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Curso de Direito
O PROCEDIMENTO MONITÓRIO NO
DIREITO POSITIVO BRASILEIRO.
SILVANA REGINA GENEROZO SANTOS RA: 433.442-1 Turma 329G
SÃO PAULO
2003
SILVANA REGINA GENEROZO SANTOS
“O PROCEDIMENTO MONITÓRIO NO DIREITO POSITIVO
BRASILEIRO”
Monografia apresentada à banca examinadora do
Centro Universitário das Faculdades
Metropolitanas Unidas, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Bacharel em Direito,
sob a orientação do Professor Ailton Cocurutto.
São Paulo
2003
BANCA EXAMINADORA:
Professor Orientador : __________________________________
Professor Ailton Cocurutto
Professor Argüidor : __________________________________
Professor Argüidor : __________________________________
Dedico esta pesquisa ao meu pai (in memorian),
formador do meu caráter, ao meu esposo, Ricardo,
e aos meus filhos, Ricardo Augusto e Guilherme,
pelo incentivo, compreensão e amor que nos une.
Agradeço aos professores da UNI FMU,
especialmente ao Professor Ailton Cocurutto,
abençoado com o dom de ensinar e grande
incentivador.
SINOPSE
A lei n. 9.079, de 14 de julho de 1995, acrescentou ao Livro IV,
Título I, do Código de Processo Civil, o Capítulo XV, com os artigos 1.102 a,
1.102 b e 1.102 c, instituindo a ação monitória.
A inclusão ocorreu dentro dos procedimentos especiais de
jurisdição contenciosa e segue a linha de reforma do Código, desencadeada a
partir de 1992, no sentido de dar maior efetividade à atuação jurisdicional.
Instrumento eficaz no direito europeu, tem como objetivo
primordial a desburocratização, agilidade e efetividade à tutela jurisdicional,
abreviando a formação do título executivo e dispensando o moroso e
dispendioso procedimento comum.
O procedimento da ação monitória consiste na emanação de uma
ordem do juiz , conforme o pedido do credor , para que o devedor pague uma
importância em dinheiro, ou uma quantidade certa de coisas fungíveis. Nesse
caso, facultam-se embargos ao devedor, e, na falta destes, a ordem adquirirá o
valor de uma sentença condenatória passada em julgado.
Cabe ressaltar, que a ação monitória possui, entre outras, uma
característica particular, ou seja, a técnica fundamenta-se na incontestabilidade,
aguardando que o devedor não venha a criar oposições e possibilitando, com
isso, a constituição do mandado em título executivo.
Assim, o propósito especial da ação monitória é alcançar a
formação de um título executivo sem que a ação de condenação seja exercitada
nos moldes da cognição em contraditório.
SUMÁRIO
SINOPSE ..............................................................................................................
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 1
1. DA AÇÃO MONITÓRIA
1.1 A Relevância do tema .......................................................................... 4
1.2 Tutela jurisdicional antecipada ............................................................. 6
1.3 Noção de procedimento monitório ...................................................... 10
2. ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ................................................ 13
3. O PROCEDIMENTO MONITÓRIO NO DIREITO COMPARADO.... 16
3.1 O Procedimento monitório no Direito Alemão ..................................... 17
3.2 O procedimento injuncional ou monitório italiano ............................... 18
3.3 O procedimento monitório Francês ....................................................... 20
4. NATUREZA JURÍDICA DO PROCEDIMENTO MONITÓRIO........ 22
5. A INTRODUÇÃO DO PROCEDIMENTO MONITÓRIO NO DIREITO
POSITIVO BRASILEIRO ................................................................ 26
5.1 Objeto e alcance da ação monitória ...................................................... 28
5.2 Conceito e Características .................................................................... 29
5.3 Hipóteses de cabimento ......................................................................... 31
5.4 Elementos da ação monitória ................................................................. 34
5.5 Condições da ação no Procedimento Monitório .................................... 37
5.6 Legitimidade ativa e passiva no procedimento ..................................... 39
5.7 Interesse de agir no procedimento ........................................................ 41
5.6 Possibilidade jurídica no procedimento ................................................ 42
6. DA PROVA ESCRITA E SEUS REQUISITOS ...................................... 43
7. FASE MONITÓRIA – PROPOSITURA DA DEMANDA...................... 46
7.1 Juízo inicial de admissibilidade ............................................................ 47
7.2 Mandado de pagamento ou de entrega .................................................. 48
7.3 Natureza da decisão liminar .................................................................. 49
7.4 Citação e intimação ............................................................................... 49
7.5 As três possíveis condutas do réu .......................................................... 50
7.6 Cumprimento do mandado e a dispensa dos encargos da sucumbência. 51
8. EMBARGOS AO MANDADO MONITÓRIO ....................................... 52
8.1 Da natureza jurídica dos embargos ......................................................... 53
8.2 Natureza e efeitos da sentença proferida nos embargos ao mandado ... 55
9. DISTINÇÃO ENTRE OS EMBARGOS À EXECUÇÃO E OS
EMBARGOS NA AÇÃO MONITÓRIA ................................................ 55
9.1 Partes nos embargos ao mandado monitório......................................... 55
9.2 Cognição plena ...................................................................................... 56
9.3 Ônus da prova ........................................................................................ 57
9.4 Natureza e efeitos da sentença proferida nos embargos ao mandado... 57
10. DA ADMISSIBILIDADE DO PROCEDIMENTO EM FACE DA
FAZENDA PÚBLICA .............................................................................. 60
11. RECURSOS NO PROCEDIMENTO MONITÓRIO .......................... 63
12. FASE EXECUTIVA DO PROCEDIMENTO MONITÓRIO............... 65
12.1 Inadmissíveis os embargos à execução ............................................. 65
13. CONSEQÜÊNCIAS PROCESSUAIS SOBRE A CONTUMÁCIA DO
DEVEDOR ............................................................................................. 67
14. A COISA JULGADA NO PROCEDIMENTO MONITÓRIO........... 69
15. A INVIABILIDADE DA AÇÃO RESCISÓRIA NO PROCEDIMENTO
MONITÓRIO ......................................................................................... 72
16 . FLUXOGRAMA – PROCEIDMENTO DA AÇÃO MONITÓRIA.... 74
17. CONCLUSÃO ........................................................................................... 75
18. BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 77
INTRODUÇÃO
O direito processual não pode caminhar de forma desvinculada com
o direito material, o processo foi concebido para o direito material e não o
contrário. Não se pode dizer hoje em dia que, a idéia da tutela jurisdicional, se
resume apenas a uma sentença, pois o jurisdicionado não deseja apenas uma
declaração dizendo que ele tem direito, ele aspira real efetivação de sua
pretensão, ou seja, o bem da vida objeto da lide. Desta forma , a tutela
jurisdicional revela-se muito mais ampla, pois está intimamente ligada a noção
de acesso a uma ordem jurídica justa e a própria efetividade do processo.
É sabido também que o processo comporta vários procedimentos. O
mais comum de todos esses procedimentos é o ordinário.
O grande problema que aflige a solução dos litígios é a demora para
resolver o conflito na jurisdição Estatal. O tempo é o grande obstáculo para a
correta distribuição de justiça.
No processo de conhecimento, o juiz julga com base no
conhecimento total dos fatos, trata-se de um procedimento de cognição plena e
exauriente, com vistas a solução definitiva com base num denominado juízo de
certeza.
A cognição nada mais é que a aquisição de um conhecimento. O
magistrado no decorrer do processo toma conhecimento de todo o conjunto
probatório existente nos autos.
Diante do impacto ocasionado pela evolução dos fenômenos sociais
da época contemporânea, inúmeras transformações têm sido verificadas na
esfera do direito em geral e do processo civil em particular.
Na verdade, com o objetivo de agilizar a prestação jurisdicional, o
Código de Processo Civil sofreu importantes alterações, que devem ser bem
compreendidas para melhor aplicabilidade, pois do contrário, seus efeitos não
atenderão aos reclamos dos jurisdicionados.
Relegando a um plano secundário as construções de cunho teórico,
que tanta relevância ostentaram até há bem pouco tempo, os processualistas
passaram a preocupar-se com um valor fundamental, ínsito à tutela dos direitos,
qual seja, a imprescindibilidade da efetividade do processo, enquanto
instrumento de realização da justiça.1
Como adverte , Barbosa Moreira, “ toma-se consciência cada vez
mais clara da função instrumental do processo e da necessidade de fazê-lo
desempenhar de maneira efetiva o papel que lhe toca”.2
Dessa forma, a ação monitória, como novo instituto, inserido em
nosso ordenamento jurídico, passou a ser abordada em todos os seus aspectos a
fim de esclarecer as suas particularidades e seu efetivo atendimento ao meio
pelo qual foi introduzida.
Como procedimento de injunção na Itália e França, destacou-se no
Brasil pela estrutura legislativa que possibilita a celeridade para a obtenção do
título executivo judicial, possuindo a tutela monitória do ponto de vista
estrutural, sem dúvida um procedimento simples e acessível .
A ação monitória veio, assegurar de maneira efetiva ao credor que
possui crédito não satisfeito – demonstrado por documento escrito- o direito à
tutela jurídica pela via específica.
A oferta da tutela monitória não exclui a possibilidade de utilização
do procedimento comum, não possui caráter de exclusividade, mas sim de
faculdade ao credor.
O credor optando pela ação monitória, deverá atentar para a
fundamentação dos fatos, a constituição de seu crédito e a conseqüente violação
de seu direito. A especificação do pedido que conterá: a) expedição do mandado
de pagamento ou entrega da coisa no prazo de quinze dias; b) conversão do
mandado inicial em título executivo, no caso do não cumprimento e não
1 José Rogério Cruz e Tucci, A ação Monitória, op. cit., p.17. 2 Barbosa Moreira. Tendências contemporâneas do direito processual civil, Temas de direito processual, Op. cit., p.3.
oposição de embargos pelo devedor; c) prosseguimento na forma do processo de
execução.
Com o deferimento da inicial, será expedido mandado de
pagamento ou de entrega da coisa, procedendo-se, assim, à citação do réu, com a
conseqüente formação da relação processual,3 possibilitando o contraditório ao
suposto devedor, este terá oportunidade de apresentar embargos no prazo de
quinze dias.
Prosseguindo com o dispositivo legal , em seu artigo 1.102c, não
oferecidos os embargos ou sendo rejeitados, “constituir-se-á, de pleno direito, o
título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado
executivo.”
Concluindo, o credor poderá utilizar a ação monitória quando tiver
direito de receber quantia em dinheiro ou pretender a entrega de coisa fungível
ou determinado bem móvel, desde que preencha os demais requisitos exigidos.
1. DA AÇÃO MONITÓRIA
1.1 A RELEVÂNCIA DO TEMA
Descrevendo os males que determinam o retardamento da prestação
jurisdicional, Proto Pisani mostra que a ideologia liberal-individualista dos fins
do século XIX e da primeira metade do século XX imaginava com absoluta
certeza que a técnica do procedimento ordinário resultava idônea a tutelar um rol
3 Edilton Meireles, A ação de execução monitória, op.cit., p.17.
infinito de direitos. Anota, assim, que o caráter mistificador decorrente do
pressuposto teórico da igualdade formal das partes ensejou, de modo fecundo, o
culto acrítico àquela forma de procedimento.
Todavia, em época mais recente, dada a inequívoca evolução
científica e tecnológica do processo civil, observa-se que o tradicional modelo
do procedimento ordinário é completamente inadequado para assegurar uma
tutela jurisdicional efetiva a todas as situações de vantagem, enfim a todos os
direitos que reclamam uma tutela de urgência.4
E, por isso, entre muitas e abalizadas opiniões convergentes,
conclui-se que o procedimento ordinário, como técnica universal de solução de
litígios, deve ser substituído, na medida do possível, por outras estruturas
procedimentais, mais condizentes com a espécie de direito material a ser
tutelado.
Diante desse desafio para o aprimoramento do sistema jurisdicional,
abstração feita das inúmeras incongruências resultantes de uma arcaica
organização judiciária, os processualistas procuram encontrar um equilíbrio,
tanto quanto possível harmônico, entre técnica de tutela substancial e
assecuração das garantias processuais.
Nessa última reforma do Código de Processo Civil, o legislador
buscou, novamente, eliminar os pontos de estrangulamento do processo e
acelerar o quanto possível o seu andamento , procurando, com isso, contribuir
no sentido de eliminar numerosas causas de obstaculização processual
responsáveis há muito pelo morosidade imputada à Justiça.5
4 Andrea PROTO PISANI, apud José Rogério Cruz e TUCCI, Ação Monitória 5 RT 734/71, 1996.
Com a proposta de introduzir a ação monitória no direito processual
civil brasileiro, veio com ela um dos objetivos primordiais, o de desburocratizar,
agilizar e dar efetividade à tutela jurisdicional.6
O processo monitório foi introduzido no sistema jurídico-processual
brasileiro pela Lei n.9.079, de 14.7.95, e resulta da fusão de atos típicos de
cognição e de execução, sendo informado, ainda, pela técnica da inversão do
contraditório.
É dotado de uma estrutura procedimental diferenciada,
representando o produto final da fusão de técnicas relacionadas ao processo de
conhecimento e de execução, somadas à da inversão do contraditório,
aglutinando em uma só base processual atividades cognitivas e de execução.
Trata-se de processo especial, integrado por atos típicos de
cognição e de execução, nos quais, esgotada a fase de cognição e obtida a
sentença de mérito, passa-se imediatamente à execução (execução lato sensu),
sem a necessidade de instauração de um novo processo. Trata-se, em suma, de
um processo que se desenvolve segundo a postura assumida pelo réu.
Difere dos demais, porém, pela sua aptidão para produzir, mesmo à
margem do contraditório pleno, provimentos jurisdicionais que, embora não se
corporifiquem em sentenças de mérito, são definitos, como a seu tempo será
demonstrado.
Não obstante a especialidade de seu procedimento, o certo é que
não existe restrição à utilização do procedimento comum, podendo o credor
optar pela via normal da ação condenatória.7
6 J.E.Carreira ALVIM. Ação Monitória e temas polêmicos da reforma processual , op., cit. p.149. 7 Edilton MEIRELES, Ação de execução monitória. 1997.
1.2 TUTELA JURISDICIONAL DIFERENCIADA
Acerca das novas exigências do direito processual civil, Olvídio
Baptista da Silva assevera que a maior novidade científica, no âmbito desse
ramo jurídico, passou a ser a incessante revitalização de modelos extra ordinem
de tutela, classificados pelos juristas como espécies de tutela jurisdicional
diferenciada.8
Tenha-se presente que a locução tutela jurisdicional diferenciada,
cunhada inicialmente por Proto Pisani, é utilizada para indicar, em contraposição
ao procedimento ordinário, a reunião de vários procedimentos- estruturados a
partir de peculiaridades de certas categorias de situações substanciais- de
natureza plenária ou sumária e que se apresentam como uma das vertentes para
sintonizar a justiça civil às garantias processuais ditadas pelo texto
constitucional.9
Donaldo Armelin, em idêntico senso, admite que “a temática de
uma tutela jurisdicional diferenciada posta em evidência notadamente e também
em virtude da atualidade do questionamento a respeito da efetividade do
processo, prende-se talvez mais remotamente à própria questão da indispensável
adaptabilidade da prestação jurisdicional e dos instrumentos que a propiciam à
finalidade dessa mesma tutela. Realmente, presentes diferenciados objetivos a
serem alcançados por uma prestação jurisdicional efetiva, não há por que se
manter um tipo unitário desta ou dos instrumentos indispensáveis a sua
corporificação. A vinculação do tipo de prestação à sua finalidade específica
espelha a atendibilidade desta; a adequação do instrumento ao seu escopo
potencia o seu tônus de efetividade.”
