital Galba Veloso e Centro
Psicopedagógico; e como hospitais crônicos a Clínica Nossa Senhora de Lourdes e a Clínica
Serra Verde (SILVA, 2009; ANAYA, 2004).
Diante dessa conjuntura, no ano de 199318
foram definidos novos objetivos,
estratégias e dispositivos que dariam sustentação à reforma das diretrizes vigentes e a
concessão do direito de cidadania aos portadores de sofrimento mental. No mesmo ano,
inaugurou-se o primeiro CERSAM de Belo Horizonte, no distrito sanitário Barreiro, região
18 No ano de 1993 ocorreu o “I Encontro Nacional da Luta Antimanicomial” em Salvador,
consolidando o seu papel de movimento social e propondo atividades em parceria com a sociedade
civil e o plano cultural, incorporando novos atores nessa luta, ampliando, assim, os limites de atuação
das intervenções do interior das instituições para o campo social. (ANAYA, 2004, 104).
90
que apresentava elevado número de internação hospitalar, atendendo situações de urgências e
crises psiquiátricas (SILVA, 2009; ANAYA, 2004). Dessa forma, os centros de saúde
ocupariam o lugar de retaguarda na assistência em saúde mental, transformando a lógica de
seu trabalho e os CERSAMs ofertariam respostas aos casos graves e às crises, na intenção de
materializar o paradigma antimanicomial e tornar-se referencia para os pacientes no momento
das situações de crise (SILVA, 2009, p. 81). Orientadas pela premissa de atender urgências,
acolher pacientes em crise e romper com a exclusão social, as ações do CERSAMs
pretendem:
substituir o modelo hospitalocêntrico por um rede de serviços diversificada,
qualificada, através de unidades de saúde mental em hospital-geral,
emergência psiquiátrica em pronto socorro geral, unidades de atenção
intensiva em saúde mental em regime de hospital-dia, CAPS, serviços
territoriais que funcionem 24 horas, pensões protegidas, lares abrigados,
centros de convivência, cooperativas de trabalho e outros serviços que
tenham como princípio a integralidade do cidadão. (BRASIL apud BOTTI,
2004, p.48).
No ano de 1996 inaugurou-se o segundo CERSAM, no distrito sanitário mais
populoso do município, o distrito Noroeste, juntamente com um centro de Convivência,
dispositivo estratégico para a mudança da cultura de exclusão do portador de sofrimento
mental a partir de novas práticas assistenciais. No ano posterior, foram implementados mais
dois CERSAMs, o CERSAM Leste, responsável pelos casos ocorridos na região Leste, antes,
encaminhados ao Instituto Raul Soares e o CERSAM Pampulha, cobrindo, ainda, as
demandas das regiões de Venda Nova e Norte (ANAYA, 2004; SILVA, 2009).
A formação da política de saúde mental no município teve inicio, portanto, em
1993, com o referido projeto “Uma Proposta de Programa para a Saúde Mental/SMSA/BH”.
Entretanto, a emergência da política nacional de saúde mental, em 2001, provocou uma
inovação organizacional no que se refere à confluência entre a política municipal de saúde
mental e o Programa Saúde da Família (PSF)19
. Norteadas pela noção de território, as
estratégias de atuação prezaram o reconhecimento dos aspectos psicossociais do adoecimento,
do cuidado, e da inserção sócio territorial das pessoas em sofrimento mental (PAULA, 2009).
19 O Ministério de Saúde (MS) criou no Brasil, em 1994, o Programa de Saúde da Família (PSF), que
tem com objetivo orientar a organização da Atenção Primária no país no sentido de garantir os
princípios de descentralização, territorialização, intersetorialidade, longidinalidade no cuidado,
equidade e co-responsabilização (BRASIL, 2008).
91
Para a efetivação dessa mudança organizacional traçou-se uma nova diretriz, o
matriciamento, dispositivo organizativo da assistência à saúde, que objetiva assegurar a
retaguarda especializada a equipes e profissionais encarregados da atenção a saúde generalista
e mental. Dessa forma, o apoio matricial é uma metodologia que pretende compartilhar
conhecimentos visando ampliar as intercessões de distintos setores na perspectiva de
qualificação de cuidado (informação verbal) 20 .
A partir da diretriz matricial instituiu-se, no ano de 2002, o Programa BH Vida,
programa de saúde da família de Belo Horizonte. Sua implementação elegeu a saúde da
família como eixo norteador da atenção básica buscando reorientar o modo assistencial,
operacionalizado mediante a implementação de equipes multiprofissionais em unidades
básicas de saúde, tendo vínculo formal com uma parcela da população adscrita. Para tanto,
iniciou-se a formulação de novos princípios e diretrizes, saber:
As Equipes de Saúde Mental (ESM) nos Centros de Saúde, orientadas pelos
princípios da política de saúde mental do município, atuariam em conjunto
com os demais dispositivos da rede de saúde mental, priorizando o
atendimento aos portadores de sofrimento mental grave e persistente; b) O
acolhimento dos portadores de sofrimento mental seria responsabilidade do
Centro de Saúde, devendo os mesmos serem acolhidos pelas Equipes de
Saúde da Família (ESF) que contariam com o apoio matricial das ESM de
referência; c) A proporcionalidade ESM/ESF obedeceria a critérios
epidemiológicos, demográficos, de acesso etc, e não pelo número de ESF; d)
Os CERSAMs também participariam do trabalho de referenciamento às ESF
a partir do estabelecimento de micro-regiões ou micro-áreas. Assim, as
equipes dos CERSAMs, divididas em mini-equipes, seriam responsáveis
pelo referenciamento das micro-áreas dos distritos sanitários; e) O
deslocamento das ESM até as ESF referenciadas seria priorizado para
efetivar a atuação conjunta (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE
BELO HORIZONTE/COORDENAÇÃO DE SAÚDE MENTAL, apud
SILVA, 2009, p.85).
Ainda sobre a interface entre o “Programa BH-Vida” e o projeto de saúde
mental, a fala da coordenadora do Fórum Mineiro de Saúde Mental permite entender os
efeitos dessa articulação no atendimento dos usuários dos serviços:
20 Entrevista realizada com ex-coordenadora da Política municipal de Saúde Mental.
92
A entrada da equipe da família na Saúde Mental com o matriciamento, conta
hoje com aproximadamente 570 equipes, com 77% da população atendida. O
PSF é composto por um médico generalista, uma enfermeira, um agente
comunitário, e um auxiliar de enfermagem. Essa equipe é responsável por
uma parte x da população, então eles ficam alocados no centro de saúde, [...]
a ideia é que o generalista olhe integralmente as pessoas, integralmente é
inclusive a saúde mental. Então para que eles não medicalizassem em
excesso ou não medicalizassem errado (tratar um psicótico como neurótico
ou vice versa), ou ficar endereçando para os serviços de saúde mental em
demasia nós começamos uma capacitação dessa equipe de profissionais.
Uma vez por mês a equipe da saúde da família senta com a equipe de saúde
mental, com psiquiatras, psicólogos e assistente social e discutem cada caso
que está sendo atendido, eu to atendendo esse caso, você vai atender comigo
para eu aprender? Então é assim, atualmente 100% das equipes de PSF
atendem o portador de sofrimento mental, isso fez com que a agenda dos
psiquiatras desafogassem, que o atendimento fosse mais frequente. E que o
portador de saúde mental tivesse um médico olhando pressão, vendo o
problema do coração. Porque quando o doido é atendido só pelo psiquiatra
ele perde sua possibilidade de atendimento mais ampla do seu organismo,
então se for diabético o psiquiatra não vai saber, porque não vai olhar, e o
generalista olha para isso, então em termos de qualidade de vida e de saúde,
é bem melhor. Então teve a capacitação, praticamente 100% das equipes
atendem os portadores de sofrimento mental grave inclusive, não só os
neuróticos, as donas de casa tristes, os psicóticos também são atendidos no
posto de saúde. (informação verbal) 21
.
Passado o processo de reconfiguração dos dois projetos, os objetivos da
política de saúde mental foram redefinidos, dessa forma, almejou-se: a) a construção de rede
integrada de serviços; b) a formulação e implementação de programas e ações capazes de
responder às demandas de saúde mental dos diversos territórios; c) fomento de práticas que
contribuísse com o processo de desinstitucionalização. Em relação ao último objetivo
mencionado, pressupõe-se que nos serviços substitutivos as crises devem ser objeto de acesso
imediato e acolhimento, na medida em que é pela via da crise que se sustenta o sistema
manicomial/ hospitalocêntrico (SILVA, 2009).
A integração da política de saúde mental do município com a estratégia da
atenção básica do PSF veio fortalecer a estratégia iniciada em Belo Horizonte em 1993, de
ampliar a oferta de equipamentos e serviços substitutivos. Nesse sentido, em 2002, a
Prefeitura de Belo Horizonte inaugurou outros três CERSAMs, nos distritos sanitários
Nordeste, Venda Nova e Oeste, totalizando sete CERSAMs no município. Outra conquista da
Prefeitura foi a oferta de serviços dos CERSAMs Leste e Pampulha no período de 24 horas
21 Entrevista realizada com a coordenadora do Fórum Mineiro de Saúde Mental
93
por dia, todos os dias, com hospitalidade noturna aos pacientes que necessitassem de
acompanhamento no período da noite (Silva: 2009, 84). Sobre o serviço noturno ressalta-se
que:
(...) a proposta da hospitalidade noturna assegura-nos uma possibilidade
muito clara: permite-nos manter conosco os pacientes que necessitem de
cuidados contínuos, sem precisar recorrer aos hospitais psiquiátricos, (...)
estaremos, muito simplesmente, ampliando para o dia inteiro uma atenção
que oferecemos apenas em parte dele, de forma a não mais internar nos
hospitais (COORDENAÇÃO DE SAÚDE MENTAL apud SILVA, 2009, p.
86).
Sobre a experiência da hospitalidade noturna, os serviços ofertados 24hs eram
responsáveis por atender a demanda dos pacientes dos CERSAMs Leste e Pampulha, assim
como dos outros CERSAMs que não possuíam leito-noite. O quadro de funcionários dos
CERSAM 24hs era composto por um médico e três auxiliares de enfermagem (SILVA, 2009).
Se por um lado a hospitalidade noturna representou considerável avanço na
implementação de ações que contribuíssem com o cuidado integral de paciente em crise, por
outro, os serviços noturnos foram alvo de críticas e questionamentos por parte dos
profissionais que trabalhavam nos outros CERSAMs – que não funcionavam 24hs – e
apresentavam dificuldades para conseguir pernoite para seus pacientes, tendo como
alternativa parcerias inclusive com hospitais psiquiátricos (ANAYA, 2004; SILVA, 2009).
Inserido no conjunto de objetivos estabelecidos pela Prefeitura, no ano de
2005, a Coordenação elaborou o projeto “O atendimento às crises e a Hospitalidade Noturna”.
Dentre seus objetivos, o projeto buscou expor os principais pontos críticos do funcionamento
noturno nos dois CERSAMs 24hs – CERSAMs Leste e Pampulha com o intuito de reformular
seu funcionamento para, assim, requerer a oferta integral de serviços noturnos a todos os sete
CERSAMs do município.
No que tange às considerações realizadas sobre o funcionamento noturno nos
dois CERSAMs 24hs – CERSAMs Leste e Pampulha – conclui-se que:
o funcionamento noturno em apenas dois CERSAMs não apresentou
nenhum impacto no número de internações de usuários do município nos
hospitais psiquiátricos, “de fevereiro a abril/2002, internaram-se em
hospitais 522 pessoas de BH; no mesmo período do ano seguinte, após a
94
abertura dos serviços [24hs], internaram-se 531. Além disso, os dois
CERSAMs 24hs apresentavam uma tendência a ocuparem a maior parte dos
seus doze leitos (seis leitos em cada um) noturnos com a sua própria
clientela, acolhendo um número pouco expressivo de casos novos de
urgência durante à noite. O cotidiano dos dois serviços 24hs também
apresentava alguns problemas,conforme evidenciado nas oficinas de
trabalho: 1) Os usuários se queixavam de pernoitar em CERSAM diferente
do qual se tratavam durante o dia ou pernoitar, inclusive, em hospital
psiquiátrico quando faltavam vagas nos CERSAMs 24hs; 2) Medicalização
excessiva, ou seja, nos dois CERSAMs 24hs os usuários que vinham de
outros CERSAMs para pernoitar eram os mais medicados, evidenciando
uma hegemonia do modelo médico e do modelo tradicional de plantão; 3)
Desgaste na relação entre os profissionais dos sete CERSAMs nas
negociações para obtenção de leitos noturnos (COORDENAÇÃO DE
SAÚDE MENTAL-SMSA, apud SILVA, 2009, p.87).
Frente às críticas, reflexões e análises o projeto “O atendimento às crises e a
Hospitalidade Noturna” centrou-se na concretização de dois objetivos, a saber, a ampliação da
hospitalidade noturna em todos os sete CERSAMs e a abertura de um Serviço de Urgência
Psiquiátrica noturno em hospital geral. Segundo Silva (2009) o corpo de profissionais da
hospitalidade noturna nos CERSAMs seria composto por dois a três auxiliares de
enfermagem; já o Serviço de Urgência Psiquiátrica seria realizado a partir da ação de um
psiquiatra, um enfermeiro e três auxiliares de enfermagem num plantão das 19hs às 7hs, todos
os dias. Além de tais inovações, o serviço noturno teria por parceiro o SAMU (Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência) que já atendia a demandas psiquiátricas desde sua
implantação, em 2003 (SILVA, 2009).
No segundo mandato do prefeito Fernando Pimentel (2005 e 2006), o Projeto
da Hospitalidade Noturna sofreu oposição da Câmara Técnica de Psiquiatria do CRM-MG,
que afirmou que o projeto valia-se da premissa de que a presença física do médico, nos
plantões noturnos dos CERSAMs, não era essencial, o que violava artigos do código de ética
médica (LIMA, 2005). Também passou por Parecer Técnico do COREN-MG (Conselho
Regional de Enfermagem de Minas Gerais) que, embora apoiasse o projeto, se posicionava
contrário à hospitalidade noturna sem a presença de enfermeiro, justificando não existir
amparo legal para a atuação de auxiliares de enfermagem sem a supervisão presencial do
mesmo (MENDES, 2006; SILVA, 2009).
Em resposta às oposições, a Coordenação de Saúde Mental reafirmou, em
publicação no SIRIMIM, seu posicionamento:
95
(...) a transformação de todos os CERSAMs em CAPS III (com oferta de
hospitalidade noturna), torna-se um dispositivo imprescindível e uma
prioridade inadiável. A Secretaria Municipal de Saúde enfrenta as
resistências e os obstáculos interpostos por certos segmentos, os mesmos
que, ou se opuseram publicamente ou foram omissos em relação à
implantação da Reforma Psiquiátrica e fazem, agora, (...) oposição à
proposta de ampliação do número de CAPS III na cidade
(COORDENAÇÃO DE SAÚDE MENTAL-SMSA, apud SILVA, 2009,
p.89).
