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1A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
REVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURALDA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
Novos nacionalismos da América do Sul modificam equilíbrio geopolítico do continente
UFJF adquire banco de acervos digitais e tablets para consulta
NÚMERO 03 - OUT / 2012
Pesquisadores usam plantas e nanotecnologia para sintetizar o segredo do rejuvenescimento
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/20132
3A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
O desafio de aprimorar o jornalismo de qualidade, tratando com clareza a informação científica
Todos nós, diariamente, frente à
enxurrada de informações que nos são
apresentadas, deparamo-nos com
indagações frequentes: O que realmente
importa? O que muda a nossa vida? O que
interfere na nossa vizinhança, na cidade, no
país e mesmo no mundo? Qual o limite entre
aquilo que nos informa e o que apenas nos
diverte? Por que a violência vende mais jornal
do que a solidariedade? Por que as vilãs são
hoje tão mais sedutoras do que as moças de
boa vontade?
Quando a equipe da “A3” se reúne para discutir
a produção da revista, que você lê agora, não é
diferente. O que o leitor quer ver impresso? O
que lhe interessa? O que é importante na vida
dele? E não temos como responder isso, sem
levar em conta nossos próprios interesses,
nossa subjetividade e nossos valores. Para
ampliar a análise sobre a seleção dos fatos que
vão virar notícia, debatemos nossa pauta com
o Conselho Editorial, que reúne especialistas de
várias áreas do conhecimento. Mas, ainda
assim, ficam dúvidas: conseguimos fazer a
revista que nosso leitor quer ler? Conseguimos
também ajudar na formação de leitores e, neste
caso, de leitores mais críticos?
Nas aulas da Faculdade de Comunicação
(Facom) da Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF), todo aluno começa a entender o
complexo processo de construção da notícia,
que leva em conta fatores tão variados quanto
a proximidade, o impacto, a atualidade, a
notoriedade, a amplitude, o exotismo, o
inesperado, entre outros. Fatores que não têm
mudado muito nos últimos séculos. Mesmo
sabendo que a máxima “o homem que morde o
cão” tem um valor-notícia maior do que a
afirmativa inversa, debatemos sobre os
artifícios que podem fazer com que a matéria-
prima de uma Universidade, isto é, a produção
de conhecimento, a ciência, a cultura, torne-se
atraente para cativar o interesse do leitor.
Nossas questões vão além. É preciso dialogar
com os pesquisadores e convencê-los de que,
para atrair o leitor, devemos “embalar” a
informação de forma a ganhar a competição
com outras centenas de atrações que insistem
em “roubar” a sua atenção. Este é um processo
lento, que exige confiança de ambas as partes.
E resultados de excelência. Na era da
instantaneidade e do conforto, certamente é
grande o desafio para ganhar o tempo e a
reflexão do leitor, a sua parceria, mas sem isso,
nada vale.
Outra grande preocupação da “A3” é valorizar
a produção local da UFJF, mostrando como ela
está inserida no cenário contemporâneo, isto é,
como as pesquisas, os produtos e as práticas
de inserção social estão fazendo com que a
Universidade ganhe credibilidade, expressão e
conquiste reputação. Frente à inevitável
internacionalização e à necessidade de
transparência na prática pública, a comunicação
é um instrumento de inestimável valor para
promover resultados mais democráticos, dar
mais visibilidade à instituição, torná-la mais
respeitada e, assim, contribuir para a cidadania
plena da população brasileira.
Nesta terceira edição, procuramos aprimorar
ainda mais o conceito de jornalismo de
qualidade, tratando a informação científica
com clareza, mas também com atrativos que
convidem o leitor a compreender melhor o que
a nanotecnologia, a partícula de Deus, os
nacionalismos sul-americanos ou a crise
europeia têm a ver com a vida de cada um de
nós. Mais que isso, de que maneira a informação
de qualidade, indissociável da educação, pode
colaborar para que nos transformemos numa
Universidade, cidade e país de menos
desigualdade e de mais humanidade.
Boa leitura!
Christina Ferraz Musse
Editora-chefe
EdiTORial
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/20134
6 - VOZ DO LEITORLeitores avaliam a última edição e dão sugestões para a Redação da
“A3”
7 - INOVAÇÃOPrograma da Petrobras fortalece a formação de alunos da Engenharia
Elétrica
8 - GEOPOLÍTICAGovernos com tendência esquerdista reacendem debate sobre nacio-
nalismo na América do Sul
12 - PESQUISADocumentos, drogas ilícitas, produtos alimentícios e matérias de
origem marinha são alguns dos produtos analisados pelo Núcleo de
Espectroscopia e Estrutura Molecular da UFJF, referência na área
16 - ENCONTROS POSSÍVEISO sociólogo francês Michel Maffesoli, em entrevista a docentes da
UFJF, fala sobre a crise da concepção vertical das universidades euro-
peias, pós-modernidade e ecosofia
19 - INTERNACIONALIZAÇÃO
Graduação a distância, intercâmbio, vagas para refugiados políticos e
convênios interinstitucionais aproximam a África do Brasil
24 - POLÍTICAProfessor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da
Uerj, Frédéric Vandenberghe, analisa a crise na Europa
26 - GRADUAÇÃOEnsino jurídico é o tema do artigo do diretor da Faculdade de Direito
da UFJF, Marcos Vinício Chein Feres
27 - INICIAÇÃO CIENTÍFICAPrograma de Educação Tutorial (PET) comemora 20 anos de atuação
na UFJF
REVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
REITORHenrique Duque de Miranda Chaves Filho VICE-REITORJosé Luiz Resende Pereira
CONSELHO EDITORIALAlexander Moreira (Faculdade de Medicina)Anderson Ferrari (Faculdade de Educação)Cícero Inácio da Silva (Instituto de Artes e Design)Cristiano José Rodrigues (Faculdade de Comunicação)Edimilson de Almeida Pereira (Faculdade de Letras)Heloísa D’Avila (Instituto de Ciências Biológicas)Jorge Mtanios Iskandar Arbach (Faculdade de Engenharia)Marcelo do Carmo (Instituto de Ciências Humanas)Paulo Monteiro Vieira Braga Barone (Instituto de Ciências Exatas)Paulo Nepomuceno (Faculdade de Engenharia)Paulo Roberto Figueira Leal (Faculdade de Comunicação)Robert Willer Farinazzo Vitral (Faculdade de Odontologia)Suzana Quinet (Faculdade de Economia)
COMISSÃO EDITORIALAnne Marie Autissier (Universidade de Paris VIII)Antônio Fernandes de Carvalho (Universidade Federal de Viçosa)Cláudio Soares (Fapemig)Luiz C. Wrobel (School of Engineering and Design - Brunel University Middlesex, UK)Luis Felipe Feres Pereira (University of Wyoming – USA)Márcio Simeone Henriques (Universidade Federal de Minas Gerais)
EXPEDIENTEEditora-chefe Christina Ferraz MusseEditoraOseir CassolaReportagensBárbara Duque, Carolina Nalon, Fernando Lobo, Flávia Lopes, José Renato Lima, Raul Mourão, Valéria Borges CostemalleColaboradoresAlice Bettencourt; Cícero Inácio da Silva; Fernando Hernández; Franciane Moraes; Frédéric Vandenberghe; Guilherme Côrtes Fernandes; Jorge Arbach; José Nalon de Queiroz; Leandro Ramos de Araujo; Marcela Matamoros; Marcos Vinício Chein Feres; Nathália Corrêa; Prisca Agustoni; Wendell Guiducci; Wilson CidCoordenador de CriaçãoFred BelcavelloProjeto GráficoCléber “Kureb” HortaDiretor de FotografiaMarcelo ViridianoFotógrafosAlexandre Dornelas; Frederico Boza; Tiago GandraIlustraçãoCléber “Kureb” Horta; Joviana Marques; Phillip DouglasCapaRaruza Schiavi - estudante do Mestrado da Faculdade de ComunicaçãoProduçãoRenata Botti, Taís MarcatoMarketingValéria Borges CostemalleRevisãoRafael Costa Marques
REVISTA A3 Rua José Lourenço Kelmer, s/n - Campus UniversitárioBairro São Pedro - CEP: 36036-900 - Juiz de Fora - MGTelefones: (32) 2102-3967/ 3968/ 3997E-mail: revistaa3@secom.ufjf.brImpressão: Gráfica AméricaTiragem: 10 mil exemplares
03 ÍNdiCE
BEM COMUM,RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA
DCAMPUS
A UFJF
Preparar o espaço do Campus para deixá-lo aprazível, aproveitando da natureza o que ela generosamente nos proporciona, é uma tarefa nossa. Conservar esse patrimônio, que é de todos, é responsabilidade sua. Cuide bem do que é seu.
BEM COMUM,RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA
DCAMPUS
A UFJF
Preparar o espaço do Campus para deixá-lo aprazível, aproveitando da natureza o que ela generosamente nos proporciona, é uma tarefa nossa. Conservar esse patrimônio, que é de todos, é responsabilidade sua. Cuide bem do que é seu.
5A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
www.ufjf.br/secom/A3
28 - PESQUISAA UFJF é uma das quatro instituições brasileiras que buscam
soluções para o Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern), no
experimento Atlas
31 - MEIO AMBIENTEProfessores da UFJF participam da elaboração do Primeiro Relatório
de Avaliação Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas
34 - PESQUISADe olho na inovação, pesquisadores investem em novas tecnologias
para suprir demandas do setor de cosméticos, um dos mercados
que mais cresce no mundo
38 - SAÚDEO professor da Faculdade de Medicina e delegado do CRMMG, José
Nalon, analisa os riscos dos estágios extracurriculares
39 - OLHAR ESTRANGEIROA cultura visual é o tema abordado pelo professor da Universidade
de Barcelona, Fernando Hernández
41 - REPENSAR A UNIVERSIDADEEspecialistas das mais diversas áreas participam de seminário da
Pró-reitoria de Graduação, em sua segunda edição, e refletem so-
bre o tradicional fazer universitário
43 - EXPANSÃOCom a criação do campus avançado em Governador Valadares,
UFJF impulsionará o resgate econômico e cultural do município
46 - TESES E DISSERTAÇÕES
Premiada pela Capes, tese sobre samba defendida na UFJF en-
trelaça histórias de músicos, jornalistas e gravadoras em uma
análise sócio-histórica da música popular urbana brasileira
49 - MUNDO DIGITALNo artigo do professor e pesquisador Cícero Inácio, a irreverência
da série Black Mirror, da rede pública de TV Britânica Channel 4,
sobre o poder das redes sociais
50 - ALÉM DA PALAVRAA comunicação visual é o tema abordado pelo designer gráfico
Jorge Arbach no artigo “Ilustração descritiva e ilustração
interpretativa”
52 - TESES E DISSERTAÇÕESDissertação sobre literatura marginal e periférica, defendida na
UFJF por Carolina de Oliveira Barreto, conquista o 2º lugar do Prê-
mio Anpoll 2012
55 - LITERATURAO jornalista Wilson Cid ressalta a importância de se preservar a
memória do rádio e da TV na resenha sobre o livro “Cariocas do
brejo entrando no ar: o rádio e a televisão na construção da identi-
dade juiz-forana”, dos docentes Flávio Lins e Cristina Brandão
56 - LANÇAMENTOSEntre os lançamentos da Editora UFJF, livros sobre sociologia, es-
porte e odontologia
57 - MÚSICAGlitter Magic, banda de rock que começou como brincadeira, vira
coisa séria, conquista público em países como Grécia, Holanda,
França e Reino Unido, e assina com selo italiano Heart of Steel
58 - BIBLIOTECAPara facilitar o acesso às bases digitais adquiridas recentemente,
a Universidade será a primeira instituição federal a disponibilizar
tablets e e-readers para os alunos. Investimento em bases e equi-
pamentos chega a R$ 600 mil
61 - ENSAIO FOTOGRÁFICOAs belezas arquitetônicas das galerias são reveladas nas fotos de
Gleice Lisboa, presentes no livro “Passagens em rede: a dinâmica
das galerias comerciais e dos calçadões nos centros de Juiz de
Fora e de Buenos Aires”, do docente Frederico Braida
66 - LEIA-MEPrisca Agustoni, mestre em Letras Hispânica, presenteia o leitor
com o conto “Bésame mucho”, extraído do livro “A neve ilícita”
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/20136
Esta seção é reservada para ser o seu espaço. Contribua para que aprimoremos cada vez mais a nossa publicação. Envie sugestões, críticas e temas de pesquisas, dissertações e teses que gostaria de ver nas nossas páginas. aguardamos a sua contribuição. E-mail: revistaa3@secom.ufjf.br
Seu EspaçoVOZ dO lEiTOR
4ª CapaO desenho da 4ª Capa, intitulado “Espaço Interno do ICE”, é da ex-aluna do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, Bárbara Botelho. Utilizando a técnica nanquim sobre cartão, reproduz um detalhe do Instituto de Ciências Exatas (ICE), localizado no campus.
“Recebi um exemplar do número 2 da revista “a3”. Parabéns pelo trabalho primoroso desenvolvido pela equipe. Estou encantado com o trabalho.
Mauro lovatto
(assessoria de Comunicação da Universidade Federal de São João del Rei - UFSJ)
“Parabéns a toda equipe pela excelente revista. a “a3” é uma janela do conhecimento científico produzido na Universidade para a comunidade. Nas próximas edições sugiro que os autores disponibilizem referências bibliográficas, sites e links de artigos científicos para aprofundamento da leitura.”
Sérgio Crisóstomo dos Reis
(Bibliotecário-documentalista da Faculdade de direito da UFJF)
“acredito ser muito importante para a nossa cidade e região a existência da “a3”, um veículo de comunicação que divulga os trabalhos desenvolvidos pela UFJF, referência nacional de universidade. a “a3” está desempenhando um ótimo papel nesta missão, abordando ricos e diversos conteúdos em suas matérias, colaborando efetivamente para a democratização ao acesso à cultura e
para o desenvolvimento econômico e social do estado de Minas Gerais. Parabenizo pelo sucesso que a revista está alcançando junto ao meio acadêmico e à sociedade como um todo. desejo à equipe muito sucesso à frente de mais este desafio.”
Francisco Campolina
(Presidente da Fiemg Regional Zona da Mata)
“Parabéns à equipe pelo belo trabalho que tem realizado através da revista “a3”. Um espaço dedicado à divulgação científica e cultural produzida na Uni-versidade que há tempos era necessário.”
Fábio Fortes
(Professor adjunto de latim e Grego Clássico da UFJF)
“agradeço a gentileza de ter recebido a excelente revista “a3”, nº 2. Eu já a havia lido no site. a revista, além de ser perfeita no conteúdo, tem também uma beleza física que desperta o interesse de colecioná-la. acho que ela atendeu a todos os propósitos para os quais foi criada.”
ana Miranda
(Juiz de Fora)
“Gostaria de parabenizar a todos os atores envolvidos na redação da revista “a3”, pela iniciativa, pelo em-penho e desempenho demonstrado na divulgação científica, fator impre-scindível para a motivação de novos talentos determinados a alcançarem inovação, mudanças e consciências novas. Parabéns UFJF!”
Márcia Gonçalves da Silva Cunha
(Tutora presencial do curso de administração Pública
na modalidade Educação a distância da UFJF do Polo
de Bicas-MG)
7A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
UFJF e Petrobras: formação diferenciada para futuros engenheiros eletricistas
Atualmente, a questão da qualidade da
formação é uma grande preocupação
nas áreas de engenharias no Brasil,
uma vez que erros cometidos em projetos e
empreendimentos, especialmente na área de
tecnologia, por recursos humanos com baixa
qualificação, aumentam muito os custos, além
de poder trazer problemas de segurança
humana ou de equipamentos. Procurando
aumentar a eficiência e a segurança e melhorar
a utilização dos recursos, torna-se imperativo
a boa qualificação dos recursos humanos.
Com essa visão, a Petrobras lançou o Programa
de Formação de Recursos Humanos (PFRH)
para ampliar e fortalecer a formação de
recursos humanos voltados ao atendimento
da demanda por profissionais qualificados na
indústria de petróleo, gás, energia e
biocombustíveis com os principais objetivos:
possibilitar a realização de atividades de
aprimoramento contínuo e atualização de
professores e alunos; formação de recursos
humanos em atendimento às necessidades da
cadeia produtiva do setor da energia;
fortalecer o intercâmbio e o compartilhamento
de conhecimentos entre instituições de ensino
e a Petrobras; reduzir a taxa de evasão,
incentivando o aluno, desde o início do curso, a
se dedicar exclusivamente aos estudos e às
atividades de desenvolvimento, por meio de
concessão de bolsas; contribuir com o
processo de ensino-aprendizagem, por meio
dos dados e das conclusões obtidos a partir de
estudos que serão desenvolvidos pelos alunos
bolsistas ao longo de sua formação; produção
científica nas linhas de pesquisa, na forma de
trabalhos em eventos, periódicos e até
patentes.
Para participar do PFRH, a instituição deve
trabalhar com áreas de conhecimento de
atuação estratégica da indústria de petróleo,
gás, energia e biocombustíveis, bem como as
demais áreas de apoio necessárias às
atividades do setor e possuir reconhecido
potencial de desenvolvimento em áreas de
conhecimento da indústria da Energia.
O curso de Engenharia Elétrica da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF) participa do
PFRH na formação especializada de recursos
humanos na área de Sistemas Elétricos
Industriais. Os bolsistas do projeto têm
formação diferenciada, participam de
palestras, cursos de formação complementar,
visitas técnicas e desenvolvem projetos de
interesse da indústria de energia.
Com isso, espera-se que esses bolsistas entrem
no mercado de trabalho com uma sólida base
de conhecimento e boa qualificação. Os outros
alunos da Engenharia Elétrica também se
beneficiam do PFRH na faculdade, pois
algumas atividades são abertas a todos, além
do programa gerar melhorias de infraestrutura
para o curso de Engenharia Elétrica.
O PFRH na Engenharia Elétrica da UFJF possui
24 bolsistas de graduação. O coordenador do
projeto é o professor Leandro Ramos de
Araujo e a comissão gestora é formada pelos
professores José Luiz Resende Pereira (vice-
reitor da UFJF) e Débora Rosana Ribeiro
Penido Araujo.
O aluno recebe atualmente uma bolsa no valor
de R$ 450 como incentivo, mas para a sua
permanência no programa PFRH, não pode ser
reprovado em nenhuma disciplina.
Leandro Ramos de Araujo*
* Professor do curso de Engenharia Elétrica; coordenador do Programa de Formação de Recursos Humanos da Petrobras na UFJF
iNOVaÇÃO
7A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/20138
A América para os sul-americanos
Na recepção de um museu, no deserto
de sal do Uyuni, a 552 quilômetros de
La Paz, na Bolívia, a foto do presiden-
te Evo Morales aparece afixada ao lado de
dois cartazes com o rosto dele e a frase “Povo
constituinte, Evo presidente”. Em frente ao
museu, bandeiras de vários países estão has-
teadas, mas falta a dos Estados Unidos (EUA),
embora haja turistas americanos frequentes.
O retrato, o lema e a ausência da bandeira são
sinais de um movimento que tomou conta da
América do Sul: governos de tendência à es-
querda em ascensão com discurso de revalori-
zação nacional. O primeiro a chegar ao poder
foi Hugo Chávez, em 1999, na Venezuela; e o
mais recente é Ollanta Humala, no Peru (ver
quadro na página 11).
Para o coordenador do Centro de Estudos Es-
tratégicos da Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF), Ricardo Vélez, colombiano natu-
ralizado brasileiro, o surgimento desses gover-
nos relaciona-se à globalização, que suscitou
um refluxo: os nacionalismos. “A ´esquerdiza-
ção` é resultado da falência do modelo neoli-
beral e tem mais sentido com o movimento do
próprio capitalismo do que com relações mais
longínquas na história”, completa o professor
de História Americana do Departamento de
História da UFJF, Luiz Antônio Arantes.
O processo de internacionalização, intensifica-
do na década de 90, flexibilizou e expandiu
fronteiras, relações de trabalho, transporte,
comunicação e tecnologias. E questionou sím-
bolos nacionais. “O Equador aboliu sua moeda,
o sucre, e passou a usar o dólar”, lembra o dou-
tor em Ciência Política e professor da Faculda-
de de Comunicação da UFJF, Paulo Roberto
Figueira Leal. A política econômica seguiu os
preceitos do Consenso de Washington. Pro-
posto por instituições financeiras, como o Fun-
GEOPOlÍTiCa
RAUL MOURÃOTexto e fotos
Movimento que tomou conta da américa do Sul, com governos de tendência à esquerda em ascensão, reacende o debate sobre nacionalismos
Na Argentina, faixas de protesto próximo à Casa Rosada, em Buenos Aires, e pichação em prol de Cristina Kirchner em bairro portenho
Em Copacabana, na Bolívia, cholas, senhoras com traços indígenas e roupas tradicionais, e bandeira do país em Uyuni
9A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
do Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial, o consenso, ampliado, recomendava o
Estado com pouco peso na economia, discipli-
na fiscal, reforma tributária, câmbio de merca-
do, privatização de empresas estatais e aber-
tura comercial. “Teoricamente, os países esta-
riam numa situação de bem-estar superior
quanto mais aberta fosse a economia, porque
teriam condições de explorar seus pontos for-
tes, de vantagens comparativas. Quando se
quebra a barreira da proteção, tende a haver
mais competição”, diz o especialista em eco-
nomia internacional e professor da Faculdade
de Economia da UFJF, Cláudio Vasconcelos.
Ao mesmo tempo em que ocorria a entrada de
bens tecnológicos e barateamento de custo
em produtos, houve aumento da pobreza e da
crise econômica em países latinos. A Argenti-
na, de 1999 a 2002, teve queda de 19,5% no
Produto Interno Bruto (PIB), e viu, de 2001 a
2003, cinco presidentes passarem pela Casa
Rosada. “O fracasso das políticas públicas as-
sociadas a esse ideário neoliberal talvez tenha
fortalecido a volta a um discurso nacionalista
como estratégia de proteção contra o mundo
globalizado”, afirma Paulo Roberto. A América
do Sul assistiu ao recrudescimento de movi-
mentos sociais. “Na medida em que se organi-
zam, reivindicam elementos que permitam
mais autonomia”, ressalta o professor de Geo-
grafia Política do Departamento de Geociên-
cias da UFJF, Vicente dos Santos. Evo Morales
ascende com a revolta de indígenas contra a
exploração de gás e limitações no cultivo da
folha de coca.
“Uma das variantes concretas do nacionalismo
é a estatização, com o discurso de que fomos
despojados por estrangeiros, ricos e elites”,
contrapõe Ricardo Vélez. Evo retomou o
controle estatal sobre o gás, Chávez sobre a
PDVSA, e Cristina Kirchner reassumiu a
petrolífera YPF. Espelham-se na Petrobras. “É
um contrassenso a Argentina - grande
produtora de hidrocarbonetos no passado -
não ter mantido peso do Estado na área.
Houve febre privatizante que vendeu as joias
da coroa. Depois fizeram falta”, argumenta
Paulo Roberto. Segundo Vélez, em momentos
modernizadores do continente, incluindo
privatização, a mentalidade dos dirigentes não
mudou. “Foi uma privatização com cabeça
patrimonialista, em benefício de amigos.” A
justificativa para reestatizações e outros
patriotismos inclui o período de colonização. É
o caso da extração de prata em Potosí (Bolívia),
a 540 quilômetros de La Paz. “A prata
transportada para a Espanha, em pouco mais
de um século e meio (1503 a 1660), excedia
três vezes o total das reservas europeias”,
relata o uruguaio Eduardo Galeano, no clássico
“As Veias Abertas da América Latina”, entregue
por Chávez a Barack Obama em 2009. Outro
escritor e político liberal, o peruano Mario
Vargas Llosa, Nobel de Literatura, reconhece
que há fatores externos alheios ao controle dos
países, mas alerta que a “esquerda latino-
americana insiste em promover a ‘transferência’
freudiana da responsabilidade dos problemas”
do subcontinente.
Para analisar a culpa e desatar os nós
geopolíticos, os novos divãs têm sido os
assentos em órgãos regionais próprios, pelos
quais o posicionamento em bloco e projetos
nacionais seriam revalidados. Após a rejeição,
em 2005, da proposta da Área de Livre
Comércio das Américas (Alca), encabeçada
pelos EUA, são criados o Banco do Sul e a
União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e
ampliado o Mercosul. A entrada da Venezuela,
GEOPOlÍTiCa
Na Bolívia, manifestação folclórica em Potosí; no Chile, painel em estação de metrô de Santiago sobre a conquista da independência chilena
Em frente ao palácio da Moeda, em Santiago, no Chile, apresentação da dança nacional, a “cueca”; em Lima, no Peru, a Guarda Nacional
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201310
GEOPOlÍTiCa
terceira economia regional, no bloco trouxe o
receio de o novo membro minar os parceiros
com ideologia contrária ao mercado e reduzir
as relações externas do Mercosul. Para
Vasconcelos, há risco de Hugo Chávez tornar
as negociações mais complexas, mas não a
ponto de enterrá-las, pois o Brasil e a Argentina
são os dois principais jogadores da união
aduaneira, permeada de exceções. Já a Unasul
“representa um contrato, no sentido
geopolítico, de reforçar essa escala regional
nas relações internacionais; uma resposta à
Organização dos Estados Americanos (OEA),
muito influenciada pelos EUA”, afirma Santos.
Pelo Twitter, o presidente do Equador, Rafael
Correa, defende que a Unasul representa um
“novo tempo: do Consenso de Washington ao
consenso sem Washington. Nossa América
não recebe mais ordens de ´certas`
embaixadas”. O aviso reforça o entendimento
de que, conforme a docente de História
Americana do Departamento de História da
UFJF, Beatriz Domingues, “a afirmação da
identidade latina passa por uma crítica ferrenha
ao modelo americano”.
A professora da Faculdade de Letras da UFJF,
Rose Mary Nascif, entende que é preciso
“buscar um caminho intermediário, que
pulverize a visão maniqueísta de ´inocentes` e
´culpados`, revestida de uma simplicidade
reducionista e equivocada, agrupando os bons
colonizados de um lado e os maus
colonizadores de outro, ou as mulheres
bondosas e os homens malvados de outro”. A
pesquisadora comparou, em seu doutorado, a
situação da mulher na literatura com a da
América Latina no mundo. “O espaço de
mediação confere uma interface de
entremundos”, completa.
Ecos caudilhistas
“Nessa trilha do nacionalismo sul-americano, o
populismo entra de carona. ´Eu represento a
nação`. O líder carismático é o que o sex
appeal representa para o cinema”, compara
Vélez. Para ele, os mandatários locais encarnam
a nação, adotam postura messiânica e relações
ambíguas com instituições – partidos políticos,
sindicatos, imprensa e judiciário. Casos de
mensalão, coligações e fechamento de
emissoras são notórios. O jornal “Clarín” acusa
o Executivo argentino de tentar calar a
imprensa e cooptar outros periódicos,
financiando-os com propaganda oficial. “Se
alguém critica os Kirchner, isso se deve ao fato
de ser reacionário, fascista, atrasado; de estar a
serviço do neoliberalismo e do capitalismo
selvagem”, alerta uma das principais vozes
críticas, o secretário geral de Redação do
diário “La Nación”, Carlos Reymundo Roberts,
no livro “Aguanten los K” (“Aguentem os K”). O
governo contra-argumenta que há oligopólio
na mídia, cobertura enviesada e oposição
fraca. Situações semelhantes ocorrem na
Venezuela, na Bolívia, no Brasil e no Equador.