8 Ovídio A . Baptista da SILVA, Curso de processo civil, v.1, Porto Alegre : Sérgio Fabris, 1987, cit. p.87. 9 Andrea PROTO PISANI, apud José Rogério Cruz e TUCCI.
Essa permanente exigência de conformação da tutela jurisdicional e
de seus respectivos instrumentos ao seu escopo afigura-se, em época presente,
exaltada em razão do crescimento do indesejável fenômeno da morosidade da
prestação jurisdicional. 10
Ressalte-se, contudo, que essa técnica de tutela diferenciada,
propiciadora, em regra, da precipitação temporal dos efeitos da decisão final,
tem acarretado muita controvérsia, dado o risco de ensejar a sumarização
generalizada do processo de conhecimento.
Seja como for, ensina Proto Pisani que três são os motivos que
justificam , como técnica procedimental visando a diminuir a duração do
processo, a adoção da denominada sumária lato sensu, a saber:
1) o de evitar ( às partes e à administração da justiça) o custo do processo de
cognição plenária quando este não é presumivelmente justificado por uma
contestação plausível: esta categoria engloba os títulos executivos
extrajudiciais, o procedimento monitório etc.;
2) o de assegurar a efetividade da tutela jurisdicional nas situações de vantagem,
que, tendo conteúdo e/ou função (exclusiva ou prevalentemente) não
patrimonial, sofreriam dano irreparável decorrente do longo tempo
necessário para o desfecho da demanda plenária: esta compreende a tutela
sumária antecipatória cautelar e não cautelar determinada por razões de
urgência; e,
3) o de evitar o abuso do direito de defesa pelo réu( mediante o emprego dos
instrumentos de garantia previstos no procedimento ordinário do processo de
conhecimento), que, também, produziria dano irreparável ao demandante, 10 Apud ARMELIN, Donaldo. Tutela jurisdicional diferenciada, Repro, 65 (1992):45.
derivado da inerente duração da cusa: esta encerra as medidas cautelares
conservativas e a condenação com reserva de exceções.11
Considerando, por certo, tais pressupostos, com o intuito deliberado
de acelerar a marcha procedimental, no sentido de outorgar ao processo de
conhecimento a missão que lhe é reservada, a recente reforma italiana,
introduzida pela Lei 353, de 26 de novembro de 1990 (Provvedimenti urgenti
per il processo civile), conferiu considerável ênfase a novas (ou revigoradas)
formas de tutela. 12
Optando por um critério restritivo, o legislador italiano admitiu a
antecipação da eficácia condenatória do julgado em apenas duas hipóteses:
a) quando o réu, embora constituído nos autos, deixar de contestar a quantia
cobrada;
b) quando concorrerem os pressupostos reclamados para o procedimento
monitório. Em contrapartida, almejando valorizar o procedimento de
primeiro grau, a reforma peninsular prevê, como regra, a exequibilidade
provisória da sentença.
No Brasil, o exemplo mais significativo desse desejo de superar as
agruras do procedimento ordinário é a nova configuração do art. 273, que
propicia, no plano teórico, o acesso a uma justiça efetiva a todos os
jurisdicionados.
Nesse exato sentido, Cândido Dinamarco , pontua que o “ novo art.
273 do Código de Processo Civil, ao instituir de modo explícito e generalizado a
11 Andrea PROTO PISANI apud José Rogério Cruz e TUCCI. 12 Forçoso reconhecer que a adoção dessa técnica por país membro da Comunidade Comum Européia coloca-se em perfeita harmonia, no plano político, com a orientação decorrente da Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem- art. 6º: “ Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada equitativa e publicamente num prazo razoável...”
antecipação dos efeitos da tutela pretendida, veio com o objetivo de ser uma
arma poderosíssima contra os males corrosivos do tempo no processo”.13
Desse modo, o novo regime do art. 273 generalizou a antecipação
da tutela no âmbito do procedimento comum do processo de conhecimento.
Havendo prova preconstituída inequívoca, hábil a fornecer ao julgador alto grau
de probabilidade, deve ser deferida:
a) quando houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação,
desde que não haja perigo de irreversibilidade do provimento antecipatório;
ou
b) quando ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o inequívoco
intuito protelatório do réu.
Diante do exposto, fácil fica concluir que essa tendência atual, com
a finalidade de acelerar a marcha procedimental, deve ser individuada na
intolerância da excessiva lentidão da estrutura do processo tradicional, posto
resultar pacífico que a rápida prestação jurisdicional é elemento indispensável
para a efetiva atuação das garantias constitucionais da ação e defesa.
No Brasil, igualmente, essa tomada de posição não decorre
simplesmente da pressão exercida pela sociedade civil e pelos operadores do
direito, mas, inclusive, por regra de índole supranacional: Convenção Americana
sobre Direitos Humanos ( Pacto de São José da Costa Rica)- art. 8º: “ Toda
pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo
razoável...”. Desnecessário lembrar que a norma emergente desse dispositivo
tem plena vigência em território brasileiro, uma vez que o § 2º do art. 5º da
Constituição Federal recepciona as garantias consagradas em tratados
internacionais dos quais o Brasil seja signatário.
13 Cândido Rangel DINAMARCO, A reforma do Código de Processo Civil, op. cit., p.140.
1.3 NOÇÃO DE PROCEDIMENTO MONITÓRIO
Antes de mais nada, é necessário recordar a regra segundo a qual
para a execução afigura-se imprescindível a existência de um título: nulla
executio sine titulo. Enquanto no processo cognitivo basta a simples alegação de
um direito para invocar-se a tutela jurisdicional, o processo de execução apenas
se viabiliza àquele que se apresenta portador de título executivo. 14
Com efeito, o direito do jurisdicionado de obter a tutela executiva
do Estado nasce apenas quando aquele estiver previamente munido de uma
declaração de certeza de natureza condenatória. Para isso , vale dizer, para
conquistar o título executivo, o interessado deverá recorrer inicialmente ao
processo de conhecimento.15
Por outro lado , ensina Calamandrei, nada obsta a que a cognição
prévia seja reduzida, ou mesmo suprimida, tantas vezes quantas o ordenamento
jurídico oferecer para a construção do título executivo meios mais rápidos e
econômicos do que a via, lenta, complicada e dispendiosa, do procedimento
ordinário.16
Desse modo, ao lado dos títulos executivos extrajudiciais, existem
técnicas especiais de processo de cognição que têm a função de formar o título
executivo de modo mais célere. Entre tais técnicas de sumarização de cognitio
insere-se a do procedimento monitório, no qual o juiz emite uma ordem liminar,
inaudita altera parte, determinando que o devedor pague certa quantia ou
entregue uma coisa ao credor.17
14 Humberto THEODORO JÚNIOR. Processo de Execução, op.cit., pp. 11-12. 15 José Rogério Cruz TUCCI. A ação Monitória . op. cit., p.28. 16 Piero CALAMANDREI, apud. J. E. Carreira Alvim, Ação monitória e temas polêmicos da reforma processual 17 José Rogério Cruz TUCCI. A ação Monitória . Op.cit., p.28.
Esclarece, a propósito, Proto Pisani que tal técnica ( ou seja, a
possibilidade de obter-se, com ausência do contraditório, um pronunciamento
judicial de natureza condenatória, cuja eficácia é condicionada à não oposição
do devedor) utiliza o mecanismo da provocatio ad opponendum com
conseqüente impositio silentii, no que se refere à estabilidade do título
executivo. 18
Esse tipo de tutela jurisdicional diferenciada tem então por escopo-
consoante afirma Perrot- superar a inércia do devedor, incitando-o a abandonar a
“conjura de silêncio”, o “coma jurídico”, ao possibilitar, mediante procedimento
simples e expedito, a obtenção, pelo credor, de título executivo. A sua
originalidade encontra-se na situação de vantagem inicial do credor, fazendo
com que o devedor suporte as conseqüências de sua inércia.19
Para que a técnica do procedimento monitório seja eficaz, explica
ainda Chiovenda que se faz “mister contar-se com a raridade normal de
pretensões infundadas e de oposições dilatórias assim como esperar que seja
exíguo o número das impugnações em relação ao das ordens de pagamento
expedidas. A não ser assim, suposta, de um lado, a liberdade de provocar ordens
e, de outro, a liberdade de privá-las de valor com a simples impugnação, o
processo monitório pode transformar-se em fácil instrumento de vexames ou em
causa de inúteis complicações processuais.20
18 Andrea PROTO PISANI, apud. José Rogério Cruz e Tucci. 19 Roger PERROT, apud José Rogério Cruz e Tucci , Ação Monitória. 20 Giuseppe CHIOVENDA, apud J.E.Carreira Alvim.
2. ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O processo monitório tem suas raízes no procedimento do
mandatum de solvendo cum clausula iustificativa ( ou praeceptum executivum
sine causae cognitione), inspirado no procedimento canônico da summaria
cognitio, que tinha por objetivo a abreviação da duração dos processos.
Através desse procedimento ficava o juiz autorizado a emitir em
favor do credor- e sem a prévia citação do devedor- ordem de pagamento
envolvendo pequemos créditos ( o mandatum de solvendo), que permitia a
execução; mas essa ordem devia vir acompanhada de clausula iustificativa, ou
seja, a de que o devedor, querendo opor defesa, deveria fazê-lo dentro de um
certo tempo. Apresentada oposição ao mandatum, este tinha sua eficácia
tolhida.21
Direito luso-brasileiro – Ação de Assinação de Dez dias
As Ordenações Manoelinas e Filipinas continham um procedimento
similar ao mandatum de solvendo cum clausula iustificativa, qual seja, o da ação
de assinação de dez dias, ou ação decendiária, que, “poderia ser ajuizada pelo
credor para haver do devedor quantia certa ou coisa determinada, conforme
provasse escritura pública ou alvará feito e assinado”.22
Dispunha o proêmio do título 16 do livro 3 das Ordenações
Manoelinas que as demandas que são fundadas em escrituras públicas “devem
com muita razão mais brevemente ser acabadas, e para que os credores possam
sem delonga cobrar o que lhe for devido, e seu pagamento não delongue com as
maliciosas exceções, que os devedores muitas vezes põem ao que por escrituras
públicas estão obrigados”.
Recepcionando literalmente o texto manoelino, as Ordenações Filipinas iriam
determinar, no livro 3, título 25, que o réu, citado para pagar ou entregar a coisa
a que estava obrigado em tais hipóteses, deveria provar nos dez dias
subseqüentes “qualquer razão que tiver para não cumprir o que assim pela
escritura ou alvará se mostrar ser obrigado.”
Todavia, “ passados os dez dias, não mostrando, nem provando o
réu paga, ou quitação, ou outra tal razão, que o desobrigue de paga, seja logo
21 Antonio Carlos MARCATO. Procedimentos Especiais. 22 José Rogério Cruz TUCCI. A ação Monitória. op.cit., p.36.
condenado por sentença, que pague ao autor tudo aquilo, em que assim se
mostrar ser obrigado”.23
O regulamento 737, de 1850, originalmente aplicável apenas às
causas comerciais, também passou a regular as cíveis por força do Decreto 763,
de 19.9.1890.
Com o advento da Constituição de 1801 os Estados-membros foram
autorizados a legislar sobre processo (art.24, n.22, e art. 65, n.2, conjugados),
continuando o Regulamento n. 737 a vigorar apenas naqueles que não adotaram
um código de processo civil particular.24
Os códigos de São Paulo ( arts. 767 a 771) e da Bahia ( arts.340 a
354), no entanto, cuidaram de discipliná-la de modo minudente, considerando-a
como a demanda que “ compete ao credor por obrigação líquida e certa a que
não tenha a lei atribuído ação executiva”. Uma vez ajuizada, “o reú será citado
para na primeira audiência vir ver assinar-lhe o prazo de dez dia para pagar ou
alegar e provar sua defesa por meio de embargos. Na audiência de citação,
acusada esta, o autor assinará ao reú o prazo de dez dias para efetuar o
pagamento ou oferecer embargos que tiver. Dessa assinação dos dez dias é que
23 Ordenações Filipinas, 3.25.pr. 24 Conforme exposto em nosso O processo monitório brasileiro (nn.7 e 8, pp. 35 e ss), entre os diplomas estaduais que trataram da ação decendiária merece destaque o paulista, que a regulou no Capítulo XVIII de seu Livro V (“Do Processo Especial”), dedicando-lhe os artigos 767 a 771. Essa ação cabia “ao credor por obrigação líquida e certa a que não (tivesse) a lei attribuido acção executiva”, seno o réu” citado para na primeira audiencia vir ver assignar-se-lhe o prazo de dez dia para pagar ou allegar e provar sua defesa por meio de embargos”. Decorrido o decêndio, os autos iam conclusos ao juiz, que adotaria, diante do comportamento do réu, em entre as seguintes providências: proferiria sentença definitiva, caso o réu não houvesse pago ou oferecido embargos- ou, ofertando-os, fossem considerados irrelevantes; condenaria o réu, apesar da relevância dos embargos, se os mesmos não fossem detidamente provados dentro do decêndio; e finalmente, recebia os embargos para discussão- e sem condenação- se os mesmos fossem relevantes e cumpridamente provados ( art.769). A teor do artigo 770, uma vez recebidos os embargos com ou sem condenação- e extraída, no primeiro caso, a carta de sentença, a permitir a execução provisória-, abria-se para o autor a oportunidade de contestá-los, “ prosseguindo a causa summaria ou ordinariamente, conforme a hypothese ( arts. 474 e 478)”, adotando-se um ou outro dos procedimentos com base no valor da obrigação: sumário, se o valor não ultrapassasse cinco contos de réis; ordinário, nos demais casos.
vem a de nominação decendiária ou de assinação de dez dias atribuída a essa
ação. 25
Em 1º de março de 1940 entra em vigor nosso primeiro Código de
Processo Civil nacional ( Decreto- lei n. 1.608, de 18.9.39), que não contemplou
a ação decendiária.