Embora tenha sido alvo de oposições, o projeto da Hospitalidade Noturna
ampliada e do Serviço de Urgência Psiquiátrica foi aprovado pelo Conselho Municipal de
Saúde em 20 de julho de 2006 e em 04 de setembro do mesmo ano todos os CERSAMs
passaram a funcionar 24 horas. Além da mudança no quadro de horário, a oferta de serviços
foi alterada; dessa forma, cada CERSAM ofertaria de quatro a seis leitos para a hospitalidade
noturna de usuários que necessitassem de acompanhamento neste horário. Também foi
inaugurado o Serviço de Urgência Psiquiátrica nas dependências da Santa Casa de
Misericórdia, oferecendo seis leitos de retaguarda (SILVA, 2009).
Conforme as diretrizes do mencionado projeto, os serviços pernoite ofertado
nos CERSAMs seriam destinados, unicamente, para os usuários desses serviços, enquanto o
Serviço de Urgência Psiquiátrica seria designado ao processo de acolher e atender os casos
novos de urgência psiquiátrica no turno da noite, encaminhando-os, no dia seguinte, ao
CERSAM mais próximo de suas residências. O Serviço de Urgência Psiquiátrica também
serviria de apoio técnico para os sete CERSAMs no período noturno, caso fosse necessário, e
os auxiliares de enfermagem poderiam contar com a assessoria da equipe do Serviço de
Urgência Psiquiátrica (SILVA, 2009).
Apesar das conquistas alcançadas com a introdução do Serviço de Urgência
Psiquiatrica e Hospitalidade Noturna nos conjunto de serviços ofertados pelos CERSAMs, as
oposições continuaram e em 24 de outubro de 2006 foi publicada, pelo Secretário Municipal
de Saúde, a Portaria SMSA/SUS-BH n°033/2006 que constitui a “Comissão de
Acompanhamento dos serviços noturnos”. Dessa forma, a hospitalidade noturna se ampliaria
e qualificaria, de acordo com a Política de Saúde Mental do município (PNH, 2006: 11). De
acordo com essa política, os CERSAMs introduziram na rede ações que viabilizariam o
cuidado em liberdade, proporcionando acolhimento, atendimento aos casos mais graves no
96
seu momento mais delicado – a urgência e a crise – e, por fim, construindo estratégias que
permitissem aos usuários se manterem na vida enquanto atravessassem este momento de
sofrimento agudo e fragilização dos laços sociais e afetivos (POLÍTICA NACIONAL DE
HUMANIZAÇÃO, 2006, p.10).
Entretanto, por mais que tais equipamentos fossem capazes de prestar
atendimento ao portador de sofrimento mental em um espaço alternativo aos manicômios,
ainda era necessário avançar mais, buscando garantir de fato uma inserção social mais efetiva
desses usuários à vida social e familiar.
Nesse sentido foi elaborado, em 2000, um novo projeto, denominado
“Programa de Desospitalização Psiquiátrica”22
(PDP), instituído pela portaria SMSA –
BH/SUS n° 004/2000. Esse programa teve por objetivo acolher pacientes psicóticos
internados há mais de um ano nos hospitais psiquiátricos da rede pública e particular do
município e cuja alta hospitalar era impedida devido a problemas sociais como falta de
moradia e abandono familiar.
Para viabilizar o acolhimento e o retorno dos portadores de saúde mental ao
convívio social, o programa tinha por proposta construir uma rede de Serviços Residenciais
Terapêuticos, capaz de dar suporte terapêutico e financeiro aos pacientes.
A recuperação da autonomia, das relações sociais, da participação nas
decisões, da cooperação no trabalho, do estímulo para perceber e pensar a
própria condição, para que tenham a oportunidade de retorno para a família,
ou outras alternativas, como: morar sozinho, em república, em pensão
assistida, em lugar de sua escolha. (ANAYA, 2004, p.107).
Para reconhecer os beneficiários pelo “PDP”, realizou-se um levantamento de
dados de 683 pacientes ‘crônicos’ que estavam internados nos hospitais públicos e
particulares do município. O objetivo do levantamento era conhecer a situação dos pacientes e
identificar o melhor meio para que sua desospitalização fosse efetivada. O redirecionamento e
o repasse do financiamento oferecido pelo programa objetiva viabilizar gastos com a moradia,
22 O “Programa de Desospitalização Psiquiátrica (PDP)” faz referência ao “Programa de Apoio à
Desospitalização (PAD)” criado pelo Ministério da Saúde em 1996, cujo financiamento advinha do
redimensionamento dos recursos financeiros dos hospitais psiquiátricos.
97
alimentação, vestuário e transporte do usuário, tornando possível o tratamento fora do hospital
e o resgate da autonomia dos portadores de saúde mental (ANAYA, 2004, p. 108).
No ano de 2003, as iniciativas do “Programa de Desospitalização Psiquiátrica”
foram substituídas pelas estratégias do “Programa De Volta para Casa” proposto pelo
Ministério da Saúde, por meio da lei 10.708 de 2003, e regulamentado pela portaria 2077.
Trata-se de uma estratégia política que visa efetivar a inserção no convívio social das pessoas
acometidas por transtornos mentais, egressas de longas internações em instituições psiquiatras
conveniadas ao SUS (CAMPOS; SAEKI, 2009 apud BRASIL, 2003).
Ainda sobre a proposta do “Programa de Volta para casa” importa ressalta que
o mesmo é apoiado em uma nova condição de pessoa, inserida no plano dos direitos sociais,
em especial, o de cidadania. Nesse sentido, o paciente que esteve hospitalizado por um longo
período ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional,
consequência de seu quadro clínico ou ausência de suporte social, será objeto de política
específica de reabilitação psicossocial assistida (CAMPOS; SAEKI, 2009 apud BRASIL,
2004).
A política de saúde mental no município teve como eixo a implantação de serviços
substitutivos no âmbito dos CERSAMs e das residências terapêuticas, que constituem grande
parte da materialidade da política de saúde mental em curso, conforme se pode observar pelo
quadro síntese abaixo:
Quadro 11: Serviços substitutivos
Dispositivos Funcionamento Objetivos
Centros de
Referência em
Saúde Mental
de Minas Gerais
(CERSAMs)
7 Centros de Referência em
Saúde Mental (CERSAM),
todos funcionando 24 horas
(CAPS III), todos os dias da
semana, inclusive sábados,
domingos e feriados.
Acolher o paciente em momento de crise, atravessando –
a com ele e seus familiares, até a estabilização. É um
momento de recomposição do sujeito, através do
acompanhamento clínico e da participação em oficinas,
que visam propiciar o relacionamento interpessoal,
explorar e incentivar a capacidade criadora, permitir a
associação de sensações e experiências, bem como troca
com os demais membros do grupo.
Centros de
Referência em
Saúde Mental
de Minas Gerais
para clientela
infanto-juvenil
(CERSAMi)
01 Centro de Referência em
Saúde Mental Infanto-Juvenil
para atenção às crianças e
adolescentes portadores de
sofrimento mental que oferece à
clientela específica os mesmos
cuidados que os CERSAMs e
funciona de segunda à sábado
Atender as crianças e adolescentes dentro dos princípios do
Sistema Único de Saúde-SUS, do Estatuto da Criança e do
Adolescente-ECA e do movimento da luta anti-manicomial
bem como abordar o sujeito a partir de sua singularidade.
Sua prioridade o atendimento aos quadros de psicose,
autismo e neuroses graves. Buscando manter-se na lógica
da não exclusão e da reabilitação social, o modelo
assistencial do Cersami está configurado nos seguintes
98
Continuação
Dispositivos Funcionamento Objetivos
de 07:00h às 19:00hs. dispositivos clínicos: acolhimento, atendimento individual,
módulos terapêuticos, visitas domiciliares, grupo de
familiares, permanência-dia, espaço pais-bebês,
atendimento familiar, assembleias e projeto circulando pela
cidade.
Projetos: O Projeto Circulando pela Cidade; Arte na saúde
Centros de
Referência em
Saúde Mental
de Minas Gerais
para os
usuários de
álcool e outras
drogas
(CERSAM –
ad)
01 Centro de Referência em
Saúde Mental para usuários de
álcool e outras drogas
(CERSAM-ad) que oferece à
clientela específica os mesmos
cuidados que os demais
CERSAMs e funciona todos os
dias da semana, inclusive
sábado, domingo e feriado das
07:00h às 19:00h.
Serviço especializado que atende pessoas com problemas
decorrentes do uso ou abuso de álcool e outras drogas. A
partir da perspectiva da reinserção social busca-se o
resgate dos laços sociais e familiares dos usuários, sejam
de adultos, crianças ou adolescentes, substituindo os
hospitais psiquiátricos.
Serviço de
Urgência
Psiquiátrica
(SUP)
01 Serviço de Urgência
Psiquiátrica Noturna que acolhe
e atende os usuários que são
trazidos pelo SAMU ou pela
Polícia Militar, que funciona
todos os dias de 19h as 07h da
manhã, e dá retaguarda às
equipes que trabalham na
Hospitalidade Noturna nos
CERSAMs.
Serviço desenvolvido com o objetivo de produzir um
movimento de ampliação e qualificação de nossa Rede de
Saúde Mental para que pudesse oferecer uma resposta
adequada às situações de crise dos portadores de
sofrimento mental grave.
Centro de
Convivência
09 Centros de Convivência –
funcionamento segunda a sexta
de 9:00hs ás 17:00hs.
Dispositivos que não respondem pelo tratamento estrito
senso, mas são lugares onde o que se prioriza é o
convívio, a sociabilidade. São oferecidas aos usuários
oficinas de música, teatro, pintura, costura, marcenaria,
culinária, dentre outras, além de passeios, idas ao cinema
e outras atividades que visam estimular o convívio e a
sociabilidade dos portadores de sofrimento mental.
Residências
Terapêuticas
26 Serviços Residenciais
Terapêuticos (SRT), moradias
localizadas nos diversos bairros
da cidade e que são habitadas
por portadores de sofrimento
mental que foram abandonados
nos hospitais psiquiátricos.
(Programa De Volta pra
Casa)
Serviços que integram a rede de saúde mental e ao
mesmo tempo recebem seu suporte na construção
cotidiana da experiência de cada usuário fazer-se
morador de uma casa e habitante do território, no qual
exercita sua liberdade quando reaprende a ocupar, como
cidadão, a cidade.
Equipes
complementares
09 Equipes Complementares de
Atenção à Criança e ao
Adolescente compostas por um
psiquiatra infantil, um
fonoaudiólogo e um terapeuta
ocupacional que atendem, em
parceria com as Equipes de
Saúde Mental dos Centros de
Saúde, Equipes de Saúde da
Família e CERSAMi, às
crianças e adolescentes
portadores de sofrimento mental
grave.
Atender crianças e adolescentes portadores de saúde
mental.É formada por uma fonoaudióloga, uma assistente
social, uma terapeuta ocupacional e uma psiquiatria
infantil , constituindo um recurso de assistência e apoio à
rede básica de saúde, incluindo PSF e Saúde da Família.
Sobre o atendimento, ao serem encaminhados à Equipe
Complementar, as crianças/adolescentes são acolhidos
juntamente com seus responsáveis, sendo posteriormente
avaliados, orientados e referenciados a outras
especialidades, se necessário.
Projetos: Intervenção a Tempo.
Fonte: Elaborado pela própria autora
99
Entretanto, tais dispositivos e serviços não esgotam o conjunto da política. Esta
também se consolidou a partir do desenvolvimento de ações e estratégias diversas, no campo
do trabalho e renda, da arte e da cultura, das ações no âmbito da desospitalização, ampliando
não apenas o olhar, mas principalmente as formas de tratamento da loucura. A próxima seção
aborda de forma mais detida tais estratégias, capturando não apenas a forma institucional, que
foi abordada nessa seção, mas principalmente o sentido que as orienta.
Figura 1: Critérios e fluxo dos pacientes no CERSAM –
BH/MG
Fonte: Adaptado de Melo (2000) apud Oliveira (2006).
100
5.3 Estender a rede e [re] descobrir os espaços: a saúde mental e a cidade
Além dos dispositivos citados, a Política de Saúde Mental é composta por
outras iniciativas, as quais visam ora a construção de estratégias efetivas de cidadania,
participação social e controle social, ora a produção de subjetividade, ora a conquista de
espaços de socialização. São iniciativas que, sumariamente, buscam transformações culturais
que não se restrinjam à ordem do discurso, mas também na substituição de antigos códigos e
práticas, que ainda permeiam a pratica do atendimento. Dessa forma, busca-se nessa seção
explicitar o sentido dessas iniciativas, as ideias que estão em sua base.
5.3.1 [Re] descobrindo a vida: o papel do acompanhamento terapêutico
Como instiga Galeano no vídeo O direito ao delírio, o que acham de sonhar por
um curto espaço de tempo? Que acham de fixarmos nossos olhos mais além da infâmia, para
imaginarmos outro mundo possível? Mas como sonhar se ainda temos medo? Como imaginar
outro mundo se ainda estamos presos ao que passou? Faz-se necessário uma ponte que realiza
em si um convite para travessia...
Atentos à necessidade de mudar o paradigma de tratamento destinado a pessoal
em sofrimento mental e, assim, viabilizar a desinstitucionalização, a qual não se limita a
desospitalização psiquiátrica, os acompanhantes terapêuticos (AT). Têm como papel a
intervenção para além das fronteiras, do acompanhamento medicamentoso e das consultas
periódicas atuando, assim, na transposição dos muros dos hospitais psiquiátricos. Dessa
maneira, cabe ao acompanhante terapêutico o diálogo, o ensinar andar na rua, o ensinar
administrar o dinheiro, o ensinar fazer compras, o reintegrar o portador de sofrimento mental
à família e à sociedade (GENEROSO et al. apud NOGUEIRA, 2007).
O acompanhamento terapêutico tem como perspectiva viabilizar o que há de
legítimo na loucura como componente da cultura; tenta delimitar uma
terapêutica que leva em conta o modo em que o louco é contextualizado
historicamente pelo imaginário social, para compor, inclusive, a história
pessoal perdida [...] (HOSPITAL-DIA A CASA, apud NOGUEIRA, 2007,
p.12).
