mario covas - propaganda política
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ano 1 - março 2009 - n º 5
FUNDAÇÃO MARIO COVASem revista
propagandapolítica
Em rEvista
editorial
o bom ‘campanheiro’
Na rua, sempre com muita gente em volta, ouvindo, falando, discutindo ideias
e meios de melhorar a vida das pessoas na cidade, no Estado, no país todo. Esse
era o lugar predileto de Mario Covas, o pedaço do mundo onde ele se sentia
feliz e confortável. Gostava de exercer o poder público, no Legislativo ou no
Executivo, mas era na campanha eleitoral que brilhava a sua estrela política.
O próprio Mario Covas se considerava um bom “campanheiro”, e ninguém
ousaria negar. Seu negócio era ir para o corpo a corpo, suar muito a camisa.
Subia ao palanque com gosto, inflamando a audiência com seus discursos.
Tinha o dom da palavra, e a usava como ninguém. Nas pausas, não dispensava
um pastel com guaraná e, de sobremesa, um sorvete de coco.
Não prometia nada que não tivesse certeza de que poderia realizar, mesmo que
isso pudesse lhe custar votos decisivos. Os marqueteiros que se virassem, sempre
desafiados a encontrar saídas criativas para tornar amistosa sua mensagem
austera. Covas acompanhava com atenção as pesquisas de intenção de voto.
Se o resultado dos institutos não batessem com o das pesquisas realizadas
pela equipe, o pesquisador teria trabalho para explicar a razão. Covas adorava
discutir com as pessoas, até para testar a força de suas convicções.
Ao todo, foram nove as suas campanhas eleitorais em 37 anos de vida pública.
Sem contar, é claro, todas as outras das quais participou em apoio a causas,
como as Diretas Já, pelo retorno às eleições diretas durante a ditadura militar,
e a candidatos, como Fernando Henrique Cardoso, Lula e Marta Suplicy.
Aliás, foi de Marta a última campanha da qual participou. Covas iria aproveitar o
feriado do dia da eleição a prefeito de São Paulo para continuar sua luta contra
o câncer numa sessão de quimioterapia. Mas como ainda havia risco de Marta
perder para Paulo Maluf, ele adiou a internação e foi à rua pedir votos para a
petista até que as urnas se fechassem. Até o fim, um bom “campanheiro”.
Antonio Carlos Rizeque Malufe
Presidente da Fundação Mario Covas
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 3
Índice
Fotoclip 6
37 anos caçando votos 8
A sensibilidade do político 10
Em Santos, a primeira candidatura 16
Memória do palanque 20
Material de campanha 23
Rumo à Câmara dos Deputados 25
Da Câmara ao Senado 29
O desafio da corrida presidencial 34
Por um governo honesto 44
A revolução ética 49
Principais realizações do Primeiro Mandato 54
Negão e dona Maria marcam 1994 61
Vence o apelo à continuidade 67
Principais realizações do Segundo Mandato 75
A marca da legalidade 79
Créditos 86
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fotoclip
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Firme na deFesa de sua mensagem política, mario covasconcentrava-se em conquistar o eleitor nas ruas – o pessoal de campanha que cuidasse do resto
37 anoS caÇando VotoSa traJetÓria
Político em tempo integral, Mario Covas
disputou cargos públicos por nove vezes, em
nove campanhas memoráveis. De todas, a
parte que mais gostava era conquistar votos
nas ruas, conversando com a população,
convencendo o eleitor de que era possível
melhorar a sua vida e a de seus vizinhos
e cuidar da coisa pública honestamente.
Preocupava-se com sua mensagem e, para
defender a forma que considerava mais
adequada para expressá-la, era capaz de
discutir durante horas com os responsáveis
pelas campanhas. Em contrapartida,
delegava completamente a costura dos
programas de TV e a escolha dos materiais.
Na primeira campanha, em 1961, Mario
Covas candidatou-se a prefeito de Santos
com o apoio de Jânio Quadros. A atuação
solidária e efetiva no socorro às vítimas
de deslizamento de encostas dos morros
santistas havia credenciado o jovem
engenheiro a participar da disputa. Uma
girafa e a vassoura janista eram os ícones
de sua campanha, que reciclava o slogan de
Carvalho Pinto – “Nunca foi tão fácil escolher
o melhor” –, e acontecia basicamente nas
ruas e nos comícios. Numa época em que a
imprensa tomava partido de um ou outro
candidato, Covas ganhou o importante apoio
de A Tribuna, um dos jornais mais influentes
Covas em caminhada com a população durante a campanha de 1994 a governador de São Paulo
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de Santos. Perdeu a eleição para La Scala,
apadrinhado de Adhemar de Barros, mas
acumulou expressivo cacife político.
Em 1962, conhecido pela campanha do
ano anterior, Mario Covas candidatou-se
a uma vaga na Câmara Federal, pelo PST.
Venceu e, em 1964, tornou-se líder do bloco
dos partidos pequenos. Dois anos depois,
reelegeu-se deputado federal pelo MDB,
partido de oposição ao regime militar.
Conquistou a liderança da Câmara em 1967,
militando com Ulysses Guimarães e Tancredo
Neves, entre outros nomes de peso.
Democrata por natureza, defendia seus
princípios, mesmo que significasse
confronto com os militares. A defesa que
fez do deputado Marcio Moreira Alves, que
proferira um discurso considerado ofensivo
pelas Forças Armadas, custou-lhe o mandato,
em 1969. Mas a cassação não o impediu
de participar da campanha de Fernando
Henrique Cardoso ao Senado, em 1978. Em
retribuição, FHC apoiou a candidatura de
Covas à presidência do MDB paulista.
A recuperação dos direitos políticos veio em
janeiro de 1979. Dedicado à conquista de
votos para a renovação da Câmara Federal,
em 1982 Covas elegeu-se deputado. No ano
seguinte, assumiu a prefeitura de São Paulo,
por indicação do governador Franco Montoro.
Na gestão Covas, os bem-sucedidos mutirões
para a pavimentação de ruas habilitaram
seu nome para cargos mais elevados.
Em 1986, Covas elegeu-se senador com
quase 8 milhões de votos, o maior resultado
eleitoral da história política do país até
então. Logo conquistou a liderança do
PMDB na Assembléia Constituinte, mas os
constantes atritos com o grupo de Orestes
Quércia levaram Covas e seus aliados a
fundar, em junho de 1988, o Partido da Social
Democracia Brasileira – PSDB.
No partido dos tucanos, Covas aceitou
o desafio de disputar a Presidência da
República em 1989, na primeira eleição
direta para o cargo desde o fim da ditadura
militar. Mesmo com pó de guaraná no arsenal
de campanha, perdeu no primeiro turno e
apoiou Lula no segundo. Os eleitores deram
a vitória a Fernando Collor de Mello.
A melhor chance de Covas viria em 1994, ao
lançar-se candidato a governador de São
Paulo. Seu programa de governo apoiava-se
em três revoluções: ética, administrativa e
contra o desperdício. Para medir as intenções
de voto, o pessoal de campanha introduziu
um aparelhinho por meio do qual o eleitor
poderia expressar aprovação ou reprovação
ao que via no programa de TV, ajudando a
corrigir as rotas de campanha. O discurso de
Covas agradou, levando-o ao segundo turno
com Francisco Rossi e, depois, à vitória.
O saneamento das finanças do Estado
de São Paulo e a política de austeridade,
embora previstos e desejados, não foram
digeridos por parte da população. A equipe
de campanha à reeleição, em 1998, teve de
trabalhar dobrado para vencer as resistências
do eleitorado. Com esforço, Covas passou ao
segundo turno junto com Paulo Maluf. Nas
pesquisas de intenção de voto, perdia para
o ex-colega da Escola Politécnica. Mas num
dia inspirado, diante das câmeras, num
debate pela TV, disse ao adversário que
o eleitor não era bobo e saberia comparar
as duas biografias. O que Covas queria era
colocar em discussão o caráter de cada um.
Estava certíssimo – reelegeu-se com folga
na última campanha de sua vida.
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imune à ação dos marqueteiros, mario covas deFinia o discurso, delegava a execução e intervia sÓ em correção de rumo, diz osvaldo martins, coordenador das campanhas eleitorais
a SenSibilidade do polÍtico
Mais preocupado em pedir votos aos eleitores na rua, no corpo a corpo, Mario Covas delegava à equipe a tarefa de escolher materiais, aprovar peças de campanha, definir as imagens que iriam ao ar no programa de televisão. Definia o discurso, e a equipe de comunicação que se virasse para dar o melhor tratamento àquele conteúdo. Construiu um Programa de Governo dentro dos programas de campanha e praticamente definiu, num debate na TV, a disputa com Paulo Maluf pelo governo paulista em 1998, tirando da cartola a comparação da biografia dos dois. Sensibilidade de político, segundo Osvaldo Martins, coordenador das campanhas eleitorais de Mario Covas. Nesta entrevista, ele conta como era trabalhar com o Covas candidato.
FMc - coMo o Mario covas participava das decisões da caMpanha eleitoral?
OsvaldO martins - O Mario sempre repetia:
“Eu sou candidato, meu negócio é ir para a
rua pedir voto”. Ele nunca viu o layout de
uma peça antes de ela ir para a gráfica. Eu
sabia que ele não ia querer ver, mas levava
a arte final, o layout dos outdoors e a fita da
gravação do programa de televisão que ia ao
ar no dia seguinte. Ele nunca assistiu nem a
gravação nem o programa no ar porque estava
na rua, em eventos. Covas era completamente
desligado desse assunto, o que aumentava a
responsabilidade de quem conduzia a área.
Delegava totalmente, mas existem momentos
em que há necessidade de falar, são decisões
políticas de muita importância.
FMc – cite uM desses MoMentos.
OsvaldO martins - Lembro que, em 1994,
o Fernando Henrique Cardoso ganhou no
primeiro turno, e nós fomos para o segundo
turno contra o Francisco Rossi. O Mario fez
uma reunião no escritório dele e chamou
toda a cúpula do PSDB para definir os rumos,
as estratégias do segundo turno. Reuni meu
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pessoal dois dias antes, discutimos e cheguei
ao encontro cheio de propostas do que deveria
ser feito. Começou a reunião, e eu quieto,
esperando que o candidato pedisse que eu
falasse alguma coisa. Mas, antes de mim,
até pela ordem hierárquica, estava o Franco
Montoro e outros políticos de peso. Ninguém
deu sugestão, a não ser uma, do Montoro. Na
campanha do Fernando Henrique Cardoso,
que ganhou no primeiro turno, os jingles
cantados pelo Dominguinhos fizeram grande
sucesso, e o Montoro sugeriu contratá-lo para
fazer os jingles do Mario Covas para o segundo
turno. A sugestão, muito boa, foi adotada.
Então eu disse: “Acho que a gente deve colar
na vitória do Fernando Henrique. A nossa
estratégia deve ser de união do governo do
Estado e do governo federal”. Já cheguei com
o slogan e o layout da fusão da bandeira de
São Paulo com a do Brasil, foi tudo aprovado
e eu saí dali já para fazer as coisas.
FMc - era Fácil lidar coM essa questão, apesar do auMento da responsabilidade...
OsvaldO martins - Sempre foi fácil, porque eu
sempre fiz aquilo que me pareceu o melhor.
Procurei me cercar de pessoas competentes,
que deram grandes contribuições às
campanhas. Eu era um coordenador, mas de
uma equipe altamente qualificada em todas
as áreas. Tinha tranquilidade e segurança
de que aquilo era o melhor que podíamos
produzir, e o Mario Covas achava a mesma
coisa, por isso, não opinava. Esse assunto
para ele era tabu; negócio de comunicação ele
nunca entendeu direito. Nós tivemos brigas
homéricas a vida inteira, e todas as vezes que
eu tentei explicar pacientemente algumas
coisas dos fundamentos da comunicação, ele
nunca quis saber. Trabalhava muito com a
sensibilidade de político. Ele tocava, criava,
discursava, tinha criação, como, por exemplo,
o tiro mortal no Paulo Maluf.
FMc – que tiro Foi esse?
OsvaldO martins - A guerra das biografias. Em
1998, o Paulo Maluf escolheu como tema do
segundo turno bombardear o Mario Covas por
causa dos pedágios, frutos das concessões de
rodovias. Ele foi para o debate principal, na TV
Bandeirantes, armado até os dentes de coisas
de pedágio para infernizar o Covas, numa
estratégia orientada pelo Duda Mendonça.
O Mario Covas adotou a seguinte postura: “Ô
Maluf, nós fomos colegas de escola, somos
contemporâneos, temos sessenta anos,
temos história, temos uma vida política. O
eleitor vai decidir por um de nós por tudo
o que já fizemos, pela nossa história, pela
nossa biografia. Não vai ser por essa questão
boba aí que você está querendo impingir,
como se o eleitor fosse tolo e tomasse uma
decisão importante dessa, sobre duas figuras
conhecidíssimas, em cima de tema menor. O
eleitor vai parar para pensar e vai ver a minha
biografia, vai ver a sua e tomar a decisão”.
FMc - e isso Foi ideia dele?
OsvaldO martins - Foi. Infelizmente, os
políticos atuais se demitiram do comando da
campanha, entregaram-se de corpo e alma
aos marqueteiros e, por isso, não têm mais
ideias, essa coisa que está na sensibilidade
do político. No momento em que o político
usa um determinado discurso, cabe à
comunicação dar o melhor tratamento àquele
conteúdo. Atualmente, o político quer que o
marqueteiro crie também o discurso, é uma
inversão total. E não é de hoje.
FMc – os Marqueteiros ajudaM a organizar as ideias.
OsvaldO martins – Exato. Pegam a ideia,
vão até mudar as palavras, criar slogans,
mas a sensibilidade política é do político, e
essa é intransferível. Transferir isso para os
publicitários é a falência da ação política.
FMc - o Mario covas gostava de ir para o teleMarketing da caMpanha conversar coM as pessoas por teleFone...