3. O PROCEDIMENTO MONITÓRIO NO DIREITO
COMPARADO
Os processos monitórios europeus: Os processos monitórios ou de
injunção variam no moderno direito europeu, seja quanto às suas condições, seja
quanto ao seu objeto, exigindo alguns que o direito do autor venha fundando em
documento ( v.g., o mandatsverfahren austríaco e o procedimento d’ingiunzione
25Antonio Luiz da CAMARA LEAL, apud José Rogério Cruz e Tucci, Ação Monitória.
italiano), outros, não ( v.g., o Manverfahren alemão, Manverfahren austríaco e o
Dwangbevelprocedure holandês); alguns são aplicáveis também às prestações
que não exclusivamente de dinheiro ( v.g, o procedimento d’ingiunzione
italiano), outros se mostram adequados exclusivamente às prestações
pecuniárias ( v.g, a injonction de payer francesas). Considerando, todavia, as
suas origens e seu objeto, a doutrina costuma classificá-los em procedimentos
puro e documental.26
O puro caracteriza-se, em linhas gerais, tanto pela circunstância de
a demanda vir fundada sobre fatos meramente afirmados, mas não provados,
quanto pela circunstância de o provimento emanado inaudita altera parte ficar
suspensivamente condicionado à oposição tempestiva do devedor, oposição,
esta, que, se efetivada, priva o provimento da possiblidade de adquirir qualquer
eficácia.
Então da afirmação do credor surge não um verdadeiro e pr´prio
provimento, mas uma esperança de provimento, a qual desaparece totalmente se
o devedor deduzir oposição. Por conseqüência, não se admite a execução
provisória na pendência do prazo para a oposição, ou no curso do processo de
oposição, tendo este por objeto, exclusivamente, o reconhecimento da existência
ou não do direito afirmado pelo credor- até porque não existe preexiste qualquer
provimento dotado de eficácia executiva.
Já o modelo documental é caracterizado pela circunstância de a
demanda vir fundada sobre fatos provados documentalmente e, ainda, de o
provimento emanado inaudita altera parte ficar resolutivamente condicionado ao
acolhimento da oposição deduzida pelo réu. Da afirmação do credor, provada
documentalmente, surge um verdadeiro provimento, que pode ser declarado
provisoriamente executivo na pendência do prazo para propor a oposição ou no 26 Antonio Carlos MARCATO. Procedimentos Especiais. op. cit., p.221.
curso do juízo desta, e é destinado a subsistir na hipóteses de extinção do
processo de oposição.
3.1 O PROCEDIMENTO MONITÓRIO NO DIREITO ALEMÃO
O mais peculiar exemplo de procedimento monitório puro é o
Mahnverfahren alemão, que exerceu inegável influência, em maior ou menor
escala, sobre o procedimento similar adotado por alguns países integrantes da
Comunidade Européia, pelas qualidades que ostenta.
O objetivo do Mahnverfahren alemão é o de obter para o credor um
título executivo sem debates e sem necessidade de qualquer prova documental,
sendo caracterizado pela natureza do crédito, pelo seu caráter unilateral (
exclusão do contraditório, ausência de debates) e pelo seu objetivo (a obtenção
rápida e sem maiores formalidades de um título executivo).27
Na verdade, no monitório alemão, o credor não propõe uma
legítima e própria demanda, mas pede a expedição de uma ordem de pagamento;
esta é emitida sem que a contraparte (devedor) tenha a possibilidade de
defender-se. O devedor pode resistir, apresentando, dentro de determinado
prazo, uma oposição (Winderspruch- §694), com o que o procedimento
monitório termina, é designada a audiência e prossegue pela forma ordinária. Se
isto não acontece, é expedida uma “ordem de execução” (Vollstreckungsbefehl),
que, como diz o nome, é executivo e pode adquirir a autoridade de coisa julgada;
o devedor pode ainda resistir ao provimento com uma (nova) oposição
(Einspruch- §700- Friedrich Lent).28
27 Antonio Carlos MARCATO. Procedimentos Especiais. op. cit., p222. 28 O tradutor da obra de Lent (Diritto porcessuale civile tedesco), Edoardo F. Ricci, prefere traduzir a expressão alemã Wiederspruch (§694) por “ato de contradição”, antes que por “oposição”, como é corrente na doutrina
3.2 O PROCEDIMENTO INJUNCIONAL OU MONITÓRIO ITALIANO
Na Itália, onde o procedimento monitório encontrou, desde há
muito, terreno fértil, entre o ensaio de Carlo Alberto Nicoletti ( Note Sul
procedimento ingiuntivo nel diritto positivo italiano), publicado em 1975, a
monografia atualizada de Edoardo Garbagnati ( Il procedimento d’ingiunzione )
e a obra coletiva intitulada L’opposizione al decreto ingiutivo nei suoi momenti
applicativi , há pelo menos, mais de vinte títulos- artigos e verbetes-
concernentes ao tema ora examinado.
Pajardi chega a afirmar que “ o procedimento monitório salvou a
justiça italiana na Segunda metade deste século”.29
O procedimento monitório adotado pelo direito italiano muito se
avizinha do procedimento documental austríaco. A diferença reside no fato de
ter este por base somente atos públicos ou escrituras privadas autenticadas ,
enquanto o italiano tem por base “qualquer prova escrita”, o que alarga o seu
campo de aplicação. Outra característica do procedimento monitório documental
é que os embargos, em vez de anularem a ordem de pagamento, como sucede no
monitório puro, apenas “ suspendem a eficácia executiva da injunção”; de modo
que, no contraditório instaurado com a interposição dos embargos, se decidirá se
deve ser mantido ou revogado o mandato.30
Previsto nos artigos 633 a 656 do CPC, o procedimento
d’ingiunzione pode ter por objeto o pagamento de uma quantia líquida de
dinheiro, ou a entrega de uma determinada quantidade de coisas fungíveis ou de
coisa móvel também determinada ( art. 633), sempre que o autor apresente prova
italiana, para usar este segundo termo na tradução de Einspruch (§700). ALVIM , Carreira J.E. – Ação Monitória e temas polêmicosda reforma processual, 3ª ed., Del Rey , 2001. 29 Piero. PAJARDI, apud José Rogério Cruz e Tucci, Ação Monitória. 30 Piero CALAMANDREI, apud José Rogério Cruz e Tucci, Ação Monitória.
escrita do direito que pretende fazer valer em juízo, ou, ainda,
independentemente de prova documental, quando o crédito se refira a honorários
ou despesas derivadas de atividades judiciais ou extrajudiciais, de vidos a
advogados, procuradores, servidores forenses ou quaisquer outras pessoas que
tenham exercido atividade remunerada em função de um processo , ou a
honorários, direitos ou reembolsos a notários ou a profissionais liberais
integrantes de outras categorias para as quais exista uma tarifa legalmente
aprovada.
Estando em termos a petição inicial, o juiz determina ao réu, através
de decreto motivado, que pague a importância ou entregue a coisa reclamada, no
prazo de 40 dias (sujeito, ocorrendo a justa causa, a redução para 10 dias ou
ampliação para 60 dias), com a advertência de que nesse prazo poderá ser
apresentada oposição (opposizione)e, ainda, de que, na falta dela, proceder-se-á
à execução forçada (art. 641)- inclusive a provisória (arts. 642, 647 e 648),
passível, todavia, de suspensão se houver graves motivos que justifiquem a
medida (art.649).
Apresentada oposição, será observado o procedimento ordinário
(art. 645), permitida a execução provisória do decreto mediante prestação de
caução pelo autor (art. 648).
É autorizada a oposição tardia (opposizione tardiva), qual seja,
aquela apresentada após inutilmente escoado o prazo para a oposição regular, se
o réu comprovar que não teve conhecimento oportuno do decreto, por
irregularidade da notificação ou em razão de caso fortuito ou força maior (art.
650, n.1). Convertido o decreto em título executivo, ainda assim poderá ser
impugnado pelo devedor (art.656), através de revogação (revocazione), nos
casos previstos em lei (art.395, ns.1,2,5 e 6), ou por terceiro credor do reú que
tenha sido vítima de dolo ou colusão das partes no feito monitório (art. 404,
n.2).31
3.3 O PROCEDIMENTO MONITÓRIO FRANCÊS
Na França, a introdução do procedimento de injunção (procédure
d’injonction de payer) foi feita com o Decreto de 25 de agosto de 1937.
Desde então, o procedimento tornou-se objeto de numerosas reformas
legislativas que têm servido para alcançar maior perfeição técnica e ampliar seu
âmbito de aplicação. A primeira reforma de que o procedimento de injunção foi
objeto na França ocorreu em 1957, com a finalidade de ampliar seu âmbito não
somente aos pequenos créditos dos comerciantes, mas também aos créditos de
natureza civil. A Segunda grande reforma aconteceu mais tarde, em 1972, e
estendeu a técnica monitória a qualquer débito, sem limite de quantidade civis
ou comerciais. O Decreto de 12 de maio de 1981 determinou que ficasse
disciplinado o procedimento de injunção nos artigos 1.405 a 1.425 do NCPC.
Prevista no Título Quarto “As obrigações e os Contratos”, Capítulo
Primeiro “ O procedimento Monitório”, a cobrança do crédito, segundo este
procedimento, pode valer-se desde que o crédito tenha uma causa contratual ou
provenha de uma obrigação de caráter estatutário. Pode valer-se também, se em
matéria contratual a determinação exista em virtude das estipulações do
contrato, e se as obrigações resultam na emissão de uma letra de câmbio, do
endosso ou do aval de qualquer dos títulos ou da aceitação da cessão de créditos,
conforme a Lei 81-1 de 02 de janeiro de 1981 (art. 1.405).
31 Antonio Carlos MARCATO. Procedimentos Especiais. op. cit., p.223.
Já na Suíça, a legislação federal de proteção do consumidor prevê
um procedimento muito assemelhado ao monitório.
Resulta, outrossim evidente que a aproximação da maioria das
nações európeias tem favorecido a influência recíproca de vários sistemas
jurídicos continentais, chegando-se a admitir, inclusive, um futuro “ direito
processual europeu”.32
Em Portugal, mais recentemente, o “processo de injunção” veio
reconhecido pelo Decreto-lei 404, de 10 de dezembro de 1993, com o declarado
escopo de contribuir para a efetivação do princípio constitucional de acesso à
justiça, consagrado como garantia fundamental no art. 20 da Constituição
portuguesa.33
Embora não seja admitida a técnica do procedimento monitório no
direito positivo espanhol, Antonio Maria Lorca Navarrete, membro do Instituto
Vasco de Derecho Procesal, defende, com muita ênfase, a sua adoção no livro
El procedimiento monitorio civil. 34
4.NATUREZA JURÍDICA DO PROCEDIMENTO MONITÓRIO
Em sede doutrinária, é bastante controvertida a natureza jurídica do
procedimento monitório ou injuncional.
Segundo Carnelutti, o processo de injunção teria uma função
diversa do processo de conhecimento e do processo de execução. Este não serve
à composição da lide de pretensão contestada, senão possibilita- com a 32 Marcel STORME, apud José Rogério Cruz e Tucci. Ação Monitória. 33 Álvaro LOPES CARDOSO, apud José Rogério Cruz e Tucci.
formação do título executivo e a execução forçada-, a composição de uma lide
de pretensão insatisfeita. A injunção constituiria, pois, um tertium genus (de
processo), intermédio entre o de cognição e de execução, resolvendo-se não num
juízo imperativo, mas num puro comando pronunciado com vistas ao processo
executivo.35
Chiovenda faz compreender o decreto de injunção, na categoria dos
acertamento com prevalente função executiva, cujo escopo é a antecipação da
execução forçada, através da limitação da cognição do juiz, e, justamente pela
sumariedade do conhecimento das razões das partes , tais “acertamentos” teriam
caráter provisório. O decreto de injunção, ao ser expedido, não teria por
conteúdo, à semelhança de uma sentença de condenação, a afirmação de um
direito a uma prestação, mas acertaria simplesmente a existência da condição
para obter a injunção, adquirindo valor de afirmação do direito do credor,
somente depois de tornado definitivo.
Para Greco Filho, a ação monitória é um misto de ação executiva
em sentido lato e cognição, predominando, porém , a força executiva.
Marcato, afirma tratar-se de um processo misto de integração dos
atos típicos de cognição e de execução, com alguns aspectos semelhantes a
tantos outros que permeiam o sistema processual, lembrando, a título de
ilustração , o processo de despejo e os processo possessórios, nos quais,
esgotada a fase de cognição e obtida a sentença de mérito, passa-se
imediatamente à execução , sem a necessidade de instauração de novo processo.
Para Dinamarco, o procedimento monitório não se enquadra na
figura do processo de conhecimento nem na do executivo e muito menos na do
cautelar. Consiste num processo que, com extrema rapidez, propicia um título
34 San Sebastián: Instituto Vasco de Derecho Procesal, 1988, apud Antonio Carlos Marcato. 35 Edoardo GARBAGNATI, apud José Rogério Cruz e Tucci, Ação Monitória.
executivo ao autor munido de documentos idôneos, prosseguindo desde logo,
sem a instauração de novo processo, com a execução fundada nele.
Calamandrei considera que o procedimento monitório é uma forma
especial de processo de cognição abreviado36, opinião corroborada pelo
processualista Navarrete, que informou que o procedimento monitório se alinha
basicamente como uma técnica processual declarativa com evidentes resultados
executivos. 37
Tucci esclarece que é exatamente este o posicionamento, pelo
mesmo nos quadrantes do direito italiano, que tem prevalecido na atualidade;
alega, ainda, que o procedimento monitório documental tem a natureza de
processo de conhecimento; primeiro, porque a demanda colima em uma decisão
condenatória contra o devedor; depois, porque esse pronunciamento está sujeito
aos meios de impugnação reservados ao processo de conhecimento; e,
finalmente, porque ele se sujeita à coisa julgada material, ou , no mínimo, à
preclusão endoprocessual.38
De acordo com os pontos de vista citados, possuímos na doutrina
três entendimentos sobre a natureza da ação monitória (executiva, cognitiva e
mista). Vale destacar aspectos relevantes do processo de execução e
conhecimento, para que seja possível verificar em qual deles se inclui a ação
monitória.
O processo de execução visa a satisfação de crédito líquido, certo e
exigível, de que é titular a parte mediante a atividade do estado sobre o
patrimônio do devedor, ou de terceiro a ela vinculado.39
36 CALAMANDREI, apud, José Rogério Cruz e Tucci 37 NAVARRETE,apud, José Rogério Cruz e Tucci. 38 José Rogério Cruz TUCCI, op. cit., pp. 48-49 39 Antônio Carlos MARCATO, Procedimentos especiais. op. cit., p.32.
Além do juiz não apreciar o mérito na execução, seu pressuposto é
o título executivo obtido com o término de um processo de conhecimento
(judicial) ou pelas próprias partes (extrajudicial), possibilitando ao Estado
ingressar no patrimônio do executado.
Pois bem, como o objeto da ação monitória não chega a ser um
título executivo, nem judicial, nem extrajudicial, este se diferencia, por
completo, do objeto da execução, pois, enquanto nesta o juiz não aprecia o
mérito, determinando a citação do réu-executado a pagar sob pena da constrição
em seu patrimônio, aquela necessita de uma declaração judicial que possibilite
completar o requisito inexistente no título.
Dessa forma, não se apoiando em título executivo que preencha os
requisitos para autorizar a execução forçada, a ação não pode ter natureza
executiva, pois, além do seu objeto distinto, o procedimento não tem, como não
poderá ter, efeitos de atos do Estado diretamente no patrimônio do devedor.
Diante do exposto, podemos concluir que a natureza da ação
monitória é cognitiva, visando à formação de um título executivo ainda
inexistente, por meio de uma declaração judicial que somente terá efeito após ter
decorrido o prazo concedido ao réu para iniciar o contraditório ou depois do
trânsito em julgado da decisão nos embargos, que dará, com isso, a possibilidade
para iniciar o processo executivo.
