não-linearidade na relação entre dívida pública e taxa de juros de
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE ECONOMIA
DISSERTAO DE MESTRADO
NO-LINEARIDADE NA RELAO ENTRE DVIDA PBLICA E TAXA DE
JUROS DE LONGO PRAZO: O PAPEL DAS EXPECTATIVAS E UMA ANLISE
DO BRASIL
ADIR DOS SANTOS MANCEBO JNIOR
RIO DE JANEIRO
2014
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ADIR DOS SANTOS MANCEBO JNIOR
NO-LINEARIDADE NA RELAO ENTRE DVIDA PBLICA E TAXA DE
JUROS DE LONGO PRAZO: O PAPEL DAS EXPECTATIVAS E UMA ANLISE
DO BRASIL
Dissertao de Mestrado apresentada ao
Programa de Ps-Graduao em
Economia, Instituto de Economia,
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como requisito parcial obteno do
ttulo de Mestre em Cincias
Econmicas.
Orientador: Professora Dra. Viviane Luporini
RIO DE JANEIRO
2014
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FICHA CATALOGRFICA
M268 Mancebo Jnior, Adir dos Santos.
No-linearidade na relao entre dvida pblica e taxa de juros de longo prazo :
o papel das expectativas e uma anlise do Brasil / Adir dos Santos Mancebo Jnior. -- 2014.
81 f. ; 31 cm.
Orientadora: Viviane Luporini.
Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Economia,
Programa de Ps-Graduao em Economia, 2014.
Bibliografia: f.69-73.
1. Dvida pblica. 2. Taxa de juros de longo prazo. 3. No-linearidade. 4. Expectativas.
5. Autorregresso vetorial com limiar. I. Luporini, Viviane. II. Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Instituto de Economia. III. Ttulo.
CDD 336.34
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ADIR DOS SANTOS MANCEBO JNIOR
NO-LINEARIDADE NA RELAO ENTRE DVIDA PBLICA E TAXA DE
JUROS DE LONGO PRAZO: O PAPEL DAS EXPECTATIVAS E UMA ANLISE
DO BRASIL
Dissertao de Mestrado apresentada ao
Programa de Ps-Graduao em
Economia, Instituto de Economia,
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como requisito parcial obteno do
ttulo de Mestre em Cincias
Econmicas.
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________________
Professora Dra. Viviane Luporini (IE/UFRJ) Orientador
_______________________________________________________
Professor Dr. Antonio Luis Licha (IE/UFRJ)
_______________________________________________________
Professora Dra. Julia de Medeiros Braga (UFF)
RIO DE JANEIRO
2014
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeo a Deus por tudo o que pra mim e por ter me conduzido
at aqui e me capacitado para concluir mais esta etapa. Toda honra e toda glria Dele!
Agradeo aos meus pais, Adir e Valria, por todo o amor, carinho, educao, suporte e
tudo mais que me possibilitou chegar a este momento.
Agradeo minha irm, Nathalia, que mesmo longe est sempre comigo.
Agradeo Raphaela, minha amada namorada e tambm melhor amiga, por todo o
amor, companheirismo, pacincia e ateno. Eu te amo!
Agradeo aos meus amigos-irmos da Igreja Batista da Orla de Niteri por todo o
apoio e orao (no vou citar nomes porque vou acabar esquecendo algum).
Agradeo a todos os meus familiares, amigos e professores que certamente me
ajudaram a estar onde estou hoje.
Por fim, mas no menos importante, agradeo professora Viviane Luporini por todo
o conhecimento compartilhado e toda a ajuda e pacincia comigo.
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RESUMO
Boa parte da literatura terica econmica acerca das consequncias do endividamento
pblico afirma que uma dvida pblica crescente gera maiores taxas de juros de longo prazo, o
que corroborado pelos resultados de muitos trabalhos empricos. De fato, o custo de
financiamento soberano do governo est ligado a sua trajetria fiscal e esta relao parece ser
ainda mais forte quanto maior o tamanho do estoque da dvida pblica em relao ao PIB
como j foi mostrado em estudos recentes. Este trabalho apresenta um referencial terico que
fundamenta a no-linearidade na relao entre a dvida pblica e a taxa de juros de longo
prazo, destacando o modelo proposto por Greenlaw et al. (2013) que mostra como as
expectativas realmente desempenham um papel de destaque nesta questo. Alm disso,
atravs de um modelo de Autorregresso Vetorial com Limiar, busca-se observar se esta
dinmica est presente no caso brasileiro recente. Mesmo em um cenrio em que no h crise
fiscal foi possvel estabelecer a presena de no-linearidade. A partir da anlise, nota-se que o
papel das expectativas no deve ser negligenciado, princpalmente quando notamos a reao
das taxas de juros de longo prazo a um choque no saldo da conta corrente em relao ao PIB,
uma varivel que est intimamente ligada existncia de crises financeiras.
Palavras-chave: Dvida pblica; Taxa de juros de longo prazo; No-linearidade;
Expectativas; Autorregresso Vetorial com Limiar.
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ABSTRACT
Most of the economic theory about the consequences of public debt states that a
growing debt leads to higher long run interest rates, which is equally shown in many
empirical works. In fact, the government sovereign borrowing cost is attached to its fiscal
path, and this relationship seens to be even more pointed as bigger is the ratio of the public
debt to GDP as recently studies has shown. This work presents a theoretical framework that
underlies the nonlinearity in the relationship between the public debt and the long run interest
rates, highlighting the model shown by Greenlaw et al. (2013), which addresses how
expectations play a key role on this matter. Furthermore, we try to determine if this dynamic
is present in Brazilian recent history analyzing a Threshold Vector Autoregression model.
Even on a scenario without a fiscal crisis it was possible to establish the presence of
nonlinearity. The analysis shows that the role of the expectations cannot be neglected,
principally when we see the reaction of the long run interest rates to a shock in the ratio of the
current-account balance to GDP, a variable that is deeply attached to existence of financial
crisis.
Keywords: Public Debt; Long run interest rates; Nonlinearity; Expectations; Threshold
Vector Autoregression.
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1: Participao da Dvida Pblica Federal Interna e Externa na Dvida Pblica
Federal.......................................................................................................................................52
Grfico 2: Funo de impulso-resposta do VAR linear............................................................60
Grfico 3: Funo de impulso-resposta do VAR linear............................................................61
Grfico 4: AIC vs Candidatos a Limiar....................................................................................63
Grfico 5: Funo de impulso-resposta generalizada do TVAR..............................................64
Grfico 6: Funo de impulso-resposta generalizada do TVAR..............................................66
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Testes de Estacionariedade.......................................................................................57
Tabela 2: Testes de Estacionariedade.......................................................................................57
Tabela 3: Seleo da Ordem de Defasagem do VAR...............................................................58
Tabela 4: Teste de Causalidade de Granger..............................................................................59
Tabela 5: Teste Multivariado de Tsay para Deteco de thresholds........................................63
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SUMRIO
1 INTRODUO....................................................................................................................11
2 DINMICA DA DVIDA PBLICA E TAXA DE JUROS DE LONGO PRAZO.......14
2.1 COMO A DVIDA PBLICA AFETA A ECONOMIA: A VISO
CONVENCIONAL.......................................................................................................14
2.1.1 Euforia hoje e decepo amanh..........................................................14
2.1.2 Outros efeitos importantes....................................................................15
2.2 A DVIDA PBLICA E OS JUROS DE LONGO PRAZO..................................17
2.2.1 Os efeitos do endividamento pblico excessivo...................................18
2.2.2 Trabalhos empricos..............................................................................19
2.3 A NO-LINEARIDADE........................................................................................22
2.3.1 Evidncias empricas..............................................................................22
2.3.2 Justificativas tericas.............................................................................24
3 DVIDA PBLICA, JUROS DE LONGO PRAZO E NO-LINEARIDADE: A
HIPTESE DAS EXPECTATIVAS E O MODELO DE GREENLAW ET AL. (2013)..26
3.1 UMA TRAJETRIA FISCAL SUSTENTVEL..................................................26
3.1.1 Entendendo a sustentabilidade fiscal...................................................27
3.1.2 Os efeitos das trajetrias fiscais insustentveis...................................29
3.2 A DVIDA PBLICA, AS TAXAS DE JUROS DE LONGO PRAZO E AS
CRISES FISCAIS.........................................................................................................30
3.3 O MODELO DE GREENLAW ET AL. (2013)......................................................36
3.3.1 A dinmica da sustentabilidade fiscal..................................................37
3.3.1.1 Caso 1: .........................................................................38
3.3.1.2 Caso 2: .........................................................................38
3.2.2 As expectativas e a no-linearidade......................................................39
4 ANLISE EMPRICA: TAXA DE JUROS DOS TTULOS PBLICOS DE LONGO
PRAZO E DVIDA PBLICA NO BRASIL (2007-2013)..................................................44
4.1 NO-LINEARIDADE E METODOLOGIA..........................................................45
4.1.1 As dimenses da no-linearidade..........................................................45
4.1.2 A importncia de se capturar a dinmica no linear.........................46
4.1.3 A abordagem TVAR..............................................................................47
4.1.4 Funes de Impulso-Resposta No Lineares.......................................49
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4.2 ESCOLHA DAS VARIVEIS: QUESTES ECONOMTRICAS E FATOS
ESTILIZADOS.............................................................................................................50
4.2.1 O mercado de dvida pblica dos pases emergentes nos ltimos
anos...................................................................................................................50
4.2.2 A definio das variveis.......................................................................54
4.3 ESPECIFICAO DO MODELO, ESTIMAO E TESTES.............................56
4.3.1 Raiz unitria, ordem de defasagem e estimao do VAR linear.......56
4.3.2 Teste de no-linearidade e definio do valor limiar..........................62
4.3.3 Resultados do TVAR e GIRFs..............................................................64
5 CONCLUSO......................................................................................................................67
REFERNCIAS......................................................................................................................69
APNDICE A DADOS DA ANLISE EMPRICA.........................................................74
APNDICE B SEQUNCIA DE COMANDOS RATS..................................................77
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1 INTRODUO
O debate acerca das consequncias da dvida pblica na atividade econmica
recuperou o flego com a recente crise fiscal que assolou, e ainda assola, alguns pases
europeus, alm de um novo cenrio de endividamento crescente, principalmente em algumas
das principais economias avanadas. Este debate esteve na pauta de muitos economistas nas
dcadas de 1980 e 1990 com as crises dos pases latino-americanos e asiticos e com o grande
aumento da dvida dos EUA e dos pases europeus a nveis que antes s ocorriam em guerras
ou depresses (Elmendorf e Mankiw, 1999). Mas, as discusses se esfriaram na dcada de
2000 com a reduo da dvida pblica nos principais pases. Com a crise financeira de 2008,
porm, as economias mais afetadas entraram em um processo de grande endividamento a fim
de se evitar o agravamento da crise. Com isso, o debate acerca das consequncias do
endividamento pblico na economia e suas implicaes de poltica voltou tona.