OsvaldO martins – Gostava muito porque
era uma forma de comunicação direta. Ele
gostava de rádio também porque era ágil,
conversava ao vivo com os ouvintes. O que ele
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não gostava da imprensa, em geral, era falar
uma coisa, o sujeito anotar e depois escrever
outra coisa. Ele morria de medo disso, que
acontece com muita frequência no dia-a-dia.
No call center da campanha a governador,
ele falava mais com lideranças, prefeitos do
interior etc., sobretudo nos dias da semana
que antecediam o da eleição, para animar
o pessoal, dar uma injeção de ânimo, dizer
“vamos que vamos”. Tem um efeito grande no
ânimo das lideranças o
candidato ligar e dizer:
“Olha, conto contigo”.
Ele sabia que era
eficiente.
FMc - e os resultados das pesquisas, coMo é que ele recebia?
OsvaldO martins -
Gostava muito das
pesquisas qualitativas,
porque, mais uma vez,
são de linha direta,
as pessoas presentes
discutem. Numa única
vez eu o levei para
assistir à pesquisa
por detrás do vidro,
do outro lado do
espelho que fica na
sala da discussão e
impede que quem
está debatendo veja
quem está assistindo.
Nessa única vez eu
disse a ele que nunca
mais o levaria. Um
dos debatedores tinha
aquele discurso “político é tudo igual, tudo
farinha do mesmo saco, esse Maluf é ladrão,
esse Mario Covas também é ladrão”. Quando
o Mario ouviu isso, ele queria invadir a sala,
queria tomar satisfação com o cara, foi um
sacrifício segurá-lo. Depois que acabou, ele
queria ir lá para a calçada pegar o sujeito e
discutir, e nós não deixamos. Foi um sufoco.
O Paeco segurando de um lado, eu do outro.
FMc - ele respeitava o resultado da pesquisa, acreditava na FerraMenta?
OsvaldO martins - O Mario passou a acreditar
em pesquisa vendo que a análise que a gente
fazia se comprovava nos fatos. Participava
da análise e fazia a dele. Aí é que entra o
diferencial do político experiente e sensível:
as análises dele eram perfeitas. Uma coisa que
o Mario Covas sempre teve era a capacidade
de analisar a cena
política como
se ele próprio
não participasse
dela. Quando ele
era deputado
e senador, os
jornalistas de
Brasília gostavam
muito de ir
conversar com ele,
p r inc ipa lmen t e
os comentaristas,
porque um papo
com Mario Covas
gerava material
abundante para
a análise do
quadro político.
O Mario sentava e
conversava, fazia
a análise de coisas
nas quais ele
estava envolvido,
mas falava com
tal isenção que
os jornalistas
adoravam. De
outro aspecto, o
Mario Covas era
uma péssima fonte
de informação para os repórteres.
FMc - era ruiM de síntese.
OsvaldO martins – Isso. Ele sempre ia pelo
caminho da análise, e o repórter queria uma
resposta sim ou não. Por isso o Mario nunca foi
uma boa fonte de informação para repórter,
embora fosse o craque da análise.
“Mario Covas gostava das pesquisas qualitativas, porque são de linha direta, as pessoas presentes discutem as questões. Uma vez, ele foi ver a discussão sem ser visto. Quando um dos debatedores disse ‘esse Mario Covas é um ladrão’, ele queria invadir a sala, queria tomar satisfação com o cara, foi um sacrifício segurá-lo.”
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FMc – Mario covas era uM excelente articulador e tinha uM discurso Muito aFiado. qual era a iMportância do debate para a caMpanha política?
OsvaldO martins – Uma importância muito
grande. Por exigência da legislação, os
debates ficam um pouco engessados - tempo
para cada um, réplica, tréplica, tudo muito
chato. Os debates anteriores a essas regras,
como os de Jânio Quadros versus Franco
Montoro e Brizola versus Collor, eram muito
interessantes. Covas gostava de se preparar
bem, em reuniões que simulavam o debate.
Numa dessas simulações, um dos membros da
nossa equipe de comunicação, o Raul Bastos,
foi escalado para fazer o papel do adversário,
que era o Francisco Rossi, em 1994.
FMc – e qual Foi o resultado?
OsvaldO martins – Simulando o debate,
o Raul se comportou como nós achávamos
que o Rossi poderia se comportar. Os dois
começaram a discutir, faltou pouco para o
Mario Covas dar um murro na cara do Raul,
coisa que talvez também faltasse pouco para
fazer com o Rossi na mesma circunstância,
no ar e ao vivo. Debate era com ele mesmo.
Se tivesse que pagar ingresso para entrar
na discussão e se meter naquela encrenca,
ele pagaria, era o rei da encrenca. Ele tinha
orgasmos toda vez que tinha a oportunidade
de discutir seus pontos de vista.
FMc – a gente sabe que ele tinha sede de inForMação. coMo era, então, Montar o conteúdo do prograMa de televisão para ele?
OsvaldO martins – Houve duas fases,
considerando as campanhas de 1994 e de
1998. Em 1994, ainda no primeiro turno,
foi um inferno total, entre outras razões
porque em paralelo estava sendo produzido o
Programa de Governo, que é mais intelectual,
enquanto que a produção do programa
de televisão é muito mais dinâmica. O
compromisso do candidato com o eleitor é
quase que exclusivamente aquilo que ele
diz no programa de televisão do horário
gratuito do que aquilo que está escrito no
Programa de Governo, que vai sair sabe-se lá
quando. Ele deixou bem claro que o Programa
de Governo era o texto do programa de TV.
Moral da história: inverteram-se as coisas
nas reuniões realizadas na produtora. Ele
chamava pessoas que estavam estudando
determinada área, e o que fosse decidido e
gravado ali iria para o Programa de Governo
e não o contrário. Até o bom entrosamento
de todos sobre esse assunto foi um desastre,
porque ele encrencava na hora de gravar. Ele
não gravava nada do que não concordasse.
Afinal de contas, o candidato era ele.
FMc – ou que ele não pudesse cuMprir...
OsvaldO martins – Da segunda metade para
a frente, ainda no primeiro turno, as coisas
ficaram mais fáceis, ele passou a confiar mais
na equipe. Em 1998, foi totalmente diferente.
Covas gravava uma fala para o programa de
educação, trocava de roupa, gravava uma
outra fala para o programa de transporte, e
a coisa estava tão azeitada, tão entrosada,
que raramente ele mudava alguma coisa no
texto. Gravava e ia embora para casa, aquele
assunto para ele tinha acabado. Ele nem via
no ar, porque estava sempre na rua, e muito
menos assistia as fitas que eu mandava todo
dia para ele ver antes de ir para o ar.
FMc – covas era uM candidato boM para a coMunicação trabalhar?
OsvaldO martins – Muito bom. Acho que,
quando a pessoa é sincera, transparente,
é boa para trabalhar em qualquer área,
principalmente pessoas que estão no comando
do processo, que têm opinião, que não têm
cartas na manga. É muito difícil fazer isso
hoje em dia. Havia uma relação de interação,
respeito mútuo, delegação, sem truques.
Atualmente, essa relação não existe, tornou-
se estritamente profissional. A questão ética
fica para segundo plano. O marketing é cada
vez mais determinante, impõe coisas a que
o candidato se submete. O Mario dizia: “não
sou sabonete” e tinha razão.
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FMc – Muita gente Fala da participação do Fausto lourenço goMes, irMão da lila, na vida política do cunhado. que papel ele exerceu na trajetória do covas?
OsvaldO martins – O Fausto era antenado
em política, uma pessoa que tinha muitos
atributos. Sou muito suspeito ao falar dele
porque sempre fomos muito amigos. Aliás,
eu fui para a campanha do Mario em 1962
levado pelo Fausto. Ele era comerciante
em Santos, como a família toda da Lila, um
cara que conversava com todo mundo, se
relacionava com pessoas das mais diferentes
categorias, entre elas Roberto Santini, dono
do A Tribuna, o principal jornal da cidade. Era
amigo mesmo, fraternal. Graças ao Fausto, A
Tribuna apoiou a candidatura do Mario Covas
a prefeito de Santos. A maior força política da
cidade sempre foi e ainda é o jornal A Tribuna.
Se você morrer e não sair a notícia “faleceu
ontem” no jornal, ninguém vai ao seu velório.
O Fausto acabou sendo o que hoje chamam
de marqueteiro do Mario Covas, na campanha
para prefeito em 1961, e no ano seguinte, para
deputado federal. Adorava criar materiais
originais, e fazia tudo bem feito, com prazer.
Era um pouco mais velho que o Mario, e, na
função de coordenador da campanha, não
só da imagem e da propaganda, o numero
1 da campanha, o Fausto fazia e desfazia,
mandava e desmandava, e sempre alegre.
Ele foi uma pessoa importantíssima no
início da vida política do Mario Covas. Fez
essas duas campanhas, o Mario se elegeu
deputado federal. Quatro anos depois, em
1966, reelegeu-se deputado já pelo MDB, e o
Fausto sempre presente. A última campanha
em que o Fausto se meteu de corpo e alma
foi a do Fernando Henrique para prefeito,
em 1985, aquela que o Jânio ganhou. Aí ele
já estava doente, morreu no ano seguinte.
Mas era como uma despedida da vida, porque
ele adorava fazer campanha eleitoral. Em
1985, eu larguei tudo o que estava fazendo
para andar com ele, segurar a pasta, porque
eu sabia que ele estava se despedindo da
vida, fazendo a coisa de que mais gostava.
As análises políticas dele eram perfeitas. Foi
importantíssimo na vida do Mario Covas.
FMc – o Fausto chegou a ir para a preFeitura coM o covas?
OsvaldO martins – O Fausto nunca teve
um cargo, mas era o cara que o Mario
Covas consultava, respeitava. Fui a única
testemunha de um episódio até desagradável
na campanha do Fernando Henrique, numa
discussão entre os dois. Discutiram sobre coisas
que o Fausto estava fazendo na campanha
com dinheiro do próprio bolso, dilapidando o
patrimônio da família. Ele vendeu um terreno
no litoral porque precisava de dinheiro para
a campanha do Fernando Henrique. A mulher
dele, Dóris, comentou com a Lila, e ela, com
o Mario. Ele se achou no direito de puxar a
orelha do Fausto. “Você não tem o direito e
tal...”. O Fausto ficou caladinho, ouvindo, e
eu, quieto feito um vaso.
FMc – o Fausto não reagiu?
OsvaldO martins – O Mario falou mais um
pouco e, numa pausa mais longa, o Fausto
perguntou: “Zuza, já acabou?” O Mario: “Já
acabei”. E o Fausto: “Em primeiro lugar, eu
queria que você fosse tomar no olho do seu...
Segundo lugar, quem é você pra dizer pra
mim o que eu devo ou não devo fazer numa
campanha eleitoral? O que você sabe de
campanha de eleitoral? Você não sabe coisa
nenhuma, nunca soube quanto custa uma
resma de papel, nunca soube quanto custa
um metro de morim (o tecido que se usava
para fazer faixa), agora você vem dizer o que
eu tenho que fazer? Vá cuidar da sua vida”.
Saiu pisando duro, e eu, babaca, saí atrás.
FMc – o covas gostava Muito dele e de pessoas que reagiaM. deve ter Feito o discurso todo Muito constrangido...
OsvaldO martins – Para poder dizer para a
família que tinha dado uma dura nele. Deve
ter sido muito doído esculhambar o Fausto.
Acho até que a esculhambação que ele levou
de volta deixou o Covas aliviado, porque
chumbo trocado não dói.
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a atuação do Jovem engenheiro mario covas no socorro às vítimas de deslizamentos nos morros o habilita a candidatar-se a preFeito com o apoio de Jânio quadros
em SantoS, a primeira candidatura
anos 60
Foi no final da década de 1950 que Mario Covas uniu-se a Jânio Quadros, uma das grandes forças políticas em São Paulo, para ingressar na vida pública, quando trabalhava como engenheiro da Secretaria de Obras de Santos. Em 1956, depois de três dias de tempestades, a cidade foi assolada por uma série de alagamentos e deslizamentos de encosta dos morros. Como engenheiro da prefeitura, Mario Covas não só participou como dirigiu os trabalhos de socorro à população atingida, tornando-se conhecido. Em 1960, seus contatos políticos foram suficientes para ser convidado a se candidatar à prefeitura de Santos. Jânio Quadros, então candidato a presidente da República, buscava uma liderança política jovem e promissora, e deu a seu fiel escudeiro, Saulo Ramos, a missão de convencer Mario Covas a se candidatar pelo PST – Partido Social Trabalhista. Ele aceitou.
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Adesivo de campanha
com a girafa de Covas e a
vassoura janista; abaixo,
trecho de editorial do
jornal A Tribuna
Enfrentando a UDN
Nas eleição a prefeito de Santos, Adhemar de
Barros, outra grande força política paulista,
apoiava Luís La Scala Junior, candidato da
UDN – União Democrática Nacional e do
então prefeito Silvio Fernando Lopes, seu
afilhado político. Os dois grandes jornais
de Santos, A Tribuna e O Diário, assumiram
posições opostas em relação aos dois
candidatos. O Diário apoiava Luís La Scala, e
A Tribuna favorecia Mario Covas. Um editorial
de A Tribuna ilustra bem isso:
“O nome do sr. Covas Junior consubstancia,
mais que qualquer outro, o sentido de
renovação político-administrativa, que se
identifica na atuação dos srs. Jânio Quadros
e Carvalho Pinto, consagrada por Santos,
ainda há pouco, nas urnas de três de
outubro.” (Trecho de Política em Santos — O
espírito de renovação, editorial de A Tribuna
de 3 de janeiro de 1961).
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Na primeira marchinha, a alusão ao apoio
de Jânio Quadros era explícita: “A força
da corrente está no presidente, um bom
governador já temos sim senhor, queremos
neste pleito, para nosso prefeito: Mario
Covas que é moço lutador!”. Em Conselho
de Amigo, a letra enfatizava o que seria a
característica mais marcante da vida política
do candidato: “Ele é honesto? É sim senhor!