5. INTRODUÇÃO DO PROCEDIMENTO MONITÓRIO NO
DIREITO POSITIVO BRASILEIRO
Muitas vezes o titular de um direito de crédito, ou sobre uma coisa
fungível, ou sobre um bem móvel determinado, tinha para comprová-lo uma
prova escrita- por exemplo, uma confissão de dívida, uma carta missiva, um
telegrama, um recibo rubricado- que, por não ter eficácia de título executivo,
obrigava-o demandar o devedor pela via ordinária, na falta de uma ação mais
eficaz para fazer valer a sua pretensão material em juízo. Em outros termos:
entre a ação ordinária e a executiva, faltava algo que preenchesse o vazio entre
as duas.40
Não é de hoje que os processualistas pátrios fomentam a adoção do
procedimento monitório pelo nosso direito. Constava ele, aliás, do Anteprojeto
de modificação do Código de Processo Civil, elaborado pela comissão nomeada
pelo Ministro da Justiça no ano de 1985.
Aproveitando, por certo, aquela sugestão, mais recentemente, a
comissão presidida pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira apresentou
proposta semelhante ao Congresso Nacional, consubstanciada no Projeto de lei
3.805/93, que acabou sendo convertido na Lei 9.079, de 14 de julho de 1995.
Foi, assim, instituída a denominada ação monitória em nosso
sistema processual, acrescentando-se três artigos ao Código de Processo Civil,
no final da parte que disciplina os procedimentos especiais de jurisdição
contenciosa.41
Eis a íntegra do texto legal:
“Art.1º É acrescentado ao Livro IV, Título I, da Lei 5.869, de 11 de janeiro de
1973- Código de Processo Civil -, o Capítulo XV, sob a rubrica Da Ação
monitória, nos seguintes termos:
‘Art. 1.102 a . A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova
escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro,
entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.
Art. 1.102b. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá de
plano a expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de
quinze dias.
Art. 1.102c. No prazo previsto no artigo anterior, poderá o réu oferecer
embargos, que suspenderão a eficácia do mandado inicial. Se os embargos não
forem opostos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo, convertendo-
40 Carreira, J.E ALVIM, Ação monitória . op. cit., p.34 41 José Rogério Cruz e TUCCI, Op. cit., p. 62
se o mandado inicial em mandado executivo, prosseguindo-se na forma prevista
do Livro II, Título II, Capítulos II e IV.
§1.º Cumprindo o réu o mandado, ficará isento de custas e honorários
advocatícios.
§2.º Os embargos independem de prévia segurança do juízo e serão processados
nos próprios autos pelo procedimento ordinário.
§3º Rejeitados os embargos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo
judicial, intimando-se o devedor e prosseguindo-se na forma prevista no Livro
II, Título II, Capítulos II e IV’.
Art. 2º Esta lei entra em vigor sessenta dias após a data da sua publicação,
revogadas as disposições em contrário”.
A numeração seguida de letras, mostra que o legislador pátrio,
valendo-se de método comum nos países europeus ( v.,e.g., ZPO alemão),
procurou preservar a tradicional ordem dos artigos, já consolidada nestes vinte
anos.
Verifica-se, ademais, que, apesar de o instituto ter sido inserido em
sede adequada, continuou sendo seguido o vezo de nominar as ações que se
desenrolam mediante procedimento especial.42
Na verdade, a técnica do procedimento monitório agora inserida se
justifica, no plano científico, pelas mesmas razões que determinam a opção pela
conservação de algumas “ações especiais” que, “longe de significarem simples
desvios do padrão ritual ordinário equivalem a formas muito especiais de tutela
processual sumária”.43
42 José Rogério Cruz TUCCI, Ação monitória, op. cit., p. 63. 43 Ovídio A . Baptista da SILVA, Curso de Processo Civil, op. cit, p.98.
É que, como explica Antonio Carlos Marcato, a especificidade
procedimental resulta, em várias hipóteses, da exigência de uma tutela
jurisdicional mais rápida, tendo-se em vista as características que envolvem o
litígio submetido à apreciação jurisdicional, assim como das imposições das
pretensões nele contidas, ou seja, “ o conflito de interesses a ser dirimido
apresenta particularidades que escapam do alcance de um tratamento processual
comum, daí por que os procedimentos especiais se ajustam às peculiaridades das
exigências das relações jurídicas nele deduzidas”.44
5.1 OBJETO E ALCANCE DA AÇÃO MONITÓRIA
Em doutrina , a noção de bem é mais ampla do que a de coisa,
entendendo-se por bem tudo quanto possa ser objeto de um direito, mesmo sem
conteúdo econômico; coisa é o bem que possui valor pecuniário,
compreendendo tanto a coisa móvel, um bem corpóreo, como um bem
incorpóreo. O artigo 1.102 fala em coisa fungível- o móvel que pode substituir-
se por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade( art. 50 do Código Civil)
– e bem móvel- suscetível de movimento próprio, ou de remoção por força
alheia conforme dispõe o artigo 47 do Código Civil.
O artigo 1.102 a compreende tanto o pagamento de soma em
dinheiro ( quantia certa) como a entrega de coisa fungível ( coisa incerta) ou de
determinado bem móvel ( coisa certa).
O procedimento monitório não se aplica a toda ação, estando dele
excluídas as relativas às prestações de fazer e não fazer e de entregar coisa
“imóvel”, restringindo-se, assim, às que tenham por objeto mediato o pagamento
44 Antonio Carlos MARCATO, Procedimentos especiais, op. cit., p.37.
de uma soma de dinheiro, a entrega de uma coisa fungível ou de determinado
bem móvel.45
5.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
A ação monitória consiste no meio pelo qual o credor de quantia
certa ou de coisa móvel determinada, cujo crédito esteja comprovado por
documento hábil, requerendo a prolação de provimento judicial
consubstanciado, em última análise, num mandado de pagamento ou de entrega
de coisa, visa a obter a satisfação de seu crédito.
Já no que se refere à sua estrutura, tal demanda é veiculada
mediante procedimento especialíssimo, em razão da sumariedade formal da
cognição e de outros aspectos que o conotam.
Ademais, nos moldes como estabelecido no art. 1.102 a ., trata-se
de procedimento monitório documental, que é caracterizado, pela exigência de
prova escrita do crédito, desprovida de eficácia executiva.
Seguindo, outrossim, o modelo clássico da técnica monitória, o
pronunciamento jurisdicional perseguido é proferido inaudita altera parte,
diferindo-se para um momento ulterior a possibilidade de contraditório. 46
Lembra, a propósito, Luiz Guilherme Marinori que no
“procedimento monitório é oportunizada a ampla defesa, e isso é o suficiente
para que não seja possível a sua inclusão na classe dos procedimentos de
cognição sumária. O procedimento monitório pode ser classificado como
procedimento formalmente sumário, assim como o procedimento do mandado
45 Carreira, J.E. ALVIM, Ação Monitória, op. cit., pp. 35-36. 46 José Rogério Cruz TUCCI. A ação monitória . op. cit., p.64.
de segurança, mas jamais como procedimento materialmente sumário, classe a
que pertence o procedimento cautelar”.
A finalidade do procedimento monitório é evitar perda de tempo e
dinheiro, na formação de um título executivo que o devedor, muitas vezes, não
tem interesse em obstaculizar. Destarte, o credor, em determinadas
circunstâncias, pode pedir ao juiz, ao propor a ação, não a condenação do
devedor, mas a expedição, desde logo, de uma ordem ou mandado para que a
dívida seja saldada no prazo estabelecido em lei.47
5.3 HIPÓTESES DE CABIMENTO
Múltiplos são os casos de cabimento da ação monitória, bastando
que o interessado seja portador de um documento, público ou privado, que
justifique o crédito e que não contenha a eficácia típica dos títulos executivos
extrajudiciais.
O credor em tais condições poderá então eleger a via do
procedimento monitório em lugar de submeter sua pretensão às normas que
regulamentam o procedimento comum, que sempre é mais custosos e
demorado.48
Alias, como ficou constando da ementa de julgado da 8ª Câmara do
1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, relatado pelo Juiz José Araldo da
Costa Telles, “ ao credor que não possui título executivo é facultado o uso da
ação monitória; porém, nada o impede que se utilize da ação de cobrança para a
47 Humberto THEODORO JÚNIOR. A ação monitória e a reforma do Código de Processo Civil. 48 José Rogério Cruz TUCCI. A ação monitória Op.cit., p.65.
satisfação de seu crédito, sendo injustificável a exigência da adaptação de
rito...”.49
Desse modo, profissionais liberais, por exemplo, possuidores de
cartas, fac-símiles, telegramas que revelem a concordância com os honorários
cobrados, poderão, após Ter-se verificado, de um lado, a efetivação dos serviços
contratados e, de outro, o inadimplemento do cliente, valer-se da ação monitória.
Incluir-se-iam no rol dos casos de cabimento da demanda monitória
aqueles escudados em instrumentos comprobatórios de consumo de água, gás e
energia elétrica, desde que cotejados com contas pretéritas oportunamente
quitadas pelo usuário-credor.50
Admite-se, também, a cobrança de dívida condominial, “desde que
preenchidos os requisitos legais correspondentes”.51
Duplicatas protestadas- como decidiu o Tribunal de Alçada de
Minas Gerais- pela “ não devolução dos originais, falta de aceite ou de
pagamento, presentes as notas fiscais ou faturas que as originaram, levam ao
convencimento da existência da dívida, não tendo a eficácia de títulos
executivos, sendo, portanto, hábeis a instruir o procedimento monitório”.52
Todavia, a duplicata sem aceite que, embora protestada, se encontra
desacompanhada do comprovante de entrega das mercadorias, descaracteriza-se
como título executivo extrajudicial e também como prova escrita apta a
viabilizar a ação monitória.53
Situação peculiar que também recomenda a ação monitória ocorre
na hipótese de o credor ser portador de um título de crédito despido de eficácia
49 RT 763:241-242. 50 José Rogério Cruz TUCCI, A ação monitória. Op.cit., 66. 51 Cf. STJ, 4ª T., Resp. 208.870-SP, rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 08.06.1999. 52 Cf. STJ, 4ª T., Resp. 167.618-MS, rel. Barros Monteiro, 26.05.1998. 53 Cf. TJSP, 7.ª Dir. Priv., Ap. 59.496-4-SP, rel. Benini Cabral, 24.09,1997.
executiva por força da prescrição54 ou, ainda que eficaz in executivis, a praça de
pagamento constante do título ser uma capital de país estrangeiro.55
O cheque se despe de potencialidade executiva pela expiração do
tempo de apresentação : 7 meses, contados da data da emissão, desde que
pagável na mesma praça, ou 8 meses, quando for de outra praça. Nessa situação,
destrói-se a característica de título cambiariforme do cheque, passando a
constituir mero quirógrafo, apto no entanto a evidenciar o crédito, em ação de
conhecimento.
Ressalte-se que a Lei 7.357, de 2 de setembro de 1985 ( Lei do
Cheque), contempla uma ação, lastreada no locupletamento injustificado (até
ilícito) do devedor, na qual ainda se preserva a natureza cambiária.
Preceitua o art. 61 do citado Diploma que: “ A ação de
enriquecimento contra o emitente ou outros obrigados, que se locupletaram
injustamente com o não pagamento do cheque, prescreve em 2 (dois) anos,
contados do dia em que se consumar a prescrição prevista no art. 59 e seu
parágrafo desta Lei”.
Assim, não mais dispondo da ação in executivis, o credor poderá
recorrer ao processo de conhecimento , ajuizando, dentro daquele prazo
estabelecido , ação monitória ou ação de cognição exauriente para obter a
condenação do devedor.56
A jurisprudência tem revelado preciso entendimento acerca dessa
interessante questão.
54 José Rogério Cruz e Tucci, .“Título prescrito” e ação monitória, Questões práticas de processo civil, 2ª ed., SP: Atlas , 1998, pp. 119 e ss. 55 Interessante acórdão inédito da 12.ª Câmara do 1º TACSP considerou como prova escrita hígida a embasar ação monitória a nota promissória que não indica o Brasil como local de pagamento ( Ap. 765.250-2). 56 José Rogério Cruz e TUCCI. A ação monitória .op. cit., p. 69.
Em acórdão inédito deveras esclarecedor, a 3.ª Câmara do 1.º
Tribunal de Alçada Civil paulista, no julgamento unânime da Apelação 736.205-
2, cujo voto condutor é da lavra do Juiz Antonio Rigolin, deixou assentado, após
o exame do supra transcrito art. 61 da Lei do Cheque, que; “... Diante disso ,
apresentam-se três situações distintas a considerar:
1. cheque, enquanto não vencido o prazo prescricional, é título que assegura o
exercício da ação de execução;
2. vencido o prazo prescricional, a execução não é mais admissível, mas o
credor pode, dentro de dois anos, valer-se da ação de locupletamento ilícito,
bastando-lhe a apresentação do documento;
3. esgotado esse prazo, continua sendo admissível ao credor fundar-se na
relação negocial subjacente, que é de natureza pessoal e prescreve, em regra,
no prazo de vinte anos.
Na primeira hipótese, cabe ao credor alegar o crédito fundado no
título. Na Segunda , pleiteia o reconhecimento do direito ao recebimento,
presumindo-se o não recebimento do valor pela simples apresentação do título.
Na terceira, alega o negócio causal para, daí, fazer decorrer o pedido
condenatório...”.
Revelando entendimento idêntico, a 11.ª Câmara da mesma Corte
de São Paulo também asseverou que: “ ... Cheque prescrito, sem força executiva,
traduz prova escrita de dívida...”.
Cumpre observar, por fim, que com o desaparecimento da eficácia
cambial, a ação de conhecimento (pelo procedimento monitório ou pelo
procedimento comum) poderá ser ajuizada em face do sacador e dos eventuais
endossantes do cheque, mas não contra o avalista, visto ser o aval instituto
estritamente cambiário.57
5.4 ELEMENTOS DA AÇÃO MONITÓRIA
A identificação de uma ação através de seus elementos : partes ,
pedido e causa de pedir, atende à necessidade de resolução de questões técnico-
processuais que digam respeito, entre outros, aos fenômenos da conexão e da
continência, da perempção e, principalmente, da coisa julgada e da
litispendência. 58
Relativamente , às partes, qualquer pessoa física ou jurídica, poderá
figurar em qualquer dos pólos da relação jurídica processual, com a eventual
exceção , no pólo passivo, da Fazenda Pública, do incapaz, do falido e do
insolvente.59
Cumpre ao autor provocar a jurisdição por meio de petição inicial,
que consiste no ato introdutório da demanda de natureza civil, elaborada de
conformidade com o disposto no art. 282 daquele diploma processual, não
havendo qualquer excepcionalidade que a diferencie das peças tradicionais.60
Além de seu requisito externo, vale dizer, a forma escrita, entre os
requisitos internos, o inciso III do art. 282 reclama, como é cediço, a exposição
do fato e dos fundamentos jurídicos do pedido.