As conquistas são singulares, afloram em cada caso, em cada usuário que não
apenas tem a oportunidade, mas que se dispõe a atravessar a ponte que separa o passado do
101
porvir. Já os desafios são inúmeros e de ordens distintas, ora da instituição psiquiátrica, ora da
família, ora do usuário. Desafios que se referem, também, a participação dos usuários nas
atividades de lazer, na retomada das atividades interrompidas, na melhora da frequência
escolar, no aceite das atividades propostas dentro das instituições, no não “levar tão a sério” o
que é dito pelo outro (NOGUEIRA, 2007).
Enfim, em meio às conquistas e aos desafios, o acompanhante terapêutico
inseridos nas residências terapêuticas tem a tarefa de “tentar tecer junto com quem ele
acompanha redes para as quais seus investimentos façam sentido, de tal modo que o que era
subjetividade petrificada passa a vir a revitalizar-se, o que era desejo desospitalizado,
reiventar-se” (TORRES, 2008, p. 119).
5.3.2 [Des] construindo relações sociais: as residências terapêuticas e seus usuários
Novamente Galeano e o direito ao delírio: “A utopia está lá no horizonte.
Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre
dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Pra que serve a utopia? Serve para
isso: para que eu não deixe de caminhar”.
Decorrente do fechamento dos hospitais psiquiátricos, as residências
terapêuticas constituem-se como alternativas de moradia para as pessoas acometidas de algum
sofrimento mental que estiveram internadas em manicômios. Uma vez que o modelo
manicomial se desenrola em um espaço segregacionista, quando ocorre a desospitalização,
tem-se que os vínculos antes construídos, são perdidos, excluídos, e quiçá, desmantelados.
Logo, transpor os muros dos manicômios pode não significar o direito à liberdade, à inclusão
e ao convívio familiar, mas ao abandono, ao esquecimento e mau trato.
Sabe às vezes a pessoa passa tanto tempo internado, 10, 15, 20 anos que ela
não sabe como que é aqui fora mais. Ela não sabe como se comportar, tudo
mudou, a sociedade se transforma a cada dia... Quando uma pessoa sai do
hospital psiquiátrico ela trás consigo os hábitos institucionais, por exemplo,
levanta ás 6hs da manhã para tomar banho quente, porque depois das 7hs o
banho é frio, quando vai comer ela fica agachada porque perdeu o costume
de sentar em uma mesa e não é sempre que ela consegue interagir, então
passa boa parte do tempo sozinha... Nem sempre a família está preparada
para essa convivência, então a pessoa que esteve internada passa a ser tratada
102
como um estranho, se antes pelos sintomas da loucura, agora pelo estigma
que esse carrega. (informação verbal)23
Em resposta as lacunas deixadas pelos hospitais psiquiátricos, as residências
terapêuticas propõem a reabilitação psicossocial, ou seja, a inserção do usuário na rede de
serviços, organizações e relações sociais da comunidade. Além disso, essas residências podem
servir de apoio a usuários de outros serviços de saúde mental, que não contem com suporte
familiar e social suficientes para garantir espaço adequado de moradia (BRASIL, 2011).
A escolha dos moradores que residirão em cada residência ocorre, em um
primeiro momento, de acordo com os laços sociais construídos nos hospitais psiquiátricos,
visando dessa forma garantir a permanência das relações afetivas. Em outro momento, a
escolha ocorre de forma aleatória, respeitando, quando possível, a proximidade com a
residência de algum familiar.
Já o cotidiano das moradias é desenhado de acordo com a interação de seus
usuários; se para alguns as residências são tidas como referência e ancoramento, para outros
as residências são tidas como o lugar de estar. Dessa forma, permanecem mais tempo na casa,
ajudando nas tarefas, seja na limpeza, nas compras ou na cozinha, e assim as relações afetivas
vão sendo construídas, novos hábitos são arquitetados e novas experiências são afloradas. Os
namoros surgem, e quando isso acontece são acolhidos e respeitados, amizades se firmam e os
laços solidários são fortalecidos, laços que, quando oportuno, rompem os muros da casa e
tocam a vizinhança (ABOU-YD; SILVA, 2008).
Sumariamente, as residências se tornaram, não apenas, o direito à moradia e ao
suporte de reabilitação psicossocial, mas espaços de morar, de um novo habitar, de viver, de
(des)construir laços sociais, de romper com os hábitos passado, de criar um novo olhar, um
novo sentir, um novo agir, de apropriar do território e da subjetividade que lhe foi usurpado.
A apropriação do território é tão efetiva e simbólica, quanto material. A casa
é um espaço de invenção permanente na qual se projetam os sonhos, os
desejos e a frustrações de cada morador e, nesta situação em particular,
também os efeitos característicos do processo de institucionalização, como a
invalidação e a desabilitação entre outros. Uma casa como esta será sempre e
mais que qualquer outra, absolutamente singular na medida em que seus
23 Entrevista realizada com a técnica de referência das Residências Terapêuticas.
103
moradores constroem o laço que os une na invenção do cotidiano. (ABOU-
YD; SILVA, 2008, p. 171).
5.3.3 Direito à diferença: atenção à Saúde Mental da Criança e Adolescente
Como interromper o fluxo de fracasso escolar e, sobretudo, o encaminhado à
escola especial ou a clínica de atendimento neuropsiquiátrico? O que há por trás do fluxo de
fracasso escolar e, por conseguinte, a rotina de adoecimento e medicalização de crianças e
adolescentes? Quais as possibilidades de tratamento?
Com o histórico marcado pelo fracasso escolar, ora por déficit de atenção ou
dificuldades cognitivas, ora por distúrbios de comportamento ou hiperatividade, crianças e
adolescentes são encaminhadas aos serviços de saúde mental para obtenção de um laudo
psicológico que lhe franqueasse ou ao acesso às escolas especiais ou ao serviço de saúde
mental acompanhado de procedimentos medicamentosos (TEIXEIRA, 2008).
Frente às intensas demandas por parte das escolas e famílias para atender
crianças e adolescentes com o mencionado perfil, o Projeto Arte na Saúde24
. Busca romper o
fluxo que conduz ao fracasso escolar e assim o encaminhamento a escolas especiais ou
atendimento clínico, com tratamento psicológico, psiquiátricos ou neurológicos. Mas, quais
são os meios de interromper esse fluxo? Há outra resposta que não seja o laudo psicológico?
Será que a medicação é a única saída para essas crianças para uma melhora escolar ou será
possível trabalhar com a psicoterapia?
A partir da formação de um pequeno grupo de convivência, composto por
crianças e adolescentes, foi estabelecido rotinas de encontros, encontros que visaram à
construção de um espaço para falar, ouvir, criar, perceber, olhar o entorno de um jeito
diferente. Sob a orientação de uma equipe multiprofissional da rede de saúde mental e o
monitor de cada núcleo do projeto, residente do mesmo território que a criança e adolescente,
é instituída uma nova lógica de atenção à criança.
É muito mais fácil a gente pegar aquele menino, pegar seus sintomas e
mediá-lo, mas isso atende a um determinado grupo de pessoas, o professor, a
24 Atualmente a rede de Saúde Mental conta com nove núcleos do Arte na Saúde
104
família, mas a gente não entende porque aquela criança faz aquele sintoma, a
gente não dá voz, não dá espaço para essa criança. (informação verbal) 25
Sobre a estrutura do projeto, a fala a seguir evidencia que:
O projeto tem um coordenador, que é um técnico de um nível superir, cada
regional tem seu coordenador, pode ser um psicólogo, um assistente social,
um enfermeiro, TO, esses monitores é uma pessoa da comunidade, esse é um
diferencial, o centro de convivência tem um equipamento físico, e o arte da
saúde não tem uma cede, ele funciona em espaços da comunidade, se não der
para acontecer em um espaço vai ter que alocar em outro. Por que agente
prefere que o monitor seja da comunidade? Para trabalhar a relação da
criança com a comunidade de outro jeito, de explorar o espaço comunitário,
de trabalhar a relação com aquele espaço, questões de cidadania, e de
transformação daquele espaço, o monitor por ser daquele espaço ele media,
ele sabe o que aquele território tem de equipamento, ele tem propriedade
daquele lugar, também e uma busca de identidade. (informação verbal)26
Se em um primeiro momento o Arte na Saúde buscou atender crianças e
adolescentes com problemas escolar, hoje acolhe também crianças em processo de
adoecimento, por causa da violência física, psicológica, sexual, trabalho infantil, em situação
de rua, em situação de uso de álcool e outras drogas, crianças portadores de sofrimento
mental. Dessa forma, as oficinas vão se configurando de maneira com que as demandas sejam
respondidas, por isso sua diversidade.
O projeto está estruturado assim: pessoas da comunidade passam a ser
monitores de arte e artesanato, os locais onde as oficinas funcionaram eram,
também, negociado dentro da comunidade [...] ai essas crianças/adolescentes
eram encaminhadas para esses espaços, e lá faziam suas atividades daquela
modalidade de oficina, e atividades outras como, atividade socialização,
atividade de circulação, passeio pela cidade, passeio com um outro olhar,
tem uma mediação nesse olhar pelo monitor. [...] Tem algumas oficinas que
atendem crianças novinhas, porque é o perfil da regional, por exemplo, lá na
oeste tem uma oficina que funciona na Ventosa que é de contação de história
para criança de 4 a 5 anos, que chegam lá e começam a participar.
(informação verbal)27
No exercício de produzir subjetividades, endereçar o sujeito à sua efetiva
participação como ator social na vida urbana e construir a cidadania, ações transformadoras
são fomentadas, esperadas e concretizadas ora na família, ora no território, ora na escola de
25 Entrevista realizada com a técnica de referência do Projeto Arte na Saúde.
26 Entrevista realizada com a técnica de referência do Projeto Arte na Saúde.
27 Entrevista realizada com a técnica de referência do Projeto Arte na Saúde.
105
cada criança e adolescente. Se antes eram tidos como “problemas”, agora são vistos e
entendidos como sujeitos, sujeitos cientes de seus direitos e deveres, sujeitos com auto estima,
senso de competência, noção de poder expressar, poder socializar, poder aprender uma
determinada técnica e conseguir fazer uma determinada atividade (TEIXEIRA, 2008).
Na regional Norte tem uma orquestra de flautas, eles fizeram uma
apresentação, está tão bacana que eles já fazem parte do circuito cultural de
BH, e fazem apresentação nos centros culturais, ele fizeram um espetáculo
só com o repertório de Beatles em flauta doce. [...] No final do ano quando
essas crianças apresentaram as famílias foram assistir, e ai elas comentavam,
gente eu jamais imaginei que essa criança fosse dar conta de fazer isso.
Então até aquela criança muda seu olhar sobre a família, isso é muito bacana,
porque as vezes a criança fica fazendo sintoma diante do que o pai e a mãe
esperam dele. [...] A criança melhora sua auto estima, o senso de
competência, ela passa a acreditar em si, a família passa a acreditar mais
nela. (informação verbal)28
Aprender a fazer alguma coisa significa, muitas vezes, poder fazer tantas
outras. Significa resgatar novas possibilidades, possibilidade de (re) significação do sujeito,
(re)construção da subjetividade, desconstrução de estigmas, (re)descoberta da própria estima,
empoderamento de capacidades, inserção a sociedade, integração a atividades culturais,
circulação dos espaços, sociabilização. Enfim, aprender a fazer alguma coisa significa a
possibilidade de poder desenhar um futuro que não se limite ao fracasso.
5.3.4 [Des] instituir direitos: os consultórios de rua
Onde está a loucura?
Em confronto com a lógica higienista, a loucura, em alguns casos, transcende
os muros dos hospitais psiquiátricos e se insere no espaço urbano, ora a perambular nas
calçadas, ora a vagar ou se fixar em alguma praça, esquina, marquise ou viaduto. Desfiliados,
desafortunados, despossuídos, não integrados, desvinculados, moradores de rua29
, doidos da
rua, todos caminham em prol de uma mesma causa: uma alternativa de sobrevivência e, quiçá,
moradia. (VILLAMARIM, 2008) ( BOVE e FIGUEIREDO, 2008)
28 Entrevista realizada com a técnica de referência do Projeto Arte na Saúde. 29
Chama-se população de rua as pessoas que utilizam o espaço público como espaço de moradia fixa
ou temporária (VILLAMARIM, 2008, p. 243). Entre eles, encontra-se os que tiveram conflitos
familiares e não se adequaram ao convívio familiar. Há os egressos de instituições públicas de caráter
punitivo/coercitivo e os portadores de sofrimento mental (BOVE; FIGUEIREDO, 2008, p.237).
106
Considerados descartáveis, para o modelo de desenvolvimento neoliberal,
eles provam, com sua teimosia e ousadia, que sua vida tem valor. Resistem e
re-inventam modos de sobrevida. Catam o que a sociedade joga fora,
reciclando e reutilizando objetos achados no lixo. [...] Os moradores de rua
fazem do papelão seu colchão e dos bueiros da cidade seu guarda roupa.
Para alimentar-se deslocam para entidades de carácter assistencialista e
privado ou aguardam o fechamento dos restaurantes. Depois que o último
cliente sai é outorgado “o direito” de comer das “sobras” do alimento. [...]
Não tem privacidade nem para suas necessidades fisiológicas nem para suas
relações sexuais. Usam esconderijos, papelão para se protegerem. Muitas
vezes perdem até sua identidade, não entendida apenas como documento
(que em geral foi perdido ou roubado), mas como aquele elemento
unificador de sua pessoa, que o faz ter um nome, uma história e quase
sempre, muitos poucos sonhos. (BOVE e FIGUEIREDO, 2008, p. 238).
Frente ao processo de exclusão e desumanização com que os moradores de rua,
loucos ou não, estão sujeitos, o Consultório de Rua30
se constitui a partir da sistematização de
estratégias que visam à promoção, prevenção, inclusão e proteção dos sujeitos que moram nas
ruas. Estratégias que só se tornam exequíveis a partir da intersetorialidade de ações a serem
desenvolvidas e em desenvolvimento. Dessa forma, o consultório de rua conta com a parceria
da Secretaria Municipal adjunta de Assistência Social, a partir do CRAS (Centro de
Referência da Assistência Social), da Secretária de Saúde, Coordenação de Saúde Mental31
,
Secretaria Municipal de Defesa Social, Secretaria de Habitação e algumas entidades sociais,
tais como,Pastoral da Rua, Fórum de População de Rua, Centro de Referência de População
de Rua, creches, repúblicas, albergues, dentre outros (VILLAMARIM, 2008).
Nesse contexto o consultório de rua se configura com o objetivo de, a priori,
amenizar o sofrimento existente em cada sujeito e, subsequente, contribuir com a construção
de políticas públicas destinadas a esse grupo. Para tanto, desenvolvem-se estratégias onde a
abordagem inicial ocorre em lócus, no território de cada indivíduo de forma singular e
subjetiva. A partir de então dar-se início aos momentos de escuta, de atendimento e de
encaminhamento para os serviços demandados. Nesse ínterim, é construída a relação técnico-
sujeito, relação que permite trilhar novos caminhos, relação que se legitima a partir da
solidariedade, cooperação, cumplicidade e interlocução desenvolvidas entre os atores
envolvidos (VILLAMARIM, 2008).