Trabalhador? É sim senhor! O Mario Covas
não precisa de confete, eu voto nele nem
que chova canivete!”.
Como hoje, a tradição da época exigia de
um bom político o apreço pela família. Num
dos panfletos de campanha, Covas aparecia
em foto com a esposa, Lila, e os três filhos.
Abaixo da foto, havia os dizeres: “Este é o
lar de Mario Covas Junior; na família, um
símbolo de responsabilidade; na prefeitura,
um padrão de honestidade”.
Outro material de campanha de Covas era
um panfleto no formato de uma cédula.
Como o nome dele era o último a figurar
na lista dos candidatos, no panfleto havia
A FORÇA DA CORRENTE
(Marchinha)
A Força da corrente está no Presidente
Um bom Governador já temos sim senhor
Queremos nesse pleito
Para nosso Prefeito
O MARIO COVAS que é moço lutador!
O MARIO COVAS é o ideal
Vai trazer para Santos um progresso
colossal
O MARIO COVAS sendo eleito
É o meu desejo
Quem anda para trás... Ei!
É caranguejo!
CONSELHO DE AMIGO
(Marchinha)
OLHE MEU AMIGO!
Tenho um recado para você
Para Prefeito Municipal
Queremos MARIO COVAS
Porque é o ideal
Ele é honesto?
É sim senhor!
Trabalhador?
É sim senhor!
O MARIO COVAS não precisa de confete
Eu voto nele nem que chova canivete
E não precisa serpentina nem confete
Eu voto nele nem que chova canivete
Com o apoio de Jânio, e concorrendo
pelo PST, a campanha de Covas utilizou
grandemente os símbolos janistas, como
a girafa com a vassoura. Um leque foi
produzido e distribuído. Nele, de um lado,
havia a fotografia de Covas; do outro, as
letras de duas marchinhas cantadas à época:
A Força da Corrente e Conselho de Amigo.
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A18
Aos 30 anos, mas com cara de 25, Mario Covas
fez a foto com a esposa, Lila, e os três filhos
para mostrar que tinha responsabilidades
os seguintes dizeres: “Não se esqueça – o
último será o primeiro!”. Um “X” ao lado
do nome de Mario Covas, já impresso no
panfleto, marcava a opção que o eleitor
deveria copiar na hora do voto.
Justiça e seriedadedesde o início
Ao lado de Mario Covas, na chapa, estava o
candidato a vice, Nelson Noschese. Após o
sufrágio, apenas 5.917 votos separaram ambos
do candidato eleito, Luís La Scala Junior, que
obteve 28.286 votos, mas não chegou a tomar
posse, pois morreu logo depois, vítima de
um acidente de automóvel. Esse fato gerou
uma controvérsia na cidade. Uns diziam que
o candidato a vice era quem deveria assumir
a prefeitura, outros defendiam a diplomação
do segundo candidato mais votado. Mas a
discussão não foi longe, pois o próprio
Covas resolveu a questão, afirmando que o
vice deveria assumir. O fato foi de tamanha
repercussão para a história nacional que
o Supremo Tribunal Federal referendou
o entendimento de Covas, criando uma
jurisprudência que seria invocada, anos mais
tarde, para garantir a posse de José Sarney,
o vice de Tancredo Neves. A Covas restou
esperar mais um ano para candidatar-se
novamente, desta vez, a deputado federal.
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 19
osvaldo martins, amigo de covas e Jornalista, relembra aqui momentos da campanha à preFeitura de santos. olhando as Fotos de época do acervo do centro de memÓria da Fundação mario covas, osvaldo nos aJuda a contar a histÓria. acompanhe.
memória do palanqueanos 60
“Nesse almoço do Rotary Clube, em Santos, Mario
Covas faz uma palestra. Sobre a mesa, o jornal
do dia, lido do começo ao fim. À esquerda de
Mario Covas está Jorge Bechara, ex-secretário de
Turismo da cidade e dono da Casa do Rádio, uma
loja de eletrodomésticos”
“Aqui, Mario Covas discursa em comício de sua
campanha a prefeito de Santos, em 1961. O
slogan ‘Nunca foi tão fácil escolher o melhor’ era
reciclado. Ele foi criado três anos antes para a
campanha de Carlos Alberto Alves de Carvalho
Pinto ao governo do Estado de São Paulo”
“Covas ouve eleitora em meio aos participantes
do comício que acabara de fazer. Na mão
esquerda, o texto do discurso”
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A20
“No palanque, está o microfone da extinta
Rádio Cacique, registrando a fala do
candidato. À esquerda de Mario Covas, Átila
Casal, ex-secretário de Turismo de Santos e
comerciante de café. Ao fundo, o pescoço de
uma enorme girafa, símbolo da campanha”
“No Caminhão da
Vitória, enfeitado com as
vassouras-símbolo de Jânio
Quadros, um sindicalista
assume o microfone
para defender o voto no
engenheiro Mario Covas”
“Líderes sindicais e apoiadores
da campanha estavam sempre
no palanque de Mario Covas”
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 21
“A girafa, símbolo da campanha,
rouba a cena no comício. Por
que uma girafa? Porque Covas
era um candidato ‘à altura’ do
cargo. Estima-se que o criador da
girafa tenha sido o Dino Andrade,
publicitário da agência santista
Sinex, responsável pelo visual
da campanha. Bom desenhista
e caricaturista, Dino publicava
charges no jornal A Tribuna”
“Ao final do comício, Mario e Lila Covas se
misturam aos apoiadores da campanha.
De cabelo liso, à esquerda do candidato,
está Gilberto Freitas Guimarães, um
entusiasta; de chapéu, Nego Orlando,
leão de chácara do Samba Danças. Atrás
de Lila está seu irmão, Titi”
“Lila Covas, à direita do marido,
acompanha o candidato
a prefeito em evento de
campanha com um grupo
de mulheres santistas. Ela
sempre estava por perto”
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A22
a soFisticação dos materiais de campanha atuais era menos que um sonho no começo dos anos 60, quando mario covas concorreu à preFeitura de santos. prevaleciam as visitas às comunidades, os comícios e a veiculação de anúncios nos Jornais impressos.em santos, a maior Força política era do Jornal a tribuna, que apoiou a candidatura de mario covas, graças a seu cunhado, Fausto gomes, comerciante bem relacionado na cidade.veJa alguns itens dessa campanha.
material de campanhaanos 60
Boa parte da comunicação dos passos
de Mario Covas durante a campanha a
prefeito era veiculada nos jornais, como
o anúncio da participação na TV (acima)
e do roteiro de comícios (ao lado)
Uma das raras peças da campanha
de 1961, o pin com a imagem da
girafa covista e a vassoura janista era
obrigatório na roupa dos correligionários
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 23
O programa de governo e as providências
planejadas por Mario Covas para
conter os deslizamentos nos morros
santistas também ganharam as
páginas do jornal A Tribuna
Publicadas no jornal A Tribuna, de Santos,
as charges tratam Mario Covas como o
candidato de renovação da envelhecida
política santista (no alto, à esquerda) e
o cavaleiro habilidoso que iria compor
com outras figuras proeminentes locais
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A24
a carreira política de mario covas decola em 1962, quando concorre auma vaga de deputado Federal e ganha
rumo à câmara doS deputadoS
anos 60
Na carta de princípios, assinada por Covas
e Martins e publicada em jornal santista,
os candidatos apareciam em fotos com suas
famílias e seus ideais eram enumerados num
longo texto datado de 30 de setembro de
1962. Das idéias explicitadas, destacavam-
se a valorização da família, do respeito às
instituições, da ética e da honestidade:
A candidatura à prefeitura de Santos permitiu a Mario Covas arrebanhar um eleitorado de proporções suficientes para levá-lo à Câmara Federal: na eleição de 1962, ele entrou na disputa por uma vaga de deputado pelo PST e se elegeu com 30.976 votos. O número com que concorreu era o 615. Na mesma chapa, estava o candidato a deputado estadual Osvaldo Martins.
Num dos panfletos de campanha, os dois apareciam em foto, lado a lado; ao centro, os escritos “Candidatos janistas”, abaixo, o lema “Idealismo, trabalho e renovação”.
Santinho da campanha de Mario Covas
a deputado federal em 1962. O acento
agudo no a, de Mario, sumiria do nome
do candidato nas eleições seguintes
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 25
Mario Covas (à esq.), candidato a deputado federal, e Osvaldo Martins (à dir.), a
deputado estadual, posam com suas famílias para a carta de princípios
O credo da dobradinha de candidatos do PST, escrito em 1962, seria revisto e ampliado por Covas
em 1968, às vésperas do AI-5, e após os dez anos de cassação de seus direitos políticos
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A26
“CREMOS na Família, célula primeira da
sociedade, na infância, e na juventude,
credoras do melhor de nossos esforços e
sacrifícios;
CREMOS na harmonia e independência dos
poderes constituídos legalmente, alicerce da
ordem jurídica, econômica e social;
CREMOS na Pátria, Livre, independente
e soberana, mercê do trabalho de seus
filhos, e da predestinação da nacionalidade
brasileira; e, porque
CREMOS, daremos de nós a parcela de
trabalho e idealismo que nos compete, na
concretização das aspirações populares, que
nos propomos representar.”
Depois de eleito, Mario Covas mostrou que
não desejava ser apenas um deputado a
mais. Logo, tornou-se o vice-líder do PST
na Câmara, ficando em evidência para a
sociedade, para os colegas de mandato e
para os ocupantes do poder.
O primeiro mandato de Mario Covas
como deputado foi de bastante trabalho,
como demonstrado pelos 23 projetos de
lei apresentados. Dentre esses, pode-
se destacar o projeto que autorizou o
abatimento da renda bruta da pessoa física
no imposto de renda relativo ao exercício
financeiro (01/08/1963); o projeto que alterou
a redação do artigo 33, “caput” do decreto
número 51.900, de 10 de abril de 1963, que
elevou os limites para opção pela tributação
baseada no lucro presumido; o projeto que
dispôs sobre o recebimento integral do 13º
salário a todo empregado que, na ocasião do
seu pagamento, se encontrasse em gozo do
seu benefício-enfermidade; o projeto que
obrigou os produtores a afixarem os preços de
venda nos rótulos dos produtos de primeira
necessidade, e o projeto que acrescentou
parágrafo ao artigo 20 da lei número 2.800
de 18 de junho de 1956, criando o Conselho
Federal e Regional de Química. Vários
assuntos e temas foram contemplados nos
projetos de lei do deputado Mario Covas. Mas
algo mais sério estava por vir. Com o golpe
militar de 1964 e a derrubada do presidente
João Goulart, o país começava um processo
de endurecimento político contra o qual
Covas iria se contrapor ferozmente.
O fim do pluripartidarismo
Após o Ato Institucional nº 2, que extinguiu
o pluripartidarismo, Covas filiou-se ao MDB
(Movimento Democrático Brasileiro), partido
de oposição que ajudou a fundar e pelo qual
foi reeleito deputado em 1966, tornando-
se o seu líder na Câmara em março do ano
seguinte. A seu lado estavam outros políticos
que se tornariam conhecidos, como Ulysses
Guimarães, Tancredo Neves e André Franco
Montoro. Como líder da oposição, Covas
tentou derrubar os projetos do governo que
limitavam ainda mais a tênue democracia
vigente. Em 23 de julho de 1968, Covas
conseguiu, através de requerimento, criar
uma Comissão Parlamentar de Inquérito
para apurar os ataques contra o Teatro Ruth
Escobar que, em 18 de julho, fora vítima
durante a encenação da peça “Roda Viva”, de
Chico Buarque, e as origens das organizações
Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e
Movimento Anti-Comunistas (MAC).
Tanto embate e participação política
resultaram em perseguição. Em 1968,
quando o deputado Márcio Moreira Alves
fez um discurso inflamado contra a ditadura
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 27
Covas discursa em defesa de Márcio Moreira Alves, em
1968; abaixo, material da campanha à reeleição pelo MDB
que se avizinhava, os militares requisitaram
à Câmara licença para processá-lo, o que
foi imediatamente rejeitado por Covas, que
articulou a sua rejeição. Em 12 de dezembro
de 1969, Covas discursou em defesa de Márcio
Moreira Alves. A licença para processá-lo foi
de fato negada, mas a reação do regime
militar foi violenta, com a edição do Ato
Institucional nº 5, um dos mais poderosos
instrumentos de arbítrio que o país conheceu,
fechando o Congresso e cassando mandatos.
Mario Covas foi preso e levado para um
quartel do Exército em Brasília, onde ficou
por oito dias. Ao sair, ficou preocupado, pois
o seu nome não constava da primeira lista
de políticos cassados pelo regime. Covas
temia que a ausência significasse para a
opinião pública e os colegas algum tipo de
acordo realizado com os militares. Mas em
16 de janeiro de 1969, um mês e três dias
depois da promulgação do AI-5, Mario Covas
foi destituído do cargo e teve seus direitos
políticos suspensos por dez anos.
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A28
Após dez anos de cassação, Mario Covas é eleito presidente do diretório estadual paulista do MDB
recuperados os direitos políticos, mario covas voltou às campanhas, elegendo-se deputado em 1982 e senador em 1986
da câmara ao Senadoanos 80
Enquanto durou a cassação de seu mandato de deputado federal, Mario Covas
dedicou-se à iniciativa privada. Montou uma companhia de importação e exportação,
mas não teve muito sucesso. Acabou transferindo-se, primeiro, para uma empresa
de engenharia de um ex-colega da Escola Politécnica e, depois, para a Ductor, firma
que ganhou a concorrência para desenvolver o projeto de gerenciamento do metrô da
cidade do Rio de Janeiro. Covas trabalhou na Ductor até 1982.