“Por que temos que seguir enchendo os bolsos
de meia dúzia de famílias que manejam a
comunicação a nível nacional?”, questiona
Rafael Correa.
Vélez percebe o messianismo em Chávez,
quando o presidente usa outdoors com a
palavra “Ressuscitei”, anunciando sua cura
contra o câncer. Néstor Kirchner, morto em
2010, também é adorado. “São inauguradores
de um tempo, de uma salvação que vem com
essa nova época. Nunca antes na história desse
país...”, diz, referindo-se ao chavão do ex-
presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.
O professor Paulo Roberto ressalva que o
personalismo é um fenômeno mundial,
amplificado nos meios de comunicação,
sobretudo na TV, pela esquerda ou pela direita.
Há crise do sistema político-partidário, com
crescente identificação do eleitor com
supostos atributos do candidato em vez do
projeto programático. “Se isso aconteceu em
lugares com longa consolidação do sistema,
como Inglaterra, imagine onde não houve essa
consolidação. Nosso continente tem um
personalismo indicativo do século XIX.”
Talvez sempre na história da formação das
nações sul-americanas o caudilhismo estivesse
presente, principalmente, na América
espanhola. Durante a colonização, com vice-
reinados, e nos países pulverizados, após as
independências, poucos cidadãos detinham
grandes propriedades e exerciam controle
sobre grupos da população pobre e agrária,
explica a docente Beatriz. “Desenvolveu-se
uma estrutura de poder em que a ideia do
chefe se sobrepôs à da nação, com a política
muito baseada no carisma dele”, afirma o
professor Arantes. A lista inclui Símon Bolívar,
Gaspar de Francia, Fidel Castro, Juan Domingo
Perón e sua mulher, Evita, a “mãe dos pobres”,
entre outros. No Brasil, Getúlio Vargas e Lula
seriam os poucos carismáticos, pois a
transferência do poder no país ocorreu mais
pela tradição, entre imperadores e oligarquias.
De modo geral, esses governantes distribuíram
renda, criaram estatais, partidos e
estabeleceram contato direto com as massas.
O forte apoio popular recente também se
baseia no crescimento econômico da América
do Sul: 5,3%, de 2002 a 2010, ante 3,9% da
média mundial.
O processo caudilhista tem forte influência
sobre o tipo de democracia que será executada
nos países. Embora tenham se inspirado na
filosofia republicana dos EUA e no liberalismo
da França, a versão latina das constituições
sofreu interferência dos grupos de poder
locais, ressalta o cientista político e professor
do Departamento de Ciências Sociais da UFJF,
Rubem Barboza Filho. “Prevaleceu a linguagem
dos afetos. Tivemos déficit teórico e prático
para criar democracia.” A história mostra
sucessão de golpes de Estado e o controverso
impeachment constitucional no Paraguai em
junho de 2012. “Sem dúvida, houve um golpe
inaceitável. Acreditávamos que esse tipo de
situação estava superado na região”, lamenta
Cristina Kirchner. Segundo o professor Paulo
Roberto, Chávez “reverbera grande parte dos
traços mais atrasados” da esquerda caudilhista
latino-americana. “Mas daí a pintá-lo como o
antidemocrata é não olhar a realidade
venezuelana, pois ele disputou eleições,
ganhou, fez reformas dentro da norma
constitucional. Ele contrariou interesses
econômicos de grandes grupos, inclusive os de
conglomerados midiáticos. Criar instituições
sólidas talvez seja o desafio dos governos
latinos à direita ou à esquerda”, completa. Para
o bem da nação.
“Uma das variantes concretas do nacionalismo é a estatização, com o discurso de que fomos despojados pelos estrangeiros, ricos e elites”
(Ricardo Vélez - coordenador do Centro de Estudos Estratégicos/UFJF)
11A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
GEOPOlÍTiCa
“O código Morse. Ensaios sobre Richard Morse”
Beatriz Domingues e Peter Blasenheim (org.), Editora UFMG, 2010, 283 p.
“Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe”Emir Sader e Ivana Jinkings (coord.), Boitempo Editorial, 2006, 1.472 p.
www.clarin.com
www.pagina12.com.ar
MAIS
ARGENTINAPIB: US$ 445,98 bilhõesIDH 2011: 45ºPopulação: 40,7 milhões
Presidente: Cristina Kirchner(Partido Justicialista- peronista), desde 2007, reeleita em 2011
Orientação: esquerda
Sucede seu marido, Néstor Kirchner, morto em 2010, que anulou leis de anistia da ditadura e estatizou sistemas de aposentadoria. Cristina combateu a concentração de grupos de comunicação, reestatizou a petrolífera YPF e reivindica soberania sobre as Ilhas Malvinas, sob domínio do Reino Unido. O casal assumia a retirada do país da crise de 2001 e 2002. É acusada de maquiar índices de inflação
BOLÍVIAPIB: US$ 24,4 bilhõesIDH 2011: 108ºPopulação: 10,1 milhões
Presidente: Evo Morales (Movimento ao Socialismo), desde 2006; reeleito em 2009
Orientação: esquerda
Conseguiu aprovar nova Constituição com apoio da população indígena. Estado passou a controlar exploração de petróleo, gás e o sistema de telecomunicações. Promulgou legislação da reforma agrária. Argumenta que retira a Bolívia da condição histórica de país superexplorado
BRASILPIB: US$ 2,48 trilhõesIDH 2011: 84ºPopulação: 192,4 milhões
Presidente: Dilma Rousseff (PT), desde 2011
Orientação: esquerda
Sucede governo Lula (2003-2010), que se aproxima de países como Irã e Síria, e cria nova estatal Petro-Sal para explorar petróleo na camada pré-sal. Dilma cria a Comissão Nacional da Verdade para apurar crimes contra os direitos humanos de 1946 a 1988 e privatiza terminais de aeroportos. Defende que a classe C se ascendeu como maioria, o país alcançou estabilidade financeira e reconhecimento internacional. O PT é criticado por se afastar de seus ideais de fundação
CHILEPIB: US$ 248,6 bilhõesIDH 2011: 44ºPopulação: 17,3 milhões
Presidente: Sebastián Piñera(Coalizão pela Mudança), desde 2010
Orientação: direita
Substitui a socialista Michelle Bachelet, que criou pensão básica universal. Piñera enfrenta protestos de estudantes a favor de reforma na educação em 2011. É o primeiro presidente de direita desde o fim da era Pinochet em 1990. O Chile possui tratados de livre-comércio com EUA, China e Japão
COLÔMBIAPIB: US$ 331,7 bilhõesIDH 2011: 87ºPopulação: 46,9 milhões
Presidente: Juan Manuel Santos(Partido Social da Unidade Nacional)Desde 2010
Orientação: direita
Ministro da Defesa de Álvaro Uribe (2002-2010), reconhecido pelo combate, com apoio dos EUA, às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). De 2008 a 2010, rompeu relações com Equador por ter atacado guerrilheiros no território vizinho e, em 2009, com a Venezuela, acusada de fornecer armas às Farc. Em 2011, elimina o líder das Farc e sela acordo com os EUA
EQUADORPIB: US$ 67,0 bilhõesIDH 2011: 83ªPopulação: 14,7 milhões
Presidente: Rafael Correa(Aliança País, liderada pelo Movimento País), desde 2007. Reeleito em 2009
Orientação: esquerda
Consegue aprovação de nova Constituição, decreta moratória de parte da dívida externa, retoma base miltar americana, nacionaliza o setor de hidrocarbonetos (petróleo e gás), expulsa a embaixadora dos EUA por ter acusado o governo de fomentar a corrupção. Correa sustenta o argumento de o país não sofrer com as crises internacionais e crescer 6,5% em 2011
PARAGUAIPIB: US$ 23,4 bilhõesIDH 2011: 107ºPopulação: 6,6 milhões
Presidente: Frederico Franco(Partido Liberal Radical Autêntico), desde junho de 2012
Orientação: direita
Tomou posse após processo de impeachment sumário de Fernando Lugo, de orientação à esquerda, cujo governo iniciou programa de reforma agrária, teve conflitos com agricultores, fazendeiros e “brasiguaios”. Lugo reabriu processos da ditadura
PERUPIB: US$ 176,7 bilhõesIDH 2011: 87ºPopulação: 29,4 milhões
Presidente: Ollanta Humala(Nacionalista Peruano), desde 2011
Orientação: esquerda
Concorreu à eleição de 2006 em forte ligação política e ideológica com Hugo Chávez. Em 2011, apresenta-se moderado, próximo à linha brasileira, mas ainda contra regras do modelo neoliberal. Sucedeu Alan García, que abrigou dissidentes do governo venezuelano
URUGUAIPIB: US$ 46,7 bilhõesIDH 2011: 48ªPopulação: 3,4 milhões
Presidente: José Mujica(Coalizão Frente Ampla), desde 2010
Orientação: esquerda
Consegue aprovação de nova constituição, Primeiro ex-guerrilheiro na Presidência, José Mujica sucede Tabaré Vazquez (2005-2010), primeiro presidente de esquerda. Cancelam lei de anistia, e responsáveis são julgados
VENEZUELAPIB: US$ 316,5 bilhõesIDH 2011: 73ªPopulação: 29,3 milhões
Presidente: Hugo Chávez (Partido Socialista Unido da Venezuela), desde 1999. Reeleito em 2000 e em 2006. Disputa eleições em 2012
Orientação: esquerda
Defendeu nova Constituição, aprovada em referendo. Estatiza extração de petróleo, direitos de pesca, siderúrgicas e indústria do cimento. Desapropria latifúndios. Apoia o ´socialismo do século XXI`. Não renova concessão para TV e rádio. Diz que o país avançou em indicadores sociais e de renda. Em 2002, oposição tenta golpe. Em 2004, eleitores reafirmam permanência de Chávez. Opositores boicotam eleições parlamentares
Suriname, Guiana e Guiana Francesa não foram analisados
PIB: Produto Interno Bruto indica a soma de todos os bens produzidos no país em um ano
IDH: Índice de Desenvolvimento Humano, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU), para avaliar a qualidade de vida da população, considerando três indicadores: renda (PIB per capita), educação (média de anos de educação dos adultos acima de 25 anos e a expectativa de escolaridade de crianças) e saúde (expectativa de vida)
Onda vermelha na América do Sul
Fontes: Banco Mundial, Cepal, CIA - The World Factbook, Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe, “Folha de S. Paulo” e IBGE
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201312
CAROLINA NALONRepórter
De queijos a obras de arte
PESQUiSa
Sob a luz do espectrômetro, departamento de Química da UFJF desenvolve projetos que beneficiam diversos setores. No caso da ciência forense, por exemplo, as análises têm sido uma alternativa promissora para detecção de fraudes em documentos
A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201312
13A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
De queijos a obras de arte, o universo de
materiais pesquisados pelo Núcleo de
Espectroscopia e Estrutura Molecular
da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
demonstra a competência dos integrantes do
Departamento de Química nesta área. Dentre
as centenas de artigos e outras publicações do
grupo, destacam-se as análises produzidas por
meio da espectroscopia Raman. A técnica, uma
das possíveis para se estudar a interação entre
radiação eletromagnética e matéria, tornou-
se especialidade do professor Luiz Fernando
Cappa de Oliveira, fazendo da Federal de Juiz
de Fora uma referência neste campo.
A espectroscopia Raman não é novidade.
Foi descoberta no final da década de 1920,
pelo indiano C. V. Raman, que ganhou o
prêmio Nobel de Física pelo feito, e também
observada por outros pesquisadores da época.
Sua principal característica é possibilitar o
espalhamento de luz a partir da incidência
de um feixe monocromático de radiação
eletromagnética (como um laser) sobre
qualquer matéria, orgânica ou inorgânica.
Parte da luz dispersada apresentará frequência
exatamente igual à incidida, não gerando
informação relevante.
Já outra parte, terá sua frequência alterada em
razão da interação provocada. Essa alteração,
conhecida como espalhamento inelástico
ou efeito Raman, permite obter informações
sobre a composição química e estrutural
daquela matéria posta sob análise.
O entendimento sobre a organização e
arquitetura molecular de uma dada composição
de matéria tem sido fundamental para os
avanços da química moderna e, de acordo com
o professor Cappa, a utilização da metodologia
vem crescendo em todo mundo. “Não estamos
PESQUiSa
Trabalho dos pesquisadores (da esquerda para a direita) Rodrigo Sthephani, Luiz Fernando Cappa, Lenize Maia e Nelson de Souza. torna a UFJF referência na área
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13A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201314
“Considero importante esse tipo de trabalho,
porque mostra de maneira mais compreensível
para a sociedade o valor do que fazemos.”
Curadores, colecionadores e museus recorrem
à técnica antes de fazer uma restauração para
determinar com precisão as tintas e outros
materiais utilizados na obra, permitindo,
dessa forma, que os traços dos autores sejam
fielmente respeitados. Conforme Cappa, os
museus mais importantes do mundo possuem
hoje avançados laboratórios. “Podemos
dizer que muita pesquisa é feita antes do
anúncio de uma descoberta como aconteceu
recentemente no caso da Mona Lisa do Museu
do Prado, na Espanha.” A nova Mona Lisa,
encontrada nos depósitos do Museu do Prado,
foi feita muito provavelmente por um dos
alunos de Da Vinci enquanto ele pintava sua
obra prima, exposta no Museu do Louvre, na
França.
Do fundo do mar
A chegada da pós-doutoranda Lenize
Fernandes Maia à UFJF trouxe ao Núcleo
de Espectroscopia e Estrutura Molecular a
oportunidade de explorar uma nova linha
de pesquisa. Com formação em Ecologia
Química Marinha pela University of California
(Estados Unidos), Lenize iniciou em Juiz de
Fora estudos sobre organismos marinhos
da costa brasileira. Seus trabalhos adotam
a espectroscopia Raman como ferramenta
complementar na identificação de substâncias
químicas presentes em corais.
querendo reinventar a roda, mas esta é uma
forma mais rápida e simples de descobrir,
por exemplo, qual é o tempo adequado de
prateleira para um queijo parmesão.” Isso
porque o espectrômetro mostra com exatidão
as diferenças entre a composição química do
produto fresco e do vencido.
Outra grande vantagem da técnica é a
conservação da amostra, pois, em muitas
outras, é preciso diluí-la ou pulverizá-la. Em
outras palavras, a técnica é não-destrutível.
Isso faz com que seja extensa a aplicabilidade
da espectroscopia Raman, o que, por outro
lado, não significa a solução de todos os
problemas do mundo científico. “Para cada
trabalho publicado, existem inúmeros outros
sem sucesso.”
Os 21 alunos, entre pós-doutorandos,
doutorandos, mestrandos e bolsistas de
iniciação científica, orientados pelo professor,
têm contribuído no desenvolvimento de
pesquisas nos mais diversos campos. O
ex-aluno de iniciação científica e agora
doutorando, Rodrigo Stephani, estreitou as
relações mantidas pelo laboratório de Cappa
com a empresa do ramo alimentício Gemacom
Tech. Gerente técnico da companhia, ele
tem a sorte de conciliar o interesse pela vida
acadêmica com o trabalho. Uma parte de sua
tese envolve a produção e a caracterização
de proteínas lácteas em pó provenientes
do soro de leite, ainda não fabricadas no
país. “Atualmente, o Brasil importa estes
produtos e já existe um grande movimento
no sentido de desenvolvermos tecnologia
nacional para a produção local. Para isso, a
caracterização do produto é fundamental, e
“Entendemos que uma das funções da pesquisa é dar suporte ao desenvolvimento econômico. Estamos antecipando essa tendência e trabalhando para uma pesquisa aplicada, porém, com embasamento científico”
(Rodrigo Stephani - doutorando em Química)
as técnicas espectroscópicas, como Raman
e Infravermelho, estão mostrando grande
potencial, pois fornecem informações valiosas
sobre os produtos.”
Stephani ressalta que o sucesso das pesquisas
realizadas entre a empresa e o Departamento
de Química possibilitou levar esse modelo de
parceria para outras instituições, entre elas, a
Universidade Federal de Viçosa (UFV), e, ainda,
para outros departamentos da própria UFJF.
Ele também mantém trabalhos em conjunto
com o professor do Departamento de Nutrição,
Paulo Henrique Fonseca da Silva. “Entendemos
que uma das funções da pesquisa é esta, dar
suporte ao desenvolvimento econômico.
Estamos antecipando essa tendência e
trabalhando para uma pesquisa aplicada,
porém, com embasamento científico.”
Luz sobre a arte
Mas há muito mais do que produtos lácteos
no laboratório de Cappa. Têm sido objeto de
seus estudos: documentos, drogas ilícitas,
pinturas, esculturas, móveis, produtos naturais,
alimentos e matérias de origem marinha. No
caso da ciência forense, as análises têm sido
uma alternativa promissora para detecção
de fraudes em documentos. Os resultados
da espectroscopia mostram as diferenças
na qualidade e na quantidade das tintas
utilizadas para a impressão de uma carteira
de motorista, por exemplo. As demandas que
chegam ao laboratório são muitas vezes dos
próprios pares - ou seja, pesquisadores, não
necessariamente da área de Química, que
precisam dos dados para prosseguirem com
suas investigações -, de instituições ou mesmo
de empresas e pessoas físicas.
O fato de a amostra poder ser de qualquer
tamanho e permanecer intacta durante o uso
de espectrômetro beneficia bastante as artes.
Hoje, o local de referência para essas pesquisas
é o Laboratório de Espectroscopia Molecular
da Universidade de São Paulo (USP), o que,
entretanto, não tem impedido Cappa de atuar
nesse ramo. O professor desenvolve trabalho
em parceria com outros pesquisadores sobre
peças do acervo do Museu de Arte de Stuttgart,
na Alemanha. No início de sua carreira na UFJF,
na década de 1990, foi solicitado a analisar um
quadro de Portinari, identificando os tipos de
tintas usados pelo pintor e também em uma
restauração até então desconhecida na obra.
“Considero importante esse tipo de trabalho (análise de obra de arte), porque mostra de maneira mais compreensível para a sociedade o valor do que fazemos”
(luiz Fernando Cappa de Oliveira - coordenador da Pós-Graduação em Química/UFJF)
PESQUiSa
15A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
espectroscópico de metano, é porque existe
uma grande possibilidade de termos material
orgânico fossilizado naquela região”, ressalta
Cappa. Os resultados desta pesquisa são
usados pelas empresas petrolíferas como um
indicativo indireto da presença de petróleo
abaixo da camada de rocha, na direção da
perfuração do poço.
Química Supramolecular
O Núcleo de Espectroscopia e Estrutura
Molecular é composto ainda pelos doutores
Antônio Carlos Sant’Ana, Alexandre Cuin,
Renata Diniz, Maurício Antônio Pereira da Silva,
Hélio Ferreira dos Santos e Flávia Cavalieri
Machado, todos professores do Departamento
de Química. Outras formas de interação
entre radiação e matéria, além da Raman,
são utilizadas por eles, como no caso da
difração de raios X. Esta metodologia tem sido
aplicada especialmente em projetos ligados à
Química Supramolecular - linha de pesquisa de
destaque no meio científico e relacionada ao
entendimento da estrutura de sólidos.
Os raios X podem ser usados para se obter
informações sobre a distribuição dos átomos
Luiz Fernando Cappa de Oliveira
Doutor em Físico-Química pela Universidade de São Paulo (USP); estágio de pós-doutorado na Universidade de Bradford (Reino Unido); especialista em Espectroscopia Molecular, tendo sido convidado, em agosto de 2012, como palestrante da 23ª Conferência Internacional de Espectroscopia Raman, na Índia; professor associado da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); coordenador do Programa de Pós-Graduação em Química da UFJF (conceito 5 pela Capes).
luiz.oliveira@ufjf.edu.br
http://lattes.cnpq.br/1912197785087128
MAIS
Lenize explica que mudanças climáticas, como
o aquecimento das águas oceânicas, e infecções
por fungos e bactérias estão causando a
expulsão das zooxantelas, microorganismos
unicelulares que vivem nos recifes de corais e
são responsáveis pela sua nutrição por meio da
fotossíntese. A consequência da expulsão das
zooxantelas é o branqueamento e a morte dos
corais.
Analisando a espécie brasileira Phyllogorgia
dilatata, ela conseguiu, junto a Cappa,
resultados que corroboram dados da literatura
sobre outra espécie: a Gorgonia ventalina,
localizada nos recifes do Caribe. Esse coral
parece ter desenvolvido um mecanismo de
proteção contra o espalhamento de infecções
por meio da produção de pigmentos arroxeados
em torno da região danificada, fazendo da
espectroscopia Raman a metodologia ideal
para sua identificação.
Mas não é só esta a vantagem no uso da técnica
em organismos marinhos. Segundo Lenize, a
caracterização de substâncias in situ, ou seja,
na própria amostra, sem precisar separar os
componentes, elimina etapas de extração,
purificação e isolamento de substâncias já
conhecidas. “Isso gera economia de material de
laboratório, tempo de investigação e utilização
de outros instrumentos analíticos.”
Do fundo do mar também chegam amostras
para outro projeto de Cappa. A Petrobras
solicita ao seu laboratório, que trabalha em
cooperação com o Centro de Tecnologia
Mineral, no Rio de Janeiro, a identificação da
presença de metano em inclusões fluidas
aquosas de rochas. A inclusão fluida é
uma cavidade na rocha que possui solução
aquosa contendo sal, principalmente cloreto
de sódio, e uma bolha de gás preso durante
seu processo de formação. “Conhecer as
características de tais inclusões significa obter
informações sobre a gênese da região de onde
se extraiu a amostra. Se por acaso temos sinal
em um sólido cristalino. Associados a outras
metodologias, evidenciam, ainda, as interações
entre moléculas e dentro delas. Na vida
cotidiana, a cristalização do açúcar dentro
de um pote é um exemplo de interação entre
moléculas.
Com a Química Supramolecular, portanto,
é possível conhecer como as moléculas se
ligam formando novas estruturas. Entender
mais a fundo esses mecanismos faz com
que o pesquisador seja capaz de criar novos
materiais, como pretendem Antônio Carlos
Sant’Ana e Gustavo Andrade. Eles desenvolvem
estudos com sistemas metálicos estruturados
numa escala nanométrica, ou seja, da grandeza
de um milionésimo de milímetro.
Em outro exemplo, o aluno de doutorado de
Cappa, Nelson Luis Gonçalves Dias de Souza,
está combinando polímeros orgânicos e
inorgânicos para criação de um sistema que
permite o controle das doses de determinado
medicamento dentro do organismo. O projeto
desenvolve-se em parceria com a Embrapa
e sua aplicação será em bovinos. A ideia é
fazer com que a digestão dos ruminantes seja
auxiliada pela substância liberada aos poucos
através da cápsula criada pelo doutorando. A
cápsula de cerca de 5 cm de diâmetro será
colocada no cocho e misturada junto ao sal
usado para alimentar os animais. Como não
existe no mercado material semelhante, os
pesquisadores estudam a possibilidade de
patentear o produto. Essa não seria a primeira
das inovações geradas no departamento.
Cappa e Maurício Silva, especialista na área
de materiais vítreos, criaram em temperatura
ambiente um novo tipo de vidro com potenciais
usos tecnológicos, e já registraram sua patente.
PESQUiSa
Em cooperação com o Centro de Tecnologia Mineral, no Rio de Janeiro, o Departamento de Química da UFJF realiza estudos, para a Petrobras, para identificar a presença de metano em inclusões fluidas aquosas de rochas
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201316
“A universidade precisa aceitar que educar não é conduzir e sim acompanhar”
VALÉRIA BORGES COSTEMALLE
Repórter e tradutora
As universidades europeias vivem hoje
uma crise da concepção vertical. A
constatação é do sociólogo francês
Michel Maffesoli que, em visita recente
à Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), concedeu entrevista a professores
da instituição. Diretor do Centro de Estudos
sobre a Atualidade e o Cotidiano (Ceaq) da
Universidade Sorbonne (Paris II) e autor de
mais de 40 livros, falou sobre temas como pós-
modernidade e ecosofia e a concepção do Brasil
como laboratório da contemporaneidade.
Confira a entrevista a seguir.
- Christina Musse (professora da Faculdade de Comunicação): A Europa vive um momento de ruptura. As tentativas feitas, há 50 anos, de criação de uma unidade econômica e cultural vivem hoje um momento de crise. A
União Europeia se questiona sobre os rumos a serem tomados pelo velho continente. Gostaria que o senhor fizesse uma apreciação sobre o momento atual, especialmente, no que concerne à educação e à cultura.- Michel Maffesoli: A Europa vive um momento
de crise. E uma crise é sempre benéfica.
Uma boa maneira de renovar as energias. Eu
considero que existe uma crise da concepção
de uma Europa estática. Da minha perspectiva
pessoal, estou muito mais interessado no
que chamamos de “oficioso” do que aquilo
que é considerado como “oficial”. Existe uma
crise das instituições, mas ao mesmo tempo,
encontramos uma grande vitalidade nas
novas gerações. Um exemplo, como professor
universitário, há 15 anos eu dispunha de várias
bolsas de estudos para meus estudantes.
Bolsas para Roma (Itália), Barcelona (Espanha),
Lisboa (Portugal), e a demanda era baixa.
Hoje existe uma grande quantidade de jovens
universitários que circulam nas universidades
europeias. É esta a garantia do futuro. Eu não
tenho nenhum temor pelo futuro da Europa,
porque ele está sendo construído com e pelas
novas gerações. Observo, hoje, este movimento
de estudantes como uma sedimentação
do futuro. Quanto à educação, existe uma
verdadeira crise nas universidades europeias.
As universidades estavam acostumadas a
receber ajuda do Estado, unicamente, de
uma maneira vertical. Hoje temos que achar
outras fontes de financiamento. O que gera
uma certa dificuldade das instituições a se
habituar, e a se ajustar à esta nova concepção
do mundo. Posso dar o exemplo da Franca,
pois fui conselheiro da ministra do Ensino
Superior, Valerie Pecrèsse, do governo do
ENCONTROS POSSÍVEiSF
oto
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essoal
A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201316
17A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
presidente Nicolas Sarkosy, . A ministra
criou uma lei interessante chamada Lei da
Autonomia, mostrando que, além de receber
investimentos do Governo Federal, existia
uma necessidade de se criar novas parcerias,
novas fontes de recursos, seja com a iniciativa
privada ou outras instâncias e instituições. O
que existe é a crise da concepção vertical das
universidades. Este momento é frutífero no
que concerne à criação de novas bases que
sedimentarão o futuro das universidades como
instituições mais permeáveis e abertas às
comunidades que as acolhem. Eu não tenho
medo. Aliás, não devemos nunca ter medo. A
palavra crise é muito usada hoje, em vários
setores, inclusive no meio universitário. A crise
não é um problema econômico nem financeiro.