30 Atualmente, a prefeitura de Belo Horizonte conta com quatro consultórios de rua (vans adaptadas
para o acolhimento e atendimento da população de rua), administrados pela coordenação municipal de
Saúde Mental. 31
A parceria com a Coordenação de Saúde Mental, iniciou-se em 1993.
107
Cabe ressaltar que o caminho não se esgotou e que existe ainda um grupo
enorme de pessoas morando nas ruas a percorrerem o caminho da cidadania
e autonomia. Trilhar o caminho, levando em conta a singularidade e o
contexto de vida, assim como fortalecer a constituição de grupos e sua
organização em vistas à autonomia e cidadania são metas estabelecidas.
Caminhar nessa perspectiva exige mais do que racionalidade; parece-nos que
exige uma vontade firme de se despojar das amarras, de se colocar diante
dos fatos e das possibilidades; exige o sonho e o reavivar das utopias.
(BOVE; FIGUEIREDO, 2008, p. 240).
Em meio aos vários processos de exclusão, seja pela perda de emprego,
ausência de habitação ou pela fragilidade dos vínculos familiares e sociais, os Consultórios de
Rua tem se constituído como uma ponte entre os moradores de rua e os seus direitos, direito
de sair da rua/ direto a moradia, direito de ser cidadão, direito a identidade, direito ao cuidado,
no caso dos acometidos por algum transtorno psicossocial reserva-se o direito de atendimento
no CERSAM e o diagnóstico médico nos momentos de crise, e não menos importante o
direito de fazer uso do espaço público, que também é seu.
5.3.5 Atenção ao louco infrator: PAI-PJ
Será que o crime cometido por um portador de transtornos mentais o torna
mais perigoso que aquele “normal” que comete o mesmo crime? Será que o exílio aos porões
da loucura elimina a periculosidade, extermina o fora-da-lei? Como cuidar daqueles que
precisarão do Poder Público para cuidar de si? (BARROS, 2001).
Inserido em sociedade onde a lógica se guia pelo princípio da segregação, o
louco ao cometer um crime é destinado ao exílio nos hospitais de custódia ou nos manicômios
judiciários, perdendo assim seus direitos como cidadão, tais como o direito a saúde, o acesso
aos benefícios básicos e o dever de responder pela sua ação na sociedade.
É sabido que os manicômios judiciários configuram-se num espaço de
constante desrespeito aos direitos humanos, garantidos pela Constituição
Federal. Uma rápida passagem por esses lugares, inseridos no espaço
público como instituições de custódia e tratamento, permite que se delineie
um trágico cenário, avassalador aos sentidos: gritos, gemidos de
gozo,sorrisos imotivados... Ambiente onde se misturam o odor de fezes,
urina, suor humano e água sanitária. À nossa vista são oferecidas imagens do
absurdo: homens e mulheres com olhares mórbidos, lascivos, furiosos,
ansiosos, amortecidos... (ELLIAN apud BARROS, 2001, p. 127).
108
Em um cenário marcado pela crise instalada em Minas Gerais, no ano de 1998,
crise oriunda dos constantes encaminhamentos de loucos infratores às instituições jurídicas e
psiquiátricas e, concomitante, o seu não acolhimento pelas mesmas, devido à ausência de
vagas e/ou o processo de desospitalização, o Projeto de Atenção Integral ao Louco Infrator –
PAI – PJ foi implantado no Tribunal de Justiça no ano de 2000, com o objetivo de instituir um
modelo substitutivo à privação de liberdade (BARROS, 2008).
Somada à realidade e à crise descrita, encontra-se não só a necessidade de
romper com o paradigma da periculosidade, que determina que a loucura é perigosa e que
deve ser, a priori, excluída do convívio social, mas também o desafio de articular a clínica, o
social e o ato jurídico. Se respaldando na ideia de que essa conexão seria feita por muitos
atores, a experiência do PAI-PJ têm se traduzido em uma política intersetorial, composta pelo
aparato jurídico, pelo saber psiquiátrico e pela mobilização social entre diversos atores
(BARROS, 2008).
Ainda sobre os desafios a serem superados, importa evidenciar que a
implementação desse serviço é polêmica, pois tem aqueles que o defendem, bem como
aqueles que questionam sua pertinência, dessa forma Barros (2001) tece as seguintes
considerações:
Mas será que a rede de assistência em saúde mental sustentará uma diferença
de tratamento entre o portador de sofrimento psíquico que, num instante
delirante, passou ao ato usando o corpo alheio, e aquele que, em sua
construção delirante, usou o próprio corpo? Socialmente, ambos golpearam a
mesma lei: Não Matarás. Estruturalmente, ambos não recuaram diante do
imperativo de golpear. Será diferente o tratamento? Será preciso criar casas
especializadas em pacientes judiciários? Qual a argumentação que sustenta
esta segregação impedindo estes indivíduos de responderem por seus atos
como qualquer cidadão o faz, dentro das normas jurídicas e terem direito ao
tratamento em saúde mental pelos serviços de assistência à saúde mental?
(BARROS, 2001, p. 130).
Atentos aos questionamentos citados, o Projeto de Saúde Mental de Belo
Horizonte em parceria com o PAI-PJ tece estratégias de forma que o sujeito se sinta acolhido,
orientado e acompanhado para ora se tratar – enquanto sujeito acometido por algum
transtorno psicossocial nos serviços de assistência à saúde mental -, ora responder pelo que do
seu jeito escapa à lei.
109
Ao ser convocado pela Justiça a responder pelo seu ato, assistimos à
construção do crime através da linguagem. A palavra, ao refazer o ato,
produz um sentido, lá onde estava o sem sentido, localiza-se o excesso pelo
qual o sujeito deverá se responsabilizar. O sujeito deve se responsabilizar
pelo seu ato, do seu jeito ele deverá responder pelo que faz. Assim,
construindo a medida da sua responsabilidade, vimos, em muitos casos, o
necessário valor do “pagar pelo que se fez” e, a partir daí, a construção de
um projeto possível de convivência no social (BARROS, 2001, p. 130).
Ainda sobre o acompanhamento realizado pelo PAI-PJ, ressalta-se que:
Atualmente são 290 casos, 53%, num episódio de passagem ao ato,
cometeram um crime, a saber, homicídio, tentativa de homicídios, estupro
seguido de morte. Antes da inserção no Programa, 30% desses casos já
tinham recorrido, mais de uma vez, à passagem ao ato como solução para
seu sofrimento. Hoje, 3% encontra-se internados, 22% cumprem medida em
estabelecimentos prisionais e 73% cumprem medida de liberdade. Nesses
sete anos de secretaria, não houve reincidência criminais, em que o crime
tenha se realizado contra pessoas ou com o uso de violência e registramos
uma reincidência processual, como delitos do tipo furto, uso de droga e
tráfico, em torno de 1,5%. (BARROS, 2008, p. 205).
Frente à experiência e o desamparo de cada sujeito, articula-se uma rede
ampliada, que busca construir outros pontos de acolhimento, pulverizar o eixo de referência
clínica/juiz, (re)inventar uma orientação para a direção de cada caso, privilegiar o sujeito em
sua humanidade, (re) descobrir novos modos de vida e de formas de sociabilidade
responsável, estudar caso a caso, desconstruir os paradigmas da irresponsabilidade,
incapacidade e periculosidade atribuídas à experiência da loucura, acolher o sujeito em sua
singularidade e diversidade (BARROS, 2008).
5.3.6 A loucura e a arte: 18 de Maio e a Semana da Arte Insensata
Para além das questões da saúde mental, mas também subsidiadas por elas, a
reflexão sobre o convívio entre a loucura, a arte e a cidade tem possibilitado recriar a ideia
sobre a figura do louco e fomentar iniciativas no âmbito da cultura. Algumas iniciativas em
curso em Belo Horizonte tratam de inserir a arte e a ocupação da cidade como estratégias na
luta antimanicomial e na afirmação da ética da desinstitucionalização. A arte, mais do que
expressão de talentos, constitui-se aqui como uma janela para a reinvenção de si. O louco, que
porta a marca de uma ruptura psíquica, encontra na produção artística novas manobras de
reproduzir-se. Isso não significa que os loucos se tornarão artistas, mas o fazer com as cores,
com as formas, com as mãos tem uma função necessária e própria: o de criar um território
110
comum, o de afirmar uma identidade coletiva/individual e o de reconhecer o intraduzível das
coisas (LOBOSQUE, 2001).
Pum pum pum ... tim tim tim e tlec tlê tlec. Entre um conjunto de cores,
pedaços de papel picado e metalizados tamborins, comemora-se o 18 de maio. Instituído
como o Dia da Luta Antimanicomial, esta data remete ao Encontro dos Trabalhadores da
Saúde Mental, ocorrido em 1987, na cidade de Bauru32
, no estado de São Paulo. Movimento
que propôs tratar a pessoa com transtorno mental de forma humanizada, resgatando a
participação familiar e comunitária, substituindo o modelo de contenção hospitalocêntrica
(MATTOS, 2008).
Seguindo as ruas ao entorno da Avenida Afonso Pena, e se dispersando na
Praça Sete, o carnaval de 18 de maio expressa que a loucura transcende a um tipo psicológico
e a uma área de intervenção, ela envolve tradições, culturas e políticas. A luta antimanicomial
evidencia não apenas a necessidade de desconstruir as ideias manicomiais mas, sobretudo, a
necessidade de construir novas relações entre o sujeito, a sociedade e a cidade.
Você pode pensar que é Deus e sair por aí abençoando a cidade. Na cidade o
desfile/passeata e reboca, imanta, choca a “fazendinha iluminada” que é
Belo Horizonte. As várias metamorfoses-ambulantes vão fazendo com que
não se saiba quem é técnico, usuário, sambista ou familiar. No similar da
alegria espontânea todos saem com suas próprias caras, taras, fantasias.
Todos mesclados na antropofagia oswaldiana que não perdoa: ou nego vem
de Lênim, ou vem de Al Capone. Tupi or not tupi vai continuar sendo a
grande questão. (MATTOS, 2008, p. 253).
Fruto da produção artística e cultural dos portadores de sofrimento mental
atendidos pela Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, a Mostra da Arte Insensata é
um projeto que se propõe suscitar reflexões sobre o lugar da arte e da loucura na cidade. Em
busca da inserção social e da autonomia dos portadores de saúde mental, o eixo principal do
projeto é criar espaços de interlocuções e manifestações artísticas.
32Movimento que resultou na Reforma Psiquiátrica brasileira, definida pela Lei 10216 de 2001 (Lei
Paulo Delgado), que instituiu os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), onde os pacientes recebem
tratamentos semi-intensivo (alguns dias por semana) ou nos casos mais severos, intensivos (todos os
dias da semana), morando, entretanto, na maioria das vezes, junto com a família e convivendo em
sociedade.
111
A Mostra de Arte Insensata inaugura um novo jeito de fazer a interlocução
com a cidade e quer dialogar sobre efeitos que a decisão de fazer caber a
diferença produziu nos corpos e nas histórias de cada sujeito, mas também
no traçado de cada cidade, tendo as produções do portador de sofrimento
mental como mediadores desse debate. (informação verbal)33
A Mostra de Arte Insensata não se propõe evocar a doença ou a insanidade
mental, nem tampouco a razão como única forma de representação, mas a diversidade e a
singularidade, reafirmando que a cidadania deve ser a condição primeira e comum a todo
habitante da cidade, sejam estes dotados ou não da razão. Dessa forma, dar-se início a
construção de uma cidadania cultural, desconstruindo os preconceitos em prol da produção de
sentidos, de saberes, ampliação de territórios de circulação, e enriquecimento da
subjetividade.
5.3.7 [Re] inventando as relações de trabalho: SURICATO
A Suricato – Associação de Trabalho e Produção Solidária foi uma iniciativa
do Fórum Mineiro de Saúde Mental e dos usuários dos serviços de saúde mental de Belo
Horizonte. A partir de uma demanda surgida entre usuários, por trabalho, cidadania,
emancipação, autonomia, realização profissional, pessoal e social, por oferta de cursos de
qualificação profissional, o Fórum Mineiro de Saúde Mental em parceria com a Secretaria de
Saúde do município passaram a ofertar cursos de qualificação profissional, organizando-se em
seguida, em grupos de produção constituindo uma cooperativa.
A Suricato constitui-se de certa forma como um movimento social em favor
das ideias da Luta Antimanicomial no contexto da Reforma Psiquiátrica em
curso no Brasil, defendendo o direito do portador de sofrimento mental e sua
consequente inserção social, agora, também, pelo trabalho. (RIBEIRO et al.,
2008, p. 236)
No ano de 1999, ocorreu a primeira edição dos cursos onde os alunos passaram
a ter acesso a informações sobre a história do trabalho, economia, cooperativismo e
associativismo. A partir dessa experiência, a Secretaria de Saúde do município criou, em
2003, uma política de apoio político e financeiro a essa iniciativa, possibilitando assim, a
fundação de um empreendimento solidário.
33 Entrevista realizada com ex-coordenadora da Política municipal de Saúde Mental.
112
Composto por quatro núcleos de produção, a Suricato passou a atuar nas
seguintes áreas: a) costura, onde são confeccionadas bolsas e almofadas; b) marcenaria, onde
são fabricadas peças para mosaicos e outras peças para decoração; c) mosaicos, onde são
produzidas objetos e adornos como bandejas, porta-copos, porta-chaves, espelhos, etc; d)
cozinha, onde são produzidos vários tipos de salgados e doces. Estes grupos se dividem em:
dois núcleos de produção que funcionam dentro do centro de convivência do bairro São
Paulo; o terceiro na Central de Abastecimento Municipal também no bairro São Paulo e o
quarto grupo fica no Centro Público de Economia Solidária no Edifício Central na Praça da
Estação.
Os integrantes34
da Suricato são usuários do serviço de saúde mental
encaminhados pelos centros de convivência. A Suricato se organiza de forma horizontal, isto
é, através de uma coordenação colegiada eleita em assembléia, esse grupo é responsável pela
gestão da mesma com suporte de uma equipe técnica que atualmente desenvolve um processo
de desincubação da empresa social. A produção pode ser realizada tanto sob encomenda
quanto para ser vendida nas feiras e eventos, como por exemplo, na Feira Nacional de
Artesanato, na Feira da Bernardo Monteiro, na Mercado das Mostras de Arte. No que se
refere à distribuição dos ganhos, esta é feita de forma coletiva de acordo com o número de
horas trabalhadas; entretanto, a renda gerada ainda não é suficiente.