Mesmo cassado, Mario Covas jamais deixou de lado a atividade política. Acompanhava de perto o
crescimento do MDB e participava intensamente de muitas reuniões com diversas lideranças oposicionistas
ao regime militar. Nas eleições de 1974, o partido deu sinais claros de fortalecimento, elegendo 15
senadores e 165 deputados federais. Nos pleitos seguintes, mesmo não podendo concorrer, Mario Covas
coordenou a candidatura de Fernando Henrique Cardoso ao Senado, participando inclusive de comícios.
Fernando Henrique elegeu-se senador suplente de Franco Montoro.
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 29
Em 16 de janeiro de 1979, Mario Covas recuperou
seus direitos políticos. Ao discursar em Santos,
no Teatro Independência, reafirmou os valores
democráticos e mandou recado aos militares,
dizendo que nenhuma de suas convicções
havia sido abalada com o ostracismo a que
fora arbitrariamente submetido. Em setembro,
foi indicado a presidente do diretório estadual
do MDB paulista. Apoiado por Franco Montoro
e Fernando Henrique Cardoso, Mario Covas
disputou o cargo com Alberto Goldman, que
era o indicado de Orestes Quércia. Para evitar
uma divisão no partido, optou-se pela chapa
única, com Mario Covas na presidência e Alberto
Goldman na secretaria-geral. No mesmo ano,
o regime militar, procurando enfraquecer a
oposição, editou um novo ato, que extinguiu
o bipartidarismo. Imediatamente, os políticos
oposicionistas fundaram o PMDB, do qual Covas
tornou-se o presidente do diretório paulista.
Nas eleições de 1982, o PMDB concorreu ao governo
do Estado de São Paulo com Franco Montoro. De
olho na vaga a vice-governador, estavam Covas
e Quércia, nomes fortes do partido. Novamente,
para evitar uma divisão interna, Covas desistiu da
disputa e dedicou-se à candidatura a deputado
federal. Seu número nessa eleição foi o 554.
No panfleto de campanha, em cor alaranjada,
um longo texto contava a história do engenheiro
santista, desde o primeiro mandato até ser
cassado pelo regime militar: “Com destacada
atuação na Câmara Federal, Mario Covas foi
incluído durante seis anos consecutivos na lista
dos dez melhores deputados pelos jornalistas
credenciados no Congresso Nacional. Líder da
oposição na Câmara, ele comandou a resistência
democrática que negou licença para processar o
deputado Márcio Moreira Alves”.
A peça da campanha eleitoral de 1982 explicava
ao eleitor a importância que teve Mario Covas
na fundação e na consolidação do partido: “O
PMDB nasce e se forma em todas as cidades
do Interior do Estado e em todos os bairros da
Capital, organizando-se em 608 diretórios a
partir de diretrizes democráticas, ou seja, com
o absoluto predomínio das bases partidárias em
todas as decisões. Mario Covas sempre esteve ao
Iado dos militantes do PMDB e sempre colocou os
interesses do partido acima de tudo”.
Panfleto da campanha de Mario
Covas a seu terceiro mandato como
deputado federal, em 1982
O texto terminava enfatizando a sua convicção
política, que sempre foi a de defender a ética e
o interesse geral: “A ação política de Mario Covas
está vinculada à construção de uma sociedade
justa e democrática para todos os brasileiros.
Sua pregação tem como objetivo o interesse
das grandes maiorias e a valorização das classes
trabalhadoras. Para Covas, ‘mais importante que
falar pelo povo é encontrar os meios pelos quais
o povo fale por sua própria voz’”. No panfleto,
em letras maiúsculas, estavam escritas as ideias
que se tornaram lemas da campanha: “Covas
não apenas apóia o trabalhador. Covas trabalha.
Covas não apenas prega democracia. Covas faz
democracia”. Em novembro de 1982, foi eleito
com 300.391 votos para assumir seu terceiro
mandato na Câmara de Deputados.
Mario Covas tentou a candidatura ao governo
estadual, mas Orestes Quércia já havia ocupado
a vaga; o próximo passo, então, foi candidatar-
se ao Senado Federal, em 1986, para participar
diretamente da formulação da nova Constituição
brasileira, prevista para ser promulgada em 1988.
Na campanha ao Senado, as peças da campanha
de Mario Covas eram principalmente os bottons,
as viseiras, as sacolas e os adesivos. Em todos,
estava estampado o seu número, 151. Num dos
bottons, os seus marqueteiros inscreveram a
frase: “Levo São Paulo no peito”.
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A30
No alto e ao lado, cenas
da convenção do MDB com
Mario Covas, como presidente
do diretório regional
paulista, e Alberto Goldman,
como secretário-geral
Acima, Mario Covas dá
entrevista em 16 de
janeiro de 1979, data
em que recuperou seus
direitos políticos
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 31
Orestes Quércia foi eleito governador e, pelo
bom desempenho do PMDB nas eleições, Covas
teve votação histórica – a maior já registrada
na vida política brasileira: 7.785.667 votos.
Em 1º de fevereiro de 1987, ele foi empossado
senador. Durante os trabalhos da Assembléia
Nacional Constituinte, Covas foi apontado como
o parlamentar de atuação mais destacada na
sua primeira fase, estando presente em 80%
das votações gerais, realizando discursos que
mudaram o rumo dos resultados, assumindo
posturas nacionalistas e, por vezes, favoráveis
à estatização. Sozinho, ele não tinha condições
de enfrentar o chamado bloco do “centrão”, que
se caracterizava pela postura conservadora em
vários assuntos pertinentes à nova Constituição.
Por isso, mostrou-se um hábil negociador ao
conseguir levar adiante assuntos tidos como
indiscutíveis, como foi o caso da reforma agrária.
Bottom (acima), sacola de tecido, viseira,
mais bottons e adesivos da campanha
de Mario Covas a senador, em 1987
Em maio de 1982, Mario
Covas desiste de postular
a candidatura a vice-
gorvernador, cedendo a
vaga para Orestes Quércia
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A32
Mario Covas faz o que mais gosta: discurso inflamado na tribuna do Senado Federal; foi o
candidato que obteve a maior votação para o cargo, arrebanhando 7,7 milhões de votos
As bandeiras da campanha do PMDB em 1987 unem dois grandes adversários: Mario Covas,
candidato ao Senado Federal, e Orestes Quércia, postulante ao governo do Estado de São Paulo
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 33
O supertucano MC ilustra o rótulo do
democrático pó de guaraná da campanha
até pÓ de guaraná entrou no arsenal da campanha de mario covas à presidência da república pelo recém-nascido psdb
o deSafio da corrida preSidencial
anos 80
Em 25 de junho de 1988, surgiu o Partido
da Social Democracia Brasileira, o PSDB, que
nasceu da vontade de nomes mais do que
conhecidos da política brasileira, como o
próprio Mario Covas, Fernando Henrique
Cardoso, José Serra, Franco Montoro,
Pimenta da Veiga e José Richa. Havia o
consenso de que o novo partido precisava
de um candidato à Presidência da República,
inclusive para consolidar suas bases. Mesmo
não sendo favorável a participar da disputa,
por entender que o momento era complexo,
Mario Covas aceitou o desafio e entrou na
corrida para a primeira eleição direta para
presidente desde o golpe militar de 1964.
No dia 28 de junho de 1989, Mario Covas
apresentou as bases de sua campanha à
Presidência da República. O lema principal era
o chamado Choque do Capitalismo. Covas dizia
que era hora de o Estado voltar a cumprir as
funções para as quais havia sido criado e que,
nas últimas décadas, tinha deliberadamente
A atuação incansável de Mario Covas fez vários políticos do PMDB se unirem em favor das convicções por ele defendidas. Um deles, entretanto, passou a fazer-lhe oposição velada, atravancando certas tomadas de decisão da ala mais conservadora do partido. O opositor era Orestes Quércia. Essa antiga rivalidade e um sério distanciamento pessoal e político entre ambos provocou o afastamento em definitivo de Mario Covas e seus aliados da cúpula do PMDB, tornando irreversível o racha no partido.
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A34
Covas discursa sobre o Choque do Capitalismo no Fórum Paranaense de Debates; abaixo, panfleto de campanha
negligenciado. Sua idéia era voltar a focar
as diretrizes do Estado para as suas funções
típicas e não mais tê-lo apenas como um
produtor direto de bens.
A campanha de Mario Covas a presidente
contou com vasto material. Foram
confeccionados bonés, viseiras, agendas de
telefone, canetas, chaveiros, saca-rolhas,
sacolas, batons e pó de guaraná, num
recipiente que se assemelhava a um pequeno
pote de remédio efervescente de vitamina
C, onde estava escrito “Guaraná Tucano –
contém alto grau de democracia”, o que lhe
garantiu enorme sucesso.
Do material escrito, um dos panfletos
mostrava Covas acenando, com uma frase
sua bem ao lado: “O PSDB fará o que deve ser
feito porque conhece o sofrimento do povo e
tem a força deste ensinamento para vencer”.
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 35
Em outro material, o partido exibiu, bem
resumidamente o que seria o programa
de governo do candidato a presidente da
República, com doze itens:
. Democracia com intensa participação do
povo;
. Acabar com a inflação;
. Mais empregos e melhores salários;
. Educação e saúde para todos;
. Reforma agrária e apoio ao uso produtivo
da terra;
. Política agrícola para a produção de
alimentos;
. Primeiro o povo brasileiro, depois a dívida
externa;
. Administração descentralizada e governo
controlado;
. Combate intransigente às mordomias, ao
privilégio e à corrupção;
. Mais casas para quem precisa;
. Defesa do meio ambiente e da natureza e
. Apoio ao desenvolvimento da ciência e da
tecnologia
Jornais de campanha foram cuidadosamente
elaborados, redigidos e diagramados pela
equipe de Mario Covas. Num deles, a foto
aparece em tamanho grande na primeira
página, em meio a uma multidão de anônimos.
Foi pensada exatamente para transmitir a
idéia de que Covas era igual aos que nele
depositavam a confiança do voto. A legenda
era clara: “Mario Covas: a cara do Brasil”.
Nessa edição, os assuntos abordados
com ênfase eram o discurso no Senado, a
convenção do PSDB que o indicou oficialmente
Mario Covas Presidente
Compromisso e soluções
. Acabar com o analfabetismo
. Combater doenças endêmicas
. Construir moradias de baixo custo
. Punir exemplarmente todo e qualquer
caso de corrupção
do governo ou fora dele
. Oferecer melhor transporte a população
. Promover a reforma agrária
. Defender o meio ambiente
. Apoiar o desenvolvimento da ciência e
da tecnologia
As metas de gestão de Mario Covas eram
apresentadas como o programa de governo de
seu partido, o novíssimo PSDB
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A36
e a opinião do próprio candidato quanto
às reais chances de se eleger presidente
da República. Eram tempos de otimismo,
apesar de as chances não serem tão boas.
Os panfletos de campanha reproduziram
diversas posturas quanto à candidatura de
Mario Covas à Presidência.
Na campanha presidencial, os panfletos
tornaram-se mais sofisticados, ganhando a
feição de jornal. Assim, davam um ar de notícia
fresca às atividades do candidato
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 37
Alguns veículos de comunicação expuseram
opiniões, que tiveram diversos trechos
reproduzidos no panfleto: “O jornal ‘O
Estado de São Paulo’ informou que o discurso
de Mario Covas no Senado teve grande
repercussão, sendo aplaudido inclusive
pelos líderes de todos os outros partidos
com grande entusiasmo. O ‘Jornal da Tarde’
afirma que foi um discurso de estadista.
Para o ‘Jornal do Brasil’, Mario Covas colheu
êxito indiscutível em seu discurso, saudado
em prosa e verso, a esquerda e a direita, no
mais miraculoso consenso.”
Adversários políticos não economizavam
elogios a Covas, como o deputado
Mauricio Correa (PDT-DF), que afirmou
que a candidatura emprestaria à eleição
“um padrão de ética altíssimo”, e Jarbas
Passarinho que, após o discurso do tucano
no Senado, disse que havia sido a primeira
apresentação de um “programa de governo
completo”. De acordo com a direção da
campanha do PSDB, importantes apoios
ingressavam a cada dia, como os aeroviários
de São Paulo, os metalúrgicos e professores
de Santos, os portuários e trabalhadores
rurais, representados pela Contag.
Ainda segundo informações de um dos
panfletos de campanha, professores
da USP montaram três núcleos do PSDB
e prepararam kits de propaganda do
candidato para entregar aos estudantes que
viajaram nas férias, com o slogan: “Se vai
sair de férias, leve Covas em sua viagem”.
Diversas personalidades do meio artístico
e dos esportes declararam o voto em favor
do tucano, como Carlos Alberto da Nóbrega,
Sócrates, Arrigo Barnabé, Gianfrancesco
A força da democracia foi o mote da campanha de Mario Covas à Presidência da República
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A38
angelo perosa FotÓgraFo da campanha
“Minha maratona covista começou na campanha
presidencial. Recebi uma missão do Osvaldo
Martins, o coordenador, para fazer uma foto
do candidato para um outdoor. O publicitário
Marcelo Magalhães fez a criação, e a mídia já
estava comprada. A ideia era fazer uma foto que
ressaltasse os olhos do Covas com a frase ‘Olho no
olho, ele é o mais competente’. Fui para Brasília
cumprir a tarefa e levei uma armação de óculos,
sem as lentes, igual a que o candidato usava. Foi
uma confusão total. A foto seria feita no estúdio
do programa de televisão. Tudo acertado, no
primeiro flash estourou tudo. As instalações eram
220 volts, e o equipamento de luz, 110 volts. O
Covas não podia fotografar e nem gravar o programa de televisão. Foi o maior bate-boca entre ele
e o Woyle Guimarães. Eu saí correndo e consegui achar um transformador em Brasília. Comprei,
voltei para o estúdio, religamos tudo, e o Covas irritadíssimo. O olho dele parecia uma brasa,
mas a foto foi feita. Saí correndo para o aeroporto e voltei para São Paulo. Fazia 28 horas que o
laboratório fotográfico estava aberto, esperando para fazer a revelação.”