A crise é um problema societal. Uma mudança
de fundo que está acontecendo, hoje, em
várias sociedades. A palavra crise, que vem
do grego Krisis, significa julgamento, ou
seja, o julgamento do que está nascendo em
relação ao que está morrendo. Referente às
universidades, nós podemos compreender
uma sociedade, em geral, a partir do
topos, onde ela se situa. Assim podemos
compreender a crise da universidade a partir
do topos, ou seja, da crise da sociedade em
que ela se situa. A modernidade é um período
fundado a partir de uma topografia vertical. Ou
seja, um saber e um poder que vem do alto,
de cima para baixo. A verticalidade do saber e
do poder. O saber levando ao poder. Foi dessa
maneira que a sociedade moderna concebeu a
universidade, a educação, o conhecimento. Eu
penso que existe uma crise de toda a estrutura
vertical. Eu acredito que o topos da sociedade
pós-moderna é a horizontalidade. Saber dividir
não somente um simples poder, mas uma
potência societal. A passagem da verticalidade
à horizontalidade, da modernidade à pós-
modernidade é o sinal da crise. Quando
observamos um fenômeno como a Wikipedia,
notamos que não existe somente a verticalidade
do saber, mas uma forma de horizontalidade.
É isso que nossas universidades devem aceitar:
a ideia de horizontalidade. Não é somente a
educação que é importante mas, também,
a iniciação. A educação conduz, educare em
latim, a iniciação acompanha. Essa é a grande
mudança de fundo, o grande desafio da nossa
universidade: passar da educação à iniciação.
- Marcelo do Carmo (professor do curso de Turismo): Qual é a sua percepção sobre a universidade brasileira? - Maffessoli: Como estrangeiro não me sinto
confortável para opinar sobre a universidade
brasileira . Acho que um pesquisador brasileiro
estaria mais apto a dissertar sobre o tema.
O que mais me fascina nas universidades
brasileiras é o que vocês chamam de Extensão.
Essa ligação entre a universidade e o exterior,
a vida social, a comunidade em suas diversas
formas. Essa visão da extensão está em acordo
com o que era denominado Universitas, na
Idade Media, onde existia um saber orgânico.
O que o filósofo e cientista político italiano
Antonio Gramsci definia como o intelectual
orgânico. Uma organicidade entre uma
instituição acadêmica e a vida social. Essa
forma de extensão sempre me fascinou nas
universidades brasileiras.
- Euler David de Siqueira (professor do curso de Turismo e do mestrado em Ciências Sociais): Desde os anos 80, nós temos uma série de intelectuais que debatem sobre a relação entre a sociedade e a natureza. Alguns antropólogos, como Bruno Lacourt ou Eduardo Ribeiro de Castro, discutem a possibilidade de um multinaturalismo. Esta proposta de ampliar essa relação com a natureza interage com a sua proposta de Ecosofia?- Maffesolli: Toda cultura judaico-cristã
ocidental moderna é baseada num principio
de separação, numa dicotomia do mundo: o
corpo e o espírito; a natureza e a cultura; o
material e o espiritual. Esse é o fundamento
da “performatização do modelo ocidental. O
filósofo americano Thomas Kuhn demonstrou
que justamente porque existe essa separação
é que houve o triunfo dos valores ocidentais.
Estamos no fim desse modelo. O homem
dominou o mundo, dentro de uma visão
heideggeriana e devastou o mundo. Existe
hoje outra relação com a natureza. Desde o
começo das minhas pesquisas tento mostrar
a importância do espaço. Não simplesmente
o tempo, mas o espaço. Atualmente, continuo
explorando o mesmo tema, através da noção
de Ecosofia. Essa noção leva a uma nova
“Eu não tenho nenhum temor pelo futuro da Europa, porque ele está sendo construído com e pelas novas gerações”
ENCONTROS POSSÍVEiS
relação com a natureza. Uma relação reversível,
e não mais de simples dominação sobre o
mundo. Para lembrar ao animal humano que
ele é também um animal. Acredito que, pelo
fato de o ser humano ter “esquecido” essa
animalidade, é que nosso comportamento se
direcionou para a bestialidade.
- Euler: Gostaria que o senhor nos falasse sobre a noção de festa. Qual é a natureza da festa na sociedade contemporânea? Nós podemos ter uma relação de festa na natureza e com a natureza?- Maffesoli: Quando Thomas Kuhn teorizou
sobre o que ele chama de estrutura de
revolução científica, ele mostrou que o que
levou à “performatização” do modelo ocidental
foi o fato de termos seguido a linha reta da
razão. Ele disse, em latim, la via recta, o que
significa direto ao ponto. Para irmos direto ao
ponto, o ocidente deixou à beira da estrada,
ainda segundo Kuhn, em latim, toda uma série
de impedimenta inutile, ou seja, todo tipo de
bagagem inútil: o sonho, o afeto, o jogo. E isso
foi eficaz. O ocidente, digamos, viajou com
menos peso e foi direto ao ponto. Isso é a
modernidade, ou seja, a performatização do
mundo ocidental, mais uma vez. Atualmente,
estamos descobrindo que ir direto ao ponto
nos levou direto contra o muro. Nós estamos,
agora, recuperando essas bagagens deixadas
à beira da estrada: a bagagem festiva, a
lúdica, a onírica, que foram parâmetros da
humanidade. Para mim, esta é uma concepção
mais ampla da natureza humana, que também
é, simplesmente, uma natureza. O que eu
proponho é uma visão de um ser humano
inteiro, holístico, não só em pedaços, ou seja,
um cérebro que, de certa maneira, é uma
concepção um tanto esquizofrênica. Pois
todo o valor é colocado na cultura. Essa ideia
de ser humano inteiro, holístico, é a de um
ser humano que recuperou essas bagagens
e, para mim, isso é muito mais natural. Este
é o fundamento dessa relação que, na minha
opinião, caracteriza a pós-modernidade. Eu
desenvolvi essa noção através da ideia de
razão sensível. Não defendo uma abdicação
da razão, mas também não acredito no ser
puramente racional, pois existem todos os
outros sentidos. Pessoalmente, essa é a ideia
deste ser humano inteiro. O fato de que todo
mundo participe desse saber coletivo.
- Nelma Fróes (in memorian - professora da Faculdade de Comunicação e pró-reitora adjunta de Cultura): O nome da minha tese
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de doutorado, defendida em 2002, é “Do humanismo ao transhumanismo, um guia de sobrevivência”, onde rechaço a ideia da palavra pós-modernidade, seguindo a linha do professor Paulo Vaz que prefere chamar estes tempos de contemporaneidade. Eu acredito que os jovens não podem mais pensar no passado como exemplo, nem no futuro como uma ideia de progresso. O que o senhor considera como estratégia para atravessarmos estes tempos?- Maffesoli: Nos anos 60, escrevi um livro
intitulado “La conquête du present” (em
português, “A conquista do presente”). O
presente era um condensado do passado, e
de certa forma, ele predeterminava o futuro.
Mas existem certas civilizações que valorizam
o presente, outras, o passado. Para eles, a pós-
modernidade é uma sociedade centrada no
presente. Eu propus que chamássemos esse
fato de presenteísmo. O que chamamos em
francês de l’air du temps, ou seja, a atmosfera
mental, e em particular, a temporalidade
das jovens gerações. Então, acredito que
sim. Devemos refletir sobre o presente. Eu
penso que a intelligentzia em geral, ou seja,
os universitários, os jornalistas, os políticos,
continuam obcecados pelos valores modernos.
Os valores do século XVII ao século XIX. E é
essa intelligentzia que tem medo do que está
acontecendo, ou seja, a pós-modernidade e,
por isso, eles falam de contemporaneidade, de
modernidade segunda, de modernidade tardia.
A casa está pegando fogo, mas eles querem
salvar os móveis. Não. A casa tem que pegar
fogo. Nosso trabalho, no mundo acadêmico,
é o de pensar o que estamos vivendo, o
presente. E não o que nós gostaríamos que
fosse o presente. Pensar as práticas jovens, as
práticas sociais. Todo o problema é de achar
as palavras pertinentes, no sentido científico
do termo. Que essas palavras estejam em
pertinência com o que está acontecendo. E
eu digo, mais uma vez, que a noção de pós-
modernidade, e não o conceito, porque eu não
gosto do termo conceito, me parece estar em
relação direta com o que estamos vivendo e
com o que devemos pensar, ou refletir sobre.
Agora, a estratégia é uma estratégia do laisser
être, em francês, algo como deixar existir,
deixar acontecer, e não de dominar tudo,
controlar tudo. Ao contrário, o que me parece
ser um dos elementos da pós-modernidade é
o deixar existir, acontecer. Fazer confiança à
vitalidade do ser e da sociedade.
- Aloizio Trinta (professor do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Faculdade de Comunicação): Os propósitos do senhor têm uma coloração muito especial, poética, dominando de uma maneira invejável as metáforas. O senhor fala de beira de estrada, horizontalidade, verticalidade. Eu conheço suas reflexões sobre a Brasilomania. O senhor vê o Brasil como um país eminentemente icônico?- Maffesoli: Existe uma dicotomia entre o
pensamento e o saber. O que levou a uma
concepção racionalista, conceitual. Eu penso
que deva existir uma sinergia entre a poesia
e o pensamento. A metáfora é a figura de
linguagem que faz essa sinergia entre os
dois. Outra vez, voltamos ao conceito de
homem inteiro ou holístico. Eu tentei mostrar
em um dos meus livros, como a Europa foi
o laboratório da modernidade, porque ela
sempre valorizou o racionalismo, o conceitual.
E isto levou a certa abstração, no sentido
etimológico do termo, e de certa forma nós nos
desgarramos do concreto. Então, eu disse que
o Brasil, em contrapartida, seria o laboratório
da pós-modernidade. E por quê? Porque aqui
os valores barrocos são mais valorizados, bem
como o papel dos ícones. Eu falo do Brasil
como o laboratório da pós-modernidade,
porque se valoriza a dimensão barroca. Eu
falo de ícones como imagens, ou totens, em
torno dos quais o povo se reúne. O Brasil tem
ícones como Lula, Gilberto Gil, Chico Buarque.
Eu penso que existe certo barroquismo na
atmosfera brasileira e este barroco é um dos
marcos da pós-modernidade. Este barroco
pós-moderno brasileiro seria uma concepção
mais inteira, interativa, e o ícone é uma das
formas que traduz esse conceito.
ENCONTROS POSSÍVEiS
MAIS
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Michel Maffesoli
Membro do Instituto Universitário da França; professor da Sorbonne; diretor do Centro de Estudos sobre Atualidades e Cotidiano (Ceaq) e do Centro de Pesquisas sobre o Imaginário (CRI); redator chefe da revista “Sociétés”
Para saber mais acesse: www.michelmaffesoli.org
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19A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
O olhar, ainda tímido, para o outro lado do
Atlântico, contribui para que o Brasil figure en-
tre os primeiros destinos de estudantes das ex-
colônias portuguesas, segundo o último rela-
tório da Organização das Nações Unidas para
a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), publi-
cado em 2009. Os jovens africanos tornam-se
alunos locais por meio de curso a distância,
intercâmbio, vagas para refugiados políticos
e convênios interinstitucionais. Em 2013, a in-
tegração deve se expandir, a partir do acordo
firmado entre a UFJF e a Universidade Agosti-
nho Neto, de Angola, a fim de não só promo-
ver a mobilidade de estudantes como também
Até 2014, em cada 60 alunos de gradua-
ção presencial e a distancia da Univer-
sidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),
um será africano. Atualmente, a proporção
está em torno de 125 estudantes. Dos 16.200
universitários matriculados, 130 são de Ango-
la, Cabo Verbe, Gana, Guiné-Bissau, República
Democrática do Congo, Mauritânia e Moçambi-
que. Caso se mantenha a expansão de gradu-
andos, serão 315 africanos daqui a dois anos.
O acréscimo ocorre por meio da política de
internacionalização da UFJF, em consonância
com medidas nacionais de aproximação entre
Brasil e África.
a de professores e a realização de pesquisas,
eventos e publicações. O país está interessado,
também, em ampliar este vínculo para a for-
mação de profissionais de Direito, segundo a
secretária de Relações Internacionais da UFJF,
Rossana Melo, que esteve em Angola em maio.
A África é o foco ainda de livros, seminários,
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) e
festa organizada por intercambistas.
O maior contingente de alunos estrangeiros
na UFJF é de Moçambique, na África Orien-
tal. Noventa estudantes estão matriculados no
quarto período da graduação a distância em
RAUL MOURÃORepórter
UFJF intensifica aproximação com continente africano
iNTERNaCiONaliZaÇÃO
além de intercâmbio, a Universidade oferece graduação a distância em Moçambique e produz estudos sobre diáspora
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Administração Pública, oferecida pela Facul-
dade de Administração e Ciências Contábeis
da UFJF e pela universidade moçambicana
Eduardo Mondlane (UEM). As instituições se
revezam no oferecimento de 54 disciplinas e
pretendem abrir nova turma a cada ano. Para
isso, recebem suporte tecnológico do Centro
de Educação a Distância (Cead) da instituição
mineira e o apoio da Universidade Aberta do
Brasil. “Aprendemos muito com nossos par-
ceiros. Compreender a realidade econômica,
social, política e cultural deles é determinante
para gerir um programa entre duas nações”,
afirma o coordenador do curso na UFJF, Mar-
cos Tanure. O diploma será expedido pelas
duas universidades, válido para seleção em
pós-graduação no Brasil.
Os outros 40 estudantes africanos matricula-
dos na UFJF podem ser vistos em salas de aula
no campus de Juiz de Fora. A maioria chega
pelo Programa Estudantes-Convênio de Gra-
duação (PEC-G) dos ministérios da Educação
e das Relações Exteriores, voltado para países
em desenvolvimento. Os critérios de seleção
variam conforme a embaixada. O congolês
Aaron Winter, 25 anos, aluno do 8º período
de Engenharia Civil, participou de seletiva e
interrompeu o penúltimo ano do mesmo cur-
so, na capital Kinshasa, para fazer a graduação
brasileira. O conceito das instituições federais,
o porte médio de Juiz de Fora, a presença de
africanos na cidade e a posição do Brasil como
potência continental foram alguns dos fatores
para a escolha do país pelo jovem, em vez de
Canadá ou Estados Unidos. O ensino gratuito
foi preponderante. Em Kinshasa, Winter pa-
gava taxa semestral de, em média, R$ 800 e
tarifa por serviços. O custo é alto para o país
ocupante da última posição no Índice de De-
senvolvimento Humano (IDH), a 187ª, e onde
80% da população vivem com menos de US$
2 por dia, segundo a Organização das Nações
Unidas (ONU). No Brasil, este índice chega a
10%.
“Na República Democrática do Congo, a
estrutura da universidade é pública, mas tudo
é pago. Os alunos brasileiros têm o que a gente
não tem e, às vezes, não sabem aproveitar.
Lá, quando o professor está em sala de aula,
ninguém conversa, e, se quiser sair de sala,
tem que pedir permissão. Percebo que os
estudantes aqui são menos envolvidos nas
atividades da universidade, como assembleias”,
ressalta Winter. “Não é que essa atitude não
exista (nos países africanos). Mas, ainda que o
aluno tire nota 60 ou cem, o comportamento
importa. Isso é cultura mesmo”, completa
o aluno de Ciências Contábeis Leandro
Aldair, 22, de Guiné-Bissau. Os estudantes de
Economia Jailson Pires, 26, e Keven Brito, 23,
e o de Arquitetura Eulices Cardoso, 22, todos
de Cabo Verde, confirmam a relevância de se
qualificarem no Brasil.
Vivência de culturasAlém da habilitação, o intercâmbio pressupõe
a vivência de culturas diferentes e a percepção
sobre os hábitos de uma sociedade. Para o
congolês Winter, o idioma foi o início. No seu
país, o francês é a língua oficial e existem
dialetos. Ao mesmo tempo, o estudante
deparou-se, em solo brasileiro, com costumes
que seriam repreendidos na terra natal por
destoarem das “metas culturais” congolesas.
“Se você está fora do padrão, leva chicotadas.
Se falar palavrão em público, também. Lá, só
se namora para casar. Se casam e se separam,
têm que mudar de cidade.” A jornalista
Jaqueline Harumi, formada pela UFJF, precisou
se adaptar às condições de Gana, na África
Ocidental, para se manter nos seis meses de
intercâmbio em 2010. Faltaram água e energia
elétrica, houve semelhança no preparo da
refeição, mas sobraram carros mal conservados
em ruas sem asfalto e o calor de Acra, a
Os jovens africanostornam-se alunos locais por meio de curso a distância, intercâmbio, vagas para refugiados políticos e convênios interinstitucionais
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Aaron Winter, da República Democrática do Congo; Jailson Pires, Keven Brito e Eulices Car-doso, de Cabo Verde; e Leandro Aldair, de Guiné-Bissau
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capital ganense. No entanto, o contraste foi
insuficiente para antecipar o retorno ao Brasil.
“Conheci pessoas de diferentes faixas etárias
de Gana, de diversas nacionalidades e até
mesmo brasileiros. Visitei lugares maravilhosos,
que jamais pensei existissem por lá.” Jaqueline
apareceu, inclusive, em rede nacional de TV
ganense como torcedora da seleção local na
Copa do Mundo, realizada na África do Sul.
A Copa, aliás, mostrou uma imagem
desconhecida sobre a África, assim como o
intercâmbio pode permitir o questionamento
de estereótipos. Os países africanos, de fato,
possuem os piores indicadores sociais, ainda
sofrem com guerra civil, doenças que podem
ser prevenidas (ver box na página 22), mas
compõem sociedades complexas que não
se reduzem a poucas definições, conforme
ressaltam os estudantes Keven Brito e Jailson
Pires. Cabo Verde possui expectativa de vida
próxima à do Brasil. Gana foi classificado como
o terceiro país que mais cresceu no mundo
em 2011. Kinshasa, a capital do Congo, tem 8,3
milhões de habitantes. “Falta informação. E
também de nossa parte. Quando saí de meu
país, disseram-me que me tornaria jogador de
futebol e não iria estudar por querer vir para
o Brasil. No avião, quando olhei São Paulo
com aqueles prédios...”, relata Winter, com um
pingente dourado no formato do continente
africano, destacando-se no peito.
O voo de volta será obrigatório para os alu-
nos estrangeiros obterem o diploma somente
na embaixada brasileira do país de origem. A
cabo-verdiana Zuleica Eveline Semedo retor-
nou, em 2011, após se formar em Comunicação
Social pela UFJF. Trabalhou em uma emissora
brasileira, na capital Praia, e atualmente está
na China, cursando mestrado. O retorno nem
sempre é carregado de certezas. “Será que,
quando eu voltar, terei os mesmos recursos
que tenho aqui para trabalhar? Chego a me
perguntar sobre isso”, revela Eulices Cardo-
so, com tom de angústia e sinceridade. “Em
Cabo Verde, tudo é importado”, completa. O
Produto Interno Bruto (PIB) do país, de US$
1,9 bilhão, somado ao de Guiné-Bissau, de US$
973,4 milhões, não alcança o de Juiz de Fora,
acima de US$ 3,6 bilhões. Já Leandro Aldair
é categórico sobre o regresso ao repetir três
vezes: “Nosso objetivo é ajudar o país”. Guiné-
Bissau precisa, pois está próximo de se tornar
o primeiro Estado sob domínio do narcotráfico.
Hoje ele pode ser considerado o primeiro país
do mundo onde a disputa pelo poder se dá en-
tre traficantes. “A Polícia não tem força lá”, diz
o estudante. Atualmente, alguns países da Áfri-
ca se tornaram entrepostos da droga que vem
da América Latina, destinada à Europa.
A violência, o contato entre culturas tradicio-
nais, herança colonial e pensamento contem-
porâneo - inclusive o de intercambistas - além
da situação de refugiados estão expostos em
obras de escritores africanos, estudados por
pesquisadores da UFJF. “A literatura moçam-
bicana faz emergir esses conflitos. Traz para a
escrita todas as questões que a colonização
gerou em termos sociais, culturais, históricos
e que estão presentes na contemporaneida-
de. Mia Couto, renomado escritor moçambi-
cano, vai escamar esses palimpsestos”, afirma
a professora do Departamento de Letras Es-
trangeiras Modernas da Faculdade de Letras,
do Programa de Pós-graduação em Estudos
Literários e da especialização em História e
Cultura Afro-brasileira e Africana, Enilce Ro-
cha. A docente analisa, ainda, a inserção da
oralidade moçambicana nas obras do escri-
tor, com declarada influência de autores bra-
sileiros, como Guimarães Rosa e João Cabral
de Melo Neto. “Por que é importante para nós
toda essa aproximação com Moçambique e
outros países de língua portuguesa? Porque o
Brasil quer ser prioritariamente ocidental. Os
brasileiros reconhecem como distinção social
as referências do mundo ibérico, da Europa, do
homem branco. Só recentemente aprovaram
a lei que obriga o ensino da história e cultura
afro-brasileira.”
No sentido de pesquisar e divulgar o quanto
o Brasil é africano, surgem núcleos de estudos
sobre os vínculos do país com o continente em
universidades. Na UFJF, cada vez mais africa-
na, o Neab oferece especialização lato sensu,
promove seminários e publicações sobre a
área, e pretende implantar o curso a distância
de aperfeiçoamento em Educação para as Re-
lações Étnico-raciais. “O Neab é constituído a
partir da percepção de que somos sim, africa-
nos. Trazemos conosco as marcas da diáspo-
ra”, afirma o coordenador do núcleo, Robert
Daibert Júnior.
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“Visitei a África pela primeira vez em
2000, para a Aids Conference - da
Sociedade Internacional de Aids
-, em Durban, África do Sul. A conferência
engloba atividades científicas e político-sociais,
sendo palco habitual de manifestos com
engajamento da comunidade internacional.
O evento foi histórico: a principal conferência
mundial em Aids, e no continente africano,
o mais afetado pela epidemia. A atenção de
cientistas e governantes, voltava-se, enfim,
para o epicentro do problema.
Na abertura do evento, autoridades locais
sugeriam nos discursos que o grande causador
da epidemia não seria o vírus HIV, virando
motivo de ironia entre alguns palestrantes.
Porém, a ideia compreendida no discurso das
autoridades era que o HIV talvez não fosse o
principal determinante para a dimensão que a
epidemia tomava na África, mas sim os fatores
inerentes à complexidade social, econômica e
cultural do continente, que formavam ambiente
propício para que a curva e o impacto da
epidemia na África subsaariana tomassem as
catastróficas características atuais.
Essa conferência explicitou a necessidade
de soluções, estratégias e políticas para se
desenvolver pesquisas e intervenções de
controle da epidemia conforme a realidade
do continente africano. Mais do que isso, a
concepção de que sob a liderança de ações
de cuidados à saúde para pacientes com
HIV/Aids poderiam ser trilhados caminhos
para melhorar a saúde global da população;
que indicadores como coberturas vacinais,
mortalidade infantil e materna e programas
de assistência à criança e à mulher tirassem
proveito indireto da estrutura assistencial; e de
pesquisas com financiamentos relacionados à
epidemia HIV/Aids.
Em 2001, passei um mês em Uganda, no
Hospital Mulago, da Universidade Makerere
em Kampala, referência nacional, e que ficou
conhecido mundialmente no filme “O último rei
da Escócia”, estrelado por Forester Whitaker.
Ali vi o duro cotidiano da saúde na África
subsaariana. Países com estrutura rural, onde a
maioria da população vive distante de postos
de saúde, com coberturas vacinais, expectativa
de vida, mortalidade infantil e perinatal muito
aquém do esperado. O hospital, superlotado,
não possuía estrutura e recursos, com
pacientes dormindo em esteiras, lavando
suas roupas nos jardins e sem, muitas vezes,
receberem remédios ou exames necessários.
Os da enfermaria de clínica médica tinham
doenças infecciosas e preveníveis. Incontáveis
deles com complicações de Aids, febre
reumática e malária grave. Muitos morriam no
principal hospital do país como morreriam se
estivessem em suas casas. E a realidade era
culturalmente aceita: familiares não esperavam
que os entes queridos internados com doenças
graves, como complicações de Aids, saíssem
vivos.
A sensação pessoal era de impotência e
perplexidade ao perceber que um filme
de ficção poderia ser real. A fragilidade da
“onipotência médica” se impôs. Não havia
maneira de empregar ou exercer minhas
habilidades e conhecimentos médicos. O
conhecimento científico parecia pouco útil.
Como indivíduo, não havia ações suficientes
para mudar o curso da realidade, mesmo
que tenuamente. Certo dia, na emergência
pediátrica, atendia a uma criança de 6 anos
que morria nos braços da desesperada mãe.
Quando fazia manobras de ressuscitação, o
médico-chefe do setor chegou ordenando
que parasse e declarasse óbito. Talvez aquela
criança morresse de qualquer forma naquele
dia, daquela doença, afinal era malária grave.
Porém, certamente, não precisava morrer. Se
tivesse nascido em outra realidade, não teria
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“A sensação pessoal era de impotência e perplexidade ao perceber que um filme de ficção poderia ser real”
Doutor em Saúde Pública pela Fiocruz; chefe do Serviço de Infectologia e coordenador do Centro de Epidemiologia, Estatística e Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora; ganhador do Prêmio Capes de Teses 2011 na área de Saúde Coletiva
GUILHERME CÔRTES FERNANDES
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morrido, e nem seria encarada pela equipe de
emergência como um caso sem possibilidades
terapêuticas.
Mas uma coisa seria igual, mesmo se ela tivesse
nascido em outra realidade: o desespero de
uma mãe que acabou de perder o filho. O
determinante médico que levou ao desfecho
do caso vinha das orientações, preconizadas
pelo Ministério da Saúde, de que a chance de o
tratamento de malária não funcionar era maior
que 60%, devido à elevada resistência primária
a cloroquina. Já o determinante econômico
era as autoridades locais não terem recursos
e financiamentos para recomendar uso de
medicamentos mais efetivos e caros como
a mefloquina. Isso era tão relevante que foi
tema da tese de doutorado de um amigo
ugandense: esquemas terapêuticos efetivos
e mais baratos para malária resistente à
cloroquina. O determinante social e cultural
era a aceitação da realidade, por profissionais
de saúde, de que crianças morrem sim
de malária. É assim na África. A dose de
mefloquina necessária para tratar aquela
criança era a que muitos estrangeiros, como
eu, tomavam semanalmente como profilaxia
de malária. Em 2009, voltei à Cidade do
Cabo, África do Sul, para outra conferência da
Sociedade Internacional de Aids. Fiquei feliz
em vislumbrar que as coisas estavam andando,
além de avanços nas Ciências Biológicas e
novos medicamentos. Muitos estudos estavam
sincrônicos para compreender a complexa
estrutura social e cultural relacionada a
doenças negligenciadas como malária, HIV e
tuberculose na África subsaariana.