Além de se constituir como parte do movimento da Luta Antimanicomial, a
Suricato faz parte do Movimento de Economia Popular Solidária e, dessa forma, preza-se pelo
princípio da igualdade, no que se refere à divisão da propriedade, da autogestão, o que implica
na socialização dos meios de produção, sendo estes de propriedade e controle de todos os
trabalhadores. E, por fim, da gestão democrática, o qual incita a participação dos
trabalhadores nos processos de tomada de decisão (SINGER, 2002, p. 84).
Em favor do trabalho ético, solidário e humanizado, a Suricato tem
possibilitado aos portadores de transtorno mental a formação de uma identidade coletiva, a
construção de novos valores, perspectivas, o resgate da cidadania, da auto-estima e a sua
inserção na sociedade e no trabalho. Dessa forma, tem-se que tal iniciativa não apenas
34 Atualmente, participam 42 pessoas.
113
tenciona as relações econômicas e sociais, mas possibilita a criação de uma nova cultura, de
respeito aos interesses individuais e coletivos dos sujeitos. Em relação aos desafios tem-se à
necessidade de superar a condição social estabelecida sobre a loucura, o que significa um
deslocamento sobre a idéia de sujeitos, os patamares em relação aos ganhos e a produção
dialética imposta pela economia de mercado, bem como a consolidação dos princípios da
democracia, o respeito ao ritmo, a singularidade, o trabalho enquanto fonte de realização
tendo os sujeitos no centro da economia (Técnico de referência da Suricato).
Vimos nesse capitulo a trajetória os serviços substitutivos implantados dentro
da lógica da desinstitucionalização e como estes tem se constituído como espaços de
restauração, de aprendizado do próprio corpo que cabe ao sujeito, de transposição dos espaços
de exclusão, de superação dos aparatos de contenção, de recuperação do sujeito quanto
cidadão, de inserção no mundo da educação, do trabalho, do esporte, da cultura, da política,
mundos ajustados a cada indivíduo. Trata-se de dar espaços às pessoas que possuem em sua
biografia situações e comportamentos classificados como inadequados; pessoas que possuem
características na sua personalidade, no seu jeito de ser, no seu cotidiano, que não se adéquam
ao status “normal” (LOBOSQUE, 1994; DELGADO, 1994). Os serviços substitutivos
buscam esse resgate do sujeito e sua inserção social. Essas são as idéias que os fundamentam
e que alimentam de expectativas e projetos a prática institucional.
114
6 A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE:
CONSOLIDAR AVANÇOS E ENFRENTRAR DESAFIOS
O que significa, de fato, desinstitucionalizar a loucura? Não seria também
desinstitucionalizar a cidade e as relações com os outros, com o espaço,
com o próprio corpo? (Mariana Liberato)
Neste capítulo iremos analisar a emergência e consolidação de um novo
paradigma no campo da saúde mental, resgatando, de início, elementos conceituais
trabalhados no primeiro capítulo para entender como novas idéias foram inseridas na agenda
pública e inseriram mudanças na forma de atuação governamental. Mas principalmente o foco
da análise reside no exame do processo de institucionalização dessa política em Belo
Horizonte, na identificação dos avanços e desafios ainda pendentes para que de fato essa nova
“ideia” ganhe materialidade, consistência e se fortaleça como concepção e estratégia de
atenção ao portador de sofrimento mental.
6.1 Ideias e atores importam, mas o contexto também
[...] a articulação entre a definição do problema, a definição das
alternativas e o processo político é frutífera para explicar inovações nas
políticas públicas, mas seu entrecruzamento precisa ser identificado a partir
do estabelecimento dos nexos históricos, de forma a entender os atores
políticos tanto como objetos como sujeitos. Nesse último caso, são as ideias
que dão o substrato à ação coletiva e ampliar a compreensão das inovações
requer examinar o processo sociopolítico pelo qual coalizões ou redes
específicas são formadas. (Telma Meniccuci e Flávia Brasil)
A análise da experiência do município de Belo Horizonte no campo da saúde
mental evidencia que “novas” ideias sobre a loucura só se tornaram ideia força, em dado
momento, devido à interface entre a identificação de um problema, a formulação de
alternativas, a difusão dessas ideias em uma comunidade, composta por profissionais da
saúde, usuários dos serviços de saúde mental, seus familiares e o movimento de luta
antimicomial, a mobilização e a construção de uma rede de atores que, por meio de ações
estratégicas e organizativas, se apropriaram das oportunidades oferecidas pelo contexto
político e institucional.
A emergência dessa nova idéia força traduzida pela noção de
desinstitucionalização estava inserida em um contexto mais amplo da democratização do País,
115
favorável à inovações institucionais e ao alargamento de direitos, entre os quais se inclui as
demandas pelo direito à saúde/saúde mental (MENICUCCI; BRASIL, 2006). Ainda sobre o
processo de democratização Menicucci e Brasil (2006) evidenciam que o mesmo
gerou potenciais organizativos e a possibilidade de trânsito de projetos
configurados no interior da sociedade civil para o âmbito do Estado,
endereçados ao alargamento daagenda pública e às possibilidades de
influência nas políticas públicas. Nesse contexto favorável, foram
construídos projetos de reformas a partir da articulação de diferentes atores e
da constituição de redes temáticas e policy networks, que, por meio de
diferentes processos, conseguiram produzir uma agenda inovadora, que se
traduziu em mudanças institucionais. Isso denota que fatores exógenos ao
campo das políticas, particularmente mudanças no contexto político mais
amplo, explicam em parte as mudanças institucionais (MENICUCCI;
BRASIL, 2006, p. 389).
Ao resgatarmos a história da assistência psiquiátrica percebe-se que em um
primeiro momento priorizou-se a construção de hospitais públicos como referência para a
população, acometidas ou não de algum transtorno psicossocial, já em um segundo momento
a assistência se reorientou em prol da extinção gradativa destes hospitais, entendidos como
mecanismo de opressão; um “lugar de ócio, de segregação, de desumanidade” (informação
verbal) 35
substituindo-os por uma rede de serviços que atendesse em liberdade, as demandas
de seus usuários (LOBOSQUE, 2001).
Condizente com a discussão nacional sobre a construção de um projeto de
Reforma Psiquiátrica, a gestão Frente BH36
ao assumir a administração da Prefeitura de Belo
Horizonte, no ano de 1993, buscou construir um projeto que inovasse o arcabouço
institucional psiquiátrico e que rompesse com a lógica manicomial. Introduzida na agenda
governamental a ideia de que a saúde mental é um direito do cidadão e o dever do Estado, um
grupo de profissionais da saúde, entendidos por Peter M. Hass (1992) como comunidades
epistêmicas, se uniu a nova gestão municipal com o intuito de intervir e dialogar com o poder
público a condução da política, contribuindo assim com a sustentação e ampliação da rede de
saúde mental em Belo Horizonte.
35 Entrevista realizada com usuários dos serviços substitutivos.
36 Gestão que ganhou as eleições municipais no ano de 1993.
116
Concomitante à mobilização, os atores adeptos às ideias e práticas
antimanicomiais deram início ao processo de sensibilização dos gerentes dos hospitais
psiquiátricos, dos trabalhadores do Galba, do Raul e da rede de serviços substitutivos que
estava sendo construída. Sensibilizações que tornaram notório as críticas aos hospitais
psiquiátricos e a necessidade de extingui-los.
Então, [...] nos entrávamos nos hospitais e pedidos à lista de endereço do
pessoal que tava internado e depois separávamos por regionais, íamos para
regional norte e tentamos sensibilizá-los porque que eles tinham que atender
os psicóticos. Íamos aos gestores e tal e mostrávamos na região tal, têm
tantas pessoas internadas. (informação verbal)37
Assim, em meio ao processo mobilização, organização e articulação entre os
atores políticos, a sociedade civil, os profissionais da saúde e os usuários dos serviços de
saúde mental, a política de saúde mental foi se transformando e introduzindo novos princípios
e práticas exercidas nos hospitais psiquiátricos e para além deles. Na tentativa de amenizar a
condição sub-humana imposta aos pacientes internados em tais instituições, alguns
trabalhadores da saúde38
implementaram oficinas, passeios e atividades recreativas.
Entretanto, apesar de “maquiar” o cotidiano hospitalar, as práticas em curso não
correspondiam aos princípios da Reforma Psiquiátrica, pois ainda violavam o direito à
cidadania39
, à liberdade e à dignidade humana básica40
. (MACHADO, 2008)
[...] por exemplo, hora do recreio, não tinha ninguém fazendo nada, então
vamos tomar sol? Vamos jogar futebol? Vamos plantar um canteiro? Então
nos chamamos isso de labora terapia, ou então de oficinas, nos começamos a
fazer isso, a equipe de saúde mental. Isso começou a ser implantado e sair
com os pacientes do hospital, sair para dar passeios, não era só esperar a
família vim não, vamos ali ao parque da gameleira, vamos ao zoológico,
então enchíamos o ônibus de gente, vários monitores, isso no hospital
psiquiátrico, mas sempre sentindo a necessidade de uma abertura.
(informação verbal)41
A abertura dos hospitais psiquiátricos para além dos muros institucionais
significou uma relativização da concepção de “instituição total” que marcou, durante dezenas
37 Entrevista realizada com coordenadora do Fórum Mineiro de Saúde Mental.
38 Buscaram desconstruir o seu saber de especialistas, sustentando que a ciência e a técnica não podem
ter um lugar preponderante na relação entre sociedade e loucura. 39
“De forma sintética, cidadania é a possibilidade que qualquer pessoa tem de participar da vida
política do Estado.” (MACHADO, 2008, p. 111) 40
“A dignidade pressupõe a autonomia vital da pessoa, a integridade física, a possibilidade de inserção
no trabalho e a garantia de condições existenciais mínimas.” (MACHADO, 2008, p. 116) 41
Entrevista realizada com a psicóloga do CERSAM Noroeste.
117
de anos, o tratamento da loucura. De louco a portador de sofrimento mental, a assistência à
saúde foi incorporando a noção da cidadania e da inclusão social, marcando rupturas e
inflexões importantes na concepção da doença, do doente e de seu tratamento, que
posteriormente foram sendo implementadas em leis, novas institucionalidades, políticas e
ações.
6.2 [Des] institucionalizar ideias, práticas e instituições: a política de saúde mental in
lócus
Inventar a saúde como uma prática, como um sistema político, que seja
capaz de assistir e aliviar a dor dos sujeitos, ajudando-os a descobrir o seu
modo de “gastar a vida”, de consumirem-se no combustível que nos move:
nosso desejo de viver, de descobrir o singular de nossa condição humana,
ao mesmo tempo em que nos inserimos em um coletivo e nos tornamos
cidadão [...] (Helvécio Júnior)
O percurso que a Reforma Psiquiátrica e a política de saúde mental tem
instaurado caracteriza-se não apenas pelo desmantelamento dos hospitais psiquiátricos e sua
substituição por outros serviços, mas por obstáculos que dificultam e retardam a
implementação de novos equipamentos, dispositivos, ideias e práticas.
Em um contexto marcado pelo processo de mercantilização da saúde, a reforma
se deparou com os entraves impostos pela indústria da loucura, privatização e construção de
inúmeros hospitais psiquiátricos. Em um segundo momento, foi preciso superar a resistência
de um grupo de profissionais que, por interesses particulares ou cooperativos, interpretaram as
mudanças no campo da saúde mental como algo que feria os princípios da ciência e da
técnica. E por fim, ainda se faz necessário não apenas romper com a lógica manicomial, mas
com o legado deixado por ela. Legado que ainda sustenta os preconceitos sociais contra o
cidadão acometido por algum transtorno psicossocial, as fantasias criadas em torno das
manifestações da “loucura”, os mitos de periculosidade e da incapacidade, as práticas de
descriminação, isolamento, exclusão social e invalidação.
118
No âmbito da assistência, os serviços que compõem o modelo substitutivo42
se
configuram em busca do acolhimento de cada caso e da singularidade de cada sujeito; da
tessitura de uma rede de entrelace entre a loucura e a cidade; da produção e a ocupação, por
parte dos “loucos”, dos espaços da cultura; da autonomia do movimento antimanicomial em
relação ao Estado e a partidos políticos; e, por fim, do diálogo e aliança do movimento com
outros segmentos da sociedade civil e simpatizantes da luta antimanicomial.
A construção de alternativas à hospitalização da loucura não são triviais.
Mesmo criando serviços substitutivos, como os CERSAMs, os desafios de elaborar uma
metodologia da atenção e de viabilizar a gestão matricial ainda são persistentes, conforme se
percebe na fala abaixo:
Vamos tirar a internação, mas como que a gente faz? Nós não temos leitos,
em um primeiro momento nenhum CERSAM tinha leito noturno, os leitos
era só na parte do dia e no fim de semana, posto de saúde não trabalha fim
de semana... avanços foram sendo construídos nesse sentido, vimos que isso
deu certo, as pessoas estão mais soltas, tem-se tido sucesso no
empreendimento, tem gente que não sabia nem o nome dela, aqueles
paciente crônicos...Trata no CERSAM, esse é o lugar da crise, e depois? Vai
para casa? Vou encarcerar de novo? Tem gente que fica até amarrado,
acorrentado. Então o que foi feito, o centro de convivência, existe, esses
centros como um local de atividade, de enriquecimento profissional, tem
paciente que chama de escolinha, lá têm várias atividades. [...] Na hora que
dou alta para os meus pacientes aqui eles precisam de uma atividade, porque
ainda não tem condição de trabalhar ainda, então eles precisam estar
ocupados, precisam se socializar, saem daqui e vão para lá. (informação
verbal)43
.
Percebe-se que apesar dos dispositivos criados terem objetivos específicos, no
imaginário de seus usuários alguns desses dispositivos ganham significados diversos. O
Cersam é um “(serviço) focado na doença, no tratamento, na forma de ajudar o paciente sair
da crise, um caráter terapêutico” ; “o Centro de convivência é focado na produção do cidadão,
na possibilidade que ele tem de criar, e de ser feliz, é nisso que a gente aposta, todo cidadão
tem o direito de ser feliz, doente ou não” (informação verbal)44
e as Residências terapêuticas
42 Além dos dispositivos mencionados foi criado o CERSAM ad, CERSAM infantil, Equipes
Complementares. 43
Entrevista realizada com a psicóloga do CERSAM Noroeste. 44
Entrevista realizada com a gerente do Centro de Convivência Noroeste.
119
consistem em “oferecer moradia aos usuários que perderam os vínculos familiares e que não
tenham autonomia social” (informação verbal)45
.