Guarnieri, Jô Soares, Arnaldo César Coelho,
Juca Kfouri, Lima Duarte, Toquinho, Rita
Lee e Roberto de Carvalho. Numa pesquisa
realizada na Faculdade de Comunicação
Cásper Líbero, Covas aparecia em primeiro
lugar com 36% dos votos, seguido por Lula,
Brizola e Collor. A campanha de Mario Covas
enfatizou bastante a questão da ética e da
Outdoor feito com óculos sem lentes e um candidato irritado com os problemas de equipamento
honestidade na política, por ele defendidas
desde o seu ingresso na vida pública. Um
samba foi composto por Hélio Turco, Jurandir
e Alvinho com uma letra mais que divertida
e que continha todos os ingredientes para
conquistar o eleitor indeciso. A música
falava de esperança, ética e uma necessária
“libertação” do sofrido povo brasileiro:
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O Brasil de Mario Covas
(Vai Mudar)
Samba de Hélio Turco, Jurandir e Alvino
Brasil... oh meu Brasil
Chegou a hora
O sol da liberdade vai brilhar
Não será em vão a nossa luta
Hoje o mundo pergunta
Quando este gigante irá despertar
O pobre chora de agonia
O rico embala sua rede (bis)
O meu Brasil ainda é
Só um mapa na parede
Vai mudar com Mario Covas
Tudo isso vai mudar
Chega de corrupção
Colarinho branco
Seu lugar é na prisão
As injustiças sociais
Não existirão jamais
No amanhã republicano
Quem voa mais alto (bis)
É o tucano
Apesar de tanto esforço e trabalho na
campanha, a experiência política de Mario
Covas o permitia enxergar que seu nome
não estava entre os favoritos da corrida
presidencial. Mesmo assim, em alguns
momentos, ele chegou a acreditar que
poderia tornar-se uma surpresa.
Mas não foi assim. Depois que as urnas foram
abertas e todos os votos contabilizados, o
resultado conferiu a Covas o quarto lugar,
com 11,52% da preferência do eleitorado
brasileiro. Em seu Estado, ele ficou em
segundo, atrás de Fernando Collor. Houve
uma tentativa de Leonel Brizola, no terceiro
posto, de fechar acordo com o segundo
colocado, o candidato do PT, Luis Inácio Lula
da Silva, para que ambos renunciassem em
favor da candidatura de Covas.
Brizola dizia que “apenas Covas conseguiria
derrotar Collor no segundo turno”. Lula não
aceitou. Mesmo assim, obteve o apoio do
tucano, explicitado em palanque, no Rio.
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A40
Woyle guimarães coordenador do programa de televisão
“Eu tinha acabado de sair da TV Globo quando
o Osvaldo Martins me convidou para fazer o
programa de televisão da campanha presidencial
de Mario Covas. Fiquei muito honrado e fui para
Brasília. Naquele momento, a agência DPZ já
estava envolvida na campanha de um partido
político que estava nascendo, o PSDB, que trazia
uma nova visão política. O Covas que conheci
era explosivo, autêntico e tinha consciência do
papel que representava como político. À primeira
vista era formal, preocupado com a campanha,
mas depois foi ficando alegre e expansivo. Era
reflexivo e tinha medo de ser transformado em
boneco de TV. Ele queria gravar como se estivesse
em uma tribuna, onde podia ser eloquente,
falava de cima para baixo e com maior volume
de voz. Mas na televisão tinha que ser diferente.
Começaram as gravações e a campanha na
rua era tumultuada por ser a primeira de um
partido que não tinha base pelo país. Em alguns
Estados, nem lugar para comício tinha, e muitas
vezes o candidato chegava e não havia ninguém
esperando. Foi uma campanha guerreira, com
envolvimento, Covas olhando de frente, falando a
verdade, como sempre. Era um grupo de políticos
idealistas, já com experiência e que acreditavam
que Covas ganharia. No final, escrevi uma carta
para Covas, declarando minha admiração por sua
luta, por seus ideais e sua intransigência com as
coisas malfeitas. Era uma carta de carinho. Covas
respondeu meses depois, já em campanha para
o governo de São Paulo. A resposta veio com
um pedaço de discurso e uma dedicatória. Vou
guardar isso para sempre.” Bottons da campanha presidencial
de Mario Covas
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 41
Saca-rolhas e batom integraram o material de campanha de Mario Covas
Para lembrar do candidato tucano na corrida presidencial, canetas esferográficas com tinta vermelha
e azul, além de sacolinhas plásticas e agenda de telefones
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A42
Eleitora de Mario Covas ganhava lápis preto
para os olhos; para os homens, chaveirinhos
dos mais diversos formatos e cores
Viseiras e bonés para a cabeça do eleitor
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 43
sem muito entusiasmo, em 1990 mario covas concorre ao posto de governador de são paulo, mas perde para Fleury
por um goVerno honeStoanos 90
No ano seguinte à campanha presidencial, Mario Covas concorreu ao governo
do Estado de São Paulo. Foi à luta sem o mesmo entusiasmo da campanha
anterior, mas, como homem do partido, aceitou a convocação das principais
lideranças do PSDB e de suas bases eleitorais. O partido precisava de um
candidato forte, e Covas, novamente utilizando o número 45, adotou como um
dos lemas o “Hoje, seu voto pode valer um governo honesto”, estampado em
panfletos de sua campanha eleitoral.
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A44
Compromissos de Mario Covas com São Paulo
• Estimularocrescimentodesua
economia,emparceriacomainiciativa
privadaemunicípios,comprojetos
quetransfiramrendaparaosmais
pobres,comoumforteprograma
deconstruçãodemoradias.
• Cuidardaspessoasedomeio
ambienteemquevivem,preservandosua
saúde,recuperandoseusrioseseusolo,e
exterminandoaimperdoávelincompetência
quecausouosucateamentodoshospitais.
• Fortaleceropatrimôniodeseus
habitantes,modernizandosuaeconomia,
melhorandoeampliandoainfraestruturae
investindonaeducação,nosequipamentos
deensinoenosprofessores.
• Administrarcomcompetência,
autoridade,sensatez,austeridade,
evalorizaçãodoserviçoedos
servidorespúblicos.
• Preservarsuasconquistas
culturaiseeconômicas,paraobem
doBrasiledosbrasileiros.
A campanha de 1990 caracterizou-se pela
ampla utilização de cores, como o amarelo,
o azul, o verde, o vermelho, o laranja e a
diversidade de apetrechos, como apitos,
chaveiros, camisetas, adesivos e papéis
de vários tamanhos e formas. A eleição
acabou vencida pelo candidato de Orestes
Quércia, Luiz Antonio Fleury Filho. Covas não
conseguiu sequer disputar o segundo turno.
Apitos de todas as cores marcaram a barulhenta
campanha ao governo de São Paulo
Mario Covas, em campanha ao governo do Estado de São Paulo, ergue os braços com Fernando
Henrique Cardoso (à esq.), André Franco Montoro e Paulo Renato (à dir.)
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 45
zulaiê cobra ribeirocandidata a vice na chapa de mario covas
“Mario Covas me
chamou no dia 1 de
junho de 1990, e a
convenção era no dia 3.
Fiquei muito contente,
encantada, era viúva
recente, não sabia se
sairia candidata a deputada federal, o que significava
mudar para Brasília, e meus filhos eram pequenos.
Deputada estadual não era do meu feitio, eu queria
fazer reformas constitucionais. Mario Covas me chamou
para vice, ele ia apresentar meu nome na reunião da
executivae. Ele falou: ‘Só saio candidato se você for
minha vice e não quero você lá’. Eu não fui. Tinha cinco
pré-candidatos a vice, todos homens, Geraldo e Robson
Marinho entre eles. Eu não tinha sido nada ainda, e ele
cortou qualquer manifestação contra mim: ‘Ou aceitam
ou saio e não volto!’ Fui para a convenção, tenho belas
fotos, muito orgulhosa. É bom que se saiba que em 1990
era muito difícil mulher ser vice. No comício, em carreata,
perguntavam: ‘Quem é aquela mulher ali?’”
No corpo a corpo no interior, Covas cumprimenta um simpatizante de sua candidatura
Na camiseta, o tucano aparece
discreto, mais gráfico, dando força a
Covas, em letras graúdas
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A46
O candidato, rodeado de crianças. Atrás e à esquerda dele, Antonio Perosa, deputado federal
Convenção do PSDB. Essa foto
foi feita para o encerramento
da campanha no programa de
televisão. Foram ao estúdio:
Ruth Escobar, Rubens Lara, José
Serra, Franco Montoro, Ricardo
Trípoli, José Maria Guimarães
Monteiro, Paulo Kobayashi,
Getulio Hanashiro, entre outros
Pausa na campanha para um cafezinho no
bar com Zulaiê Cobra, candidata a vice. Na
mão de Zulaiê, os santinhos de Covas
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 47
De volta aoCongresso Nacional
Depois de perder a disputa para o governo
de São Paulo, Mario Covas voltou à vida
parlamentar num momento importante
para o país. Logo ele, que a vida toda
defendeu a ética e a honestidade, deparou-
se com um processo de impeachment do
então presidente Fernando Collor de Mello,
acusado de estar ligado a Paulo César Farias
na suposta operação de um poderoso
esquema de corrupção no governo federal.
Fernando Collor renunciou ao mandato
em 29 de dezembro de 1992, antes de seu
impeachment ser votado no Congresso.
Quando o vice Itamar Franco assumiu a
Presidência, no PSDB foi Covas quem primeiro
defendeu a tese de um governo de união
nacional em torno de Itamar. Em janeiro
de 1993, Fernando Henrique Cardoso deixou
o Senado para assumir o Ministério das
Relações Exteriores. Covas, então, assumiu a
liderança da bancada do partido.
A passagem de Mario Covas pelo Senado
foi de intenso trabalho. Os seus projetos
foram quase sempre pautados pela defesa
do interesse social, das minorias e da
transparência no exercício da política.
Um deles, de 19 de abril de 1990, instituía
renda mensal vitalícia em favor de pessoas
portadoras de deficiência e dos idosos; outro,
de 24 de abril do mesmo ano, dispunha sobre a
proteção do mercado de trabalho da mulher.
Mario Covas também apresentou projeto de
lei em favor da regulamentação do regime
de trabalho da categoria dos trabalhadores
domésticos, um projeto para regulamentar
as profissões de engenheiro, arquiteto e
engenheiro agrônomo e, inclusive, numa
arrojada empreitada, projeto para disciplinar
a prática do aborto.
Na questão da transparência, nem os
partidos políticos escapavam de Covas: um
projeto de lei de 24 de setembro de 1992
dispunha sobre a imunidade tributária
dos partidos políticos, vedando-lhes a
isenção de impostos na importação de
veículos automotores. Outro projeto tornou
obrigatório, na propaganda eleitoral
divulgada pelas emissoras de televisão, a
apresentação ao vivo dos candidatos; em 16
de abril de 1991, um projeto de lei de Mario
Covas estabeleceu normas para a realização
das eleições municipais que iriam acontecer
em 3 de outubro de 1992. Enquanto senador
da República, Mario Covas presidiu a
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do
Congresso Nacional, encarregada de levantar
as causas do atraso tecnológico do país.
“Na campanha
para o Senado,
Mario Covas
sentava num
banquinho no
estúdio e contava
uma história. Foi
eleito com quase 8
milhões de votos.
Em 1990, ele insistia no mesmo conceito. Mas era
preciso apresentar o programa de governo, e Covas
não aceitava ponderação de não entrar na briga
com Fleury. A campanha começou com 42 pontos
nas pesquisas e terminou com 14. Ele não queria ser
candidato, estava extremamente mal humorado.
Quatro anos depois, ele quis e se elegeu. A coisa
era tão complicada que um dia me ajoelhei aos pés
dele e implorei que gravasse o programa. Mas não
adiantava, qualquer alternativa que eu ou o Marcelo
Vaz apresentássemos ele não aceitava. Mas não
dizia o que queria. Fomos ficando sem programa.”
paulo markuncoordenador do programa de tv
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A48
com Jargões simples e certeiros, mario covas expressou o cansaço do eleitor com políticos que prometiam e não cumpriam, elegendo-se governador em 1994
a reVoluÇão éticaanos 90
Em dezembro de 1993, Mario Covas candidatou-se novamente ao governo de
São Paulo. Nessa campanha, ele ampliou o número de colaboradores para
contribuir com a união do PSDB. Sua proposta para São Paulo era arrojada e
séria: Covas queria inovar em várias frentes, que chamou de “revolução ética”,
“revolução administrativa” e “revolução contra o desperdício”.
Convenção do PSDB, no Anhembi, São Paulo. Mario Covas, muito suado, dá a mão a Fernando
Henrique, Franco Montoro e Robson Marinho, à direita, e a Geraldo Alckmin, José Serra e Antonio
Cabreira, representante do setor rural paulista, à esquerda
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 49
robson marinho coordenador geral da campanha de 1994
“Em 1994, eu estava afastado da vida
pública e recebi o convite de Covas para
coordenar a campanha. Junto com o
convite vieram duas recomendações:
primeiro, que nenhuma briga, nenhuma
disputa, nenhuma fofoca de campanha
eleitoral chegasse até ele. Que tudo fosse
resolvido e estancado antes de chegar
a ele. E, segundo, que fizéssemos uma
campanha de acordo com os recursos
arrecadados e no ritmo dos recursos
financeiros que estivessem disponíveis.
Nunca gastar um tostão além daquilo que
fosse arrecadado, porque ele não tinha
patrimônio pessoal para honrar dívida de
campanha. E assim foi feito.”
Com Mario Covas, não foi diferente. Em
sua campanha, os jargões foram simples
e certeiros, demonstrando a certeza
do candidato de que o povo já estava
cansado de políticos que prometiam
muito e não cumpriam quase nada. Covas
foi direto, exprimindo o pensamento
coletivo num de seus panfletos:
“Quero respeito, experiência e pé no
chão”. Noutro, prometeu, com a frase:
“Compromisso com o Povo” e num outro
impresso, escreveu uma quase profecia
pois, com a foto desenhada do Palácio
dos Bandeirantes ao fundo, em primeiro
plano, lia-se: “Breve aqui Mario Covas”.