De acordo com Cecchetti, Mohanty e Zampoli (2011), a dvida permite aos indivduos
suavizarem seu consumo diante de uma renda varivel, permite tambm s corporaes
suavizarem investimento e produo diante de vendas instveis e permite aos governos
suavizarem os impostos diante de gastos variveis. Alm disso, aumenta a eficincia da
alocao do capital em seus diferentes usos possveis na economia. Pelo menos em princpio,
tambm deveria levar a uma transferncia de riscos para aqueles mais capazes de suport-los.
A dvida pblica, em particular, pode ajudar a suavizar o consumo no apenas no
decorrer do tempo de vida dos indivduos que esto vivos atualmente, mas tambm atravs
das geraes. Considerando que as geraes futuras tendem a ser mais ricas que as geraes
presentes pois provvel que elas tenham uma combinao de mais capital humano e mais
tecnologia produtiva uma transferncia das geraes futuras para as atuais pode aumentar o
bem-estar intertemporal da sociedade. Uma vez que parte do aumento dos impostos
necessrio para financiar o maior consumo corrente adiado, a dvida pblica pode aumentar,
pelo menos at certo patamar, sem que o crescimento necessariamente se torne mais lento.
Alm disso, a dvida do governo tambm proporciona servios de liquidez, o que pode
contribuir para facilitar as condies de crdito enfrentadas pelas firmas e famlias, portanto
impulsionando o investimento privado (Cecchetti, Mohanty e Zampoli, 2011). Por estas
razes, pode-se dizer que sem dvida as economias no conseguiriam crescer e a volatilidade
macroeconmica seria muito maior do que o desejvel.
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Deve-se considerar, contudo, que o endividamento (principalmente o endividamento
pblico) no possui apenas uma face positiva. Alis, sua face negativa pode ter efeitos
devastadores. A acumulao de dvida envolve riscos. medida que o nvel da dvida pblica
aumenta, a habilidade do governo em honrar suas obrigaes se torna progressivamente mais
sensvel a quedas na arrecadao, assim como a aumentos nas taxas de juros. Para dado
choque, quanto maior a dvida, maior a probabilidade de repdio. Mesmo diante de um
pequeno choque, governos altamente individados, podem, de forma repentina, deixar de
serem considerados dignos de crdito. Quanto maior o nvel da dvida em relao ao PIB,
maior o risco perante determinado choque na economia.
Diante de uma crise, a habilidade do governo de intervir depende do montante de
dvida que ele j acumulou, assim como da percepo do mercado sobre sua capacidade
fiscal, ou seja, a capacidade de aumentar suas receitas com impostos para cumprir as
obrigaes da dvida. As autoridades fiscais podem se tornar restritas tanto na tentativa de
promover polticas tradicionais de estabilizao anticclica, como em seu papel de
emprestador de ltima instncia durante crises financeiras. Portanto, altos nveis de dvida
pblica podem limitar funes essenciais do governo.
Podemos afirmar ento que, a nveis moderados, a dvida boa. Ela pode ser usada
para melhorar o desempenho econmico e gerar estabilidade. Porm, a nveis altos, tanto a
dvida privada quanto a pblica geram riscos, aumentando a volatilidade da economia e
reduzindo o crescimento. A partir de determinado ponto, a dvida se torna perigosa e
excessiva.
Estas observaes tm sido debatidas desde os primrdios dos estudos econmicos.
Ao longo de muitos anos, os economistas desenvolveram teorias e modelos que tentam
descrever como o endividamento pblico excessivo pode afetar a economia, ou mais
especificamente o crescimento econmico ou as taxas de juros. Muitos trabalhos tericos e
empricos foram realizados neste sentido. Mais recentemente, alguns estudos tm buscado
entender de maneira mais clara como se d a relao entre a dvida pblica e as taxas de juros
dos ttulos pblicos de longo prazo de um pas, levando em considerao a repercusso que
esta relao tem sobre a dinmica da economia. O que tem se tornado cada vez mais claro
que esta relao se configura de maneira no linear, corroborando a ideia de que o
endividamento pblico excessivo pode ter consequncias graves. Greenlaw, Hamilton,
Hooper e Mishkin (2013), por exemplo, mostraram que pases com altos nveis de dvida
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pblica em relao ao PIB esto vulnerveis a entrarem em um ciclo vicioso no qual o temor
do mercado em relao capacidade do pas de cumprir suas obrigaes eleva as taxas de
juros dos ttulos soberanos, o que, por sua vez, torna o problema da dvida mais severo. Eles
analisaram a recente experincia de economias avanadas utilizando tanto mtodos
economtricos quanto estudos de caso e concluram que pases com nveis de dvida acima de
80% do PIB e dficits persistentes em conta corrente esto vulnerveis a uma rpida
deteriorao fiscal como resultado da dinmica de pontos de inflexo.
Neste trabalho, iremos nos aprofundar na anlise desta relao, observando o caso
brasileiro. Uma vez que o endividamento pblico excessivo pode ser extremamente
prejudicial economia de um pas, ento, se h uma relao no linear entre a dvida do
governo e as taxas de juros de longo prazo que cria um ciclo vicioso de maiores taxas e maior
dvida, preciso entender este processo para que se possa evitar o pior. Assim, no prximo
captulo faremos uma reviso da literatura acerca da relao entre a dvida pblica, a atividade
econmica e as taxas de juros. Mostraremos como a dvida do governo afeta a economia e,
mais especificamente, as taxas de juros de longo prazo, inserindo aqui a noo de no-
linearidade que permeia esta relao. No captulo seguinte, apresentaremos o modelo sobre o
qual construmos a relao no linear que estamos estudando. Antes de apresentar o modelo,
porm, percorreremos um caminho entre conceitos fiscais e modelos que estudam a relao
entre a dvida pblica e as taxas de juros de longo prazo de maneira linear, assim como
modelos de crise fiscal e default que flertam com a no-linearidade atravs da sugesto da
existncia de equilbrios mltiplos que destacam o importante papel das expectativas na
dinmica das taxas de juros. Adiante, iremos apresentar a anlise emprica do caso brasileiro,
utilizando como metodologia o modelo de Autorregresso Vetorial com Limiar para estudar a
no-linearidade da relao entre a dvida pblica e os custos de financiamento do governo.
Por fim, faremos a exposio das concluses deste trabalho.
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2 DINMICA DA DVIDA PBLICA E TAXA DE JUROS DE LONGO PRAZO
Antes de se poder afirmar que h uma relao no linear entre a dvida do governo de
um pas e as taxas de juros dos ttulos pblicos de longo prazo, preciso entender de que
maneira o endividamento do governo poderia influenciar as taxas de juros. Para isso,
necessrio, em primeiro lugar, saber o que a teoria econmica diz sobre como a dvida pblica
pode afetar a atividade econmica.
Neste captulo, abordaremos as maneiras pelas quais a dvida pblica pode afetar a
economia de acordo com a viso convencional convencional porque admitida pela
maior parte dos economistas e formuladores de poltica. Em seguida, nos debruaremos sobre
a relao entre a dvida pblica e as taxas de juros de longo prazo, explorando, adiante, os
trabalhos empricos que estudam esta relao. Finalizando, abordaremos a viso recentemente
introduzida nos estudos empricos de que h uma relao no linear entre a dvida pblica e as
taxas de juros dos ttulos pblicos de longo prazo.
2.1 COMO A DVIDA PBLICA AFETA A ECONOMIA: A VISO CONVENCIONAL
Ao longo de muitos anos, a literatura econmica construiu um amplo debate acerca
dos transbordamentos da dvida contrada pelos governos sobre a economia do pas. De
acordo com a viso convencional, a emisso de ttulos por parte do governo estimula a
demanda agregada e o crescimento econmico no curto prazo, mas produz um efeito de
crowding out do capital e reduz a renda nacional no longo prazo (Elmendorf e Mankiw,
1999). Alm disso, h ainda outras importantes consequncias econmicas e no-econmicas
do financiamento do governo que merecem destaque.
2.1.1 Euforia hoje e decepo amanh
Inicialmente, vamos considerar que o governo gere um dficit oramentrio mantendo
seus gastos constantes e reduzindo a receita com impostos. Esta poltica, ento, aumenta a
renda disponvel corrente das famlias e, talvez, tambm a sua riqueza ao longo da vida. De
acordo com a anlise convencional, o aumento na renda e na riqueza da famlia impulsiona
seu gasto em consumo de bens e, portanto, eleva a demanda agregada de bens e servios.
Assim, no curto prazo, devido rigidez dos salrios e dos preos, ou equvocos temporrios
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por parte dos agentes, alteraes da demanda agregada afetam a utilizao dos fatores de
produo da economia, influenciando diretamente a renda nacional. 1
No longo prazo, porm, a anlise convencional considera que os salrios e os preos
rgidos, ou os equvocos temporrios dos agentes, que fazem com que a demanda agregada
tenha papel de destaque no curto prazo, no prevalecem. Preos e salrios sero reajustados
quando necessrio e os agentes alteraro suas decises se tiverem sido equivocadas. Como
resultado, a poltica fiscal afeta a renda nacional apenas alterando a oferta dos fatores de
produo. 2
2.1.2 Outros efeitos importantes
Os dficits oramentrios do governo provocam, portanto, o aumento da demanda
agregada no curto prazo e a reduo do estoque de capital no longo prazo. Provavelmente,
estes so os principais efeitos da poltica de elevao da dvida pblica. Porm, ela tambm
pode afetar a economia de diversas outras maneiras.