Mas apesar dos objetivos assim estabelecidos, o lugar e o papel desses
dispositivos para as pessoas participantes vai muito além do que está posto. Conforme se
percebe nas falas abaixo, o centro de convivência também é compreendido como o lugar de
trabalho, de ocupação, de aprendizado, de lazer, de [re] construção, de superação.
Então, aqui a gente não trata, mas faz um efeito tão bom, na reconstrução de
uma história, tem paciente que sai de uma crise às vezes muito difícil, uma
confusão com desestruturação emocional, e aqui ele consegue ir se
recuperando aos poucos, com autoestima. Para alguns o contanto com
alguma habilidade manual nas oficinas, com a cerâmica, com o bordado,
com o artesanato, já teve pessoas que passaram por aqui e tiveram coragem,
teve uma aqui que abriu uma lojinha na garagem de casa e vende os panos de
prato que ela aprendeu aqui, então ela reconstruiu aqui sua história e pode
também gerar renda, outros foram para SURICATO. (informação verbal)46
.
Então isso para a vida do usuário é muito importante. Alguns aqui que
tiverem em situação de cárcere privado, de não dar conta de sair, vinha em
um primeiro momento acompanhado do familiar, e agora consegue vir
sozinho, pegar ônibus e sair, fazer cursos, de querer estudar, nós temos três
turmas do EJA, educação jovem adulta, alfabetização, nos tivemos 8
certificação do ensino fundamental, pessoas que começam ter o prazer de
voltar a estudar, tem três pessoas que formaram aqui e continuaram o ensino
médio, uma fez o ENEM e agora vai fazer vestibular, então assim é esse
estímulo que o centro de convivência proporciona, é da pessoa ir se
descobrindo numa outra realidade, com algumas limitações que a doença
traz, mas que não o impeça enquanto pessoa, enquanto cidadão, de participar
da cidade, como em outros momentos aconteceram. (informação verbal)47
.
No âmbito do planejamento e organização dos serviços substitutivos, as
diretrizes elegidas pela gestão municipal buscaram garantir a construção de projetos
intersetoriais48
e a consolidação de uma rede de atendimento que funcionasse segundo a
lógica matricial. A intersetorialidade implica na descentralização de saberes e práticas. Se
45Entrevista realizada com a técnica de referência das Residências Terapêuticas.
46
Entrevista realizada com a gerente do Centro de Convivência Noroeste. 47
Entrevista realizada com a gerente do Centro de Convivência Noroeste. 48
(...) intersetorialidade se diferencia, ainda que de maneira sutil, da articulação ou coordenação das
ações, uma vez que envolveria alterações nas dinâmicas e processos institucionais e nos conteúdos das
políticas setoriais, introduzindo uma perspectiva inovadora no desenho e na abordagem das políticas
setoriais e na gestão pública. A intersetorialidade, do ponto de vista substantivo, requereria mais do
que a articulação ou a comunicação entre os diversos setores sociais, tais como saúde, educação,
habitação, emprego e renda, saneamento e urbanização, por exemplo (VEIGA; BRONZO, 2007, p.
10).
120
antes a saúde mental se restringia a abordagens tecnicistas, agora ela é subsidiada pela
interlocução, articulação e união de uma equipe multiprofissional, composta por médicos,
enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, dentre outros
profissionais. As práticas intersetoriais e multiprofissionais, ao superarem os limites impostos
pela “Administração Pública Burocrática”, setorial e especializada, busca contribuir para a
redução da compartimentalização de saberes, da fragmentação das práticas.
Dessa forma, as estratégias de acolhimento e cuidado destinado ao “louco” e as
manifestações de sua loucura deixaram de ser fragmentadas, dispersas e sobrepostas, dando
lugar ao compartilhamento de conhecimentos e a atuação integrada de diversos setores,
projetos e ações. Em tese, a perspectiva intersetorial e multiprofissional (SANDIM, 2012)
otimizaria a utilização dos recursos disponíveis no trato dos múltiplos problemas existentes no
campo da saúde mental, permitindo atender o sujeito em sua complexidade e totalidade.
É notório que a interface existente entre tais saberes contribuem para que a
abordagem contemple os indivíduos de maneira integral, como por exemplo, um morador de
rua que sofreu ou sofre algum acometimento no campo da saúde mental é acolhido pela
equipe de saúde, assistência social, jurídica, dentre outras. Entretanto, questiona-se se a
interdisciplinaridade de fato é um pilar da política de saúde mental e das práticas exercidas
nos dispositivos, ou se a mesma se limita a casos isolados. Entretanto, trata-se de uma
mudança de longo prazo, pois implica em alterar práticas e concepções arraigadas e exige
uma mudança de paradigma no campo da gestão pública. Entender a multidimensionalidade
de problemas complexos, dentre eles o sofrimento mental, exige alterar a lógica de atenção,
para que ela seja integral e consiga de fato, enxergar e atuar no sujeito em sua singularidade e
de forma integral.
Em interface com a diretriz intersetorial, e o multiprofissionalismo, o
matriciamento (BEZERRA; DIMENSTEIN, 2008, p.637) propõe o compartilhamento de
diretrizes, de experiências e de saberes no campo da saúde mental com outros profissionais da
rede básica, assim como busca assegurar a retaguarda especializada a equipes e profissionais
encarregados da atenção à saúde, a abordagem integral de determinada demanda, a co-
responsabilização e a avaliação contínua no tratamento do usuário.
121
Para que o apoio matricial se concretize tem sido necessário modificar as
relações de níveis hierárquicos “estabelecidos” entre os profissionais de saúde (BEZERRA;
DIMENSTEIN, 2008, p.637). Isso pressupõe que o especialista se integre às equipes que
necessitam do seu trabalho e, além de cumprir o papel que lhe é designado, como generalista
ou psiquiatra, compartilhe o seu saber e capacite outros profissionais da saúde 49
. O que em
tese possibilitaria; a) ampliar a visão sobre a saúde, a doença e o tratamento, sem que
houvesse a diluição da responsabilidade sobre os casos; b) consolidar uma rede de assistência
mais integrada, ampliada ao território de cada usuário; c) desconstruir a lógica do
encaminhamento, garantindo o intercâmbio sistemático de conhecimentos entre as várias
especialidades e profissões e d) garantir o acesso de todos os usuários aos serviços de saúde
mental.
Ainda sobre o matriciamento, indaga-se sobre a eficiência da comunicação e
integração entre os dispositivos, os distintos especialistas e as várias equipes de referência,
como também o compartilhamento de responsabilidades pelos casos e pela ação prática e
sistemática. Como essas relações interpessoais são construídas? Os atores envolvidos têm se
disposto a cooperar na tomada de decisão compartilhada? Os espaços criados para que haja o
compartilhamento na elaboração de planos gerenciais e de projetos terapêuticos tem se
consolidado? Tem ocorrido a co-gestão dos casos? A compilação e circulação de informação
entre as instâncias e atores tem sido suficiente para a concretização do projeto terapêutico?
Calcada nas diretrizes intersetorial e matricial, a rede de serviços de saúde
mental tem buscado garantir a articulação entre os atores e as instâncias envolvidas na
desinstitucionalização de práticas manicomiais, ampliar a construção e a institucionalização
de princípios e estratégias que considerem tanto as ações relativas às clínicas do sujeito
quanto aquelas relativas à sua habilitação e a sua inserção em outros mundos que não sejam as
instituições psiquiátricas.
O funcionamento dos CERSAMs e dos Centros de convivência permite
identificar esses outros mundos para além dos hospitais, porque são dispositivos que acolhem
49 Esse compartilhamento ocorre entre os profissionais do Centro de Saúde (unidade básica) e os
profissionais do Centro de Referência de Saúde Mental.
122
e que viabilizam a humanização do atendimento e a desinstitucionalização da loucura,
conforme fica claro no depoimento abaixo:
[...] todo burocrata, todo empresário, aquele que trabalha na sua vida
cotidiana, precisava ver o funcionamento da rede, porque é um trabalho
amoroso, ele salta os olhos pelo amor, você vê o trabalhador, o gestor ter
amor pelo usuário, não é mecânico, robotizado, essa é a minha visão do
trabalho da rede. Ela esta cumprindo o papel que tem fazer, só precisa
aumentar a rede, ter mais trabalhadores, porque são poucos. Precisa de mais
CERSAMs. Mas o cuidado o trabalhador da rede tem. Eu costumo falar que
a rede é um oásis, onde o usuário é tratado com um psiquiátrico, psicólogo e
você vê o trabalhador prestando atenção no usuário, emprestando sua caneta
pra ele e dizendo leva mas me traz de volta, e eu vejo o usuário sendo dono
do CERSAM, dono do centro de convivência, o usuário é proprietário da
coisa, onde ele usufrui, é diferente das vezes que eu visitei o hospital, não
parece que ele é dono daquilo, acho que ninguém tem vontade de ser dono
daquilo lá...agora do CERSAM e do centro de convivência o usuário toma
posse, assumidamente dono, atende telefone, participa das reuniões, e isso é
uma atitude de quem é dono de quem ta ali próximo, se não é dono é filho do
dono. (informação verbal)50
.
Rede que é ao mesmo tempo pura fluidez e materialidade; é ato de
consequência do desejo de seus operadores e que se encontra em torno dos
casos, dos sujeitos aos quais busca dar suporte, em torno de suas questões,
dificuldades e saídas, enfim, encontra-se em torno de uma causa: a
desafiadora diretriz ética que convoca homens a habitar o mundo que os
cerca, prescindindo dos recursos de negação e anulação da vida e das
diferenças. (PEIXOTO, 2007, p.1).
6.3 De homem-objeto a homem-sujeito: novas idéias sobre a loucura e o louco
Sonhar o sonho impossível, sofrer a angústia implacável, pisar onde os
bravos não ousam, reparar o mal irreparável, amar um amor casto à
distância, enfrentar o inimigo invencível, tentar quando as forças se esvaem,
alcançar a estrela inatingível [...] (Miguel de Cervantes)
Os dizeres de Miguel de Cervantes ilustram o empenho que os trabalhadores da
saúde, usuários do serviço de saúde mental e seus familiares têm exercido na defesa de um
discurso e de práticas que visam à responsabilização coletiva pelo sofrimento humano.
Empenho que tem buscado transcender o monólogo estabelecido pela razão sobre a loucura,
bem como os limites impostos pela lógica inerente ao manicômio (PRATES, 2007, p. 1).
Superar tais limites consiste atravessar a dor do isolamento, do abandono, do
anonimato, do enclausuramento, da correção moral, da vigilância, da punição, do silêncio, da
50 Entrevista realizada com integrante da ASUSSAM.
123
custódia, dores impostas pelos ritos de exclusão, e construir um novo jeito de viver, de agir,
de pensar e de sentir, um novo jeito se perceber enquanto sujeito, dotado de desejos, sonhos e
direitos.
Para que essas mudanças se concretizassem, foi imprescindível a construção de
um tratamento mais humano, que não se fundamentasse, unicamente, na lógica tecnicista, de
preencher um prontuário, encaminhar para o psiquiatra, certificar o uso dos medicamentos, o
comparecimento nas consultas e a contenção nos momentos de crise51
. Mas que também
prezasse pelos momentos de escuta, de acolhimento, de cuidado, de produção de
subjetividade, de sociabilidade, e não menos importante, a produção de espaços para que a
voz dos loucos pudesse expressar suas experiências, causas, inquietações, espaços para que
fossem construídas estratégias efetivas de cidadania e participação social (ABOU YD;
AMARANTE, 2007).
Esse jeito inovador de cuidar tem exigido dos profissionais uma nova postura
frente aos usuários e suas demandas; isso significa que a eficiência do tratamento passa a
depender da relação construída entre os atores envolvidos. Não é simplesmente um
atendimento, uma consulta, é necessário dar continuidade, acompanhar cada caso, e para que
isso aconteça é indispensável que haja “transferência.” A centralidade da dimensão
interacional, se é fundamental para todas as políticas que tratam de públicos vulneráveis, é
ainda mais presente na atenção aos portadores de sofrimento mental, que necessitam confiar,
de dar a mão para dar o salto.
Essa dimensão da confiança é explicitada na fala abaixo, que enfatiza o peso do
compromisso, da acolhida real, da adaptação necessária dos serviços à demanda e
necessidades dos usuários.
Em qualquer clínica, tratamento, é preciso ter uma transferência, se você não
gostar da cara do sujeito você não volta mais lá e na saúde mental isso é
interativo, seja com o psicólogo, o psiquiatra ou com qualquer outro
51 Em algumas visitas realizadas aos CERSAMs, pude perceber que alguns usuários aparentavam estar
entorpecidos por remédios. Questionei-me sobre o limite do uso de medicamento, não estaria
ocorrendo à transposição dos muros físicos e consolidação dos muros químicos? Na tentativa de
entender esse “fenômeno” conversei com alguns psiquiatras, e eles alegaram que a quantidade de
medicamos a ser consumida varia de acordo com o quadro clínico. Dessa forma a dosagem é alterada à
medida que o quadro de determinado paciente apresenta melhora, ou priora. Na ausência de outra, me
atenho a essa explicação/justificativa.
124
profissional isso é fundamental. Quando você vai a um médico clinico você
vai lá ele te trata, te medica e depois você nunca mais vai lá, quer dizer não
gostei da cara do sujeito, não quero voltar lá não. Mas com o psicólogo e
com o psiquiatra, você vai voltar, se você não foi com a cara é melhor
mudar, e o profissional percebe isso, o caso não evolui, cabe ao profissional
perceber isso e ver onde que ele está falhando, porque não está acontecendo
a transferência, porque não melhora, você não acredita naqueles
profissionais, está tomando os medicamentos, mas não é só a medicação não,
é o compromisso da pessoa com esse tratamento. (informação verbal)52
.
Concretizar essa transferência significa consolidar uma relação de confiança
entre os profissionais e os usuários. A partir de então, o trabalho ocorre de forma co-
participativa, isso significa que se um paciente deixa de comparecer as consultas, o seu
técnico de referência entra em contato para ver o que está acontecendo; se ele não quer mais
tomar os remédios é realizado um trabalho de conscientização; se ele não pode ir ao centro de
referência buscar o medicamento abre-se exceção para que outra pessoa busque e, em alguns
casos, o paciente é medicado em sua própria residência. Dessa forma os serviços vão se
adaptando a necessidade de cuidado de cada paciente. (informação verbal)53
.
Um ponto central consiste na adesão do usuario ao tratamento, o que se alcança
quando se tem uma relação de confiança estabelecida.
[É importante] fazer com que a pessoa se responsabilize e se posicione como
ator no tratamento, sabe como? Olha, para tratar de um diabético ele precisa
se conscientizar que ele precisa se cuidar, ninguém consegue tratar um
diabético sem que ele queira se tratar, que ele assuma. Na saúde mental é a
mesma coisa, não dá para a gente ficar nessa coisa de ficar tutelando, a gente
tem que avançar na perspectiva de que o paciente têm que ter clareza que ele
precisa se tratar, alguns casos nós conseguimos isso, outros não. (informação
verbal)54
.
