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FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES- RJ
O DIREITO SUCESSÓRIO ENTRE OS COMPANHEIROS
VANIRA FONTES FEITOZA
CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ
2006
VANIRA FONTES FEITOZA
O DIREITO SUCESSÓRIO ENTRE OS COMPANHEIROS Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito, da Faculdade de direito de Campos , como requisito à obtenção do título de Mestre.
Prof. Orientador:
Drª.Heloisa Helena Barboza
CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ 2006
VANIRA FONTES FEITOZA
O DIREITO SUCESSÓRIO ENTRE OS COMPANHEIROS
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado, em Direito, da Faculdade de Campos, como requisito à obtenção do título de Mestre. Comissão examinadora Prof. Dr. ... Universidade Prof. Dr. ... Universidade Profª. Drª Heloisa Helena Barboza
CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ 2006
Dedico este trabalho aos meus filhos, José Paulo e Fabrício, num gesto de amor, carinho e determinação.
CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ 2006
Agradeço a Deus por ter me dado saúde, força e resignação para continuar na luta, a que me propus, e, suportar as perdas sofridas.
CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ 2006
RESUMO
Este trabalho é uma reflexão sobre as questões que envolvem as pessoas que
vivem em união estável, bem como os direitos decorrentes dela. Não é uma
questão só nossa, é mundial e aumenta dia a dia. Os Estados se vêem obrigados
a dar-lhe juridicidade. Não se pode negar que talvez o mais antigo e o mais
evidente dos diversos modelos de família seja o concubinato, nas suas mais
variadas formas. No Brasil, diante de sua desmedida proliferação surgiu a
necessidade de se dar dignidade a essas uniões, entre homem e mulher, tendo
sido acolhidas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no
seu art. 226, § 3º, sendo qualificada como “entidade familiar”, mas determinando
que a lei facilite a sua conversão em casamento. Após, surgiram as Leis n.
8.971/94 e n.9.278/96, que introduziram, no ordenamento jurídico brasileiro, o
direito a alimentos e sucessão entre os companheiros, sendo, afinal, consolidado
no Código Civil de 2002, através dos arts. 1.694 e 1.790.
ABSTRACT
This work is a reflection about the issues involving people who live in a stable
union, and the rights derived from it. It isn’t only an issue that concerns a few, but
it is a worldwide issue in a daily basis growing progress. States are bound to give
it a legal protection. We can’t deny that the concubinage is, perhaps, the oldest
and the most evident example of a family pattern. In Brazil, along its growth, arose
the need to offer dignity to these unions between man and woman, which were
accepted and qualified by Brazilian Constitution /1988 at the art. 226, § 3º as
“family entity” and in addition, determining that the law should ease its change into
matrimony. After the Brazilian Constitution /1988, were created the Laws 8.971/94
and 9.278/96, which introduced to Brazilian juridical system the rights of alimony
and inheritance to those whose share their lives existing as concubines. Such
rights were consolidated in the Brazilian Civil Code of 2002 at the articles 1.694
and 1.790.
SUMÁRIO RESUMO ..................................................................................................... 6
ABSTRACT .................................................................................................. 7
INTRODUÇÃO ............................................................................................ 8
CAPÍTULO I
1. A família .......................................................................................... 13
1.1 A família na ordem constitucional ............................................. 18
1.2 As diversas espécies de família ................................................ 21
1.3 A visão das relações familiares no Código Civil ........................ 27
CAPÍTULO II
1. Construindo um instituto jurídico: do concubinato ao companhei –
rismo .............................................................................................. 33
2. União Estável ................................................................................. 37
2.1 Caracterização .......................................................................... 42
2.2 Companheiros e concubinos: distinção ..................................... 45
3. Efeitos da União Estável ................................................................. 49
3.1 Efeitos pessoais ........................................................................ 52
3.2 Efeitos patrimoniais................................................................... 55
CAPÍTULO III
1. Relações Patrimoniais entre companheiros.................................... 57
2 . Direito a Alimentos.......................................................................... 68
3. Regime de bens entre companheiros ............................................. 73
4. Efeitos jurídicos decorrentes de atos lícitos e ilícitos ..................... 75
CAPÍTULO IV
1. O direito sucessório: conceitos básicos........................................... 79
2. Reconhecimento de direitos sucessórios dos companheiros ......... 84
3. Do direito real de habitação ............................................................ 99
4. Sucessão do companheiro no Código Civil .................................. 103
5. Considerações sobre o art. 1.790 ................................................. 107
CONCLUSÃO .................................................................................... 117
REFERÊNCIAS ................................................................................. 119
INTRODUÇÃO
A sociedade se modificou no que diz respeito à família, quebrando tabus,
adotando novos costumes, aceitando situações que eram sequer mencionadas no
tempo dos nossos pais ou avós, fazendo com que a norma jurídica reguladora da
matéria sofresse alterações para se adequar à realidade.
O Direito é sensível a todas estas mutações: sofre o seu impacto e sobre
ele se transforma. Se a sociedade fosse estática o Direito seria estático também,
imporia à vida social um imobilismo incompatível com o senso evolutivo da
civilização.1
As transformações não são de cunho local ou restritas apenas a um
determinado setor da vida em sociedade, elas são globais: na ciência, na
tecnologia, nas comunicações. Hoje, não existe o “longe”, o mundo tornou-se
pequeno, o homem conhece o espaço sideral, venceu obstáculos. As relações
contratuais ou não, podem ser estabelecidas, definidas ou desfeitas através da
internet, por um simples toque mágico desenvolvido pela informática. Está-se
ligado à vida, está-se ligado ao mundo.
Como, então, o Direito, não acompanhar esse ritmo? As relações
interindividuais, de qualquer espécie, precisam ser conduzidas dentro do padrão
da normalidade e da convivência social, onde direitos e deveres se fazem
presentes na vida de cada um e devem ser respeitados.
Apesar de tudo isto, não se quer dizer que os valores morais
desapareceram, apenas a conduta humana, sofrendo influências exógenas, de
acordo com o seu momento histórico, procura preservá-los, adequando as suas
regras de conveniência.
1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, p.2.
9
No campo jurídico, essas transformações foram sentidas com maior
intensidade a partir do final do século XX, principalmente no que diz respeito às
relações familiares, atingindo a própria estrutura da família, que passou a ser
admitida como tal, mesmo não havendo casamento. A mais importante dessas
transformações foi, sem dúvida alguma, a união estável elevada à condição de
entidade familiar, para efeito da proteção estatal prevista no texto da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, art. 226, § 3º.
Deve-se ressaltar que essas transformações não aconteceram tão
rapidamente como se possa pensar. No Brasil, desde as Ordenações Filipinas,
previa-se o reconhecimento do concubinato, desde que houvesse a união de
pessoas “vivendo em forma de marido e mulher, com mesa e leito comuns, por tais
havidos por toda a vizinhança e vila”.2 O Código Civil de 1916 não tratou o
concubinato como instituto. As alusões existentes eram tão-somente, previsões
quanto ao impedimento absoluto para o casamento do cônjuge adúltero com o seu
co-réu, à possibilidade de reivindicação de bens transferidos à concubina, ao
reconhecimento da filiação em relação à prole resultante das uniões
concubinárias, à proibição de doação, à declaração da ilegitimidade passiva
testamentária à concubina e à proibição de instituição de seguro de vida.
Não se deve esquecer que essas transformações enfrentaram preconceitos
e resistências iniciais, que foram abrandadas quer pela jurisprudência, quer pela
orientação doutrinária, quer pelo legislador, principalmente após a Constituição
Federal de 1988, com a edição das Leis n. 8.971/94 e 9.278/96, que passaram a
nortear as relações familiares, sobretudo no que diz respeito aos aspectos
patrimoniais, resultantes dessas uniões informais.
O Direito de Família se enquadra perfeitamente em toda essa mutação,
tanto social quanto juridicamente. As modificações existentes nesse campo do
Direito não procuraram “criar” situações até então inexistentes; pelo contrário,
apenas regulamentaram o que a sociedade já praticava ao arrepio da lei anterior.
2 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Efeitos Patrimoniais do Concubinato. p 17.
10
Um exemplo de mudança social mais importante ocorrida no contexto
familiar, principalmente nos centros urbanos, foi, sem dúvida alguma,a
emancipação da mulher, em particular, a casada, que não tinha voz ativa, era
submissa, reflexo de uma educação retrógrada. Era relativamente incapaz e
passou à plenitude de sua capacidade3, podendo exercer, por si só, todos os seus
direitos, podendo contrair obrigações, sem que precisasse ser assistida.
As relações familiares já não mais se encontram sob o jugo do poder
hierárquico do pater famílias. A relação de poder transmudou-se em relação de
afeto. Essa relação de mando do marido, como chefe da sociedade, deixou de
existir por força do estabelecido na Carta Constitucional Brasileira.
Entretanto, essas mudanças não ocorreram num passe de mágica:
“somente vieram a ser efetivadas após um longo e tortuoso caminho, sendo que
até o final do percurso muitas situações consolidadas na realidade fática eram
simplesmente ignoradas ou mesmo proibidas pelo direito positivo”.4 Logo, com
essas modificações de atitudes entre os integrantes da família e dela com a
sociedade, verifica-se uma nova dimensão, um alargamento do Instituto da
Família.
Além desse redimensionamento das relações familiares, o Direito de
Família também abraçou uma realidade social, à qual não se pode furtar, tamanha
a sua importância, reconhecida como entidade familiar, pela Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, a “união estável”, um termo mais ameno
para as uniões informais, menos pejorativo que o concubinato, ainda que fosse o
concubinato puro.
Nos diversos modelos de família, o concubinato, talvez seja o mais evidente
e o mais antigo de todos e não é um problema social particular do país em que se
vive, é um fenômeno mundial, o que, de certa forma exige uma preocupação
maior, não só no aspecto legal, mas de toda a sociedade, até porque nela se 3 Lei 4.121 de 27 de Agosto de 1962 – Estatuto da Mulher Casada. 4 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo - Uma espécie de família, 2 ed. rev. atual e amp. São Paulo: RT, 2001, p.16.
11
encontra inserido, desde os primórdios, razão pela qual, o Estado se vê obrigado a
lhe dar juridicidade.
O Direito não é estático, está em evolução constante e o ponto alto dessa
evolução encontra-se inserido no reconhecimento, pelo Texto Constitucional de
1988, de outras formas de família, diversas da oriunda do casamento, estendendo-
lhe a proteção estatal, contribuindo, assim, para uma perfeita revolução do Direito
de Família.
Aboliu-se o caráter patriarcal, hierárquico. As relações familiares foram
repensadas. Valorizou-se o bem estar social, onde predomina a dignidade
humana.
O Código Civil de 2002, ao dedicar um título à união estável, ratifica a
existência de mais uma espécie de família no ordenamento jurídico brasileiro: a
união estável, detentora de direitos e deveres, gerando efeitos pessoais e
patrimoniais com conseqüências jurídicas.
O crescimento, a cada dia das uniões informais, entretanto, não arrefeceu o
desejo daqueles que se unem ou querem se unir pelos laços do matrimônio. Para
tudo há uma escolha e esta é movida por razões particulares, sejam de cunho
social, econômico ou religioso. Tanto na união informal, como no casamento a sua
mola propulsora é a esperança da completude das idéias, dos objetivos, do amor
em busca da tal felicidade, às vezes encontrada, outras, não, e, por vezes
interrompida pela morte ou por outra forma qualquer. Essa integração de corpos,
pensamentos e almas, em ambas formas de constituição de família, como dito
anteriormente, geram efeitos tanto pessoais quanto patrimoniais.
Dentre os direitos decorrentes da união estável está o da herança, sendo o
que mais sofreu modificação considerada a sua forma atual disposta no art. 1.790
do Código Civil, diante das leis anteriores: 8.971/94 e 9.278/96.
12
O legislador elevou o companheiro (a) à condição de sucessor na herança
do outro, obedecidas condições procedimentais, sendo, portanto, herdeiro
legítimo, mas não necessário, como o cônjuge. Essa diferença de tratamento
resultou em severas seqüelas, dando margens a gritantes injustiças.
É, sobretudo, nos direitos sucessórios entre companheiros que essas
diferenças são mais fortes, num evidente desrespeito ao princípio da igualdade
estabelecido pela Constituição Federal, que consagrou a união estável como
entidade familiar, merecendo a proteção do Estado, da mesma forma que a família
oriunda do matrimônio, sendo, portanto, descabido não deferir aos companheiros
direitos iguais assegurados aos cônjuges.
O art. 1.790, que disciplina o direito sucessório entre companheiros, à
época em que foi escrito, foi, sem dúvida alguma, um grande avanço. Hoje, distoa,
da evolução ocorrida no direito de família, caracterizando-se em verdadeiro
retrocesso, afetando a igualdade entre as diversas espécies de família5.
Há, portanto, necessidade de que seja revisto, evitando, assim que essas
diferenças existentes no tratamento legislativo dispensado aos cônjuges e
companheiros, sobretudo no que diz respeito ao direito sucessório, não sejam
perpetuadas pela jurisprudência.
5 JUNIOR, Aldemiro Rezende Dantas. Concorrência Sucessória do Companheiro Sobrevivo. RBDF. nº 29. Maio-Junho/2005. p.129.
CAPÍTULO I
1. A Família
Uma das mais antigas instituições da humanidade, senão a mais antiga, é a
família. A sua história se confunde com a própria história. O desenvolvimento das
diversas civilizações tem na família o seu sustentáculo.
A evolução da família está ligada às transformações sociais e aos aspectos
religiosos e econômicos.
Muito se discute sobre a origem da família sob a forma grupal. “Quem
rastreia a família em investigação sociológica encontra referências várias a
estágios primitivos em que mais atua a força da imaginação do que a
comprovação fática; mais prevalece a generalização de ocorrências particulares
do que a indução de fenômenos sociais e políticos de franca aceitabilidade.6
Muitos estudiosos como Mac Lennon e Morgan que através de monumentos
históricos, de observações de tribos indígenas da América, grupos polinésicos,
africanos dos primitivos atuais, ou grupamentos étnicos, procuram chegar às
origens do organismo familiar. São dados valiosos, entretanto, passíveis de
críticas pelas afirmações generalizadas que fazem, apontando como origem da
família a “promiscuidade”, onde todas as mulheres pertenceriam a todos os
homens estendendo essa origem ao tipo familiar “poliândrico”, vários homens para
uma só mulher ou ainda o matrimônio por grupo, união coletiva de algumas
mulheres com alguns homens. Já Ziegler, Starck, Darwin, Westermarck
defenderam a origem da família como monogâmica.7
Neste caso ao nascer uma criança, a maternidade era certa ao passo que
não seria possível saber quem era o pai, com o que afirmam Bossert e
6 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. p 23 7Apud PEREIRA,Caio Mario da Silva. Ob. cit. p. 40.
14
Zannonique “em su origen la família tiene caráter matriarcal, pues es
exclusivamente junto a la madre, por ser ella conocida, que el hijo crece, se
alimenta y educa”8
A controvérsia continua, chegando-se a dizer que a família passou pela
organização matriarcal, entretanto, não sendo esse estágio considerado
obrigatório no desenvolvimento do instituto da família. Esse fato, em alguns
agrupamentos, foi por conta da ausência temporária dos homens que estavam na
guerra ou em caçadas, assim, os filhos ficavam submetidos à autoridade materna,
ou por causa da certeza da maternidade, considerado como fator determinante
das relações de parentesco, em detrimento do parentesco da linha paterna.9
Durante muito tempo a família ocidental viveu sob a forma “patriarcal”, fato
esse comprovado pelos registros históricos, literários, bélicos, etc. A família antiga
teve como norma constitutiva a religião.
Os historiadores do direito romano observaram que nem o nascimento nem
o afeto foram o fundamento da família romana. O fundamento estava fixado no
poder paterno ou no poder do marido, fazendo desse poder a pedra angular dessa
instituição, fazendo desse poder uma espécie de instituição primordial, mas não
explicam como a família se originou, a não ser pela superioridade da força do
marido sobre a mulher, do pai sobre os filhos. Contudo, não é certo atribuir-se à
força a origem do direito. Essa autoridade paterna ou marital, longe de ter sido
causa primeira, foi ela mesma, efeito; originou-se da religião e por esta foi
estabelecida: não foi, pois, o princípio constitutivo da família. A era unidade
religiosa, tinha uma religião própria, a religião doméstica dos antepassados
falecidos.10
A família em Roma, então, era organizada sobre o princípio da autoridade
sobre todos os seus descendentes não emancipados e compreendia tanto quantos
a ela estivessem submetidos. 8 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Efeitos Patrimoniais do concubinato. p.4 9 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito Civil. pp. 24-25. 10 COULANGES, Fustel de. A cidade Antiga. pp. 29-30.
15
O pater concentrava em sua pessoa várias atribuições, além de exercer o
seu poder e força sobre a mulher e os filhos, era chefe político, sacerdote e juiz.
Era o senhor absoluto, (pessoa sui iuris), detinha o direito de vida e morte sobre
seus filhos e mulher e impunha-lhes pena corporal, podia vendê-los, tirar-lhes a
vida, eram, portanto, considerados (pessoas alieni júris).11
A mulher, por sua vez, era totalmente submissa ao marido, nunca teve
qualquer espécie de autonomia, pois, de filha, submissa ao pai, passava à
submissão do marido, não tinha direitos próprios. Entretanto, a mulher podia casar
e continuar sob a autoridade do pai, no casamento sem manus ou integrar a
família marital no casamento com manus. Não se cogitava, porém, que a pessoa
pudesse pertencer a duas famílias, ao mesmo tempo. Podia ser repudiada por
vontade do marido. Os bens só podiam ser adquiridos pelo pater. Ele tinha o total
domínio sobre o patrimônio familiar. Não se pode deixar de dizer que o poder do
pater famílias também se estendia sobre as mulheres casadas com manus com os
seus descendentes.
No que diz respeito ao parentesco, existiam duas espécies em Roma: a
agnação e a cognação. A agnação abrangia as pessoas que estavam sujeitas ao
mesmo pater, mesmo que não tivessem laços sanguíneos, como os filhos naturais
e os adotivos. A cognação compreendia as pessoas que tinham o parentesco
consangüíneo, não sendo necessário que fossem agnadas entre si.12
O casamento com manus era realizado através de solenidades especiais,
tais como a confarreatio, a coemptio e o usus, foi substituído pelo casamento sem
manus.
Tanto a confarreatio, quanto a coemptio, no período clássico já não
existiam, entretanto o usus persistia. Nessa forma de casamento, o tempo de
posse da mulher permitia ao homem adquirir o manus resultante do matrimônio.
11 WALD, Arnold. O Novo Direito de Família. p.10. 12 idem,ibidem. p.1
16
Esse tempo tinha a duração de um ano quando, então, o matrimônio se
consumava.
É nesse ponto que Heloisa Helena Barboza se manifesta a respeito: “há,
comprovadamente, notícia de que o casamento não encontrou disciplina orgânica
no Direito Romano”13 e, no dizer de San Tiago Dantas, não foi, portanto,
conceituado como instituto jurídico.14 Guilherme Calmon Nogueira da Gama
apresenta o paralelismo indicado por esse jurista: “é um quid facit , não é um quid
iuris, no que se assemelha à posse, que era também uma situação de fato entre o
possuidor e a coisa, à qual, entretanto, o direito comunicava certos efeitos
jurídicos”. 15
A semelhança está nos elementos subjetivos e objetivos tanto da posse
quanto do casamento. A affectio maritalis se exteriorizava através da maneira
como o marido tratava a mulher, dava-lhe boa vida social, seu nome, associava-
lhe aos seus costumes, ao seu modo de viver.
A affectio era o elemento subjetivo, representava a intenção do homem em
viver com a mulher para sempre. Caso o animus acabasse, não haveria mais a
possibilidade de permanecer casado, conseqüentemente ocorreria a dissolução do
matrimônio. Já a transferência da mulher para a casa do seu marido, caracterizava
o elemento objetivo, ou seja, a deductio in domum mariti.
A evolução da família romana tinha como objetivo restringir o poder do
pater. Ele perdeu o direito de vida e morte que exercia sobre os filhos e sobre sua
mulher.
Com o passar do tempo esse poder foi perdendo força, passou-se a
conhecer o casamento sine manus; os filhos puderam formar o seu próprio
13 BARBOZA,Heloísa Helena. Família –Casamento – União estável. conceitos e efeitos à luz da Constituição de 1988. p. 125. 14 DANTAS, San Tiago. Direito de familia e das sucessões. p. 31 15 GAMA,Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p.30.
17
patrimônio, adquirido por sua atuação como soldado, por suas atividades
artísticas, culturais ou outras formas quaisquer.
A emancipação dos filhos, que antes era uma pena, passou a ser um favor,
pois eles conservavam os seus direitos sucessórios.
A constituição da família cristã tinha como fator predominante,
preocupações de ordem moral, fundadas sob o espírito da caridade e com ela a
redução do grupo em si, surgiu a partir do século IV com o Imperador Constantino.
Com a restrição da autoridade do pater famílias, a mulher ganhou
autonomia, ela passou a participar da via social e política e o direito da cidade
sobrepô-se ao doméstico e a família, na sua evolução pós-romana, recebeu a
contribuição do direito germânico, seja em relação à espiritualidade cristã, seja em
relação ao número de seus componentes, que ficou restrito aos pais e filhos e
assumiu cunho sacramental.
Já no direito moderno verificam-se novas características: houve uma
descentralização do poder autoritário para uma organização fundada na
compreensão, no amor. As relações de parentesco já não mais se fixam no
agnatio e sim pela vinculação biológica da consangüinidade.16 No direito pátrio, no
que diz respeito ao poder familiar, ele é exercido pelos pais; os filhos podem
adquirir bens, porém, quando menores, são administrados e usufruídos pelos pais.
Os direitos e deveres dos cônjuges, relações matrimoniais, são
equiparados pelo texto constitucional de 1988 (art. 226, § 5º), orientação
incorporada pelo Código Civil de 2002 (art. 1511).
Contudo, fala-se que modernamente, houve uma desagregação familiar e
uma perda de seu prestígio.17 Michelle Perrot assim se manifesta: “A família tal
qual a herdamos do século XIX, está em frangalhos. Isto assusta? Não, argumenta
16 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Ob.cit. p.28 17idem,ibidem,p.28.
18
a historiadora francesa. Uma outra está a caminho: a que tenta conciliar a
liberdade individual com os laços afetivos do velho lar. Essas mudanças têm, de
imediato, custos e vantagens, cujo saldo é difícil calcular. Não é a família em si
que nossos contemporâneos recusam, mas o modelo excessivamente rígido e
normativo que assumiu no século XIX. Eles rejeitam o nó, não o ninho.18
1.1 A Família na ordem constitucional
A Constituição Brasileira de 1891 limitava-se ao reconhecimento do
“casamento civil cuja celebração seria gratuita”. A de 1934 se inspirou na
Constituição de Weimar e introduziu no seu texto um capítulo especial, “Da
Família”, com quatro artigos.
Heloisa Helena Barboza “observa que na Constituição de 1891, a primeira
da República, houve a inserção do casamento no texto constitucional, com o
objetivo tão somente de reconhecer o casamento civil, sendo que tal previsão foi
repetida na Emenda de 1926”.19
A Constituição de 1934 estabeleceu que “o casamento era indissolúvel e
estava sob a proteção especial do Estado” e estabelecia os casos de desquite e
de anulação de casamento e também determinava o recurso ex officio suspensivo,
com o objetivo de dificultar o seu desfazimento; que o casamento religioso
produziria os mesmos efeitos que o civil, desde que o seu rito não contrariasse a
ordem pública e os bons costumes.
A referida Constituição se preocupou mais com o “casamento”, origem da
família, do que com a “família” mesma; atendia mais à formalística do que a
substancialidade da instituição.
A Constituição de 1937 foi mais contundente: cuidou principalmente da
substância da família; como a Constituição de Weimar, “assegurou compensações
18 PERROT, Michelle. O nó e o ninho. Revista Veja, 25 anos. Reflexões para o futuro. pp. 75- 80- 81. 19 BARBOZA, Heloísa Helena. Ob. cit. p. 130.
19
para as famílias numerosas na proporção de seus encargos, o que se transformou
n “salário-família”; determinou como primeiro direito e dever dos pais, a “educação
integral da prole”, cabendo ao Estado suprir as deficiências e lacunas da
“educação particular”; proclamou a igualdade jurídica dos “filhos naturais” com os
legítimos, assegurando-lhes os mesmos direitos. Da mesma forma que a
Constituição de 1934, determinou o “amparo da infância e da juventude”.
A Constituição de 1946 estabeleceu uma ponte entre o formalismo familial
de 1934 com o substancialismo social de 1937; garantiu validade jurídica do
casamento religioso, quando inscrito no registro civil; obrigatoriedade da
assistência à maternidade, o amparo das famílias numerosas, a indissolubilidade
do casamento, etc.20
A Constituição de 1967 continuou com o mesmo tratamento em relação ao
casamento, somente sofrendo alteração em 1977, mediante a Emenda
Constitucional 09, de 28 de Junho, a qual permitiu a dissolução do vínculo
matrimonial, com restrição aos casos previstos em lei, sendo, portanto, necessária
uma separação judicial prévia e por um período superior a três anos, reforma essa
que foi sacramentada pela Lei n. 6.515, de 26 de Dezembro de 1977, ou seja, a
Lei do Divórcio.21
Com o alargamento das matérias contidas nos textos constitucionais, não
se limitando apenas à estruturação e organização de seus poderes e
conseqüentemente à competência dos mesmos, no dizer de Luis Roberto Barroso:
“O direito constitucional brasileiro deixou de ser um conjunto de aspirações
políticas e uma convocação à atuação dos Poderes Públicos.22
Diante das mudanças ocorridas, redefinida a posição da Constituição na
ordem jurídica brasileira, passou a ser premissa do seu estudo o reconhecimento
de sua força normativa, o caráter vinculativo e obrigatório de suas disposições.23
20 JACQUES, Paulino. Curso de direito constitucional. pp. 272-273 21 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob.cit. p. 53. 22 BARROSO, Luis Roberto.”A nova Interpretação Constitucional”. p. 43. . 23 Idem, ibidem, p.43.