Nessa conferência foi apresentado um estudo
magnífico, o Dart trial, depois publicado na
“The Lancet”, mostrando ser possível mudar
a sobrevida das pessoas com HIV na África
subsaariana. Eram estratégias simples para
maior acesso à terapia antirretroviral, sem
necessidade de muitos e complexos exames
laboratoriais. Foi um dos maiores ensaios
clínicos em HIV, revelando mudanças enormes
na sobrevida de pacientes em Uganda
comparado à coorte histórica e com a realidade
que havia vivenciado há oito anos. Em 2011, a
convite da Universidade de Pittsburgh (EUA),
fui à Beira, em Moçambique, participar do
projeto de organização da infraestrutura
necessária para realização de pesquisas
em HIV, principalmente de estratégias de
prevenção ao HIV em cooperação com a
Universidade Católica de Moçambique.
O que vi lá não foi diferente do que vi uma
década antes em Uganda: hospital sem
estrutura; elevada prevalência e incidência de
HIV; malária; tuberculose; expectativa de vida
de 40 anos; casos de câncer exclusivamente
em jovens e relacionados à infecção pelo
HIV; comunidades extremamente carentes,
num país que se reestrutura após anos de
guerra civil, submerso em contextos sociais
e econômicos complexos, acometido por
doenças preveníveis e negligenciadas, com
menos médicos do que nossa cidade de Juiz
de Fora (MG). A Universidade Católica de
Moçambique luta para mudar a realidade, com
ações educacionais, assistenciais e pesquisas.
Mas é a única Faculdade de Medicina, tendo
formado sua quinta turma em 2012 com
apenas 35 médicos. O corpo docente ainda é
dependente de estrangeiros e financiamento
externo, e o discente, semelhantemente ao
nosso, tem uma educação básica deficitária.
Um cenário esperado num país que, segundo
o Relatório Mundial de Desenvolvimento
Humano, do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento, é o quarto menos
desenvolvido do mundo, na 184ª posição entre
os 187 avaliados.
Mas, ao longo desses anos, algumas
diferenças se tornaram evidentes. Hoje já
foram construídos caminhos mais claros para
controlar a epidemia e traçadas estratégias
para continuar o desenvolvimento de novos
conhecimentos e intervenções sociais e de
saúde. Surgiram possibilidades claras de planos
e estratégias para alicerçar o desenvolvimento
de recursos humanos, com financiamentos
e projetos de cooperação internacional.
Inovações na organização e estruturação
de rotinas, obtenção de equipamentos e
treinamentos de recursos humanos em
pesquisa e assistência em HIV/Aids e outras
doenças negligenciadas, com possibilidades
reais de contribuições para o desenvolvimento
humano e reorganização social.
Atualmente, há infinitas possibilidades de ações
assistenciais e pesquisas nas diversas áreas
do conhecimento, sejam Ciências Humanas,
Biológicas, da Saúde ou Engenharias. Questões
e hipóteses a investigar e possibilidades de
financiamentos e cooperações a pactuar. A
carência de recursos humanos capacitados
que enfrentamos em nosso país é muito mais
intensa na África que ainda sofre com doenças
e instabilidades sociais. Se pensarmos em
desenvolvimento sustentável do ponto de vista
humano e social, devemos pensar em ações
conjuntas que permitam, num futuro breve,
um mundo com mais equidade, onde estejam
garantidos a todos as mesmas chances e
direito à vida.”
“Depois, o Atlântico: modos de pensar, crer e narrar na diáspora africana” Robert Daibert Jr. e Edimilson de Almeida Pereira (org.), Editora UFJF, 2010“No berço da noite: religião e arte em encenações de subjetividades afrodescendentes” Robert Daibert Jr. e Edimilson de Almeida Pereira (org.). Editora Mamm, 2012 (no prelo)“Culturas e Diásporas Africanas”Danubia Andrade, Enilce Rocha, Cláudia Lahni, Ignacio Delgado e Elizete Menegat (Orgs.) Juiz de Fora: Editora UFJF, 2009. 182p .
www.ufjf.br/neabwww.ufjf.br/sriwww.uem.mz
MAIS
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Frédéric Vandenberghe*Tradução: Marcelo Viridiano
De uma crise a outra
POlÍTiCa
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A atual crise econômica revela uma
contradição sistêmica no coração do
capitalismo industrial. Capitalismo
próspero depende do crescimento contínuo.
No entanto, ao mesmo tempo em que o cres-
cimento é economicamente necessário (sem
crescimento, sem ganho, sem trabalho, sem o
bem-estar), é ecologicamente impossível. Por
quanto tempo podemos sustentar o desenvol-
vimento sustentável? O crescimento pode ser
insustentável a médio e longo prazo; a curto
prazo, no entanto, o retorno do crescimento
econômico parece ser imperativo. Desde que
o regime fordista-keynesiano de crescimen-
to entrou em crise na década de 1970, ele foi
substituído por um modo de acumulação pós-
fordista, pós-industrial, flexível que roda em
princípios neoliberais. Em comparação com as
poucas crises que ocorreram durante os “Trin-
ta Anos de Ouro” do Capitalismo (1945-1973), a
recorrência de crises financeiras em várias par-
tes do mundo desde os anos 1970 indica que a
crise é estrutural.
A “Crise do subprime”, que explodiu em 2007
nos Estados Unidos, e a atual da dívida públi-
ca na Zona do Euro são, na verdade, a mesma
crise. Para compreender sua dinâmica, preci-
samos voltar à década de 1970 e pensar com
os “teóricos da regulação” sobre como o ca-
pitalismo fez para encontrar na “financeiriza-
ção” uma solução ilusória para o problema da
“superacumulação de capital”. Mesmo com os
salários estagnados, vimos surgir, na década
de 1970, em quase todas as linhas da produção
industrial convencional, um regime baseado
na baixa margem de lucro. Para aumentar sua
rentabilidade e estimulá-lo artificialmente, o
dinheiro excedente foi investido em mercados
* Graduado em Ciências Sociais e Políticas - Rijksuniversiteit Gent (Bélgica); mestrado em Sociologia - Ecole des Hautes Etudes en Sciences
Sociales (Paris); doutorado em Sociologia - Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris); ministrou aulas nas universidades UCLA,
Manchester University, European University Institute, Brunel University London, Yale University e Université Catholique de Louvain-la-Neuve e
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POlÍTiCa
25A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013
financeiros altamente especulativos. Durante a
década de 1980, os mercados financeiros es-
tavam cada vez mais liberalizados, desregula-
mentados e, desde o “Big Bang” de 1986, tam-
bém globalizados e unificados, atuando como
uma única unidade em tempo real.
O “regime de acumulação puxado pela finan-
ceirização” era altamente lucrativo, mas em
2007, ele explodiu. Em 2011, o epicentro da
crise havia se mudado não só dos EUA para
a Europa, mas também do sistema econômi-
co para o sistema político: a crise no sistema
financeiro transformou-se em uma crise fiscal
do Estado. Sobrecarregado, o sistema político
tornou-se ingovernável. Democracia ou tecno-
cracia? Austeridade ou crescimento? Colapso
da Zona do Euro ou depressão mundial?
Até agora a crise do sistema político evoluiu
para uma alarmante “crise de legitimação”. As
pessoas já não acreditam que o sistema é justo.
Eles sabem que uma “guerra de classes” está
acontecendo - embora não seja uma “luta de
classes” no sentido marxista. Só na Europa, 16
governos foram punidos nas eleições desde o
início da crise. O campo político ficou perigo-
samente polarizado entre partidos xenófobos,
na extrema direita, e partidos populistas, na
extrema esquerda. “O centro não vai suportar”.
Alienados da sociedade, os cidadãos ignoram-
na. No entanto, o afastamento da sociedade
e a rejeição, por princípio, de suas normas e
valores não precisa ser destrutiva. A alienação
pode levar a disputa política e rebelião. Como
uma resposta criativa e inovadora para a crise,
os movimentos interconectados de protesto,
como o 15-M, na Espanha, e o “Ocupar Wall
Street”, inventaram novas formas autônomas
de ação coletiva. Sem uma liderança formal
ou qualquer programa político claramente
definido, movimentos auto-organizados pro-
testaram contra a desigualdade social e a in-
justiça econômica. Em seus alegres e anárqui-
cos protestos contra as potências mundiais do
capitalismo financeiro, os “novos movimentos
sociais” não só inovaram seu repertório de dis-
puta política, com seus novos modos de orga-
nização espontânea, sem líderes (com assem-
bleias gerais, grupos de afinidade, conselhos e
outras metodologias de governo por consen-
so), como também reinventaram e rejuvenes-
ceram as cooperativas, o conceito de bem-co-
mum* e a democracia direta. Eles oferecem o
que é mais necessário: iniciativa e esperança.
Ilustração: Joviana M
arques
instituições brasileiras (UNB, Uffpe, UFRJ, Iuperj); professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Politicos (Iesp) na Uerj; membro do
Conselho Editorial de “Revue du Mauss, Sociological Theory e European Journal of Social Theory”. http://frederic.iesp.uerj.br/
POlÍTiCa
25A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201326
Uma pedagogia da angústiano ensino jurídicoMarcos Vinício Chein Feres*
Faz algum tempo, percebi que ensinar o
Direito pode ser uma das mais
desafiadoras formas de se ver a
sociedade em que vivemos. No entanto, para
vivenciar esse novo modo de ensinar, foi
preciso abandonar a zona de conforto em que
me encontrava como professor de Direito
Econômico. Com o objetivo de rever meus
conceitos, não só sobre o que é o direito, mas
também sobre como ensiná-lo, resolvi lançar-
me a um projeto desafiador: reconstruir tanto
o conteúdo quanto a metodologia de ensino
das “Instituições de Direito”, disciplina essa
voltada originariamente para vários cursos de
Ciências Sociais Aplicadas, cujo conteúdo
consistia numa miríade de categorias jurídicas
que passavam pelo direito público e pelo
direito privado.
Repensar a disciplina “Instituições” significa
refletir sobre quais são os objetivos a serem
alcançados com o ensino de categorias
jurídicas para universitários. Tal processo de
reflexão exige do educador uma visão crítica,
não só dos conceitos jurídicos, mas também
da forma de apresentá-los e de discuti-los com
os alunos. Não basta ensinar, com imparcial
indiferença, um mundo de informações sobre
direito civil, penal, constitucional etc., cujo
resultado final é uma reprodução e
memorização de estruturas jurídicas, as quais
serão, após algum tempo, esquecidas.
Por isso, foi preciso construir um plano de
ensino com uma proposta pedagógica mais
crítica sobre o conceito, a função e as
estruturas fundamentais do direito (regulação
econômica, criminalidade, Estado
Constitucional, direitos humanos, o conceito
de pessoa, a lógica da responsabilidade
jurídica, a relação entre direito e moral etc.),
apresentados por meio de tecnologias não
convencionais: mídias e internet. O curso tem
por alvo preparar o aluno para lidar com
disciplinas teórico-propedêuticas como
Introdução ao Direito e disciplinas dogmáticas
como Direito Civil, Penal etc. A ideia de revisitar
a estrutura da disciplina “Instituições” consistia
na possibilidade de criar um espaço crítico de
discussões sobre os fundamentos do direito,
tendo por inspiração a obra de MacCormick
(“Institutions of Law”).
O papel convencional do professor-palestrante
resta diminuído. Porém, sua presença se
destaca pelo modo como escolhe as mídias;
como conduz o debate em sala, após
apresentação da mídia; como prepara os
textos prévios de sua autoria disponibilizados
na plataforma “moodle”; como elabora
questões envolvendo o texto-base e a mídia e,
por fim, como, ao fim da aula presencial, é
capaz de sintetizar conteúdos e críticas
essenciais ao tema.
Hoje, apesar de já ter vivenciado alguma
experiência na prática dessa metodologia na
UFJF, ainda me encontro, segundo Bankowski,
“num lugar de angústia” para quem deseja o
melhor para o aluno de Instituições. Questiono-
me, todavia, se não foi essa a minha escolha
primordial: viver plenamente essa angústia na
sala de aula, na qual conflitos e dificuldades
são o espelho da vida, da sociedade e do
mundo em que vivemos.
* Mestre e doutor em Direito; professor associado e diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
GRadUaÇÃO
A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201326
27A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
Grupos PETs da UFJF completam 20 anos de conquistas acadêmicasAlice Bettencourt e Franciane Moraes*
O Programa de Educação Tutorial
(PET) é voltado para a formação de
alta qualidade para alunos de
Instituições de Ensino Superior. Criado pelo
Ministério da Educação (MEC) em 1979,
envolve grupos de diversas áreas por meio de
4.274 alunos bolsistas, os petianos, orientados
por 400 professores tutores, atuando em
pesquisas científicas, práticas de ensino
complementares ao conteúdo curricular e
projetos de extensão.
A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
conta com seis grupos, sendo os PETs da
Engenharia Elétrica e da Comunicação os
mais antigos, criados, respectivamente, em
novembro de 1991 e em março de 1992. “Houve
um longo período em que o programa não
lançou editais, por isso, ficamos apenas com
dois grupos até 2009, quando foram
reabertos”, diz o tutor do PET Elétrica,
professor doutor Francisco Gomes. A partir
daí, foram criados os grupos de Psicologia,
Odontologia, Engenharia Civil e Educação
Física e, desde 2008, a Universidade mantém
oito Grupos de Educação Tutorial (GETs), com
funcionamento semelhante.
O PET Elétrica está, desde 1991, sob a tutoria
de Francisco Gomes, que segue a diretriz de
desenvolver profissionais de visão diferenciada:
“Tentamos uma formação ampla, não de um
mero técnico altamente qualificado, mas com
uma visão cidadã da sociedade e dos impactos
de sua atividade”. Para o engenheiro da
Eletrobras e ex-bolsista Carlos Aparecido
Ferreira, o ponto forte do grupo é a atenção
para problemas atuais: “Sempre me lembro de
um estudo que o tutor me pediu sobre a crise
de energia de 2001, pois, até hoje, discuto
questões daquela aparentemente ingênua
apresentação com os colegas da Eletrobras e
do setor elétrico brasileiro”. Arthur Reis, atual
bolsista, destaca que “inúmeras portas foram
abertas, mudando meu rumo na graduação”.
Reis foi um dos que fizeram intercâmbio na
Suécia a partir do doutoramento da ex-petiana
Janaína Gonçalves e dos resultados alcançados
na Uppsala University pelos demais bolsistas.
O grupo da Faculdade de Comunicação
(Facom) também completou 20 anos e se
destaca, além de suas atividades de extensão e
pesquisas, pelos módulos de ensino. Abertos
para a graduação, os módulos semanais
propõem discussões com pouco espaço nas
salas de aula, como as relações da Comunicação
com a Psicanálise ou com a Política. Para o
petiano Cícero Villela, são oportunidades para
aprofundar conceitos e discussões: “Minha
vontade sempre foi ser professor universitário
e posso dizer que o PET me preparou para isso
de uma forma única”. Para Letícia Perani, ex-
bolsista, o PET Facom habilita o aluno para a
excelência, seja na academia ou no mercado.
“Encontrei condições ideais para a minha
formação: excelentes professores orientadores,
atividades variadas, complexas e desafiadoras,
e colegas inteligentes e instigantes.” Segundo
o tutor, professor doutor Francisco Pimenta,
outra vantagem do grupo é o fato de os
bolsistas terem autonomia sobre sua pesquisa
e poderem escolher dentre os diversos projetos
de extensão ou propor novos, como jornalismo,
cinema, internet ou assessoria de imprensa.
* Bolsistas do Programa de Educação Tutorial da Faculdade de Comunicação (PET Facom)
iNiCiaÇÃO CiENTÍFiCa
Petianos da Engenharia Elétrica com o tutor Francisco Gomes (ao centro)
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A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201328
UFJF desenvolve soluções em Engenharia Elétrica para pesquisas com a partícula de Higgs
PESQUiSa
Com projetos coordenados pelo professor augusto Cerqueira (foto), instituição se torna uma das quatro do Brasil a participar do maior experimento do Cern
CAROLINA NALONRepórter
Cientistas estão bem perto de confir-
mar definitivamente a existência do
bóson de Higgs ou da partícula de
Deus - até a publicação desta revista talvez já
o tenham conseguido. Novos resultados, ainda
mais significativos do que os anunciados em
julho de 2012, foram divulgados pelos pesqui-
sadores do Centro Europeu de Pesquisa Nu-
clear (Cern) indicando a descoberta. Esta é a
maior contribuição da física para o entendi-
mento sobre a formação da massa das partícu-
las ou, em outras palavras, da origem do uni-
verso.
Até o fim do século XIX, a ciência não conhecia
muito além dos átomos. Sabia-se que a maté-
ria era formada por eles, mas ainda não era
possível identificar sua estrutura. Ao longo do
século XX, pesquisadores foram comprovando
a presença dos elétrons, prótons, nêutrons e,
mais tarde, de outras partículas subatômicas
elementares. Hoje, pelo modelo padrão, há 16.
“O maior objetivo na busca pelo Higgs (a 17ª) é
comprovar a teoria proposta pelo modelo pa-
A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201328
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PESQUiSa
drão, mostrando como as partículas adquiri-
ram massa para a formação do universo”, ex-
plica o professor do Departamento de Enge-
nharia Elétrica da Universidade Federal de Juiz
de Fora (UFJF), Augusto Santiago Cerqueira. A
instituição é uma das quatro integrantes do
único grupo brasileiro ligado ao Atlas, o maior
dos experimentos do Cern.
Para se chegar a esse resultado definitivo, é
preciso acelerar e colidir as partículas funda-
mentais já conhecidas. De maneira simplifica-
da, o processo acontece da seguinte forma:
dois feixes cheios de prótons são acelerados
por campos elétricos e curvados por campos
magnéticos, em sentidos opostos, dentro de
um tubo de trajetória circular. Percorrendo o
tubo, eles ganham velocidade até que, em de-
terminado ponto, são postos frente a frente.
Nesse encontro, alguns prótons poderão coli-
dir, transformando-se em outras partículas ou,
como preferem os cientistas, decaindo. Um
dos decaimentos do Higgs resulta em quatro
elétrons (um par e+ e outro e-). Quando obser-
vados esses quatro elétrons, os cientistas re-
criam o momento imediatamente após a coli-
são dos prótons na tentativa de detectar a
nova partícula.
O maior acelerador de partículas já construído
está em funcionamento, desde 2009, no Cern,
a 175 metros abaixo do solo, na fronteira entre
a Suíça e a França, perto da cidade de Gene-
bra. O tubo do Grande Colisor de Hádrons
(LHC), como é chamado, tem 27 quilômetros
de extensão e acelera prótons a uma velocida-
de nunca antes vista. Nele estão dispostas
quatro imensas estruturas de pesquisa, chama-
das de detectores, onde os experimentos são
feitos. Os dois detectores mais importantes, o
Atlas e o CMS, anunciaram, em julho de 2012,
que a massa do bóson de Higgs estaria na casa
dos 126 GeV – unidade de medida de energia.
Na ocasião, o físico britânico Peter Higgs, que
previu a existência da partícula, em 1960, ficou
surpreso por ainda estar vivo, aos 83 anos,
para ouvir o anúncio.
A relevância do resultado é atestada por um
método estatístico que mede o desvio dentro
de um padrão esperado. Se o desvio é grande,
algo foi descoberto. Se pequeno, é entendido
apenas como uma flutuação aleatória dos da-
dos. Assim, para os físicos, um resultado na
faixa de até dois sigma (unidade de medida do
método) não é significante. Acima de três,
pode ser considerado como prova, e, de cinco
em diante, uma descoberta. A publicação da
descoberta da massa do Higgs, no dia 4 de ju-
lho, estava na faixa do cinco sigma, e o mais
recente anúncio, feito em 1º de agosto de 2012,
em 5,9. “Conforme o LHC vai rodando, é natu-
ral obtermos resultados cada vez mais fortes
nos experimentos”, diz Cerqueira. Para ele, as
notícias sinalizam o sucesso do investimento e
do esforço científico aplicado durante mais de
20 anos de pesquisa. “O LHC começou a ser
imaginado no final da década de 1980 e foi
necessário desenvolver tecnologia de altíssimo
nível para se chegar a este estágio de hoje.”
Elétrica como ponto forte
O grupo brasileiro com pesquisas no Cern é
formado pela Universidade de São Paulo (USP)
e as federais de Juiz de Fora, Rio de Janeiro e
São João Del Rei. Elas atuam no experimento
Atlas, contribuindo nas suas respectivas áreas
de excelência. A da UFJF é a Engenharia Elétri-
ca. Estudantes da graduação ao doutorado e
professores do curso compõem uma equipe de
13 pessoas engajada em propor soluções e me-
lhorias para os diversos mecanismos envolvi-
dos na detecção das colisões próton-próton e
na filtragem de dados pelo Atlas.
Para promover a interface entre a UFJF e o
centro europeu, Cerqueira mantém dois de
seus orientandos em Genebra (Suíça), além de
fazer, de forma virtual, reuniões para atualiza-
ção do andamento das pesquisas e apresenta-
ção de resultados. Os trabalhos coordenados
por ele se concentram nas técnicas de proces-
samento digital de sinais, no desenvolvimento
de inteligência computacional e na parte ele-
trônica do Calorímetro Hadrônico de Telhas
(TileCal).
O mestrando Vinícius Schettino passou um
ano no Cern e explica que o acesso à “caverna”
do Atlas é restrito a apenas algumas semanas
por ano, devido aos altos níveis de radiação. E,
por isso, é importante a equipe estar sempre
criando ferramentas cada vez mais rápidas e
eficientes para os reparos de manutenção,
possibilitando o bom desempenho da estrutu-
ra no ano seguinte. Durante sua estadia no
Cern, Schettino desenvolveu um novo sistema,
conhecido como Mobidick, o qual ajudará na
manutenção do TileCal, um dos detectores uti-
lizados no Atlas para absorver e medir, após as
colisões, as energias das partículas hadrônicas
depositadas em seus milhares de canais de
leitura. “Existem planos de melhorias contínuas
no detector até 2021, permitindo que ele man-
tenha sempre uma performance de ponta.
Trabalhamos para que o Mobidick esteja pre-
parado para todas estas futuras etapas de up-
grade.” Em 2022, o centro deverá substituir
toda a parte eletrônica utilizada atualmente no
LHC.
Outro projeto do professor Augusto Cerqueira,
desenvolvido pelo doutorando Davis Barbosa,
estuda modelos computacionais capazes de
aprimorar o desempenho do sistema de filtra-
gem on-line do Atlas. Atualmente, 20 milhões
de colisões acontecem a cada segundo e a
maior parte dos eventos é considerada ruído
de fundo do experimento, desta forma, é indis-
pensável o uso de algoritmos avançados para
selecionar o que deve ser salvo ou não. “Hoje,
para não desperdiçarmos as chances de en-
contrar resultados compatíveis com o que
buscamos, aceitamos muitos dados inúteis,
sobrecarregando os sistemas de armazena-
mento”, explica o docente. Todo processamen-
to e armazenamento de dados provenientes
do LHC é feito de forma off-line por meio de
uma infraestrutura global de computação cha-
mada Grid. Por ano, mais de um milhão de gi-
gabytes em informação são gerados e, por
isso, a capacidade de armazenamento e pro-
cessamento do Grid é um grande desafio.
Projeto de referência
A UFJF começou o trabalho no experimento
Atlas a partir do doutorado de Cerqueira, con-
cluído em 2002, na Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ). A área de pós-gradua-
ção e pesquisa em Engenharia da instituição
fluminense tem uma longa história de colabo-
ração com o Cern, o que levou o pesquisador
por esse caminho. Em sua tese, orientada pelo
professor José Manoel de Seixas, Cerqueira
criou um circuito conhecido como Trigger Bo-
ard ou Somador. Esse dispositivo foi produzido
em larga escala e constitui uma importante
“O maior objetivo na busca pelo Higgs é comprovar a teoria proposta pelo modelo padrão, mostrando como as partículas adquiriram massa para a formação do universo”
(Augusto Cerqueira)
29A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201330
PESQUiSa
parte eletrônica do TileCal. A função dessa pla-
ca é somar os sinais de várias células, permitin-
do reduzir a quantidade de informação a ser
enviada para uma primeira análise, imediata-
mente após cada colisão. Sem esse dispositivo,
o Atlas não seria capaz de processar on-line
toda a informação proveniente do TileCal. “Fa-
zer parte de um experimento como esse nos
dá grande motivação, algo que poucos proje-
tos são capazes de proporcionar”.
Segundo Cerqueira, a intenção é manter a pro-
dutividade do grupo com publicações, teses e
dissertações. Os trabalhos não só resultam em
mais conhecimento científico, mas também
podem se transformar em inovações. “Como
as soluções desenvolvidas para o Atlas são de
alto valor tecnológico, elas podem vir a ser
empregadas pela engenharia em outros seto-
res da indústria.” Para Schettino, cuja disserta-
ção trará o detalhamento do sistema Mobidick,
o aprendizado sobre trabalho em grupo é uma
das mais importantes experiências possibilita-
das pelo Cern. “É uma colaboração gigantesca,
formada por milhares de pessoas trabalhando
para um objetivo comum. E não poderia ser
diferente. É um experimento fantástico, de ex-
trema complexidade e que lida com as mais
diversas áreas de engenharia e física.”
Augusto Santiago Cerqueira
Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; professor adjunto e coordenador do Programa de Pós-Gradu-ação em Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Juiz de Fora; experiência na área de eletrônica e processamento de sinais. de Chimie Des Substances Naturelles. Atualmente é professor associado da UFJF.
augusto.santiago@ufjf.edu.br
http://lattes.cnpq.br/3648221859200471
MAIS
Do fundamento à práticaNo roteiro de uma das séries americanas de maior sucesso
da atualidade questões do mundo científico surgem em
tom de comédia. Em “The Big Band Theory”, veiculada
no Brasil pelo canal Warner, o personagem Sheldon
Copper, físico teórico, ironiza o trabalho dos colegas das
ciências aplicadas por entender que esta não passa de um
desdobramento secundário e sem valor da ciência mãe de
todas as outras. Ao colocar a teoria no mais alto patamar
da hierarquia científica, pode-se dizer que Sheldon reverte
o senso comum, aquele acostumado a perguntar “mas
para quê isso serve?”
Talvez essa tenha sido a pergunta na cabeça de muitos
dos leitores desta matéria. E não poderia ser diferente.
É absolutamente natural que as pessoas queiram ver
o conhecimento se transformar em coisas práticas,
inovações e produtos. Para o físico teórico do mundo real,
o professor da UFJF Ilya Shapiro, “é impossível mudar isso,
e não se precisa tentar”. Na contramão do pensamento do
personagem, Shapiro não gostaria de “viver num mundo
onde todos ou a maioria estão preocupados com ciência
fundamental”. No entanto, sabe que buscar explicações e
entender melhor a natureza é algo essencial para a série
humana. “Sem isso, o progresso para.”