Em primeiro lugar, a dvida pblica pode afetar a poltica monetria. Um pas com
uma grande dvida provavelmente se deparar com altas taxas de juros, e a autoridade
monetria poder se ver pressionada a tentar reduzir essas taxas atravs de uma poltica
expansionria. Esta estratgia pode reduzir as taxas de juros no curto prazo, mas no longo
prazo deixaro as taxas de juros reais praticamente inalteradas, sendo a inflao e as taxas de
juros nominais mais altas. Em casos extremos em que a estrutura institucional permita
(quando Tesouro e Banco Central no so independentes), um pas com uma grande dvida e
dificuldades em financiar um dficit futuro atravs de emprstimos adicionais pode ser
tentado a aumentar sua receita atravs da senhoriagem3. Se a autoridade fiscal pode forar a
1 Se h rigidez de preos e salrios na economia, a demanda agregada assume papel determinante no nvel da
renda agregada, no existindo restries pelo lado da oferta para a expanso do produto. Considera-se a
existncia de recursos desempregados em nvel suficiente para que as empresas possam oferecer qualquer
quantidade de produto sem pressionar seus custos unitrios, ou seja, qualquer nvel de demanda pode ser
atendido em um nvel de preos dado (constante). As empresas, portanto, podem oferecer qualquer quantidade a
um nvel de preos estabelecido, isto , a oferta agregada infinitamente elstica em relao aos preos, de tal
forma que a demanda agregada que determina o nvel do produto (renda). 2 Se os preos e salrios da economia so flexveis, ento as foras de mercado tendem a equilibrar a economia a
pleno emprego dos fatores de produo. Com isso, vlida a chamada Lei de Say: a oferta cria sua prpria
demanda, pois o nvel de produto dado e independe dos preos. A demanda agregada possui, portanto, papel
totalmente passivo na determinao do produto. 3 Senhoriagem a receita lquida que resulta da emisso de moeda. Na emisso de moeda fsica, a senhoriagem
resulta da diferena entre o valor nominal de uma moeda e o custo de produzi-la, distribu-la e retir-la de
circulao. Em outras palavras, so os recursos reais que um governo recebe quando imprime moeda para gastar
em bens e servios. A senhoriagem pode ser vista como uma forma de imposto cobrado aos detentores da moeda
e, assim, como uma redistribuio dos recursos reais para o emitente.
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16
autoridade monetria a financiar os dficits futuros com senhoriagem, ento, como Sargent e
Wallace (1981) argumentam, a inflao ser, em ltima anlise, um fenmeno fiscal e no
monetrio. Esta monetizao do dficit a explicao clssica para a hiperinflao.
Grandes dvidas tambm podem levar a uma dominncia fiscal sobre a poltica
monetria em pases que utilizam metas para a inflao. Segundo Blanchard (2004), uma
proposio padro na macroeconomia de economias abertas que o aumento da taxa de juros
real por parte da poltica do Banco Central torna a dvida pblica domstica mais atraente e
leva a uma apreciao real. Se, contudo, o aumento da taxa de juros real tambm aumentar a
probabilidade de repdio da dvida, o efeito pode ser contrrio, tornando a dvida pblica
domstica menos atraente e levando a uma depreciao real. Este resultado mais provvel
quanto maior for o nvel inicial da dvida, quanto maior for a proporo da dvida denominada
em moeda estrangeira e quanto maior o prmio de risco. Sob este resultado, o regime de
metas de inflao pode ter efeitos perversos: um aumento na taxa de juros real em resposta a
maior inflao leva a uma depreciao real. E a depreciao real, por sua vez, leva a um
aumento posterior da inflao. Neste caso, argumenta o autor, a poltica fiscal, e no a
monetria, o instrumento mais eficaz no combate inflao.
Outro possvel efeito da dvida pblica a alterao do processo poltico que
determina a poltica fiscal. Alguns economistas argumentam que a possibilidade de
financiamento por parte do governo reduz a disciplina do processo oramentrio. Quando o
gasto adicional do governo no necessita de uma contrapartida em receita de impostos
adicional, os formuladores de poltica e o pblico normalmente se importaro menos se o
gasto adicional apropriado ou no. Este argumento vem desde Wicksell (1896) e tem ecoado
ao longo dos anos por economistas como Musgrave (1959), Buchanan e Wagner (1977),
Feldstein (1995), entre outros.
Tambm possvel que a existncia de dvida pblica reduza a flexibilidade fiscal do
governo. Se nveis moderados de dvida tm apenas pequenos efeitos negativos, mas grandes
dvidas so percebidas como altamente custosas, ento um pas com dvida moderada ter
uma restrio para no responder a anseios de maiores gastos ou menos impostos. Esta
restrio a futuros formuladores de poltica , de fato, uma das explicaes dadas para o fato
de governos escolherem acumular grandes dvidas.
Uma outra maneira pela qual a dvida pblica poderia afetar a economia tornando o
pas mais vulnervel a crises internacionais, principalmente em um cenrio de globalizao
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financeira cada vez mais consolidada. Durante o incio dos anos 1980, por exemplo, o grande
dficit oramentrio dos EUA induziu um fluxo significativo de capital estrangeiro para o
pas, valorizando fortemente o dlar. Marris (1985) argumentou que os investidores
estrangeiros logo perderiam a confiana em ativos denominados em dlar e a subsequente
fuga de capital iria depreciar a moeda americana de maneira abrupta, produzindo problemas
macroeconmicos severos para o pas. Como Krugman (1991) descreveu, o dlar realmente
se desvalorizou rapidamente no final dos anos 1980, mas o hard landing previsto para a
economia dos EUA no ocorreu de fato. Krugman enfatiza, contudo, que crises cambiais
deste tipo ocorreram em pases com dvidas elevadas em relao ao PIB, particularmente
quando grande parte da dvida estava em posse de estrangeiros, como em muitos pases da
Amrica Latina nos anos 1980.
Por fim, um efeito indesejvel de uma dvida pblica muito grande o perigo de se ter
a independncia poltica ou a liderana internacional reduzida. Segundo Friedman (1988, p.
13):
World power and influence have historically accrued to creditor countries. It is not
coincidental that America emerged as a world power simultaneously with our
transition from a debtor nation (...) to a creditor supplying investment capital to the
rest of the world.
Como o perigo de um hard landing, este problema deve surgir com maior probabilidade
quando os emprstimos do governo so grandes em relao poupana privada e quando o
pas experimenta um grande fluxo de capitais vindos do exterior.
2.2 A DVIDA PBLICA E OS JUROS DE LONGO PRAZO
Como foi visto, a anlise convencional conclui que a poltica de elevar a dvida
pblica ir estimular o consumo, reduzir a poupana nacional e a acumulao de capital, e,
assim, reduzir o crescimento econmico de longo prazo. Nesta mesma linha, a literatura
emprica acerca do relacionamento da dvida pblica com o crescimento econmico tende a
apontar uma relao negativa entre os dois e modelos de crescimento com agentes pblicos
que emitem dvida para financiar consumo ou bens de capital tendem a exibir uma relao
negativa entre dvida pblica e crescimento econmico, particularmente no arcabouo
neoclssico (ver Adam e Bevan (2005); Aizenman, Kletzer e Pinto (2007); Kumar e Woo
(2010); Cecchetti, Mohanty e Zampolli (2011)).
Um importante canal atravs do qual a acumulao de dvida pblica pode afetar o
crescimento econmico o das taxas de juros de longo prazo. Taxas de juros de longo prazo
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mais altas, resultantes de mais dficits pblicos oramentrios financiados por dvida, podem
gerar um efeito de crowding out no investimento privado e, portanto, arrefecer o crescimento
do produto potencial. De fato, se a maior necessidade de financiamento pblico empurrar para
cima os juros dos ttulos soberanos, isto deve induzir a um maior fluxo lquido de fundos do
setor privado para o setor pblico. Com isso, deve haver um aumento nas taxas de juros
privadas e uma queda no crescimento dos gastos privados, tanto pelas famlias quanto pelas
firmas. Enquanto resultados empricos sobre a relao entre a dvida pblica e as taxas de
juros de longo prazo so diversos, um nmero significativo de estudos recentes sugere que
maiores dvida e dficits devem contribuir para aumentar as taxas de juros dos ttulos pblicos
de longo prazo e seus spreads (Engen e Hubbard, 2004; Kinoshita, 2006; Laubach, 2009;
Moreira e Rocha, 2012; Greenlaw et al., 2013).
2.2.1 Os efeitos do endividamento pblico excessivo
de se esperar que o aumento da dvida pblica afete as taxas de juros de longo prazo
via impacto na poupana nacional. No modelo neoclssico padro, dficits fiscais (tudo o
mais constante) reduzem a poupana nacional e elevam a demanda agregada (Elmendorf e
Mankiw, 1999). Isto gera um excesso de oferta de ttulos pblicos, levando a taxas de juros
reais maiores.
A curva de rendimentos tambm deve se tornar positivamente inclinada em
antecipao a uma dvida pblica crescente em relao ao PIB. Apesar da taxa de juros real de
curto prazo refletir as condies cclicas e a conduo da poltica monetria, e influenciar as
taxas de juros reais de mdio e longo prazos, esta ltima provavelmente aumentar mais em
resposta piora antecipada dos dficits fiscais e da dvida (Blanchard, 1984). Grandes dficits
e dvida, particularmente se combinados com incertezas relativas ao rumo da atividade
econmica, poderiam levantar questionamentos acerca da habilidade do governo de cumprir
com o servio da dvida. Isto elevaria o prmio de risco de crdito e as taxas de juros dos
ttulos pblicos. Alm disso, a emergncia de riscos fiscais contingentes, digamos, por parte
do setor financeiro, poderia exacerbar as preocupaes sobre sustentabilidade da dvida.
As taxas de juros nominais dos ttulos pblicos de longo prazo tambm poderiam
crescer devido a maiores expectativas de inflao, particularmente em um ambiente onde os
hiatos do produto so positivos, ou onde haja preocupao quanto monetizao da dvida.