20
O Código Civil de 1916, regulador único das relações privadas, vinha se
esgarçando devido a proliferação dos microssistemas dentro dessas mesmas
relações, deixando de ser, então, a Constituição do direito privado.24 Esclarece
Gustavo Tepedino que:
Com a Constituição de 1988 o Código Civil perde, assim,
definitivamente o seu papel de constituição do direito privado. Os textos
constitucionais,paulatinamente, definem princípios relacionados a temas
antes reservados exclusivamente ao Código Civil e ao império da
vontade: a função social da propriedade, os limites da atividade
econômica, a organização da família, matérias típicas do direito privado25
A Constituição passou a ser além de um sistema em si, mas também um
modo de se ver e entender todos os demais ramos do Direito, permitindo uma
reinterpretação do direito infraconstitucional sob sua ótica.26
A Constituição de 1988 deu nova feição ao instituto jurídico da família e
três de seus pontos podem ser destacados como relevantes: entidade familiar,
planejamento da família e assistência direta à família.
O direito não é estático, está em evolução constante. Sensível a essa
evolução o texto constitucional reconheceu a família não resultante do casamento,
oriunda da união livre entre um homem e uma mulher, denominada “união
estável”e elevada à condição de “entidade familiar”, pela Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988.
Até então, a família oriunda do casamento tinha a proteção do Estado. As
famílias extramatrimoniais nem sequer eram cogitadas.
24 TEPEDINO, Gustavo. Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do Direito Civil. Temas de Direito Civil.p. 2 25 Idem, ibidem, p.7 26 BARROSO, Luis Roberto. Ob.cit. p. 44.
21
O artigo 226, da Constituição Federal, determina que o Estado dê proteção
especial à família por ser ela a base da sociedade. É de se notar, apesar dos
avanços ocorridos e do esforço da doutrina e da jurisprudência, certa
preocupação conservadora do legislador em relação ao casamento.
Contudo essa concepção da família fundamentada somente no casamento,
projetada para uma sociedade, calcada no patriarcalismo e altamente
hierarquizada, não teve condições de subsistir e, com o passar do tempo,
principalmente nas últimas décadas, em que os padrões de conduta sofreram um
total modificação, acabou por se tornar inadequada.
Acrescente-se a tudo isto o desenvolvimento social, econômico,
tecnológico, a liberação dos costumes, a descoberta dos diversos meios
contraceptivos, o aborto, a modernização da relação pai e filhos, a desvinculação
do poder paterno, o divórcio, o individualismo nas relações familiares e outros
tantos fatores que contribuíram para uma verdadeira revolução do Direito de
Família, que se vê, assim, obrigado a repensar seus conceitos e valores,
especialmente no que diz respeito ao casamento, base da instituição familiar, que
passa a ter outro enfoque. É, justamente nessa fase de repensar do Direito de
Família, que novas entidades familiares passaram a ser regulamentadas e
protegidas pelo Estado.
Por força da Constituição, as relações familiares passaram a ser
funcionalizadas em razão da dignidade da pessoa humana, devendo ser mantidas
e desenvolvidas mediante a repersonalização das entidades familiares, o afeto, a
solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum,
permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe, com base
em idéias pluralistas, solidaristas, democráticas e humanistas.
1.2 As diversas espécies de família
Apesar da resistência dos que insistem em não se dar conta das mudanças
da realidade social, a Constituição Federal de 1988 trouxe um grande avanço para
22
o Direito de Família. O que se pretendeu, na verdade, foi não só o
reconhecimento, mas a ampla aceitação das mudanças da estrutura familiar,
facilitando, assim, a proteção jurídica das pessoas, dever do Estado. Além do
casamento, passaram a ser entidades familiares a união estável e a comunidade
formada por um genitor e sua prole, que vem sendo denominada “família
monoparental”.
A Constituição Federal de 1988, ao reconhecer a união entre o homem e a
mulher como entidade familiar para efeito da proteção do Estado, deu amparo
jurídico a um fato social que sempre existiu e que, até então, mesmo nos tribunais,
recebia tratamento disperso, incerto, por vezes discriminatório. Contudo ao
estabelecer que deve ser facilitada a conversão das uniões estáveis em
casamento, revelou-se preocupação conservadora do legislador em relação ao
casamento.
Sem a conversão, poderia a proteção estatal ser diferente? Tais uniões não
constituem família? Só adquirem este status em decorrência do casamento? A
própria Constituição não prevê que a família é a base da sociedade? E os
companheiros não estão inseridos dentro deste contexto? Se estão, são famílias e,
como tais, também devem receber a proteção estatal, sem contudo, precisarem
lançar mão da faculdade que lhes foi imposta, pela determinação da facilitação,
pela lei, de sua conversão em casamento!
Não obstante, nos diversos modelos de família, a união sem casamento
talvez seja a mais evidente e a mais antiga de todos e não é um problema social
particular de nosso país. É preciso que as pessoas nela envolvidas tenham um
respaldo legal com vistas ao que lhes cabe como direito, após a sua dissolução,
principalmente se dessa união resultarem filhos. Por razões particulares, as
pessoas podem não querer adotar os deveres e direitos do casamento civil. À
evidência tais razões não se enquadram nas previstas no 1.521, do Código Civil
de 2002.
23
Não se quer dizer, entretanto, que qualquer convivência deva ser
reconhecida. Há requisitos para tal: diversidade de sexo, estabilidade, afeto,
respeito mútuo, enfim todos aqueles que caracterizam uma família.
No contexto brasileiro, tem-se uma igualdade legal, entretanto, não se pode
negar a existência de uma desigualdade real, no campo de trabalho, no que se
refere à remuneração, na diferenciação da criação e formação do filho homem e
da filha mulher, a qual, desde cedo, recebe orientação para ser uma dona de casa,
prendada, mesmo que tenha estudado e se formado, até em curso superior, servil,
submissa ao senhor seu marido ou companheiro, esse sim, dotado de um
machismo recebido, não por escolha, mas por herança do meio em que foi criado,
principalmente no interior do Brasil, nas pequenas cidades. Nos grandes centros a
mentalidade é outra, menos arraigada. Diga-se de passagem, que as mudanças
estão ocorrendo em todos os setores da sociedade e a família, como sua base,
não está alheia, está se adequando a elas.
Fazendo um simples retrospecto, não se deve esquecer que a mulher na
condição de esposa ou concubina, companheira, portadora de predicados ou não,
era reduzida à condição de doméstica, servindo e ajudando ao seu marido, ao seu
companheiro, sem nenhuma garantia para o futuro, após a dissolução da união.
De acordo com os ensinamentos de Guilherme Calmon Nogueira da Gama,
vê-se que esse avanço constitucional no reconhecimento da união
extramatrimonial não teve aceitação uníssona da doutrina, pois, uma parte, apesar
de admitir, teceu críticas severas, outra, mais incisiva, mantendo sua posição
conservadorista, dizia que nada havia acontecido que justificasse a revisão dos
princípio e regras do Direito de Família, considerando o casamento como o único
expediente legal, hábil para a constituição da família e que a “entidade familiar”,
continuava como simples relação concubinária ou sociedade de fato e que
continuaria a produzir os efeitos patrimoniais já reconhecidos pela jurisprudência
pretoriana anterior. O autor cita como exemplo dessa corrente:Yussef Said Cahali,
que também considerou o “companheirismo” como sendo uma das causas da
desagregação familiar; Carlos Alberto Bittar, segundo o qual “união estável ou
24
concubinato sem impedimento forma entidade familiar e não família”; e Áurea
Pimentel Pereira, que critica o fato do legislador constituinte ter considerado, como
entidade familiar, o par integrante de uma união estável, mesmo sem a existência
de prole investindo contra todos os princípios éticos e jurídicos do direito de
família, já que ausente qualquer idéia de parentesco e como tal ainda receber a
proteção do Estado da mesma forma que a família legítima.27
Caio Mário da Silva Pereira, sobre o assunto, diz que das inovações
constitucionais a que mais despertou maior interesse e ensejou críticas polêmicas,
foi sem dúvida alguma o reconhecimento da união estável entre pessoas de sexo
diferente, como entidade familiar, “devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento”. As divergências giravam não só em torno da idéia de se reconhecer
qualquer união, entre pessoas de sexo diferente, da equiparação ao casamento,
constituindo uma “entidade” própria, como também em torno da denominação
“entidade familiar”, uma forma eufemística para definir o concubinato.28
Tais críticas não prosperaram, principalmente no que tange à equiparação
ao casamento, já que oferece aos integrantes da união informal, a possibilidade de
transformá-la em casamento, devendo a lei facilitar tal procedimento.
Vê-se com essa preocupação do texto constitucional de conversibilidade da
união estável em casamento a necessidade de manter viva a constituição de
famílias matrimoniais, ao mesmo tempo em que reconhece a existência da união
estável. O que se deve tirar desse paradoxo é que em ambos instrumentos
constitutivos de família, a dignidade da pessoa humana é a premissa maior.
Eduardo Cambi diz:” No entanto, ainda preso à tradição, o constituinte
retrocede, mostrando-se ainda vacilante, ao afirmar, na segunda parte do art, 226,
par.3º, que deveria o legislador facilitar a conversão da união estável em
27 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. “O Companheirismo - Uma espécie de família”. pp. 63-65. 28 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. pp. 37-38.
25
casamento. Desta forma procura-se equiparar em maior ou menor medida, as
uniões livres ao casamento”29.
O fato da Constituição Federal de 1988 reconhecer a união estável como
entidade familiar, não a equipara ao casamento, pois, se assim fosse não teria
sentido a determinação contida no § 3º do art. 226. A conversão nada mais é do
que uma faculdade dos partícipes prevista no art. 8º, da Lei 9.278/96, podendo ser
exercitada, de comum acordo e a qualquer tempo, por requerimento ao Oficial do
Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio. O que não pode acontecer é que
a Lei dificulte o seu exercício diante daqueles que quiserem usá-la.
Sendo o casamento um ato solene e formal com todo um ritual próprio,
pergunta-se: o simples pedido é suficiente? Há de se ponderar que não,
entendendo-se que o requerimento talvez seja o início ao processo de habiltação,
seguindo todos os trâmites legais necessários à conversão em casamento.
Heloísa Helena Barboza, tem a seguinte opinião:
Aos que indagam quais as facilidades a serem concedidas na conversão,
lembramos que, em face da comprovada união estável, algumas
formalidades preliminares podem ser simplificadas, assim as que
concernem à publicação, local e prazo dos editais.30
Notadamente, vê-se uma prevalência do casamento sobre a união estável
no texto constitucional:
“Como espécies de família que são, o companheirismo e o casamento
não são institutos idênticos, a despeito da similitude quanto ao elemento
anímico e psíquico no tocante aos sentimentos recíprocos de afeição, de
comunhão de vida e d’almas. Apesar das semelhanças, ficou patenteada
a prevalência constitucional pelo casamento, motivo pelo qual não
29 CAMBI, Eduardo. Premissas teóricas das uniões extramatrimoniais no contexto da tendência da personificação do direito de família. Direito de Família: aspectos constitucionais, civis e processuais.São Paulo: RT, V.4, 1999. pp.127-128. 30 BARBOZA, Heloísa Helena. Família – Casamento – União Estável – Conceitos e Efeitos à Luz da Constituição de 1988. p. 133.
26
assiste razão àqueles que consideraram desprestigiado o matrimônio
com a nova Constituição”.31
Heloísa Helena Barboza, em relação ao assunto, tem a seguinte posição:
A união estável, porém carece de reflexão quanto a seus efeitos ,
mormente diante da tendência de alguns a equipará-la ao
casamento.Partindo-se da letra da Constituição, encontram-se fartas
razões para repelir tal entendimento. Dúvidas não restam, como
assinalado, quanto a não se confundirem família e casamento. Por
conseguinte, o reconhecimento da união estável como entidade familiar,
por si só, não tem o condão de promover tal equiparação.(...) Existisse
tal identidade, inócua seria a determinação do § 3º, do art. 226, da Lei
Maior, no sentido de se facilitar a conversão da união estável em
casamento. Se idênticos fossem os efeitos, de indagar-se qual a
utilidade de tal conversão. 32
A proteção estatal à união estável tem reflexo no aspecto moral da relação
entre o homem e a mulher frente à sociedade de que são partes integrantes.
No que diz respeito às relações jurídicas internas entre os companheiros
(direitos, deveres e obrigações), a norma constitucional não fez menção alguma,
até porque não lhe cabe regular direta ou indiretamente relações jurídicas de
direito privado, visto que as suas relações pessoais e patrimoniais devem ser
norteadas pela legislação infraconstitucional. Todas as medidas estatais em
benefício da família são extensivas às uniões informais, entre o homem e a
mulher, desde que estáveis e elevadas à categoria de entidades familiares. (Ex:
imóvel locado para moradia da família, benefício da assistência judiciária etc.)
Essa medida protetiva também foi extensiva à comunidade formada entre
um dos genitores e seus descendentes, como espécie de família (art. 226, § 4º).
31 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p 78. 32 BARBOZA,Heloísa Helena. Ob. cit. p.133.
27
Entretanto, apesar da monoparentalidade ser reconhecida como entidade familiar,
o texto constitucional não a estimula.33
Eduardo de Oliveira Leite a respeito da monoparentalidade afirma:
“As famílias monoparentais atuais se recrutam especialmente entre as
ex-famílias biparentais, tornadas monoparentais em decorrência de um
falecimento, mas cada vez mais, agora, pela separação dos cônjuges, ou
pelo divórcio, ou, simplesmente pela opção de ter filhos mantendo-se
sozinho”.34
Não há como fechar os olhos diante das transformações sofridas pela
sociedade, principalmente em matéria de família, daí se entender o
reconhecimento constitucional a respeito de outras espécies de família, aqui
inclusa, a formada por um dos pais e seus descendentes, tem como objetivo a
adequação do ordenamento jurídico à realidade social e cultural.
1.3 A visão das relações familiares no Código Civil
Não se pode ficar indiferente aos novos aspectos das relações familiares,
resultantes das modificações que sofreu o Direito de Família, seja no que diz
respeito à problemática da filiação, às novas entidades familiares, às relações de
poder dentro e fora do casamento, às relações de parentesco com observância
dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, o melhor interesse
da criança, etc.
No direito antigo a família estava alicerçada no princípio da autoridade,
onde a noção de pátrio poder inspirava mais medo que respeito por parte daqueles
que estivessem submissos a ela. O chefe, o pater, era o senhor da vida e da morte
tanto dos filhos quanto da mulher. Não havia o “afeto” como liame entre eles. A
33 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob.cit. p.80 34 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mãs separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. 2.ed. rev. atual.e ampl. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2003. p.31.
28
severidade e a rigidez era a tônica desse relacionamento, não faltando também a
influência religiosa.
Na política era onde o filius famílias gozava de uma autonomia relativa,
pois, como cidadão, o Estado o requisitava não só para desempenhar funções
públicas, como para participar em comícios. No mais, não tinha e nem podia
adquirir bens, a não ser para o pai. Esse princípio não era verdadeiro em relação
às dívidas.35 O pater tinha poder absoluto sobre o filho. Era uma submissão
destinada a durar para sempre, a não ser que ocorresse a cessação: “por morte ou
capitis deminutio do pater, elevação do filho a certas dignidades maiores, ou
emancipação voluntária, o que autoriza dizer que a pátria potestas era vitalícia”.36
O autor, citando Rudolf Von Ihering diz de sua preocupação em demonstrar que o
fundamento ético da família romana era o amor e que a mulher vivia numa
atmosfera de respeito e afeição e os filhos num ambiente de proteção e estima.
Entretanto, esse tipo de relação entre o pater e seus dirigidos não são acordes
com que os documentos jurídicos atestam.
É sabido que essa severidade e rigidez do pátria potestas romano se
estendeu ainda por muito tempo, sendo abrandada na Grécia, procurando-se ,
como justificativa, a economia agrária dos romanos enquanto que o povo helênico
era comerciante e marítimo.
Na época do Imperador Constantino, a venda do filho recém-nascido foi
aprovada tendo como motivo a extrema pobreza dos pais. No direito germânico o
poder paterno não foi tão severo quanto o romano, entretanto havia faculdade de
expor e vender o filho.
Com a evolução do instituto, as relações não se impunham apenas ao pai,
a mãe também passou a ter participação no dever de criar e educar os filhos e a
autoridade paterna cessava com a capacidade do filho.
35 MONTEIRO,Washington de Barros.Curso de Direito Civil-Direito de Família. 35 ed. rev. São Paulo, Saraiva,1999. p. 282. 36 PEREIRA,Caio Mário da Silva. Ob. cit. p. 417.
29
A sistemática romana também predominou no direito das Ordenações, era o
pai quem, exclusivamente, tinha o poder de estabelecer as condições sobre a
criação e educação dos filhos e administrar o seu patrimônio. Nem a emancipação
libertava o filho do jugo paterno. Ele só se liberava da sujeição paterna quando ele,
( o pai) perdia o pátrio poder pelas formas previstas para tal e já mencionadas
anteriormente.
O Código Civil de 1916 atribuía o pátrio poder ao marido e em sua falta, à
mulher, assim era no seu texto original. Com a redação dada pela Lei n. 4.121, de
27/08/1962, a mulher passou a ser colaboradora do marido e na falta ou
impedimento de qualquer dos progenitores o outro passaria a exercê-lo com
exclusividade.
Esse Código não atendia às demandas sociais, e conseqüentemente, às
judiciais, obrigando aos operadores de direito lançar mão de normas
constitucionais, da jurisprudência, da doutrina e até do direito comparado para
resolver os conflitos surgidos.
Mudaram as concepções sobre a família. Passou-se de um poder
hierárquico, autoritário, patriarcal, para o bem-estar social, onde prevalece a
dignidade humana. Mudou o Estado.
Um corte histórico a partir da Constituição de 1937, até os nossos dias,
revela que o ordenamento jurídico pátrio não ficou alheio às modificações sociais:
equiparação dos filhos naturais aos legítimos (havidos do casamento) em todos os
direitos (art. 126). Em 1942 e 1949 surgiram o decreto-lei 4.737 e a Lei 883 que
modificaram a sistemática da filiação conforme constava no Código Civil de 1916,
através das quais não só foi permitindo o reconhecimento dos filhos adulterinos
por escritura pública ou testamento, após a dissolução da sociedade conjugal,
como também lhes concedeu direitos sucessórios. Os filhos adotivos passaram a
ter direito à metade dos bens recebidos, em sucessão, pelo filho biológico
superveniente, direito que lhes foi concedido pela Lei n. 3.133/57. Após surgiram:
a Lei n. 4.121/62 – Estatuto da Mulher Casada, que, ainda que parcialmente,
30
reconheceu às mulheres direitos de livre determinação sobre o fruto de seu
trabalho; a lei n. 6.515/77, que introduziu o divórcio; a Lei n. 7.250/84, a qual
possibilitou que o filho adulterino fosse reconhecido por sentença transitada em
julgado, pelo cônjuge que estivesse separado de fato por mais de 5 anos.37
A Constituição Federal de 1988, art. 226, § 5º, estabelece que “os direitos e
deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e
pela mulher”. Como se pode ver, não há mais a discriminação da mulher. Ela terá
participação significante, definitiva, igualitária na sociedade conjugal quanto aos
direitos e deveres dela resultantes.
As relações pai e filho se manifestam e se estreitam de ambos os lados. A
equiparação dos cônjuges quanto ao poder familiar, reafirmando o princípio da
isonomia, já disposto na Constituição. O Estatuto da Criança e do Adolescente se
pronuncia em seu art. 21, que “o pátrio poder será exercido, em igualdade de
condições, pelo pai e pela mãe”.
Maria Helena Diniz afirma que:
Esse poder conferido simultânea e igualmente a ambos os genitores e,
excepcionalmente, a um deles, na falta do outro (C.C.art.1.690, 1ª parte),
exercido no proveito, interesse e proteção dos filhos menores, advém de
uma necessidade natural, uma vez que todo ser humano, durante sua
infância, precisa de alguém que o crie, eduque, ampare, defenda, guarde
e cuide de seus interesses, regendo sua pessoa e seus bens. Com o
escopo de evitar o juízo paterno-materno, o Estado tem intervindo,
submetendo o exercício do poder familiar à sua fiscalização e controle ao
limitar no tempo, esse poder; ao restringir o seu uso e os direitos dos
pais”38
No entendimento de Caio Mário da Silva Pereira, todos os textos legislativos
referentes ao poder de ambos os genitores exercerem o poder familiar de forma
igualitária, demonstram as transformações da atual sociedade, fazendo com que
37 SOARES, Sonia Barroso Brandão. Código Civil Comentado. pp. 1418-1419. 38 DINIZ, Maria Helena. Ob. cit. p. 513.
31
ambos os genitores, de forma igualitária, tenham condições de administrar a vida
de seus filhos. Observa-se hoje maior inserção das mulheres no mercado de
trabalho e também a intervenção masculina na administração dos lares, ambiente
outrora restrito ao domínio feminino, o que torna o exercício do poder familiar
comum aos genitores.39
Paulo Luiz Netto Lobo entende que, na sociedade brasileira, dois
fenômenos podem ser identificados como responsáveis pela transformação radical
do modelo familiar patriarcal, nas últimas décadas: a concentração urbana e a
emancipação feminina. Foram determinantes o acesso progressivo das mulheres à
educação e ao mercado de trabalho.40
O poder-familiar é uma dever imposto aos pais, pelo Estado, a fim de que
zelem pelo futuro de seus filhos. Ele é indispensável, inalienável, imprescritível,
incompatível com a tutela, e de acordo com o art. 1634, VII do Código Civil,
mantém uma relação de autoridade por haver um vínculo de subordinação entre
pais e filhos, pois os genitores têm o poder de mando e a prole o dever de
obediência.41
A terminologia adotada pelo Código Civil de 2002 no que diz respeito ao
Pátrio Poder, identificando-o como”poder familiar”, não afastou a natureza de
“poder” do instituto, vez que compõe-se de obrigações e responsabilidades
decorrentes da necessidade de proteção dos filhos, como pessoas em processo
de desenvolvimento.42
Apesar da natureza de “poder” do instituto, observa-se a eliminação do
“elemento despótico”, por se estar diante de uma família antipatriarcal. No que diz
respeito aos filhos, investigando-se a trajetória do poder absoluto do pater famílias
39 PEREIRA,Caio Mário da Silva. Ob. cit. p. 421. 40LOBO,Paulo Luiz Netto. O ensino do direito de Família no Brasil. Direito de Família -Aspectos constitucionais civis e processuais. São Paulo: RT, v.4, 1999. p. 305 41 DINIZ, Maria Helena. Ob.cit. p. 514. 42PEREIRA, Caio Mário da Silva. Ob. cit. 426.
32
romano, que incluía o de vida e morte, até o conceito que se tem hoje de
autoridade parental, vê-se que é mais um dever que poder.43
O art. 5º, do Código Civil estabelece o fim da incapacidade aos 18 anos
completos, quando o jovem fica habilitado a praticar todos os atos da vida civil,
sem esquecer, contudo que o parágrafo único, desse mesmo dispositivo,
estabelece situações que autorizam a emancipação, a partir dos 16 anos,
cessando o poder familiar. Por morte dos pais ou do filho, adoção, decisão judicial
(art. 1638 do Código Civil), extingue-se o poder familiar.
O princípio da dignidade humana não só estrutura como dá conformidade a
todos os demais princípios nas relações familiares, com o único objetivo: fixar e
assegurar uma convivência harmônica. 44
43 LOBO, Paulo Luiz Netto. Ob.cit. pp. 315-316. 44 Idem, ibidem. pp.313-314.
CAPÍTULO II
1. Construindo um instituto jurídico: do concubinato ao companheirismo
Qual a etimologia da palavra “concubinato”? Ela tem origem latina cum
(com) e cubare (dormir): concubinatus : “união ilegítima do homem e da mulher –
o estado de mancebia, ou seja, a companhia de cama sem aprovação”.
Concubina, a mulher que tem vida em comum com um homem, ou que mantém,
em caráter de permanência, relações sexuais com ele.45
Na realidade a concubina não se confunde com a prostituta, vez que se
prende a um homem só, sua união é mais duradoura, não se resumindo a
relações carnais, passageiras.
Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, “há uma certa dificuldade para
delinear o conceito de concubinato e não há, na verdade, um conceito preciso
sobre ele. Mas a partir da idéia central de que é a convivência duradoura entre um
homem e uma mulher sem casamento registrado para usa a linguagem do
ordenamento jurídico soviético, o Direito vem através de sua história
jurisprudencial, tentando clarear esse conceito. Hoje, por exemplo, nosso texto
constitucional já denomina o “antigo” concubinato de união estável, uma
expressão que traduz, na atualidade, uma melhor idéia dessa instituição jurídica
tão antiga e tão moderna”. Continua apresentando o seguinte conceito:
“considera-se união estável o concubinato more uxório, público, contínuo e
duradouro, entre homem e mulher, cuja relação não seja incestuosa ou
adulterina”46
Mesmo antes da Constituição Federal de 1988, muitos dispositivos legais
surgiram, permitindo que a jurisprudência e a doutrina estabelecessem uma
45 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. p. 27 46 Idem, ibidem. p.28.
34
distinção do concubinato em puro e impuro, sendo que Rodrigo da Cunha Pereira
preferiu as denominações de adulterino e não adulterino. O Código Civil de 2002
acabou incorporando essa evolução traduzindo tal distinção em seus arts. 1.723 e
1.727. Sintetiza: união estável é a relação afetivo-amorosa entre um homem e
uma mulher, não adulterina e não-incestuosa, com estabilidade e durabilidade,
vivendo sob o mesmo teto ou não, constituindo família sem o vínculo do
casamento civil. Concubinato é a relação entre homem e mulher na qual existem
impedimentos para o casamento.47
Caio Mario da Silva Pereira afirma que, quando do reconhecimento da
união estável pela Constituição Federal de 1988 que a elevou ao status de
entidade familiar, sem, contudo, igualá-la ao casamento, parte da doutrina achava
que o legislador deveria baixar de imediato, normas esclarecedoras, formulando
os extremos da “entidade familiar”. Entretanto o autor não foi da mesma opinião,
pois, entendia que não era da competência do legislador formular definições:
“Definir é obra da doutrina. A lei baixa comandos, com caráter geral e
obrigatório. Tratando-se de conceito novo, sem a devida sedimentação,
uma norma legislativa definidora poderia pecar pelo excesso, lançando a
noção muito além do objeto, a definir ou revelar-se demasiado restrita,
deixando de abraçar nos seus termos os pressupostos necessários. Era
preferível que a elaboração pretoriana fosse promovendo sua construção
dentro da variedade dos casos de espécie e destarte permitindo à
doutrina uma flexibilidade conceitual mais proveitosa”.48
O autor não conceitua, mas aponta elementos indispensáveis à
caracterização da união estável. Embora não pareça exigível a convivência sob o
mesmo teto, a união estável guarda aproximação com a posse de estado de
casados, o que levou Simão Benjó a dizer que “a companheira deve ter o trato, o
nome e a fama de esposa”.49 Vale dizer: os que vivem em união estável devem
ser tidos como tais perante os amigos e a sociedade, embora a utilização do
47 Idem, ibidem. p. 29. 48 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Ob. Cit. p. 534. 49 BENJÓ, Simão Isaac. União Estável e seus efeitos econômicos em face da Constituição Federal, in Revista Brasileira de Direito Comparado, v. II, 1999. p. 59.