Na pesquisa do Higgs, cientistas estão perto não só de
reproduzir alguns processos que aconteceram na época
do Big Bang, mas também de confirmar a validade do
modelo padrão. Decifrado por Kibble, Englert e Higgs em
1961, o esquema de “mecanismo de Higgs” se fecha em
17 partículas elementares cujas equações não apresentam
qualquer inconsistência matemática, diferentemente do
que havia sido proposto por estudos anteriores. Assim
a física de altas energias mostra que esteve no caminho
certo durante as últimas cinco décadas.
E, apesar de provavelmente não haver outras aplicações
para o Higgs, os esforços do Cern em construir
equipamentos para o projeto permitiram uma das
descobertas mais importantes da contemporaneidade: o
modelo www para a internet.
A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201330
Ilustração: Cern
31A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
A interferência das ações humanas
sobre o ambiente está atingindo
magnitude sem precedentes e há
fortes indícios de que ela esteja prejudicando
o funcionamento natural do sistema climático.
Diante desse cenário, são necessárias reflexões
sobre as causas das mudanças climáticas, seus
impactos ambientais e socioeconômicos e as
possíveis soluções, para embasar as políticas
públicas a serem tomadas neste sentido. Para
isso, foi criado o Painel Brasileiro de Mudanças
Climáticas (PBMC), organismo científico
nacional que tem como objetivo reunir,
sintetizar e avaliar informações científicas
sobre os aspectos relevantes das mudanças
climáticas no Brasil a partir da publicação
de Relatórios de Avaliação Nacional. Um
dos resultados do PBMC é o Volume 1 do
Primeiro Relatório de Avaliação Nacional,
que tem a participação de dois professores
da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), Aline Sarmento Procópio e Fabio
Roland. O documento foi lançado em junho de
2012, durante a programação da conferência
internacional Rio+20.
O estudo alerta, sobretudo, para a
vulnerabilidade da Amazônia, do Nordeste
e das áreas urbanas do Brasil diante dos
efeitos do aquecimento global projetado para
os próximos 90 anos (ver quadro na página
32). O climatologista Tercio Ambrizzi, da
Universidade de São Paulo (USP) e um dos
autores do relatório, chama a atenção para a
vulnerabilidade das áreas urbanas brasileiras,
principalmente, as com mais de um milhão
de habitantes, diante das mudanças nos
padrões de chuva. “A acelerada urbanização
nas últimas décadas não foi acompanhada
dos correspondentes investimentos em
infraestrutura. Por conta disso, as cidades
estão especialmente fragilizadas diante da
ocorrência de chuvas intensas, causadoras de
FLÁVIA LOPESRepórter
Diagnóstico para nortear ações ambientais
Professores da Pós-Graduação em Ecologia e do departamento de Engenharia Sanitária e ambiental da UFJF participam da elaboração de relatório que avalia informações científicas sobre os aspectos relevantes das mudanças climáticas no Brasil
enchentes e deslizamentos de encostas.”
O professor e coordenador do Programa
de Pós-Graduação em Ecologia (PPGEcol)
da UFJF, Fabio Roland, também alerta
para os eventos extremos decorrentes das
mudanças climáticas. “A mudança no regime
de precipitações tem ocasionado maior
frequência de seca e chuvas concentradas,
como as que ocorreram, nos últimos anos,
na região Serrana do Rio de Janeiro, em
Alagoas e em Santa Catarina.” Para ele, o
principal passo para reduzir os efeitos desses
impactos é a formação de recursos humanos e
investimentos em pesquisas. “As universidades
e centros de formação técnica precisam
investir na formação específica de pessoas
para enfrentar as mudanças climáticas que
o país e todo o mundo estão vivenciando.”
O professor contribuiu para a elaboração do
subcapítulo “Ciclos biogeoquímicos, biomas e
sistemas hídricos” do relatório.
A professora do Departamento de Engenharia
Sanitária e Ambiental da UFJF e uma das
convidadas a atuar como autora colaboradora
do documento, Aline Sarmento Procópio,
aponta as regiões da Amazônia, da Caatinga
e do Cerrado como as mais vulneráveis às
modificações climáticas. “Essas alterações
podem comprometer o equilíbrio desses
biomas, e ainda que não se tenha com extrema
precisão seus valores absolutos, é certo que
elas levarão a uma cadeia de outros eventos
indesejados.” Aline atuou na elaboração do
subcapítulo sobre “Forçante radiativa natural
e antrópica”, que discute o papel da ação
humana e de causas naturais no balanço de
radiação solar: o que impactará na temperatura
da atmosfera, nos ciclos hidrológicos entre
outros fenômenos.
Segundo a pesquisadora, as forçantes
Aline Sarmento Procópio aponta as regiões da Amazônia, da Caatinga e do Cerrado como as mais vulneráveis às modificações climáticas
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MEiO aMBiENTE
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radiativas, expressam, se positivas, o fluxo
de calor injetado por um agente no sistema
atmosférico (aquecimento), e se negativas, o
fluxo retirado do sistema (resfriamento). Ela
destaca que, no Brasil, não foram encontrados
na bibliografia forçantes devido a aerossóis
urbanos, de poeira do solo ou devido a trilhas
de condensação formadas pelos aviões,
apontando a necessidade de mais estudos
nessa área do conhecimento. “Percebeu-se
que os efeitos mais significativos no Brasil
são os oriundos das queimadas na Amazônia,
seja pelo efeito radiativo direto ou indireto
dos aerossóis, das nuvens, dos gases de
efeito estufa e pela mudança de uso do solo.”
Ainda de acordo com Aline, é consenso que
os aerossóis de queima de biomassa resfriam
a superfície terrestre e aquecem a atmosfera.
“Há outros tópicos, porém, que ainda precisam
ser adequadamente estudados e quantificados
na Amazônia, como o efeito indireto dos
aerossóis, por exemplo, e nas outras regiões
do país, como a avaliação das forçantes
antrópicas em áreas urbanas.”
Para o físico do Instituto de Física da
Universidade de São Paulo (USP) e um dos
revisores do volume 1 do relatório, Paulo
Artaxo, ainda há lacunas referentes ao papel
dos oceanos sobre a regulação do clima. “Não
está claro, por exemplo, como eles podem
impactar os eventos El Niño (fenômeno
de aquecimento) e La Niña (fenômeno de
resfriamento) das águas do Oceano Pacífico
Tropical, que têm grande influência nos
padrões de chuva do Brasil.”
Políticas públicasO grande mérito do Painel Brasileiro de
Mudanças Climáticas (PBMC), na avaliação
da presidente do Comitê Científico, Suzana
Kahn, é a aproximação entre ciência e política
pública. “É importante que a ciência dê suporte
ao estabelecimento de políticas públicas. Essa
é uma das ideias do PBMC: olhar mais próximo
de nossa realidade e contribuir para o painel
internacional.”
Para o secretário de Políticas e Programas
de Desenvolvimento do Ministério da Ciência
e Tecnologia e Inovação e atual presidente
MAIS
AmazôniaPara o período compreendido entre 2011 e 2040 é prevista redução de 10% na dis-tribuição de chuvas na região, além de au-mento de temperatura entre 1ºC a 1,5ºC. Entre 2041 e 2070, a previsão é de que haja redução entre 25% e 30% nas chuvas da região e aumento de temperatura de 3ºC a 3,5ºC. Já no final do século (entre 2071 e 2100), projeta-se um clima ainda mais seco (com redução de 40% a 45% das chuvas) e mais quente (alta de 5ºC a 6ºC). Caso as previsões se confirmem, tais mudanças poderão comprometer o bioma da floresta amazônica. Essas projeções levam em consideração apenas as concentrações de gases de efeito estufa, sem avaliar o desmata-mento da região
Aline Sarmento Procópio
Graduação em Engenharia Civil pela UFJF (1996); mestrado em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000); doutorado em Meteorologia pela Universidade de São Paulo (2005); professora adjunta no Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFJF; experiência nas áreas de Engenharia, com ênfase em Ciências Atmosféricas, atuando principalmente nos seguintes temas: Poluição Atmosférica, Sensoriamento Remoto, Monitoramento Ambiental, Radiação Atmosférica.
Currículo lattes: bit.ly/A3_lattesAlineProcopio
Mata AtlânticaO bioma abrange áreas do Sul ao Nordeste, com duas situações. No NE, leve aumento na temperatura (0,5ºC a 1ºC) e redução de 10% no índice pluviométrico até 2040. No período seguinte, aquecimento entre 2ºC e 3ºC e redução de chuvas entre 20% e 25%. No final do século, aumento entre 3ºC e 4ºC e redução de 30% a 35% nas chuvas. No Sul/Sudeste, a projeção até 2040 é de alta entre 0,5ºC a 1ºC e aumento das chuvas entre 5% a 15%. No período seguinte, a previsão é de mais calor (1,5ºC a 2ºC) e crescimento dos índices plu-viométricos (15% a 20%). No final do século, mais chuvas, com aumento de 25% a 30% e alta de temperatura entre 2,5ºC e 3ºC
PantanalProjeção de aumento de 1ºC na temperatura e queda entre 5% e 15% nos padrões de chuva até 2040. Para o período seguinte (2021 a 2070), redução das precipitações entre 10% e 25% e crescimento da temperatura de 2,5ºC e 3ºC. Já entre 2071 e 2100, projeta-se intensifi-cação do aquecimento (entre 3,5ºC e 4,5ºC) e redução acentuada das chuvas (35% e 45%)
MEiO aMBiENTE
33A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
do Conselho Diretor do PBMC, Carlos Nobre,
o principal desafio foi chegar ao estado da
arte do conhecimento científico, olhando
para dentro do Brasil. “Estamos realizando
um grande esforço, reunindo mais de 300
pesquisadores brasileiros nos três volumes.
Este trabalho já está alimentando uma
série de políticas públicas na direção do
desenvolvimento sustentável.”
Nos moldes do IPCCO PBMC foi estabelecido, nos moldes do Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas
(IPCC, em inglês). Sua função é disponibilizar
informações técnico-científicas sobre
mudanças climáticas a partir de avaliação
integrada do conhecimento produzido no
Brasil ou no exterior, sobre causas, efeitos
e projeções relacionadas às mudanças
climáticas e seus impactos, de importância
para o país. As informações serão divulgadas
por meio da elaboração e publicação periódica
de Relatórios de Avaliação Nacional, Relatórios
Técnicos, Sumários para Tomadores de Decisão
sobre Mudanças Climáticas e Relatórios
Especiais sobre temas específicos.
O Volume 1 do Primeiro Relatório de Avaliação
Nacional (RAN1) é resultado do trabalho
voluntário de mais de 150 autores, tendo
como principal objetivo a avaliação dos
aspectos científicos do sistema climático e de
suas mudanças observadas e projetadas. A
publicação do segundo e terceiro volumes está
prevista para ocorrer em outubro deste ano.
Para Aline, o maior ganho do primeiro relatório
nacional é mostrar o estado da arte sobre as
mudanças climáticas no Brasil. “Apesar das
incertezas existentes nas simulações climáticas,
as análises regionais tendem a ser mais
precisas, e a compilação de estudos recentes
no país é uma contribuição importante para
o conhecimento científico. A identificação
de lacunas e incertezas nos estudos também
é de extrema valia, pois aponta o rumo a
ser seguido nas futuras pesquisas, além de
mostrar a necessidade de ampliação da rede
de observação no país.”
Fabio Roland
Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos (1987); mestrado (1991) e doutorado (1995) em Ecologia e Recursos Naturais pela mesma universidade; entre 1996 e 1998, foi pesquisador pos-doc no Institute of Ecosystem Studies, nos EUA; desde 1992, atua como docente da UFJF; atualmente é professor associado 3 na UFJF, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ecologia (PGEcol), orientador neste programa e professor de Ecologia no Curso de Graduação em Ciências Biológicas; desenvolve pesquisas ecológicas, com ênfase em limnologia, atuando principalmente nas fronteiras entre ecologia de ecossistemas, biogeoquímica e desenvolvimento de métodos, focando mudanças ambientais
Veja o conteúdo completo do Volume 1 do Primeiro Relatório de Avaliação Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC): bit.ly/A3_RelatorioPBMC
PampaAté 2040 o tempo poderá ficar 1ºC mais quente e entre 5% e 10% mais chuvoso. No período seguinte, a tendência de aquecimento ficará entre 1ºC e 1,5ºC, com intensificação das chuvas entre 15% e 20%. No final do século, as projeções se agravam, com aumento de temperatura entre 2,5ºC e 3ºC e intensificação das chuvas entre 35% e 40%
CerradoO relatório prevê aumento de 1ºC na tem-peratura, com redução de 10% a 20% nas chuvas até 2040. Entre 2041 e 2070, espera-se aumento entre 3ºC e 3,5ºC na temperatura e queda das precipitações entre 20% e 35%. Nas últimas décadas do século (2071 a 2100), o aumento de temperatura poderá ficar entre 5ºC e 5,5ºC, com redução entre 35% e 45%
CaatingaO documento aponta, no período entre 2011 e 2040, aumento de 0,5ºC e 1ºC na temperatura e redução de 10% a 20% no volume de chuvas. Entre 2041 e 2070, a projeção é de crescimen-to de 1,5ºC a 2,5ºC na região, com decréscimo de 25% a 35% nos padrões de chuva. No final do século (2071 a 2100), o relatório aponta aumento significativo do calor (entre 3,5ºC e 4,5ºC nas médias) e agravamento da seca no Nordeste, com chuvas caindo praticamente pela metade
MEiO aMBiENTE
Confira o artigo do professor na revista Nature: bit.ly/A3_ArtigoNature
Currículo lattes: bit.ly/A3_lattesFabioRoland
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201334
A luta da ciência contra os efeitos
do tempode olho na inovação, pesquisadores da UFJF investem em novas tecnologias para suprir demandas do setor de cosméticos, um dos mercados que mais cresce no mundo. Utilizando óleos de plantas brasileiras e nanomoléculas, tentam desvendar o segredo do rejuvenescimento
PESQUiSa
A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201334
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BÁRBARA DUQUERepórter
35A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
A democratização do consumo aliada
ao desenvolvimento tecnológico são
os principais fatores verificados pelos
especialistas para o elevado crescimento da
indústria de produtos cosméticos nos últimos
anos. Segundo estimativas do Euromonitor,
instituto líder mundial em pesquisa em
estratégia para os mercados consumidores,
o Brasil deverá ter, até 2013, o consumo
per capita três vezes maior do que a média
mundial. O crescimento médio do setor no
país em 2010 foi de 10% e em 2011 estimado
em 30%. Esses números são animadores para
a indústria e representam um grande desafio
para a pesquisa, já que o mercado exigente
demanda cada vez mais produtos de alta
qualidade e com fatores inovadores.
A investigação científica e tecnológica tem
se concentrado em minimizar as deficiências
dos produtos que estão no mercado,
apresentando alternativas para os profissionais
especialistas em estética. O mercado brasileiro
de cosmético é o terceiro maior do mundo,
com um faturamento líquido médio de R$ 21,7
bilhões, ficando atrás somente dos Estados
Unidos (EUA) e do Japão. Em produtos para a
pele, estamos hoje em sexto lugar.
A ciência dos cosméticos já é a campeã de
patentes na França há dez anos e no Brasil esse
crescimento também é acelerado. Verificando
um enorme potencial do setor, universidades
e centros de pesquisas nacionais se dedicam
cada vez mais ao desenvolvimento de
produtos inovadores utilizando alta tecnologia.
Novas descobertas moleculares e a utilização
de recursos como a nanotecnologia são os
maiores investimentos para colocar o país na
liderança do setor mundial.
Laboratório de patentes“Atender às demandas do mercado,
transformando a pesquisa em algo que seja
útil à sociedade é o principal foco do Núcleo
de Pesquisa e Inovação em Ciências da Saúde
da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF)”, diz a pesquisadora e coordenadora
do núcleo, Nádia Raposo. “Nosso trabalho é
feito em rede, nossas pesquisas envolvem um
grande número de pessoas, entre alunos de
iniciação científica, pós-graduação, incluindo
mestrado e doutorado, professores e técnicos
de outros laboratórios da Universidade e
mesmo de outros centros de pesquisa. É uma
construção coletiva, sem atores principais.
Nosso laboratório já depositou dez patentes,
sendo sete delas feitas por alunos.”
Mostra disso foi o trabalho desenvolvido
em parceria com o pesquisador e professor
do Departamento de Química da UFJF,
Adilson David Silva. O Skin Whitening Nano
Complex é um produto inovador, por sua ação
diferenciada e comprovadamente mais eficaz,
com atividade despigmentante e antioxidante.
Além dos pesquisadores, estão envolvidos na
concepção os alunos da UFJF, Larissa Lavorato
Lima, graduanda em Química; Juliana Alves
dos Santos, doutoranda em Química; Annelisa
Farah da Silva, doutoranda em Ciências
Biológicas; Danielle Cristina Zimmermann,
mestranda em Ciências Farmacêuticas; e Paula
Rafaela Rocha, graduanda em Farmácia; além
da doutoranda em Ciências (Fisiopatologia
Experimental) pela USP, Aline Siqueira
Ferreira. Contribuiu também para o processo
o pesquisador da Embrapa Gado de Leite,
Humberto de Mello Brandão.
Alterações da coloração da pele são uma
preocupação constante entre a população.
As hipercromias ou hiperpigmentações são
a terceira causa de problema dermatológico
com ocorrência em latinos. Envelhecimento,
gravidez, distúrbios endócrinos, tratamento
com hormônios e exposição ao sol, em
diferentes graus, são os principais motivos
dessas ocorrências. Com o aquecimento
global a tendência são verões mais quentes
e prolongados e, com isso, as pessoas ficam
mais suscetíveis ao aparecimento de manchas
faciais.
Produto inovadorO Skin Whitening é um produto baseado
em nanotecnologia. A associação de dois
poderosos princípios ativos, um de origem
natural e outro sintético, lhe dá vantagens
competitivas sustentáveis. Uma nanocápsula
de óleo essencial da biodiversidade
brasileira, com propriedades farmacológicas
complementares, envolve e serve como
transportadora de partículas com ativos
antioxidantes e despigmentantes sintetizadas
no Laboratório de Química da UFJF.
As nanocápsulas, por terem um tamanho
subcelular, permitem que as moléculas sejam
levadas até as camadas mais profundas da
pele. “As cápsulas também protegem os ativos,
liberando-os de forma controlada e constante,
atingindo uma área maior com efeito
prolongado. Com isso, tem maior eficácia,
durando de duas a três horas, bem mais do
que os produtos concorrentes. Dessa forma,
é suficiente uma dosagem menor, diminuindo
bastante o valor do produto final”, explica
Nádia, que concebeu o produto. Além de
despigmentante, o Skin Whitening apresentou
em seus testes baixa toxidade e irritação da
“Atender às demandas do mercado, transformando a pesquisa em algo que seja útil à sociedade é o principal foco do Núcleo de Pesquisa e Inovação em Ciências da Saúde da UFJF”
(Nádia Raposo - coordenadora do Núcleo de Pesquisa e inovação em Ciências da Saúde/UFJF)
PESQUiSa
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201336
PESQUiSa
pele e menores riscos de fotossensibilidade.
Suas características farmacêuticas protegem
as partículas da ação do oxigênio, da umidade,
de microelementos e peróxidos.
A sinergia entre os dois ativos já passou
por diversos testes laboratoriais, todos de
acordo com as agências regulatórias. Com os
resultados, ficou comprovada sua eficiência,
maior estabilidade, ação duradoura, baixas
toxidade e irritabilidade, o que faz dele um
produto competitivo para o mercado de
cosméticos. Outra vantagem detectada com os
testes é sua fácil incorporação em formulações
cosméticas, podendo servir como base de uma
plataforma de produtos, o que o torna ainda
mais apropriado para a comercialização.
Atualmente, o produto está em fase de
negociação com uma indústria para a
transferência da tecnologia. Já foram
registradas duas patentes e estão sendo
realizados os ensaios clínicos. A patente
final do produto já foi requerida e o próximo
passo é conseguir o registro pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Não
existe hoje no mercado um despigmentante
e antioxidante com estes ativos que utilize os
benefícios da nanotecnologia.
Revolução nanotecnológicaFoi em um dos encontros anuais da Sociedade
Americana de Física, em 1959, realizada no
Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech),
que o físico Richard Feynman apresentou, pela
primeira vez, o conceito de nanotecnologia. A
proposta consistia na manipulação da matéria
em escala atômica, materiais com propriedades
novas, formados a partir de átomos como se
fossem tijolos. A partir daí, muitas descobertas
seriam realizadas com a obtenção de materiais
em escala atômica e molecular.
A partir dos anos 80, a nanotecnologia ganhou
condições tecnológicas para se desenvolver.
Novos pesquisadores, com ideias audaciosas e
criativas, auxiliados por microscópios de alto
desempenho, propiciaram que esta inovação
pudesse representar uma revolução. As
nanoestruturas são verdadeiros reservatórios
que controlam a profundidade de penetração
do cosmético na pele e a velocidade com
que o ativo será liberado. Esta liberação
gradual faz com que o ativo não atinja limites
tóxicos e permite um fornecimento constante
do produto às diferentes camadas da pele.
Quando as moléculas dos princípios ativos
possuem tamanhos maiores, elas atuam
somente na superfície da pele. A consequência
dessa nova forma de ação é uma maior eficácia
com menores doses. A nanotecnologia é
apontada por muitos como uma oportunidade
para o Brasil aumentar de forma expressiva
sua competitividade tecnológica no mercado
mundial.
Equipe empreendedoraApesar de no Brasil as empresas ainda
não investirem muito em pesquisa e
desenvolvimento, essa é uma tendência
mundial e certamente logo atingirá nossas
indústrias. Não resta dúvida de que produzir
com inovação hoje é condição fundamental
para manter-se competitivo no mercado
mundial. O mesmo movimento deve ser
seguido pela Universidade. De olho nessa
tendência, pesquisadores como Nádia Raposo
e Adilson David já desenvolvem seu trabalho
com foco no setor privado.
Alterações da coloração da pele são uma preocupação constante entre a população. As hipercromias ou hiperpigmentações são a terceira causa de problema dermatológico com ocorrência em latinos
Ilustração: P
hillip D
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Seu tamanho subcelular permite que as moléculas sejam levadas até as camadas mais profundas da pele
As nanocápsulas protegem os ativos liberando-os gradativamente, de forma controlada e constante
Desta forma, a ação do produto atinge uma área maior, com resultados mais rápidos e ação prolongada. Sua ação é mais duradoura que os já disponíveis no mercado
Forma de ação das nanocapsulas
37A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
Na opinião dos pesquisadores, para trabalhar
com inovação é preciso ter um olhar
transformador, o que exige, principalmente,
técnica, recurso, persistência e criatividade. É
necessário desenvolver uma série de produtos
e não focar em uma possibilidade só. Além
disso, uma equipe bem formada é fundamental,
por isso, a necessidade de estimular o
empreendedorismo já entre os estudantes de
graduação.
“Adoro dar aula para a graduação, porque ali
podemos identificar os talentos. Tem aluno
que me acompanha desde o segundo período
da faculdade e já está trabalhando comigo no
doutorado. Fazemos parte de uma rede de
pesquisa, o que é muito produtivo para todos.
Sete alunos meus já registraram suas patentes
e alguns já montaram seu próprio negócio”,
conclui Nádia.
Nádia Rezende Barbosa Raposo
Doutora em Toxicologia pela Universidade de São Paulo (USP); colaboradora da USP; professora adjunta da UFJF
www.niqua.ufjf.br
nadiafox@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/4958736937529401
Adilson David da Silva
Doutor em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); dois pós-doutoramentos no Centre National de la Recherche Scientifique e um no Institute de Chimie Des Substances Naturelles; professor associado da UFJF
david.silva@ufjf.edu.br
http://lattes.cnpq.br/1118396022753204
MAIS
O Skin Whitening é um produto baseado em nanotecnologia. A associação de dois poderosos princípios ativos, um de origem natural e outro sintético, lhe dá vantagens competitivas sustentáveis
PESQUiSa
Nádia Raposo e Adilson da Silva (ao centro) com a equipe formada por graduandos, mestrandos e doutorandos em Química, Ciências Biológicas, Ciências Farmacêuticas e Farmácia
Fo
to: M
arcelo V
iridiano
Estável Instável
Ação duradoura Não duradoura
Baixa toxicidade Potencial citotóxico e mutagênico
Não irritante Irritante
Nanocomplex X Hidroquinona e Ácido Kójico
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201338
Os riscos dos estágios extracurriculares no exercício da Medicina
José Nalon de Queiroz*
A carreira de um
médico, legalmente,
inicia-se com a
conquista do Certificado de
Graduação em Medicina, com o
qual o novo profissional efetuará seu
registro no Conselho Regional de
Medicina do Estado onde pretende
atuar. Os estágios curriculares,
realizados durante o transcorrer do
curso, são essenciais na formação do
futuro profissional.
Entretanto, sob a alegação de que não
conseguiram praticar suficientemente e na
ânsia de buscar treinamentos diversificados,
muitos graduandos, erroneamente, recorrem aos
estágios extracurriculares. Tais iniciativas se fazem
de forma voluntária e aleatória, sem o conhecimento
das unidades formadoras, com a aquiescência de
diretores clínicos, gestores de saúde ou com
desconhecimento dos mesmos e sem a devida
supervisão médica nas unidades prestadoras de
serviços médicos à comunidade.
Dessa iniciativa particular surgem riscos e prejuízos
para alunos, instituições de ensino, instituições
assistenciais, médicos assistentes e comunidade.
Entre os inúmeros prejuízos advindos dessa
prática destacam-se: transgressão aos princípios
éticos e dispositivos legais ao constatar-se que
o aluno incorre em exercício ilegal da Medicina,
sujeito a sanções penais, e os médicos que
lhes delegam atividades assistenciais, sem
supervisão direta, tornam-se seus
cúmplices; riscos para a saúde e
integridade física dos membros da
sociedade ao se entregarem aos
cuidados de pessoas não
habilitadas para o exercício
profissional da Medicina; e
consequente desprestígio da
profissão médica, das unidades
formadoras (faculdades de Medicina) e
unidades assistenciais.
Para que tais práticas possam ocorrer de forma
adequada, sem riscos para quaisquer das
partes, deve-se observar o que existe em
termos de regulação, legislação e/ou
normatização.
Os estágios curriculares são regidos pela Lei nº
11.788/2008, pelo Decreto Lei nº 2080/96, pela
Resolução do Conselho Federal de Educação
de 4 de maio de 2009 e pelo Parecer Consulta
do Conselho Regional de Medicina de Minas
Gerais (CRMMG) nº 3817/2009, de 5 de outubro
de 2009.
Já para os estágios extracurriculares há os
Pareceres CRMMG de números 3478/2008, de
19 de dezembro de 2008; 3414/2008, de 9 de
março de 2008; e 3236/2006, de 11 de
dezembro de 2008.