Tais expectativas podem aumentar o prmio de inflao presente nas taxas de juros nominais;
ou serem vistas como possvel gatilho de uma resposta de poltica monetria que elevaria as
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19
taxas de juros de curto prazo, com implicaes para as taxas de longo prazo via estrutura
termo das taxas de juros; ou ainda poderiam gerar incerteza macroeconmica levando a um
maior prmio de risco do pas e agravando as preocupaes quanto solvncia fiscal
(Baldacci, Gupta e Mati, 2011).
2.2.2 Trabalhos empricos
Dadas as consideraes anteriores, surpreendente que haja uma heterogeneidade de
achados em relao ao impacto da deteriorao fiscal nas taxas de juros. Muitos estudos sobre
pases especficos e tambm entre vrios pases, analisando dficits fiscais e juros,
encontraram uma diversidade de resultados. Gale e Orszag (2002), por exemplo, compilaram
o resultado de quase 60 estudos: destes, aproximadamente metade encontrou um efeito
positivo predominantemente significativo dos dficits fiscais sobre as taxas de juros e metade
encontrou um efeito misto ou predominantemente no-significativo. Engen e Hubbard (2004)
chegaram a uma concluso similar. Em relao magnitude do efeito, em geral se observa
que um aumento nos dficits em 1% do PIB eleva as taxas de juros de longo prazo em cerca
de 30-60 pontos base, enquanto um aumento de 1% da razo dvida/PIB est associado a um
aumento das taxas de juros entre 2 e 7 pontos base (Engen e Hubbard, 2004; Reinhart e Sack,
2000; Kinoshita, 2006).
Alm das diferenas que surgem devido especificao do modelo, variveis
explanatrias, amostras e perodos de tempo, o efeito da poltica fiscal sobre os juros dos
ttulos tambm parece depender em alguma medida da varivel fiscal utilizada. Este efeito
consideravelmente maior e mais frequentemente encontrado quando as expectativas dos
dficits so usadas (Feldstein, 1986b). Resultados tambm apontam para uma relao positiva
entre dficits fiscais e taxas de juros de longo prazo quando h incerteza na composio da
poltica fiscal (Balduzzi, Corsetti e Foresi, 1997). Ardagna (2009) explorou o comportamento
dos juros dos ttulos pblicos e privados em tempos de grandes mudanas no padro fiscal nos
pases da OCDE4 (no perodo de 1960-2002). Ela observou que os juros nominais dos ttulos
pblicos de 10 anos aumentaram mais de 180 pontos base durante os anos em que o dficit
fiscal primrio se elevou mais do que 1,5% do PIB em um ano ou 1% do PIB por ano em anos
consecutivos (a definio de grandes mudanas no padro fiscal consistente com Alesina
e Perotti, 1995).
4 Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico.
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20
De fato, a teoria econmica ambgua ao afirmar se so os dficits ou se o estoque
da dvida pblica que importa para a determinao da taxa de juros. Por exemplo, no modelo
IS/LM, no qual as taxas de juros so determinadas pelo equilbrio do estoque da demanda e da
oferta de moeda, a razo dficit/PIB a varivel fiscal relevante. Por outro lado, no modelo de
crescimento neoclssico, a taxa de juros real igual ao produto marginal do capital e a
questo, portanto, se fixa no grau em que a dvida pblica provoca o crowding out do capital.
A diversidade de resultados empricos evidencia que esta ainda uma questo em aberto.
Laubach (2009) explorou a relao entre as expectativas de longo prazo das variveis
fiscais e das taxas de juros dos EUA. Expectativas de poltica fiscal futura tm como proxy as
projees publicadas pelo Congressional Budget Office para o dficit oramentrio unificado
do governo federal americano e outras variveis fiscais. Elas so ento relacionadas a taxas
futuras de 5 anos adiante embutidas na estrutura a termo das taxas de juros. Os resultados
mostram que o aumento de um ponto percentual na razo dficit/PIB projetada aumenta a
expectativa de 5 anos adiante da taxa de 10 anos frente em 20-29 pontos base, enquanto o
aumento de um ponto percentual na razo dvida/PIB projetada aumenta a taxa futura em
cerca de 3-4 pontos base.
Os resultdos de Laubach (2009) que mostram que variveis fiscais de fluxo tm efeitos
maiores do que variveis fiscais de estoque so compartilhados por outros estudos (Gale e
Orszag, 2002; Haugh, Ollivaud e Turner, 2009). Em geral, o impacto estimado varia entre um
mnimo de 10 pontos base at 60 pontos base para um aumento de um porcento no dficit
fiscal em relao ao PIB, enquanto o aumento de um ponto percentual na dvida em relao ao
PIB eleva os juros em cerca de 3-7 pontos base. Por exemplo, Thomas e Wu (2009) em um
estudo para os EUA, observaram que a deteriorao de 1% do dficit fiscal projetado 5 anos
adiante em relao ao PIB eleva as taxas de juros de longo prazo em 30-60 pontos base,
enquanto um estudo similar utilizando a dvida pblica corrente e projetada como varivel
fiscal sugeriu um impacto estimado de 5 pontos base (Chinn e Frankel, 2003).
Quo razovel que os coeficientes estimados do dficit em relao ao PIB tendam a
ser to maiores que os da razo dvida/PIB? Laubach (2009) nota que, se em um extremo, as
mudanas nos dficits forem no-correlacionadas em srie, um aumento projetado de 1% do
dficit em razo do PIB iria aumentar a dvida pblica em relao ao PIB em um ponto
percentual nos anos subsequentes, e os coeficientes das razes do dficit e da dvida deveriam
ser os mesmos. Mas se, no outro extremo, cada aumento nos dficits projetados forem
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assumidos como permanentes, o efeito de steady-state sobre a razo dvida/PIB do aumento
permanente de um ponto percentual na razo dficit/PIB (1+g)/g porcento, onde g a taxa
de crescimento do PIB nominal. Para os EUA, sobre a amostra 1976-2006, o crescimento do
produto foi de 7%, implicando que o coeficiente da razo do dficit deveria ser 15 vezes
maior que o coeficiente da razo da dvida. Os resultados estimados ento sugerem que os
investidores percebem os aumentos na razo do dficit projetada como altamente persistentes,
mas no estritamente permanentes.
Estudos para um conjunto de economias indicam um impacto menor do que a anlise
de pases individuais. Isto deve se dar porque, na juno dos dados, coeficientes especficos
dos pases tendem a ser afetados de maneira heterognea por fatores institucionais e
estruturais, que geralmente no so levados em considerao explicitamente em muitos
estudos. Ardagna, Caselli e Lane (2007) mostraram que a deteriorao de 1% do balano
primrio em relao ao PIB para uma amostra de 16 pases da OCDE leva a um aumento das
taxas de juros dos ttulos pblicos de 10 pontos base. Isto menor que o coeficiente
estimando encontrado por Dai e Philippon (2005) para os EUA utilizando o mesmo indicador
fiscal. Este estudo aponta para um impacto nas taxas de juros variando entre 20 e 60 pontos
base para cada reduo de um ponto percentual no balano primrio, consistente com os
resultados de Thomas e Wu citados anteriormente.
J Moreira e Rocha (2012) analisaram o impacto da poltica fiscal na determinao do
spread soberano de 23 pases emergentes entre 1995 e 2008. Os resultados indicam que
menores spreads esto associados a uma poltica de austeridade fiscal, entendida como o
acmulo de supervit primrio para uma trajetria sustentvel da razo dvida/PIB. Um
aumento de 1% no supervit primrio diminui os spreads, em mdia, em 50 pontos base. O
estudo em questo, portanto, corrobora o argumento de que a austeridade fiscal fator
relevante na determinao dos spreads soberanos, alm de contribuir como poltica pblica de
mitigao de choques externos.
Por fim, enquanto muitos estudos sobre pases emergentes analisaram os
determinantes das taxas de juros de longo prazo dos ttulos pblicos externos, a anlise dos
ttulos pblicos internos tem sido limitada, apesar de sua crescente relevncia. Jaramillo e
Weber (2012) estudaram este ltimo caso e mostraram que a extenso da influncia que as
variveis fiscais exercem sobre a taxa de juros dos ttulos pblicos domsticos nas economias
emergentes depende do nvel de averso global ao risco. Segundo eles, durante momentos de
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tranquilidade nos mercados globais, as variveis fiscais no parecem ser determinantes
significativas da taxa de juros dos ttulos pblicos domsticos nas economias emergentes.
Contudo, quando os participantes do mercado esto temerosos, eles se atentam bem aos
fundamentos fiscais especficos dos pases, revelando estarem mais alertas aos riscos de
default.
2.3 A NO-LINEARIDADE
Modigliani (1961) foi pioneiro ao atentar para uma possvel relao no linear entre a
dvida pblica e a taxa de juros de longo prazo. Ele argumentou que, alm de um efeito direto
de crowding out, o endividamento do governo gera um impacto nas taxas de juros de longo
prazo, possivelmente de uma maneira no linear, pois se a operao do governo de
proporo considervel ela pode elevar as taxas de juros de longo prazo de maneira
significativa uma vez que a reduo do capital privado tender a aumentar seu produto
marginal. Ainda que este questionamento tenha sido levantado dcadas atrs, apenas mais
recentemente os economistas tm dado mais ateno a este fenmeno, principalmente em
investigaes empricas.
2.3.1 Evidncias empricas
De fato, os efeitos no lineares da deteriorao fiscal podem ser medidos. Ardagna et
al. (2007), para uma amostra de 16 pases da OCDE, observaram que o impacto da dvida
pblica sobre as taxas de juros dos ttulos pblicos de longo prazo dependem dos nveis
iniciais de dvida. Maior dvida pblica aumenta a percepo de que os governos estaro
menos hbeis a pagar suas obrigaes e, portanto, eleva o risco de crdito. Alm disso, pases
com grande acumulao de dvida tendem a ter mais risco de presses inflacionrias que
elevariam as taxas de juros nominais de curto prazo. Estes fatores afetam o final da curva da
estrutura a termo e aumentam o custo de financiamento para os ttulos pblicos de longo
prazo no-linearmente.