35
nome do companheiro, pela mulher, não seja requisito fundamental. Igualmente
não nos preocupamos com o “tempo de duração”, que pode ser mais ou menos
longo. O que importa é serem as uniões duradouras, inspiradas no elemento
anímico, a gerar a convicção de que pode marchar para a relação matrimonial.50
Conforme o exposto acima, Caio Mário da Silva Pereira aponta elementos
sem os quais não seria possível se considerar uma união reconhecida como
entidade familiar: estabilidade, notoriedade e objetivo de atingir a relação
matrimonial e o elemento anímico que envolve os seus partícipes.
Arnold Wald por sua vez se manifesta a respeito do assunto: “ O
concubinato e a união livre, como ligações estáveis, nas quais se caracteriza a
convivência more uxório ( como marido e mulher)...51
José Maria Leoni Lopes de Oliveira vai mais além quando afirma que o
concubinato pode ser amplo ou restrito conforme os efeitos que se pretenda dele
extrair e que ambos são aceitos pela doutrina e pela jurisprudência:
Para nós, concubinato, em sentido amplo, é a união entre pessoas de
sexos diferentes que apresentam um relacionamento sexual, com certa
continuidade e notoriedade, mantendo fidelidade recíproca. Diverso
desse conceito é o do concubinato qualificado, que exige comunhão de
vida sob o mesmo teto, com assistência mútua além das relações
contínuas e da fidelidade recíproca entre um homem e uma mulher. É a
chamada união estável, na linguagem do legislador constitucional. Para
esse conceito, exige-se que os concubinos vivam como marido e mulher,
que segundo Cunha Gonçalves, em sua obra Princípios de direito Civil
Luso-Brasileiro, vol.3. “os juízes portugueses latinizaram em more
uxório.52
50PEREIRA, Caio Mário da Silva. Ob. cit. p. 535. 51 WALD, Arnold. O novo Direito de Família. p. 222. 52 OLIVEIRA, José Maria Leoni Lopes de. Alimentos e Sucessão no Casamento e na União Estável. 3 ed. rev. Rio de Janeiro.Editora Lúmen Júris Ltda, 1997. pp. 32-33.
36
Já para Claudia Grieco Tabosa Pessoa o conceito de concubinato, do
ponto de vista sociológico, é amplo e mutável, influindo as transformações
conceituais, diretamente no sentido e alcance do instituto no mundo jurídico53
Rubens Limongi França afirma que o conceito atual de concubinato ainda
pode ser o mesmo do “De Verborum significatione”, do Digesto, que enunciou nos
seguintes termos: “é a união constante do homem e da mulher, sem matrimônio
regular”.54
A preocupação da doutrina em conceituar o que venha ser o concubinato
se mede pela importância do tema.
O Decreto 2.681, de 7 de dezembro de 1912, no art. 22, previu direitos de
caráter indenizatório à concubina pela morte do companheiro em estradas de
ferro, seguiram-se outros diplomas legais que também lhe previam vantagens no
campo do direito do trabalho e previdenciário.
No Código Civil Brasileiro de 1916, o concubinato não foi tratado como
instituto, tendo havido, tão somente, previsões quanto ao impedimento absoluto
para o casamento do cônjuge adúltero com o seu co-réu condenado (art.183,VII),
à possibilidade de reivindicação de bens transferidos à concubina (art. 248, IV),
ao reconhecimento da filiação em relação à prole havida das uniões
concubinárias (art. 363,I), à proibição de doação (art. 1.177), à declaração da
ilegitimidade passiva testamentária à concubina (art. 1.719, III) e à proibição de
instituição de seguro de vida (art. 1.474).
Além disso, admitiu-se o reconhecimento dos filhos havidos fora do
matrimônio, nos casos de dissolução conjugal, em testamento cerrado, a
possibilidade de usar o nome do concubino, e a continuidade da locação.55
53 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. p. 19. 54 FRANÇA, Rubens Limongi. Concubinato e previdência social, in Yussef Said Cahali (coord.) Família e casamento. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 598 55 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. pp. 17-18.
37
Mas todas essas vitórias obtidas em relação ao concubinato sofreram
pressões e preconceitos e coube à jurisprudência o papel de pacificadora,
vencendo as resistências iniciais, seguida pela doutrina que não pôde fechar os
olhos a uma realidade social, aceita e reconhecida pelo legislador constituinte de
1988.
“Evidencia-se, desta forma, e em âmbito constitucional, aquilo que há
muito já fora reconhecido (...) Apenas e tão somente se reconheceu, em
plano constitucional, pese a teimosia de alguns em não aceitar aquilo
que a vida apresentava e apresenta como fato concreto, seja esta: por
opção subjetiva de vida; conseqüência da situação social e condições
econômicas que refogem ao controle daqueles por essas atingidas”56
Cabe lembrar Virgílio de Sá Pereira, para quem o legislador não cria a
família, como o jardineiro não cria a primavera; soberano não é o legislador,
soberana é a vida:
“Agora dizei-me: que é que vedes quando vedes um homem e uma
mulher, reunidos sob o mesmo teto, em torno de um pequenino ser, que
é o fruto de seu amor? Vereis uma família. Passou por lá o juiz, com a
sua lei, ou o padre, com o seu sacramento? Que importa isto? O
acidente convencional não tem força para uma convenção social. A
convenção social é estreita para o fato, e este então se produz fora da
convenção. O homem quer obedecer ao legislador, mas não pode
desobedecer a natureza, e por toda a parte ele constitui a família, dentro
da lei se é possível, fora da lei se é necessário”.57
2. União Estável
Dá-se tal denominação à convivência pública, contínua e duradoura de um
homem com uma mulher, que vivam ou não sob o mesmo teto, sem vínculo
matrimonial, estabelecida com o objetivo de constituir família, desde que tenha
56 COLTRO, Antonio Carlos Mathias. A União Estável no direito Projetado – O Código Civil – Direito de Família. Aspectos constitucionais civis e processuais. São Paulo: RT, v. 4, pp. 28-29. 57 PEREIRA, Virgílio Sá. Direito de Família. 2ª ed. Livraria Freitas Bastos S/A. São Paulo, 1959, p.90.
38
condições de ser convertida em casamento, por não haver impedimento legal
para a sua conversão. (Código Civil, art. 1723, §§ 1º e 2º).
Essa mesma união foi reconhecida como “entidade familiar” pela
Constituição Federal de 1988 no seu art. 226, § 3º, para que, assim, pudesse ter a
proteção jurídico-constitucional, da mesma forma que as famílias oriundas do
casamento. Com isso, a união estável perde o status de sociedade de fato e
ganha o de “entidade familiar”, logo não pode ser confundida com a união livre,
pois, nesta, duas pessoas, de sexos diferentes, além de não optarem pelo
casamento, não têm qualquer intentio de constituir família, visto que, tão somente,
assumiram “relação aberta” ante a inexistência de compromisso.58
A expressão “união estável” utilizada pelo legislador constituinte segundo,
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, não foi inovação nos meios jurídicos. A
doutrina já havia utilizado tal expressão como forma de referência ao
Companheirismo (Orlando Gomes, Pontes de Miranda, Edgard de Moura
Bittencourt, Álvaro Villaça Azevedo), além do direito positivo de alguns sistemas
jurídicos estrangeiros já adotarem tal expressão ou palavras assemelhadas (...) A
iniciativa do legislador constituinte é dígna de nota, na medida em que buscou
retirar o estígma, o preconceito existente quanto ao termo concubinato.59
Rodrigo da Cunha Pereira diz que novamente o legislador parece querer
expurgar a carga de preconceito sobre a palavra concubinato, substituindo-a, na
Constituição de 1988, pela expressão união estável, quando em seu art. 226, vem
reconhecer, para efeito de proteção do Estado, esta forma de constituir família.
Afirma ainda que Edgard Moura Bittencourt já usava essas expressões como
sinônimas:
“Em poucas palavras, concubinato é a união estável no mesmo ou em
teto diferente, do homem com a mulher, que não são ligados entre si por
matrimônio”.
58 DINIZ, Maria Helena. Ob. cit. p. 360 59 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p.145.
39
Rodrigo da Cunha Pereira entende que a expressão “união estável”,
adotada pela Constituição brasileira substituiu a expressão concubinato,
chegando à conclusão que se pode dizer que “união estável” é o concubinato não
adulterino.60
Eduardo de Oliveira Leite ao tratar da questão terminológica sobre a
palavra “família” empregada no caput do art. 226, diz que a mesma deve ser
entendida em seu sentido amplo, abrangendo as novas formas de conjugalidade
(§§ 3º e 4º), não se prendendo apenas à família fundada no casamento. Em
relação à expressão “união estável” afirma que: o concubinato mereceu
consagração constitucional sob a denominação equivocada de “união estável”
(como se o casamento legítimo não fosse também uma união estável).61
Nos diversos moldes de família, o concubinato, sem dúvida alguma, talvez
seja o mais antigo de todos e o mais evidente, razão pela qual sempre mereceu a
preocupação de historiadores, sociólogos e juristas.
O concubinato sempre caminhou paralelamente à família constituída pelo
casamento.62 É o que registra a história do acontecimento dessas relações
paralelas às relações oficiais.
Uma investigação, desde a antiguidade até a idade contemporânea,
permite que se chegue a fatos relativos à concubinatos célebres, estando, muitas
vezes, ligados à libertinagem, à devassidão da vida íntima dos filósofos,
escultores, poetas, etc.
A velha história grega, segundo citação de Adahyl Lourenço Dias, faz
menção às concubinas belíssimas e cultas, citando-se por exemplo, Friné, que
serviu de modelo para as arquiteturas de Vênus, feitas por Praxíteles, Aspásia,
que dava aula de retórica a grande número de alunos, inclusive velhos gregos.
60 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p.2. 61 LEITE, Eduardo de Oliveira. O Concubinato frente à nova Constituição: hesitações e certezas, in Direito de família – aspectos constitucionais, civis e processuais. p. 97 62 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Efeitos Patrimoniais do Concubinato. p. 11
40
Antes de viver com Péricles, foi concubina de Sócrates e depois de sua morte, foi
concubina de Alcebíades.63
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, nos seus comentários à
Constituição de 1946:
A união não matrimonial só desponta como elemento de negociação
jurídica a partir da instituição do casamento civil, no séc. XVI, e nos
séculos posteriores acentuou-se a tendência de legislar sobre essa
matéria. Anteriormente a essa conquista de institucionalização do
matrimônio, as ligações estranhas a este não se apresentavam como
problema: existia uma disciplina legal a respeito, tal como no Direito
Romano, em que a ligação extramatrimonial prolongada gerava direitos
em favor da mulher.64
Foi a partir da 1ª metade do séc. XIX que começaram as mudanças,
quando as pretensões das concubinas passaram as ser apreciadas e
consideradas pelos tribunais franceses. A relação concubinária passou a ser vista
sob os seguintes aspectos: sociedade com caráter nitidamente econômico e como
obrigação natural quando, rompida a relação, havia promessa de certas
vantagens à ex-companheira.65
O fator primordial que diferencia a Idade Contemporânea de outros tempos
no aspecto jurídico é que os fundamentos que protegiam a concubina diziam
respeito a uma relação comercial entre o homem e a mulher, porém sem
nenhuma vinculação com a relação concubinária.
Em relação ao Brasil, como nos demais países do mundo, o concubinato
nunca foi tipificado como crime. Os textos legais não o regulavam, mas também,
não o proibiam. O fato da proibição feita às doações à concubina contidas no
63 DIAS,Adahyl Lourenço. A concubina e o direito brasileiro. p. 30 64PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1946, v. V. p. 133. 65 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. p.15.
41
Código Civil não significam, segundo a doutrina e jurisprudência, como uma
repulsa ao concubinato, mas sim, uma defesa do patrimônio da família.66
Apesar de ser um fato social existente, a evolução de um direito
concubinário, no sistema pátrio é recente, pois, muitos civilistas o omitiram ou o
excluíram de seus estudos porque ou o julgavam irrelevante, ou porque o
julgavam imoral, ou o relegavam ao plano do ilegítimo.
Nesse diapasão se manifestou Arnold Wald:
“O concubinato é um assunto que alguns civilistas excluem de seus
estudos, alegando ser juridicamente irrelevante, enquanto outros
preferem tratar da matéria no direito das obrigações”.67
A publicação das súmulas 380 e 382 do Supremo Tribunal Federal, bem
demonstrou a construção jurisprudencial e doutrinária a respeito do assunto.
Entretanto, a evolução do concubinato no Brasil ganhou maior projeção
galgando o status de entidade familiar com a promulgação da constituição Federal
de 1988, recebendo a denominação de união estável. O que era tratado no
campo do Direito das Obrigações passa a fazer parte do Direito de Família.
Surgiram, então, as Leis nº 8.971/94 e nº 9.278/96. A primeira cuidava do direito
dos companheiros a alimentos e a sucessão; a segunda, regulamentava o § 3º do
art. 26 da Constituição Federal de 1988.
O Código Civil de 2002 ao dedicar um título à união estável, consolida,
sobremaneira, a existência de mais uma espécie de família no ordenamento
jurídico.68
66 Idem, ibidem. p.16. 67 WALD, Arnold. Ob cit. 221. 68 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. 16-17.
42
2.1 Caracterização
Da mesma forma que houve dificuldade em conceituar união estável, parte
da doutrina achava que a definição já deveria vir dentro da própria legislação,
através das normas baixadas, pelo legislador, as quais esclarecessem e
formulassem de imediato os extremos da “entidade familiar”, também nota-se uma
mesma dificuldade em distinguir as características e requisitos que envolvem
esse instituto jurídico. Esta distinção se faz necessária, segundo Guilherme
Calmon: “a divisão entre características e requisitos do companheirismo, leva em
conta a necessidade de apartar os atributos (ou qualidades) dos requisitos de
índole objetiva e subjetiva para a configuração do instituto, sem desconsiderar a
íntima relação mantida entre eles (características e requisitos)”.69
Rodrigo da Cunha Pereira, por exemplo, mais prudente, não denominou
taxativamente como características ou requisitos, mas sim tratou de nomear como
elementos que integram ou que caracterizam o concubinato, ou união estável: a
durabilidade da relação, a construção patrimonial em comum, affectio societatis,
coabitação, fidelidade, notoriedade, a comunhão de vida, enfim, tudo aquilo que
faça relação parecer com um casamento. É a posse de estado de casado. 70
Segundo esse mesmo jurista há a necessidade de se acompanhar as
mudanças surgidas nos dias atuais em relação ao elemento integrante da união
estável: o da comunhão de vida ou conceito de comunidade. A exigência da
convivência sob o mesmo teto parece não ser mais necessária para a
caracterização da união estável; é necessário sim que haja relações regulares,
seguidas, habituais e conhecidas, se não por todos, mas, pelo menos por
alguns.71
Hoje, nota-se também uma tendência de casais, unidos pelo matrimônio,
optarem por viver em casas separadas, o que leva a crer que pretendem manter
69 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo. Uma espécie de família. p. 149. 70 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 29. 71 Idem, ibidem. p. 29
43
viva a chama do amor que os uniu e que a mesma não sofra os arranhões da vida
diária.
Maria Helena Diniz também não faz distinção entre características e
requisitos, trata-os como elementos essenciais. 72
Guilherme Calmon Nogueira da Gama diferencia, minuciosamente as
características dos requisitos, especificando estes em objetivos e subjetivos.
Como características cita: objetivo de constituição de família, estabilidade,
unicidade de vínculo, notoriedade, continuidade, ausência de formalismo.
Como requisitos objetivos: diversidade de sexos, ausência de
impedimentos matrimoniais, comunhão de vida, lapso temporal de convivência.
Como requisitos subjetivos: a convivência more uxório, affectio maritalis, o
animus de constituir família.73
Claudia GriecoTabosa Pessoa diz a respeito:
Tanto no concernente aos aspectos extrínsecos – ponto de vista
objetivo – da relação concubinária, referentes à sua aparência externa
como relação prolongada e estável entre as partes que compartilham
vida em comum, como no que se refere aos aspectos intrínsecos – ponto
de vista subjetivo – vale dizer, o propósito da união, enquanto
convivência duradoura, embasada em relações de afinidade e lealdade
recíproca, o concubinato se aproxima do casamento.74
A Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal estabelece que a vida em
comum sob o mesmo teto, more uxório, não é indispensável à caracterização do
concubinato:
72 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. p. 360. 73 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. pp. 153- 208. 74 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. pp. 20-21.
44
UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE COABITAÇÃO. A coabitação não é requisito indispensável à caracterização da união estável, se a prova colacionada aponta para a existência de uma relação nos moldes de uma entidade familiar. Inteligência do art. 1º da Lei 9.278, do art. 1.723 do Código Civil e da Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal. Rejeitada a preliminar, apelo desprovido, por maioria, vencido o Des. Sérgio Chaves.(AC. N.70005167507- 7ª C.Civ. do TJRS. Rel. Desª. Maria Berenice Dias. J. 08/09/ 2004)
Caio Mario da Silva Pereira assim, se manifesta a respeito do assunto:
Partindo da exigência da vida more uxorio, que alguns autores como
Franzem de Lima e Carvalho Santos consideravam indispensável à sua
caracterização, chegou-se, mais modernamente, à concepção adaptável
às condições da vida moderna, segundo a qual não constituía elementar
etiológica do concubinato a convivência sob o mesmo teto e
dependência econômica da mulher 75
Embora a união estável não seja equiparada ao casamento, fato este que
se pode comprovar pela determinação constitucional sobre sua conversão em
casamento, não se pode deixar de reconhecer a identidade de elementos
caracterizadores de ambos institutos, tais como: a comunhão de vida e de
interesses, a satisfação do amor recíproco, o objetivo de constituição de família,
etc.
Em relação ao objetivo de constituição de família, interessante a
observação de Caio Mário da Silva Pereira:
Finalidade natural do casamento é a procriação de filhos. Natural,
porque os casais devem ter filhos, que lhes continuem a existência,
perpetuando a espécie. Natural, mas não essencial, pois não são raros
os casais sem filhos, como as uniões de pessoas que pela idade ou
estado de saúde não têm condições de os ter.76
Guilherme Calmon Nogueira da Gama acrescenta que:
75 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. p. 533. 76 Idem, ibidem. p.67.
45
Também em relação ao companheirismo, como finalidade natural, não
obrigatória, está a descendência, como forma de perpetuar a existência
daquele organismo familiar. Fica ressalvado, no entanto, que inexiste
obrigatoriedade à procriação, levando em conta a própria condição
pessoa dos companheiros, tal como os casados, que pela idade,
saúde,ou mesmo por convicções filosóficas, podem optar por não terem
filhos.77
Também sobre a existência ou não de filhos, veja-se o que diz Rodrigo da
Cunha Pereira:
A existência de filhos é um elemento caracterizador importante mas não
determinante. Filhos em uma relação podem ser apenas um elemento a
mais ou a menos. Se fosse determinante, os casais sem filhos, casados
no civil e no religioso, não poderiam constituir uma família, assim como
aqueles que optaram por não ter filhos ou mesmo não puderam tê-los
por razões biológicas ou genéticas.”78
2.2 Companheiros e concubinos: distinção A palavra concubino da mesma forma que “desquite” foi substituía no
sistema jurídico brasileiro como uma forma de eliminar o sentido pejorativo, o
preconceito que tanto uma quanto outra causavam às pessoas que se achavam
em concubinato ou eram desquitadas.
A Lei do divórcio substituiu a expressão desquite por separação judicial e a
Constituição Federal de 1988 ao utilizar a expressão união estável substituiu a
expressão concubinato não adulterino, já que o concubinato adulterino, em razão
do princípio jurídico da monogamia, não recebe a proteção do Estado como uma
forma de família, como deixou claro o art. 1.727, do Código Civil.79
77 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 157 78 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 32. 79 Idem, ibidem. pp. 1-2.
46
Entre leigos, principalmente, a palavra concubina não denota simplesmente
uma forma de vida, a indicação de estar vivendo com outra pessoa. Quando não
é motivo de deboche, se refere a uma relação desonesta.
Do ponto de vista jurídico, representa uma forma de vida entre um homem
e uma mulher gerando conseqüências patrimoniais.
No concubinato há um panorama de clandestinidade que lhe retira o
caráter de entidade familiar, (art. 1.727), visto não poder ser convertido em
casamento.80
Em relação à expressão “companheiro”(a) é a mais utilizada nos textos
normativos para se referir aos partícipes da relações extramatrimoniais, mais
precisamente, da união estável. Foi a Lei de Registro Público (Lei. N. 6.015, de
31/12/1973, art. 57, § 2º) que a empregou pela primeira vez, em texto legislativo,
passando, daí em diante a substituir o termo “concubino”, inclusive, na Lei n.
8.971/94. Já a Lei n. 9.278/96 adotou a expressão “convivente” nomeando, assim,
os sujeitos de uma união estável.81
Claudia Grieco Tabosa Pessoa afirma que a terminologia “companheiro”
não é nova e não surgiu no âmbito da tendência de ampliação da proteção à
união estável, como pensam determinados autores. No Estatuto do Concubinato,
a expressão utilizada é convivente, e no anteprojeto de lei ou Estatuto da União
Estável o legislador utiliza a expressão companheiro.82 A autora diz que a
expressão “companheiro”, no âmbito do direito público surgiu muito antes da
Constituição de 1988, quando foi empregada pela 1ª vez por força do Decreto n.
72.771, de 6 de setembro de 1973.
Continua a autora, no âmbito do direito privado, cumpre admitir, afora a
disposição expressa do art. 57, § 2º, da Lei 6.015/73, que dispõe sobre a adoção
80 DINIZ, Maria Helena. Ob. cit. p. 372. 81 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 115. 82 A Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996, era chamada, por alguns, de Estatuto do Concubinato, voltado à regulamentação do § 3º, do art. 226, da Constituição da República. PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. pp.23-30-31. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Com a promulgação da lei 9.278, em 10 de maio de 1996, está em vigor o Estatuto dos concubinos. Revista Literária de Direito 11/14-26, São Paulo, ano II, maio/jun.1996.
47
do patronímico do companheiro, a utilização da expressão pelo legislador veio em
decorrência da equiparação da união estável, a entidade familiar nos moldes
preconizados pelo legislador no art. 226, § 3º da Constituição da República de
1988. A intenção da doutrina, ao empregar a expressão companheiro em
substituição a concubino, também foi a de reforçar a concepção protetiva que se
pretendia conferir a concubinato puro, justificando assim a concessão de efeitos
jurídicos mais amplos nessas situações.83
Guilherme Calmon Nogueira da Gama ao se referir aos partícipes da
relação familiar, hoje conhecida como companheirismo, afirma que as palavras
“concubina” e “companheira” foram utilizadas durante muito tempo como
expressões sinônimas, como se não houvesse distinção fática ou mesmo jurídica
entre elas. À concubina era dispensado tratamento hostil, estigmatizante.84 Esse
tratamento se fez sentir no próprio Código Civil Brasileiro, diante das restrições
impostas à atuação da concubina tais como: o não matrimônio com o concubino
se ficasse provado a cumplicidade no adultério (art.183,VII); a sua instituição
como herdeiro ou legatária pelo concubino casado (art.1.719, III); a sua instituição
como donatária pelo cônjuge adúltero (art. 1.177); a qualidade de beneficiária de
seguro (art. 1.474) etc.
Mas após esse período de utilização das expressões como se fossem
sinônimas, Adahyl Lourenço Dias ao fazer a distinção entre ambas assim se
manifesta:
Essa diferença vem se esboçando de tempos a esta parte e faz-se
necessária exatamente para que possam confinar os institutos e suas
conseqüências no campo do direito. (...) No direito civil o conceito de
companheira é acatado quando se trata da união em sociedade de fato,
ou seja, nos casos em que a mulher haja contribuído com seu trabalho,
exerça atividade produtiva, para o enriquecimento do patrimônio
concubinário. (...) A atividade da concubina se circunscreve de maneira
modesta em serviços domésticos, e a sua participação se encaminha em
servir à pessoa do concubino, à sua casa, prestando-lhe concurso intra 83 Idem, ibidem. pp. 30-31. 84 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 135.
48
parietes, cuidando do lar e se situa mais na intimidade sem salientar-se
em negócios fora daquele.85
Como se pode constatar a companheira contribuía com o seu trabalho,
exercia atividade produtiva e desta forma aumentava o patrimônio. Já a concubina
só ficava fora dessa situação porque não tinha nenhuma atividade produtiva,
nenhum ganho externo com o qual pudesse contribuir para o patrimônio,
restringia-se apenas aos serviços domésticos.
Essa diferenciação não obteve o acolhimento doutrinário nem
jurisprudencial, visto que o concubinato era visto como uma convivência espúria ,
clandestina, ilegítima, enfim, não tinha qualquer respaldo jurídico vez que os
efeitos gerados seriam apenas de caráter negativo com conseqüência prejudiciais
aos próprios concubinos, de forma individual ou em conjunto por extinguirem ou
alterarem direitos pré-existentes.
Diante de situações relacionadas com outros tipos de uniões
extramatrimoniais, de casamentos religiosos sem efeito civil, de casamentos
realizados no exterior e sem registro no Brasil etc, necessária se fazia uma
distinção de forma clara e precisa desse tipo de união, a doutrina e a
jurisprudência passaram a se referir aos partícipes dessas relações como
companheiros, reconhecendo direitos e efeitos que anteriormente eram negados
aos concubinos.86
Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, o Código Civil Brasileiro, na redação
aprovada em 15 de agosto de 2001, não definiu qual a melhor expressão, em
vários de seus dispositivos ora usava “companheiro” (art. 1.724); convivente (art.