Mas a regulamentação, possivelmente a mais
importante e útil para os que desejam estagiar
ou oferecer estágios aos graduandos, ocorreu
somente em 11 de fevereiro de 2011. Trata-se da
Resolução CRMMG nº 331/2011.
Portanto, os graduandos em Medicina devem
ficar atentos a essas normatizações para que
exerçam seus estágios de forma correta,
aproveitando ao máximo a experiência que
será essencial para a sua futura atuação
profissional.
Para entender mais essas normatizações, o
estudante pode acessá-las no site do Conselho
Regional de Medicina de Minas Gerais (http://
www.crmmg.org.br/).
* Professor adjunto IV do Departamento Materno Infantil da Faculdade de Medicina da UFJF; 2º secretário do CRMMG; delegado do CRMMG em Juiz de Fora e Zona da Mata
SaÚdE
A3 - ABRIL A SETEMBRO/201238
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39A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
OlHaR ESTRaNGEiRO
Durante minha estada na Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF) em
maio deste ano, um jornalista me
perguntou o que era a cultura visual. Como
acontece nessas ocasiões, tem-se que pensar
em uma resposta rápida e compreensível para
um leitor que você desconhece. No texto em
que me enviou para revisar, traduziu minhas
palavras da seguinte maneira: “Consiste no
O campo da cultura visualFernando Hernández*
Tradução: Marcela Matamoros
resgate dos efeitos das nossas relações com o
que vemos em nós e nos outros. Quando eu
vejo algo ele também vê a mim e me faz de
outro jeito. Significa trabalhar a história da arte
de outra forma: ir além do artista e considerar
outros tipos de obras, também parte da
cultura, como publicidade, objetos de uso
cotidiano, moda, arquitetura, televisão,
arquivos históricos e familiares e tantas
representações visuais quantas o ser humano é
capaz de produzir. Trata-se de levar o cotidiano
para a sala de aula, explorando a experiência
dos estudantes e sua realidade”.
Se resgato essa abordagem apressada e
telegráfica é porque ela contém três âmbitos,
os quais considero convergir em três conceitos
diferentes de cultura visual: um campo de
Ilustração: Joviana M
arques
39A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201340
estudo acadêmico de caráter multidisciplinar;
a denominação genérica que se dá aos objetos
e artefatos que conformam o visual (o que
vemos e como o tempo nos vê); e uma maneira
de entender e abordar as relações com as
representações visuais e técnicas do
observador desde a escola e outras instituições
pedagógicas.
O que tem em comum estas três abordagens é
que nelas a visão (o ato de ver) não é somente
um processo de percepção, mas uma
manifestação cultural e de comunicação.
Manifestação que não é redutível a ser
explicada nos mesmos termos da linguagem
falada e escrita. Pois, aqui, o visual atua como
um espaço de interação social e de constituição
de subjetividades em termos de classe social,
gênero, sexo, etnia, religião.
A partir dessas bases pode-se considerar a
cultura visual como um espaço de práxis
relacional que tem lugar, que se “performatiza”
a partir da construção de relatos que refletem
as visões subjetivas - e, portanto, culturais -
dos visualizadores. O que tem levado a
considerar as imagens e outros artefatos
relacionados com configuração de visão de um
ponto de partida para investigar em torno de
duas questões: as visões culturais que
propiciam as imagens e artefatos da cultura
visual quando se colocam em relação - entre
elas e com os sujeitos -; as experiências de
subjetividade que mediam e possibilitam.
Situar-se a partir dessas premissas supõe um
convite a investigar a cultura visual a partir do
cruzamento entre o que seria uma perspectiva
cultural - o que chamaríamos de visibilidade - e
das práticas de subjetividade que se vinculam
e de como os artefatos da cultura visual tomam
forma e são apropriados por quem vê e é visto.
Pedagogias
Essa perspectiva permite questionar pelo
menos dois pressupostos presentes nas
abordagens da cultura visual de instituições de
ensino. A primeira é a que considera que a
cultura visual são os objetos e artefatos visuais
que nos rodeiam e com os quais interagimos.
Frente a esta posição, o relevante das
pedagogias da cultura visual não são os
objetos que selecionamos e para os quais
vamos, e sim as relações que mantemos com
eles. A segunda posição põe em suspenso –
para problematizá-la a noção de produtores da
cultura visual dos indivíduos na medida em
que não se trata somente de fazer com, mas
sim de ser com as representações e artefatos
da cultura visual.
Isso leva, no campo das pedagogias
relacionadas com as artes visuais, a considerar
uma noção ampliada da arte e da autoria. Há
poucos anos, as referências artísticas que
serviam de exemplos para a educação das
artes apareciam vinculadas a um território
expressivo e plástico que a arte contemporânea
fazia tempo que tinha atravessado. Da mesma
maneira, a noção de artista vinculada nessas
referências tinha sido contestada por práticas
artísticas colaborativas, etnográficas,
relacionais, que não desenham a noção de
autoria e que aportavam estratégias sugerentes
para a educação das artes visuais.
Dessa maneira, as pedagogias da cultura visual
se convertem em uma oportunidade para
gerar relatos alternativos que possibilitem
expandir o sentido da educação das artes
visuais e do que acontece na escola e em
outras instituições educacionais como museus,
os meios de comunicação, nos leva a considerar
as relações como um espaço central para
explorar, debater e gerar relatos visuais e
performáticos que dialogam e respondem aos
hegemônicos. O que reafirma a opção de que
a cultura visual além de falar de outro lugar da
arte - e de outras práticas de visualização -
também impulsa a realização de projetos e
práticas geradas como processos de
investigação e emancipação.
Uma proposta pedagógica desde a cultura
visual assim entendida pode ajudar a
contextualizar os efeitos do olhar, e através de
práticas críticas (questionando os efeitos
sobre nossas subjetividades) explorar as
experiências (efeitos, relações, sentimentos)
em torno de como o que vemos nos conforma:
nos faz ser o que outros querem que sejamos e
poder elaborar respostas emancipadoras
frente ao efeito dessas visões. O que nos abre
para um campo de investigação que nos
convida a encontrar, explorar, investigar e
projetar as vibrações e ressonâncias entre as
imagens (e destas com os sujeitos
visualizadores).
As pedagogias da cultura visual são
configuradas como um espaço para explorar e
produzir alternativas não só sobre o papel das
artes visuais na escola, mas em torno da função
e sentido de aprender em uma escola que
exige uma mudança radical em sua história.
* Professor da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona (Espanha)
OlHaR ESTRaNGEiRO
Fernando Hernández esteve em Juiz de Fora, em maio de 2012, para participar de evento no Colégio de Aplicação João XXIII
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A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201340
41A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
Seminário leva à reflexão sobre o tradicional fazer universitário
FERNANDO LOBO
Repórter
Desde que foi criado, em 2011, o seminário
Repensar a Universidade, renovar a
prática acadêmica, teve como um
dos objetivos principais propor uma reflexão
sobre as questões mais gerais que desafiam
o tradicional fazer universitário. Idealizado
e realizado pela Pró-reitoria de Graduação
(Prograd) da Universidade Federal de Juiz
de Fora (UFJF), com apoio da Secretaria de
Comunicação (Secom) e da Pró-reitoria de
Extensão (Proex), o seminário procura discutir,
junto à comunidade universitária, temas
que possibilitem a todos pensar uma nova
universidade que vive, pulsa, pensa e existe.
Para o organizador do evento e pró-reitor
de Graduação, Eduardo Magrone, há anos a
UFJF está deixando de ser uma instituição
voltada quase que exclusivamente para a
formação profissional de uma elite técnica em
nível superior e passando a se dedicar mais
à pesquisa e à pós-graduação. Segundo ele,
não faz muito tempo que as atividades de
extensão também marcaram positivamente
um período da história da UFJF. Todo este
movimento, acompanhado da expansão e da
reestruturação da graduação, da presença do
ensino a distância, da mudança nos processos
seletivos para ingresso, entre outros aspectos,
fez com que a UFJF questionasse na prática
procedimentos e valores cristalizados por
décadas de um fazer universitário tradicional.
“Eu não tenho dúvidas que a Universidade
hoje vive, pulsa, pensa e existe. Porém, não sei
se isto está acontecendo na medida em que
o ritmo de nossa época exige. No entanto, é
fato que não estamos parados. Disso, eu tenho
certeza.”
O pró-reitor de Extensão da UFJF, Marcelo
Dulci, ressaltou que a universidade, como
espaço de reflexão crítica, está em uma crise
enorme. Para ele, os problemas do mundo
globalizado se avolumam, mas os rumos a
serem tomados, inclusive pela universidade,
ficam cada vez menos claros. A academia, que
sempre se destacou na discussão dos impasses
e soluções, tornou-se, nas últimas décadas, no
Brasil e no mundo, de alguma forma, em mais
uma fonte de tais problemas, graças, conforme
ele, ao fato de a criação científica e a produção
tecnológica do mundo universitário estarem
instrumentalizadas por uma razão de mercado
“cega” (ou quase isso) aos outros aspectos da
vida social – interesses materiais das maiorias,
a cultura como expressão da diversidade
humana, a sustentabilidade do planeta e o
respeito à democracia. “Todos nós estamos
sendo arrastados para um produtivismo de
qualidade mais do que duvidosa. Faz-se
necessário resgatar e fortalecer aquela parte da
nossa trajetória acadêmica de compromissos
políticos progressistas e populares, assim
como, também, colocar nossa imaginação e
criatividade científicas a serviço da civilização
em sentido amplo e não da barbárie materialista
em sentido restrito.” Ele afirmou, ainda, que a
universidade só tem alcançado esta “meta”
de forma incompleta. Para ele, a comunidade
universitária vive em uma “redoma”, em um
espaço pouco crítico e extremamente elitizado.
Reverter tal “tendência” é o principal desafio
pessoal e institucional, o que torna essencial o
ato de se “repensar a universidade”.
Uma das conclusões do seminário é que, até
hoje, nenhuma universidade conseguiu atender
a todas as classes de maneira igual. E isto ficou
claro com a apresentação do líder indígena
Ailton Krenak e do fundador do curso pré-
vestibular Educafro, Frei David, na segunda
edição do seminário realizada em 2012. Krenak
expôs a relação entre a universidade brasileira e
os índios. Com raras exceções, só recentemente
foram criados cursos voltados às nações
indígenas mas, mesmo assim, a presença de
índios em cursos superiores ainda é mínima e,
na sua visão, a causa é o distanciamento entre
a academia, voltada às questões teóricas, e os
índios, com sua cultura e tradições orais. Ele
defendeu que se deve buscar um meio termo
entre estes dois mundos. Frei David lembrou
que, apesar da melhoria nos níveis médios de
Entre as conclusões de especialistas, está o fato de que, até hoje, nenhuma universidade conseguiu atender a todas as classes de maneira igual
REPENSaR a UNiVERSidadEF
oto
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berto
Do
rnelas
Construção do Campus da UFJF na década de 1960
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201342
escolaridade de brancos e negros ao longo
dos anos, o padrão de discriminação, isto é,
a diferença de escolaridade dos brancos em
relação aos negros, mantém-se estável entre as
gerações. Portanto, a solução seria fazer valer,
de fato, o sistema de cotas nas universidades
(o que foi aprovado pelo Congresso em agosto
último).
Magrone indicou que a verdadeira avaliação de
tudo o que a comunidade acadêmica fez, até
agora, será realizada pelas futuras gerações
de professores, funcionários, alunos e pela
sociedade em geral. “É muito difícil afirmar
hoje, com um grau elevado de certeza, que
estamos ou não estamos no rumo certo.” Ele
considerou que, para prosseguir no caminho
proposto por toda essa discussão e errando o
menos possível, faz-se necessário abrir ainda
mais a universidade e favorecer o debate
interno e com a comunidade, desburocratizar
todos os procedimentos de avaliação na e
da instituição, exercer de fato a autonomia
perante o Estado, os agentes econômicos e os
movimentos sociais.
Já a professora da Universidade Paris VIII,
Anne-Marie Autissier - que também participou
da segunda edição do seminário -, disse que a
atual situação do ensino tanto no Brasil (onde
as universidades federais enfrentaram uma
longa greve este ano) como na França, com
a proposta do governo de organizar estudo
sobre o ensino superior, mostra que a maioria
das universidades está ansiosa sobre seu futuro,
principalmente com relação aos recursos para
ensino e pesquisa. Anne-Marie afirmou que,
por meio do Processo de Bolonha, bem como
de diversas reformas realizadas em vários
países europeus, a principal preocupação é
a de se ter um modelo global dominante de
atrair um jovem talentoso para os cursos de
Licenciatura. Não somente a carreira e os salários
são pouco atraentes, mas também o ofício
de ensinar no Brasil parece crescentemente
associado ao fracasso social e profissional do
indivíduo. Para a professora associada da UFJF
e palestrante do seminário, Maria da Assunção
Calderano, o posicionamento da universidade
precisa ser entendido no contexto macro e
micro, ao mesmo tempo, pois pouco ou nada
adianta ter um posicionamento crítico, se este
for inoperante. “Considerando a multiplicidade
de pensamento presente na universidade
- não existe pensamento único - tornam-
se necessárias iniciativas institucionais que
busquem superar os hiatos nas comunicações
entre universidade, escola e políticas
educacionais, de modo a, permanentemente,
exercitarmos a difícil e imprescindível tarefa
de examinarmos com cuidado a vida real
e extrairmos as demandas dessa realidade,
buscando atender aos desafios impostos
e propor alternativas para um processo de
formação docente – inicial e contínua para
professores da escola básica e da universidade.
Nesse processo de formação contínua, deve-se
reconhecer a importância do conhecimento
epistemológico, filosófico e metodológico,
tendo em vista o propósito educacional: a
propiciar-se criticamente do conhecimento
historicamente acumulado e transformar esse
conhecimento a favor da melhoria da condição
humana.” Maria da Assunção ressaltou que a
universidade cumprirá seu papel à medida que
refletir conjugadamente e apresentar subsídios
para as políticas educacionais, conciliando
melhorias das condições de trabalho, ensino e
aprendizagem nos diferentes setores da escola
básica e da própria universidade.
mercado para as universidades, lidando com
entrada de recursos privados para a pesquisa,
cursos fortemente ligados ao mercado de
trabalho e uma capacidade de acolhimento
de estudantes estrangeiros. “Claro que a
universidade tem de mudar, tem que ser mais
eficiente para a preparação de novas gerações.
Mas ela (a universidade) deve também
relacionar a pesquisa com as necessidades
sociais, principalmente no campo das ciências
sociais e humanas. No entanto, este ponto de
mudança necessita de uma discussão de longo
prazo.”
Uma outra preocupação levantada durante
o seminário foi com relação à formação de
professores, principalmente para ensino médio
e que, segundo Magrone, já apresenta um
colapso em algumas áreas de conhecimento.
A verdade, no seu entender, é que à docência
é hoje reservado um lugar simbolicamente
desqualificado no interior das universidades
brasileiras. “Está ficando cada vez mais difícil
“Claro que a universidade tem de mudar, tem que ser mais eficiente para a preparação de novas gerações. Mas ela (a universidade) deve também relacionar a pesquisa com as necessidades sociais, principalmente no campo das ciências sociais e humanas”
(anne-Marie autissier, professora da Universi-dade Paris Viii)
REPENSaR a UNiVERSidadE
Ailton Krenak, Frei David e Anne-Marie participaram da segunda edição do Seminário Repensar a Universidade
Fo
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rederico
Bo
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43A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
abertura de novos negócios e vagas, obrigando
Valadares a se manter sem as remessas men-
sais de dólares. Nos seis primeiros meses de
2012, a variação de emprego no município foi
de 6,16%, contra a média brasileira de 2,76%.
Em comparação ao mesmo período de 2011,
Governador Valadares criou 2.362 vagas a mais
em 2012.
Para o cientista social e pró-reitor de Extensão,
Marcelo Dulci, respeitadas as diferenças, é pos-
sível projetar resultado semelhante ao de Juiz
de Fora em Governador Valadares. “Na década
de 1970, quando enfrentávamos um forte declí-
nio industrial, a UFJF teve papel essencial para
a retomada do desenvolvimento da cidade.”
Segundo ele, a mudança no perfil econômico
de Juiz de Fora, baseada na grande oferta de
serviços, é consequência direta da presença da
instituição. Em Governador Valadares a situa-
“Imagine Juiz de Fora sem a UFJF. O que
seria da cidade sem a instituição?”, su-
gere o diretor da Faculdade de Econo-
mia, Lourival Batista de Oliveira Júnior. Embora
seja um município de porte médio, com 517 mil
habitantes e economia diversificada, a cidade
polo da Zona da Mata Mineira vem percebendo
o impacto da permanência de uma universida-
de pública federal em processo de expansão.
Poderia o Campus Avançado da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF) promover algo
semelhante em Governador Valadares?
Localizada a 464 quilômetros de Juiz de Fora,
no Leste Mineiro, a cidade conhecida nacional-
mente como a que mais envia brasileiros aos
os Estados Unidos passa por um período de
transformação da economia. A crise america-
na fez com que o movimento de retorno dos
imigrantes à cidade natal contribuísse para a
ção se difere, pois a região de atividade rural
demorou mais a fazer essa transição para uma
economia urbana, talvez por ter conseguido se
sustentar por algum tempo com os dólares de
quem estava no exterior.
O pró-reitor participou de 20 reuniões com re-
presentantes da sociedade civil do município e
percebeu na população a expectativa de que o
novo campus seja um instrumento de acelera-
ção desse movimento de mudança econômica
e cultural. Para o professor Lourival Júnior, tal
expectativa é bastante plausível. “Só os empre-
gos diretos gerados pela própria Universidade
já são um fator. Compõem o que chamamos
de empregos de qualidade, pois o requerimen-
to mínimo para estar em uma universidade, no
caso de docentes, é ter doutorado ou mestra-
do, e porque esse público possui demandas
específicas, de serviços e outros negócios da
CAROLINA NALON e RAUL MOURÃORepórteres
Campus avançado impulsionará resgate econômico e cultural de Governador Valadares instalação do campus injetará mais de R$ 150 milhões na construção da cidade universitária e na compra de equipamentos. Somente para 2012, estão garantidos R$ 22 milhões. a nova unidade será erguida na área de antiga fazenda de 533 mil metros quadrados, a quatro quilômetros do Centro
EXPaNSÃO
Reitor Henrique Duque (à esquerda) descerra a placa de lançamento da pedra fundamental do primeiro campus avançado da UFJF
Fo
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ndre
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as
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201344
cidade.” No campus sede, em Juiz de Fora, são
mais de 2.380 professores e técnico-adminis-
trativos efetivos. No avançado, a quantidade
pode chegar a 566 em cinco anos.
A partir dos novos cursos abertos, segundo
Lourival Júnior, estão sendo criadas oportu-
nidades para formar capital humano. “A UFJF
tem uma respeitabilidade construída no ce-
nário nacional, pelo que já conseguiu maturar.
Mesmo sendo de outro campus avançado, nos-
so profissional será certificado pela qualidade.”
A disposição de capital humano é uma das
condições para intensificar a atração de inves-
timentos para uma região e elevar seu desen-
volvimento socioeconômico.
Na via contrária, Governador Valadares tem
também muito a ensinar, garante Marcelo Dul-
ci. “Podemos aprender com a experiência de-
les no setor rural e agrícola e transpor esse co-
nhecimento para nossos projetos, abrindo no-
vas áreas de pesquisa e extensão.” Hoje, a UFJF
já possui cursos que trabalham indiretamente
para o setor, como os de Engenharia Sanitária
e Ambiental, Nutrição e Farmácia. “O campus
avançado nos torna mais cosmopolitas e ar-
rojados em todos os campos do pensamento
científico. Mas, acima de tudo, nos faz repensar
nossa relação com o outro. Essa é uma grande
vantagem porque permite que percebamos,
com mais clareza, os problemas próprios da
Zona da Mata.”
InfraestruturaA instalação do campus injetará mais de R$
150 milhões na construção da cidade univer-
sitária e na compra de equipamentos. Somen-
te para 2012, estão garantidos R$ 22 milhões.
O campus avançado será erguido na área de
uma antiga fazenda de 533 mil metros quadra-
dos, a quatro quilômetros do Centro, doada à
UFJF. Será preciso construir vias, pavimentar,
iluminar, incluir sistemas de telefonia e fazer
terraplanagem. Estão previstos blocos de sala
de aula, biblioteca e laboratórios, restaurante
universitário, prédio administrativo, lago, cen-
tro de esportes e pista para caminhada. A nova
unidade terá capacidade inicial para quatro mil
alunos e deverá ser concluída em dois anos. “A
implantação do campus é um meio de a UFJF
cumprir não só seu compromisso com a edu-
cação, como também com outros fundamen-
tos sociais inerentes a uma universidade, a fim
de contribuir para o desenvolvimento do Leste
Mineiro e, por conseguinte, Minas Gerais. A ins-
talação da nova unidade é o maior desafio de
meu segundo mandato”, afirma o reitor Henri-
que Duque.
Até o fim das obras, as aulas acontecerão na
sede de uma faculdade na região central de
Valadares. O prédio foi alugado e adaptado
para as necessidades da UFJF: ganhou gabine-
tes para professores; infocentro com 40 com-
putadores, conectados à internet; e laboratório
para cursos de saúde com 40 microscópios
novos. Uma parceria permite a alunos de Me-
dicina utilizar o laboratório de anatomia recém
-equipado de uma universidade local. Foram
investidos R$ 610 mil nas adaptações e aqui-
sições de materiais. As aulas estão a cargo de
33 professores efetivos, acompanhados de 16
técnico-administrativos em educação. Em ja-
neiro e fevereiro de 2013, mais 60 profissionais
serão selecionados, por meio de novos editais
de concursos ou pelo aproveitamento de clas-
sificados em processos anteriores.
Para o pró-reitor de Planejamento, Carlos Elizio
Barral, a instalação e gestão do novo campus
são auxiliadas pela experiência bem-sucedida
da UFJF na execução das metas do Programa
de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais (Reuni)
– a Universidade foi a que mais cumpriu o
cronograma orçamentário – e na ampliação da
instituição por meio de recursos obtidos pela
Administração Superior. Um dos objetivos na
coordenação do campus é fazer da palavra
integração um instrumento de sobrevivência
e de manutenção da qualidade. “Vamos fazer
reuniões permanentes, com cronogramas
definidos de negociações e conversas entre
docentes. Professores de Juiz de Fora
manifestaram interesse em ministrar palestras,
minicursos na nova unidade, e os de Valadares
poderão participar de atividades da sede.”
EXPaNSÃO
Campus avançado priorizará sustentabilidade, com coberturas verdes e estação de tratamento de efluentes
45A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG). Ele
foi aprovado em primeiro lugar no grupo A,
de candidatos autodeclarados negros prove-
nientes de escola pública. Oliveira terminou o
ensino médio em 2005 e estudava em uma fa-
culdade particular da cidade. Com a aprovação
na federal, encerrou a matrícula. “Já tinha lido
matérias elogiando bastante o curso. Acho que
vou estar no meio de feras e isso vai ser muito
bom.” A Faculdade de Direito tem o melhor ín-
dice de aprovação do país no exame da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB).
Mas as expectativas não giram apenas em tor-
no da formação intramuros. De acordo com o
“A implantação é um meio de a UFJF cumprir não só seu compromisso com a educação, como também com outros fundamentos sociais inerentes a uma universidade, a fim de contribuir para o desenvolvimento do Leste Mineiro e, por conseguinte, de Minas Gerais”
(Reitor Henrique Duque)
Vagas: 750 anuais, com possibili-dade de aumento para 850.Cursos: Administração, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Direito, Farmácia, Fisioterapia,Medicina, Nutrição e Odontologia.Ingresso: Sisu (pelo Enem) e Pism (programa seriado)
Campus AvançadoGovernador Valadares
Mais acessoO ensino superior de Governador Valadares es-
tava concentrado em faculdades privadas, no
campus do Instituto Federal de Minas Gerais
(IFMG) e em opções de graduação a distância.
A chegada da UFJF amplia o acesso da popu-
lação ao diploma, dando uma nova perspectiva
aos estudantes que concluem o ensino médio,
especialmente, aos de condição socioeconô-
mica desfavorecida. “Certamente a política de
cotas da Universidade, na qual é preciso estu-
dar, pelo menos, sete anos em escola pública,
será um dos grandes benefícios para nossos
estudantes”, avalia a secretária municipal de
Educação, Dalva Mendes Marcos Rabelo.
Segundo ela, a Secretaria Municipal de
Educação já iniciou reuniões com as escolas
para incentivar os professores na busca
pela aprovação de seus alunos na federal.
“Queremos que eles concorram com qualidade
e entrem (na Universidade) não como um
favor, mas por direito”. Para Dalva, o novo
campus obriga a prefeitura a aprimorar ainda
mais a educação na cidade.
O estudante Brenno Soares Oliveira, aprovado
no curso de Direito, pensou na possibilidade
de transferência do atual emprego para Juiz
de Fora, para estudar na UFJF. “Com a abertu-
ra do campus em Governador Valadares, nem
precisei”, ressalta o técnico-administrativo do
coordenador do Centro de Informação e As-
sessoria Técnica (Ciaat), Antônio Carlos Linha-
res Borges, há uma demanda por qualificação
profissional, principalmente em pequenos se-
tores de produção que já foram mais impor-
tantes, como o de costura. “Uma das principais
esperanças está na possibilidade de que a
Universidade capacite melhor os profissionais
quanto ao associativismo e ao cooperativismo,
muito importantes para as comunidades rurais
e urbanas atendidas por nós.” A organização
não-governamental, que visa a geração de
renda de forma coletiva e solidária por meio
de projetos sociais, já beneficiou cerca de 500
famílias da cidade e da região. A UFJF preten-
de começar a fazer parte desse movimento e
iniciou contato com a Cooperativa Rio Limpo,
produtora de sabão ecológico. No campus
sede, em Juiz de Fora, a Universidade tem a In-
cubadora Tecnológica de Cooperativas Popu-
lares (Intecoop), uma iniciativa bem-sucedida
na cidade.
O pró-reitor Marcelo Dulci espera que, com as
aulas em andamento, os professores subme-
tam seus projetos e envolvam os alunos nas
atividades, fazendo da extensão parte da cul-
tura do novo campus desde o início. Segundo
Dulci, 20 bolsas serão disponibilizadas ainda
em 2012 com esse objetivo e, para 2013, a ex-
pectativa é abrir de 30 a 40 bolsas, dependen-
do do interesse dos professores.
EXPaNSÃO
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lexandre D
ornelas
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201346
Qual é a classe do samba?Tese de professor da UFJF, premiada pela Capes, analisa a trajetória do samba e do choro, chegando a conclusões curiosas sobre a diversidade de classes sociais e culturais que habitam os gêneros musicais mais representativos da identidade nacional
BÁRBARA DUQUERepórter
Ritmo nacional por excelência, o samba
é amplamente debatido, inclusive no
meio acadêmico. Na busca pela expli-
cação da formação deste símbolo, historiado-
res, jornalistas, músicos, cientistas sociais e
pesquisadores estudam esse gênero transfor-
mador da cultura popular em cultura nacional.