“Várias pessoas queriam
ajudar Mario Covas
na Fundação Getúlio
Vargas. Também havia os
engenheiros da Poli que
sempre o acompanharam,
além do pessoal que havia
vivido a experiência da
prefeitura. Além desses,
muita gente procurava a
Casa do Programa. O que
na verdade era um complicador: talvez seja mais fácil
administrar a escassez do que a abundância. Foram
criados 30 grupos de trabalho. Para que não houvesse um
único coordenador em cada grupo, que poderia pensar
que já seria secretário, entregamos o comando a três
pessoas: um político, um ligado a universidade e outro
de empresa. Cada um levou seu próprio contingente.
Era muita gente, a dificuldade era deixar de discutir o
programa, todo mundo queria conversar. Eu não podia
derrubar o entusiasmo nem deixar o programa escapar
de nossas mãos. Era uma loucura. A campanha já nas
ruas e o programa sendo elaborado. Havia divergências,
discórdias, conflitos entre a equipe. E a GW, produtora do
programa de televisão, pressionando. Até que um dia, o
Luiz Gonzalez pega um livrinho qualquer e mostra no ar
como sendo o Programa de Governo. Mario Covas ficou
muito bravo!”
antonio angaritacoordenador do programa de governo e secretário de governo
Mario Covas sabia que iria encontrar um
Estado praticamente falido. Por isso,
planejava de forma muito racional como
iria começar o seu governo se vencesse as
eleições. O ambiente político da época era
muito favorável ao PSDB. Como ministro de
Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso
havia lançado o Plano Real e, praticamente,
selado sua vitória à Presidência da República.
O partido teria uma das melhores votações
de sua curta história.
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A50
Os adesivos tomaram as mais diversas formas e conteúdos na campanha de 1994. Num deles, que
trazia estampado o desenho do Palácio dos Bandeirantes, escapou o acento agudo que tanto irritava
Mario Covas, mas foi profético, com a inscrição: “Breve aqui Mario Covas”
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 51
sergio kobayashi coordenador de inFraestrutura e eventos
“Mario Covas era uma figura ímpar. A gente sempre tinha certeza de que no
palanque, de todos os oradores, o melhor discurso seria o dele. Na campanha,
eram cinco ou até oito cidades por dia e, é claro, que o discurso, para nós,
ficava repetitivo. Mas ele tinha a sagacidade e a experiência de colocar coisas
locais, às vezes fruto de um pequeno briefing. Todos adoravam, paravam
para ouvir e com atenção, pois achavam que aquele era um discurso único,
preparado exclusivamente para eles. Típico orador de instinto humanista, mesmo com sua formação
na área de exatas. Covas era engenheiro, mas um humanista por excelência. Ele sabia que aquilo era
o cerne do processo eleitoral. Mario Covas detestava ficar no comitê. Nós tivemos comitê na avenida
Brasil. Ele foi lá três vezes, odiava, até porque achava que todo mundo que ficava em comitê não fazia
nada. Covas sabia que em eleição era preciso buscar votos, portanto, tinha uma agenda horrorosa
e cansativa. Começava às nove da manhã e era uma verdadeira máquina de caçar votos. Passava
meses comendo sanduíche, de preferência dentro do carro ou do helicóptero para não perder tempo.
Campanha para ele era rua, abraçar as pessoas, abraçar, pedir voto, ouvir reclamação e conversar. Ele
vivia isso como um dos momentos deliciosos de sua vida.”
A verdade é que a campanha foi tão séria
como as outras, mas o clima favorável ao
PSDB oferecia um ambiente de tranqüilidade
ao candidato. Não poderia ter sido diferente
o resultado das urnas, que deu a Covas vitória
fácil sobre o adversário Francisco Rossi.
A combinação de amarelo e
azul utilizada pelo PSDB cede
à predominância do azul nas
bexigas, indicando otimismo com
a candidatura de Mario Covas
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A52
No primeiro turno, Covas obteve
6.574.517
votos.
No segundo turno,
8.661.960
votos
contra 6.771.456 votos do pedetista.
Ao assumir, o Estado estava um pouco pior
do que ele havia imaginado, pois a dívida
vencida já era de, pelo menos,
70 bilhões de reais
e quase toda a arrecadação de impostos
consumia-se no pagamento da folha. Era
preciso pôr em prática o chamado ajuste
fiscal e tentar a renegociação da dívida com
o governo federal.
danilo palásioeditor cheFe do programade televisão
“Lembro que aquele foi um ano
atípico porque não podiam ser usadas
imagens externas nos programas. Foi
uma dificuldade. Na pré-campanha,
nós viajamos pelo interior do Estado e
tínhamos as imagens de todas as obras
que estavam paradas, mas a lei não
permitia, portanto só pudemos usar
fotos. Fizemos vários testes no estúdio e
Mario Covas queria dar o tom do texto.
Ele brigava sempre com o texto. Suas
atitudes deram para a equipe o sentido
de seriedade, que acabou cativando a
todos. As novas regras também proibiam
a computação gráfica, e o cenário
desenvolvido tinha as cores de São Paulo,
portanto, o mais conveniente era usar
roupas claras. Pois bem, Covas chegava
para gravar com as roupas dele, escuras
e com listas. A figurinista apresentava
camisas e gravatas mais adequadas. Covas
olhava e era sempre uma dificuldade
convencê-lo a usar aquelas roupas. O
segundo turno foi com Francisco Rossi.
Foi muito tranquilo. Covas ia muito bem
nas pesquisas, tinha mais estofo político
e muito mais credibilidade.”
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 53
principais realizações do primeiro mandato
O governador Mario Covas também se
preocupou em imprimir qualidade ao serviço
público para melhor atender à população.
A principal ferramenta utilizada por sua
administração foi a tecnologia. Em dezembro
de 1995, foi criado o Programa Permanente
de Qualidade e Produtividade; no ano
seguinte, houve a instalação da Câmara
Paulista de Telecomunicações e Informática.
A ideia era interligar diferentes setores do
governo para tornar as transações mais ágeis
e precisas. Na verdade, o que Covas queria
era criar o “governo eletrônico”, tanto
para aprimorar o atendimento à população
quanto para fiscalizar de perto, e com
precisão milimétrica, os gastos do Estado.
O Cartão Eletrônico de Compras, para o
controle dos adiantamentos de despesas
de funcionários, e a Bolsa Eletrônica de
Compras, destinada a racionalizar e controlar
as aquisições do governo, foram os primeiros
produtos tecnológicos de grande repercussão.
Para acabar com a prestação de contas dos
servidores através de notas fiscais, origem
de fraudes inúmeras, o governo de Covas
implantou cartões de crédito com limites
iguais aos dos adiantamentos.
A ideia de criar a Bolsa Eletrônica foi a de
promover uma espécie de mercado virtual,
pela internet, num ambiente asséptico
de concorrência entre compradores do
governo e vendedores da iniciativa privada.
O passo seguinte foi investir num salto de
qualidade no atendimento ao público. Para
isso, foi criado o Poupatempo – Central de
Atendimento à População, a fim de reduzir
drasticamente o tempo que o cidadão
gastava para conseguir informações nas
A União queria intervir no Banespa e, para
isso, entrou em contato com Mario Covas para
que ele, governador, pedisse a intervenção.
Covas negou: disse que, se o governo federal
queria o banco, que o tomasse por conta
própria, obedecendo aos limites legais. O
problema é que, quanto mais se estendia
a renegociação, mais a dívida paulista
aumentava. Covas, um homem de centro
esquerda, relutou, mas acabou aplicando
a cartilha liberal, pois reconheceu que
era impossível, àquela altura, investir na
melhoria das empresas públicas paulistas,
por isso, aceitou as desestatizações como
parte do seu programa de governo.
Primeiro, foi a Companhia Paulista de Força e
Luz, em novembro de 1997. No mês seguinte,
a Eletropaulo. Em julho de 1998, a CESP foi
privatizada e, no primeiro semestre de
1999, a Comgás. Antes das desestatizações
terminarem, o Estado já havia obtido
condições mais favoráveis para poder
renegociar a dívida com o governo federal.
Todo o dinheiro obtido foi utilizado para
pagar dívidas. Cerca de 120 mil postos de
trabalho foram fechados na administração
direta e nas empresas estatais.
Apesar de as medidas de austeridade sempre
configurarem um perigo para qualquer
político, Covas foi o que mais as consumou
de maneira profunda. Para o cidadão, a
impressão que se tinha é que, apesar das
medidas, o Estado estava fazendo a sua
parte. Não foi possível evitar a privatização
do Banespa, mas a Nossa Caixa foi salva, e
o governo paulista, finalmente, fechou um
acordo para interromper em definitivo a
escalada da dívida que assolava o Estado.
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A54
Na convenção do PSDB, Covas anima os correligionários ao lado de dona Lila, Geraldo e Lucia Alckmin
e Greco, que elegeu-se prefeito de Mauá posteriormente
Em carreata no centro de Campinas, ainda no primeiro turno, José Roberto Magalhães Teixeira, prefeito
da cidade e mais conhecido como Grama; Fernando Henrique Cardoso, Mario Covas e José Serra
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 55
Mario Covas no estúdio da produtora GW, gravando o programa de televisão da campanha
Mario Covas adorava pastéis, mas os que mais gostava eram os feitos por Fofa (à dir.). Ela e a irmã
Lurdinha (à esq.), ambas da Zona Leste de São Paulo, eram militantes do PSDB e covistas de carteirinha
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A56
repartições públicas, para obter ou renovar
documentos. O Poupatempo não só se
consolidou, atendendo a milhões de pessoas,
como foi copiado por outros Estados.
Mario Covas enfrentou outro desafio
assim que assumiu o governo: devolver a
credibilidade à educação pública. À época,
os estudantes das escolas estaduais ficavam
pouco tempo em aula, o material pedagógico
era atrasado ou estava em mau estado, e a
infraestrutura escolar era avaliada como
muito ruim. Através da sua então secretária,
Rose Neubauer, Covas decidiu que era preciso
realizar uma reforma que contemplasse
todos os estudantes da rede.
A proposta era racionalizar a ocupação e
estender o tempo de aula. O objetivo foi
rapidamente alcançado e abriu caminho
para a implantação do sistema de progressão
continuada, já largamente utilizado em
países da Europa. Por esse sistema, o aluno
que não conseguisse a aprovação em uma
determinada disciplina, em vez de repetir
integralmente a série, receberia reforço
escolar no que não conseguiu aprender.
Mas talvez a principal medida adotada
pelo governo Covas foi a informatização
do cadastro de matrículas na rede, que
contabilizou a existência de quase 300
mil matrículas duplicadas, o que gerava
desperdício na compra de merenda e na
contratação de professores.
Na área da habitação, Mario Covas exigiu
modernização. O governo incentivou
construtoras e indústrias da construção
Mario Covas, Lila Covas, José Serra, Ruth Cardoso e Fernando Henrique Cardoso no encerramento
da campanha de primeiro turno, em 1994
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 57
civil a desenvolverem tecnologias para a
realização de testes na CDHU. Um exemplo
dessa proposta foi a implantação das caixas
d´água acopladas aos vasos sanitários, que
economizavam, cada uma, oito litros de
água a cada descarga. Outra alteração foi
a realização de sorteios para a aquisição
da casa própria. Ao contrário de antes,
quando o sistema de escolhas quase sempre
privilegiava afilhados políticos, o novo
método oferecia chances iguais a todos.
O sucesso foi tão grande que milhares de
pessoas acompanhavam os sorteios quando
eram realizados. Mas uma outra inovação foi
tão contundente que marcou a concessão
de casas próprias pelo governo do Estado de
São Paulo. O contrato da nova casa não seria
mais posto em nome do marido, mas da
mulher, que se tornaria a única proprietária
do imóvel. Essa medida foi diversas vezes
ovacionada pelo público que acompanhava
os sorteios. Foi uma escolha mais que
acertada, na opinião de toda a sociedade.
No segundo turno, Mario Covas e Francisco Rossi participam de debate na TV Bandeirantes, mediado
por Joelmir Beting. Duda Mendonça, marqueteiro de Francisco Rossi, seria derrotado de novo na
eleição seguinte, em que pilotou a campanha de Paulo Maluf
No âmbito da Saúde, o governador Mario
Covas encontrou uma situação que beirava o
caos: havia catorze obras iniciadas e jamais
concluídas. Optou, num primeiro momento,
por terminar essas construções e somente
depois planejar o que fazer. Terminada essa
primeira fase, o governo do Estado construiu,
ao todo, quinze hospitais, aumentando para
seis mil o número de leitos disponíveis.
Outra medida foi a criação das chamadas
Organizações Sociais, através de aprovação
da Assembléia Legislativa. Dessa forma,
o governo podia autorizar a assinatura
de contratos de gestão com entidades
beneficentes que recebiam dinheiro estatal
para a contratação de pessoal e compra de
medicamentos, o que facilitava a tomada de
decisões em favor do melhor atendimento
justamente por ser realizada no âmbito
da iniciativa privada. Em Saúde, Covas
não hesitou. Logo no início do mandato,
começou a regularização dos contratos de
trabalho de 12 mil pessoas que, de forma
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A58
No intervalo do debate na TV Bandeirantes, no primeiro turno, o mediador José Paulo de Andrade
toma um café e Covas conversa com Luiz Gonzalez, coordenador do programa de TV da campanha; à
esquerda, o candidato Francisco Rossi
irregular, atuavam como prestadores de
serviços nos hospitais estaduais localizados
no município de São Paulo, criou o programa
“Dose Certa” – garantia de fornecimento de
41 medicamentos básicos aos 645 municípios
do Estado, forneceu apoio técnico a 402
municípios para a implantação do Programa
de Saúde da Família e apoio financeiro
para municípios com menor grau de
desenvolvimento, inaugurou o Laboratório
de Produção Industrial da vacina contra
hepatite B do Instituto Butantã, instituiu o
Sistema Estadual de Transplante e conseguiu
reduzir em 90% os casos de raiva canina no
Estado de São Paulo.