Tratamento que não se limita ao ato de cuidar, mas que ensina atravessar os
limites impostos pelo sofrimento mental e as “marcas” deixadas pelo manicômio e suas
práticas. Travessia que permite e que motiva os usuários [re] aprender a se expressar,
alimentar a imaginação, aceitar os sentimentos e desejos que foram silenciados, superar os
estigmas, [re] construir a autoestima e [re] conquistar os espaços da cidade, que outrora lhe
foram roubados. As “marcas” deixadas pelo manicômio são evidenciadas nas seguintes falas,
52 Entrevista realizada com a psicóloga do CERSAM Noroeste.
53 Entrevista realizada com a psicóloga do CERSAM Noroeste.
54 Entrevista realizada com a gerente do CERSAM Noroeste.
125
que atualizam o estigma, o preconceito, a dificuldade de escapar das prisões internas que são
construídas no atendimento manicomial:
[...] você tem que desejar as coisas no lugar delas [pacientes que estiveram
internados no hospital Sofia, no Serra verde] porque elas não têm vontade de
tanto que ficaram internadadas. [Quando se está internada] a sua vontade de
se expressar não é realizada, não é concretizada. A expressão é uma
percepção que chega a você e realizar aquela percepção é inerente a todo ser
humano, quando você é barrado disso, proibido disso, quando você está
numa prisão que é o manicômio, você é proibido de se expressar. Você vai
perdendo a percepção, até não ter mais percepção, ficar só com o instinto da
alma, como ir ao banheiro, alguns até fazem ali mesmo de tanto que perdeu a
percepção da sua expressão [...] (informação verbal)55
A loucura é pejorativa, imagina você de classe média sendo chamado de
louco, perante a namorada, isso é um sentimento de humilhação. Agora
estamos lutando para a loucura não ser apenas uma doença, mas entrar na
categoria de diversidade, como os negros, os homossexuais, os índios. É para
[criar] uma relação [...] de igualdade, é tirar da segregação, dar dignidade e
cidadania (o direito à cidade). (informação verbal)56
.
[...] depois que a gente toma um medicamento tarja preta, ou passa por uma
internação, eles falam, a gente nunca mais arruma um emprego, entendeu? É
alguma coisa que pudesse fazer uma intervenção na cultura, é claro, que nos
estamos fazendo, não se modifica a cultura em pouco tempo, a Reforma
Psiquiátrica, é recente. A possibilidade de conviver com a loucura é recente,
eu to falando de um estigma, de um peso, e que peso...muitos falam assim
com a gente. Por isso essa proposta de tratamento em liberdade estigmatiza
menos, você não é internado, agora uma vez no Galba é como se fizesse uma
marca, crava uma marca, igual marca boi, cavalo... (informação verbal)57
.
Eu me lembro que uma vez eu chamei um paciente, José Manuel, ele olhou
para mim e disse, sou eu? Eu falei: sim, você não é o José Manuel? É porque
lá em casa eles só me chamam de Zezinho, o doidim...olha o significado
disso, o Zezinho, não é insignificante? Ele é o doidim, já e o diminutivo,
apelidinho, doidim, e ai quando eu o chamei de José Manuel ele cresceu. [...]
O Zé Manuel nem sabia que ele se chamava assim, sabia que era seu nome
de batismo, mas ninguém o tratava assim. Então hoje as pessoas são vistas
normais, ele não é descriminado mais, o doido, é um desafio se livrar do
estigma. Por exemplo nos temos muitas intercorrências com os epiléticos,
epilepsia é uma doença neurótica e não psiquiátrica... ela as vezes é tratada
como psiquiátrica, porque ela tem tanta recorrência psiquiátrica que ela é
tratada aqui, mas você pode ver: nenhum epilético fala que é epilético, “eu
dou ataque na rua?” , você vê ele todo marcado, mas não fala, ele carrega
esse estigma, carregar o estigma de doente mental é muito sério, perde o
crédito, só pode ser doido. (informação verbal)58
.
55 Entrevista realizada com a gerente do Centro de Convivência Noroeste
56 Entrevista realizada com usuários dos serviços substitutivos.
57 Entrevista realizada com a gerente do CERSAM Noroeste.
58 Entrevista realizada com a psicóloga do CERSAM Noroeste.
126
Ocupar os espaços e socializar, também são tarefas desafiadoras para aqueles
que se propõe realizá-las, pacientes e/ou usuários. Se o primeiro desafio era transpor os
muros, agora, o desafio é transcender os limites impostos pelos antigos hábitos, limites
impostos pelo imaginário, pela indisposição.
O diálogo abaixo ilustra a resistência que os pacientes de uma residência
terapêutica demonstraram ao serem convidados para saírem de casa e passearem.
- acompanhante terapêutico: Vocês me disseram que queriam fazer um
lanche especial. Para que isso aconteça precisamos comprar algumas coisas.
O que vocês querem comer?
- Eu quero coxinha.
-Você pode comprar vários salgadinhos.
- Eu não estou com fome.
- Eu não estou comendo carne, você pode comprar um pão com manteiga,
mas tem que ser na chapa.
- Ah está fazendo muito calor né? Acho que seria legal se você comprasse
sorvete. Pode ser?
- Eu só posso tomar sorvete light.
- acompanhante terapêutico: Então, quem vai sair comigo? Precisamos
comprar essas coisas. Também podemos dar uma volta na praça,
conversarmos. O que vocês acham?
- Silêncio. [Trocas de olhares, suspiros]59
- A gente pode comer as coisas que tem aqui mesmo?
- acompanhante terapêutico:Vocês não querem sair? Vamos passear um
pouco?
[Pacientes indiferentes ao convite do acompanhante terapêutico]
- acompanhante terapêutico: Então, estou esperando vocês. Vamos? Sozinha
eu não vou!
- Ah estamos cansados!
- acompanhante terapêutico Mas, o que vocês fizeram hoje para estarem tão
desanimados?
- Ah estamos cansados.
- Tá bom, eu vou com você.
[percurso do supermercado]
- Olha eu acho que a gente deveria tomar sorvete aqui mesmo, ninguém quis
vim com agente, sempre sobra para mim. Se eles quiserem, eles que comam
o que tem lá. Você não acha que eu mereço um sorvete?
- acompanhante terapêutico Sim, você merece. Nós vamos comprar e levar,
ai todo mundo toma. Pode ser?
- Não, eu que sai, quero outro sorvete, sem ser esse que você vai comprar.
Pode ser? (visita a residência terapêutica) (informação verbal)60
.
59 Tive a impressão que em meio ao silêncio ocorria uma espécie de seleção de quem sairia de casa.
Dos cinco moradores, apenas um se dispôs (disposição baseada, também, na seleção feita pelos outros
moradores) a sair de casa.
127
Importa ressalta que os serviços substitutivos trazem a possibilidade dos
usuários ocuparem os espaços na cidade. Essa apropriação acontece quando os pacientes
passeiam de metrô, quando vão ao cinema, ao teatro, aos parques, as praças, ao zoológico,
quando participam de outros eventos como a semana da Arte Insensata, o desfile do Dezoito
de Maio, ou quando vão a outros lugares, como por exemplo a praia. “Em abril agora nos
estamos indo para Alcobaça (praia), vamos passar um fim de semana”(informação verbal)61
.
A apropriação dos espaços acontece quando a gente vai mesmo, dentro dessa
perspectiva da política, nós temos acesso a uma sala de cinema, um convenio
que a prefeitura e a secretaria da saúde tem com o CINEARTE, então a
prefeitura adquire alguns ingressos, então nós temos uma cota de bilhetes,
todo mês para acompanhar os usuários nessa produção desses eventos
culturais. (informação verbal)62
.
Ocupar os espaços urbanos pode ser compreendido como “o primeiro passo”
para que a inserção/inclusão social das pessoas acometidas por algum transtorno psicossocial
se concretize. Entretanto, é necessário ir além...
é preciso criar mecanismos que facilitem a inserção dessas pessoas no
contexto da cidade no sentido amplo, no mundo do trabalho, se eles
trabalhassem de acordo com sua disponibilidade, eles não tem condição de
trabalhar em um serviço com rigor de horário, rigor de produção, eles não
dão conta de atender aquilo, mas eles dão conta de atender um tanto de
outras coisas, talvez em um mundo do trabalho que pudesse ser mais
flexível. O centro de convivência e a Suricato já são uma conquista, mas são
células ainda, eu to falando de uma visão mais ampliada, no âmbito de uma
cultura mesmo. (informação verbal)63
.
Para que novas ideias possam emergir, é necessário atores e contextos que as
tornem possíveis e desejáveis, mas para que elas possam ganhar materialidade nas políticas e
praticas institucionais, é necessário mudanças de paradigmas, inflexões cognitivas, que
tragam outra percepção sobre a loucura e seu lugar na cidade. BH vem conquistando avanços
nesse sentido de instaurar uma nova forma de conceber e tratar o portador de sofrimento
60Visita realizada a uma residência terapêutica. Assim que tive oportunidade perguntei a
acompanhante terapêutica se essa resistência por parte dos moradores da casa é algo recorrente ou se
foi um acontecimento isolado. Segundo a mesma, dificilmente eles se dispõem a participar das
atividades recreativas externas a casa. A participação é unanime na recreação, quando a mesma ocorre
dentro da casa como, por exemplo, um churrasco, um almoço especial. Ainda segundo a
acompanhante terapêutica, normalmente, os moradores só saem de casa para resolver questões
pessoais, como ir ao médico, pagar contas, ou para cumprir as tarefas da casa, como fazer compras. 61
Entrevista realizada com a gerente do Centro de Convivência Noroeste. 62
Entrevista realizada com a gerente do Centro de Convivência Noroeste. 63
Entrevista realizada com a psicóloga do CERSAM Noroeste.
128
mental, inserindo-o na rota dos direitos e da cidadania. Mas é importante saber que tais
mudanças são lentas, de longo prazo, demandam persistência, paciência, tempo e que exige
um constante processo de convencimento, de ultrapassar barreiras e ocupar novos espaços
simbólicos e físicos.
6.4 Travessia: avanços e desafios na Política de Saúde Mental
O real da vida não se dá, nem no princípio e nem no final. Ela se dispõe
para a gente é no meio da travessia. (Guimarães Rosa)
Faço menção a Guimarães Rosa na tentativa de tornar notório que o real da luta
antimanicomial não se limita ao processo de desmantelamento dos manicômios e nem na
construção de “políticas de saúde mental”, mas na práxis diária da reforma psiquiátrica.
Um dos efeitos e das conquistas desta travessia foi à produção de uma nova
ideia sobre os ditos “loucos” e, por conseguinte a ruptura com as referências sociais e
simbólicas determinadas, evocadas e sustentadas pela lógica manicomial. Para romper com as
velhas ideias do perigo, da irracionalidade e incapacidade das pessoas em sofrimento mental,
foi necessário, também, romper com o aparato institucional que acolhia essa ideia.
Nesse sentido, as tabelas abaixo evidenciam a redução dos leitos psiquiátricos
no Município de Belo Horizonte, no período de dez anos, significando, de fato, uma mudança
na lógica da atenção ao portador de sofrimento mental.
Tabela 8: Série histórica do número de leitos psiquiátricos existentes em Belo Horizonte
Hospital/Ano 1992 1995 1998 2001 2004 2008 2011 2012
Hospital Galba Veloso 172 153 153 153 160 145 145 125
Instituto Raul Soares 120 120 120 120 120 110 108 108
Clínica Pinel 400 240 220 220 - - - -
Psicominas 189 150 150 150 - - - -
Clínica N. Sra. De Lourdes 530 414 339 290 247 - - -
Clínica Serra Verde 700 480 415 365 306 222 201 -
Total de leitos existentes 2.111 1.557 1.397 1.298 833 477 454 233
Fonte: Elaborado pela autora com dados fornecidos coordenadora do Fórum Mineiro de Saúde Mental
129
Tabela 9: Série histórica de fechamento de leitos psiquiátricos em BH
Leito/Ano Leitos
existentes
Leitos
fechados Leitos restantes
1992-1995 2.111 554 1.557
1996-1998 1.557 160 1.397
1999-2001 1.397 99 1.298
2002-2004 1.298 465 833
2005-2008 833 356 477
2009-2012 477 244 233
TOTAL 7.673 1.878 5.795 Fonte: Elaborado pela autora com dados fornecidos coordenadora do Fórum Mineiro de Saúde Mental
A partir dessa mudança, outro discurso passou a nortear a relação entre os
sujeitos em sofrimento mental e a sociedade. Foram propostas saídas para os excluídos, todos
os atores envolvidos na luta antimanicomial foram convocados, valores e estratégias foram
revistos para dar cabimento, na cidadania, às subjetividades cujo transbordamento, por vezes,
tensiona o laço social no qual foram criadas. (BELO HORIZONTE, 2010).
Os avanços e as conquistas são inquestionáveis; entretanto, muitos são os
desafios a serem enfrentados. Dessa maneira, faz-se necessário retornar e sustentar a pergunta
original, a saber:
Como superar no cotidiano, na prática de cada ponto da rede e na cidade,
com cada sujeito e em cada situação, a lógica da exclusão, formulando
respostas novas e pontes, capazes de superar obstáculos contemporâneos,
atuais e outros que se mantêm ao longo do tempo. (BELO HORIZONTE,
2010, p. 1).
Os desafios perpassam pela necessidade de conduzir a implantação dos
serviços substitutivos de forma a expandir a cobertura; de formar equipes que possam
responder de fato às demandas do serviço; de consolidar o trabalho em rede; de ampliar e
fortalecer a política em diálogo com os usuários, familiares, trabalhadores, gestores e
movimento social; de viabilizar a substituição efetiva dos hospitais psiquiátricos; de ampliar e
criar novos serviços para usuários de álcool e outras drogas orientados pelos princípios da
reforma psiquiátrica; de lutar por dignidade e espaço na sociedade.
Sobre a ampliação da rede ressalta-se que:
130
Dever ser criados CERSAM nas regionais centro-sul e norte e CERSAM-ad,
em pelo menos, mais 4 regionais, a saber: barreiro, noroeste, nordeste e
centro-sul. Além dos CERSAMs e CERSAMs-ad será necessário, para
ampliar a cobertura e permitir o fechamento dos leitos e hospitais existentes,
criar mais um CERSAM infanto-juvenil, ampliar o n• de profissionais das
equipes complementares de atenção à saúde mental da criança e do
adolescente, criar novos SRTs para os pacientes do Sofia Feldmann, ampliar
o nº de profissionais na rede básica e o nº de equipes de consultórios de rua,
implantar as residências transitórias para usuários de álcool e drogas em
tratamento nos CERSAMs-ad e CERSAMis e construi nova sede para o
serviço de urgência psiquiátrica noturno. (informação verbal)64
.