Ardagna (2009), por sua vez, utilizando um painel de pases da OCDE no perodo de
1960 a 2002, mostrou que as taxas de juros, particularmente as taxas dos ttulos pblicos de
longo prazo, diminuem quando a posio fiscal do pas melhora e aumenta em torno de
perodos de deteriorao fiscal. Alm disso, ela observa que os resultados dependem das
condies fiscais iniciais dos pases: episdios de grandes aumentos do dficit fiscal levaram
a taxas de juros nominais e reais dos ttulos pblicos de longo prazo significativamente
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23
maiores (em termos proporcionais) do que episdios em que os dficits cresceram mais
modestamente. Pases com maiores nveis iniciais de dvida tambm devem experimentar
aumentos mais drsticos das taxas de juros.
Outro resultado importante que corrobora a presena de no-linearidade na relao
entre as taxas de juros e a dvida pblica est presente em Baldacci e Kumar (2010). Este
trabalho avaliou empiricamente o impacto dos dficits fiscais e da dvida pblica sobre as
taxas de juros de longo prazo por quase trs dcadas, de 1980 a 2008. A anlise levou em
considerao uma vasta gama de fatores especficos dos pases, para um painel de 31
economias avanadas e emergentes. O achado principal que o impacto da deteriorao fiscal
sobre as taxas de juros de longo prazo significativa e robusta, mas no linear. Alm disso, a
magnitude do impacto reflete condies inciais (fiscais, institucionais e estruturais), assim
como transbordamentos dos mercados financeiros globais.
Em um trabalho mais recente, Greenlaw et al. (2013) mostraram que pases com altos
nveis de dvida pblica esto vulnerveis a entrarem em um ciclo vivioso no qual o temor do
mercado em relao capacidade do pas de cumprir suas obrigaes eleva as taxas de juros
dos ttulos soberanos, o que, por sua vez, torna o problema da dvida mais severo. Eles
analisaram a recente experincia de economias avanadas utilizando tanto mtodos
economtricos quanto estudos de caso e concluram que pases com nveis de dvida acima de
80% do PIB e dficits persistentes em conta corrente esto vulnerveis a uma rpida
deteriorao fiscal como resultado da dinmica de pontos de inflexo.
Estes autores analisaram estatisticamente a formao dos custos de financiamento
soberano em um painel de 20 economias avanadas no perodo de 2001 a 2012. Eles
encontraram uma relao significativa entre nveis de dvida e custos de financiamento, com o
aumento de um ponto percentual na dvida em razo do PIB sendo associado a um aumento
de 4,5 pontos base na taxa de juros dos ttulos pblicos de 10 anos em uma especificao
linear. Eles tambm encontraram forte evidncia de no-linearidades. As taxas de juros se
elevam muito mais rapidamente a nveis maiores de dvida, e h uma forte interao entre os
nveis da dvida e o balano de longo prazo da conta corrente do pas. Em pases com grandes
dficits em conta corrente, o custo de financiamento muito mais sensvel ao nvel da dvida.
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2.3.2 Justificativas tericas
Os trabalhos que se propuseram a estudar a relao no linear entre a dvida pblica e
as taxas de juros de longo prazo levam a crer que o tamanho da dvida exerce uma influncia
sobre trajetria dos custos de financiamento do governo que no deve ser negligenciada.
Dependendo do nvel inicial de dvida pblica, o crescente endividamento do governo pode se
relacionar linearmente ou no linearmente com as taxas de juros dos ttulos pblicos de longo
prazo. Mas, o que justificaria esse salto dos juros?
A anlise de Greenlaw et al. (2013), por exemplo, comea com o esboo de um
simples modelo de dinmica da dvida para explorar a relao entre os nveis da dvida
pblica e as taxas de juros. Baseados na mecnica da acumulao de dvida e do crescimento
econmico, eles calcularam o nvel de supervit primrio do governo que seria necessrio
para impedir que a dvida crescesse continuamente como porcentagem do PIB. Os autores
argumentam que se este supervit est suficientemente longe da experincia histrica do pas
e de nveis politicamente plausveis, o governo ir comear a pagar um prmio para os
agentes financiadores internacionais como compensao para o risco de default ou de
inflao. Esta taxa de juros mais alta, por sua vez, realimenta a deteriorao fiscal, deixando a
sustentabilidade fiscal ainda mais difcil de ser alcanada, possivelmente levando a uma crise
fiscal um ponto de inflexo no qual as taxas de juros dos ttulos pblicos de longo prazo
disparam e uma crise de financiamento se consolida.
Os outros autores citados anteriormente tambm argumentam que a percepo por
parte dos agentes financiadores do governo de que o pas se encontra em uma trajetria fiscal
insustentvel, dado o elevado nvel da dvida pblica, gera o medo de que ocorra um default
da dvida. Com isso, o mercado exige uma compensao para o risco de default, refletindo em
taxas de juros mais altas. Porm, taxas de juros mais altas pioram a condio fiscal do pas, o
que levaria a taxas de juros ainda mais altas, colocando-o em um ciclo vicioso.
Parece claro, portanto, que as expectativas dos agentes quanto sustentabilidade fiscal
do pas so cruciais na determinao da no-linearidade da relao entre a dvida pblica e as
taxas de juros dos ttulos pblicos de longo prazo. uma tarefa das mais complicadas
entender como se formam as expectativas dos agentes, mas podemos perceber que o mercado
tem uma tolerncia limitada com o nvel de endividamento dos pases. Neste sentido, o termo
debt intolerance cunhado por Reinhart, Rogoff e Savastano (2003) para explicar porque os
pases emergentes enfrentam intolerncia por parte do mercado a suas dvidas externas a
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25
nveis bem inferiores dos pases avanados, pode ser elucidativo. Para estes autores, os
agentes impem limites de tolerncia dvida pricipalmente de acordo com o histrico de
defaults e inflao.
Se este argumento vlido para a dvida externa, possivelmente tambm ser para a
dvida como um todo. E se o mercado tem uma tolerncia maior com a dvida pblica dos
pases avanados, ento o nvel limite de dvida em razo do PIB a partir do qual a relao
com a taxa de juros de longo prazo se tornar no linear menor nos pases emergentes
como o caso do Brasil do que nos avanados.
No prximo captulo examinaremos mais detalhadamente o modelo de Greenlaw et al.
(2013) para explicar como se d a relao no linear entre a dvida pblica e a taxa de juros
dos ttulos pblicos de longo prazo, mostrando como as expectativas dos agentes atuam no
comportamento desta relao.
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3 DVIDA PBLICA, JUROS DE LONGO PRAZO E NO-LINEARIDADE: A
HIPTESE DAS EXPECTATIVAS E O MODELO DE GREENLAW ET AL. (2013)
No captulo anterior analisamos cuidadosamente os efeitos da dvida pblica sobre a
economia e, mais especificamente, a relao entre o endividamento do governo e as taxas de
juros de longo prazo. Vimos, ento, que deve haver uma relao no linear entre estas
variveis. Tal no-linearidade surge em um contexto no qual as expectativas dos agentes
acerca da possibilidade do governo ser incapaz de cumprir suas obrigaes fazem com que
eles exijam um retorno maior nos ttulos pblicos para que continuem a financiar o governo.
Porm, com juros mais altos, a dvida ir crescer ainda mais, aumentando o temor dos
investidores, que exigiro juros ainda mais altos, colocando o governo em um ciclo vicioso.
Neste sentido, a relao no linear entre a dvida pblica e as taxas de juros dos ttulos
pblicos de longo prazo caracteriza uma crise fiscal, que pode culminar, ou no, em repdio
parcial ou completo da dvida. Portanto, a anlise dos resultados de alguns modelos de
repdio da dvida pblica pode ser de grande interesse para este trabalho.
Neste captulo, ento, percorreremos um caminho entre conceitos fiscais e modelos
que devem ser importantes para uma melhor compreenso do modelo que queremos
apresentar. Em primeiro lugar, abordaremos o conceito de sustentabilidade fiscal e os efeitos
das trajetrias fiscais insustentveis. Em seguida, vamos apresentar o resultado de alguns
modelos que estudam a relao entre a dvida pblica e as taxas de juros de longo prazo,
primeiramente, de maneira linear, para, em seguida, abordar os modelos de crise fiscal e
default que flertam com a no-linearidade atravs da sugesto da existncia de equilbrios
mltiplos. Estes modelos destacam o importante papel das expectativas na dinmica das taxas
de juros. Por fim, vamos apresentar o modelo de Greenlaw et al. (2013), que expe a relao
no linear entre a dvida pblica e os custos de financiamento do governo e ser a base para a
nossa anlise emprica.
3.1 UMA TRAJETRIA FISCAL SUSTENTVEL
O primeiro passo para a compreenso da dinmica no linear da relao entre a dvida
pblica e as taxas de juros de longo prazo entender a dinmica da sustentabilidade da dvida
pblica. Entendendo o conceito de sustentabilidade fiscal e os efeitos de uma trajetria fiscal
insustentvel, podemos perceber como e por que as expectativas dos agentes acerca da
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27
dinmica fiscal do governo tm tanta influncia sobre as taxas de juros dos ttulos pblicos de
longo prazo.
3.1.1 Entendendo a sustentabilidade fiscal
O conceito de sustentabilidade fiscal refere-se trajetria de endividamento do
governo. Em poucas palavras, lida com o fato de o governo estar ou no encaminhando-se
para um grau excessivo de acumulao de dvidas que acabaria por redundar num processo de
repdio de seus compromissos com credores e/ou numa eventual acelerao de preos
(Luporini, 2006). A questo remete-se, ento, a como caracterizar um contexto de
endividamento excessivo.