Desse modo, o autor deverá precisar, na petição inicial da ação
monitória, o fato constitutivo de seu crédito e o fato violador do respectivo
57 Cf., v.g., ac. 284.619-3 da 6.ª CC. Do TAMG, rel. Paulo Cézar Dias, 16.03.2000: Ver. Jur., 271:121. 58 Antonio Carlos MARCATO. Da ação monitória . Op. Cit., p. 233. 59 Humberto THEODORO JÚNIOR. Curso de Direito processual Civil- procedimentos especiais , V.III, pp. 379 – 380. 60 Cf., ac. da 11ª C. Extr. “A” do 1º TACSP, Ap. 709.410-6, rel. Silveira Paulilo, 12.06.1997: RT 745:263.
direito (causa petendi remota), originando-se daí a demonstração de seu
interesse processual. Em seguida, deverá proceder ao enquadramento dessa
situação concreta, narrada in status assertionis (mas documentalmente
comprovada), à previsão abstrata, contida no ordenamento de direito positivo (
causa petendi proxima).
Por fim, o demandante deverá expor a conseqüência jurídica
emergente de tais fatos, concretizada no pedido de deferimento liminar do
mandado de pagamento ou de entrega da coisa, que terá como destinatário o
devedor.61
Assim, como pedido imediato o credor requererá providência
jurisdicional de natureza condenatória. A satisfação do crédito, como a
respectiva ordem de pagamento ou de entrega da coisa, consiste no pedido
mediato.62
O deferimento do mandado, atinente ao bem material pretendido
pelo autor, implica a prolação de provimento que contém a declaração de certeza
do crédito e, por via de conseqüência, a potencialidade de verdadeira
condenação.
Os fatos articulados na inicial deverão estar comprovados pelos
documentos (originais ou cópias autenticadas) acostados à petição inicial.
O valor a ser atribuído à causa corresponderá ao da quantia ou da
coisa sobre a qual recai a pretensão do autor.
Ajuizada a demanda, o juiz verificará, no juízo prévio de
admissibilidade, a existência dos pressupostos processuais e das condições da
ação. Procederá igualmente a um exame superficial do material probatório
61 José Rogério Cruz TUCCI, A ação monitória . Op.cit., p.79. 62 1ª CC do TARGS , rel. Breno Moreira Mussi, 17.07.1996.
apresentado. Sendo negativo esse juízo, a petição inicial é de ser indeferida com
fundamento no art. 295 do Código de Processo Civil.
Todavia, preenchendo a petição inicial as imposições legais, o
julgador deverá, in limine litis, a teor do art. 1.102b, proferir decisão
fundamentada, deferindo o mandado de pagamento ou entrega da coisa.
Entendendo o juiz que , apesar de satisfatória a prova pré-
constituída apresentada, resulta ainda duvidoso algum aspecto fático emergente
da narração deduzida pelo autor , nada obsta a que seja designada audiência de
justificação, convocando-se o demandante, com arrimo no art. 342 do Código de
Processo Civil que diz “ O juiz pode, de ofício, em qualquer estado do processo,
determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os
fatos da causa”.63
Deferida a expedição do mandado- no qual deverá constar
expressamente que o silêncio do réu implicará a constituição do título executivo,
vem assinalado ao requerido o prazo de 15 dias para cumprir a ordenação
judicial. Esse prazo, dada a unificação de critérios estabelecida pela atual
reforma processual, deverá ser computado a partir da juntada aos autos do
mandado devidamente cumprido (excluindo-se o dia da juntada e incluindo-se o
15º dia – cf. art. 184 do CPC). 64
5.5 DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO NO PROCEDIMENTO MONITÓRIO
Como se sabe, para o objeto da ação ser apreciado, é necessário que
a pretensão deduzida em juízo tenha alguns requisitos básicos , a fim de que o
63 José Rogério Cruz TUCCI, A ação monitória. Op.cit., p. 80. 64 Marcelo Luciano ULIAN, apud José Rogério Cruz e Tucci.
órgão jurisdicional possa estar em situação de enfrentar o litígio e dar às partes
uma solução que componha definitivamente o conflito de interesses.
Na falta de uma das condições da ação , o processo, embora
estabelecido de maneira válida e regular , será extinto prematuramente, sem que
o Estado dê resposta ao pedido de tutela jurisdicional do autor, ou seja, o
julgamento será de extinção do processo sem a apreciação do mérito, ocorrendo
a carência de ação. 65
As condições da ação constituem o ponto de conexão entre o direito
processual e o direito material, sendo elementos de coordenação entre o primeiro
e o segundo.
Liebman destacou que as condições da ação são os requisitos de
existência da ação, e que, devido a isso, são elas averiguadas em preliminar,
para depois apreciar-se o mérito. Para o mestre italiano, somente se estiverem
presentes essas condições é que será possível considerar a ação existente,
surgindo para o juiz a necessidade de julgar sobre o pedido para acolhê-lo ou
rejeitá-lo.66
Existe uma outra corrente que entende que as condições da ação
seriam condições para o julgamento do mérito da causa, impostas basicamente
por razões de economia processual, e não condições para a existência da ação.67
Com essa opinião, destacamos Barbosa Moreira e Ada Pellegrini
Grinover , que ressalta, entretanto, que as condições da ação são os requisitos
para o exercício regular do direito de ação e não requisitos de inexistência do
direito de ação.
65 Humberto THEODORO JÚNIOR, Procedimento monitório. Op.cit., p. 209. 66 Enrico Tullio LIEBMAN, apud J.E. Carreira Alvim. 67 Kazuo WATANABE. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, reforma do CPC. op. cit., p.58.
Com relação às duas correntes , a primeira é a mais aceita entre os
doutrinadores, pois a efetividade da tutela jurisdicional somente ocorrerá se
existir o direito processual da ação, revelado pela presença das condições da
ação. Além do mais, com a carência da ação , o autor terá exercido apenas a
garantia constitucional de acesso à justiça, não proporcionando ao órgão
jurisdicional a oportunidade de colocar fim à situação litigiosa.
Já o direito de demandar, que é o exercício da garantia
constitucional da ação, pode ser entendido como direito de ação
incondicionado68 , e é ele que estimula o Estado ao exercício da função
jurisdicional, gerando, para este, o dever de se pronunciar quanto à existência,
ou não, das condições da ação, e eventualmente quanto à existência da própria
ação.69
Vale dizer que, enquanto o direito de ação incondicional poderá ser
exercido com liberdade, independentemente da existência ou não das condições
da ação, o direito de ação processual (condicional), ao contrário, necessita da
presença desses requisitos para ser exercido de forma efetiva.
Em relação à ação monitória, o autor exercitará o direito de ação
incondicionada, precisamente até a primeira participação do juiz, pois os
pressupostos processuais, condições da ação e o próprio pedido, são apreciados
de forma simultânea e na mesma oportunidade , recebendo, dessa forma, ou uma
decisão de carência de ação, com a extinção do feito sem o julgamento do
mérito, ou uma decisão de declaração de certeza do crédito , com a determinação
da expedição do mandado de pagamento.70
68 Cândido Rangel DINAMARCO, A reforma do Código de Processo Civil. Op. cit., p.366 69 Antonio Carlos MARCATO ,Procedimentos especiais. Op.cit., p. 22. 70 Edilton MEIRELES, Ação de execução monitória. Op. cit., p.67.
5.6 LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA NO PROCEDIMENTO
A legitimatio para agir, como enfatiza Donaldo Armelin, “ é uma
qualidade jurídica que se agrega à parte, habilitando-a a ver resolvida no mérito
a lide sub judice “.
Sob o ponto de vista da legitimidade ad causam a ação monitória
não se distingue de qualquer outra versando direitos de natureza patrimonial,
podendo legitimamente figurar como partes aquele que se intitule credor e
aquele ao qual se atribua a condição de devedor.
Tratando-se de obrigação de pagar soma em dinheiro e existindo
solidariedade ativa, qualquer dos credores estará legitimado extraordinariamente
a postular em juízo, isoladamente ou, ainda, em litisconsórcio facultativo,
valendo em qualquer caso, para todos, o título executivo judicial que venha a ser
obtido (CC, art.898). Cuidando-se , ao reverso, de solidariedade passiva, o autor
poderá ajuizar o pedido em face de qualquer dos coobrigados (instaurando-se,
caso eleja mais de um dos devedores como réu, uma relação litisconsorcial
também facultativa), com os desdobramentos processuais que advirão da postura
assumida pelos litisconsortes. 71 Havendo então pluralidade de demandados, não
cumprida a ordenação judicial no prazo legal, mas ofertados os embargos apenas
por um ou por alguns deles, a respectiva decisão passa a valer como título
executivo em face dos réus que se mantiveram inertes.72
Por outro lado, em relação àquele ou àqueles devedores que, em
momento oportuno, suscitaram a instauração do contraditório, mediante a
oposição dos embargos , a eficácia da decisão preambular resta contida, ficando
condicionada ao desfecho dessa ação incidental.
71 Antonio Carlos MARCATO, Procedimentos Especiais .Op. cit., p.225. 72 José Rogério Cruz TUCCI. Op. cit., p.71.
Se a ação monitória for proposta exclusivamente ao fiador, este
certamente não poderá valer-se do chamamento ao processo, visto que a
especificidade do procedimento traçado para tal tipo de demanda não comporta
essa forma de intervenção.
Se o réu, por outro lado, oferecer embargos, assume a posição
processual de autor, viabilizando-se a denunciação da lide quando for ele titular
de eventual direito de regresso contra um terceiro. Nessa hipótese, a sentença
proferida nos embargos deverá julgar também a “ lide secundária”.
5.7 INTERESSE DE AGIR NO PROCEDIMENTO
O interesse processual se configura pela necessidade da prestação
jurisdicional, o que implica fazê-la atuar de modo útil, recorrendo ao meio
adequado para sua efetivação, a fim de que não se frustre a função do Estado em
administrar a justiça.
Essa condição da ação – interesse de agir – é a resultante da
somatória de dois elementos intrínsecos: a necessidade concreta do processo e a
adequação do provimento desejado e escolhido pelo autor.73
Quanto ao procedimento monitório, Greco Filho considera que o
pressuposto da admissibilidade do pedido- condição da ação, interesse
processual e adequação- é ter o credor a prova escrita da obrigação sem eficácia
de título executivo.74
73 Antonio Carlos MARCATO. Procedimentos especiais. Op.cit., p. 23. 74 Vicente GRECO FILHO. Comentários ao procedimento sumário, ao agravo e à ação monitória. op.cit., p.261.
Dinamarco, por sua vez, afirma que o cabimento da ação monitória
eqüivale à adequação do seu processo especialíssimo a certas situações da vida,
expressamente previstas, pois, estando fora delas, o sujeito carece de ação
monitória.
Desse modo, quem pretender valer-se da via monitória para a
obtenção da tutela jurisdicional específica, deverá postular com lastro sua causa,
fundamentando e demonstrando sua pretensão em prova escrita.
Por outro lado, mesmo que a monitória tenha o procedimento apto
para adquirir com agilidade o título executivo judicial, o instituto não obsta a
escolha do procedimento comum para se obter a tutela condenatória, pois a lei
faculta ao suposto credor a opção entre os dois procedimentos. Todavia, isso não
ocorre entre a monitória e a execução, pois enquanto a monitória tem por objeto
um documento que não esteja revestido do atributo de um título executivo
extrajudicial, a execução tem por conseguinte o próprio título executivo.75
Assim, verificamos que o interesse de agir, caracterizado pelo
binômio necessidade-adequação, estará sempre presente quando o autor afirmar
seu direito e o inadimplemento do réu com fundamento em prova documental
exigida por lei, e pleitear o provimento previsto no art. 1.102 a do CPC,
limitando tal postulação, evidentemente, aos tipos de créditos enunciados no
aludido dispositivo legal.76
5.8 POSSIBILIDADE JURÍDICA NO PROCEDIMENTO
A possibilidade jurídica consiste na tutela abstrata do pedido
demandado pelo autor, sendo necessário que este postule providência suscetível
75 Antonio Carlos MARCATO . O processo monitório brasileiro. Cit. p. 68. 76 Ibidem, op. Cit., pp. 67-68.
do ordenamento jurídico, ou seja, o pedido tem que ser compatível com a ordem
constitucional, sob pena de não se poder exercer a jurisdição.77
Para Marcato, a possibilidade jurídica é a admissibilidade, em
abstrato, do pedido, segundo as normas vigentes no ordenamento jurídico
nacional, enquanto a impossibilidade jurídica não é apenas relativa ao pedido,
mas também pertinente à causa de pedir – impossibilidade jurídica da ação de
cobrança fundada em dívida de jogo – ou à própria qualidade da parte-
impossibilidade de execução por expropriação forçada contra a Fazenda Pública,
entre outras.78
No procedimento monitório, a pretensão ali reclamada deverá se
restringir ao pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de
determinado bem móvel, não podendo deixar de ser observada a tipificação do
art. 1.102 a do CPC, sob pena de impossibilidade jurídica do pedido.
Desse modo, se o suposto crédito não for adquirido por disposição
expressamente vedada em lei , o credor poderá utilizar o procedimento
monitório, pleiteando, de acordo com a obrigação, o pagamento de soma em
dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.
77 Sérgio BERMUDES, apud José Rogério Cruz e Tucci. 78 Antonio Carlos MARCATO. Procedimentos Especiais. op.cit., p. 27.
6. DA PROVA ESCRITA E SEUS REQUISITOS
Necessário se faz delimitar o conceito de “prova escrita” e “começo
de prova por escrito”.
Registre-se que, embora o artigo 1.102a fale em “prova escrita”,
deve-se considerar que, no processo injuntivo, não tem vez a prova, pelo que
esse termo deve traduzir na verdade o documento do qual o crédito procede.79
Atividade efetivamente probatória só haverá se vier a ser instaurado o
contraditório, através da oposição de embargos pelo devedor.
Entre nós, tanto a prova escrita, despida de eficácia executiva,
quanto a que constitua começo de prova por escrito, igualmente destituída dela, 79 Salvatore SATTA, apud José Rogério Cruz e Tucci
sempre puderam embasar ação ordinária, com cognição plena; em qualquer
caso, dependiam de título judicial, só possível de obtenção em sede de
conhecimento. Embora a lei não conceitue a prova “escrita!, para fins
monitórios, inexiste dúvida de que tal somente pode ser considerada a escrita
stricto sensu, quer dizer, a grafada , compreendendo tanto as provas
“preconstituídas” quanto as “casuais”.80
Reconhecendo-se tratar-se de verdadeira condição específica de
admissibilidade da ação deduzida por meio daquele tipo especial de
procedimento, a doutrina italiana procura estabelecer, em tal hipóteses, a
amplitude do conceito de prova escrita.
Com efeito, consoante lição de Carnelutti, esse pressuposto
consistiria no título legal, no título injuntivo, ou seja, um “documento scritto dal
quale il giudice desumerebbe direttamente, ai fine del decreto d”ingiunzione,
I”esistenza del rapporto giuridico corrispondente alla pretesa del ricorrente”.
Traçando um paralelo entre o título executivo e o por ele chamado
de título injuntivo, Carnelutti ainda observa que este se presta para a obtenção
daquele e, por isso. Ostenta caracteres menos rigorosos do que os exigidos para
a formação dos títulos executivos.