1.694; “companheiro” (art.1.790) e também “concubino” (art.1.801), e que
provavelmente essa última expressão quis dizer o pretendido no disposto no
artigo 1.727. 87
85 DIAS, Adahyl, Lourenço. Ob. cit. pp 40-41. 86 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo – Uma Espécie de Família, p. 136. 87 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 115.
49
Esse autor também afirma que o Instituto Brasileiro de Direito de Família –
IBDFAM, enviou sugestões à Comissão de Redação, no período entre a
aprovação do Código Civil / 2002 e a sanção presidencial, as quais foram
atendidas tanto que acabou com essa contradição, adotando, finalmente, a
expressão “companheiro”.88
3. Efeitos da união estável Conquanto reconhecida pela Constituição Federal de 1988, como entidade
familiar, a união estável passou a produzir efeitos a exemplo do casamento, tanto
no que concerne aos aspectos extrínsecos quanto aos intrínsecos. Vale dizer tais
efeitos não se limitam apenas ao campo do Direito, refletem na sua aparência
externa frente à sociedade como relação prolongada e estável; sob o ponto de
vista subjetivo envolve apenas os partícipes, porque dizem respeito aos
propósitos da união.
Guilherme Calmon Nogueira da Gama afirma que:
O conjunto de efeitos produzidos pelo fenômeno é tão amplo que muito
se assemelha aos efeitos do casamento, mesmo porque ambos os
institutos são formadores e mantenedores da instituição familiar.
Outrossim, alguns efeitos gerados pelo companheirismo afetam tão
somente a esfera da vida pessoal do casal, sem qualquer conotação
econômico-patrimonial, gerando direitos e deveres denominados de
família puros, enquanto outros se refletem no campo patrimonial,
impondo obrigações e/ou deveres em contraposição ao direito
titularizado por algum partícipe. Estes são os direitos patrimoniais ou
econômicos.89
A doutrina estabelece duas ordens de efeitos jurídicos da união estável:
positivos e negativos.
88 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob.cit. pp. 115-116. 89 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p 222.
50
Positivos – são os que resultam no favorecimento de quem os invoca, por
exemplo, a assistência previdenciária, a participação nos bens, o direito a
alimentos, entre outros.
Negativos – são os que geram conseqüências prejudiciais aos próprios
envolvidos ou a terceiros, isto, porque extinguem ou alteram direito preexistente,
ou ainda, porque podem implicar em sanções diretas ou indiretas contra os
concubinos separadamente ou em conjunto: o casamento do cônjuge
sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o
seu consorte (art. 1.521, VII, do Código Civil) doação feita pelo cônjuge adúltero
ao seu cúmplice (art. 550 do Código Civil) etc.
A respeito dos efeitos resultantes da união estável, Rodrigo da Cunha
Pereira tem a seguinte opinião:
As tendências e tentativas de estabelecer os efeitos da união estável são
sempre no sentido de eqüipará-la a um casamento oficial, fazendo-se
uma analogia às regras definidas de um casamento civil, mas com as
peculiaridades e os cuidados morais, às vezes até mesmo moralistas de
cada tribunal. Podemos dizer, então, que de um casamento informal, ou
seja, de uma união estável, estabelecem-se relações pessoais e
patrimoniais com conseqüentes efeitos jurídicos.90
Mas não se pode esquecer que o sistema jurídico pátrio desde a sua
origem, ainda que reconhecida a existência do concubinato como fato social
incontornável, sempre se mostrou relutante quanto à outorga de efeitos positivos
à relação extramatrimonial. Toda essa relutância tinha como base o Direito
Canônico que orientava em se prestigiar como base da sociedade, unicamente o
casamento, segundo as normas exigentes. Somente a família legítima, oriunda do
casamento e apenas esta vinha acobertada pela proteção do Estado. Dessa
forma era excluída da ordem jurídica qualquer outra forma de família, toda a
90 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 51
51
regulamentação era exclusivamente destinada ao matrimônio, sendo, então o
concubinato tratado como uma situação à parte, velada e restritiva de direitos.91
Ainda segundo Francisco José Cahali esta restrição a direitos não se devia
apenas à convicção ideológica e política adotada pelas Constituições Federais,
mas também em função da orientação moral adotada pela sociedade, que vivia
sob a influência de valores religiosos que repudiavam o concubinato enquanto
forma de constituição da família, até porque representava uma quebra de padrões
e valores a ser repudiada. Entretanto, essa mesma sociedade não poderia
permanecer alheia às mudanças nas relações sociais e no dizer de Francisco
José Cahali :
A sociedade na constante função criadora e recriadora de princípios e
normas, motivadora das mudanças nas relações sociais sensibilizando
os estudiosos e operadores do Direito, não se furtava a provocar o
Judiciário e o Legislativo apresentando esta realidade, que, mesmo não
sendo nova, passou a ser cada vez mais constante, principalmente em
razão da indissolubilidade do casamento.92
Bem antes da Constituição Federal de 1988 o companheirismo já
estabelecia relações pessoais e patrimoniais entre os seus partícipes, motivo pelo
qual leis esparsas, principalmente nos campos da infortunística e do
previdenciário, passaram a cuidar especificamente do assunto, no que foram
secundados pelos Tribunais na formação da jurisprudência sobre o assunto, ao
lado da elaboração de estudos teóricos, de fundo doutrinário, também sobre o
tema, para a fixação dos efeitos pessoais e patrimoniais, tomou-se como
parâmetro, justamente o casamento. Referindo-se a Orlando Gomes, que aponta
as relações pessoais e patrimoniais muito semelhantes às do casamento, as
quais se distinguem, sob o ponto de vista das relações pessoais, em dois
aspectos: 1º) a liberdade de rompimento; 2º) a inexistência da presunção da
paternidade.93
91 CAHALI, Francisco José.Contrato de Convivência na União Estável. São Paulo: Saraiva, 2002. pp .2-3. 92 Idem, ibidem. p. 4. 93 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 233.
52
A relação entre os companheiros e o mundo exterior (companheiros e
terceiros) recebeu tratamento próximo do que era dado ao casamento, no campo
previdenciário quanto no da infortunística.
Como é sabido, a partir do momento que um homem e uma mulher se
unem perante a lei, sob as formalidades do casamento, naturalmente estão se
submetendo a deveres, os quais devem cumprir, porque a violação de um deles
acarretará uma sanção legal. O mesmo não acontecia com os companheiros,
caso violasse um desses deveres. Havia a necessidade de criar teses jurídicas
consolidadas pela jurisprudência com vista à proteção de um dos componentes
da relação, o lesado, seja no caso de se evitar o enriquecimento sem causa do
outro ou até mesmo o descumprimento do contrato de prestação de serviço, caso
houvesse, frustrando, assim a indenização devida. Esses foram os direitos
reconhecidos inicialmente pelos tribunais à companheira. Depois foi reconhecida
uma sociedade de fato entre os companheiros, cabendo ao interessado, no caso
de sua dissolução comprovar a sua contribuição, através do esforço comum.
(Súmula 380 do STF).94
3.1 Efeitos Pessoais
Em relação às conseqüências pessoais resultantes da união estável, da
mesma forma que no casamento, há, para os seus partícipes, direitos e deveres
impostos pelo Estado para serem cumpridos durante o período de convivência.
Sempre se procurou estabelecer o casamento como parâmetro para a
fixação dos efeitos pessoais e patrimoniais da união estável, diferindo, apenas,
em dois aspectos principais: a liberdade de rompimento e a inexistência da
presunção da paternidade.
Ressalte-se, porém, que o cerne da questão diz respeito ao próprio
relacionamento entre os partícipes da união estável. Desde que esteja
94 Súmula 380 do STF –“ Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”..
53
caracterizada a união estável, conseqüentemente, decorrem daí, direitos, deveres
ou obrigações, que se traduzem por efeitos pessoais e patrimoniais. Os efeitos
pessoais se referem à vida pessoal, à intimidade dos companheiros, produzindo
deveres para ambos.
Os efeitos pessoais existentes no campo interno da relação familiar, são os
chamados direitos de família puros. Muito embora não estivessem previstos na
legislação anterior à Lei n.9.278/96, eram inerentes aos próprios requisitos e
características da união estável, não tinham qualquer sanção. Estavam situados
na ordem moral e não na ordem jurídica. É no elemento subjetivo que se
concentram os aspectos como respeito, a consideração, a assistência moral, a
convivência, etc. A essência de tudo isto é o afeto, o amor, o vínculo psicológico e
emocional entre os partícipes da união. São, portanto, requisitos intrínsecos de
qualquer relacionamento. “Não existe prova judicial de respeito e consideração,
porque se trata de uma conduta subjetiva, íntima. Quando há harmonia na
relação, há respeito e consideração mútuos”.95
As regras estabelecidas para a união estável, pelo art. 1.724 do Código
Civil, diferem apenas das do casamento no que diz respeito à coabitação. Veja-
se:
Art. 1.724 – As relações pessoais entre os companheiros obedecerão
aos deveres de lealdade, respeito e assistência e de guarda, sustento e
educação dos filhos.
Art. 1.566 – São deveres de ambos os cônjuges:
I – fidelidade recíproca;
II - vida em comum, no domicílio conjugal;
III – mútua assistência;
IV – sustento, guarda e educação dos filhos;
V – respeito e consideração mútuos.
No que diz respeito à substituição da expressão “fidelidade” por “lealdade”,
a diferença está na abrangência da mesma, pois, em termos de convivência, seja 95 CZAJKOWSKI, Rainer. “União Livre” à luz da Lei 8.971/94 e da Lei 9.278/96. p. 76.
54
pelo casamento ou pela união estável, fidelidade está atrelada ao aspecto do
comportamento sexual de um em relação ao outro, ao passo que lealdade
engloba todos os aspectos relativos à vivência, é ser leal, é agir com honestidade,
está ligada ao respeito, à consideração pelo companheiro, à preservação da
relação que vivem, é o suporte do estado anímico que os uniu.
A respeito de fidelidade, Guilherme Calmon Nogueira da Gama assim se
manifesta: Como no casamento, o companheirismo impõe o dever de fidelidade a
ambos os partícipes, e não a apenas a um deles. Tal conclusão se
afigura coerente com os contornos traçados pela doutrina e pela
jurisprudência na caracterização do companheirismo que, repita-se deve
ser o único vínculo que une o casal em perfeito clima de harmonia e
estabilidade. Não haveria a configuração do companheirismo na hipótese
de prática desleal perpetrada por um dos companheiros, mantendo
conjunção carnal com terceiro. A fidelidade está intimamente relacionada
ao respeito, à consideração, à lealdade, que necessariamente existem
no companheirismo. 96
Em relação à assistência, é uma conseqüência lógica dos requisitos da
convivência more uxório e da affectio maritalis entre os partícipes da união
estável. É um dever inerente ao elemento ético que rege e mantém o vínculo.
Quanto à guarda, entende Guilherme Calmon Nogueira da Gama:
Não se trata, assim, de dever inerente às relações pessoais entre os
partícipes da relação, mas nem por isso perde a sua importância, diante
da repercussão que o descumprimento dos deveres dos genitores com
os filhos pode causar na desagregação da estrutura familiar, envolvendo
o próprio relacionamento pessoal entre os companheiros.97
Os pais, de acordo com o art. 229 da Constituição Federal, são obrigados a
prover a subsistência material dos filhos, fornecendo-lhes alimentação, vestuário,
96 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. pp. 232-233. 97 Idem, ibidem. p. 247
55
habitação, medicação, enfim, tudo que for necessário ao seu pleno
desenvolvimento.
Em relação à guarda, o dever dos pais é de ter os filhos em sua
companhia, sob sua vigilância. Quanto à educação, os pais têm o dever de
proporcionar a instrução dos filhos, pelo menos, a básica, procurando encaminhá-
los aos níveis subseqüentes. O não cumprimento dos deveres paternos, em
relação aos filhos, acarreta conseqüências jurídicas, em decorrência do abandono
material a que o menor foi relegado.
Como já foi dito anteriormente, a coabitação, no companheirismo, não é
requisito exigível, como no casamento, para a configuração da união estável.
3.2 Efeitos Patrimoniais
Quanto aos efeitos patrimoniais, estes também se assemelham aos efeitos
do vínculo conjugal.
Os efeitos patrimoniais dizem respeito a situações de caráter econômico, e
giram em torno dos bens que foram adquiridos, onerosamente, na constância da
união estável, irradiando seus reflexos no campo jurídico, quando de sua
dissolução.
Até o advento da Lei nº 8.971/94, esses efeitos se limitavam ao campo
previdenciário e da infortunística; estenderam-se, com a atuação dos tribunais ao
Direito das Obrigações, quanto aos atos lícitos e ilícitos, aos quais foram
acrescidos os decorrentes da obrigação alimentar, no campo do Direito de Família
e os relacionados ao Direito Sucessório, sendo que estes últimos, até então, eram
apenas objeto de controvérsias na doutrina e na jurisprudência98.
98 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. p. 68.
56
A regulamentação legal completou-se com a edição da Lei nº 9.278/96,
através da qual foi introduzido, no âmbito patrimonial, a partilha quanto aos bens
adquiridos no decurso da união estável e o direito real de habitação do
sobrevivente, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.
O Código Civil, no seu art. 1.725, expressa, que se aplica às relações
patrimoniais o regime da comunhão parcial de bens, numa aproximação maior da
união estável ao instituto do casamento, para efeitos de partilhar os bens. Dessa
forma não há necessidade de se demonstrar o “esforço comum”, na aquisição
destes bens, cuja presunção já era prevista no art. 5º, da Lei nº 9.278/96. Basta,
entretanto, que seja provada a união e a partilha será feita, nos moldes do art.
1.658 e seguintes deste Código, caso não haja contrato escrito entre os
companheiros:
UNIÃO ESTÁVEL- Dissolução. Presunção do estado de condominial.
Partilhamento forçado. Na união estável, o estado de co-propriedade dos
bens adquiridos na constância guarda similitude com o regime dos
aquestos no casamento sob o regime da comunhão parcial. Portanto o
condomínio, nesses casos, é presumido. Não derrogada a presunção,
afasta-se a exclusividade dos bens destarte adquiridos, impondo-se o
respectivo partilhamento. (TJMG – AC000.265.155-2/00 – 2ª C.Cív. –
Rel.Des. Lúcio Urbano – DJMG 06.09.2002)
CAPÍTULO III
1. Relações patrimoniais entre companheiros Quando duas pessoas de sexos diferentes se unem, seja pelos laços do
matrimônio, ou em decorrência da união informal, baseada na convivência
contínua, pública e duradoura, o fazem não só motivados pelo desejo de estarem
juntos, pela satisfação pessoal: há uma motivação maior, além de partilhar os
prós e os contras de uma união, a constituição da família, e para tal, há a
necessidade natural de meios materiais para a sua sustentação.
Esses meios materiais se refletem na aquisição de bens que formarão o
patrimônio dos partícipes das uniões formais ou não. Os efeitos patrimoniais não
fazem parte da essência, nem do casamento e nem da união estável, mas
constituem uma decorrência de ambas formas de família, a que não se pode
furtar. A exemplo do casamento, a união estável também projeta seus efeitos em
diversos campos, inclusive patrimonial.
Em relação aos aspectos internos da relação familiar estão os direitos
pessoais que compõem os chamados direitos de família puros, representados
pela lealdade, respeito, assistência mútua, guarda, educação e sustentação dos
filhos, etc, os quais se diferenciam dos direitos de família patrimoniais e dizem
respeito aos bens comuns ou individuais dos partícipes da relação.99
No casamento pode haver pacto antenupcial ou o regime de bens, de
forma pré-determinada pela legislação, diferentemente do que acontece com a
união estável.
99 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 226
58
Claudia Grieco Tabosa Pessoa diz:
Os efeitos patrimoniais são repercussão de caráter econômico em face
dos concubinos e de terceiros estranhos à relação concubinária e os
efeitos pessoais são derivados do chamado “estado concubinário”.
Inicialmente é forçoso ressaltar o caráter espinhoso de estabelecer uma
precisa delimitação do que se pode conceber por efeito pessoal ou
patrimonial, principalmente considerando-se que muitos elementos
referentes à ordem estritamente pessoal da relação concubinária podem
transmudar-se em efeitos patrimoniais, a partir do momento em que
deles venham a emergir situações tendentes a gerar conseqüências de
cunho econômico. 100
Em relação à dicotomia entre os efeitos pessoais e patrimoniais, a autora
faz referência a Orlando Gomes sobre o que ele chamou de “relação pessoal”,
apresentando mais dois aspectos que podem ser acrescentados à sua análise: o
primeiro, referente à liberdade de rompimento da união estável, e o segundo,
referente à inexistência de presunção de paternidade.101
Os efeitos patrimoniais têm importância na área do direito, precisando,
pois, de proteção legal, de início concedida pelos Tribunais. A partir da
Constituição Federal de 1988 a regulamentação dos efeitos patrimoniais ganhou
impulso de forma mais definitiva e precisa, por força do art. 226, § 3º.
Inseridos no Direito Civil, os efeitos de natureza patrimonial podem ser
classificados como: 1) efeitos patrimoniais relacionados ao Direito de Família:
direito a alimentos, regime de bens entre companheiros; 2) efeitos relacionados
ao Direito Obrigacional: obrigações derivadas de atos lícitos e ilícitos; 3) efeitos
relacionados ao Direito das Sucessões.
Os requisitos básicos necessários para a aquisição de alimentos e
participar da sucessão do companheiro foram estabelecidos, de início, pela Lei n.
100 PESSOA, Claudia GriecoTabosa. Ob. cit. p. 60. 101 Idem, ibidem. p. 63.
59
8.971/94, que regulamentou, em parte, o texto constitucional e delimitou os
pressupostos constitutivos da união estável para tal fim.
O art. 1º da Lei 8.971/94, ao explicitar os requisitos essenciais à proteção
legal, reiterou elementos já definidos anteriormente pela doutrina e jurisprudência,
de modo que, para fins de produção de efeitos jurídicos, era necessário provar: a
existência de união estável entre pessoas solteiras, separadas judicialmente,
divorciadas ou viúvas, o lapso temporal por mais de cinco anos ou a existência de
prole.
A seguir veio a Lei n. 9.278/96, que regulamentou o § 3º do art. 226 da
Constituição Federal de 1988 e dispôs sobre os efeitos patrimoniais decorrentes
da união estável: a comunhão dos bens móveis e imóveis adquiridos pelos
companheiros durante a convivência, a administração do patrimônio comum por
ambos os conviventes, o direito a alimentos e o direito real de habitação do
companheiro sobrevivente no imóvel pertencente a ambos, por motivo de
falecimento de um deles.102
Até a entrada em vigor da Lei n. 9.278/96, tudo que se refere aos bens
adquiridos pelos conviventes durante a constância da união tinha solução prevista
na Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal:
Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é
cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido
pelo esforço comum.
Como se pode depreender do acima exposto, as uniões informais tinham
tratamento, em juízo, como uma simples sociedade de fato. O aspecto de
constituírem os companheiros uma família, ainda que não na acepção jurídica do
termo, o que ocorreria pelo casamento legítimo, não era questionado em instante
algum. Tanto que antes da Constituição de 1988 e das leis atuais que
regulamentam este tema, as questões jurídicas relativas ao “concubinato” eram
102 PESSOA, Cláudia Grieco Tabosa. Ob.cit. p.65.
60
consideradas como sendo de competência das Varas Cíveis comuns e não das
Varas especializadas de Família.103
Na realidade, então, não havia antes das Leis 8.972/94 e 9.271/96,
legislação alguma sobre a partilha dos bens dos companheiros, porque não eram
considerados como família e como tal não mereciam a proteção do Estado, sem
contudo esquecer que a sociedade se opunha à qualquer implantação de
inovações nesse campo.
A despeito da não proteção legal, o Judiciário se via sempre em confronto
com pedidos referentes à partilha dos bens adquiridos durante a convivência.
Nesse ponto é que surge a Súmula 380 do STF a qual considerava a relação
patrimonial entre os companheiros como uma simples sociedade de fato,
entretanto para que os bens amealhados durante a constância da união fossem
partilhados era preciso provar o esforço comum despendido na aquisição dos
mesmos. Ocorre que se o esforço comum não ficasse comprovado, restava à
companheira requerer, em Juízo uma indenização por serviços domésticos
prestados durante a união.
Não havia na Súmula 380 do STF um modo pelo qual a partilha fosse
efetuada, não prevendo percentagens para cada um dos companheiros. Apenas o
esforço era levado em consideração.
A respeito da dificuldade do partilhamento Rodrigo da Cunha Pereira diz:
Uma outra dificuldade que vinham encontrando os julgadores para estar
mais próximos do justo, já que se esteavam na teoria da sociedade de
fato, diz respeito ao critério da partilha, ou seja, se se poderá dividir em
partes iguais, ou qual o percentual que caberá a cada um no
partilhamento. Na verdade, são raros os casos em que se torna possível,
mesmo por estimativa, chegar a percentuais que não sejam o de 50%
para cada um (...) Mas a maioria das decisões são no sentido de
estabelecer uma meação, à semelhança de um casamento pelo regime 103 GOZZO, Débora. O patrimônio dos conviventes na união estável. In, Repertório de Doutrina sobre direito de família: aspectos constitucionais, civis e processuais. V.4. São Paulo:RT,1999. p. 97
61
de comunhão parcial de bens. Diante das dificuldades práticas da
mensuração da cota-parte da contribuição de cada um, as Leis n.
8.971/94 e 9.278/96, consagrando a Súmula 380 do STF, resolvem que
a divisão patrimonial será igualitária, meio a meio, diferente do texto da
referida Súmula, que deixava livre a busca da proporção do esforço de
cada um quando da dissolução da sociedade. O Código Civil, também
acabou recepcionando as regras do regime da comunhão parcial para as
uniões estáveis.104
Só haverá partilha se houver patrimônio e que este tenha sido construído
durante a convivência, a título oneroso, como decorrência do disposto no art.
1.725 do Código Civil.
Rodrigo da Cunha Pereira continua:
Não é mais possível o entendimento de apuração do esforço comum ou
da partilha apenas se presente o esforço comum, sob pena de contrariar
diretamente dispositivo legal. Não mais se avalia se houve contribuição
direta ou indireta, mas tão-somente a presença de uma família ou, mais
propriamente, de uma união estável.105
Pode ocorrer o fato dos partícipes da união possuírem bens adquiridos
antes da convivência: estes não serão partilhados. Na união estável, aplica-se às
relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens,
salvo contrato escrito entre os companheiros. Sendo assim, conclui-se que
também não serão partilhados os que lhe sobrevierem, na constância da união,
por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar. É indispensável que o
patrimônio tenha sido construído durante a convivência e a título oneroso.
Também pode ocorrer que o patrimônio pré-existente à união, de um dos
companheiros, seja aumentado durante o período da união, hipótese em que, o
outro poderá obter a partilha da parte aumentada, na proporção de sua
contribuição (ou de seu esforço). Aqui o mais importante será a configuração do
104 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. pp.63-64 105 Idem, ibidem. p. 64.
62
esforço comum dos companheiros na formação do patrimônio e não a mera
coabitação.106
A Súmula 380 não fez menção apenas à companheira como sendo a única
titular do direito à partilha do patrimônio adquirido na constância da união,
comprovados o esforço comum e a sociedade de fato, estendeu, também, o efeito
positivo ao companheiro, o que foi considerado um grande avanço, já que os
textos legislativos, existentes na época (legislação previdenciária e acidentária) em
matéria relativa ao companheirismo, não fazia menção ao companheiro varão.
Mas também há que se considerar que a Súmula 380 não trouxe solução
definitiva para todos os casos de uniões extramatrimoniais, gerando dúvidas
quanto à possibilidade de sua aplicação sobre o direito ao partilhamento, diante de
uma união onde um dos partícipes fosse casado com terceiro, embora separado
de fato há bastante tempo e também ainda qual seria a solução para o
partilhamento caso o regime de bens fosse o da comunhão universal ou parcial.
A esse respeito, de acordo com os ensinamentos de Guilherme Calmon
Nogueira da Gama, a jurisprudência dominante é pelo reconhecimento do direito
ao partilhamento, mesmo que o regime de bens seja o da comunhão universal,
levando-se em conta que só entra na comunhão a parte relativa ao casado,
ficando para o companheiro desimpedido a outra fração ideal. Para não
reconhecer o direito de partilha de bens adquiridos durante a prolongada
separação de fato, a doutrina e a jurisprudência têm se orientado no sentido de
distinguir as hipóteses de existência e de constância do casamento.107
O autor afirma que há nos tribunais certa resistência quanto à admissão do
direito ao partilhamento em favor do companheiro desimpedido quando o outro é
casado. Entretanto, nota-se, no Superior Tribunal de Justiça, uma tendência
favorável ao partilhamento do patrimônio adquirido ou aumentado ao
companheiro desimpedido, ainda que o outro seja casado sob qualquer regime de
106 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo – Uma Espécie de família. p. 305. 107 Idem, ibidem. p. 306.