De acordo com Luporini (2006, p. 3):
O governo acumula dvidas na medida em que consistentemente implementa uma
poltica fiscal que implica na gerao de dficits fiscais persistentes. Do ponto de
vista da sustentabilidade fiscal, o problema representado pelo acmulo de dficits
fiscais abrange duas questes. Por um lado, na medida em que os dficits fiscais
aproximam-se do montante de recursos que representam colateral para o
endividamento ou da capacidade tributria do governo, as taxas de juros tendem a se
elevar, encarecendo o financiamento dos dficits fiscais e afetando a atividade
econmica. Por outro lado, na medida em que os dficits se acumulam e as taxas de
juros se elevam, os agentes econmicos passam a questionar se o governo est ou
no implementando um esquema Ponzi no qual h novas rodadas de endividamento
para fazer frente ao servio do endividamento anterior, com o governo simplesmente
rolando sua dvida indefinidamente. Nesse esquema, o valor-presente da dvida
governamental supera os supervits fiscais esperados que possam eventualmente
fazer frente ao endividamento e os agentes econmicos detentores de ttulos
governamentais se recusaro a financiar o governo.
Os efeitos da insustentabilidade fiscal podem ser extremamente danosos ao pas, como
veremos mais adiante. Levando em considerao apenas o governo, dficits sistemticos e
endividamento crescente tendem a limitar a capacidade de implementar polticas fiscais
expansionrias com o intuito de engendrar um processo de crescimento econmico sem com
isso gerar desconfianas a respeito de sua instncia fiscal.
Uma trajetria fiscal insustentvel ter efeitos importantes sobre as expectativas dos
agentes e, consequentemente, sobre as taxas de juros em razo de como se espera que o
governo agir para diminuir sua dvida. Em princpio, um governo pode reduzir o nvel de seu
endividamento de quatro formas distintas: repdio, um imposto sobre ativos representados
pelos ttulos governamentais, reduo do endividamento via imposto inflacionrio, e
pagamento via produo de supervits primrios. A primeira e segunda opes, embora
possam parecer atraentes na medida em que supostamente permitem ao governo recomear
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do zero, possuem um alto custo em termos de credibilidade j que ameaam a capacidade de
obter novos emprstimos ou podem precipitar uma fuga de ativos. A terceira opo envolve o
engajamento em polticas inflacionrias. Na medida em que um aumento inesperado da taxa
de inflao reduz o valor real do estoque da dvida e de seu servio, polticas inflacionrias
so to mais efetivas em reduzir o endividamento quanto maior for a participao relativa de
ttulos de longa maturidade e denominados em termos nominais. Como as trs primeiras
opes envolvem um alto custo em termos de credibilidade, a maior parte dos governos com
supostos problemas de sustentabilidade fiscal costuma optar por corte de gastos e/ou aumento
de impostos como foi o caso, por exemplo, de Espanha, Portugal, Irlanda e Grcia nos
primeiros anos d dcada de 2010 , ainda que essa ltima opo tenha se mostrado bastante
trabalhosa politicamente.
H maneiras distintas de se analisar se a poltica fiscal de um governo sustentvel ou
no e os principais indicadores de sustentabilidade fiscal presentes na literatura so: a razo
dvida/PIB e a restrio oramentria intertemporal do governo5. Porm, estas anlises so
formuladas em ambientes sem incerteza. Quando h incerteza, contudo, uma poltica fiscal
pode ser sustentvel num determinado contexto e tornar-se insustentvel em outro em que as
condies econmicas no mais prevaleam (Bohn, 1991; 1995; 1998).
Um exemplo importante na literatura econmica sobre a dinmica fiscal dos governos
Blanchard (1984) e seus resultados j indicavam a importncia das expectativas dos agentes.
Estudando a relao entre a dvida e os dficits pblicos e as taxas de juros reais, ele construiu
um modelo para analisar a noo de sustentabilidade e pensar sobre seus determinantes.
Segundo o autor, se fosse o caso de que algum pas estivesse gerando dficits insustentveis e
se visse forado, em algum ponto do futuro, a repudiar a dvida seja explicitamente ou atravs
de depreciao inflacionria, ento a crescente incerteza gerada pelos dficits deveria
contrabalancear seu efeito expansionrio.
O modelo no nos diz, porm, o que acontece quando um programa fiscal corrente
parece insustentvel. Mas, segundo o autor, provvel que um programa no se torne
insustentvel de repente, e sim que agentes comecem a levar a possibilidade de repdio em
conta. O que acontece depende do tipo de default que os agentes antecipam. Se eles antecipam
tentativas de depreciar a dvida atravs da inflao em algum ponto do futuro, eles vo
requerer uma taxa de juros nominal mais alta em novas emisses de ttulos pblicos e
5 Ver Luporini (2006) para detalhes.
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privados. Apenas se a dvida pblica for de maturidade suficientemente longa o governo
poder usar com sucesso a inflao para repudiar parte da dvida.
Com isso, h uma clara indicao da literatura de que as expectativas dos agentes tm
papel crucial na dinmica fiscal dos governos. Estas expectativas, como veremos, no apenas
tm influncia sobre a caracterizao da sustentabilidade fiscal do governo, mas tambm
influenciam a formao das taxas de juros dos ttulos pblicos de longo prazo e podem ter
efeito gerador de crises fiscais.
3.1.2 Os efeitos das trajetrias fiscais insustentveis
Antes de ir mais fundo na anlise da relao entre dvida e juros, importante
entender os possveis efeitos das trajetrias fiscais insustentveis, pois o medo de que tais
efeitos se manifestem que transparece nas expectativas dos agentes.
Como foi visto, a poltica fiscal insustentvel quando o governo tenta se comportar
de uma maneira que viola sua restrio oramentria. Em tal situao, em algum ponto haver
uma fora que o obrigar a abandonar essa tentativa. E a mudana forada tem maior
probabilidade de se dar na forma de uma crise do que de uma transio suave. Tipicamente, a
crise envolve uma contrao aguda na poltica fiscal, um grande declnio na demanda
agregada, grandes repercusses nos mercados de capital e de cmbio, e talvez repdio da
dvida do governo (Romer, 2011).
A possibilidade de uma crise fiscal cria custos adicionais aos dficits. Alguns dos mais
importantes surgem porque uma crise provavelmente ir elevar sobremaneira os preos dos
bens estrangeiros. Quando o dficit oramentrio de um pas apresenta uma piora
considervel, seu supervit de conta capital e financeira provavelmente tambm vai seguir a
mesma trajetria. Ou seja, a economia provavelmente vai se mover de uma situao em que
os estrangeiros esto comprando grandes quantidades de ativos do pas para uma situao em
que esto comprando pouco ou nada. Mas isto significa que a balana comercial deve se
mover rapidamente em direo ao supervit. Para que isto acontea, deve haver uma grande
depreciao da taxa de cmbio real.
Tal depreciao real reduz o bem-estar atravs de vrios canais. Como corresponde a
um aumento do preo real dos bens estrangeiros, diminui o bem-estar diretamente. Alm
disso, tende a aumentar a produo em setores exportadores e que competem com
importaes, e a reduzi-la em todos os outros setores. Ou seja, um choque setorial que induz
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a realocao de trabalho e outros fatores de produo entre os setores. Uma vez que a
realocao no instantnea, o resultado um aumento temporrio do desemprego.
Finalmente, a depreciao provavelmente provocar o aumento da inflao. Como os
trabalhadores compram alguns bens estrangeiros, a depreciao aumenta o custo de vida e,
portanto, cria uma presso para aumento nos salrios. Alm disso, como alguns insumos e
mquinas so importados, a depreciao eleva os custos das firmas.
Outros grandes custos das crises fiscais advm do fato de que elas desestabilizam os
mercados de capitais. Default do governo, preos dos ativos despencando e produo em
queda provavelmente levaro falncia muitas firmas e intermedirios financeiros. Ademais,
como as dvidas das firmas e dos intermedirios so frequentemente denominadas em moedas
estrangeiras, a depreciao real piora diretamente suas situaes financeiras e, portanto,
contribui para aumentar as falncias. As falncias causam uma perda de informaes e de
relaes de longo prazo que ajudam a direcionar o capital e outros recursos para seus usos
mais produtivos. E mesmo quando as firmas e os intermedirios no vo falncia por causa
da crise, a piora em suas posies financeiras amplificam os efeitos das imperfeies do
mercado financeiro. Um efeito destas rupturas no mercado financeiro a queda nos
investimentos.
As crises fiscais tambm podem ter outros custos. Uma vez que elas so inesperadas, a
tentativa do governo de implementar uma poltica insustentvel aumenta a incerteza. Repdio
e outras falhas em pagar a dvida podem reduzir a habilidade do governo de se financiar no
futuro. Finalmente, uma crise pode levar a polticas nocivas, tais como restries de comrcio
exterior, hiperinflao e altas taxas de impostos sobre o capital.
3.2 A DVIDA PBLICA, AS TAXAS DE JUROS DE LONGO PRAZO E AS CRISES
FISCAIS
Uma vez que tomamos conscincia da importnica da sustentabilidade fiscal na
dinmica da dvida do governo e de seus efeitos sobre as taxas de juros de longo prazo,
podemos ir um pouco mais fundo nesta relao. De fato, h uma literatura extensa de modelos
tericos que preveem efeitos positivos de aumentos na razo dvida/PIB do pas sobre as taxas
de juros de longo prazo. Podemos, contudo, nos ater a trabalhos recentes. Laubach (2009) e
Engen e Hubbard (2004), por exemplo, consideram previses tericas do efeito da dvida nos
juros numa anlise de equilbrio parcial, utilizando uma funo de produo agregada e
arbitrariamente assumindo efeitos de crowding out da dvida sobre o capital fsico. Neste
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caso, a taxa de juros determinada pelo produto marginal do capital, que aumentaria devido a
diminuio do estoque de capital provocada pelos efeitos de crowding out de um aumento da
dvida pblica.
Kinoshita (2006), por sua vez, considera a determinao das taxas de juros em um
cenrio de equilbrio geral e desenvolve um modelo de equilbrio geral dinmico de uma
economia com no-neutralidade da dvida. A dvida do governo no-neutra quando uma
mudana em sua trajetria (enquanto se mantm a solvncia do governo atravs do ajuste dos
impostos lump-sum) afeta a trajetria de equilbrio da economia. Na economia considerada
pelo autor, novas geraes entram a uma taxa constante. Quando o governo adia a taxao
(emitindo dvida hoje e se comprometendo a aumentar os impostos no futuro), as geraes
que nascerem no futuro iro suportar parte do aumento dos impostos. As geraes atualmente
vivas no internalizam totalmente a futura carga de impostos associada aos cortes de impostos
de hoje, o que implica que o corte de hoje vale mais que o valor-presente descontado de todos
os impostos futuros. Neste sentido, as geraes presentes percebem parte da dvida como
riqueza lquida e aumentam o consumo atravs da diminuio do capital fsico. Portanto,
aumentando o nvel corrente da dvida e trocando a riqueza atravs das geraes, o governo
deprime a acumulao de capital e causa o aumento dos juros.