Aldo Carvalho, em recente ensaio, sugere, a seu turno, que se deve
entender por prova escrita “ qualquer documento, desprovido de certeza
absoluta, merecedor de fé, pelo juiz, quanto à autenticidade e eficácia
probatória”.
A exibição de prova escrita capaz de comprovar prima facie os
fatos constitutivos do direito alegado pelo autor, desdobra-se em duas vertentes:
a) que haja documento idôneo e b) que esse documento não seja capaz de
80 Carreira, J.E.ALVIM, Ação Monitória. Op.cit., p.38.
ensejar a execução forçada. Estando desprovida de qualquer documento, ou
acompanhada de documento insuficiente, ou de documento que caracterize um
título executivo, a demanda monitória não pode dar ensejo à tutela pretendida,
variando no entanto os fundamentos pelos quais o juiz indeferirá.
Documento idôneo, no sistema monitório, é o escrito do qual se
possa razoavelmente inferir a existência do crédito afirmado pelo autor . O
documento deve ser em princípio capaz de impor-se como prova dos fatos
constitutivos, segundo as regras integrantes da disciplina da prova documental.
Um documento assinado pelo réu é prova idônea para começar o processo
monitório, mas um emitido unilateralmente pelo autor e sem assinatura do réu
não o é.
Não é idôneo para a propositura da demanda monitória o
documento que demonstre somente alguns dos fatos constitutivos, sem nada
informar sobre outros, que também façam parte da causa de pedir. É
indispensável que inclusive o valor da obrigação esteja documentalmente
comprovado, porque, quando se trata de obrigação em dinheiro, o mandado de
pagamento deve necessariamente indicar a quantia a ser paga: sem essa
indicação, não há sequer como ser cumprido o mandado. É lícito, no entanto,
que o autor acoste dois ou mais documentos, cada qual destinado a provar um,
ou alguns, dos fatos integrantes da causa de pedir; o que não basta, para a
propositura da demanda monitória , é a comprovação documental do an
debeatur, sem que o juiz tenha de onde extrair, logo nesse momento inicial,
indicações razoavelmente seguras em relação ao quantum debeatur.81
Contém o Código de Processo Civil diversos preceitos sobre prova,
perfeitamente aplicáveis ao procedimento monitório. O artigo 371 reputa autor
do documento particular: I- aquele que o fez e o assinou; II- aquele, por conta de
81 Cândido Rangel DINAMARCO. A reforma do Código de Processo Civil. op. cit., pp. 746-747.
quem foi feito, estando assinado; III- aquele que, mandando compô-lo, não o
firmou, porque, conforme a experiência comum, não se costuma assinar, como
os livros comerciais e assentos domésticos. O artigo 376 estabelece que as cartas
(missivas), bem como os registros domésticos, provam contra quem os escreveu
quando: I- enunciam o recebimento de um crédito; II- contêm anotação, que visa
a suprir a falta de título em favor de quem é apontado como credor; III-
expressam conhecimento de fatos para os quais não se exija determinada prova.
O artigo 378 dispõe que os livros comerciais, que preencham os
requisitos exigidos por lei, provam também a favor do seu autor no litígio entre
comerciantes.82
7. FASE MONITÓRIA – PROPOSITURA DA DEMANDA
A fase monitória e o próprio processo monitório têm início com o
ajuizamento da petição inicial, instaurando-se nesse momento a litispendência.
A partir de então, reputam-se produzidos para o autor os efeitos substanciais e
processual da propositura da demanda.
Embora não o diga expressamente a lei, deve a petição inicial
conter os requisitos do art. 282, além daquele específico da ação monitória,
consistente na prova escrita sem eficácia de título executivo e , naturalmente,
pela procuração ao defensor do autor e eventuais estatutos societários. O pedido
a ser feito terá por objeto a concessão do mandado monitório de pagamento ou
de entrega, mais a satisfação do direito mediante os atos da execução forçada a
82 O CPC italiano ( art. 634) contempla também como provas escritas os extratos autênticos das escrituras contábeis .
serem desencadeados na Segunda fase do procedimento; ele deverá se
suficientemente especificado, como manda a lei (art. 282 , inc. IV).
Os fatos e fundamentos jurídicos do pedido , serão os que tiverem
pertinência em cada caso, sem peculiaridades decorrentes da natureza desse
processo.83
7.1 JUÍZO INICIAL DE ADMISSIBILIDADE
“Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá de
plano a expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de
quinze dias” (CPC. Art. 1.102-b). Esse é o momento da cognição sumária que
no processo monitório tem lugar e que o inclui entre os processos diferenciados.
Nesse juízo inicial, o juiz irá além da mera verificação formal da presença de
documento adequado, pois lhe incumbe apreciar todos os pressupostos de
admissibilidade da tutela postulada, como é seu dever em face de toda e
qualquer petição inicial. Ele a deferirá se estiverem presentes todos os
pressupostos da tutela monitória, incluindo os pressupostos processuais e
condições da ação. Examinará a regularidade formal da própria petição inicial, a
capacidade do autor, a regularidade da representação, as legitimidades ad
causam, sua própria competência absoluta, adequação da tutela monitória,
deferindo-a ou indeferindo-a conforme o caso. Deferindo a petição inicial, o juiz
emitirá, sempre inaudita altera parte, o mandado de pagamento ou de entrega,
conforme o caso (dinheiro ou outro bem); indeferindo-a, determina a extinção
liminar do processo monitório.84
83 Cândido Rangel DINAMARCO. A reforma do Código de Processo Civil. op. cit., p. 750. 84 Cândido Rangel DINAMARCO, A reforma do Código de Processo Civil. op. cit., p.751.
7.2 MANDADO DE PAGAMENTO OU DE ENTREGA
O mandado monitório é a decisão interlocutória com que o juiz
determina ao réu o pagamento do valor pecuniário ou a entrega da coisa móvel
devida; dele o réu é intimado no mesmo ato da citação, sabendo-se que, por
definição legal, a intimação pode conter a ordem para fazer ou deixar de fazer
alguma coisa. Essa decisão é o ato concessivo da tutela jurisdicional
parcial possível na primeira fase procedimental do processo monitório. Não é
uma sentença, porque não põe fim a processo algum mas apenas a essa fase
inicial (CPC. Art. 612, §§ 1º e 1º); o processo monitório só terá fim, depois de
proferida essa decisão, quando a execução chegar ao fim ou se, no processo dos
eventuais embargos, vier a ser proferida sentença que determine sua extinção.
Como é inerente a esse processo diferenciado, a cognição sumária, a decisão
concessiva da ordem a pagar ou entregar não contém, sequer de modo implícito,
a declaração de existência do direito subjetivo material do autor .85
No processo monitório o autor não pede uma declaração de mérito,
o juiz não recolhe elementos cognitivos para formar convicção a respeito, ele
efetivamente não se pronuncia sobre isso e não há norma legal mandando
agregar efeitos secundários à decisão concessiva do mandado. Além do mais,
seria uma arbitrariedade afirmar um suposto conteúdo declaratório na decisão
concessiva da ordem para pagar ou entregar, como decorrência da inércia do réu
que não embargou.
O mandado monitório é realmente um mandado, ou seja, um
comando a pagar ou entregar. Não chega todavia a revestir-se do coeficiente de
mandamentalidade inerente às sentenças mandamentais, porque a lei não o dota
de eficácia capaz de autorizar o juiz a exigir sua obediência mediante imposição
das medidas próprias às obrigações de fazer ou de não-fazer; e isso é muito
85 Cândido Rangel DINAMARCO. A reforma do Código de Processo Civil. op. cit., p.752.
natural e lógico, diante da estreita sumariedade da instrução que antecede a
emissão do mandado, sendo este concedido inaudita altera parte e portanto sem
a menor oportunidade para qualquer participação defensiva do demandado.86
7.3 NATUREZA DA DECISÃO LIMINAR
Tenha-se presente que o ato decisório que indefere o processamento
da petição inicial tem a natureza de sentença, que poderá ser impugnada pelo
recurso de apelação. Esse pronunciamento não impede a repropositura da ação
monitória ou mesmo o posterior ajuizamento de ação de cognição exauriente.
A decisão preambular, na hipótese de determinar a expedição do
mandado, possui natureza híbrida, condicionada à atitude a ser tomada pelo réu.
E, diante desse aspecto, a sistemática recursal, não será uniforme.
Seja como for, o referido pronunciamento judicial, especialmente
em caso de deferimento do pedido, deve atender ao disposto no artigo 93,, inciso
IX, da Constituição Federal, explicitando o juiz, de modo tanto quanto for
possível minudente, as razões de seu convencimento impositivo de uma
determinada sanção ao devedor.87
7.4 CITAÇÃO E INTIMAÇÃO
O primeiro ato a realizar depois do mandado concedido é a citação
do réu, mediante a qual ele tem ciência da demanda proposta e torna-se parte no
processo. Como toda citação, a que se faz no processo monitório leva também
ao citado uma intimação, que no caso é representada pelo mandado a pagar
86 Ibidem. op. cit., p.754. 87 José Rogério Cruz TUCCI. Ação monitória. op. cit., p. 90.
determinado valor em dinheiro ou a entregar coisa certa móvel. A citação é feita
pelos modos estipulados no CPC , sem peculiaridades inerentes ao processo
monitório. O prazo para cumprimento é de quinze dias, que se conta da
consumação do iter procedimental do modo citatório escolhido ( juntada do
aviso de recepção ou do mandado cumprido). O instrumento da citação incluirá
a advertência ao réu. De que, não cumprindo nem oferecendo embargos nesse
prazo, terá início a fase executiva, sem mais oportunidade para oferecer defesa
de mérito nesse processo; a lei não manda de modo expresso que essa
advertência seja feita no processo monitório mas, como a conseqüência da
omissão do réu nesse processo é até mais grave que a da revelia no processo de
conhecimento, ela é indispensável ( decorrência da garantia constitucional do
devido processo legal).88
7.5 AS TRÊS POSSÍVEIS CONDUTAS DO RÉU
Sendo citado e recebendo o comando a cumprir, três
comportamentos poderá ter o réu, cada qual com seus efeitos relevantes.
Cumprindo, ele dará causa à extinção normal do processo
monitório, cuja finalidade satisfativa estará realizada. Embargando, o processo
monitório se suspende e suspenso permanecerá até o final do julgamento.
Omitindo-se, sem cumprir nem embargar, fica liberada a eficácia executiva do
mandado monitório, tendo início a fase executiva.
7.6 CUMPRIMENTO DO MANDADO E A DISPENSA DOS ENCARGOS
DA SUCUMBÊNCIA
88 Cândido Rangel DINAMARCO. A reforma do Código de Processo Civil. Op.cit., p. 754.
O efeito substancial do cumprimento do mandado no prazo é a
extinção da obrigação por adimplemento. Posto que provocado mediante as
técnicas do processo monitório, esse ato de satisfação do direito do autor é um
ato voluntário e rege-se por normas de direito material. O pagamento deve ser
integral, a coisa entregue deve ter as especificações decorrentes da lei ou do
contrato, eventual mora anterior terá produzido seus efeitos etc (CC, arts. 930
ss.) etc.; eventuais exigências do autor, além dos limites ou valores corretos
segundo a lei material, poderão levar o réu a não cumprir o mandado e lhe
servirão como fundamento para possíveis embargos a ele. Como incentivo ao
cumprimento e portanto à efetividade do processo monitório, o Código de
Processo Civil, dispensa o réu de arcar com o custo financeiro do processo, em
caso de ele atender no prazo ao mandado, cumprindo a obrigação ( art. 1.102-c,
§ 1º).89
89 Cândido Rangel DINAMARCO. A reforma do Código de Processo Civil. op. cit., pp. 755-756.
8. EMBARGOS AO MANDADO MONITÓRIO
A palavra “ embargo”, empregada no singular, significa o interdito
posto a uma coisa para que permaneça no mesmo lugar ou no mesmo estado.
Entretanto, quando empregada no plural, “embargos”, significa um meio de
impugnar o pedido em várias causas sumárias e de processo especial- como os
opostos nas ações cominatórias, nas decendiárias e nas executivas -, bem como
um meio de impugnar o pedido nas execuções de sentença.90
Os embargos opostos ao mandado dão origem a um processo
incidente ao processo monitório, sobre o qual produzirá os efeitos que em
sentença forem impostos. O objeto do processo dos embargos monitórios é
definido na petição inicial do réu-embargante e consistirá, conforme o caso, na
pretensão à extinção do processo embargado por inexistência da obrigação, à
redução de seu objeto ou à sua extinção por ausência de pressupostos. O mais
importante dos fundamentos desses embargos é, naturalmente, o de inexistência
da obrigação, o qual, se vier a ser acolhido, produzirá a extinção do processo
90 J.E. Carreira ALVIM, Ação monitória e temas polêmicos. op. cit., p.131.
monitório e declaração imperativa de que a obrigação inexiste; mas, como regra
geral, tem cabimento neles toda a matéria defensiva que no processo de
conhecimento poderia ser objeto da contestação ou das exceções rituais.
Assim configurados e assim inseridos no sistema da tutela
monitória, os embargos ao mandado são uma relação processual autônoma e
desenvolvem-se segundo um procedimento que não se confunde com o
procedimento monitório. Por disposição expressa de lei, esse procedimento é
ordinário (art.1.102-c,§ 2º). O processo dos embargos principia por iniciativa do
réu-embargante, expressa em uma petição inicial com os requisitos ordinários
desta e termina com uma sentença que lhe põe termo, com ou sem o julgamento
do mérito. Diz-se que esse processo é incidente no processo monitório, porque
instaurado com o objetivo imediato de exercer alguma influência sobre o destino
deste (extingui-lo, reduzir-lhe o objeto etc.); é sempre, realmente, um processo
incidente e não um incidente do processo monitório, porque seus atos não são
atos deste e ele tem vida própria.91
8.1 DA NATUREZA JURÍDICA DOS EMBARGOS
Os embargos a serem utilizados pelo réu no processo monitório,
fazendo as vezes de meio de combate à pretensão do autor, trouxeram polêmica
quanto à sua natureza; alguns consideraram tratar-se de verdadeira ação
incidental92, enquanto outros entenderam-nos como uma própria peça
contestatória.93
Carreira Alvim, esclarece que “ a defesa se faz através de
embargos, os quais, se bem que não tenham a natureza de uma ação incidental
91 Cândido Rangel DINAMARCO. A reforma do Código de Processo Civil. op. cit., p. 757. 92 Antonio Carlos MARCATO. op.cit., pp.116-117. 93 J.E. Carreira ALVIM. Ação monitória. op.cit., p.135.
(como nos embargos do devedor), objetivam, a um só tempo, suspender a
eficácia do mandado inicial e obter uma sentença de mérito de usa revogação .