63
bens. O fundamento usado para negar o direito ao partilhamento em caso de
companheiro casado, mas separado de fato é um pretenso prejuízo à família
legítima , quando na verdade já não há mais a família constituída anteriormente
pelo casamento, vez que a separação de fato prolongada presume a ausência de
affectio maritalis. Diz, ainda o autor, que sendo um ou ambos casados com
terceiros, mas separados de fato, a situação mantida entre os companheiros não
deixa de ser um autêntico companheirismo. 108
Rodrigo Pereira da Cunha, por sua vez, diz que o direito deve proteger a
essência muito mais que a forma. Interessante a observação feita pelo autor em
relação ao casal que já esta separado de fato há muitos anos. Nesse caso, já
deixou de ser casal e que não há comunhão de vida ou de qualquer outro
interesse a não ser o patrimonial. Nesse sentido os tribunais vêm decidindo. Cita o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cuja 1ª CC julgou irrelevante o
casamento formal quando o homem estava concubinado com outra mulher e o
casamento legítimo se tornara reminiscência cartorial.109
Outro ponto que merece atenção é sobre a contribuição indireta entre
companheiros para a formação do patrimônio durante a constância da união. A
Súmula 380 orienta que é cabível a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço
comum, quando da dissolução de uma sociedade de fato entre concubinos. Qual a
interpretação exata que deve ser dada à expressão “esforço comum”?. Sobre a
constituição do patrimônio é sabido que os bens adquiridos na constância da união
estável presumem-se fruto do trabalho e da colaboração comum, salvo disposição
contrária em contrato (art. 5º, Lei 9.278/96). O que vale dizer que a contribuição do
companheiro não precisa ser em dinheiro, resultado de atividade economicamente
rentável, ela pode ser dada de maneira indireta, através de seu trabalho
doméstico, administração do lar, criação e educação dos filhos.110 Adahyl
Lourenço Dias, por sua vez, diz que o patrimônio tanto pode se formar com o
”produto material empregado pelo companheiro comprador como
108 Idem, ibidem, pp. 308-309. 109 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. pp. 67-68-69. 110 CAMBI, Eduardo. Premissas teóricas das uniões extramatrimoniais no contexto da tendência da personificação do direito de Família. pp. 158-159.
64
concomitantemente pela companheira, que o auxiliou nos esforços e trabalhos
domésticos, no lar ou fora dele”. 111
No caso da Súmula 380, ao mencionar sobre esforço comum, já existe
entendimento de que não é necessário que a contribuição de uma das partes
tenha sido financeira bastando seu suporte doméstico para que a outra pudesse
construir ou realizar o patrimônio do casal. No dizer de Guilherme Calmon
Nogueira da Gama, é importante a ressalva de que “o critério de partilha não é o
mesmo da meação, mas sim de se adotar uma proporcionalidade à contribuição
de cada qual na divisão a ser feita”.112.
O que diz a Jurisprudência
DIREITO CIVIL. SOCIEDADE DE FATO. Reconhecimento de
participação indireta da ex-companheira na formação do patrimônio
adquirido durante a vida em comum. Partilha proporcional. Cabimento.
Fixação nesta instância. Possibilidade. Critérios. Indenização por
serviços prestados. Ressalva. Recurso parcialmente provido.
Constatada a contribuição indireta da ex-companheira na constituição do
patrimônio amealhado durante o período de convivência “more uxório”,
contribuição consistente na realização das tarefas necessárias ao regular
gerenciamento da casa, aí incluída a prestação de serviços domésticos,
admissível o reconhecimento da existência de sociedade de fato e
conseqüente direito à partilha proporcional.(REsp. 183718/SP. STJ-
DJ.13/10/1998). Rel. Des. Sálvio de Figueiredo Teixeira.
REsp 623566 /RO; RECURSO ESPECIAL 2004/0003788-8. Rel. Ministro
Aldir Passarinho Junior. T4 – QUARTA TURMA. DJ. 20/09/2005.Data da
Publicação/Fonte. DJ 10.10.2005. p. 377
Civil e Processual. Dissolução de sociedade de fato ocorrida antes da lei
n. 9.278 / 96. contribuição da mulher para a consolidação do patrimônio
comum, comprovação. Matéria de fato. Súmulas N.380-STF e 7STJ.
Aplicação. Partilha de bens. Violação ao art. 535/CPC.
I.Comprovada a participação direta e indireta da mulher na consolidação
do casal enquanto perdurou a união estável, cujo término ocorreu antes
111DIAS, Adahyl Lourenço. Ob. cit. pp.133-134 112 GAMA, Guilherme Nogueira da. Ob. cit. p. 311.
65
da vigência da lei n. 9.278 / 96, faz jus à partilha dos bens, adquiridos
durante a vida em comum, nos termos da Súmula n. 380 do STF.
II. Aplicação da Súmula n. 7-STJ ao delineamento fático estabelecido na
instância ordinária.
III. Não se anula o julgado que aborda as questões objeto do especial
apenas porque dissentiu do interesse da parte.
IV. Recurso especial não conhecido.
Ainda sobre a contribuição indireta, Rodrigo da Cunha Pereira113 diz que o
significado e a importância da contribuição indireta superam as demais relações
decorrentes de uma união estável. Com este entendimento, o suporte doméstico,
dado historicamente pelas mulheres, passou a ser visto com outros olhos, sendo
certo que o reconhecimento de valor econômico à atividade doméstica foi
extremamente relevante e a atribuição de um “valor econômico” significa dar-lhe
seu merecido valor. Segundo o autor a revalorização do trabalho doméstico,
considerado como contribuição indireta, é resultado da evolução jurisprudencial,
que, ao reconhecer que o esforço comum capaz de propiciar aquisição de
patrimônio, não precisa necessariamente ser financeiro, constitui um marco
revolucionário no Direito Civil.
Por todos os ensinamentos expostos vê-se que é uma questão que ainda
desperta polêmicas, porém, com o avanço obtido através da Constituição Federal
de 1988, diante de todas as modificações havidas no Direito de Família, não há
porque persistir na tratativa do que concerne aos companheiros como sendo parte
do Direito das Obrigações. A retirada do tratamento dos assuntos referentes aos
companheiros do campo obrigacional para o campo do Direito de Família nada
mais é do que o cumprimento do preceito constitucional.
O Código Civil deu aos companheiros a oportunidade de escolher quais as
regras que regem o patrimônio, em contrato escrito, dispondo livremente sobre
seus bens. Entretanto, caso a escolha não seja feita prevalecerá o regime parcial
de bens, conforme se pode comprovar através do art. 1.725.
113 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 61
66
O Código Civil consolidou o que já vinha estabelecendo a doutrina e
jurisprudência, bem como o disposto nas Leis n. 8.971/94 e n. 9.278/96. Inovou ao
dizer expressamente que se aplica às relações patrimoniais o regime da
comunhão parcial de bens, eliminando a necessidade de se demonstrar o “esforço
comum”, aproximando ainda mais a união estável do instituto do casamento, para
efeitos de partilha de bens.
O legislador no art. 5º, da Lei n. 9.278/96, estabeleceu, de modo específico,
uma presunção legal no sentido de que os bens adquiridos na constância da
união, a título oneroso, pertencem a ambos, frutos do esforço comum, presunção
esta que é relativa, admitindo prova em contrário, em contrato escrito. Não se
trata, porém de um pacto anterior à união estável, à semelhança do pacto
antenupcial, visto que o mesmo pode ser realizado a qualquer tempo, mesmo no
decorrer da união previamente estabelecida, valendo suas regras a partir do
momento em que foi firmado ou, até mesmo, retroativamente, se assim o
desejarem os conviventes. Desta forma, pode-se provar que os seus ou
determinados bens não foram frutos do trabalho e/ou da contribuição de ambos.
“Contudo não é isto que vigora com o advento do art. 1.725, do Código Civil.
Basta, portanto, a comprovação da união e, a partilha se dará automaticamente,
se não houver pacto prevendo o estatuto dos conviventes”.114
Até o advento da Lei n. 8.971/94, no âmbito do direito civil, os direitos
patrimoniais dos companheiros estavam restritos à esfera do direito obrigacional,
quanto aos atos lícitos e ilícitos; a estes, se acresceram os efeitos decorrentes da
obrigação alimentar, no campo do direito de família, e os relacionados ao direito
das sucessões, os quais, até então, eram objeto de controvérsias jurisprudencial e
doutrinária.115
Com a edição da Lei n. 8.971/94 encerrou-se a discussão sobre a
concessão ou não, de alimentos aos companheiros. Esta lei regulamentou em
114 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit., p. 117. 115 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. p. 68
67
parte o texto constitucional, ao estabelecer os requisitos necessários para
aquisição do direito aos alimentos e à sucessão entre os companheiros, além de
determinar os pressupostos constitutivos da união estável para esses fins.
Ainda sobre a questão patrimonial dos companheiros faz-se aqui uma
breve referência a dois dispositivos das Leis 8.971/94 e 9.278/96, o 3º e o 5º,.
respectivamente. A Lei n. 8.971/94, cuja ementa menciona: “Regula o direito dos
companheiros a alimentos e à sucessão”, não tratou, da questão patrimonial dos
partícipes da relação e muito menos aventou a possibilidade de um regime de
bens, porém, o art. 3º, da referida lei, diversamente do disposto de sua ementa,
instituiu regra para o que deve ser feito com os bens deixados pelo autor da
herança, quando estes forem fruto da colaboração do(a) companheiro(a), tendo
assim o sobrevivente direito à metade dos bens. Refere-se, sem dúvida alguma, a
efeito jurídico inerente ao companheirismo:
Art. 3º. Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem
de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro(a), terá o
sobrevivente direito à metade dos bens.
O legislador não deixou claro qual o tipo de colaboração além de estipular
um percentual (metade) a que teria direito o companheiro sobrevivente. Não se
trata aqui de meação ao invés de herança?116
Já a Lei n. 9.278/96, suprindo as lacunas deixadas pela sua antecedente,
tratou de maneira específica sobre a questão patrimonial dos companheiros, vez
que estabeleceu no art. 5º o condomínio sobre os bens adquiridos a título oneroso,
durante a convivência, fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a
pertencer a ambos, em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato
escrito. Com a edição da Lei n. 9.278/96, completou-se, a regulamentação legal:
nela, o legislador introduziu a forma de partilha dos bens adquiridos no curso da
116 AZEVEDO, Álvaro Villaça. União Estável . (Jurisprudência, evolução legislativa e novo Código Civil). pp.12-13. Artigo disponível em: online1.cjf.gov.br/phpdoc/pages/sen/portaldaeducação/textos_fotos/jcivildf/UNI%C30%20EST%C1CIVEL-%20 MP.doc. Acesso em 16/02/2006.
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união estável, decorrente do regime de bens entre os conviventes e o direito real
de habitação do sobrevivente sobre o imóvel destinado à residência da família.
2. Direito a Alimentos
Uma das questões, que mais despertou polêmicas doutrinárias a partir da
promulgação da Constituição Federal de 1988, foi, sem dúvida alguma, a relativa
aos alimentos entre companheiros. Havia dúvidas quanto ao direito recíproco de
alimentos, seria ele possível em decorrência do texto constitucional? Em que se
basearia a obrigação alimentar entre companheiros? Haveria ou não necessidade
de previsão legal do direito a alimentos por lei infraconstitucional?
A obrigação alimentar, reclamada pelos concubinos, antes da edição da Lei
8.971/94, não se enquadrava em nenhuma destas três hipóteses: não eram
casados, não tinham qualquer grau de parentesco e não se tratava de delito
praticado pelo ex-concubino, donde se conclui que não havia direito algum a lhes
dar guarida. Entretanto, deve-se ressaltar que “o dever de socorro, ínsito ao de
assistência material, sempre existiu no campo da Moral”.117
No dizer de Rodrigo da Cunha Pereira:
Não se podia, antes do reconhecimento legal do instituto pela
Constituição de 1988, nem mesmo reivindicar alimentos em decorrência
de relação. Entretanto sempre se buscou discutir o assunto, embora com
outros nomes, como indenização por serviços prestados, entre outros.
Algumas decisões que bem marcam esta “camuflagem”:
Na existência de patrimônio formado pelo esforço comum, no curso da
sociedade concubinária, devem ser indenizados os serviços domésticos
prestados pela concubina, uma vez comprovados. (1ª CCTJSC, Ap. n.
23.639, v.un. em 7.1.1965, Rel. Des. Napoleão Amarante, JC 5/104)
Evidenciado que a pensão judicial fixada em razão de concubinato, ao
longo de vinte anos de vida em comum, acha-se representada por
117 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 375.
69
importância correspondente a um salário mínimo, que nada mais é que
uma prestação mínima de trabalho serviçal exercido, julgada suficiente
para satisfazer às necessidades ordinárias de alimentação , habitação,
vestuário, higiene e transporte, justo se afigura a pretensão recursal no
sentido de que seja descontado, na folha de pagamento do agravado, o
valor da pensão atribuída à agravante dado o seu caratês alimentar,
posto que se destina a atender às necessidades de sua mantença ou de
sua própria sobrevivência, o que encontra sucedâneo nos arts. 49, IV, e
734, do CPC (3ª CCTJPR, AI n. 259/89,v.um.em 29.8.1989, Rel. Des.
Silva Wolff, PRJud 31-55).118
Surgiu, então, a Lei 8.971/94. Com sua promulgação foram introduzidas, no
ordenamento jurídico brasileiro, normas de regência no que diz respeito aos
direitos a alimentos entre companheiros, como também aos direitos patrimoniais
derivados da sucessão mortis causa.
O desdobramento da proteção constitucional, à união estável, segundo
Claudia Grieco Tabosa Pessoa, teve seu ponto de partida com a edição da Lei n.
8.971/94, que regulamentou o direito sucessório e o direito a alimentos entre os
companheiros. Na Lei n. 9.278/96, o legislador, na regulamentação da união
estável, autorizou o direito material119 a alimentos entre conviventes.120
Yussef Said Cahali dispõe acerca da obrigação alimentar do ponto de vista
de suas características e fundamentos:
O ser humano, por natureza, é carente desde a sua concepção; como
tal, segue o fadário até o momento que lhe foi reservado derradeiro;
nessa dilação temporal – mais, ou menos prolongada – a sua
dependência dos alimentos é uma constante, posta como condição de
vida.
118 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 81. 119 Refere-se à assistência material recíproca, a título de alimentos, que será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, quando da dissolução da união estável, por rescisão. (art. 2º, III e art. 7º, ambos da Lei 9.278/96). 120 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. p. 69.
70
(...) Daí a expressividade da palavra “alimentos” no seu significado
vulgar, tudo aquilo que é necessário à conservação do ser humano com
vida.121
Antes da edição das referidas leis havia um descompasso entre os
doutrinadores, pois, nem todos eram de opinião igual a respeito da obrigação
alimentar entre companheiros, pela simples qualificação da união estável como
entidade familiar, conforme o disposto no § 3º, do art. 226, da Constituição Federal
de 1988. Entendiam alguns que havia a necessidade de edição de lei ordinária que
regulamentasse, entre outros, o direito a alimentos entre companheiros.
Guilherme Calmon Nogueira da Gama diz a respeito:
O direito a alimentos entre companheiros, após a vigência da atual
Constituição Federal, passou a ser uma questão de tempo, tão somente,
tempo suficiente para a edição de lei ordinária, com a previsão do direito
e obrigações alimentares fundados no companheirismo, como espécie
de família.(...) A necessidade da elaboração de lei acerca da questão,
como visto, se patenteou, diante da natureza da norma constitucional, ou
seja, tratar-se de norma de eficácia contida no aspecto das relações
internas entre os companheiros.122
Como se pode perceber, a questão sobre alimentos entre companheiros
despertou muitas dúvidas sobre a sua admissibilidade ou não. Os tribunais não
eram favoráveis a tal pretensão; quando muito, admitiam a indenização por
serviços prestados, um meio de não deixar a companheira em franco abandono.
Solução paliativa, não definitiva, porém meio caminho andado para aquisição de
seus direitos.
Todavia essa posição não era de se estranhar, até porque os alimentos
entre os cônjuges, da mesma forma que os devidos entre parentes, foram
121 CAHALI, Yussef Said. Dos alimento s. 2.ed. rev. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993. p. 13. 122 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da . Ob. cit. p. 358.
71
estabelecidos por força da lei, não obstante já existir esse dever de assistência
material no campo da Moral.123
Yussef Said Cahali opinava, a princípio, no sentido de reconhecer o direito
de alimentos entre companheiros o faz, citando o autor italiano Brugi e o francês
Josserand. O primeiro, defendia a posição de “pietatis causa”, ou seja, os
alimentos só seriam devidos no caso da companheira ter sido abandonada e não
ter condições alguma de sobrevivência, recorrendo à assistência publica; o
segundo, apontava soluções jurisprudenciais francesas, cujo cerne era reparar as
conseqüências resultantes da sedução e dar uma segurança para o futuro. Em
seguida, firmou o autor opinião contrária sobre a questão, levando em conta que a
obrigação alimentar no ordenamento jurídico brasileiro era decorrente da relação
de parentesco ou de casamento e, sendo assim, a companheira não fazendo parte
de nenhuma dessas classes, a eles não tinha direito.124
Segundo esse mesmo autor o § 3º, do art. 226, da Constituição Federal de
1988, não equiparou a união estável ao casamento, apesar da importância que
alcançou, e, muito menos reuniu em si mesmo o poder criativo da obrigação
alimentar em favor dos companheiros durante a convivência ou após a sua
dissolução. Descartado qualquer tipo de equiparação também entre deveres e
direitos, resultantes de cada um deles, até mesmo pelo seu modo constitutivo e
principalmente pela ausência de obrigação legal que determinasse a mútua
assistência e socorro.125 Outros autores, como Sergio Gischkow Pereira126 e
Basílio de Oliveira127, entretanto, consideravam desnecessária a edição de lei para
efeito de obrigação alimentar entre companheiros, diante da clareza do texto
constitucional, muito embora Basílio de Oliveira tenha também assim se
manifestado a respeito:
123 Idem, ibidem. p. 358. 124 CAHALI, Yussef Said. Ob. cit. pp. 161-162. 125 Idem, ibidem. Ob. cit. p 173. 126 PEREIRA, Sergio Gischkov. A união estável e os alimentos.Revista dos Tribunais, São Paulo, jul. 1990. v. 657. pp. 17-24. 127 OLIVEIRA, Basílio de. Direito alimentar e sucessório entre companheiros. Rio de Janeiro: Destaque, 1995. p. 19.
72
Nossa posição com relação ao direito alimentar entre concubinos desde
o início, foi, por conseguinte, no sentido do seu reconhecimento
imediato, com fundamento na própria Constituição, não obstante
alertando para a necessidade da sua previsão legal, a fim de garantí-lo
de forma definitiva e incontroversa.
Sobre o mesmo assunto se pronuncia a Desembargadora Maria Berenice
Dias, em acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
ALIMENTOS À CONCUBINA. Com o advento da nova Carta
Constitucional, que deferiu à união estável proteção estatal, comprovada
sua existência, exsurge a obrigação alimentar entre ambos. Recurso
provido, por maioria.
O reconhecimento da ocorrência deste fenômeno, por si só evidencia
independer de qualquer regramento infraconstitucional a imediata
eficácia da norma constitucional. O exaustivo material legislativo que
disciplina os direitos e deveres das relações decorrentes do casamento,
sua dissolução, as obrigações alimentares, bem como as conseqüências
no âmbito do direito sucessório, autoriza a imediata aplicação destes
institutos com referência às nominadas uniões estáveis, proclamadas
pela Carta Magna como entidades familiares, dentro das disposições que
trata da família, à qual outorga especial proteção. (AC 590.069.308. 8ª
Câmara Cível do TJRS. J. 20/12/1990. Des. Maria Berenice Dias).
Na época, como se pode observar, havia opiniões contrárias sobre a
necessidade ou não de lei que instituísse o direito a alimentos entre os
companheiros e a despeito de toda celeuma doutrinária, prevaleceu o
entendimento da inadmissibilidade do direito a alimentos entre companheiros
mesmo após a Constituição de 1988. Somente seis anos após o reconhecimento
das uniões estáveis como entidade familiar por disposição constitucional, surgiu a
Lei n. 8.971/94, com imperfeições de ordem formal e material, vez que se limitava
a fixar o meio processual para o exercício da ação, ao invés de dispor de maneira
inequívoca sobre o direito de alimentos entre companheiros, imperfeição essa que
foi sanada pela Lei 9.278/96.
73
O direito a alimentos entre companheiros está previsto no art. 1.694 e §§ do
Código Civil, tratado no mesmo título destinado aos alimentos decorrentes do
parentesco, casamento ou união estável. Foi, a partir de sua vigência que a
situação se tornou definitiva, não deixando dúvida alguma sobre o direito
concedido aos companheiros de pleitear alimentos quando necessários.
O que diz a jurisprudência:
ALIMENTOS - EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL, RECONHECIDA
POR ESCRITURA PÚBLICA – Separação das partes – Pedido de
alimentos, com arbitramento de provisórios – Indeferimento – Agravo de
instrumento – Alegação de amparo legal ao pedido – Recurso provido.
(TJSP – Agravo de Instrumento 290.789-4/6-00 – Data do julgamento:
10.04.2003 – Relator: Des. Olavo Silveira – Votação: recurso provido.
Por outro lado, não demonstrada a necessidade, os alimentos não são concedidos:
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. ALIMENTOS.UNIÃO ESTÁVEL. NECESSIDADE NÃO DEMONSTRADA. IMPROVIMENTO DO
RECURSO. I. De acordo com a Lei 8.971/94, a união estável gera o
dever de um dos companheiros prestar alimentos ao outro, desde que
presente o binômio possibilidade / necessidade; II. Não restando
comprovada a necessidade da ex-companheira, não há que se falar em
direito aos alimentos; III. Recurso ao qual se nega provimento. (TJRJ –
2004.001.34195 – APELAÇÃO CÍVEL – Des. Ademir Pimentel. DÉCIMA
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL. Data do Julgamento: 06/04/2005.
3. Regime de bens entre companheiros
A Lei n. 9.278/96 modificou de forma substancial a estrutura informal das
uniões estáveis, estabelecendo um verdadeiro regime de comunhão parcial quanto
aos bens adquiridos pelos seus partícipes no decorrer da relação.O art. 5º dispõe
sobre o patrimônio, da mesma forma que as regras do regime da comunhão
parcial de bens, como fez, expressamente, mais tarde, o Código Civil de 2002.
74
Art. 5º - Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os
conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são
considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a
pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação
contratual contrária em escrito.
§ 1º- Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial
ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da
união.
§ 2º- A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a
ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito.
Desta forma, o regime de bens nas uniões estáveis estabelece a
regulamentação das relações econômicas entre companheiros, muito embora
também a lei lhes assegure a possibilidade de estipular em contrário, através de
contrato escrito.
No dizer de Rodrigo da Cunha Pereira:
Presume-se que os bens adquiridos na constância da união, a título
oneroso, pertencem a ambos, porque se deduz que tenham sido
adquiridos pelo esforço comum. Entretanto, é importante ressaltar que
esse esforço comum é tão-somente uma presunção. Sendo assim, pode-
se demonstrar o contrário, ou seja, provar que determinados bens não
foram frutos do trabalho e/ou da contribuição de ambos. Esta é uma das
diferenças básicas entre o casamento e a união estável: nesta era
imprescindível o esforço comum (direto ou indireto); naquele, não se
discute isso.128
Para este autor, trata-se de uma presunção relativa, bastando ao
convivente interessado demonstrar que não houve esforço comum na aquisição
do bem.
Rainer Czajkowski, assim se manifesta: 128 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob cit. p. 114.
75
O artigo, como já se afirmou, consagra uma presunção relativa de
condomínio.129
Claudia Grieco Tabosa Pessoa afirma:
A presunção, de natureza relativa, tem por pressuposto, em primeiro
lugar, a constituição de união estável entre as partes, uma vez que o
legislador impõe o regime legal para os bens adquiridos na constância
da união estável.
A regulamentação legal, que determinará mais um efeito patrimonial do
concubinato puro ou união estável, tende a por fim à enorme
controvérsia doutrinária e jurisprudencial concernente à partilha do
patrimônio formado entre os conviventes no curso da união estável.130
Não se deve esquecer de que até a edição da Lei n. 9.278/96, a partilha dos
bens era feita mediante a comprovação da formação da sociedade de fato entre os
concubinos, pela maior ou menor contribuição de cada uma das partes, tendo
como objetivo a formação do patrimônio comum, nos moldes da Súmula 380 do
Supremo Tribunal Federal.
4. Efeitos decorrentes de atos lícitos e ilícitos Os efeitos patrimoniais relacionados ao direito obrigacional se subdividem
em duas espécies, conforme essas obrigações sejam derivadas de atos lícitos ou
ilícitos:
a) obrigações derivadas de atos lícitos:
Entre estes efeitos estão os serviços prestados pelos companheiros
durante o período da união estável, os decorrentes da sociedade de fato, tendo
como objetivo a partilha dos bens adquiridos mediante o esforço comum, as
129 CZAJKOWSKI, Rainer. Ob. cit. pp. 139-140. 130 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Efeitos patrimoniais do concubinato. pp. 114-116.
76
liberalidades entre si, os decorrentes da locação predial urbana e as obrigações
decorrentes dos negócios jurídicos patrimoniais. Algumas decisões favoráveis:
CIVIL – FAMÍLIA – CONCUBINATO - SERVIÇOS DOMÉSTICOS -
INDENIZAÇÃO.
Tem a concubina direito a pretensão postulada de receber indenização
pelos serviços prestados ao companheiro durante o período de vida em
comum.
Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.(REsp.
n.93.698/RS, 4ª turma. DJ.18.10.99) Rel. Min.César Asfor Rocha.
CONCUBINATO – PARTILHA DE BENS – Desfeito o concubinato, a
partilha de bens supõe prova de que o patrimônio foi construído pelo
esforço comum.(STJ - REsp.n. 220.462 – SP – 3ª T. – DJU 01.07.2002.
DJU 01.07.2002)
Entretanto, a indenização por serviços prestados, nem sempre é admitida:
CIVIL – FAMILIA – UNIÃO ESTÁVEL. Desfeita a união estável, a mulher
não tem direito à indenização por serviços prestados. Recurso especial
não conhecido. (REsp. 264736/RS; RECURSO ESPECIAL
2000/0063167-1. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros (1096).
Relator para Acórdão: Min. Ari Pargendler (1104). Órgão Julgador: T3 –
TERCEIRA TURMA. Data do julgamento: 06/09/2005. D.J.13.02.2006
p.792.
Outro efeito que merece destaque é o relacionado à questão da locação
predial urbana, previsto no art. 12, caput, da lei 8.245, de 18 de outubro de 1991,
o qual expressamente se refere à dissolução da sociedade concubinária
reconhecendo o direito do companheiro que permanecer no imóvel de dar
continuidade à locação:
LOCAÇÃO RESIDENCIAL. UNIÃO ESTÁVEL. DISSOLUÇÃO DE
SOCIEDADE. SUB-ROGAÇÃO. DIREITO DE EX-COMPANHEIRA.
LEGITIMIDADE PASSIVA. Art. 12. LEI N. 8.245/91. Extinção do
Processo sem julgamento do mérito. Nulidade da sentença. Recurso
77
provido. Despejo. ( 200.001.01425. AP.CÍVEL. Des. Ruyz Alcântara.