O modelo de Kinoshita (2006) extende Buiter (1988) ao incorporar uma funo de
produo neoclssica e uma funo de utilidade com elasticidade constante da utilidade
marginal6. Nesta economia, quando a taxa de nascimento positiva, a dvida do governo afeta
o equilbrio das taxas de juros de longo prazo atravs do crowding out do capital fsico.
Portanto, a condio chave que gera no-neutralidade da dvida a entrada de novas geraes,
i.e., a taxa de nascimento positiva. Em outras palavras, quando a taxa de nascimento
positiva, ttulos do governo provocam o crowding out de capital fsico atravs do efetio
riqueza. Um nvel maior de dvida do governo associado a um nvel mais baixo de capital
fsico, o que se traduz em maior retorno marginal do capital. Isto , em essncia, o mecanismo
pelo qual a dvida do governo afeta as taxas de juros de longo prazo.
Estes modelos, portanto, corroboram a existncia de uma relao positiva importante
entre a dvida pblica e as taxas de juros de longo prazo. Esta relao depende de
fundamentos importantes da economia, mas h fortes indcios de que as expectativas dos
6 Assume-se que capital fsico e ttulos do governo so substitutos perfeitos, ento as taxas de juros dos ttulos
pblicos so sempre iguais ao produto marginal do capital fsico. Esta suposio central quando se relaciona
um-a-um o nvel da dvida pblica e o capital fsico de um lado, e as taxas de juros de outro.
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agentes desempenham um papel crucial nesta dinmica. O que queremos mostrar que o
endividamento excessivo do governo pode afetar as expectativas do mercado de tal maneira
que a relao entre a dvida pblica e as taxas de juros de longo prazo se torna no linear,
podendo dar incio a uma crise fiscal. Portanto, encontramos nos modelos de crises fiscais e
default da dvida pblica uma base importante para corroborar nossas ideias, principalmente
em modelos com equilbrios mltiplos.
H na literatura econmica importantes estudos sobre como a falta de habilidade do
governo de se comprometer com futuras escolhas de poltica pode gerar mltiplos equilbrios.
O primeiro trabalho que aborda este ponto no contexto do repdio da dvida o de Calvo
(1988), que mostra em um simples modelo de financiamento soberano em dois perodos que,
para certos valores dos parmetros, existem dois equilbrios Pareto-ranqueados. J Alesina,
Prati e Tabellini (1990) mostram que, mesmo se o governo tiver um custo de default discreto,
sua necessidade de rolar a dvida pode levar a um duplo equilbrio. Em um equilbrio, uma
crise ocorre no primeiro perodo e o governo repudia sua dvida inicial. No outro equilbrio, o
governo consegue rolar a dvida inicial no primeiro perodo e, eventualmente, a paga. Eles
mostram que alongar a maturidade da dvida inicial do governo de um para dois perodos
pode, em alguns casos, remover a possibilidade do equilbrio com crise. Outros trabalhos que
abordam crises da dvida incluem Giavazzi e Pagano (1990), Detragiache (1996), Cole e
Kehoe (1998) e Romer (2011). Vamos focar em Calvo (1988), Cole e Kehoe (1998) e Romer
(2011)
Calvo (1988) introduz de forma consistente o papel das expectativas na ocorrncia de
crises fiscais. Ele se debrua sobre a discusso que questiona se a mera existncia de
obrigaes do governo no seria responsvel pela existncia de equilbrios mltiplos de
Phelps-Pollak7. Segundo o autor, isto ocorre, provavelmente, porque o repdio (parcial)
esperado da dvida tenderia a ser refletido nas taxas de juros dos ttulos pblicos
(aumentando-as), enquanto quanto maior a carga da dvida, maior seria a tentao de repudi-
7 Phelps e Pollak (1968) desenvolveram um modelo cuja base a ideia de que cada consumidor se importa no
apenas com seu prprio nvel de consumo, mas tambm com os nveis de consumo de seus descendentes: h
autrusmo, ento os indivduos tambm poupam para deixar herana. Baseados em uma viso especfica acerca
da avaliao dos consumidores sobre seu prprio consumo e o consumo das geraes futuras, Phelps e Pollak
mostraram que o equilbrio das taxas de poupana pode s vezes estar muito baixo. Posteriormente, o modelo de
Phelps-Pollak foi reformulado nos termos das escolhas de consumo de um nico indivduo com preferncias com
inconsistncia temporal. Segundo Calvo (1988), a maior parte da ateno que a inconsistncia temporal da
poltica tima recebeu da literatura econmica se dirigiu identificao dos fatores responsveis pela
inconsistncia temporal, aos mecanismos que garantem a consistncia temporal e caracterizao da poltica
tima quando os planejadores atuais leva em considerao a incapacidade de fazerem comprometimentos futuros
o que leva ao conceito de equilbrio primeiramente examinado por Phelps e Pollak (1968).
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la. Portanto, seria possvel gerar um equilbrio com baixos juros e baixo repdio, coexistindo
com um equilbrio de altos juros e alto repdio. De fato, solues mltiplas so possveis
mesmo quando seus exemplos assumem um horizonte finito, e a existncia de ttulos pblicos
pode ser o fator de gatilho para a no-singularidade.
Calvo (1988) arquiteta seu modelo em trs etapas. Em primeiro lugar, o autor discute
essas questes nos termos de um modelo no-monetrio com um indivduo representativo. Ele
constri um modelo de dois perodos em que a dvida pblica contrada no primeiro perodo
e paga no segundo; os impostos so distorcionrios e, portanto, o governo tem um incentivo
para renegar a dvida. A fim de se obter um equilbrio com dvida pblica positiva, o autor
assume que o repdio da dvida custoso, e que este custo proporcional ao montante de
dvida sendo repudiado. Alm disso, ele assume que os indivduos sabem o modelo relevante;
portanto, uma vez que no h incerteza, a taxa de juros lquida de equilbrio dos ttulos
pblicos (ajustada pelo repdio da dvida) igual taxa de retorno do capital (o custo de
oportunidade dos fundos privados). O resultado principal desta anlise que se um equilbrio
com dvida pblica positiva existe, ento existem, em geral, dois pontos de equilbrio: um
equilbrio bom Pareto-eficiente no qual no h repdio da dvida, e um equilbrio mau
Pareto-ineficiente, no qual a dvida parcialmente repudiada.
Em uma segunda anlise, o autor foca em uma economia monetria com ttulos no-
indexados. Obviamente, neste contexto a inflao equivalente a algum tipo de repdio, mas
repdio negativo deve ser permitido uma vez que no se pode descartar a deflao. A fim de
se compor a anlise nos termos de um modelo monetrio padro, o autor segue Barro e
Gordon (1983a,b) e modifica o modelo anterior assumindo que mudanas nos preos so
custosas. Isto suficiente para gerar resultados qualitativamente similares aos do modelo no-
monetrio. Tpico de uma economia monetria, contudo, os dois equilbrios so Pareto-
ineficientes. No equilbrio (relativamente) bom, a inflao e a taxa de juros nominal dos
ttulos pblicos so mais baixas do que no equilbrio mau.
Por fim, a anlise extendida para uma economia aberta em que estrangeiros possuem
uma parte positiva do total da dvida pblica. O objetivo principal desta anlise estabelecer
uma ligao com a teoria relativamente bem desenvolvida do financiamento soberano. O
autor mostra que equilbrios mltiplos ainda podem ocorrer neste novo contexto, e que o
efeito do aumento da participao de estrangeiros no mercado sobre a taxa de juros dos ttulos
depende se a economia se acomodar no equilbrio bom ou no ruim.
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A mensagem central que emerge deste trabalho que as expectativas devem ter um
papel crucial na determinao do equilbrio quando a dvida do governo leiloada ao pblico,
e no h nenhuma tentativa de gerenciar as expectativas ou de fixar as taxas de juros dos
ttulos pblicos.
Cole e Kehoe (1998), por sua vez, examinaram a poltica fiscal tima em um modelo
de equilbrio geral dinmico e estocstico no qual crises auto-realizveis podem ocorrer. O
ponto chave do modelo, que permite a ocorrncia de crises auto-realizveis, a rolagem da
dvida. Por causa deste fator, a falta de liquidez induzida pela impossibilidade de se vender
nova dvida pode levar a um default auto-realizvel. Eles mostram que, se fundamentos tais
quais o nvel da dvida pblica, sua estutura de maturidade e o estoque de capital privado se
encontram dentro de determinada faixa (a zona de crise), a probabilidade de repdio da dvida
determinada pelas crenas dos participantes dos mercados. Os autores destacam tambm que
os governos so motivados a reduzir suas dvidas e a sair da zona de crise uma vez que este
movimento leva a um boom econmico e reduo das taxas de juros dos ttulos pblicos.
Para examinar a poltica fiscal tima, eles construram um equilbrio temporalmente
consistente do modelo com uma estrutura de Markov na qual uma crise pode ocorrer com uma
probabilidade positiva sempre que o nvel e a estrutura de maturidade da dvida do governo e
o estoque de capital privado esto na zona de crise. Eles mostram que, dentro da zona de
crise, a atividade econmica do pas deprimida em proporo probabilidade da crise
ocorrer. Segundo os autores, o governo considerar uma escolha tima reduzir a dvida a fim
de se sair da zona de crise, uma vez que isto gerar crescimento dos investimentos, da
produo, do consumo e da receita do governo, enquanto haver queda da taxa de juros da
dvida pblica. Eles tambm mostram que, se a probabilidade de que os agentes em equilbrio
considerem uma crise alta, ento o governo querer ajustar sua dvida a fim de sair da zona
de crise imediatamente.