Questões que permeiam esse identificador
nacional nortearam a melhor tese de Sociolo-
gia, segundo a Coordenação de Aperfeiçoa-
mento de Pessoal de Nível Superior (Capes),
defendida em 2010. O autor e professor de
Sociologia das Artes e Introdução à Sociologia
dos cursos de Direito e Economia da Universi-
dade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Dmitri
Cerboncini Fernandes, recebeu o prêmio em
julho de 2012. Intrigado com questões sobre
como um só ritmo é capaz de abrigar persona-
gens tão díspares como o samba, o trabalho “A
Inteligência da Música Popular, a ‘autenticida-
de’ no samba e no choro” desvenda qual é sua
verdadeira classe.
Para estudar as relações sociais que estrutu-
ram o domínio do samba e do choro, desenvol-
veu trabalho rico de histórias que entrelaçam
trajetórias de músicos, jornalistas, gravadoras e
críticos em uma análise sócio-histórica da as-
censão da música popular urbana brasileira e
suas contradições.
A sua busca começou no século XIX, resgatan-
do onde e como essa história começou, pas-
sando por personagens que traçaram esses
rumos, levando o samba a um sectarismo do
erudito versus popular. Na década de 30,
quando o amálgama do gênero se formou, ini-
ciaram-se as disputas de quais seriam os artis-
tas e as obras adequados ao desempenho de
A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201346
TESES E diSSERTaÇÕESTESES E diSSERTaÇÕESF
oto
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erico B
oza
47A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
representantes do samba. A partir de então, foi
necessário estabelecer padrões para regular o
que seria regional ou nacional; bom ou ruim;
belo ou feio; autêntico ou inautêntico; e quem
seriam as personagens desse elenco de “for-
madores de opinião” que traçaram os rumos
da categorização do samba, gerando, nos anos
90, uma polarização hierarquicamente distinta.
Nacionalização do samba
A delimitação inicial dos gêneros musicais bra-
sileiros se deu desde o último quartel do século
XIX, quando estilos desiguais se fundiram. De
um lado, padrões europeus, como polka, xote,
valsa e habanera e, de outro, estilos nativos, do
meio rural ou urbano, como jongo, modinha,
batuque, cateretê, alguns definidos como rit-
mos da senzala. Essa disparidade geraria um
híbrido que, à frente, seria chamado de samba,
quando canção versificada, e choro, quando
instrumental.
Alguns personagens reformaram os estilos re-
cém-chegados e rejuvenesceram os existentes.
Conferiram ar de distinção às consideradas
baixas manifestações culturais, acrescentando
ornamentação erudita às composições. Esses
nomes ocupavam posições indefinidas na so-
ciedade: nem brancos, nem negros; nem erudi-
tos, nem populares; nem chancelados, nem
deslegitimados; representando um elo neste
cenário. A presença deles nos eventos mais fi-
nos era enobrecedor, pois tinham contato com
figuras mais desprestigiadas. Entre os princi-
pais nomes, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gon-
zaga, Joaquim Calado e Anacleto de Medeiros.
Surgiu, então, nas três primeiras décadas do
século XX, uma cultura popular lato sensu di-
fundida por veículos de comunicação. Novida-
des da época como o rádio e as novas tecnolo-
gias de reprodução de discos, além de teatro
de revista, jornais e revistas, passaram a divul-
gar notícias antes renegadas. Na década de
30, no Governo Getúlio Vargas, o momento
carecia de unificação simbólica. Foi, então,
bem visto um elemento nacional-popular nas
artes como grande conciliador, por isso, a as-
censão do samba, elevado ao status maior.
Porém, essa unicidade geraria discordâncias e
tensões insolúveis. As principais seriam quanto
à forma correta de reprodução, assim como a
natureza territorial das origens dessa arte.
Como bem definiu Fernandes, “estava aberta a
contenda pela paternidade, origem e ‘correta’
manutenção do samba”. Nomes importantes
protagonizariam o debate: os compositores
Noel Rosa e Assis Valente ressaltavam essas
questões em suas letras; e os jornalistas Va-
galume e Orestes Barbosa em livros, como o
“Samba: sua história, seus poetas, seus músi-
cos e seus cantores”, de Barbosa. Naquele
momento estava eleito o Rio de Janeiro, capital
federal, como berço do samba. A grande cisão
ficava por conta do morro versus cidade, “arte-
sanal-autêntico-comunitário” versus “comer-
cial-inautêntico-individualista”. E sobre quem
seriam os legisladores que defenderiam a mú-
sica popular urbana tida como pura e autênti-
ca, para resguardar o legado de ouro, a música
popular, contra distorções menos autênticas.
Além da mídia, personagens como Almirante e
Jacob do Bandolim defenderam a legitimidade
do samba e do choro. Mais à frente, Hermínio
Bello de Carvalho, Tinhorão e Sérgio Cabral,
apoiados por instituições como Funarte e Mu-
seu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro,
elegeriam como inimigos a ditadura e as “alie-
nações internacionais” que assombraram nos
anos 60 e 70.
Já no final da década de 70, brancos,
universitários, conhecedores da teoria musical,
de famílias remediadas de São Paulo, marcaram
a modificação do samba paulista,
simbolizando-o como elemento distintivo da
cultura popular. O movimento teve origem
com Adoniran Barbosa, elevado a maior
sambista de São Paulo, e suas parcerias com
compositores da classe média. Apesar disso, o
que poderia se tornar uma produção popular
autêntica em São Paulo não aconteceu no
momento em que deveria por outras razões,
como falta de legisladores especializados em
samba paulista nos anos 30, momento de
definição simbólica do gênero. O samba que
representaria São Paulo ficou geneticamente
vinculado aos meios de reprodução comercial.
A maior preocupação dos chamados represen-
tantes “verdadeiros” da música popular e de-
fensores da autenticidade do samba era reafir-
mar o descompromisso com o sucesso comer-
cial. Apesar das diferenças claras entre um
subgênero do samba e outro, como uso de
instrumentos diferentes, levada rítmica especí-
fica e velocidade característica, quem corrobo-
rava a “autenticidade” eram os críticos e os
especialistas. Apesar de essa taxação já acon-
tecer no florescer do movimento, como no
caso do samba-jóia, de Benito de Paula, desva-
lorizado desde o início, e o partido alto, enalte-
cido, as opiniões sobre os músicos podiam
mudar, havendo promoção de status, desde
que não cometessem sacrilégio.
Quanto mais indefinido um artista se colocasse
no início da carreira, mais fácil obter glamouri-
zação. Entre os músicos que passaram por
essa mudança, Beth Carvalho, Adoniran Bar-
bosa e Clara Nunes. Zeca Pagodinho e outros
mais, afilhados de Beth Carvalho, iniciaram
novo subgênero, evoluindo para o “pagode
comercial”, considerado heterodoxo pela críti-
ca, gerando lucros jamais vistos até então. O
rótulo de invencionice e malandragem visando
lucro sempre estigmatizou o pagode.
O samba que tematizava o papel do negro na
sociedade, fruto de fatores que incluíam ações
afirmativas originadas nos anos 70, teve como
representantes Nei Lopes, Martinho da Vila e
Candeia. Já na década de 80, Fundo de Quintal
foi o precursor de grupos paulistas como Raça
Negra e Negritude Júnior que obtiveram su-
cesso inimaginável, desvirtuando o viés politi-
zado dos pioneiros. Esse novo som obteve as
piores classificações da crítica, acusado de ser
teleguiado por produtores norte-americanos,
reforçando o antigo estereótipo dado a São
Paulo como “o túmulo do samba”. Embora a
rixa entre Rio e São Paulo tenha se reafirmado
com o samba, tanto cariocas, “donos” do au-
têntico samba, e paulistanos, responsáveis
pelo samba comercial, experimentaram recor-
des de vendas, entre 1995 e 2005, como os
cariocas Martinho da Vila, Zeca Pagodinho e
Molejo; e os paulistanos Art Popular, Exalta-
samba e Negritude Júnior. Mesmo sabendo
Para estudar as relações sociais que estruturam o domínio do samba e do choro, docente desenvolveu trabalho rico de histórias que entrelaçam trajetórias de músicos, jornalistas, gravadoras e críticos em uma análise sócio-histórica da ascensão da música popular urbana brasileira e suas contradições
47A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013
TESES E diSSERTaÇÕES
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201348
que muitos grupos de “neopagode”, represen-
tantes da inautenticidade do samba, eram do
Rio de Janeiro, a crítica taxava o movimento
como oriundo de São Paulo, reforçando que no
samba os grupos se igualam e se separam de
forma radical.
Pesquisa
Para finalizar o trabalho, Fernandes expôs os
resultados do cruzamento de dados da investi-
gação para a tese e informações de pesquisa
Ibope sobre audiência de rádio entre 94 e 99.
Na sua pesquisa foram aplicados 160 questio-
nários em quatro casas de espetáculos no Rio
e quatro em São Paulo. O intuito foi revelar
possíveis tendências dos públicos frequenta-
dores de cada local visitado, estabelecendo
coordenadas importantes às hipóteses nortea-
doras do trabalho.
“Acredito que dei conta de problemas não
atentados pela literatura especializada. Ao
mesmo tempo, revelei aspectos de interesse
para apreciadores desses gêneros. Foi impor-
tante apresentar a constituição histórica e o
funcionamento da linguagem usada pela críti-
ca, que também estrutura a cabeça de músi-
cos, compositores e público. Por outro lado,
relacionei esses achados com suas funções
sociais, como conectar conceitos de ‘autentici-
dade’ e ‘inautenticidade’. Assim, compreendi
porque uma classe média escolarizada tende a
usar como marcador de sua posição social o
amor pelas músicas julgadas mais ‘autênticas’,
como o choro ou o samba tradicional. Já as
camadas subalternas tendem a um gosto mal-
visto pelas superiores, consumindo músicas
erotizadas e sem a tradição do gênero. Espero
ter mostrado que as músicas tidas como as
mais brasileiras, só poderiam ter se conforma-
do no Brasil, país de uma riqueza imensa, em
todos os sentidos, só comparável à sua pobre-
za, em todos os sentidos”, resume Fernandes.
A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201348
TESES E diSSERTaÇÕES
Dmitri: “Acredito que dei conta de problemas não atentados pela literatura especializada”
Fo
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rederico
Bo
za
Dmitri Cerboncini Fernandes
Professor Adjunto I do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFJF (PPGCSO - UFJF); doutor em Sociologia e pós-doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); líder do grupo de pesquisa do CNPq “Música Popular e Intelectuais”
http://www.ufjf.br/ppgcso
Leia a tese na íntegra: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-15092010-171819/publico/2010_DmitriCerbonciniFernandes.pdf
MAIS
49A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
Democracia digitalCícero Inacio da Silva *
Com a realização das eleições
municipais, o mundo digital começou
a aparecer como algo positivo na
pauta dos candidatos. Contudo, a série “Black
Mirror, lançada em 2012 pela rede pública de
TV Britânica Channel 4, vem polemizando
acerca do “poder das redes sociais”. O roteirista
da série, Charlie Brooker, descreve os motivos
que o levaram a elaborar uma das maiores
críticas aos sistemas de redes sociais já
realizadas. Diz ele que estamos nos tornando
zumbis controlados por gadgets que nos
dizem o que comer, como chegamos a algum
lugar e quais as “recomendações” para o nosso
dia a dia. Brooker vai ainda mais longe e critica
os modelos das redes sociais e dos softwares
que, em tese, deveriam nos ajudar a interagir
com o mundo, afirmando, inclusive, que certo
dia teve uma crise de pânico e que chegou a
pedir ajuda para o Siri, o sistema de
reconhecimento de voz do Iphone da Apple,
que é capaz de “conversar” com você, e
realizar agendamentos e ligar para seus
contatos, entre outras funções, tudo ao
comando da nossa voz.
No episódio chamado “The National Anthem”,
uma princesa Inglesa é sequestrada e a única
demanda para soltá-la é que o primeiro
ministro da Inglaterra faça sexo ao vivo com
um porco e que a relação seja televisionada
por todas as emissoras de TV em rede nacional.
O vídeo com a demanda aparece pela primeira
vez no Youtube. O primeiro ministro e o serviço
de inteligência mandam tirar o vídeo do ar
depois de 12 minutos. Contudo, mais de 50 mil
pessoas já haviam assistido ao vídeo e ele se
duplica por servidores ao redor do mundo com
uma velocidade impossível de ser controlada.
As redes sociais ampliam a divulgação do
vídeo, tuítes, posts, likes, entre outras formas
de disseminação da informação prosperam à
velocidade da luz e o governo não consegue
mais controlar a sua propagação.
O que acontece depois eu não vou revelar, mas
o que posso adiantar é que a massa “vota” e
“aprova” que o primeiro ministro britânico,
para salvar a princesa, realize o coito com um
porco em rede nacional. Essa metáfora que o
* Coordenador do Grupo de Estudos do Software; pesquisador e professor adjunto da UFJF
diretor da série usa para nos provocar poderia
ser transposta para os dias de hoje em qualquer
situação. Imagine que um fato parecido com
esse aconteça e que as redes sociais assumam
um papel proeminente na “acusação” ou na
“defesa” da veracidade desse acontecimento.
Parece muito fácil tomar decisões quando a
única coisa que nós temos a fazer é clicar em
um botão e dizer que “gostamos” ou “não
gostamos” de algo. Talvez essa série demonstre
que o mundo digital, com o qual ainda estamos
nos acostumando, tenha regras que não
combinem muito bem com os preceitos
democráticos da tolerância e da divergência,
que levamos tantos séculos para solidificar.
Se você leitor quiser testar o que estou falando,
faça uma votação em uma rede social com
temas polêmicos e veja quão aterrorizante
podem ser as decisões tomadas pela maioria.
Afinal de contas, não foi por acaso que o
nazismo alcançou o poder com uma aprovação
maciça da população alemã.
MUNdO diGiTal
Channel 4
49A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201350
Aonde quer que estejamos, a
comunicação visual é o meio por
excelência. Mesmo que utilizemos
outros sentidos para absorver o mundo
ao nosso redor, a visão atua como órgão
preponderante, como meio sensorial para
sua percepção. Tanto é que, para melhor
nos comunicarmos e sermos mais bem
compreendidos utilizamos cotidianamente
expressões vinculadas ao universo visual: “Olha
como é bom esse perfume!” (substituindo
o olfato); “Vou ver como ficou o tempero”
(substituindo o paladar); “Fechei os olhos para
a história dela” (substituindo a audição); “Não
enxerguei o motivo para o fato” (substituindo
a compreensão).
Toda representação icônica é, antes de tudo,
o signo de uma ausência. Ausência daquilo
que está sendo representado, pois os olhos só
podem interpretar o que é, não o que foi ou o
que será. E, para tal, é necessária a presença
física do observador junto à imagem. Só o
que não estiver presente é que se realizará
através da imaginação. É o que comumente
* Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, arquiteto e artista gráfico.
Ilustração descritiva e ilustração interpretativaJorge Arbach*
ocorre no campo verbal, por ser a palavra
uma representação simbólica e não analógica.
E, sendo simbólica, a palavra é altamente
permeável à imaginação.
O mecanismo humano de recepção de
imagens utiliza somente o meio visual para sua
compreensão, necessitando, obrigatoriamente,
da presença do receptor para ver, tornando
intensamente subjetivo seu entendimento. E a
comparação é o impulso primordial acionado
para entender qualquer imagem. Portanto, ver
imagens figurativas sempre nos remeterá a
comparações predominantemente analógicas.
Numa ilustração descritiva o processo
imaginativo do espectador não será
estimulado por ser composta de imagens
detentoras de previsibilidade analógica. A
dinâmica imaginativa só será deflagrada diante
de uma metáfora visual, ou seja, por meio de
uma ilustração interpretativa. Aqui, sim, será
rompida a expectativa da semelhança. As
metáforas visuais, operando no inconsciente,
e não mais no raciocínio lógico, conduzirão
mais agilmente ao universo interior, atuando
aléM da PalaVRa
diretamente no subjetivo. Desse modo, a
ilustração interpretativa estimulará mais o
imaginário do receptor do que as palavras,
pois, palavras estão condicionadas a um código
esclarecedor anterior, ou seja, ser alfabetizado,
possuir vocabulário ou conhecer o idioma.
Assim, o objetivo da ilustração não se limita
tão somente a ser ornamento visual da mancha
gráfica do texto ou atrativo para o leitor se
apropriar do discurso escrito. Tampouco
limitado, como ocorre com a ilustração
descritiva, ao revestir-se de redundâncias
narrativas paralelas ao conteúdo do texto. As
Ilustrações interpretativas são detentoras de
conceitos próprios que permitem ao leitor
encontrar novas e variadas leituras. Impregnada
de interpretações, esse tipo de ilustração
permite ao artista se expressar mesmo onde a
palavra não esteja presente, abrindo cada vez
mais espaços para que o discurso não-verbal
consolide seu lugar, elevando a ilustração ao
nível comunicativo de um discurso verbal.
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aléM da PalaVRaaléM da PalaVRa
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O poema “As pedras não falam, mas quebram vidraças”, de Sérgio Vaz, foi um dos estudados por professora da UFJF em dissertação premiada. A docente aponta a subversão da letra do samba de Cartola “As rosas não falam”, por meio da troca da palavra “rosa” (que evoca delicadeza, beleza e romantismo), por “pedra” (símbolo da dificuldade, da dureza, do não vivo).
Da margem para o centro das discussões
FLÁVIA LOPES
Repórter
Produzida há anos, como forma de
expressão de um povo, a literatura
marginal ou periférica só começou a
ganhar atenção de teóricos e estudiosos do
Brasil há pouco mais de uma década. Sempre
contada sob o ponto de vista do intelectual, a
cultura da periferia começa a ser ouvida por
meio de outras vozes, comprometidas com
seus locais de fala e que ecoam experiências
vividas.
Esse foi o cenário que inspirou a professora
Carolina de Oliveira Barreto a produzir a
dissertação “Narrativas da ‘frátria imaginada’:
Ferréz, Sérgio Vaz, Dugueto Shabazz, Allan da
dissertação de Carolina de Oliveira Barreto, defendida no Programa de Pós-graduação em Estudos literários da UFJF, levou o segundo lugar do Prêmio anpoll 2012 com a temática da literatura marginal e periférica
Rosa”, no mestrado em Estudos Literários da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Ao escolher o tema, a pesquisadora procurou
trazer à tona as tensões entre as questões
políticas e estéticas na literatura
contemporânea e o papel das obras produzidas
por autores das periferias urbanas nesse
contexto.
A falta de uma teoria específica sobre o
assunto não intimidou a então mestranda, que
fez, em um primeiro momento, um exercício de
leitura despido de conceitos e teorias
preestabelecidas, buscando novos caminhos e
percepções. O reconhecimento veio na forma
de premiação. O trabalho da pesquisadora foi
o segundo melhor do país em sua área, na
avaliação da Associação Nacional de Pós-
graduação e Pesquisa em Letras e Linguística
(Anpoll).
Segundo o orientador e também pesquisador
do tema há pelo menos quatro anos, Alexandre
Faria, a emergência das discussões acerca da
literatura marginal no país deu-se a partir de
2000, quando o escritor Ferréz (codinome de
Reginaldo Ferreira da Silva) organizou duas
edições da revista “Caros Amigos” sobre o
tema, abrindo espaço para que escritores da
periferia pudessem divulgar seus trabalhos.
TESES E diSSERTaÇÕES
A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201352
53A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
“Nomes de pessoas completamente
desconhecidas do público e outros já
conhecidos, como o Paulo Lins (autor do livro
“Cidade de Deus”), começaram a emergir.
Houve uma mudança de voz muito significativa,
mas ainda com certas barreiras, pois o crítico
ainda está muito voltado para conceitos
predominantemente estéticos nas obras
literárias.”
Apesar dessas barreiras, o movimento trouxe
um novo discurso às produções literárias, que
passaram a questionar a cultura mainstream. A
realidade da periferia nos textos já não é mais
aceitada de forma idealizada e separada do
asfalto. “O texto da periferia é feito sob outro
padrão, mobiliza outras questões e lança mão
de uma linguagem que não é a formal. Trata-se
de uma outra composição, que aproxima o
texto da oralidade”, explica o professor.
De acordo com Carolina, a disseminação dos
textos de autores vinculados a essa produção
literária ainda é dependente de pequenas
editoras, como as Edições Toró e o Selo Povo,
e realizada de forma paralela às grandes.
Porém, nos últimos dez anos, houve uma
atenção maior por parte das editoras, com o
lançamento de seis volumes da coleção
“Literatura Periférica”, editada pela Global; a
antologia Literatura Marginal, lançada pela
Agir, em 2005; e as oito obras de Ferréz, pela
Objetiva. “As publicações estão muito atreladas
ao mercado. Mas vemos também um interesse
em cativar público leitor dentro e fora das
periferias. Há uma preocupação em se reduzir
o valor do produto final para que não haja uma
barreira econômica que impeça a aquisição
dos livros pelos leitores moradores das
periferias e também para os demais leitores.
Vemos nessas publicações valores variando
entre R$ 5 e R$ 15.”
“Frátria imaginada”
O primeiro contato da pesquisadora com a
literatura periférica ocorreu na época em que
era bolsista de iniciação científica do curso de
Letras da UFJF. O estranhamento inicial com o
texto e a forma fez com que Carolina encarasse
a questão como um desafio. Foi buscando
repensar a relação entre sujeito e objeto, entre
crítica e obra literária que a professora
estruturou seu trabalho, defendido em abril de
2011. “A teoria sozinha não consegue dar conta
de um bom número de obras que vêm sendo
publicadas.” Ao trabalhar com a literatura
periférica, a autora identificou várias tensões.
“Os autores questionam o lugar da literatura, o
conceito, a teoria. Posicionam-se sempre, não
ficam em cima do muro.”
Nos textos estudados, segundo a pesquisadora,
os locais de enunciação são bem marcados.
“Não se trata apenas de uma questão territorial,
mas também das trocas e da relação afetiva
dos autores com o espaço.” Ainda de acordo
com a autora, os textos trazem um
deslocamento do conceito de literatura.
A partir da noção de “frátria imaginada”, a pes-
quisadora buscou trabalhar a questão do con-
temporâneo e dos deslocamentos percebidos
a partir das obras dos autores Ferréz, Sérgio
Vaz, Alan da Rosa e Dugueto Shabbazz. Foram
levantadas possíveis implicações políticas, es-
téticas e sociais inseridas nessa expressão. O
termo “frátria imaginada”, segundo Carolina,
origina-se da leitura de alguns textos, em espe-
cial, “A frátria órfã: o espaço civilizatório do rap
na periferia de São Paulo”, de Maria Rita Kehl, e
“Comunidades Imaginadas”, de Benedict An-
derson. “Na verdade, não procurei fazer uma
fusão de dois conceitos, mas uma atualização
de ambos, a partir da leitura das obras.”
Do texto de Kehl, a docente buscou a ideia das
“identificações horizontais, em contraposição
ao modo de identificação/dominação vertical”.
Já durante a leitura que realizou de Benedict
“Houve uma mudança de voz muito significativa, mas ainda com certas barreiras, pois o crítico ainda está muito voltado para conceitos predominantemente estéticos nas obras literárias” (alexandre Faria)
TESES E diSSERTaÇÕES
53A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013
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Carolina de Oliveira Barreto
Graduação em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2008); mestrado em Letras - Estudos Literários pelaUFJF (2011); experi-ência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura periférica, narrativa, “frátria imaginada”
Veja o currículo lattes da pesquisadora: bit.ly/A3_lattesCarolinaBarreto
Confira a dissertação premiada: bit.ly/A3_dissertacaoCarolinaBarreto
MAIS
Anderson, questionou a horizontalidade das
relações. O termo “Comunidades Imaginadas” de
Anderson é apropriado, recontextualizado e
atualizado pela autora a partir da ideia de
construção do estado-nação moderno. “O que
chamou minha atenção, foi a possibilidade de
desconstruir e ressignificar o termo, levando em
conta as tensões entre o global e a nação no
interior das cidades, considerando o deslocamento
do local de enunciação. Procurei atualizar o que foi
formulado por Anderson para mapear como essa
frátria se imagina ou é imaginada no panorama
cultural, político e econômico atuais.”
Para a pesquisadora, ao mapear as formas de
resistência por meio da escrita/leitura e por meio
da relação do “sistema” com a cidade ao longo de
seu trabalho, foram percebidas tensões e
contradições perpassando a própria linguagem.
“Isso vai ao encontro da polifonia, uma vez que
vozes e a interação entre elas passam uma
multiplicidade de planos e o caráter contraditório
da realidade social.”
“ As publicações estão muito atreladas ao mercado. Mas vemos também um interesse em cativar público leitor dentro e fora das periferias”
(Carolina Barreto)
A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201354
TESES E diSSERTaÇÕES
55A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
Memória do rádio e da TV é preservada em “Cariocas do brejo”Wilson Cid*
Posso dizer que acompanhei de perto o
esforço do professor do curso de Pós-
graduação em TV, Cinema e Mídias
Digitais da Faculdade de Comunicação da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),
Flávio Lins, para transformar em realidade o
sonho que vinha alimentando de mergulhar
nos primórdios do rádio e da televisão em Juiz
de Fora. Lembro-me bem. Ainda estávamos na
Redação do jornal “Panorama”, depois “JF
Hoje”, quando ele descobriu que haviam
ficado comigo alguns filmes produzidos pelo
fotógrafo Jorge Couri, na década de 60, para
um telejornal de cinco minutos diários que
inseríamos na programação vespertina da TV
Tupi. Eu fui o redator dessa experiência
singular, que não podia mesmo ter longa
duração: certamente nunca se soube de outro
telejornal que se utilizava de ônibus
interestadual para sair da redação e chegar ao
estúdio... Pois, ao se interessar por esse
material, Flávio nos fez o favor de colocá-lo
em ordem e recuperar alguns filmes que
estavam ameaçados de perder a qualidade.
Para quem se dedicar a levantar a história de
nossa radiofonia no período 1940-1960, como
propôs o documentário - e, posteriormente, o
livro em parceria com a também professora da
Faculdade de Comunicação, Cristina Brandão
- “Cariocas do brejo entrando no ar: o rádio e a
televisão na construção da identidade juiz-
forana” - , ainda é possível descobrir algum
documento, até mesmo profissionais
sobreviventes para gravar um depoimento. O
mesmo, contudo, não se pode dizer de nossa
televisão naquelas duas décadas. Além de ser
uma passagem brevíssima, dirigentes e
profissionais de então descuidaram da
documentação e dos arquivos. Ficou muito
pouco para se pesquisar, desde a experiência
pioneira de Olavo Bastos Freire, passando
pelas transmissões episódicas da TV Mariano
Procópio, que não sobreviveu e teve suas ações
convertidas para o capital da S/A Diário
Mercantil, até chegarmos à TV Industrial, que
prometia consistência e disposta a se tornar
grande geradora. Essa expectativa era tão viva,
que em 31 de maio de 1963, quando embarquei,
como repórter, no avião que trouxe João
Goulart a Juiz de Fora, recebi orientação no
sentido de convidar o presidente a voltar no
ano seguinte para a solene inauguração da
emissora. Coincidentes, os destinos da TV
estariam alterados, e 1964 acabaria chegando
muito diferente.