Julgamento: 14/08/2002 – DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL).
b) obrigações derivadas de atos ilícitos:
Os efeitos relacionados às obrigações derivadas de atos ilícitos se referem
à indenização por atos de terceiros, de um modo geral, estando aí incluso o
acidente de trabalho. No que diz respeito aos efeitos de caráter indenizatório por
atos de terceiros, cujo ato ilícito tenha dado causa a lesão, doença ou morte de
um dos companheiros, podem ter origem durante a constância da união, se o
evento danoso causou lesão ou doença, ou mesmo depois da união, se do evento
danoso resultou a morte da vítima. Os fundamentos para a indenização das
obrigações decorrentes de atos ilícitos são os mesmos, diferindo apenas no
montante a ser pago na composição do dano. O Decreto n. 2.681, de 7 de
dezembro de 1912 foi o ponto de partida no tocante à possibilidade de
indenização à companheira que viesse sofrer a perda do companheiro em virtude
de acidentes ferroviários, ao admití-la indiretamente, no rol dos beneficiários. Veja
o que diz o julgado abaixo:
ACIDENTE DO TRABALHO – Concubina do acidentado – Pedido de
indenização pelo direito comum, sob alegação grave do empregador.
A concubina da vítima, falecida em acidente de trabalho, é beneficiária
da pensão previdenciária, é parte legítima ad causam para postular a
indenização de direito comum. A referência a “alimentos”, constante do
art. 1.537,II, do CC, vale como mero índice para o cálculo do
ressarcimento, outorgado jure próprio ao lesado. Lições da doutrina.
Constituição Federal, arts. 7º, XXVIII, e 226, § 3º.
Contrariedade ao art. 159 do CC e dissídio jurisprudencial. REsp. 589-
SP (89000804-7) – 4ª T. (DJ.14.08.1990) – Rel. Min. Athos Carneiro.
No campo do direito público, os efeitos patrimoniais ligados à matéria
previdenciária e fiscal, são correlatos, já que muitas das considerações gerais
relativas aos benefícios previdenciários são aplicadas, da mesma forma, em
78
matéria fiscal, o que significa dizer que tanto para a autarquia previdenciária
quanto para o fisco é importante a verificação da existência ou não do
companheirismo, para efeito da concessão de benefícios previdenciários na
eventualidade da morte do segurado, quanto no fisco com o fito de reconhecer
certos benefícios que normalmente não se aplicariam a outras situações
tributáveis.131
Os benefícios sociais apresentam caráter muito mais econômico do que
jurídico, pois, as relações pessoais que ensejam tais efeitos previdenciários ou
fiscais são originadas da dependência econômica de uma das partes em relação a
outra, quer se trate de companheiros ou de cônjuges.
Pelo art. 22, do Decreto n. 2.681/ 12, que regula a responsabilidade civil das
estradas de ferro, extensivo, hoje, a toda espécie de transporte132, a mulher já
tinha assegurado o seu direito à indenização por morte do companheiro. Também
o Decreto 3.724/19, que tratava sobre matéria relativa a acidente de trabalho,
assegurava igualmente indenização a todas as pessoas que viviam na
dependência econômica do falecido. Entretanto, foi o Decreto 20.465/31 que,
usando a expressão genérica mulher, em substituição às expressões viúva e
esposa, consagrou o entendimento da inclusão da companheira como
beneficiária.133
131 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Ob. cit. p..248. 132 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 93. 133 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. pp. 245-246.
CAPÍTULO IV 1. O Direito sucessório : conceitos básicos Dentre os efeitos patrimoniais decorrentes da união estável também está o
direito sucessório entre os companheiros, que além de ser a grande novidade do
ordenamento jurídico brasileiro após o advento da Constituição de 1988, sofreu
alteração em relação às leis anteriores e se encontra determinado no art. 1.790, do
Código Civil, onde a (o) companheira (o) participará da sucessão do outro quanto
aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, obedecendo as
condições previstas quanto à concorrência com filhos comuns, com descendentes
só do autor da herança, com outros parentes sucessíveis, restando-lhe a
possibilidade de herdar toda a herança, caso não haja parentes sucessíveis.
Todos aqueles que se acham ligados por laços de sangue ou por relações
afetivas e morais, merecem o reconhecimento e a proteção do direito. Como é
próprio da natureza humana, o homem sempre se preocupou com a perpetuação
da espécie e pela organização da propriedade, como forma de satisfazer as
necessidades da vida coletiva.
No começo da civilização humana não existia a noção de propriedade
individual. Ela permanecia em comum a toda tribo, ao grupo ou núcleo social,
razão pela qual, não se podia falar em sucessão a respeito dela; passavam os
indivíduos; os chefes eram substituídos, mas o patrimônio comum não era afetado,
não se alterava, sequer, pela morte de um dos membros do grupo. Com o passar
do tempo, com a redução do grupo, com a nuclearização da família, a propriedade
a ela se circunscreveu, e somente a partir daí “foi que mostrou tendências a se
dispersar pelos lares, esboçando-se, então, a sucessão hereditária”.134
134 DE OLIVEIRA, Arthur Vasco Itabaiana de.Curso de Direito das Sucessões.2 ed. Rio de Janeiro: Editora Andes, 1954. pp. 15-16.
80
Nas sociedades mais antigas o direito hereditário estava intimamente
ligado à religião, ao culto familial:
Não havendo castigo maior para uma pessoa do que falecer sem deixar
quem lhe cultue o altar doméstico, de modo a ficar seu túmulo
abandonado. Cabe ao herdeiro o sacerdócio desse culto. Assim sendo, a
propriedade familial a ele se transmite, automaticamente, como corolário
do fato de ser o continuador do culto familial.135
Com a individualização da propriedade e com os laços afetivos da família
mais estreitos, tornou-se um hábito a transmissão da propriedade dos pais para os
filhos e, por conseguinte, a idéia de sucessão hereditária passou a ser, então,
considerado um poderoso fator de perpetuidade da família.
Com o passar do tempo esse liame entre o direito hereditário e a religião foi
diminuindo, dando margem a uma nova modalidade de transmissão: a civil.
No dizer de Arthur Vasco Itabaiana de Oliveira, os elementos subjetivos do
direito de propriedade, aparentemente divergentes: a) individual – com
predominância na constituição da propriedade, devendo ser sua administração
individual; b) familial – onde se observa a cooperação entre o chefe e com os
demais membros da família, tendo como objetivo a criação ou aumento de valor
em que a propriedade se concretiza; c) social – coordenador de todos os órgãos
da convivência humana (indivíduos, família associações, etc) constitui um fator da
propriedade pelas garantias que, realmente, lhe assegura.136
Esses três elementos atuaram, através dos tempos, sobre a construção de
regras e princípios jurídicos, com oscilação da preponderância de um sobre o
outro: ora o elemento social e familial (sucessão legítima) ora o individual
(sucessão testamentária)137
135 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. v.7.Direito das Sucessões. 25 ed.atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 4. 136 OLIVEIRA, Arthur Vasco Itabaiana de. Ob. cit. p. 17 137 Idem, ibidem. Ob. cit. p. 17.
81
Em que pesem todas as divergências de escritores, filósofos como Hugo
Grotius, Puffendorf e Wolf que defendiam o Direito Sucessório nas formas
testamentária e legítima e outros, como Kant, Ficht, Gross, que contrariamente
afirmavam que nenhum desses tipos de sucessão se fundava em direito natural, o
certo é que se obteve como resultado a união de fatores primordiais da existência
social: a propriedade e a família.138 A propriedade é perpétua e como tal deve
permanecer na família que a recebeu e essa, por sua vez se perpetuando através
de gerações futuras fará com que a propriedade não se extinga: propriedade que
se extingue com a morte do respectivo titular e não se transmita a um sucessor
não é propriedade, porém, mero usufruto.139
Enfim, no dizer de Guilherme Calmon Nogueira da Gama:
O ordenamento jurídico brasileiro atribui a característica da
essencialidade do Direito das Sucessões às relações intersubjetivas,
deixando claro que, a despeito das críticas existentes a sucessão
hereditária é tutelada como direito fundamental nos termos do art. 5º,
inciso XXX, da Constituição Federal de 1988, a derrubar qualquer
tentativa de socialização do patrimônio deixado por alguém por força de
sua morte.140
Alguns pontos básicos devem ser revistos para que se possa entender o
que seja direito sucessório.
A sucessão, segundo ensinamentos de Arthur Vasco Itabaiana de Oliveira,
vem a ser: a continuação em outrem de uma relação jurídica que cessou para o
respectivo sujeito, constituindo um dos modos ou títulos de transmissão
ou aquisição dos bens ou direitos patrimoniais.141
138 Apud OLIVEIRA, Arthur Vasco Itabaiana de. Ob. cit. p. 18.. 139 GAMA Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil: Sucessões. São Paulo: Atlas, 2003.- (série fundamentos jurídicos). p. 25 140 Idem, ibidem. Ob. cit. p. 25. 141 OLIVEIRA, Arthur Vasco Itabaiana de. Ob. cit. p. 19.
82
O autor continua dizendo que a palavra sucessão tem dois sentidos, na sua
acepção jurídica: lato e restrito. O sentido lato envolve todas as formas pelas quais
a propriedade é adquirida; trata-se da sucessão inter vivos; o comprador sucede
ao vendedor, o donatário ao doador, sub-rogando-se uns no lugar dos outros em
relação à coisa vendida ou doada. O sentido restrito, por sua vez, se refere à idéia
de morte e significa um dos modos de adquirir direito e de transmitir, seja total ou
parcialmente, a herança às pessoas a quem é devolvida; trata-se da sucessão
causa mortis
Quanto à espécie, tem-se a sucessão testementária, como o próprio nome
indica e é a que resulta de testamento ou disposição de última vontade do autor da
sucessão; já a legítima é a que se dá em virtude da lei.142 É a que se verifica
quando o autor da sucessão não tenha disciplinado a destinação, no todo ou em
parte, de seus bens por ato de última vontade – testamento.143
Em relação aos seus efeitos, a sucessão é a título universal e a título
singular. Ela é universal quando transmite a totalidade da herança ou parte dela;
somente se admite mortis causa. É singular quando são transmitidos apenas
objetos singularmente considerados ou determinados. Esse tipo de sucessão
deriva unicamente de testamento (...) pode compreender um conjunto de bens,
contanto que não formem unidade na qual percam sua individualidade –
singularum rerum144
Quem sucede a título universal é herdeiro. Quem sucede a título singular, é
legatário.
No que diz respeito à herança ela se refere a todo o patrimônio do de cujus,
o conjunto dos direitos e obrigações que se transmitem ao herdeiro ou
herdeiros.145 É coisa classificada entre as universalidades de direito e forma-se de
um complexo de relações jurídicas, não se confundindo com as universalidades de 142 OLIVEIRA, Arthur Vasco itabaiana. p. 19. 143 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p.28. 144 Idem, ibidem. p. 7. 145 OLIVEIRA, Arthur Vasco Itabaiana de. Ob. cit. p.22.
83
fato que se compõem de coisas especificamente determinadas. Não é suscetível
de divisão em partes materiais, enquanto permanece como tal. Compreende todos
os direitos que não se extinguem com a morte. Excluem-se os que não se
concebem desligados da pessoa, como os direitos da personalidade. Integram-na
bens móveis e imóveis, direitos e ações, obrigações. Abrange também coisas
futuras. Sendo universalidade de direito, é suscetível, abstratamente, de aumento
ou diminuição.146
As pessoas, a quem é devolvida a herança, recebem a denominação de
herdeiros, sendo, portanto, o que sucede na totalidade da herança ou parte dela,
sem determinações de valor ou objeto. Pode ser legítimo ou necessário. Os
herdeiros necessários (ascendentes ou descendentes e ainda o cônjuge) também
são chamados legitimários ou reservatários. São os que têm parte reservada na
herança, quer dizer, na legítima (que representa limite objetivo ao poder de testar,
ou seja, representa a metade dos bens do falecido).
Há, ainda, os herdeiros facultativos, os colaterais até o 4º grau. Enfim, todo
herdeiro necessário é legítimo, mas nem todo herdeiro legítimo é necessário.
Não se pode esquecer dos que recebem do de cujus, por meio de
testamento, valores ou objetos determinados ou certa parte deles. São os
chamados legatários.
Abre-se a sucessão no momento da morte de seu autor e no lugar do último
domicílio do falecido, ou seja, a sede principal dos interesses e negócios do autor
da sucessão.
O lugar da abertura da sucessão não só é fator importante, como é
determinante para prevenir a competência com vistas à propositura da ação de
inventário dos bens deixados, determinando também o foro das ações dos co-
herdeiros, legatários e credores, relativas às heranças e legados.
146 GOMES, Orlando. Ob. cit. p. 7.
84
2. Reconhecimento de direitos sucessórios dos companheiros
Antes da Lei n. 8.971/94 não havia reconhecimento legal de eventuais
direitos à partilha de bens causa mortis entre companheiros. A morte de um dos
companheiros não gerava para o outro efeitos sucessórios. Não surgiam de forma
automática, como deveria ocorrer em tal situação, apesar da jurisprudência,
diante de casos concretos, procurar meios de proteção para o sobrevivente.
Procurava-se aplicar, por analogia e para fins protecionais, em caso de morte de
um dos companheiros, os efeitos jurídicos resultantes de direitos e obrigações
surgidos no decorrer da união estável. Deve-se ressaltar, entretanto, que a
proteção, de início, era destinada apenas à mulher, por ser considerada, na
generalidade dos casos, como a parte mais fraca da relação.
Da promulgação da Constituição de 1988 até o advento da Lei n. 8.971/94,
que regulamentou o direito sucessório entre companheiros, ocorreram
manifestações jurisprudenciais no sentido da possibilidade da companheira
ingressar no inventário, entretanto para que tal fato tivesse sucesso era preciso a
total concordância de todos os herdeiros, desde que não existissem menores ou
incapazes.147
Pensava-se à época, que a proteção conferida pelo legislador, exposta no
art. 226, § 3º, igualaria a união estável ao casamento, mas ledo engano, até
porque, o próprio dispositivo estabelece que a lei deve facilitar a sua conversão
em casamento. Merecem destaque, nesse sentido, as posições contrárias de
Eduardo Oliveira Leite e Euclides de Oliveira, tanto quanto à equiparação quanto
ao ingresso da companheira no inventário:
Eduardo Oliveira Leite:
Aqui, mais do que nunca se afirma a não equiparação de duas
realidades. A mulher casada se habilita imediatamente como herdeira na
147 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa, Ob. cit. pp. 222 – 223.
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abertura da sucessão. Já a concubina, sem o título de declaração judicial
da condição de companheira do “de cujus”, de exigência obrigatória para
disputar a herança, não pode sequer influir no andamento do processo
de inventário, nem impedir a regular partilha de bens. (...) nesta matéria,
até hoje existem poucos julgados permitindo o ingresso da concubina no
inventário para amealhar parte do monte, exceto se estiverem de acordo
todos os interessados ( RT 667/94, 610/94, 563/265; RJTJSP 103/153).
Quando não há aquiescência de todos, entende-se que é inadmissível a
intervenção, uma vez que o inventário não é a via própria para a
concubina postular o reconhecimento de sua condição de meeira do
espólio (RSTJ 4/1414). Deverá primeiro, por via própria, demonstrar seu
direito à meação, sendo impossível, inclusive, obter reserva de bens,
medida destinada aos herdeiros.( RT 598/83, 603/76,605/68 e 80,
632/101, 626/66 e RJTJSP 95/270, 99/174,88/288, 116/295 ( O
concubinato frente à nova Constituição: hesitações e certezas. Revista
Unimar, 1993, v.11.n.13, p.52-3).
Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim seguiam essa mesma orientação,
que acrescentavam importante efeito de caráter fiscal:
Impossível o reconhecimento da sociedade concubinária dentro do
processo de inventário, a não ser que haja concordância de todos os
interessados na herança, com capacidade para transigir. (...) Ou seja, o
ex-concubino (ou concubina) está obrigado a obter, primeiro, a
declaração judicial dessa condição, para depois ingressar no inventário
ou exercer, de outro modo, seu direito à meação, sem possibilidade
alguma de influir no andamento do processo de partilha antes de
judicialmente afirmado esse direito.(RJTJSP 48/207,137/347). (...) Uma
anotação de caráter fiscal: sobre a parte cabente ao concubino ou
concubina, fruto do reconhecimento do direito à meação nos bens
inventariados, não incide o imposto de transmissão inter vivos ou causa
mortis, pois não há transferência de bens, mas simples divisão
decorrente do condomínio extinto pelo falecimento de uma das partes.
(Concubinato: novos rumos, Jurisprudência Brasileira, 172:30)148
O direito sucessório dos companheiros, aí definido, foi deferido a ambos os
companheiros, desde que fossem preenchidos os requisitos para tal: serem 148PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. notas 300 e 301. pp. 222–223.
86
desimpedidos ou separados judicialmente, que vivessem em união estável e
enquanto não constituíssem nova união.
O artigo 2º da Lei n. 8.971/94 corrigiu algumas injustiças em relação aos
companheiros, principalmente nos casos onde a companheira, após a morte do
seu companheiro, sem testamento, sem deixar ascendentes, descendentes,
cônjuges ou parentes colaterais até o 4º grau e mesmo assim não era
considerada herdeira. Diante de tal situação, o Município recebia os bens (artigo
1.603, V do Código Civil de 1916 ) e a mulher, ainda que tivesse vivido por longo
período ao lado de seu companheiro, contribuindo para a aquisição do patrimônio,
nada recebia, ou quando muito, a metade desses bens; entretanto teria que
provar o esforço comum nessa sociedade de fato. Dessa forma, o art. 1.603 do
Código Civil de 1916 sofreu alteração pelo inciso III, do artigo 2º, da Lei 8.971/94,
colocando, assim, o(a) companheiro(a) em terceiro lugar na ordem da vocação
hereditária.149
Art. 2º - As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão
do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:
(...)
III – na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a)
sobrevivente terá direito à totalidade da herança.
Vê-se, portanto, que pelo menos para fins sucessórios, ocorreu, sem
dúvida, equiparação dos companheiros aos cônjuges150, já que tanto um quanto
outro tinha direito à totalidade da herança do de cujus na inexistência de
descendentes ou ascendentes. Estando o cônjuge no terceiro lugar na ordem de
vocação hereditária, assim também, o companheiro deveria ocupar o terceiro
lugar.
Mas a doutrina não tinha a mesma opinião. Entre os doutrinadores, que
concordavam com o companheiro herdar a totalidade da herança, estavam:
José Maria Leoni Lopes de Oliveira:
149 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 107. 150 Idem, ibidem, p. 108.
87
O convivente herda a título de propriedade no caso de inexistir
descendentes nem ascendentes sucessíveis, como se verifica do teor do
inciso III do art. 2º da Lei n. 8.971/94...151
João Roberto Parizatto entende, por sua vez, que:
No caso em apreço, igualou-se para fins sucessíveis a(o) concubina(o)
ao cônjuge, prevendo-se que, na hipótese de inexistirem descendentes
ou ascendentes do de cujus, a(o) concubina(o) receberá a totalidade da
herança, o que ocorre, na mesma hipótese, ao cônjuge sobrevivente que
aparece em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária prevista no
art. 1603 do Código Civil.152
Em posição contrária, Mário Roberto Carvalho de Faria diz que o legislador
apenas desejou incluir a companheira na ordem da vocação hereditária,
colocando-a em quarto lugar após os descendentes, ascendentes e cônjuge.
Ressalta, inclusive, a posição superior do casamento em relação à união estável,
assim colocada pela Constituição Federal/88, portanto, e como tal, deve o
cônjuge precedê-la na ordem da vocação hereditária.153
Nesse sentido, Guilherme Calmon Nogueira da Gama fala sobre como o
intérprete deve se portar diante da norma constitucional:
A missão do intérprete, diante da norma constitucional, é adotar
orientação que não permita reconhecer maiores benefícios aos
companheiros do que aos cônjuges, inexistindo qualquer vedação que o
tratamento seja idêntico. E é justamente o que ocorre em relação ao
direito previsto no art. 2º, inc. III, da Lei 8.971/94, ou seja à equiparação
do direito à sucessão dos companheiros ao direito à sucessão dos
cônjuges.154
A se considerar que em relação aos direitos sucessórios, o companheiro,
diante do inciso III, do art. 2º, da Lei 8.971/94, tenha sido equiparado ao cônjuge,
151 OLIVEIRA, José.Mari Leoni Lopes de. Alimentos e sucessões no casamento e na união estável, p. 236. 152 PARIZATTO, João Roberto. O direito dos concubinos a alimentos e à sucessão. p. 83 153 FARIA, Mario Roberto Carvalho de. Os direitos sucessórios dos companheiros. p. 94. 154 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. pp. 427-428.
88
pelo menos na ordem de vocação hereditária, não quer dizer que tal disposição
legal tenha equiparado a união estável ao casamento, porque se assim fosse,
desnecessária seria a determinação constitucional de convertê-la em casamento
(art. 226, § 3º da Constituição Federal de 1988).
Assim, estando os direitos sucessórios dos companheiros tal como
estavam dispostos na lei. 8.971/94, equiparados aos dos cônjuges, chega-se à
conclusão que o legislador lhes conferiu a condição de herdeiros legítimos, mas
não necessários, por força de lei e não por vontade presumida do de cujus,
assumindo, portanto, a condição de herdeiros facultativos, o que não impedia que
o testador pudesse dispor de todos os seus bens. Seriam chamados a suceder,
pela ordem de vocação hereditária, não havendo herdeiros necessários ou
eventual disposição que os excluísse por testamento. Deve-se ressaltar,
entretanto, que o cônjuge, à época, também não era herdeiro necessário.
Tem-se na lição de Orlando Gomes:
Herdeiro legítimo é a pessoa indicada na lei como sucessor nos casos
de sucessão legal, a quem se transmite a totalidade ou quota parte da
herança.(...) Contrapõe-se-lhe o herdeiro testamentário, que é o
sucessor a título universal nomeado em testamento. (...) Na classificação
dos herdeiros legítimos, distinguem-se os necessários, também
designados legitimários ou reservatários dos facultativos; (...) havendo
herdeiros necessários a liberdade de testar é restrita à metade
disponível; havendo somente herdeiros facultativos, é plena. Todo
herdeiro necessário é legítimo, mas nem todo herdeiro legítimo é
necessário.155
Não se pode esquecer, em relação à restrição contida no art. 1º da Lei
8.971/94, o envolvimento do companheiro sobrevivente em nova relação, seja de
companheirismo ou matrimonial, vez que o seu surgimento implicaria na
destituição do sentido protetivo que o legislador conferiu (art. 2º, I,II, Lei 8.971/94).
Aqui também se nota um ponto semelhante entre companheiro e cônjuge, com o
155 GOMES, Orlando. Ob. cit. pp. 40-41.
89
disposto no art. 1611 do Código Civil de 1916, na hipótese do usufruto vidual156,
ressalvando-se que em se tratando de união estável, bastaria a constituição de
nova união concubinária ou não.
Configurando-se, entretanto, os requisitos necessários para uma união
estável (diversidade de sexos, convivência pública, contínua, duradoura,
estabelecida com o objetivo de constituição de família,) apta a gerar direitos
sucessórios vale insistir que não ilide a presunção de estabilidade da união a
existência de concubinato adulterino decorrente de separação de fato efetivada
há longo anos. Em tais casos Claudia Grieco Tabosa Pessoa afirma:
Seria assim de todo injusto e incoerente que, nessas situações, fossem
negados direitos sucessórios àqueles que, na prática, em tudo o mais
apresentam situação equiparada às hipóteses de verdadeira união
estável.157
É preciso ter-se a devida cautela de que sejam assegurados eventuais
direitos do cônjuge sobrevivente, na união conjugal anterior, desde que não tenha
sido feita a partilha judicial. Nesse caso a partilha de bens entre cônjuges e
companheiros ocorreria sem impedimento algum se houvesse acordo quanto à
habilitação no inventário e se não houvesse menores ou incapazes. Caso
contrário, ou seja, não concordância entre as partes, o companheiro deveria
procurar a via ordinária e por meio de ação declaratória, reconhecer a existência
da união de fato.
Pelo art. 2º, da Lei n. 8.971/94, o (a) companheiro(a) sobrevivente,
provando a existência da união estável, poderia se habilitar no inventário do de
cujus ou promover o processo , ocupando o cargo de inventariante, nos moldes
do art. 987, do Código de Processo Civil. Dessa forma o companheiro ocupava o
terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, ao lado do cônjuge. Entretanto, no
Código atual, o mesmo não aconteceu: ele não foi incluído no rol dos herdeiros
156 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 439. 157 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. p. 227.
90
necessários, como o foi o cônjuge, podendo ser excluído da herança sem
necessidade de menção ou prova acerca de indignidade.158
Os companheiros, assim, na condição de herdeiros legítimos, estariam
sujeitos à exclusão por indignidade de acordo com o art. 1.595 (Código Civil de
1916) e 1.814 do Código Civil atual. De acordo com o art. 1.725 da legislação
anterior, bastava que o testador dispusesse de seu patrimônio sem contemplar o
cônjuge ou parentes colaterais.
Dentre as espécies de direitos sucessórios a Lei n. 8.971/94 assim dispôs
no seu art. 2º, I, II, o usufruto, no inciso III, disciplinou o direito à herança e o seu
art. 3º disciplinou o direito sucessório.
A Lei 9.278/96 veio para regulamentar o § 3º do art. 226 da C.F. de 1988,
corrigindo as imperfeições contidas na lei anterior. O fato de não ter mencionado
o estado civil dos partícipes da união estável em seu art. 1º teria estendido o
direito sucessório ao companheiro casado, porém separado de fato por vários
anos?
Mário Roberto Carvalho de Faria tem pensamento contrário a esse respeito
ao considerar que o legislador agiu acertadamente em não fazer qualquer
menção à pessoa casada, porem separada de fato, que pudesse ser partícipe de
uma união estável:
Agiu acertadamente, pois, caso fosse o autor da herança casado e
separado de fato, concorreriam concomitantemente à sucessão, na
qualidade de herdeiros legítimos e de usufrutuário, o cônjuge e a
companheira. (...) .o relacionamento entre duas pessoas casadas e
separadas de fato não será agasalhado pelo manto da nova lei.159
Além dos direitos sucessórios dos companheiros explicitados na Lei n.