Segundo o modelo de Cole e Kehoe (1998), crises da dvida podem tomar duas
formas. Por um lado, os medos de default por parte dos banqueiros internacionais so auto-
realizveis. Por outro lado, o medo de um default futuro por parte do governo leva
investidores domsticos a reduzirem o nvel de investimento real, o que diminui a produo
futura e, portanto, torna possvel uma crise finanaceira subsequente, mesmo quando um crise
no seria possvel se o nvel de investimento no tivesse cado. Alm disso, importante notar
que a causalidade, neste modelo, vai das expectativas para as taxas de juros e o modelo
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implica que a nica maneira de evitar uma crise da dvida evitar as condies nos
fundamentos que tornam ela possvel: em particular, nvel da dvida relativamente alto com
uma estrutura de maturidade curta.
Romer (2011), por sua vez, construiu um modelo de crise da dvida a partir de um
simples modelo da tentativa do governo de emitir dvida. Ele focou em questes sobre o que
poderia causar nos investidores averso compra de dvida a qualquer taxa de juros, e
tambm se provvel que tal crise ocorra inesperadamente.
O modelo tem, pelo menos, quatro implicaes interessantes. Em primeiro lugar, o
autor mostra que h uma fora que tende a criar mltiplos equilbrios na probabilidade de
default. Quanto maior a probabilidade de default, maior a taxa de juros que os investidores
demandam; mas quanto maior a taxa de juros que os investidores demandam, maior a
probabilidade de default.
Uma questo natural que surge se o governo pode evitar a multiplicidade de
equilbrios emitindo a dvida taxa de juros de equilbrio mais baixa. A resposta depende de
como os investidores formam suas expectativas da probabilidade de default. Uma
possibilidade que eles assumam por tentativa que o governo consegue, com sucesso, emitir
dvida taxa de juros que est oferecendo; eles ento compram ttulos pblicos se o retorno
esperado dada esta hiptese ao menos se iguala ao retono sem risco. Neste caso, o governo
pode emitir dvida taxa de juros de equilbrio mais baixa. Mas esta no a nica
possibilidade. Por exemplo, suponha que cada investidor acredite que os outros investidores
acreditam que o governo vai repudiar a dvida com certeza, e que os outros, portanto, no
esto dispostos a adquirir ttulos pblicos a nenhuma taxa de juros. Ento, nenhum investidor
compra dvida e a crena se prova correta.
A segunda implicao do modelo que grandes diferenas nos fundamentos no so
necessrias para grandes diferenas de resultados. Uma razo para isto a multiplicidade j
citada. Assim, duas economias podem possuir fundamentos similares, mas em uma haver um
equilbrio em que o governo consegue emitir dvida a uma baixa taxa de juros, enquanto na
outra o nico equilbrio significar o governo ser incapaz de emitir dvida qualquer taxa de
juros.
Em terceiro lugar, o modelo sugere que o repdio, quando ocorre, sempre ser
inesperado. Ou seja, e isto deve valer para casos realistas, no deve haver uma situao em
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que os investidores acreditem que a probabilidade de default substancial, mas estritamente
menor do que 1. Como resultado, repdios da dvida so sempre uma surpresa.
Por fim, o modelo sugere que o repdio depende no apenas de crenas auto-
realizveis, mas tambm dos fundamentos. Em particular, um aumento no montante que o
governo quer tomar emprestado, um aumento na taxa de juros de segurana e uma queda na
distribuio da receita potencial tornam o default mais provvel. Portanto, o modelo indica
que maior dvida, maior taxa de retorno requerida e baixa receita futura tornam o default mais
provvel.
Romer (2011) tambm prope uma verso do modelo com mltiplos perodos,
levantando questes adicionais interessantes. Por exemplo, se h trs perodos, um investidor
no perodo 0 pode no querer comprar ttulos do governo porque acredita que no perodo 1
outros devem achar que no perodo 2 investidores devem acreditar que no h uma taxa de
juros que valha a pena para que eles possuam ttulos pblicos.
Esta discusso implica que racional para os investidores se preocuparem com as
crenas dos outros investidores sobre a solvncia do governo, com as crenas dos outros
investidores sobre as crenas dos outros investidores, e assim por diante. Essas crenas afetam
a habilidade do governo de cumprir com o servio da dvida e, portanto, o retorno esperado de
quem tem posse dos ttulos. Uma implicao adicional que uma mudana no mercado da
dvida, ou mesmo uma crise, pode ser causada por informaes no sobre os fundamentos,
mas sobre crenas sobre fundamentos, ou crenas sobre crenas sobre fundamentos.
Esses modelos, portanto, corroboram nossa hiptese de que as expectativas dos
agentes em relao trajetria fiscal do governo pode gerar uma situao em que a dvida
pblica e a taxa de juros de longo prazo se relacionam de maneira no linear, em um ciclo
vicioso em que uma alimenta o crescimento da outra. Queremos mostrar, ento, que a partir
de certo patamar, a dvida do governo afeta as expectativas dos agentes quanto a sua
sustentabilidade fiscal e, com isso, provoca um aumento agudo nas taxas de juros de longo
prazo.
3.3 O MODELO DE GREENLAW ET AL. (2013)
O modelo que iremos apresentar agora embasar a anlise emprica que ser
desenvolvida no prximo captulo e est presente em Greenlaw et al. (2013). Trata-se de um
modelo dinmico simples no qual as expectativas do futuro tm um papel importante. Antes
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de analisar o modelo em si, contudo, importante ir um pouco mais fundo na discusso da
sustentabilidade fiscal do governo.
3.3.1 A dinmica da sustentabilidade fiscal
Considere um pas com PIB nominal no ano t de Yt e dvida nominal soberana de Bt.
Seja St o supervit primrio nominal, ou seja, a receita do governo menos os gastos em todas
as categorias exceto os gastos com juros, sendo o dficit primrio correspondente ao valor
negativo de St. Se Rt a taxa de juros nominal mdia da dvida soberana do governo, temos a
seguinte identidade contbil8:
. (3.1)
Dividindo ambos os lados de (3.1) pelo PIB no ano t+1, temos:
. (3.2)
Vamos simplificar as magnitudes como razo do PIB de tal maneira que
;
;
e seja rt definido por
. (3.3)
Ento, (3.2) pode ser escrito como
. (3.4)
Se gt denota a taxa de crescimento nominal do PIB entre t e t+1,
. (3.5)
Note que rt em (3.3) , aproximadamente, a taxa de juros nominal Rt menos a taxa de
crescimento nominal do PIB gt:
. (3.6)
8 Se Rt interpretada como a mdia ponderada da taxa de juros de toda a dvida soberana do governo, a equao
(1) uma identidade contbil exata. Em nosso trabalho emprico, ns utilizamos, seguindo Greenlaw et al.
(2013) entre outros, a taxa de juros dos ttulos pblicos de 10 anos como indicador chave dos interesses de longo
prazo.
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Suponha que um pas possua um custo de financiamento lquido constante r* e queira
manter uma razo dvida/PIB constante b*. Ento, (3.4) implica que seria necessrio um
supervit primrio s* que satisfizesse
(3.7)
. (3.8)
Para entender as implicaes desta condio, til considerar dois casos separados.
3.3.1.1 Caso 1:
Primeiro, suponha que a taxa de juros nominal em steady-state maior do que a taxa
de crescimento do PIB nominal, de tal maneira que r* positivo. Neste caso, a equao (3.8)
indica que o supervit primrio deve ser suficiente para cobrir os pagamentos de juros do
estoque da dvida pblica em steady-state b*. Note que com um valor positivo constante para
r*, a equao em diferena associada com (3.4) explosiva:
. (3.9)
Se o governo fosse manter um valor constante s* para o supervit primrio e se a razo
dvida/PIB fosse sempre crescer para algum b > b*, ento a dvida iria continuar a crescer a
partir daquele ponto sem limite relativo ao PIB. O governo teria que, por fim, ou promover
uma reforma fiscal (aumento de impostos ou corte dos gastos) para chegar a um novo
montante de supervit primrio s dado por s= r*b/(1 + r*), ou ento repudiar parte da
dvida para traz-la de volta ao nvel b* que sustentvel dado o supervit primrio em
steady-state s* que o pas efetivamente capaz de manter. Como Reinhart e Rogoff (2009)
documentaram, repdios parciais foram implementados com certa frequncia na histria, pelo
menos em parte atravs de inflao inesperada. Isto poderia causar uma reduo na carga da
dvida ao aumentar a taxa de crescimento nominal realizada gt relativa taxa de juros nominal
ex ante Rt. Contudo, se h qualquer antecipao do default ou da inflao, seria esperado que
afetasse a taxa de juros Rt, um ponto que ser retomado na subseo 3.3.2.
3.3.1.2 Caso 2:
Suponha agora que a taxa de juros nominal da dvida pblica menor do que a taxa de
crescimento nominal da economia. Neste caso, r* negativo e (3.8) indica que o governo
poderia manter um dficit primrio perpetuamente (s* < 0) sem aumentar a razo dvida/PIB.
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Por exemplo, se o custo de financiamento e o PIB est crescendo a uma taxa
, ento os gastos do governo poderiam exceder suas receitas perpetuamente em cerca
de 1% da dvida pblica b* sem aumentar a razo dvida/PIB.
Alm disso, neste caso quando r* < 0, a equao em diferena (3.9) estvel. Se o
pas comear com valores em steady-state s*, r* e b* satisfazendo (3.8) e ento se mover para
um dficit maior permanente (ou seja, um valor s < s* mais negativo), o resultado seria um
aumento ao longo do tempo na razo dvida/PIB a partir do nvel inicial b*. Mas o caminho
no explosivo e eventualmente se estabilizaria em um novo valor b = s(1 + r*)/r*.
Contudo, estas vantagens da dvida pblica no podem ser aceitas independentemente
de quo grande a dvida se torna em relao ao PIB. Como j foi visto, teorica e
empiricamente, o aumento da dvida pblica em relao ao PIB provavelmente vir
acompanhado do aumento do custo de financiamento do governo Rt. Isto significa que,
e
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