O fato de estarem processados nos autos principais não exclui ou
modifica sua natureza de oposição autônoma. Isso ocorre em função das
características essenciais do processo monitório, ou seja, a celeridade e a
economia.94
Vários pontos na própria legislação afastam a hipótese de os
embargos serem apenas uma peço de contestação, isto é, existe a clareza de que
os embargos serão processados nos próprios autos e não necessitam de
segurança do juízo. Outro ponto a considerar é a constituição do título sem a
apresentação de embargos e o fato de o juiz rejeitá-los, o que elimina por
completo o entendimento equivocado, pois se fosse contestação, não teria por
que o legislador esclarecer seu processamento nos próprios autos e nem a falta
de segurança do juízo; além disso, o revel teria o direito de apelar se o título
fosse constituído por sua omissão, tendo em vista que ele recebe o processo no
estado em que este se encontra.
A diferença entre processo incidente e incidente no processo
explica-se na medida em que os incidentes ocorridos no processo são
procedimentos menores, anexos e paralelos ao principal e dele dependentes, sem
vida própria: não dão formação a uma nova relação processual e terminam com
uma decisão interlocutória, não com sentença, enquanto que, processo incidente
é um processo novo, uma nova relação processual, que se instaura por causa de
outro já pendente e destinado a exercer alguma influência sobre ele.95
94 Edilton MEIRELES. Ação de execução monitória. op. cit., p.90. 95 Cândido Rangel DINAMARCO. A reforma do Código de Processo Civil .Op. cit., p. 758.
9. DISTINÇÃO ENTRE OS EMBARGOS À EXECUÇÃO E OS
EMBARGOS NA AÇAO MONITÓRIA
A grande analogia conceitual e funcional entre os embargos ao
mandado e os embargos à execução é atenuada pela circunstância de que aqueles
se admitem sem prévia segurança do juízo, enquanto que estes são a reação do
executado a um ato constritivo já consumado. Enquanto na execução forçada
penhora-se antes para depois embargar, aqui embarga-se primeiro para só depois
penhorar se for o caso. Essa diferença entre as duas construções constitui reflexo
da probabilidade maior de existência do crédito, revelada nos títulos executivos,
que aquela revelada por um simples documento sem eficácia para executar, mas
bastante para dar início ao processo monitório.96.
9.1 PARTES NOS EMBARGOS AO MANDADO MONITÓRIO
96 Cândido Rangel. DINAMARCO, A reforma do Código de Processo Civil. op. cit., p.758.
São partes legítimas aos embargos monitórios o réu e o autor do
processo principal, em posições invertidas: sendo tais embargos configurados
tecnicamente como uma ação do réu ao autor, a legitimidade ativa para opô-los é
do que figura como parte passiva no processo monitório e a passiva, do que lá
está como demandante.
Essas legitimidades não são necessariamente conjuntas, não é
indispensável que os embargos sejam opostos por todos os réus do processo
monitório nem em face de todos os seus autores, isso ocorrendo, poderá deixar
de haver um litisconsórcio no processo dos embargos, embora no principal
houvesse.
Pode também acontecer que dois ou mais réus ofereçam embargos
ao mandado monitório, mas mediante iniciativas próprias e não conjuntamente.
Formar-se-ão com isso tantos processos de embargos quantos forem os
embargos opostos, sem que em nenhum deles se configure um litisconsórcio.
9.2 COGNIÇÃO PLENA
Ao estabelecer que o procedimento dos embargos ao mandado será
ordinário, sem fazer ressalva alguma, o artigo 1.102-c,§2º do Código de
Processo Civil abre caminho para o entendimento de que será exauriente a
cognição nesse processo, ou seja, capaz de chegar às maiores profundidades
imagináveis. Não se excluem fontes ou meios de prova, não se abreviam prazos
para as diligências probatórias e a fase instrutória é íntegra como só acontece no
procedimento ordinário.
Todos os fundamentos defensivos podem ser deduzidos pelo réu,
como em uma contestação, sendo admissíveis também as argüições de
incompetência relativa, suspeição e impedimento do juiz, que no processo
ordinário, teriam cabimento mediante exceções rituais. O Superior Tribunal de
Justiça chega admitir até mesmo a reconvenção pela via dos embargos ao
mandado e, se essa orientação for correta, por conseqüência também a ação
declaratória incidental deve ser admitida. Mas, um pouco contraditoriamente, os
tribunais relutam em admitir a denunciação da lide e o chamamento ao processo
nesses embargos.
Essa amplitude cognitiva é um imperativo do sistema de tutela
monitória, onde inexiste o contraditório prévio à emissão do mandado, ficando
ele diferido aos embargos que o réu pode opor: concede-se o mandado inaudita
altera parte, mas nos embargos abrem-se as maiores oportunidades para a defesa
do réu-embargante.97
9.3 ÔNUS DA PROVA
É do autor-embargado o ônus da prova dos fatos constitutivos de
seu alegado direito e é do réu-embargante o de provar os fatos impeditivos,
modificativos ou extintivos. Nenhuma alteração se dá nos critérios para a
distribuição do ônus probatório, pela mera circunstância de os embargos ao
mandado serem tecnicamente configurados como processo distinto do
monitório.
9.4 NATUREZA E EFEITOS DA SENTENÇA PROFERIDA NOS
EMBARGOS AO MANDADO
97 Cândido Rangel DINAMARCO. A reforma do Código de Processo Civil. op. cit., pp. 759-760.
A sentença proferida nos embargos ao mandado tem uma natureza
variável segundo o pedido que o embargante houver deduzido e o modo como
esse pedido for julgado:
embargos rejeitados;
acolhidos por inteiro; ou
parcialmente acolhidos.
Ao acolher os embargos fundados na inexistência do direito do
autor ( embargos de mérito), o juiz ao mesmo tempo declara essa inexistência e
determina a extinção do processo monitório; ainda quando o dispositivo não
esteja formalmente disposto em capítulos, sua interpretação racional conduz a
perceber que o resultado dos embargos não será só ode pôr fim ao processo
monitório nem só o de declarar negativamente o direito afirmado pelo autor-
embargado. A conseqüência prática é que, pelo teor declaratório que contém
essa sentença fica imunizada pela autoridade da coisa julgada material, para que
no futuro jamais se possa afirmar a existência do direito.
A decisão que ordena a extinção do processo monitório não recebe
essa autoridade porque não é dotada de efeitos-jurídicos materiais, mas, uma vez
passado em julgado, pelo fenômeno da preclusão aquele processo se reputa
inexoravelmente fadado à extinção.
Essa mesma natureza e esse mesmo efeito processual tem a
sentença que acolhe os embargos nos quais se haja pedido somente a extinção
do processo monitório, por fundamento diferente da inexistência do direito
(ilegitimidade ad causam, documento insuficiente, inadequação). Se os
embargos se limitaram a pedir uma outra providência que não a extinção do
processo, como a remoção deste ao órgão judiciário competente ou o
afastamento do juiz impedido, a sentença que os acolhe terá também eficácia
puramente processual, determinando a medida que houver sido pedida e o juiz
entender cabível- mas, nesse caso, não se extingue o processo monitório.
A sentença que rejeita os embargos de mérito é declaratória
positiva, afirmando existente a obrigação do embargante, e também dotada do
efeito processual consistente na determinação de que o processo monitório
prossiga. Se os embargos dessa natureza forem recebidos em parte e rejeitados
em parte, a sentença será ideologicamente cindida em um capítulo no qual é
declarada existente parte da obrigação, e outro, no qual a outra parte da
obrigação é declarada inexistente e em um terceiro capítulo, contendo a
determinação de que o processo prossiga, com o objeto reconhecido no primeiro
deles.
Jamais será condenatória a sentença que acolhe os embargos,
mesmo os de mérito. O que diferencia as sentenças condenatórias em face das
meramente declaratórias é o momento sancionador que as primeiras contêm e
estas, não: ao condenar, o juiz não só declara existente o direito do autor ( como
em uma sentença declaratória positiva), como também institui um título para a
execução forçada. Ora, no sistema da tutela monitória já é assegurado ao autor
um título executivo judicial, que é o próprio mandado, cuja eficácia fica liberada
quando os embargos não são opostos ou quando vêm a ser rejeitados; basta
portanto rejeitá-los, para que a execução possa ter início, sem condenação
alguma. Nem seria admissível proferir uma condenação em favor do autor-
embargado, quando ele figura no processo dos embargos como demandado e
não como demandante, e portanto sem postular essa suposta condenação.
10. DA ADMISSIBILIDADE DO PROCEDIMENTO EM FACE
DA FAZENDA PÚBLICA
A execução contra a Fazenda Pública lastreia-se, em princípio, em
título judicial, de modo que o detentor de título extrajudicial, como uma
verdadeira exceção à regra geral prevista no Código de Processo Civil, mas
justificada pela peculiaridade dos princípios que informam o direito público,
deve propor ação de conhecimento para a obtenção de título judicial, para, tão-
só em seguida, promover a respectiva execução.98
Diante deste entendimento, a ação monitória seria o meio para que
o credor, portador de título extrajudicial, pudesse obter, em menor espaço de
tempo, título judicial contra Fazenda, não fossem inúmeros obstáculos de
natureza processual e material:
O procedimento traçado para a execução por quantia certa contra a
Fazenda Pública não se amolda às particularidade da ação monitória. Seria
impraticável admitir a emissão de uma ordem de pagamento, exarada no bojo do 98 Vicente GRECO FILHO. Da execução contra a Fazenda Pública, SP: Saraiva, 1986, pp.58-59.
procedimento monitório, dirigida à Fazenda Pública. Basta atentar-se para a
regra do inciso II do art. 730 do Código de Processo Civil, impositiva do “
pagamento na ordem de apresentação do precatório”.99
Antônio Raphael Silva Salvador ressaltou, não ser cabível a ação
monitória em face da Fazenda Pública, “pois impossível expedir-se desde logo
contra ela um mandado para pagamento ou para entrega de coisa. Os direitos da
fazenda são considerados indisponíveis... Se não se pode, nem mesmo em
execução por título judicial, exigir o pagamento em vinte e quatro horas ou
mesmo a penhora de bens, havendo execução especial na forma dos arts. 730 e
ss. Do Código de Processo Civil, como, então, exigir-se o pagamento por
mandado ou a entrega de coisa antes da sentença judicial e antes da execução
especial a que tem direito a Fazenda ?.... Como poderíamos aceitar que o
mandado expedido initio litis já determinasse à Fazenda que fizesse um
pagamento que não poderia fazer por depender de orçamento e de destinação
apropriada da quantia, tudo a exigir precatório?.... Poderia a Fazenda Pública
pretender pagar o que é pedido na ação monitória não respeitando a ordem
normal dos precatórios? Evidentemente que não.”
José Henrique Mouta Araújo, nega igualmente a viabilidade da
monitória em face da Fazenda Pública.
De modo semelhante, Vicente Greco Filho , sustenta “ descaber a
ação monitória contra a Fazenda Pública”, visto que contra esta “ não se
admitem ordem para pagamento e penhora, devendo, pois haver processo de
conhecimento puro...”.100
99 José Rogério Cruz TUCCI. A ação monitória. Op.cit., p.74. 100 Vicente GRECO FILHO. Comentários ao procedimento sumário, ao agravo e à ação monitória , SP: Saraiva, 1996, p.52.
Contudo, outros autores pugnam pela adequação da ação monitória.
Na terceira edição da obra intitulada A reforma do Código de Processo Civil,
Cândido Dinamarco, apesar de concordar que toda a discussão deve excluir os
casos de “ injunção a entregar coisas diferentes do dinheiro”, reputa possível o
ajuizamento da monitória contra a Fazenda Pública, uma vez que a aquiescência
ao mandado de pagamento não constitui adimplemento por força de condenação,
mas, sim, “satisfação voluntária, tanto quanto o que se faz em atendimento a
uma cobrança”.101
Carreira Alvim, afirma que “ o procedimento monitório, como o
ordinário, possibilita a cognição plena, desde que a Fazenda Pública ofereça
embargos. Assim, se o credor dispõe de um cheque emitido pela Fazenda
Pública, que tenha perdido a eficácia de título executivo , na da impede se valha
da ação monitória para receber o seu crédito”. E conclui que, “ se não forem
oferecidos os embargos, forma-se o título executivo ‘judicial’, convertendo-se o
mando inicial em mandado executivo, prosseguindo-se na forma prevista no
Livro II, Título II, Capítulos II e IV , cumprindo distinguir que se trata de
execução para entrega de coisa (arts. 621 a 631) , ou por quantia certa (arts. 730
a 731)”. 102
Constata-se que, para admitir o seu cabimento , conforme afirma
Carreira Alvim , parte do pressuposto de que a Fazenda sempre irá oferecer
embargos. Nessa hipótese, ou seja, de oposição de embargos pela Fazenda ,
todos os problemas procedimentais que conspiram contra adequação restam
minimizados , uma vez que o trânsito em julgado da decisão de improcedência
do pedido formulado naqueles consolida o título executivo que lastreará a
execução. Mas é evidente que não se pode admitir o cabimento de uma espécie
de tutela processual dependendo da atitude a ser tomada pelo demandado.
101 Cândido Rangel DINAMARCO. A reforma do Código de Processo Civil . Op. cit., p.234. 102 Carreira J.E. ALVIM. Procedimento monitório. Op. cit., p. 148.
Além dos regramentos traçados pelos arts. 100 da Constituição
Federal e 730 do Código de Processo Civil, dispõe o art, 475 deste diploma legal
que estão sujeitas ao duplo grau de jurisdição as sentenças proferidas contra a
União, o Estado e o Município. Consequentemente, a eficácia de tais decisões se
subordina ao denominado reexame necessário.103
11. RECURSOS NO PROCEDIMENTO MONITÓRIO
Na primeira fase do processo monitório, dita fase monitória,
dificilmente o juiz proferirá alguma decisão interlocutória suscetível do recurso
de agravo. A decisão concessiva da ordem para pagar ou entregar tem natureza
interlocutória, mas para impugná-la a lei oferece a via dos embargos ao
mandado, que têm inclusive a eficácia suspensiva negada ao agravo e são a via
adequada a essa impugnação; não se admite agravo contra tal decisão, portanto.
Mas, se em alguma situação extraordinária uma outra decisão interlocutória vier
a ser tomada nessa fase, o agravo será admissível. Na fase executiva do processo
monitório, do mesmo modo que no processo autônomo de execução, o juiz
profere sempre algumas decisões interlocutórias, que são igualmente suscetíveis
desse recurso. Seja em qual fase for, o agravo deverá ser de instrumento e não
retido, porque o conhecimento deste depende sempre da interposição de uma
103José Rogério Cruz TUCCI. A ação monitória. Op.cit., p.77.
apelação e é muito pouco provável que no processo monitório seja proferida
uma sentença a ser objeto desse recurso.
Cabe apelação contra a sentença que indefere desde logo a petição
inicial ou contra a que, em algum momento ulterior, venha a determinar a
extinção do processo monitório. No processo dos embargos ao mandado, que
são um processo de conhecimento de procedimento ordinário, a disciplina
recursal é a que vige para os processos em geral: agravo contra decisões
interlocutórias, apelação contra a sentença.