O primeiro governo de Mario Covas deixou
realizações em praticamente todas as áreas.
Para citar apenas as principais, no âmbito
da Cultura, o Estado construiu a Sala São
Paulo, um dos mais modernos espaços
para concertos do mundo e revitalizou de
forma surpreendente a estação ferroviária
Júlio Prestes, no bairro da Luz. Também
foi entregue o novo prédio do Arquivo do
Estado de São Paulo e concluídas as reformas
da Pinacoteca do Estado. Unindo a Educação
e a Saúde, houve a implantação do projeto
“Prevenção também se ensina”, voltado para a
promoção da cidadania saudável, que atingiu
3.500 escolas estaduais.
Nos Transportes, o primeiro mandato do
governador Mario Covas criou a Câmara
Paulista do Setor Portuário, reiniciou as obras
de duplicação e melhorias da Rodovia Fernão
Dias, assinou a Portaria Intergovernamental
entre o Ministério dos Transportes, o governo
de São Paulo e prefeitura paulista referente às
obras do Rodoanel Metropolitano de São Paulo,
entregou 12 trens de seis carros reformados da
Companhia Paulista de Trens Metropolitanos
(CPTM), retomou as obras da Rodovia Carvalho
Pinto e iniciou as obras de contenção na
Serra do Mar. Na área da agricultura e do
abastecimento, houve a criação da Câmara
Paulista do Setor Sucroalcooleiro e da
Coordenadoria Estadual de Controle Interno.
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 59
Na Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento
Econômico, foi assinado o contrato com o
Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT),
criando o Plano Preventivo de Defesa Civil
para a Serra do Mar e, em abril de 1997, a
participação da Universidade de São Paulo
(USP) em parceria com a National Aeronautics
and Spaces Administration (NASA) na primeira
experiência de biotecnologia da América
Latina na órbita terrestre.
O lançamento do Programa de Incentivo para
Erradicação do Trabalho Infantil, em parceria
com a Fundação Abrinq, Unicef e governo do
Estado de São Paulo foi uma das principais
realizações na área do Emprego e Relações
de Trabalho. Houve ainda a assinatura
do Pacto Bandeirantes, por usineiros,
plantadores de cana, trabalhadores e o
governo estadual, visando a eliminação total
do trabalho infantil no setor sucroalcooleiro
e a implantação do Fundo de Investimento
de Crédito Produtivo Popular, o Banco do
Povo. No setor de Energia, o governo Covas
concluiu, em 19 de agosto de 1996, as obras
da Usina Hidrelétrica Rosa e, no mesmo ano,
assinou o decreto que instituiu o Programa
de Eletrificação Rural “Luz da Terra”. Por
meio do Projeto Genoma, a descoberta e a
identificação da praga do amarelinho, que
afetava boa parte dos laranjais paulistas,
constituíram-se na principal realização na
área de Ciência e Tecnologia.
Na Segurança Pública, Covas impôs uma
diretriz voltada aos direitos humanos. Uma
de suas principais medidas foi a criação
da Ouvidoria da Polícia do Estado de São
Paulo. Também se preocupou em dar maior
assistência aos policiais, com o lançamento
do Programa “Segurança ao amparo à família
de policiais mortos em serviço” e a criação
de programas de assistência psicológica a
policiais envolvidos em ocorrências com
disparo de arma de fogo. Em junho de 1996,
uma resolução conjunta das Secretarias
de Segurança Pública e Administração
Penitenciária iniciou o processo gradativo
de transferência de presos dos distritos
policiais e cadeias públicas para o
Sistema Penitenciário. Houve, ainda, a
descentralização das unidades da FEBEM,
abandonando o modelo de grandes unidades
que eram palco de repetidas rebeliões nos
governos anteriores, e a criação, em julho de
1998, do Centro de Referência e Apoio à Vítima
(Cravi). No Meio-ambiente, Recursos Hídricos,
Saneamento e Obras, lançou o Programa
Estadual de Microbacias Hidrográficas, para
uma mudança de conceito na produtividade
rural, e implantou o Plano de Fomento da
Hidrovia Tietê-Paraná.
O candidato Mario Covas ergue o indicador ao dar uma resposta em debate na TV Cultura
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A60
com Jargões simples e certeiros, mario covas expressou o cansaço do eleitor com políticos que prometiam e não cumpriam, elegendo-se governador em 1994
negão e dona maria marcam 1994
anos 90
Quem disse que enfrentar o personalíssimo Mario Covas era fácil? Que o diga Antonio Prado, o conhecido Paeco, responsável pelas pesquisas qualitativas realizadas pela equipe de campanha. Em 1994, ele passou a avaliar a reação do público aos programas de TV com o view facts, um aparelhinho em que a audiência indica o que aprova e o que reprova no que vê. A audiência, apelidada de Negão ou dona Maria, manifestava sua opinião. Como Covas a encarava, é o que veremos nesta entrevista de Paeco.
FMc – quando você participou de
caMpanha de Mario covas?
PAECO - A primeira campanha que eu
fiz com o Gonzalez foi em 1994. Eu
fazia a pesquisa qualitativa, e o Olsen,
a quantitativa. Nós tínhamos um
diferencial, o view facts, um instrumento
pelo qual você consegue aferir a reação
das pessoas ao assistir a uma peça de
vídeo. É possível mensurar, por meio de
um aparelhinho, a reação das pessoas
diante de um vídeo, que pode ser um
discurso, uma peça de campanha, o
programa eleitoral gratuito. Aquilo era
uma grande novidade no Brasil.
FMc – coMo Funciona o view Facts?
PAECO – Reúne-se numa sala um grupo
de pessoas. Naquele tempo, eu colocava
de dez a doze pessoas. Dávamos para
elas um aparelhinho que parece um
controle remoto e tem um dial: se você
aumentar o dial, estará aprovando a
pessoa; se diminuir, estará reprovando.
As pessoas assistem a um programa
qualquer com aquele aparelhinho na
mão para ir dando, segundo a segundo,
sua impressão sobre o que estão
vendo. A informação é passada para
um computador e transformada em um
gráfico. O gráfico é sobreposto à imagem
que você está testando, permitindo ver
a reação das pessoas. Aquilo era uma
grande novidade, o Covas não conhecia.
Quando viu, ele gostou. O problema é que
o Covas tinha a visão dele de como queria
fazer a campanha. Ele queria uma bem-
sucedida aparição na televisão, contando
histórias como coadjuvante e não como
ator principal, como na campanha ao
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 61
Senado. Nessa campanha do Senado, ele
contava uma parábola, uma receita que
fez grande sucesso, as pessoas o paravam
na rua etc. Mas a campanha de 1994 não
podia ter tomadas externas.
FMc - a regra era terrível...
PAECO - Hoje não pode ter externas
comerciais, mas, naquele tempo, era
tudo feito em estúdio, e ele queria contar
as parábolas.
Então, pegamos
o aparelhinho
de view facts,
explicamos para
ele o que era,
mostramos como
f u n c i o n a v a .
Gravamos as
parábolas dele
e a versão do
Gonzalez.
FMc - que era
o prograMa
editado, bonito,
iMagens...
PAECO - Era um
programa pouco
tradicional, inovador para aquela época.
Fizemos os testes dos dois modelos
diante de todo mundo e fui apresentar o
resultado para o Covas. Como eu conhecia
a fama dele, eu estudei aquele negócio
como um leão. Não era apresentação
em PowerPoint, era transparência, e a
reunião era numa sala grande...
FMc - a casa era nuMa travessa da
avenida rebouças.
PAECO – Isso mesmo. Eu tinha as
transparências com os gráficos das
duas aparições dele e podia, ao mesmo
tempo, passar a imagem que já estava
gravada. Mas eu mostrei a ele os
gráficos, apontando detalhe por detalhe.
Evidentemente, o Covas disse: “Naquele
momento não era aquilo que estava
sendo mostrado”. Na subida da curva ou
na descida, eu dizia que era uma coisa,
e ele dizia que era outra. Mas eu tinha
decorado tudo, eu sabia tudo. Aí eu passei
o vídeo, mostrei os pontos a ele. A partir
daquele momento,
o Covas passou a
acreditar naquele
instrumento e
nunca mais tivemos
problema. Mas ficou
mais do que provado
que ele tentou, de
todo modo, mostrar
que aquilo estava
errado.
FMc - para
derrubar...
PAECO – Exatamente,
para derrubar.
Quando ele viu que
não dava mais,
curvou-se e aceitou
a ideia. Aquele momento ficou para
sempre na minha memória. Todo mundo
chamava aquilo de view facts, mas
quando eu expliquei para ele, dei outros
nomes. Eu falei: “Olha senador, a gente
está vendo o vídeo e aí o Negão fala o
seguinte: ‘desse jeito não é possível’”. Eu
me referia sempre aos participantes do
grupo como o Negão e a dona Maria, sem
nenhum sentido pejorativo.
FMc – o negão era o cidadão.
PAECO – Sim. Naquele momento eu me
expressei dessa maneira, e o Covas não
“Eu me referia sempre aos
participantes do grupo de
avaliação do programa de TV
como o Negão e a dona Maria,
sem nenhum sentido pejorativo.
E toda vez que o Covas me
encontrava, perguntava: ‘O que
foi que o Negão achou?’”
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A62
falou nada. Depois, quando começaram os
programas eleitorais, ele me encontrava
e perguntava: “E aí? E o Negão? O que
foi que o Negão achou?” Eu respondia:
“Ô senador, o Negão está gostando” ou
“o Negão não gostou disso aqui, mas
daquilo ali ele gostou muito”. O Negão
virou a marca da campanha de 1994.
FMc - covas era uM hoMeM que gostava
de arguMentar, de pessoas que
discutisseM coM ele. o interlocutor
tinha de estar Muito beM preparado,
porque ele ia até o Final...
PAECO - Conheci o Covas na vida pública
porque fui filiado ao MDB, e ele era
presidente do diretório municipal do
partido. Mas eu não o conhecia face a
face até o dia de defender o Negão. Foi
uma coisa definitiva no relacionamento
com ele. Nunca deixei de argumentar
toda vez que ele discordava. Quer dizer,
sempre. Ele nunca concordou comigo em
nenhum momento, mas eu tenho certeza
que respeitava o meu trabalho.
FMc - ele acreditava nas pesquisas?
PAECO - No Negão ele acreditava, e
em pesquisa também. Quando ele foi
candidato à reeleição, em 1998, estava
com uns 14% dos votos antes de começar
o programa de televisão. Fizemos um
grupo com Negão, e ele resolveu ir ver.
Ele sempre via os gráficos, os resultados,
mas nunca tinha ido. Tivemos que montar
todo um esquema porque as pessoas
não podiam vê-lo. De novo, umas doze
pessoas numa sala com espelho, como
num filme americano. A pessoa que está
sendo interrogada vê um espelho. Do
outro lado do espelho, outra pessoa vê o
interrogatório. É assim que a gente faz as
pesquisas, só que falamos para as pessoas
que do lado de lá não tem ninguém. O
Covas chegou, sentou bem pertinho
do espelho. Do outro lado, tinha um
cidadão sendo entrevistado. Estávamos
vendo a sala com as pessoas sentadas
nas cadeiras, como se elas estivessem no
cinema, olhando para a frente, para a
gente. Uma pessoa ficou exatamente em
frente ao Mario Covas e foi essa que falou:
“Ah, esse homem aí nunca fez nada,
esse tal de Covas Governador, nunca fez
nada”, e o Mario Covas bufava. O cidadão
falou mais, o Covas bufou forte, bateu o
pé e foi embora. Ele queria pular naquele
espelho e pegar o cara.
FMc - ele aceitava o resultado das
pesquisas?
PAECO - O Luiz Gonzalez escrevia uma
coisa e o Mario Covas queria que fosse
outra, era assim o tempo inteiro.
Ninguém mudava o jeito básico do
Covas, era impossível. Mas ele aceitava o
resultado das pesquisas e mudava, como
aconteceu no caso das parábolas. Ainda
nessa campanha de 1994, nós estávamos
numa reunião de avaliação sobre o tema
educação, e a avaliação do governo Covas
nesse tema não era boa, as pessoas
odiavam, como odeiam até hoje.
FMc - a progressão.
PAECO – Sim. Era um momento difícil, a
educação estava se reestruturando, a
Rose (Neubauer, secretária de Educação)
fez uma mudança corajosa, separou a
classe dos meninos mais velhos. A dona
Maria ficou furiosa porque tinha dois
filhos na mesma escola, ia e voltava uma
vez só. Com turnos diferentes, tinha de ir
quatro vezes à escola, e isso atrapalhava
a vida dela uma barbaridade, ela tinha
que trabalhar, voltar. Nós estávamos
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 63
discutindo que ele tinha de falar algumas
coisas sobre a questão e ele estava
resistindo. Eu falei para ele assim:
“Governador, o senhor não acredita
que o seu segundo mandato vai ser
melhor que o primeiro? Nós temos que
passar isso, é muito
importante.” Ele
respondeu: “Não!
O meu segundo
mandato vai ser pior
que o primeiro”.
E começou a
argumentar: “Eu
não estruturei,
não vou ter mais
dinheiro, não vou
ter mais isso, não
vou ter mais aquilo,
o meu primeiro
mandato vai ser
melhor que o
segundo”.
FMc - e dá-lhe
arguMentos. e
coMo experiência,
coMo ForaM
esses períodos
eleitorais?
PAECO - A
convivência com o
Mario Covas sempre
foi com muita polêmica, mas também
muito respeitosa. A relação de afeto
que toda a equipe tinha com ele era
muito grande, isso ficou claro em alguns
momentos dramáticos, porque essa
campanha a gente só virou efetivamente
faltando cinco dias para a eleição.
FMc – eM 1994 ou 1998?