Nos muitos encontros que Flávio e eu tivemos,
ele sempre muito preocupado em me manter
informado sobre o andamento de seu projeto,
que procurei estimular sinceramente, passei a
considerar algo que pela primeira vez vou dizer.
Aqui e agora: penso que essa empreitada a que
ele se dedicou, e com grande êxito concluiu, foi
também passo importante para despertar
entre nós a necessidade de serem pesquisadas
as fontes da história da imprensa, do rádio e da
televisão em Juiz de Fora. Flávio, além de
pioneiro, deu esse passo imenso, e certamente
seu livro ficará como a contribuição maior. Mas
a melhor forma de homenageá-lo é continuar o
trabalho que ele começou.
* Jornalista e editor político
liTERaTURa
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Editora UFJF amplia produção científica e interlocução acadêmica
UMA SOCIOLOGIA INDIGNADA: DIáLOGOS COM LUIZ WERNECk VIANNA(Rubem Barboza e Fernando Perlatto – R$ 40)Barboza e Perlatto mostram que toda sociedade é um enigma, nunca integralmente resolvido. Há constru-
ções intelectuais, entretanto, que nos auxiliam com algumas pistas sobre o significado da experiência co-
mum e a continuidade possível com as realizações dos que nos antecederam. Nesta coleção de intérpretes,
Luiz Werneck Vianna ocupa uma posição de relevo singular, o que os artigos que compõem esta “Sociologia
Indignada” demonstram de modo definitivo. O livro reúne as contribuições dos intelectuais que participaram
do seminário organizado em sua homenagem pela UFJF, em 2010.
HISTóRIAS E MEMóRIAS DO ESPORTE EM MINAS GERAIS (Carlos Fernando Ferreira da Cunha Júnior – R$ 27)O livro de Carlos Fernando Ferreira da Cunha Júnior reúne trabalhos de pesquisadores que analisam o
esporte em sua dimensão histórica e também é o resultado de projetos de pesquisa contemplados no edital
público nº 16/2009, organizado e financiado pela Fapemig, com o objetivo de apoiar ações científicas na
área da História do Esporte e da preservação de acervos. A obra aborda as práticas esportivas em Minas
Gerais sob o olhar histórico e ajuda a revelar a diversidade de trajetórias e sentidos que esse fenômeno pos-
sui. O leitor terá um bom panorama da importância do fenômeno esportivo e de seu potencial para melhor
compreender nossa sociedade, seus arranjos e construções.
ATLAS DE DIAGNóSTICO POR IMAGINOLOGIA DAS DESORDENS TEMPOROMANDIBULARES (Josemar Parreira Guimarães e Luciano Ambrosio Ferreira – R$ 200)A equipe do Serviço ATM da Faculdade de Odontologia da UFJF reuniu um acervo rico em informações
semiológicas sobre as desordens temporomandibulares. Parte dessa coleção – prontuários clínicos, mode-
los de gesso, fotografias intra e extrabucais e imagens radiográficas, principalmente planigrafias da ATM e
radiografias transcranianas – foi selecionada para a elaboração da obra. O objetivo dos autores é oferecer
uma fonte de pesquisa para as condições clínicas do dia a dia e, dessa forma, auxiliar os profissionais na
elucidação dos diagnósticos e na escolha das condutas terapêuticas mais indicadas.
A Editora da Universidade Federal de Juiz de Fora (EDUFJF) passa por um momento único em seus 25 anos de história, com a Adminis-tração Superior investindo no fortalecimento não apenas dos cursos de graduação, mas também nos de pós-graduação. O resultado desses investimentos é a ampliação da produção científica e da interlocução acadêmica com instituições nacionais e internacionais.
O objetivo principal é atender ao professor pesquisador, proporcionando uma parceria comprometida com o sucesso da publicação e da divulgação dos trabalhos. Para que isso ocorra, a EDUFJF mantém relações comerciais com inúmeros distribuidores e editoras universitárias, difundindo a produção científica dos docentes. Segundo o diretor administrativo da EDUFJF, Antenor Salzer Rodrigues, em 2011 foram publicados 35 livros e a meta é superar esse número neste ano.
laNÇaMENTOS
A EditorA UFJF Está sitUAdA nA rUA BEnJAmin ConstAnt 790, no prédio do mUsEU dE ArtE mUrilo mEndEs (mAmm) - JUiz dE ForA/mG.
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57A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
Glitter Magic: a diferença entre brincadeira e diversãoWendell Guiducci*
Começou como uma brincadeira.
Quando os guitarristas Luqui di Falco
e Mauri Moore e o vocalista Rhee
Charles foram convidados para tocar na festa
de uma amiga, em outubro de 2005, não
imaginavam o que a Glitter Magic se tornaria.
Metaleiros de carteirinha, doutrinados nos riffs
trovejantes de bandas como Sepultura,
Megadeth, Slayer, Iron Maiden, Judas Priest e
Metallica, os três - escoltados pelo baterista
Everton Ton Ton e pelo baixista Thiago Orc,
hoje fora do grupo - foram desafiados a armar
a cabeleira com laquê e se travestir de banda
glam.
Rhee - ex-aluno e membro do Coral da UFJF -,
Mauri e Luqui (aluno de pós-graduação em
Marketing na UFJF) foram surpreendidos pela
força dos hits de Skid Row, Bon Jovi, Scorpions,
Firehouse... Curtiram tanto a receptividade do
público amigo que aceitaram o desafio de
tocar em outra festa. E assim, só por diversão,
decidiram continuar, trocando a sisudez e o
aspecto sombrio do metal pela fanfarronice e
as cores cintilantes do hard rock.
A coisa começou a ficar mais séria no ano
seguinte, quando, convidados a tocar em um
festival que tinha como headliner a banda
carioca Matanza, Rhee Charles sugeriu que
compusessem uma música para incluir no set
list. Assim nasceu a primeira canção, “Snake
blood”. Ainda em 2006, “Love proof” foi
composta, desta vez para que a banda
concorresse no tradicional Festival de Bandas
Novas de Juiz de Fora. “Snake blood” foi
incluída no CD oficial do festival, em 2007, e na
coletânea “Quem toca cover tá fora”, no
mesmo ano. E aí a Glitter Magic entrou em um
caminho sem volta: era hora de deixar de ser
uma banda “de mentirinha” para ganhar
respeito.
Já com quatro anos de vida e sem ver sentido
em lançar um EP ou um CD demo, o quinteto
- que mudou de formação algumas vezes até o
baixista Glux (outro integrante do Coral e aluno
do curso de Psicologia da UFJF) e o baterista
Andy Ravel (discente de Arquitetura na UFJF)
fincarem raízes ao lado de Rhee, Luqui e Mauri
- partiu para a produção do primeiro álbum. As
gravações foram realizadas durante dois anos
e meio, com produção da banda, no estúdio da
Escola de Música Ematech em Juiz de Fora.
Depois da mixagem e masterização,
conduzidas na Suécia pelo produtor Jerry
Torstensson, “Bad for health”, uma mescla de
elementos do hard rock dos anos 80 com
sonoridades do rock pesado contemporâneo,
viu a luz do dia. Já era 2012.
Vinte dias antes de o disco “físico”,
independente, chegar às lojas, Rhee, Luqui,
Mauri, Glux e Andy disponibilizaram na internet
o álbum na íntegra (http://soundcloud.com/
glittermagic), e só então partiram atrás de
quem os lançasse fora do Brasil. O selo italiano
Heart of Steel Records foi seduzido por
canções como “Daring the dawn”, “Living on
addiction” e “Bad for health”, primeiro single e
videoclipe do disco homônimo, e o contrato foi
assinado.
Antes mesmo do lançamento de “Bad for
health” na Europa, em agosto último, a banda
já contabilizava boas críticas em países como
Grécia, Holanda, França e Reino Unido, fruto
do trabalho de assessoria do Heart of Steel.
Também no Brasil, a Glitter tem conquistado
boas resenhas em veículos especializados em
rock pesado como o site Whiplash e a
tradicional revista “Roadie Crew”. Um bom
saldo para uma banda que começou como
uma brincadeira. E que, mesmo trabalhando
muito, continua sendo divertida.
* Jornalista, formado pela UFJF, cantor e ama o rock
MÚSiCaF
oto
: Kiko
Barb
osa
57A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201358
UFJF será a primeira universidade federal a disponibilizar tablets aos alunos
BiBliOTECa
Medida tem o objetivo de facilitar o acesso dos estudantes às bases digitais adquiridas recentemente pela instituição
FLÁVIA LOPES E JOSÉ RENATO LIMARepórteres
As novas tecnologias estão modifican-
do as formas de produção e aquisi-
ção de conteúdo na atualidade. As
mídias digitais estão substituindo o papel em
várias aplicações e em uma velocidade vertigi-
nosa. Nesse cenário, as bibliotecas também
estão passando por transformações. A cada
ano são produzidos no mundo cerca de um
milhão de títulos, com milhares de exemplares
por tiragem. Apesar dos constantes investi-
mentos da Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF) na aquisição de livros – só no últi-
mo ano foram R$ 5 milhões –, acompanhar
esse crescimento não tem sido tarefa fácil para
as instituições. Soma-se a isso o fato de a in-
formação acadêmica ser produzida em ritmo
maior do que a capacidade dos pesquisadores
em administrá-la, dos editores em publicá-la,
do bibliotecário em coletá-la e dos estudiosos
em consultá-la.
Atenta a esta tendência, a UFJF está adquirin-
do, desde o início de 2012, plataformas on-line
de acervo digital, que contemplam todas as
áreas do conhecimento (ver quadro na página
60). Por meio das bases Atheneu - Livros ele-
trônicos, HeinOnline, Vlex, Jstor, Biblioteca
Virtual 3.0 Pearson, ABNT Coleção e IEEE,
professores, estudantes e servidores têm aces-
so a e-books, normas técnicas, periódicos,
discursos, palestras, teses, dissertações, leis,
entre outros arquivos, de forma gratuita.
Para facilitar o acesso a essas bases digitais no
campus, a UFJF está providenciando a aquisi-
ção de cem tablets e outros cem notebooks.
Os investimentos totais, em bases e equipa-
mentos, são da ordem de R$ 1,5 milhão.
Segundo a coordenadora do Centro de Difu-
são do Conhecimento (CDC), Adriana Apareci-
da de Oliveira, a UFJF será a primeira universi-
dade federal a disponibilizar tablets e e-rea-
ders para a consulta das publicações. “Sere-
mos pioneiros e a Universidade terá um grande
desafio, pois iremos criar todo um sistema de
acesso e empréstimo sem outra referência.”
O objetivo da aquisição das plataformas, se-
gundo Adriana, não é apenas ampliar o acervo
da UFJF e tornar a busca de determinadas
obras mais célere, mas democratizar o acesso
a todos os interessados. “Quando falamos de
inclusão, temos que pensar em todas as for-
mas de atender os estudantes. Com a aquisi-
ção das bases, muitos livros que são caros
podem ser acessados simultaneamente por
todos os alunos e o custo não se torna uma
barreira ao aprendizado.”
Ainda de acordo com Adriana, com essas fon-
tes de informação on-line a Biblioteca também
terá condições de atender vários estudantes ao
mesmo tempo, já que não há limitação de
acesso. “Temos um limite de exemplares na Bi-
blioteca, mas com as plataformas on-line isso
não ocorre. Todos podem acessar um único tí-
tulo ao mesmo tempo.” Para a coordenadora,
as bases digitais quebram barreiras geográfi-
cas, de tempo e espaço. “Mesmo que não seja
horário em que as bibliotecas estejam abertas,
as fontes estarão disponíveis durante 24 horas
por dia, sete dias por semana, com acesso por
meio do login e da senha do Siga.”
Nova metodologia
A discussão acerca da aquisição das bases on-
line teve início há dois anos e contou com o
apoio do diretor da Faculdade de Direito,
Marcos Vinício Chein Feres, que já havia
adquirido a plataforma Vlex, em 2011. Segundo
o professor, as plataformas digitais permitem
59A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
uma mudança de paradigma não apenas da
forma como os pesquisadores buscam
conteúdo, mas também obriga uma outra
postura por parte do docente, que tem
condições de oferecer um conteúdo mais
amplo e atual a seus alunos. “Até a década de
90, os estudantes que queriam ter acesso fácil
a publicações recentes nos Estados Unidos ou
na Europa, por exemplo, teriam que fazer um
mestrado ou doutorado fora do país. Hoje,
nossos alunos têm condições de acessar o
mesmo conteúdo e participar das discussões
que ocorrem em universidades de ponta pelo
mundo sem sair de casa. Com a disseminação
da internet e digitalização de uma série de
obras e periódicos vamos percebendo que não
é mais necessário suplantar uma barreira de
espaço para ter acesso a esse material.”
Para o diretor, essa nova cultura de acesso já
está interferindo no processo de construção
da metodologia de ensino-aprendizagem.
“Cada vez mais, o papel do professor não é só
transmitir, mas disponibilizar o melhor conteú-
do, quantitativamente e qualitativamente, e
dotar o aluno de meios críticos para lidar com
essas informações.”
Na avaliação do diretor da Faculdade de
Odontologia, Antônio Márcio Resende do Car-
mo, a democratização do acesso às publica-
ções é uma das principais vantagens das bases
digitais. “Na faculdade, trabalhamos com livros,
pois é necessário que os alunos vejam imagens
de boa qualidade. Muitas vezes, essas publica-
ções são caras, com preços de até R$ 600.
Além disso, precisamos que todos os estudan-
tes estejam com a publicação ao mesmo tem-
po e não há como disponibilizar na Biblioteca
tantos exemplares de um mesmo livro. Com as
plataformas digitais isso é possível.” A atualiza-
ção do conteúdo é outro ponto destacado
pelo professor. “Na área de saúde, a atualidade
das informações sobre pesquisas é uma ques-
tão muito importante. O tempo que se perde
entre a produção, a edição e a publicação de
uma obra é muito grande e acabamos perden-
do um pouco com isso.” Segundo a coordena-
dora do CDC, nas plataformas disponibilizadas
pela UFJF há inclusive obras que se encontram
no prelo (antes da impressão).
A estudante do nono período de Direito, Lucia-
na Tasse, que usa bases como a Vlex, HeinOnli-
ne e Jstore, diz que sempre recorre às platafor-
mas durante a elaboração de suas pesquisas.
“Agora não ficamos dependendo das compras
de livros. Há um conteúdo muito grande nas
bases, é só procurar.” Luciana também observa
que muitos periódicos com alto custo estão
disponíveis na rede. “Temos condições de tra-
balhar com o mesmo conteúdo utilizado por
um estudante de uma universidade renomada,
por exemplo.” Para a aluna do décimo período
de Medicina, Gabriela Hinkelmann, a possibili-
dade de baixar o livro e imprimi-lo é outro be-
nefício. “Isso facilita o estudo, pois há discipli-
nas nas quais os livros base são muito concor-
ridos.”
BiBliOTECa
A Universidade está providenciando a aquisição de cem tablets e outros cem notebooks. Os investimentos totais, em bases e equipamentos, sãoda ordem de R$ 1,5 milhão
Professores, estudantes e servidores têm acesso gratuito a e-books, normas técnicas, periódicos, teses, dissertações, leis, entre outros arquivos
Fo
to: F
rederico
Bo
zaBiBliOTECa
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201360
A editora disponibiliza, em sua base on-
line, 361 obras. As publicações englobam
as áreas de Educação Física, Enfermagem,
Farmácia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional,
Fonoaudiologia, Medicina, Odontologia,
Saúde Coletiva, Nutrição, Biofísica,
Biologia Geral, Bioquímica, Farmacologia,
Fisiologia, Genética, Imunologia, Morfologia,
Parasitologia e Zoologia. Os títulos são
publicados em português e com texto
completo dos capítulos, permitindo download
e impressão de obras.
bit.ly/A3_Atheneu
bit.ly/A3_tutorialAtheneu
A base possui mais de 40 bibliotecas
integradas com grande acervo de fontes
raras e com cerca de cem mil imagens
em PDF de documentos oficiais, incluindo
tabelas, gráficos, fotos, notas escritas à mão,
fotografias e notas de rodapé. O seu conteúdo
é voltado principalmente para a área de
Ciências Sociais. Possui 70 milhões de páginas
da história jurídica. Tanto o download quanto
a impressão são permitidos sem restrições.
bit.ly/A3_HeinOnline
bit.ly/A3_tutorialHeinOnline
A plataforma Vlex é o mais completo banco
de dados sobre assuntos ligados ao Direito.
O seu conteúdo soma de mais de 83 mil
documentos em e-books e periódicos de
direito, incluindo legislação, jurisprudência e
doutrina, em 13 idiomas. O banco de dados
da Vlex ainda inclui mais de 130 jurisdições de
diferentes países. O download e a impressão
de página são permitidos para os usuários.
bit.ly/A3_Vlex
bit.ly/A3_tutorialVlex
A plataforma possui conteúdo
multidisciplinar. A UFJF assinou o acesso ao
conteúdo completo que compreende mais
de mil periódicos acadêmicos e mais de
um milhão de imagens, correspondências
e outras fontes primárias. O Jstor é uma
das bibliotecas virtuais mais completas
do mundo, disponibiliza periódicos e
monografias com permissão para download
e impressão.
bit.ly/A3_Jstor
bit.ly/A3_tutorialJstore
Inclui livros em português de importantes
editoras nacionais em diversas áreas do
conhecimento. Sua aquisição pela UFJF visa
principalmente suprir os cursos de graduação,
já que o acervo Pearson possui os livros que
estão incluídos no currículo dos cursos. Nesta
plataforma os downloads não são permitidos.
É possível imprimir na Biblioteca Universitária
até 50% de cada livro. O acervo reúne 1.400
títulos.
bit.ly/A3_Pearson
bit.ly/A3_tutorialPearson
A coleção reúne as normas técnicas de
todos os comitês da ABNT e Mercosul,
universalizando a consulta rápida a qualquer
uma dessas informações. É necessária a
instalação de um software que permite a
visualização integral da norma.
bit.ly/A3_ABNTColecao
bit.ly/A3_tutorialABNT
BiBliOTECa
Mudança de cultura
Para a coordenadora do CDC, Adriana Apare-
cida de Oliveira, a implantação das bases é
importante para atender não só os cursos pre-
senciais, mas também o ensino a distância da
UFJF e os alunos do Campus de Governador
Valadares, que terão acesso de forma igual às
mesmas plataformas.
Segundo ela, a utilização das plataformas digi-
tais passam por uma mudança de cultura tanto
por parte de professores quanto de alunos,
que muitas vezes reconhecem legitimidade
apenas nos livros impressos. “Mas isso mudou
muito nos últimos anos. Hoje nossos alunos de
graduação já são ‘nativos digitais’, que pos-
suem grande facilidade de leitura nas telas de
computadores e tablets.” Além disso, afirma
Adriana, não há previsão de redução de inves-
timentos por parte da UFJF nos livros impres-
sos. “A aquisição de livros impressos continua.
A Universidade inteira ganha em termos de
pesquisa, pois são bases reconhecidas interna-
cionalmente.”
Para orientar os pesquisadores a utilizar as pla-
taformas on-line, o Centro de Difusão do Co-
nhecimento (CDC) elaborou tutoriais com o
passo-a-passo para o acesso e também treinou
profissionais para o atendimento às demandas.
Segundo a biblioteconomista Ana Carolina Ca-
etano, as vantagens e potencialidades dos li-
vros eletrônicos são muito atraentes, como
maior acessibilidade a uma mesma obra e ao
mesmo tempo, maior interatividade com ima-
gens e vídeos e possibilidade de hiperlinks.
“Tudo isso contribui para a aprendizagem dos
discentes e agrega valor ao processo de ensino
e pesquisa acadêmica. O desafio do bibliotecá-
rio é possibilitar a independência das pessoas
na busca das informações e do conhecimento:
esta deve ser a meta dos bibliotecários da
UFJF, principalmente neste momento de novas
fontes de informação científica.” Para Ana Ca-
rolina, o plano de trabalho a ser desenvolvido
tem de ser a via da educação. “Por meio de
programas de capacitação dos leitores/pes-
quisadores, podemos demonstrar as funciona-
lidades e as potencialidades das novas fontes
de informação.”
61A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
Ritmo frenético da cidade oculta belezas arquitetônicas das galerias Texto de Frederico Braida e José Gustavo Francis Abdalla*
Fotos de Gleice Lisboa*
ENSaiO FOTOGRÁFiCO
61A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013
Galeria Pio X
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201362
Tanto as fotografias quanto as galerias
comerciais apresentam-se como ele-
mentos de uma nova era em que a in-
dústria e a tecnologia são emblemáticas. Em-
bora as imagens fotográficas tenham seus
princípios e processos na câmera escura, já
conhecida há muito tempo, e as galerias en-
contrem seus elementos referenciais nos baza-
res do Oriente Médio, ou até mesmo no Merca-
do de Trajano, em Roma, Itália, elas podem ser
consideradas como inovações do século XIX.
Concebidas primeiramente como uma “máqui-
na de circular”, as passagens europeias torna-
ram-se cenários propícios para toda espécie
de consumo de necessidades, além de ofere-
cerem um lugar para o homem moderno pas-
sear e exibir-se. Não por acaso Walter Benja-
min afirmava ser a galeria parisiense a casa do
flâneur, daquele que passeava sem destino,
fotografando a cidade, entregue ao espetáculo
do momento, cujo objetivo não era outro se-
não ver e ser visto.
ENSaiO FOTOGRÁFiCO
Galeria Constança Valadares
63A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
Entretanto, ao longo dos séculos XIX e XX, su-
cumbidas à transitoriedade inerente à vida
moderna e suas transformações sociais, tecno-
lógicas e urbanas, as galerias europeias acaba-
ram sendo consideradas anacrônicas e entra-
ram em um processo de deterioração e, em
diversos casos, completo abandono. Mesmo
assim, as galerias se espalharam por pratica-
mente toda Europa e Américas.
No contexto da América Latina, as galerias co-
merciais começaram a ser edificadas nas pri-
meiras décadas do século XX. Embora menos
glamourosas, elas têm se mostrado, ainda nos
dias de hoje, como espaços de vitalidade para
consideráveis áreas centrais de muitas cidades,
conforme estudos apresentados no livro “Pas-
sagens em rede: a dinâmica das galerias co-
merciais e dos calçadões nos centros de Juiz
de Fora e de Buenos Aires”, lançado recente-
mente pelas editoras Funalfa e Editora UFJF,
de autoria do pesquisador e professor do De-
partamento de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),
Frederico Braida.
ENSaiO FOTOGRÁFiCO
Galeria Constança Valadares
Galeria Francisco Borragi
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201364
Em Juiz de Fora, o advento das galerias se deu
com a construção do edifício-galeria Pio X,
pela Pantaleone Arcuri, em 1923, quando a ci-
dade já se encontrava em um momento poste-
rior à pujança industrial que vinha ocorrendo
desde o último quartel do século XIX. A partir
de então, diversos edifícios-galerias têm sido
erguidos. E, para entender o valor desses edifí-
cios, aponta-se: sua quantidade na área central
e o desenho labiríntico que fazem para os per-
cursos na cidade; a arquitetura com uma nave
simples, linear e estreita que cativa o cidadão;
e o aspecto social que, por causa da densidade
e divisão do solo, permite pequenos negócios
estarem no lugar central.
Tais características fazem das galerias comer-
ciais, construções marcantes na imagem do
centro de Juiz de Fora, onde os transeuntes se
deparam com caminhos surpreendentes, não
publicamente planejados. E, são esses cami-
nhos, de exuberantes pisos e tetos, cuja arqui-
tetura muitas vezes fica ocultada pelo acelera-
do ritmo da vida cotidiana, que ganham visibi-
lidade neste ensaio fotográfico, pelas lentes de
Gleice Lisboa.
ENSaiO FOTOGRÁFiCO
A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201364
Galeria Pio XGaleria Francisco Borragi
Galeria Pio X
65A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
* Frederico Braida e José Gustavo Francis Abdalla, professores doutores do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFJF
* Gleice Lisboa Marques, professora do Departamento de Artes da UFJF
ENSaiO FOTOGRÁFiCO
Galeria Belford Arantes
Galeria Francisco BorragiGaleria Pio X
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201366
abaixo, percorrendo os anos que separavam o
iniciado da iniciação. Também havia, é verdade,
aqueles passos a me seguir, em qualquer canto
da casa.
No entanto, quando os livros perfuraram
o círculo de fogo no qual me joguei, sem
perceber, eles começaram a levar vantagem, e
não houve mais jeito para nada. Eles cercearam
a mesa, calaram as vozes e se tornaram um
enclave de traição entre nós dois. Ou um
paraíso antecipado para a perdição. Um
paraíso de papel e de redemoinhos no fundo
da página.
Apesar da fuligem, as ruas conservavam
uma luz que só uma ilha poderia
suportar e dosar de acordo com a
contração das ondas.
Eu achava aquele ritmo semi-molhado, aqueles
dias todos iguais, quase um vício, como uma
mosca zumbindo ao redor da mesma ideia. A
umidade e as plantas, lá fora, atravessavam em
cheio o cerne da juventude.
Foram os dias em que o amarelo escorreu pelos
cantos da boca. Ainda não levava jeito com a
faca e a fruta, por isso o suco escorreu pelo
pescoço, uma vez, mais vezes, descendo peito
Dizem que as melhores coisas não acontecem
por acaso. Não sei dizer por certo, mais se
isso for verdade, o destino não podia ser
mais generoso comigo, uma vez que me
deixou como herança daquele esconderijo na
memória a faca, a fruta e a livraria, cuja janela
lateral dava de cara para a casa de Lezama
Lima.
Prisca Agustoni*
Bésame Mucho
*Conto extraído do livro “A neve ilícita”, de Prisca Agustoni, mestre em Letras Hispânicas pela Universidade de Genebra (Suíça); doutora em Literatura Comparada pela PUC-MG; professora de Letras Estrangeiras Modernas da Faculdade de Letras da UFJF
Editora Nankin (http://www.nankin.com.br/)
lEia-ME
Ilustração: Jo
viana F
ernan
des M
arqu
es
67A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013
Para gerar conhecimentoPara gerar inovaçãoPara gerar desenvolvimento econômicoPara gerar empregos
Para virar notícia e entrar na história.
Parque CientífiCo e teCnológiCode Juiz de fora
Um espaço para empresas, centros públicos e privados de pesquisa, desenvolvimento e inovação, prestadores de serviços tecnológicos complexos e de apoio às atividades tecnológicas.
A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201368
“Esp
aço Interno
do
ICE
” de B
árbara B
otelho
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