Da natureza e propósito da tutela monitória decorre que não pode
ter efeito suspensivo a apelação interposta contra a sentença que rejeita os
embargos opostos ao mandado. A oferta da tutela jurisdicional em breve tempo,
que caracteriza os processos diferenciados em geral e o monitório em particular,
ficaria prejudicada se ao autor fossem impostas as demoras inerentes a dois
graus de jurisdição.104
104 Cândido Rangel. DINAMARCO, A reforma do Código de Processo Civil. Op.cit., pp. 763-764.
12. FASE EXECUTIVA DO PROCEDIMENTO MONITÓRIO
No momento em que expedido, o mandado de pagamento ou de
entrega tem sua eficácia condicionada. Em primeiro lugar, espera-se pela
conduta do réu; se ele não pagar nem embargar, consolida-se essa eficácia e o
mandado adquire a plena condição de título executivo. O mesmo resultado
ocorre quando, opostos mas rejeitados os embargos, também ali o mandado
adquire eficácia executiva plena. Em ambas as hipóteses, abre-se a Segunda fase
do procedimento, que é a executiva: o devedor será intimado a cumprir- e não
citado, porque essa é somente uma Segunda fase e não um processo novo- e a
partir de então desencadeiam-se os atos executivos adequados à natureza e
objeto do direito do autor. Realizar-se-á a penhora e prosseguir-se-á segundo os
trâmites da execução por quantia certa contra devedor solvente, se o objeto
desse direito for dinheiro; terá lugar a busca e apreensão da coisa devida,
seguida das providências inerentes à execução para entrega de coisa móvel, se
esse for o objeto devido.
É nessa fase que o Estado-juiz oferece imperativamente ao titular de
direitos a tutela jurisdicional plena, consistente na satisfação do crédito.105
12.1 INADMISSÍVEIS OS EMBARGOS À EXECUÇÃO
A configuração do processo monitório, com duas fases
procedimentais integrantes de um processo só, conduz à inadmissibilidade de
embargos do devedor à execução ali realizada: esse é um processo sincrético
como o das chamadas ações executivas lato sensu, notoriamente refratárias a tais
embargos, os quais exercem um impacto desacelerador sobre as atividades
destinadas à tutela jurisdicional. A discussão sobre o crédito faz-se nos
embargos ao mandado e, opostos estes ou não, pelo fenômeno da preclusão resta
fechada qualquer possibilidade de tornar a ela pela via dos embargos à execução
forçada, que é manifestamente inadequada. Eventuais vícios processuais ou
acontecimentos de eficácia jurídico-substancial acontecidos depois do momento
hábil a oferecer os embargos ao mandado comportarão exame no próprio
processo monitório, em sua fase executiva, sem se cogitar de embargos à
execução. Trata-se dos fundamentos de embargos indicados no artigo 741 do
Código de Processo Civil, dos quais quase todos comportam exame no processo
executivo mesmo e a respeito dos quais é lícito ao juiz pronunciar-se mediante
decisões interlocutórias e sem suspensão da execução forçada. Na execução
monitória, mesmo eventual fato extintivo do direito, como o pagamento feito
depois de julgados os embargos ao mandado, será levado a exame como mera
questão incidente, sem dar origem a um processo de embargos; dá-se o mesmo,
quando um fato dessa natureza houver ocorrido depois do momento apto aos 105 Cândido Rangel DINAMARCO. A reforma do Código de Processo Civil. Op.cit., p. 764.
embargos ao mandado, não havendo estes sido opostos. Para impugnar o valor
cobrado na fase executiva, também no corpo desta o devedor poderá suscitar
uma questão incidente, sempre a ser apreciada por decisão interlocutória, sem
suspensão do processo. 106
13. CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS SOBRE A
CONTUMÁCIA DO DEVEDOR.
A questão a ser debatida é a de saber se a execução que se
prossegue é provisória ou definitiva. Apesar de estar constituído o título judicial
e apesar de não pender recursos contra ele, o que tecnicamente levaria à
conclusão de que a execução é definitiva; há que se observar que o título
judicial, constituído de pleno direito pela não-apresentação dos embargos, é um
título judicial sem sentença que existe nos moldes do processo de conhecimento.
Trata-se de título judicial por equiparação e não pela natureza do provimento.
É um título judicial sui generis, porque o título é resultante do
documento – provimento judicial interlocutório -, fato da não-apresentação dos
embargos pelo devedor.
106 Ibidem. Op. cit., p. 766.
A diferença quanto à impugnabilidade de títulos constituídos em
processo com contraditório efetivo ou contraditório ficto é própria dos países
que adotam a figura do processo contumacial e não do Brasil, em que, havendo
ou não contraditório efetivo, desde que se tenha dado a oportunidade de fazê-lo,
o título tem os mesmos motivos de impugnação, isto é, tenha sido o réu citado
por edital e permanecido revel ou tenha ele efetivamente contestado, a sentença
terá exatamente os mesmos efeitos e meios de impugnação.
Levantamos as seguintes questões, comparando os procedimentos:
1. No procedimento monitório , para se manifestar há apenas o prazo para
embargos, pois com a conversão o processo de execução tem início imediato;
2. No procedimento comum, mesmo com a revelia , o réu poderá não só
apresentar provas , mas, principalmente, terá a possibilidade de recorrer de
qualquer eventual sentença contra ele ( art. 332, Parte II, do CPC).
Diante desta comparação entre um título executivo judicial obtido
em procedimento comum à revelia do réu com o que se obtém em procedimento
monitório pela omissão do mesmo, indagamos sobre a certeza do título judicial
constituído com a contumácia do devedor na ação monitória.
Dessa forma, consideramos acertado que, nos embargos proferidos
na fase executória, o réu poderá deduzir todas as matérias em sua defesa, caso o
título executivo tenha sido obtido por omissão do réu; e apenas as matérias
elencadas no artigo 741 do CPC se tiver ocorrido sentença de rejeição ou
improcedência do embargos, pois o contraditório e a ampla defesa foram
realizados.
14. A COISA JULGADA NO PROCEDIMENTO MONITÓRIO
Em princípio, a coisa julgada pode ser material ou formal, sendo
que a formal, constitui um pressuposto específico da coisa julgada material,
enquanto esta última torna imutáveis os efeitos produzidos por ela e lançados
fora do processo, isto e ,́ existe a imutabilidade da sentença no mesmo processo
ou em qualquer outro, entre as mesmas partes.107
Conhecida como preclusão máxima, a coisa julgada formal exaure
os poderes processuais das partes e do juiz, impedindo que a sentença seja posta
em discussão mediante a propositura de recursos.108
Como a coisa julgada é a imutabilidade da sentença de mérito e de
seus efeitos, aquele que não ficou sujeito ao contraditório, não teve a
possibilidade de produzir provas e suas razões, e não participou da formação do
107 Cândido Rangel DINAMARCO. A reforma do Código de Processo Civil. . 108 José de Albuquerque ROCHA. Teoria geral do processo,
convencimento do juiz, não pode ser prejudicado pela coisa julgada. Nesse caso,
a decisão inicial- com a característica de interlocutória-, proferida sem
participação alguma do réu e com a inexistência dos requisitos citados, contraria
os entendimentos favoráveis na doutrina quanto à existência de coisa julgada
material no procedimento monitório.109
Não se pode afirmar também que a decisão inicial é de mérito ou
que, na monitória, em virtude da celeridade do procedimento, ela é proferida
antes do contraditório; isso porque, mesmo que a declaração de certeza
concedida na decisão seja considerada, por alguns, como a análise do mérito,
tanto este como a coisa julgada não podem ser realizados sem a participação do
réu, sob pena de contrariarem-se os princípios constitucionais do contraditório e
da ampla defesa.
As opiniões entre os doutrinadores são divergentes, enquanto que,
para José de Albuquerque Rocha “as sentenças que não resolvem o mérito não
são alcançadas pela coisa julgada material”, José Rubens Costa , em
contrariedade, afirma: “ Caso o suposto devedor não apresente embargos ou
defesa, a decisão liminar, o decreto injuntivo, com sumária cognição, e nem
mesmo expressa em ato decisório sentença, adquire a eficácia de coisa julgada
material; segue-se existir coisa julgada, mas sem a tradicional sentença de
mérito”.
Diante disso, constatamos que no procedimento monitório, o
instituto da coisa julgada material não funciona, mas somente a coisa julgada
formal, pois, enquanto esta importa na imutabilidade de mérito, ou não de
mérito, apenas no processo em que for proferida, aquela é a imutabilidade da
sentença de mérito exclusivamente fora do processo.110
109 Antonio Carlos MARCATO. Op. cit., pp.98-99. 110 José de Albuquerque ROCHA. Teoria geral do processo. Op.cit., p.229.
Vale ainda ressaltar que a coisa julgada formal, considerada
preclusão máxima, impossibilita a modificação da decisão no próprio processo,
conforme se verifica no procedimento monitório, já que tanto o juiz como as
partes, decorrido o prazo de quinze dias concedido ao réu, não têm a
possibilidade de alterar a decisão inicial.
Para Edilton Meireles “ a decisão que tornaria imutável, com efeito
de coisa julgada, a obrigação monitória, não seria aquela em que o juiz delibera
por constituir o título executivo a partir da prova escrita mas, sim, aquela em que
reconhece a incontrovérsia da obrigação exeqüenda em face da não oposição dos
embargos monitórios”.
Assim, com a conversão, por força de lei, do mandado de
pagamento em título executivo, a decisão passa a ter força de coisa julgada
formal, não podendo mais ser discutida no mesmo processo, porém, pode o réu
levantar as matérias que deixou de discutir no processo monitório e por meio
dos embargos monitório, na fase executória.
15. A INVIABILIDADE DA AÇÃO RESCISÓRIA NO
PROCEDIMENTO MONITÓRIO
Conforme o artigo 485 do Código de Processo Civil, a sentença de
mérito poderá ser rescindida desde que tenha transitado em julgado e desde que
hajam ocorrido os fatos descritos nos itens do referido artigo.
A conversão do mandado monitório se efetiva quando o réu deixa
de se manifestar , dando a decisão liminar a característica de sentença de mérito,
porém não se pode cogitar a existência do trânsito em julgado dessa decisão; isto
porque, o benefício da conversão ocorre pelo fato da preclusão, não se
vislumbrando a possibilidade de interposição de qualquer recurso a esta decisão,
uma vez que a conversão se deu de forma externa , isto e ,́ por força de lei.
O réu poderá defender-se desta decisão, apresentando nos embargos
à execução as mesmas matérias que iria utilizar no recurso, não sendo afetado,
assim, o direito de ampla defesa .
Dessa forma, entendemos ser incabível a ação rescisória para
desconstituir o título obtido na ação monitória, visto que, não houve , conforme
José Rubens Costa , qualquer acertamento do direito entre as partes,111 e sim
uma decisão por meio de cognição sumária que, somada com a inércia do réu,
passou a dar força executiva ao mandado de pagamento, sem a ocorrência do
trânsito em julgado e da coisa julgada material.
Em contrapartida, o meio para anular a declaração de certeza obtida
na monitória é através de ação de conhecimento no rito ordinário, onde os
resultados da ação monitória poderão ser avaliadas e discutidos para receber ,
dessa forma, decisão com força de coisa julgada material.
Ressalta-se ainda, a possibilidade de discutir a decisão obtida na
monitória , sem a manifestação do réu, em ação anulatória ou declaratória de
nulidade , nos termos do art. 486 do CPC, não sendo por outro lado, o mesmo
caminho contra a decisão proferida nos embargos monitórios, pois, nesse caso, o
meio adequado é a ação rescisória , conforme artigo 485 do Código de Processo
Civil.112
111 José Rubens COSTA, Ação Monitória, Op. cit., p.39. 112 Edilton MEIRELES. Ação de execução monitória. Op. it. p. 129.
16. FLUXOGRAMA – PROCEDIMENTO DA AÇÃO
MONITÓRIA113
113 Antonio Carlos MARCATO.
Petição Inicial
Juízo de Admissibilidad
Mandado monitório
Cientificação
Cientificado do Mandado, o
Cumpre o mandado
Mantém-seinerte
Opõe-se embargos ao
d d
SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO MONITÓRIO
conversão do mandado em título executivo
Intimação do devedor para a fase executiva
Rejeição dos embargos
Acolhimento dos embargos
Extinção do processo
17. CONCLUSÃO
Diante da pesquisa sobre o tema, podemos concluir que a ação
monitória foi inserida em nosso ordenamento jurídico com a finalidade clara de
acelerar o processo, atualmente moroso, porém, por tratar-se de instituto novo
em nosso sistema, existe uma certa desconformidade entre os aplicadores do
direito no que concerne a utilização do novo instituto.
Concluímos pela natureza cognitiva da ação monitória, pois
somente após a declaração de certeza cumulada com a preclusão ou com a
decisão proferida no julgamento dos embargos é que a fase executiva do
processo terá início.
Vislumbramos que apesar do autor exercer seu direito de ação
incondicionado na primeira fase do processo, sem a participação do réu na
demanda, este direito é subordinado a vontade do juiz, que fará o juízo de
admissibilidade da ação , apreciando os pressupostos processuais, as condições
da ação e o pedido elaborado pelo autor na petição inicial, podendo , dessa
forma, ser a ação extinta sem o julgamento do mérito por falta de qualquer dos
requisitos.
Consideramos que o procedimento monitório deve estar
resguardado no principal requisito para sua utilização, que é a prova escrita
contendo os requisitos de exigibilidade e liquidez, portanto o objeto que traz ao
juiz o convencimento para expedição do mandado monitório deve possuir
conteúdo suficiente para dar início ao processo.
Frente a controvérsia existente acerca do contraditório no processo,
entendemos tratar-se apenas, de um processo diferenciado, onde o contraditório
ocorre em face determinada, porém com total possibilidade de defesa ao réu.
Como a oposição de embargos pelo réu no procedimento monitório,
remete o processo a via ordinária , fica claro que está resguardado o direito
constitucional das partes, ao contraditório e a ampla defesa. Demonstrando que
o procedimento monitório tem eficácia em relação ao devedor que utilizaria o
judiciário apenas para protelar o cumprimento de suas obrigações.
Tratando-se de procedimento especial, como está classificado por
nosso Código de Processo Civil, possui particularidades, como o não cabimento
de agravo contra a decisão interlocutória proferida na fase inicial, isso justifica-
se plenamente na medida em que o réu possui como meio de defesa os
embargos, onde poderá invocar-se contra a decisão inicial proferida pelo juiz e
também deduzir sua defesa, opção do legislador com a finalidade de tornar
célere o processo. Cabe ressaltar, aidna, que as demais decisões interlocutórias
proferidas no processo poderão ser modificadas por meio de agravo de
instrumento.
O recurso de apelação somente terá cabimento contra a decisão que
indeferir a petição inicial ou no julgamento dos embargos, justamente porque a
decisão proferida será uma sentença, a qual traz como meio de recurso aplicável
a apelação.
O mandado monitório, após o decurso do prazo, será convertido ,
por força de lei, em título executivo, passando a decisão a ter força de coisa
julgada formal, dando ao réu a possibilidade de levantar , por meio dos
embargos monitórios, na fase executiva, todas as matérias que deixou de
apresentar em sua defesa.
Portanto, a ação monitória traz possibilidade inédita para aqueles
que possuem prova de seu direito não suficiente para dar início a execução
forçada, mas que são suficientes o bastante para evitar a morosidade do processo
de conhecimento.
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