8.971/94, usufruto e propriedade, a Lei 9.278/96, apesar de não mencionar a
158 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p.119 159 FARIA, Mario Roberto Carvalho de. Ob. cit. p. 43
91
respeito de direitos sucessórios de propriedade, em seu art. 7º ainda lhes
concedeu o direito real de habitação complementando o tratamento legislativo do
companheirismo em matéria sucessória...160
O art.1.611, § 1º, do Código Civil de 1916, dispôs sobre o usufruto vidual,
que fora instituído pelo Estatuto da Mulher Casada – Lei 4.121 de 27 de agosto de
1962 – e tinha caráter protetivo em favor do cônjuge viúvo, visando dar-lhe
amparo material, já que o mesmo não tinha o direito sucessório de propriedade
diante da presença de descendentes e ascendentes, além de não receber
também a meação do de cujus, porque era exigido que o regime matrimonial de
bens não fosse o da comunhão universal de bens.
A Lei 8.971/94 em seu art. 2º, incisos I e II, na mesma linha do sistema
vigente para a sucessão em favor do cônjuge, instituíra o direito de usufruto ao
companheiro sobrevivente, na possibilidade de haver herdeiros das classes
anteriores quando da morte do de cujus.161
Veja-se no que são coincidentes:
Art.1611 – À falta de descendentes ou ascendentes será deferida a
sucessão ao cônjuge sobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não
estava dissolvida a sociedade conjugal.
§ 1º - O cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da
comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da
quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos deste ou do
casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes
do de cujus. (grifou-se)
Lei 8.971/94: Art. 2º- As pessoas referidas no artigo anterior participarão
da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:
160 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo – Uma espécie de família. p. 434. 161 Idem, ibidem. p. 439.
92
I – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir
nova união, ao usufruto da quarta parte dos bens dos do de cujus, se
houver filhos deste ou comuns. (grifou-se)
II – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não
constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se
não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes.(grifou-se)
Não há como negar a semelhança entre os dispositivos, tanto na maneira
como seria atribuído o usufruto, quanto na proporção. A única diferença está na
forma em que foi disposto, mas não na essência. Tanto a um quanto ao outro foi
atribuído o direito de usufruto.
Assim sendo, o direito de usufruto do companheiro era devido na
eventualidade da existência de herdeiros das classes anteriores(descendentes ou
ascendentes). Essa preocupação do legislador em proteger o companheiro
sobrevivente era fundada no fato dele não adquirir a propriedade de qualquer bem
do de cujus, pelas vias da sucessão legítima. Diante da possibilidade do
companheiro sobrevivente não herdar, a lei buscou protegê-lo, atribuindo-lhe o
direito de usufruto em parte ideal do patrimônio deixado.162
As exigências do companheirismo em relação ao direito de propriedade
são as mesmas para a aquisição do usufruto, já que a distinção básica se refere
apenas à existência de herdeiros das duas classes anteriores (descendentes ou
ascendentes) para o usufruto ou a falta dos mesmos para efeito de propriedade.
No que diz respeito à possibilidade de existência de relação de
companheirismo entre pessoas casadas com terceiros, mas separadas de fato,
pode ocorrer o direito de usufruto, com a ressalva que nesses casos, o usufruto
deverá ser dividido (art. 1.830 do Código Civil de 2002) entre o cônjuge e o
companheiro sobrevivente, ao invés de se atribuir dois usufrutos, o que implicaria
na duplicação da fração ideal prevista na lei, “porquanto esta última solução
162 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 441.
93
implicaria criar maiores restrições aos herdeiros, nu-proprietários dos bens
sujeitos ao gravame”.163
Diante do usufruto previsto no art. 2º, incisos I e II, da Lei 8.971/94, havia
controvérsia doutrinária sobre a natureza jurídica: legal ou vidual, pertenceria ao
direito de Família ou direito das Sucessões, haveria necessidade ou não de seu
registro, conforme o disposto no art. 167, I,7, da lei n. 6.015/73?
Mas como se sabe, a partir da elevação da união estável à condição de
entidade familiar, a união sem casamento deixa o campo do Direito das
Obrigações para fazer parte do Direito de Família164 e, conseqüentemente, não
haveria necessidade do registro em cartório desse usufruto. Era a hipótese
prevista no art. 715, do Código Civil de 1916.
Em sentido contrário manifesta-se Mário Roberto Carvalho de Faria, onde
afirma que sendo o usufruto vidual resultante do Direito Sucessório, está, pois,
sujeito ao Registro Geral de Imóveis, como proclama o art. 167, inc. I, da Lei
6.015, de 31 de dezembro de 1973.165
De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira, a controvérsia não se limitava à
natureza jurídica do usufruto, pois, com o advento do Código Civil de 2002, ainda
se questiona se o art. 2º, incisos I e II, da lei 8.971/94 continua em vigor, já que as
leis que cuidavam da união estável não foram revogadas expressamente pelo
atual Código, “restando ao intérprete, portanto, a possibilidade de revogação
tácita dos referidas leis”166, já que o Código Civil não cuidou da matéria, seja de
modo previsivo ou negando de forma expressa o usufruto aos companheiros.167
163GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo. Uma espécie de família. p. 445. 164 Toda a matéria relativa à união estável é da competência do juízo da Vara de Família, assegurado o segredo de justiça. Art. 9º da Lei 9.278/96. 165 FARIA, Mario Roberto Carvalho de. Ob. cit. p. 69. 166 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 110
94
Veja-se o que diz Francisco José Cahali:
Questão tormentosa a ser enfrentada pelos tribunais, à luz dos caminhos
traçados pela doutrina, será definir se o direito real de habitação e o
usufruto vidual em favor do companheiro sobrevivente ainda prevalecem
diante do novo Código, o primeiro previsto no art. 7º, parágrafo único da
Lei n. 9.278/96, e o segundo previsto nos incisos I e II do art. 2º da Lei n.
8.971/94.
Em nosso entender, houve a revogação dos artigos referidos por
incompatibilidade com a nova lei. Com efeito, o art. 1.790 estabelece que
o companheiro ou companheira ‘participará da sucessão do outro (...)
nas condições seguintes’. Fora das condições previstas na norma, o
sobrevivente não participa da sucessão de seu falecido companheiro; e
aqueles direitos não deixam de representar uma forma de participar da
sucessão. Vale dizer, neste particular – sucessão decorrente da união
estável -, o novo Código disciplinou inteiramente a matéria, revogando,
assim, os efeitos sucessórios entre os conviventes previstos em normas
anteriores.
Sustentarão alguns estudiosos, com bons argumentos, que o Código não
revoga lei especial, como aquelas. Utilizam esta fundamentação, porém,
apenas para sustentar a subsistência do direito real de habitação,
silenciando quanto ao usufruto.
A premissa é verdadeira, quando se afirma que a legislação especial não
foi revogada. Porém, a nova regra restringe expressamente a
participação do herdeiro nas condições nela estabelecidas. Daí a
incompatibilidade das normas apta a gerar a revogação daquelas
previsões. Se assim não for, estaria subsistindo, também, pelas mesmas
razões, o usufruto, criando uma situação privilegiada para o companheiro
sobrevivente.168
Entretanto o próprio Rodrigo da Cunha Pereira contesta a opinião acima:
Não obstante a autoridade do autor supracitado, nosso entendimento é
que o referido dispositivo continua em vigor, uma vez que a lei geral não
pode revogar lei especial, sem abranger a matéria nela contida, com
168 CAHALI, Francisco José. Curso Avançado de Direito Civil.2.ed. rev. Atual. São Paulo: RT, 2003. pp 232-234.
95
esteio no Princípio da Especialidade, conforme preceituou Norberto
Bobio.169
O que diz a Jurisprudência sobre o usufruto deferido ao companheiro e ao
cônjuge:
CONCUBINATO – DIREITO SUCESSÓRIO – Deferida à união estável
status de entidade familiar pela Constituição Federal, as repercussões no
direito sucessório levam ao reconhecimento do direito da concubina ao
usufruto da quarta parte dos bens do companheiro falecido (art. 1.611
CC). Apelo improvido. (AC N. 194204087. OITAVA CÂMARA. TJRS. Rel.
Des. Mª Berenice Dias. DJ.08/11/1994).
INVENTÁRIO – REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS –
USUFRUTO LEGAL.
CIVIL. INVENTÁRIO - Sendo o casamento celebrado sob o regime de
comunhão parcial, faz jus o cônjuge sobrevivente ao usufruto legal de
metade dos bens do “de cujus”, se não houver filhos dessa união ou do
finado. Aplicação do § 1º do artigo 1611 do Código Civil.apelo provido.
(AI nº 2003.002.22503. DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL..TJRJ.Rel.
Des. Celso Ferreira Filho. DJ. 17/03/2004).170
Não existindo regime de bens legal entre os companheiros, o usufruto
sempre lhes seria admitido, desde que não fossem contemplados com o disposto
no inciso III, do art. 2º, da Lei 8.971/94, visto que nesse caso, o direito à
propriedade da herança abrangeria o seu usufruto, tornando-o extinto, por
consolidação. Porém, havendo, concomitantemente direito a usufruto e à meação,
nos termos do art. 3º da referida lei, não ocorreria a consolidação, uma vez que o
usufruto incide sobre a herança e o direito à meação não é herança.171
169 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p.111. 170 O que se procurou demonstrar na jurisprudência apresentada é que em ambos os casos, a fundamentação é a mesma: art. 1.611, § 1º do Código Civil de 1916 para a atribuição do usufruto tanto para o companheiro quanto para o cônjuge, desde que este não fosse casado sob o regime da comunhão universal de bens. Conferir o referido artigo e mais o art. 2º, I, II da Lei 8.971/94. Diferem na forma, mas não na essência. 171 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. p. 230.
96
Quando houver, concomitantemente, direito ao usufruto e à meação, não
há superposição de direitos, porque o usufruto incide sobre a herança, e
meação não é herança.172
No que diz respeito à meação do companheiro sobrevivente, ela estava
disciplinada no art. 3º, da Lei 8.971/94 e incidiria sobre os bens que foram
deixados pelo autor da herança, desde que os mesmos resultassem do esforço
comum dos companheiros.
A meação põe fim ao estado de indivisão em que se encontravam os bens
adquiridos, na constância da relação, com o esforço comum de ambas as partes.
Nesse aspecto, o companheiro se nivela ao cônjuge casado em regime de
comunhão de bens; no companheirismo, todavia,o legislador exigiu a efetiva
colaboração do companheiro.
Os direitos sucessórios deferidos aos companheiros no art. 2º, da Lei
8.971/94, exigiam o atendimento dos requisitos estabelecidos no art. 1º, da
mesma lei, que exige para a configuração da hipótese do companheirismo: o
decurso mínimo de 5 anos de convivência, salvo se houver prole comum, além da
inexistência de outra união e, ainda, que estivessem os companheiros vivendo
efetivamente junto por ocasião da abertura da sucessão.
Uma vez preenchidos os requisitos do art. 1º, os companheiros, através do
estabelecido no art. 2º e incisos, I, II, III, passaram a participar da sucessão do
outro mediante condições:
I – o(a) companheiro (a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir
nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, se não
houver filhos deste os comuns;
II – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não
constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do cujus, não
houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;
172 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 4 ed. V.7. São Paulo: Atlas, 2004. p. 120.
97
III – na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a)
sobrevivente terá direito à totalidade da herança.
O art. 3º, da Lei 8.971/94, por sua vez, tratava do direito de meação
conferido a(o) companheiro(a) sobrevivente, desde que os bens deixados pelo
autor da herança sejam resultantes também de sua colaboração. Deve-se ter em
mente que meação não se confunde com herança. A meação é resultante do
esforço comum dos companheiros na aquisição do patrimônio, no período da
convivência, ao passo que herança, não depende de colaboração, envolve todos
os bens do acervo hereditário, independente da época e do título de aquisição. O
direito à sucessão somente ocorre quando do falecimento do autor da herança.
Apesar das críticas feitas pela doutrina à redação e à técnica legislativa
adotadas na elaboração da referida lei não se pode negar que foi um importante
passo dado pelo legislador ordinário no sentido de fazer cumprir a norma
constitucional, contudo o maior avanço se deu com a promulgação da Lei
9.278/96, a qual complementou o tratamento legislativo dispensado aos partícipes
da relação, em matéria sucessória, já tratado na Lei de 1994: o direito sucessório
de propriedade e de usufruto.
A ementa da Lei n. 9.278/96 diz respeito à regulamentação do art. 226, §
3º da Constituição de 1988, entretanto, no dizer de Guilherme Calmon Nogueira
da Gama173 , não pode ser considerada como norma geral, vez que não tratou de
temas, relativos à união estável, já tratados por outros textos legislativos, a saber,
o direito ao uso do patronímico, o direito à adoção, à impenhorabilidade do bem
de família, etc., nada menciona a respeito dos direitos sucessórios de propriedade
e de usufruto entre companheiros cuidando de introduzir o direito real de
habitação. Afirma, ainda, que não há incompatibilidade formal ou material entre as
duas leis, no que concerne aos efeitos sucessórios por ela previstos.
173 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo: uma espécie de família. p. 435.
98
Paulo Roberto de Freitas,174 entretanto, defendeu o entendimento de que
a Lei 9.278/96 teria ab-rogado a Lei 8.971/94. Segundo Débora Gozzo,175esta
parece ter sido uma opinião isolada entre os doutrinadores.
A Lei 9.278/96 não mais exigiu, para a caracterização da união estável,
como previsto na Lei 8.971/94, o lapso temporal mínimo de cinco anos de
comprovada convivência, como também não se referiu ao estado civil de seus
partícipes. O legislador então considerava como união estável, merecedora da
proteção legal, reconhecida como entidade familiar, a convivência duradoura,
pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de
vida em comum. Também não exigiu, expressamente, para a configuração da
união estável, a coabitação, tanto que ao dispor sobre os deveres e direitos dos
conviventes (art. 2º) o legislador não estabeleceu o dever de morar sob o mesmo
teto. Muito embora a Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal determine não
ser indispensável a vida em comum sob o mesmo teto para configuração da união
estável, Gustavo Tepedino tem a seguinte opinião:
Embora a exigência não tenha sido formulada pelo legislador de maneira
expressa, é fato que “a convivência duradoura, pública e contínua, de um
homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de
família”, pressupõe, em regra, a residência comum. Em tese, poderia
ocorrer uma duplicidade de casas sem que isso significasse
necessariamente a inexistência (ou a ruptura) da convivência.
Entretanto, a caracterização da união estável se tornaria muito difícil
nesta hipótese, devendo o juiz sopesar as provas com base em sua
ordinária experiência e de modo a evitar que simples relacionamento
afetivo possa ser considerado como uma entidade famliar.176
174 FREITAS, Paulo Roberto de. O novo regime jurídico da união estável. A ab-rogação da Lei 8.971/94 pela 9.278/96. RT 736. pp. 40-44. 175 GOZZO, Débora. Ob. cit. n.1. p. 88. 176 TEPEDINO, Gustavo. A Disciplina civil-constitucional das Relações Familiares. Artigo colhido no site da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. htm.55,4 kb. Acesso em 25/11/2005.
99
Nesse mesmo sentido, se manifesta José Maria Leoni Lopes de
Oliveira:”somos que a convivência more uxório deve existir para a caracterização
da união estável.”177
Uma outra modificação trazida pela referida lei (art. 5º) se refere à
presunção de que os bens móveis e imóveis adquiridos na constância da união,
por um ou por ambos os conviventes e a título oneroso, são frutos do trabalho e
da colaboração comum, passando, dessa forma, a pertencer a ambos, num
sistema de condomínio e em partes iguais, ressalvada a estipulação contrária em
contrato escrito, pelo visto, não mais havendo a necessidade de prova do esforço
comum.
Na verdade, essa presunção equipara-se aos efeitos do regime da
comunhão de bens, onde o patrimônio constituído pelos cônjuges na constância
do casamento é partilhado, no caso de separação do casal, cabendo a cada um
dos consortes a sua metade.
As formas de dissolução da união estável dispostas no art. 7º , como dito
anteriormente, podem ocorrer por “rescisão” ou por morte de um dos conviventes.
A expressão “rescisão” usada, demonstra o caráter contratual atribuído pelo
legislador à união. Assim, sendo feita por meio de acordo de seus partícipes, o
mesmo deverá dispor sobre os alimentos devidos a quem os necessitar. No caso
da dissolução por morte de um dos conviventes, era conferido ao sobrevivente o
direito real de habitação, porém, sob condições.
3. Do direito real de habitação
A Lei 8.971/94 tratou dos direitos sucessórios de propriedade e de
usufruto, todavia não cuidou do direito sucessório de habitação como fez o art.
1.611, § 2º, do Código Civil de 1916, em relação aos cônjuges. Dessa forma, não
era possível se reconhecer o direito de habitação para os companheiros, sem que
houvesse previsão legal, vez que o reconhecimento da união estável, como 177 OLIVEIRA, José Maria Leoni Lopes de. Ob. cit. p. 96.
100
entidade familiar, pela norma constitucional não a equiparou ao casamento, sendo
preciso a edição de lei infraconstitucional com o objetivo de introduzir os direitos e
deveres entre os companheiros, foi, então, com o advento da Lei 9.278/96,178 que
tal lacuna foi preenchida. Foi, assim, que a referida Lei, no parágrafo único do art.
7º, atribuiu ao convivente o direito real de habitação nos seguintes termos:
Art. 7º - Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material
prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela
necessitar, a título de alimentos.
Parágrafo único – Dissolvida a união estável por morte de um dos
conviventes. O sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto
viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel
destinado à residência da família.
O direito real de habitação atribuído aos companheiros, era, portanto,
sujeito a uma condição resolutiva.
Observa-se, antes de tudo, por tratar de matéria estranha, uma perfeita
desvinculação entre o parágrafo único e o seu caput, já que este trata de
alimentos, distanciando-se, sobremaneira, das regras de técnica legislativa.
José Maria Leoni Lopes de Oliveira diz que o direito real de habitação foi
mais uma conquista adquirida pelos companheiros, em termos de direito
sucessórios179, que veio somar aos que a Lei. n. 8.971/94 já lhes tinha conferido:
o direito de propriedade e de usufruto.
178 Segundo ensinamentos de Heloisa Helena Barboza a edição da Lei 9.278/96, causou grande polêmica e um dos pontos de debate foi justamente o fato de não ter tratado sobre os direitos sucessórios dos companheiros. Entretanto, atribuiu o direito real de habitação ao sobrevivente (art. 7º, § único), razão pela qual muitos intérpretes a consideraram como complementar da sua antecedente, exatamente para não subtrair qualquer direito sucessório do companheiro. BARBOZA, Heloisa Helena. Direitos sucessórios dos companheiros: reflexões sobre o artigo 1.790 do Código Civil. Dezembro de 2005. p. 6. No prelo. 179 OLIVEIRA, José Maria Leoni Lopes de. Alimentos e Sucessões no Casamento e na União Estável. 3.ed. rev. Rio de Janeiro. Lúmen Júris LTDA, 1977. p. 251.
101
Pelo art. 1.611, § 2º, do Código Civil de 1916, a exigência para que o
cônjuge tivesse direito real de habitação era que o regime matrimonial de bens
fosse o da comunhão universal; já a Lei n. 9.278/96 limitava-se a afirmar que
sendo a união estável dissolvida pela morte de um dos conviventes, o
sobrevivente teria direito real de habitação.
Havia preocupação da doutrina de que esses direitos atribuídos aos
companheiros fossem incompatíveis entre si. Segundo ensinamentos de José
Maria Leoni Lopes de Oliveira não havia incompatibilidade formal entre os direitos
de propriedade e usufruto com o direito real de habitação, podendo tais institutos
conviverem harmonicamente da mesma forma como acontece em relação ao
cônjuge, como se verifica do teor do art. 1.611 e seus parágrafos, do Código Civil
de 1916. 180
Caio Mário da Silva Pereira, contrariamente afirma que:
Não escapou aos intérpretes das Leis 8.971/94 e 9.278/96, a
observação de que admitida a sobrevivência parcial da mais antiga
após a entrada em vigor da mais recente, a coexistência de todos
aqueles direitos sucessíveis acabava por situar o companheiro em
posição mais favorecida que a do próprio cônjuge, a quem (ao menos
literalmente) não se permitiria jamais cumular o usufruto vidual ( Código
Civil de 1916, art.1.611, § 1º) com direito real de habitação (art. 1.611, §
2º): para o primeiro, constituía requisito o fato de o regime de bens não
ser o da comunhão universal; para o segundo, exigia-se, ao contrário,
que o regime fosse precisamente aquele. Procurou-se, então, corrigir
semelhante resultado de (favorecimento ao companheiro) mediante
raciocínio segundo o qual, diante da precedência, na Constituição, do
casamento sobre a união estável, as vantagens asseguradas ao
companheiro deveriam ser estendidas ao cônjuge: assim,
independentemente do regime de bens, o cônjuge sobrevivente faria jus
ao direito real de habitação.181
180 OLIVEIRA, José Maria Leoni Lopes de. Ob. cit. p.252. 181 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. Direito das Sucessões. p.152
102
O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.831, trata do direito real de
habitação atribuído ao cônjuge supérstite, qualquer que seja o regime de bens
que tenha vigorado na constância do casamento, modificando, assim o que
estava previsto no § 2º do art. 1.611 do Código Civil revogado, que somente
concedia tal direito quando o regime fosse o da comunhão universal. Sem dúvida
alguma é mais uma inovação quanto à situação jurídica do cônjuge supérstite.
Esse direito recai sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que
seja o único bem desta natureza a inventariar. É preciso, pois, que além de ser o
único, nele se esteja residindo, caso contrário não haverá a incidência do
gravame. Além da modificação relativa ao regime de bens o legislador não fez
qualquer menção à duração do período de viuvez.
Guilherme Calmon Nogueira da Gama assim se manifesta:
O Novo Código Civil no art. 1.831 curiosamente não se referiu ao direito
real de habitação em favor do companheiro por morte do outro, só o
fazendo em favor do cônjuge, o que considerou uma grave lacuna
legislativa a qual deve ser solucionada no sentido de se considerar em
vigor o disposto no parágrafo único, do art. 7º da Lei n. 9.278/96,
considerando que não houve revogação expressa da Lei de 1996,
inexistindo, porém, incompatibilidade entre o disposto no art. 1.831 do
CC, e o art. 7º único da Lei n. 9.278/96, adotando-se os critérios de
interpretação e harmonização das normas jurídicas no interior do
sistema, conclui-se pela vigência da regra do direito real de habitação
em favor do companheiro sobrevivente. Chama atenção para o disposto
no art. 226, caput da Constituição Federal, vez que a família fundada no
companheirismo merece a proteção estatal. “Caso houvesse
interpretação no sentido de se considerar revogado o disposto na Lei de
1996, haveria violação ao comando constitucional, já que ocorreria
postura no sentido de não proteger a família informal fundada na“união
estável”.182
O Código Civil de 2002 regulamentou toda a matéria referente à união
estável, deixando de lado, porém, alguns direitos concedidos anteriormente pelas
leis de 94 e 96, daí se entender que permanece em vigor o parágrafo único do art. 182 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. 129.
103
7º da Lei 9.278/96, o qual confere o direito real de habitação ao convivente
supérstite sobre o imóvel destinado à residência do casal:
APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO.
O parágrafo único do art. 7º da Lei nº. 9.278/96 assegura à companheira
sobrevivente da relação estável o direito real de habitação no imóvel em
que residia com o falecido desimportando que ela possua imóvel próprio.
Precedentes. Apelação Provida. (APELAÇÃO CÍVEL: 70013330881. Rel.
José Ataídes Siqueira Trindade. TJRS. Data do julgamento 22/12/2005).
Entretanto, Heloisa Helena Barboza observa que “a interpretação contrária
parece não se harmonizar com o direito fundamental à moradia e com os
princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade”.183
Nesse sentido o enunciado nº117184 proposto por Ana Luiza Maia Nevares
juntamente com os Professores Gustavo Tepedino e Guilherme Calmon Nogueira
da Gama, aprovado na Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de
Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de 11 a 13 de
setembro de 2002.
Enfim, o direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da
família, que a legislação anterior conferia ao companheiro sobrevivente, em
relação à união estável, não foi mencionado no atual Código Civil, significando,
assim, mais um retrocesso da legislação vigente.
4. Sucessão do Companheiro no Código Civil
Em relação ao direito sucessório dos companheiros, Silvio Venosa chega a
considerar o atual Código Civil como inadequado, além de tratar do assunto em
um único dispositivo, art. 1.790, em local absolutamente excêntrico, entre as
disposições gerais, fora da ordem de vocação hereditária.185
183 BARBOZA, Heloisa Helena. Art. cit. p. 6. 184 Enunciado nº 117 – Art. 1.831: o direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art. 6º, caput, da CF/88. NEVARES, Ana Luiza Maia. Ob. cit. p. 177. 185 VENOSA, Silvio de Salvo. Ob. cit. p. 124.
104
O Código Civil de 2002, ao tratar do direito sucessório, colocou o
companheiro como sucessor na herança do outro, com conseqüências
importantes, principalmente por ser uma inovação no ordenamento jurídico
brasileiro. O artigo 1.790 é taxativo quando dispõe: a companheira ou
companheiro participará da sucessão do outro quanto aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da união estável, estabelecendo em seus incisos as
condições em que essa sucessão terá efeito.
Favorável ao companheiro, sem dúvida, o concurso na herança, com
descendentes e ascendentes do falecido, da mesma forma como se reconhece ao
cônjuge sobrevivente. Entretanto, é incompreensível que ele ainda tenha que
concorrer com os demais parentes sucessíveis, especificamente, os colaterais até
o 4º grau. Trata-se pelo visto, no critério do sistema protetivo da união estável, de
evidente retrocesso, visto que lhe era conferida a totalidade da herança na falta
de descendentes ou ascendentes. Nos termos da lei vigente, o companheiro
sobrevivente apenas terá direito a um terço dos bens deixados pelo outro, ao
passo que parentes distantes do falecido, ficarão com a maior parte do
patrimônio.