Sobre a questão do álcool e outras drogas:
O Ad. Está funcionando tipo o CERSAM, só temos um, mas, temos mais
projetos. Esses tramites dos dependentes no CERSAM é porque eles são
acometidos por outras questões, de outros problemas psiquiátricos, por
exemplo, tem os epiléticos, tem os que ficam transtornados, casos típicos da
droga, a pessoa que tem uma pré-disposição mental para isso ela não suporta
qualquer negação. Hoje mesmo teve uma briga aqui e nós tivemos que
socorrer, dois usuários de droga, dois esquizofrênicos bravos em que a
psicose atua de uma forma que o limiar de censura dele é muito baixo, ele
não suporta o não, de repente para ele tudo é possível. Então, nos tratamos
essas pessoas, muitas pessoas nos criticam, “ah vocês estão acobertando
maconheiros, pode até ser maconheiro, crackeiro, alcoólatra, mas eles estão
aqui porque eles têm outro acometimento que os faz permanecer aqui.
(informação verbal)65
.
Importante ressaltar que o atendimento do usuário portador de sofrimento
mental e também usuário de álcool e drogas não encontra consenso na área. É um ponto
delicado da política e expandir e qualificar o atendimento para esse público constitui um dos
grandes desafios.
Atualmente [a política de saúde mental] tem recebido maior destaque e
investimento financeiro, entretanto, [as novas diretrizes] apontam na direção
contrária aos princípios que orientam a reforma psiquiátrica e ensejam ações
de caráter marcadamente higienista, repressor e preconceituoso em relação
aos usuários de álcool e outras drogas, em particular, o crack. Os discursos
oficiais reforçam o estigma e o preconceito e propõe o retorno a práticas
violadoras de direitos humanos, além de mudar o eixo do investimento
público passando a financiar instituições privadas ditas de tratamento que
figuram em várias denúncias como espaços de violação de direitos humanos.
(informação verbal)66
.
64 Entrevista realizada com ex-coordenadora da Política municipal de Saúde Mental.
65 Entrevista realizada com a psicóloga do CERSAM Noroeste.
66 Entrevista realizada com ex-coordenadora da Política municipal de Saúde Mental.
131
Por fim, e não menos importante, ressalta-se o desafio de inovar a percepção
social sobre os serviços substitutivos. Ainda que a reforma psiquiátrica tenha um tempo e uma
trajetória, velhas concepções permanecem barrando o avanço da perspectiva da
desinstitucionalização e a conseqüente percepção do portador de sofrimento mental como um
cidadão.
No que se refere ao desafio, o maior deles é a gente trabalhar contra essa
hegemonia social de achar que todo diferente, ou pessoas que tem
comportamentos diferentes a norma ou do padrão social ele deve ser
excluído ou trancafiado. Então essa mentalidade sobre os portadores de
sofrimento mental, álcool e droga, todas essas manifestações de sofrimento
social que a sociedade não suporta isso é um grande desafio, o tempo todo
fazer a inserção de sujeito na sociedade, e fazer com que a sociedade respeite
esse sujeito com suas dores, suas diferenças, suas bizarrices, enfim, esse é
um grande desafio. (informação verbal)67
.
Ainda não é toda população que admite o CERSAM, eles querem é ficar
livre do doido, então a gente oferece esse serviço aberto, de mais
participação, que a família sempre está envolvida. É fundamental que a
família esteja envolvida, se a família não quer, se ela estiver desestruturada
ela não quer o paciente, ela quer ficar livre dele, sabe da existência do
CERSAM, mas ela vai lá no Galba Veloso, Raul Soares, médico particular,
os da rede irão encaminhar para aqui, precisa de um acompanhamento mais
de perto, se não precisa a gente dá um encaminhamento e ele volta daqui um
mês. Então isso é uma opção social de buscar os manicômios, é uma opção
de família de achar que aqui não será o melhor lugar. (informação verbal)68
.
Como visto nesse capítulo, para que ocorra a emergência e a consolidação de uma
nova ideia no campo das políticas públicas, no caso a política de saúde mental, é fundamental
a mobilização de esforços, recursos e atores, assim como, um contexto favorável para
desequilíbrios (mudanças) institucionais. Analiticamente, percebe-se que novos paradigmas
sobre as pessoas em sofrimento mental têm sido incorporados na agenda governamental de
Belo Horizonte, entretanto, percebe-se que a práxis da reforma psiquiátrica e o processo de
desinstitucionalização, ainda são grandes desafios. Ainda que novas ideias se tornem
influentes e se configurarem em uma agenda alternativa, sua materialização ocorrerá de forma
gradativa, demandando tempo, mobilização e investimento de ordem simbólica, ideacional e
material.
67 Entrevista realizada com a psicóloga do CERSAM Noroeste.
68 Entrevista realizada com a psicóloga do CERSAM Noroeste.
132
CONCLUSÃO
Se a violência institucional desaparece, desaparece também a
violência do doente mental, e este muda de aspecto para enfim
mostrar-se sob sua verdadeira luz. O doente mental perde suas
características “incompreensíveis” à medida que consegue
inserir sua própria enfermidade num contexto em que são
respeitadas a existência e as razões. (Giovanni Jervis)
A análise do processo de constituição da reforma psiquiátrica no município de
Belo Horizonte, evidencia que essa experiência fomentou um conjunto de inovações na
agenda governamental, assim como no arcabouço institucional da política de saúde mental.
Inovações que resultaram da produção de significados na esfera pública somada à difusão de
novas ideias sobre a loucura e a construção de rede de atores (psiquiatras, profissionais da
saúde e saúde mental, profissionais de outras áreas, públicos e usuários/ ex-usuários dos
serviços psiquiátricos) que apesar do jogo de interesse, dos conflitos e coalizões conciliaram
ações, estratégias e um contexto político favorável às demandas pelo direito, no caso, a saúde.
Calcada na Constituição de 1988, a Política de Saúde Mental buscou construir
uma rede de serviços de atenção à saúde mental que além de romper com o preconceito, a
estigmatização e a exclusão das pessoas em sofrimento mental, garantissem o direito à
cidadania. Para tanto, foi preciso considerar as pessoas em sofrimento mental não apenas
como usuários dos serviços, mas como atores políticos, o que viabilizou a sua participação na
construção da política do município, assim como o exercício do controle social sobre a gestão,
por meio de espaços deliberativos, tais como o Fórum Mineiro, a ASUSSAM, a Comissão de
Reforma Psiquiátrica e as assembleias que ocorrem nos dispositivos.
As mudanças nos princípios e na organização da política de saúde mental se
materializaram na realização das Conferências nacionais de Saúde Mental e foi se
configurando vis-à-vis as demandas e estratégias dos grupos interesses. Por anteceder a
Constituição de 1988, a primeira conferência de saúde mental evidenciou, a priori, questões
da trajetória das políticas de saúde, a saber, o fomento de ações e serviços de saúde que
formassem o Sistema único de Saúde Pública, a formação de Conselhos de Saúde e a
democratização das instituições da unidade de saúde. Já a temática saúde mental se insere na
agenda da I Conferência de maneira incipiente traduzindo os princípios da Reforma
133
Psiquiátrica. Se antes o portador de saúde mental era percebido com um indivíduo desprovido
da razão, a I Conferência torna evidente a necessidade de inovar essa ideia e perceber os
portadores de saúde mental como um indivíduo dotado de direitos, inclusive o de ser cidadão.
De uma maneira pontual, entretanto, inovadora, a II Conferência não só
resgatou algumas questões já tematizadas na conferência anterior, como introduziu a
necessidade em construir um modelo assistencial que transcendesse o tradicionalismo
psiquiátrico. As inovações foram além dos processos de construir significados e configurar
agendas, essas se materializaram na criação de espaços e formas de tratamento alternativo
para os portadores de saúde mental. Não menos importante, no campo normativo houve a
aprovação Lei n.° 9.867, que permitiu o desenvolvimento de programas de suporte
psicossocial para os pacientes psiquiátricos em acompanhamento nos serviços comunitários.
A mencionada lei significou um importante instrumento para viabilizar os programas de
trabalho assistido e, assim, incluir os portadores de saúde mental na dinâmica da vida diária,
em seus aspectos econômicos e sociais.
Em um primeiro momento, a III Conferência Nacional evidenciou os desafios e
lacunas a serem superados no campo da saúde mental. Ainda se discutiu a inserção dos
portadores de saúde mental no SUS, a construção de um modelo assistencial condizente com
os princípios da Reforma Psiquiátrica e a expansão da rede de atenção comunitária. Em um
segundo momento, a III Conferência mostrou-se significativa para a construção de novas
ideias, as quais apontavam a complexidade, multidimensionalidade e pluralidade das
necessidades em saúde mental.
Em consonância com as demandas e desafios expostos na III Conferência, a IV
Conferência Nacional se configurou a partir da ideia de moldar a Política de Saúde Mental
segundo os princípios intersetoriais. A intersetorialidade consiste em criar interfaces entre os
campos dos direitos humanos, assistência social, educação, justiça, trabalho e economia
solidária, habitação, cultura, lazer e esportes, etc. Esse diálogo entre os mais diversos campos
deu azo para que a Reforma Psiquiátrica se consolidasse frente os desafios impostos, tanto
pelos processos de desinstitucionalização e inclusão social, quanto pela solidificação de uma
rede assistencial de atenção psicossocial que superasse e substituísse os hospitais psiquiátricos
- serviços substitutivos exclusivamente de caráter público estatal. Dentre as inúmeras
conquistas obtidas pela IV Conferência de Saúde Mental é notória a mudança de percepção
134
sobre os portadores de saúde mental, agora entendidos como sujeitos de direitos e de desejos,
cidadãos singulares, que protagonizam seus modos de fazer andar a vida.
Sumariamente, o relato de tais conferências evidencia as inovações ocorridas
em torno das ideias sobre o “louco” e seu tratamento, as conquistas no processo de
formulação de diretrizes (normas e legislações) para a construção da política e a consolidação
da rede de serviços substitutivos, assim como os desafios que ainda precisam ser superados,
como a ampliação da oferta de serviços, o aumento de investimento na política, a construção
de indicadores que permitam monitorar e avaliar o andamento da política, e, não menos
importante, a própria consolidação da reforma psiquiátrica e a desinstitucionalização,
processos que ocorrem em longo prazo.
Além da conformação de agendas inovadoras que levaram a alterações
institucionais significativas, essa dissertação buscou resgatar a luta travada pelos ditos
“loucos”. Luta que não se limita às manifestações da própria loucura, às imposições oriundas
do aparato institucional que há tempos lhe abrigaram, às marcas deixadas pelo mesmo, às
fantasias e estigmas criados em torno daqueles que tem um jeito diferente de ser, mas,
sobretudo, o reconhecimento de que, em alguns momentos, é indispensável ser acolhido, é
preciso se apropriar dos serviços e tratamento ofertados, é imprescindível fazer uso dos
medicamentos, é necessário participar da psicoterapia para não apenas compreender a causa
dos transtornos, mas saber lidar com eles.
Essa luta não se traduz na soma de ideias, de atores e instituições, mas na
conexão, no diálogo estabelecido entre eles. Tal diálogo envolve uma mobilização e
amarração de vários, entre laços, entre tessitura de redes que são sustentadas em e por nós.
Um a um compõe esse tecido social, para tanto, os nós se atam para que caibam outros
sujeitos, outras ideias, outros sonhos. No desamparo de cada um faz-se os nós, no lugar da
indiferença e da intolerância propõe-se mudanças. Mudanças no olhar sobre a loucura, no
convívio com a diferença, na construção de estratégias para acolhê-la. Dessa forma, inaugura-
se um novo jeito se relacionar com a cidade e de dialogar sobre os efeitos que a decisão de
fazer caber a diferença produz nos corpos e nas histórias de cada sujeito, mas também no
traçado de cada cidade, que busca subverter as relações de privilégios e descriminação, assim
como promover a aliança entre os direitos e os sujeitos.
135
A construção desses nós tem dado azo para que a loucura não apenas encontre
ancoragem na cultura para o seu modo particular de existir, mas rompa com a sentença de
exclusão e, consequentemente, conquiste o direito à liberdade. Ancorados neste direito, os
serviços aberto-substitutivos têm se configurado em práticas inovadoras que aos poucos vem
desmantelando a ideia de que o doente mental é o único indivíduo que não tem o direito de ser
doente, porque além de ser definido como perigoso para si mesmo e para os outros, causa
escândalo público. Ideia que durante muito tempo justificou o isolamento das pessoas em
sofrimento mental atrás de paradigmas, de diagnósticos, de muros, assim como a anulação de
suas singularidades, transformando-os em objetos (homem-objeto) submetidos ao jogo do
destino. (BASAGLIA, 1987).
A partir da experiência de Belo Horizonte pode-se afirmar que o que esteve e
ainda está em jogo não é a humanização dos hospitais psiquiátricos, tampouco, o processo de
desospitalização, mas a sua desconstrução, tanto no que se refere à instituição quanto às ideias
subsidiadas por ela e, por conseguinte, a construção de outro serviço, que preze, acima de
tudo, o SUJEITO e suas SINGULARIDADES no processo de [re] construção da
subjetividade, de [re] inserção social, de [re] constituição das relações sociais, de [re]
invenção das relações de trabalho, de [re] ocupação dos espaços, assim como, na travessia
rumo à liberdade.
Liberdade, liberdade para enlouquecer, liberdade para se cuidar, liberdade para
simplesmente ser livre... Livre para lutar, livre para ser cidadão, para seguir e chegar a algum
lugar, mesmo que esse seja lugar nenhum, livre para criar, para superar, livre para falar,
participar, se expressar, livre para sentir, para amar, livre para [re] começar, livre para ter
ideias, livres para concretizar sonhos...
Muitos foram e têm sido estes sonhos... Sonhos de Franco Basaglia de
desistitucionalizar os hospitais e possibilitar tratamento de boa qualidade para as pessoas
acometidas de algum transtorno mental, sonhos dos inúmeros atores, familiares, profissionais,
movimentos sociais que, por diversos motivos, se tornaram sensíveis a temática e, assim,
foram à luta e contribuíram para a construção dos serviços substitutivos, sonhos da minha
família em me ver superar os desafios impostos pelas crises já mencionadas, e por fim, o meu
sonho de transpor as barreiras que diariamente nos são impostas para poder “fazer das
136
experiências da loucura algo que se possa transmitir na cultura, sem exclusão de
subjetividade, ou seja, sustentando a possibilidade do sujeito.” (LOBOSQUE, 2001, p.24).
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