Discute-se se o Código Civil ao estabelecer as diretrizes da sucessão dos
companheiros não acabou por praticar uma enorme injustiça para com os que,
historicamente e sociologicamente, são os verdadeiros beneficiários da sucessão
legítima e necessitam da guarida e proteção estatal, que são os filhos e pais.
Alega-se, inclusive, que foram ignorados os princípios elementares do direito
natural, que é anterior a qualquer direito positivo. Essa mesma crítica é dirigida ao
cônjuge quando da sua introdução na relação de herdeiro necessário, por se
achar que erigir o cônjuge ou o companheiro à condição de herdeiro necessário é
uma grande temeridade, com enorme possibilidade de lesão àqueles que são os
verdadeiros necessitados e legítimos sucessores (por ordem natural), ou seja, os
descendentes e ascendentes.
Em que pese toda a preocupação doutrinária, é de se entender que
embora o artigo 1.790 atribua direitos sucessórios ao companheiro, ele não foi
105
incluído como herdeiro necessário, como o cônjuge, desta forma, pode ser
excluído da herança sem necessidade de menção ou prova acerca de
indignidade.186 O cônjuge, por ser herdeiro necessário, não pode mais ser
excluído da sucessão por testamento, como permite o Código Civil . Os herdeiros
necessários só poderão ser afastados da sucessão
por indignidade ou deserdação. É bom se ter em mente que a meação, que não é
herança, não pode ser afastada.
Ana Luiza Maia Nevares187 diz que da mesma forma que a Lei 8.971/94, o
novo Código Civil manteve a posição do companheiro supérstite como herdeiro
necessário, quando determinou sua participação na sucessão do outro. Mais
adiante afirma que sendo o companheiro herdeiro necessário, não poderá ser
afastado da sucessão pelo testador e que, na forma do que dispõe os artigos
1.846 e 1.845 do novo Código Civil, e, na ausência de descendentes e
ascendentes, estará garantida a metade da herança, ao cônjuge ou ao
companheiro. Pelo fato do art. 1.845, do novo Código Civil não se referir
textualmente ao companheiro e o art. 1.850 do mesmo diploma legal só
determinar a exclusão dos colaterais da sucessão, a autora diz ser o companheiro
supérstite, herdeiro forçado no sistema do novo Código Civil, chegando a esta
conclusão:
“a partir da interpretação do art. 1850, juntamente com a determinação
imperativa do caput do art. 1.790, à luz da especial proteção dispensada
à união estável pela Carta Magna (CF/88, art. 226, caput c/c 226, §
3º)”.188
Heloisa Helena Barboza observa que pelo silêncio do art. 1.845 “não
parece razoável excluir o companheiro do rol dos herdeiros necessários”. Afirma
ainda que mesmo que o direito sucessório do companheiro não tivesse a tutela
constitucional, o art. 1.790, de forma imperativa, deixa bem claro que “não se trata
186 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. 119. 187 NEVARES, Ana Luiza Maia. A tutela sucessória do cônjuge e do companheiro legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 2004. pp. 223-225. 188 Idem, ibidem p. 223.
106
de um herdeiro legítimo, mas de um herdeiro legítimo que não pode ser afastado
da sucessão, nos termos ali previstos”.189
Diante do estabelecido no art. 1.790, o legislador é claro quando se refere
à sucessão dos companheiros, a qual se limita, única e exclusivamente, aos bens
que foram adquiridos onerosamente e durante a convivência.
Quando se trata de transmissão sucessória, não houve, por parte do
legislador a preocupação em dar um tratamento igualitário para a sucessão entre
cônjuges e companheiros (arts. 1.790 e 1.829, inciso I), fato este que provocou a
insatisfação da doutrina, por entender que se desrespeitou o princípio da
igualdade contido na Constituição Federal de 1988.
Assim se manifestou Zeno Veloso:
Se o princípio da igualdade obriga a que se coloque no mesmo plano
tanto a família constituída pelo casamento como a que decorre da
convivência pública contínua e duradoura; se o cônjuge é herdeiro, e
herdeiro necessário, concorrendo, inclusive, com descendentes e
ascendentes do falecido, como se pode admitir tamanha discriminação
no tratamento conferido aos companheiros?190
No mesmo sentido, Maria Berenice Dias:
Em sede de direitos sucessórios na união estável é onde o Código Civil
mais escancaradamente acabou violando o cânone maior da
Constituição Federal que impôs o reinado da igualdade e guindou a
união estável à mesma situação que o casamento. O tratamento
desigual dado ao cônjuge e ao parceiro não se justifica, em vista do
reconhecimento da união estável como entidade familiar.
O legislador afrontou a norma constitucional. O tratamento diferenciado
inegavelmente desobedeceu o princípio da igualdade que tem assento
189 BARBOZA, Heloisa Helena. Direitos sucessórios dos companheiros: reflexões sobre o artigo 1.790 do Código Civil. p. 8. No prelo. 190 VELOSO, Zeno. Do direito sucessório dos companheiros. p. 235.
107
constitucional, sede que consagrou a união estável como entidade
familiar e a igualou ao matrimônio, sem distinções de ordem patrimonial.
Produziu a lei civil verdadeiro retrocesso aos direitos dos conviventes,
direitos que já estavam consolidados na legislação infraconstitucional.
Descabido não deferir aos companheiros direitos iguais aos assegurados
aos cônjuges. Ao depois, a restrição em sede de direito sucessório aos
bens adquiridos na vigência da união estável não corresponde ao regime
de bens da comunhão parcial, que é assegurado à união estável.
A promoção do cônjuge à condição de herdeiro necessário é uma
novidade. Porém, indevido excluir da parceria estável a sucessão
necessária, condição a que o cônjuge foi guindado pelo art. 1845. De
todo descabida, por conseqüência, a disparidade de tratamento que
resultou em severas seqüelas, dando margens a gritantes injustiças.191
5. Considerações sobre o art. 1.790
Antes da Constituição de 1988, havia a recriminação social quanto às
uniões de fato entre homens e mulheres impedidos de casar. Nessa época a
jurisprudência foi, aos poucos, com base na Lei 6.858/80, garantindo à convivente
supérstite direito sucessório não somente sobre bens de origem previdenciária,
como também sobre os bens de pequeno valor.192
Com a promulgação da Constituição e o conseqüente reconhecimento
dessas uniões de fato como entidade familiar, os seus partícipes passaram a não
ser tão recriminados , razão pela qual se poderia “propugnar uma ampla e total
igualdade de direitos e deveres exigidos dos membros de um casal unido pelo
matrimônio.193”
No campo sucessório, essa igualdade não aconteceu totalmente, porém
muito se aproximou, em alguns pontos e avançou em outros. Foi a partir dos anos
90 que o convivente, não só obteve o direito à meação dos bens adquiridos
durante a convivência, para os quais tenha dado sua contribuição, seja de forma 191 DIAS, Maria Berenice. Artigo: A União estável. p. 3. 192 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito das sucessões, vol. 20 (arts.1.784 a 1.856) / coord. Antonio Junqueira de Azevedo. – São Paulo: Saraiva, 2003. p. 54 193 Idem, ibidem. p. 54.
108
direta ou indireta, ainda que em nome exclusivo do falecido, como também
adquiriu direito a um tipo de usufruto que muito se aproximava do vidual.
No que diz respeito às previsões do atual Código Civil, relativas aos
problemas de ordem sucessória, onde o cônjuge supérstite teve sua posição
modificada e, para melhor, já que galgou a condição de herdeiro necessário,
esperava-se que o convivente também tivesse sua condição privilegiada, já que
na legislação anterior estava no mesmo patamar do cônjuge, mas não foi o que
aconteceu.
O direito sucessório referente aos companheiros se encontra única e
exclusivamente determinado e, sob certas condições, no art. 1.790 e seus incisos,
do atual Código Civil, em local diverso, entre as disposições gerais, fora da ordem
de vocação hereditária:
Art. 1.790 – À companheira ou o companheiro participará da sucessão
dou outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da
união estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente
à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á
a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um
terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da
herança.
Como se vê o caput do artigo mencionado não deixa margens à dúvidas
quando dispõe que a sucessão dos companheiros só é admitida em relação aos
bens adquiridos onerosamente durante o período da convivência. O que vale
dizer que se durante a convivência os companheiros não tiverem adquirido bem
algum, a título oneroso, o companheiro sobrevivente não terá a menor chance de
109
herdar alguma coisa, mesmo que o de cujus tenha deixado um patrimônio
considerável, porém formado antes de estabelecer a união estável.
Deve-se ressaltar que esta restrição não constava na Lei n. 8.971/94, onde
o companheiro poderia herdar a integralidade de todo acervo, caso não existisse
descendente ou ascendente.
Luiz Felipe Brasil Santos, a respeito desta restrição, afirma:
Há grave equívoco aqui, que pode conduzir a situações de injustiça
extrema. Basta imaginar a situação de um casal, que conviva há mais de
20 anos, residindo em imóvel de propriedade do varão, adquirido antes
do início da relação, e não existindo descendentes nem ascendentes.
Vindo a falecer o proprietário do bem, a companheira não terá direito à
meação e nada herdará. Assim, não lhe sendo mais reconhecido o
direito real de habitação nem o usufruto, restar-lhe-á o caminho do asilo,
enquanto o imóvel ficará como herança jacente, tocando ao ente
público.194
É oportuno lembrar que o direito à meação não se confunde com o direito
sucessório. O direito à meação decorre da situação de comunhão que
permaneceu o bem durante o período da união entre os companheiros, enquanto
o direito à sucessão somente surge com o falecimento do autor da herança.
Deve-se também lembrar que os bens recebidos por herança, por doação feita a
um dos companheiros, durante o período da união estável, ficarão fora da
sucessão.
No dizer de Silvio de Salvo Venosa:
A impressão que o dispositivo transmite é de que o legislador teve
rebuços em classificar o(a) companheiro(a) como herdeiros, procurando
194SANTOS,Luiz Felipe Brasil. “A sucessão dos companheiros no novo código civil” http://www.ibdfam.com.Br/inf_histórico.esp?codTema=59&Tipo=1. Acesso em 28/12/2005.
110
evitar percalços e críticas sociais, não os colocando definitivamente na
disciplina da ordem de vocação hereditária. Desse modo, afirma
eufemisticamente que o consorte da união estável “participará” da
sucessão, como se pudesse haver um meio-termo entre herdeiros e
mero “participante” da herança.195
O inciso I, do art. 1.790, dispõe que se o companheiro sobrevivente
concorrer com filhos comuns terá direito a uma quota equivalente à que, por lei,
for atribuída ao filho, ressalte-se, entretanto, que essa quota será referente aos
bens que forem adquiridos onerosamente no período da união estável.
Este inciso se refere à “quota” a que faz jus o (a) companheiro (a),
equivalente à que por lei for atribuída ao filho, entretanto a previsão legal não
encontra paradigma nem na Lei 8.971/94, nem tampouco na Lei 9.278/96.
No dizer de Eduardo de Oliveira Leite criou-se um impasse:
Se o codificador refere-se à “concorrência com filhos comuns” é porque,
certamente estabeleceu como parâmetro a nova tendência da ordem de
vocação hereditária, quanto a concorrência do cônjuge sobrevivente com
os descendentes (art. 1.829, I). em assim sendo, a “quota” prevista no
art. 1.790, em concorrência com os filhos comuns, é igual ao percentual
que caberá a cada filho (ou filhos) no momento da partilha. Nenhum
problema. Mas, como o codificador inclui o (a) companheiro (a) no novo direito
sucessório, sem a clareza que seria de se esperar em matéria tão
relevante e não se referindo ao companheiro(a) na ordem de vocação
hereditária, fica a estranha sensação que aquela “quota” citada (no art.
1.790, I), equivale a mesma proporção a que se refere o art. 1.829, I,
quando trata da ordem da vocação hereditária.É que o codificador ciente
que não poderia equiparar o(a) companheiro(a) ao cônjuge supérstite na
ordem de vocação hereditária (por inconstitucionalidade) preferiu
195 VENOSA, Silvio de Salvo. Ob. cit. pp.124-125.
111
silenciar sobre o tema sem, porém, deixar de induzir o intérprete na
equiparação, via disposição geral”.196
O inciso II, por sua vez, trata da possibilidade do companheiro sobrevivente
concorrer com descendentes só do autor da herança, nesse caso, terá direito à
metade do que couber a cada um daqueles descendentes, entenda-se metade do
que couber ao descendente nos bens adquiridos onerosamente no período de
convivência da união estável.
Este inciso, por exemplo, gera tanta perplexidade quanto o inciso anterior.
Aqui, o legislador estabelece uma quota fixa a ser entregue ao companheiro
sobrevivente em concorrência com filhos apenas do falecido, ou seja metade do
que couber a cada um deles.
José Luiz Gavião de Almeida tece o seguinte comentário:
É quota fixa, que pode chegar a ser superior ao que o cônjuge, nas
mesmas condições receberia. Não se pode porém, equiparar o
companheiro ao cônjuge, sob pena de incidência em flagrante
inconstitucionalidade. A Constituição Federal, ao estabelecer a
possibilidade de ser a união convertida em casamento, deu nítida
demonstração da diversidade das entidades. Também não se pode
entender que tenha o novo Código atribuído mais direitos aos
companheiros que aos cônjuges.
Bem por isso não se há de entender que a quota a que tem direito o
companheiro é a que tem direito o cônjuge, se na mesma situação.
Melhor é concluir que o companheiro receberá, como se disse, metade
da quota que receber o descendente. Não metade do que cada um dos
descendentes vier a levantar, mas metade do valor destinado a um dos
herdeiros”.197
196 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil,volume XXI: do direito das sucessões: (Arts. 1.784 a 2.027). Rio de janeiro: Forense, 2003. pp. 60-61. 197 ALMEIDA, José Luiz Gavião de. CódigoCivil comentado: direito das sucessões, sucessão em geral, sucessão legítima: arts. 1.784 a 1.856, volume XVIII. Coord. Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2003. pp.70-71.
112
Em relação, ainda, ao inciso II, uma outra situação conflitante, que não foi
prevista pelo legislador, foi a hipótese do companheiro sobrevivente concorrer
com filhos comuns e exclusivos do falecido ao mesmo tempo.Trata-se de uma
situação híbrida, não havendo, na Lei Civil, uma disposição que a regulamente.198
Segundo Maria Helena Diniz, a doutrina apresenta as seguintes soluções:
1ª) considerar tais filhos como comuns, dando ao companheiro
supérstite quota equivalente à deles;
2ª) identificar os referidos descendentes como exclusivos do de
cujus , conferindo ao companheiro supérstite a metade do que
caberia a cada um deles;
3ª) conferir ao companheiro sobrevivente uma quota (em
concorrência com filhos comuns) e meia (em concorrência com
descendentes exclusivos do autor da herança);
4ª) subdividir, proporcionalmente, a herança conforme o número
de descendentes de cada grupo em concorrência com o
convivente.
De acordo com os ensinamentos dessa autora a segunda solução é a mais
justa e adequada aos ditames legais e constitucionais, uma vez que aplicando os
arts. 4º e 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, e o princípio constitucional da
igualdade dos filhos (C.F,art.227, § 6º), deve-se valer do vínculo da filiação do
autor da herança e não privilegiar, em detrimento dos filhos exclusivos, o
existente com o companheiro sobrevivente, que terá, nessa hipótese, direito à
metade do que couber a cada um dos descendentes do de cujus.199
198 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Ob. cit. p. 59. 199 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 6: direito das sucessões. 18ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2004. pp.133-135.
113
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka tem o sequinte pensamento a
respeito dessa segunda solução ou proposta como denomina:
Nessa hipótese por segundo considerada, privilegiar-se-iam os filhos em
detrimento do convivente sobrevivo, que seria tido, sob todos os
aspectos, como não ascendente de nenhum dos herdeiros, recebendo,
então, apenas metade do que aqueles herdariam. 200
No caso do inciso III, se o companheiro sobrevivente concorrer com outros
parentes sucessíveis (ascendentes, colaterais até o quarto grau: irmãos,
sobrinhos, primos, tios-avós e sobrinhos do de cujus) terá direito a um terço da
herança, não da totalidade, mas sim, dos bens adquiridos onerosamente durante
a união estável.
Na opinião de Eduardo de Oliveira Leite, o art. 1.790 além de apresentar
uma novidade (o direito do (a) companheiro(a) a 1/3 da herança), é plenamente
justificável, quando prioriza a pretensão do(a) companheiro (a) que sob o ponto
de vista do codificador, deu a sua contribuição para a aquisição do patrimônio.
Entretanto: Causa, porém, quando se refere ao direito de “um terço da herança” e
inquestionável retrocesso, pois, se na união estável, a regra das relações
patrimoniais é o regime da comunhão parcial dos bens (art. 1.725), o
direito do(a) companheiro(a) no direito sucessório diz respeito à metade
do patrimônio e não, certamente, a um terço.201
Finalmente, se não houver parentes sucessíveis é que o companheiro
sobrevivente terá direito à totalidade da herança, conforme o disposto no inciso IV
do referido artigo. Também aqui deve ser entendida a totalidade dos bens
adquiridos onerosamente durante a união estável.
200 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Ob. cit. p. 61. 201 LEITE, Eduardo de Oliveira. Ob. cit. p. 63
114
O inciso III, do art. 2º, da Lei n. 8.971/94 já dispunha: “Na falta de
descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à
totalidade da herança”. Esta regra foi repetida no inciso IV, do art. 1.790, que de
forma mais precisa e objetiva se refere à inexistência de herdeiros sucessíveis:
“não havendo parentes sucessíveis” e repete a fórmula empregada pela Lei n.
8.971/94 à totalidade da herança “terá direito à totalidade da herança”.
Ainda sobre o caput do art. 1.790, importante registrar as observações
seguintes:
Aldemiro Rezende Dantas Junior:
Com efeito, é sabido que o intérprete, ao buscar o sentido do texto legal,
deve partir da idéia de que o caput está dirigindo e condicionando os
incisos e parágrafos do artigo em exame. Ora, no caso em tela, o caput
do art. 1.790, está se referindo à sucessão que abrange, tão-somente, o
patrimônio adquirido a título oneroso, na vigência da união estável, e por
isso a boa hermenêutica estaria a indicar que o inciso IV desse mesmo
artigo também se refere, apenas, a esse mesmo patrimônio indicado no
caput.
Em outras e mais claras palavras, a expressão “totalidade da herança”,
usada no inciso IV do art. 1.790, se interpretada em conjunto com o
caput do artigo, estaria a indicar apenas os bens adquiridos a título
oneroso ao longo da existência da união estável, ou seja, estaria a
indicar que o companheiro sobrevivente, mesmo não havendo outros
“parentes sucessíveis”, não herdaria os bens adquiridos pelo falecido
antes do início da união estável, que teriam como único destino possível
a Fazenda Pública, nos termos do art. 1.822 do mesmo Código.202
Silvio Rodrigues reconhece o imperativo da regra contida no caput do art.
1.790:
202 JUNIOR, Aldemiro Rezende Dantas. Concorrência Sucessória do Companheiro Sobrevivo. RBDF- nº 29 Maio-Junho, 2005. p.131.
115
Não se pode chegar a outra conclusão, diante do imperativo da regra
contida no caput do art. 1790. A não ser que o intérprete, a título de dar
interpretação construtiva, ingresse no campo da criação normativa,
tomando o espaço e o lugar do legislador, o que lhe é vedado; mas,
reconheço, às vezes tem sido praticado, para corrigir falhas gritantes e
erronias contidas em alguns preceitos.203
Já Maria Berenice Dias diz o seguinte:
Apesar do esforço em não afrontar a norma constitucional, que impõe o
reinado da igualdade, em sede de direitos sucessórios acabou
seriamente violado esse cânone maior. O art. 1790 produz verdadeiro
retrocesso ao direito dos conviventes, direitos já consolidados na
legislação infraconstitucional.
Cabe referir que correta a inserção que restringe os direitos sucessórios
aos bens adquiridos na vigência da união estável – o que corresponde,
no casamento, ao regime de bens da comunhão parcial - com o que não
se deferem aos companheiros mais direitos do que aos cônjuges.204
O caput é o núcleo do artigo, a unidade básica da disposição, contendo o
princípio a respeito do assunto tratado. Os parágrafos, incisos e alíneas são
desdobramentos do caput, assim sendo, os quatro incisos estão vinculados a ele,
o qual determina que o direito sucessório do companheiro se limita aos bens
adquiridos onerosamente durante a convivência da união estável.
Silvio Rodrigues é enfático quando diz:
Não vejo razão alguma para que o companheiro sobrevivente concorra
– e apenas com relação à parte da herança que for representada por
bens adquiridos onerosamente durante a união estável – com os
colaterais do de cujus. Nada justifica colocar-se o companheiro
sobrevivente numa posição tão acanhada e bisonha na sucessão da
pessoa com quem viveu pública, contínua e duradouramente,
203 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil.Direito das Sucessões. v. 7. 25. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 118. 204 DIAS, Maria Berenice. O Novo Código Civil - Conferência proferida em 30/10/2000, em Recife, em evento promovido pelo Instituto Brasileiro de direito de Família ( IBDFAM) de Pernambuco. p.5.
116
constituindo uma família, que merece tanto reconhecimento e apreço e
que é tão digno quanto a família fundada no casamento. O correto, como
fazia a Lei n. 8.971/94, art. 2º, III, teria sido colocar o companheiro
sobrevivente à frente dos colaterais.205
Ainda em relação à concorrência do companheiro com os colaterais do de
cujus, Zeno Veloso206 considera um despropósito a possibilidade do companheiro
concorrer com parentes colaterais do de cujus apenas na fração de 1/3 sobre os
bens adquiridos a título oneroso durante a união, já que em relação aos outros
bens os colaterais herdarão sozinhos, sem a presença do companheiro
sobrevivente.
Não se compreende, portanto, que o companheiro sobrevivente concorra
com parentes sucessíveis do de cujus até o 4º grau, o que caracteriza, sem
dúvida, um verdadeiro retrocesso no critério do sistema protetivo da união estável.
Por todo o exposto, vê-se que o atual Código Civil, artigo 1.790, apesar de
tratar, mesmo que de forma restritiva, matéria de suma importância, sequer
ventilada na legislação anterior, não foi suficiente para impedir a insatisfação de
juristas tais como:
Silvio Rodrigues:
(...) Em suma, o Código Civil regulou o direito sucessório dos
companheiros com enorme redução, com dureza imensa, de forma tão
encolhida, tímida e estrita, que se apresenta em completo divórcio com
as aspirações sociais, com as expectativas da comunidade jurídica e
com o desenvolvimento de nosso direito sobre a questão.207
Heloisa Helena Barboza:
A redação do artigo do Código Civil que disciplina a sucessão dos
companheiros é, contudo, bastante imprecisa, exigindo esforço do
205 RODIRGUES, Silvio. Direito civil. direito das Sucessões. v.7. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 119. 206 VELOSO, Zeno. op. cit. pp. 236-237. 207 RODRIGUES, Silvio. Ob. cit. p. 119.
117
intérprete para atender a orientação constitucional e impedir sua
injustificada exclusão da sucessão. Diversos trabalhos vêm sendo
elaborados procurando dar adequada interpretação ao artigo 1.790, do
Código Civil. O consenso, se possível, não ainda obtido.208
208 BARBOZA, Heloisa Helena. Art. cit. pp. 9-12.
118
CONCLUSÃO
O presente trabalho destinou-se à apresentação da União Estável, com
ênfase aos efeitos jurídicos de natureza patrimonial, mais especificamente o
direito sucessório.
Sem pretensão alguma de diminuir as divergências que, possivelmente,
ainda existam a respeito, procurou-se traçar, de maneira simples, uma linha
histórica sobre a família, sua criação, sua evolução até os dias atuais,
concretizando, assim, o aspecto dinâmico do Direito, acompanhando o senso
evolutivo da civilização, conduzindo as relações interindividuais dentro do convívio
social, delimitando os seus contornos, onde direitos e deveres se impõem,
devendo, como tais, serem cumpridos e respeitados.
O estudo empreendido permitiu que se chegasse aos efeitos jurídicos do
concubinato puro – hoje denominado de união estável, galgada à condição de
entidade familiar, art. 226, § 3º da Constituição Federal /1988 – na órbita
patrimonial, inseridos no âmbito do direito privado, dentro do direito civil, mais
precisamente, direito de família.
Dentre os efeitos patrimoniais resultantes da união estável, deu-se maior
destaque ao direito sucessório entre os companheiros, por ser a grande novidade
do ordenamento jurídico brasileiro, muito embora tenha sofrido profundas
alterações, na forma em que se encontra disposto no art. 1.790, do Código Civil
de 2002. A lei civil produziu um verdadeiro retrocesso nos direitos dos
companheiros, os quais já estavam consolidados por leis anteriores.
Há de se ter em mente que, se cumprida a literalidade da lei, o(a)
companheiro(a) supérstite participa da sucessão do outro, tão-somente em
relação aos bens que foram adquiridos onerosamente durante a convivência.
O fato dos companheiros serem herdeiros legítimos facultativos, torna mais
fácil o seu afastamento da herança, por testamento, o mesmo não acontecendo
119
com os cônjuges, que foram elevados à condição de herdeiros necessários,
conforme disposto no art. 1.845, do atual Código Civil. Notam-se, portanto,
diferenças consideráveis no tratamento dispensado aos cônjuges e aos
companheiros em matéria sucessória.
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka209 afirma que o legislador civil
atual conferiu um tratamento preferencial ao companheiro sobrevivo, quando se
trata de concorrência com filhos comuns a ele e ao morto. Nesse sentido também
se manifesta Ana Luiza Maia Nevares.210
Ainda assim, diferenças existem, direitos foram limitados, donde se conclui
que houve desrespeito ao princípio constitucional da igualdade. Nesse diapasão
Maria Berenice Dias afirma:
Devem as diferenciações ser afastadas do sistema jurídico. Mas, até que
seja corrigido tal equívoco, pela reformulação da lei, cabe ao juiz
simplesmente deixar de aplicar as normas discriminatórias,
reconhecendo a inconstitucionalidade das mesmas. Esta é a única forma
de evitar que o equívoco legal traga prejuízos enormes às uniões que
merecem a proteção do Estado.211
209 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Ob. cit. pp.56-58. 210 NEVARES, Ana Luiza Maia. Ob. cit. n. 304. p 182. 211 DIAS, Maria Berenice. A União Estável. p. 4
120
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