PAECO - Em 1998. A de 1994 foi uma
campanha mais difícil, porque nós
estávamos muito na frente e fomos
perdendo terreno. Ganhamos, mas
foi muito desgastante. A de 1998 foi o
contrário. Começamos muito embaixo,
passamos apertado para o segundo turno
e, depois, viramos
a pesquisa
faltando cinco
dias. A eleição
seria no domingo,
e na terça-feira
saiu o resultado
do Datafolha.
Ficamos sabendo
do resultado
na véspera. Eu
estava indo
de carro fazer
avaliação com o
grupo, era mais
ou menos sete
horas da noite,
quando o Luiz
Gonzalez me
ligou e perguntou
quanto eu achava
que estavam
as intenções
de voto, e eu
falei: “42 a 40
para o Maluf”.
Era muito bom
porque a gente estava encostando nele.
Aí o Gonzalez disse: “Você quase acertou:
é 42 a 38, só que para o Mario Covas”.
No carro, sozinho, comecei a chorar
compulsivamente. A relação da equipe
com ele não era só profissional, era muito
emocional também.
FMc – eM qual pesquisa ele acreditava
Mais: na Feita pela equipe ou nas
“Estava indo fazer uma avaliação
com um grupo, quando o Luiz
Gonzalez me ligou e perguntou
quanto eu achava que estavam
as intenções de voto, e eu falei:
‘42 a 40 para o Maluf’. Era muito
bom porque a gente estava
encostando nele. Aí o Gonzalez
disse: ‘Você quase acertou: é 42
a 38, só que para o Mario Covas’.
No carro, sozinho, comecei a
chorar compulsivamente. A
relação da equipe com ele não
era só profissional, era muito
emocional também.”
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A64
realizadas pelos institutos de
pesquisa?
PAECO - Teve um dia em que nós fomos
mostrar as nossas pesquisas para ele,
indicando que o Paulo Maluf estava
começando a cair. Depois, num programa
de televisão, uma pesquisa dizia que o
Maluf subiu. Aí ele mandou me chamar:
“Você não falou que ele estava caindo,
pô?” Respondi: “Governador, ou a gente
acredita no nosso trabalho ou a gente
vai acreditar em quem?” Ele concordou.
Na verdade, os resultados das pesquisas
do Ibope e do Datafolha estavam muito
próximos dos nossos, não houve uma
discrepância muito grande. Teve um
famoso Datafolha antes do segundo turno
de 1998 que nos deu três pontos a mais,
enquanto a nossa indicava empate. Foi
uma encrenca, a Marta Suplicy reclamou,
mas, em geral, não tinha problema com o
Ibope e o Datafolha.
FMc - você taMbéM Fazia pesquisa do
deseMpenho do candidato eM debate na
televisão?
PAECO - No debate, a gente usava
o mesmo aparelhinho e fazia umas
contagens de quem ganhava. O Duda
Mendonça, marqueteiro do Paulo Maluf,
foi nosso oponente. Durante o debate,
eu passava as informações do grupo no
intervalo para o Gonzalez, e ele passava
no outro bloco para o candidato. O
Covas perguntava: “E o Negão?” Quando
terminava o debate, ele mandava me
chamar para fazer uma exposição geral. O
debate mais dramático de todos foi o do
domingo, na TV Bandeirantes, ele contra
o Maluf no segundo turno de 1998.
FMc – Foi o debate do caráter?
PAECO – Sim. Foi muito importante, uma
virada. Terminou o debate no domingo,
e na segunda-feira tinha programa
eleitoral. Nós fomos para uma reunião, eu
tinha todos os números, as pesquisas. Eu
disse: “Gente, nós ganhamos esse bloco,
o do caráter, e perdemos esse outro. No
geral, a gente ganhou, mas bloco a bloco,
não”. Então fomos para uma reunião
na GW. O Zé Maria ficou furioso comigo:
“Paeco, nós ganhamos esse debate!” E
eu: “Ô Zé Maria, estão aqui os dados da
pesquisa”. O Covas não estava, foi uma
discussão sem fim. Enquanto a gente
discutia, o Gonzalez editava o debate.
FMc – e pôs no ar.
PAECO - Ele colocou uma edição do
debate na segunda-feira, ressaltando os
aspectos positivos. Foi muito importante
aquele momento, exatamente porque
ficou ressaltado que o caráter é relevante
numa eleição. Em todas as eleições das
quais eu participei, pergunta-se: você
acha que o fulano de tal vai melhorar a
vida das pessoas? Sempre o candidato
que ganha está com esse diferencial
razoavelmente alto. No caso dessa
eleição, estava empatado. A diferença
foi, efetivamente, a história do caráter.
FMc – que experiência Fica da sua
vivência coM o Mario covas?
PAECO - De todo mundo que eu fiz
campanha, o mais próximo, apesar das
discussões, foi o Covas. Era uma relação
estranha, porque de grande proximidade
e afeto e, ao mesmo tempo, de grande
discussão e debate. Ele nunca concordou
comigo em nada, mas era uma pessoa
muito diferenciada mesmo. Um dia, ele já
doente, encontrou a Yara, minha mulher,
no elevador e disse: “Eu gosto muito do
seu marido”. E para o Covas falar isso...
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 65
na campanha à reeleição, mario covas pede à população para prosseguir com seriedade nos investimentos em são paulo e ganha o aval do eleitorado no segundo turno
Vence o apelo à continuidade
anos 90
Depois de anos de ajustes e medidas nem sempre bem vistas pela maior parte do eleitorado – embora absolutamente necessárias – Mario Covas conseguiu colocar a casa em ordem para, enfim, poder governar com certa tranquilidade. No final de seu mandato, em 1998, Covas lançou sua candidatura à reeleição, licenciando-se do cargo e deixando o governo nas mãos de Geraldo Alckmin, vice-governador. Seus adversários diretos eram Paulo Maluf e Marta Suplicy, que estavam à frente nas pesquisas. Pouco antes do primeiro turno, a candidatura decolou, e Covas passou para o segundo turno disputando com Paulo Maluf.
Covas discursa na convenção estadual do PSDB que aprovou seu nome à reeleição, acompanhado,
à esquerda, por Vilma Motta e o deputado estadual Sidney Cinti, e à direita, por Geraldo Alckmin
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 67
Na campanha à reeleição, Covas utilizou-
se grandemente do que havia feito como
governador. Alguns slogans passavam
claramente a idéia da necessária
continuidade de um governo que fez a lição
de casa: “O PSDB não pára. Faz o que tem
que ser feito”; “Seriedade faz bem e tem que
continuar”; “Faz mais e melhor” e “Ajustou
as finanças sem parar de investir em obras”.
Música de campanha
COVAS 98
Letra: Dominguinhos
São Paulo, coração desse Brasil
voltou a caminhar
agora tá nos trilhos
ainda falta muito pra fazer
mas vejo casa pra morar
escola boa para os filhos
Eu vou de Covas
botou a casa em dia
Eu vou de Covas
esse nome é garantia
Pensa no amanhã
quando assume um compromisso
Tá do nosso lado
quer o nosso benefício
Por que o perigo
é como já diz o ditado
fazer o filho é fácil,
criar é que é difícil...
Eu não tô
não tô maluco não
eu vou de Covas
eu não mudo não
quero respeito
experiência e pé no chão
geraldo alckmincandidato a vice-governador
“Mario Covas era contrário à reeleição, mas,
premido pela responsabilidade de homem
público, foi candidato. Um dia ele me chamou
e travamos o seguinte diálogo:
Covas - O que você pretende?
Alckmin – Sou um soldado do partido.
Covas - Larga mão!
Alckmin - A eleição vai ser dura, o senhor
precisa do PFL por causa do tempo da TV.
Covas - Você está com medo de perder eleição?
Alckmin - Não, é que os meus votos já são
seus, não vou acrescentar nada.
Covas - Se você não aceitar eu vou colocar
outro tucano.
Fomos juntos à convenção, na Assembléia
Legislativa. Ainda no elevador do Palácio dos
Bandeirantes, ele me disse que anunciaria que
iria se afastar do governo durante a campanha
e acrescentou: ‘Confio no vice’.
Mario Covas anunciou o afastamento e foi
cuidadoso, porque Fernando Henrique Cardoso
não se afastaria da Presidência, e a imprensa
iria cobrar, iria comparar. Ele alegou que não
era uma questão ética e afirmou: ‘Tenho
dificuldade, uma limitação e o governo vai
estar bem nas mãos do vice’.
Foi uma campanha muito dura, muito difícil.
No primeiro turno, tínhamos menos da
metade do tempo de TV de Paulo Maluf, que
estava coligado com o PFL. No segundo turno,
os tempos eram iguais e Covas ganhou com
mais de 2 milhões de votos. O debate da TV
Bandeirantes foi memorável. Ele deu uma aula
sobre caráter e espírito público.”
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A68
José maria guimarães monteiro coordenador geral dacampanha de 1998
“Foi uma campanha densa, penosa, difícil.
Durante o primeiro mandato, Mario Covas
consertou as finanças do Estado, cuidando do
dinheiro público como se fosse dinheiro da
feira, mas com muita discrição, ninguém sabia
nada do que tinha feito. Ficou em quarto lugar
por muito tempo e, por 70 mil votos a mais do
que Marta Suplicy, foi para o segundo turno.
Quatro dias antes do segundo turno, Mario
Covas recebeu uma ligação do Otávio Frias,
publisher da Folha de S. Paulo, falando que as
pesquisas mostravam sua vitória.
A coordenação da campanha era compartilhada.
A Renata Covas foi uma guerreira. Em cem dias
de campanha, foi apenas duas vezes para a casa
dela, em Santos. Zuzinha, Malufinho, Serginho,
Oswaldinho e Edsinho foram gigantes, mas eu
tinha algumas missões ingratas, como contar
para Covas que ele tinha caído nas pesquisas.
Uma das coisas deliciosas daquela campanha
foi o telemarketing, uma ferramenta nova de
comunicação usada pela primeira vez pelo
PSDB. Mario Covas foi conhecer de perto e
ficou ‘abestalhado’ com aquela metralhadora
digital. Ele adorava. Chegava lá e percorria
as estações de trabalho prestando atenção
no que estava sendo dito, principalmente
as respostas aos ataques feitos por Maluf no
programa de televisão. Não satisfeito, ocupava
um dos postos e falava diretamente com os
eleitores. As pessoas do outro lado da linha
não acreditavam. Ficavam satisfeitas por
não ser uma gravação e honradas em poder
conversar pessoalmente com o candidato. Ele
ganhava todos os votos.”
Jingle
PARA O BEM VENCER O MAL
Todo o mundo sabe bem
Quem é do mal (uf!), quem é do bem
Quem é quem, quem tem moral
Quem pode ser nosso porta-voz
Quem tem mal (uf!) Até no nome
Não pode falar por nós.
Por isso eu voto em Covas!
Eu quero (eu quero)
Um futuro (futuro)
Mais bonito (bonito)
Mais seguro (seguro)
Eu quero a certeza
De que o bem vai vencer
Doa a quem doer
Para o bem vencer o mal (uf!)
É preciso dar a mão
E fazer uma corrente
Com cada amigo, cada irmão
Juntos vamos em frente
Cantando a mesma canção
Eu quero...
Os marqueteiros de Covas também investiram
nas comparações com os governos anteriores
e enumeraram, num dos panfletos, as dez
razões pelas quais ele deveria ser reeleito:
• Tirou o Estado do buraco e fez São
Paulo voltar a crescer;
• Nunca se construiu tanto: 120 mil
moradias entregues em sorteios públicos;
mais de 540 mil novas vagas nas escolas,
cinco horas de aula por dia, uma evolução
na educação;
• Fim do rodízio: água limpa todo dia,
em todas as torneiras;
• Nove hospitais, 3.394 leitos e
médicos em casa para 80 mil famílias;
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• Ir e vir ficou mais fácil: novas
estradas, metrô e trem espanhol;
• Prioridade para a Segurança: 21
penitenciárias, 8.824 novos policiais e
mais 5.540 viaturas;
• Menos imposto sobre os alimentos
deixa a cesta básica mais barata;
• 40 bilhões de reais de investimentos
públicos e privados estão gerando 1,7
milhão de empregos;
• Qualidade e rapidez no serviço
público;
• Respeito ao cidadão.
Outra estratégia bastante eficiente foi a
impressão de milhares de panfletos com o
nome de uma cidade paulista e todas as obras
nela realizadas pelo governo nos quatro anos
anteriores. Assim, eram distribuídos em cada
município, transformando-se em mensagem
direta ao cidadão, a fim de que soubesse o
que de fato foi feito em seu favor.
Sensibilizar o eleitor para as mudanças
importantes que aconteceram na primeira
gestão deu o resultado esperado. Atrás de
Marta Suplicy em boa parte do tempo, nos
últimos dias de campanha o panorama se
inverteu e Covas foi para o segundo turno.
Uma estratégia parecida com a do primeiro
turno foi traçada para vencer Maluf. Somou-
se a isso o apoio explícito do PT à candidatura
tucana, inclusive com a produção de adesivos
em que se lia: “Sou PT, estou Covas”.
Panfleto de campanha compara as realizações de Covas com as de governos anteriores
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Os panfletos com a lista de obras realizadas em cada cidade conquistaram o eleitor
Outdoor da campanha de 98 com Covas e Fernando Henrique Cardoso
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Na comparação com o adversário, Covas
valeu-se do passado. Num dos panfletos,
cujo título era “Quem compara vota Covas”,
a campanha do PSDB deixava claro ao eleitor
que a escolha do futuro governador paulista
era apenas questão de bom senso.
Mas a comparação ia além do candidato
adversário. A campanha procurou mostrar
ao eleitor como o governo Covas havia
sido melhor que todos os anteriores. Nisso,
foi contundente, não economizando na
enumeração das obras realizadas.
O adesivo com o apoio petista ajudou a
transferir para Covas os votos de Marta
A comparação entre as realizações do
primeiro mandato de Covas e as de Paulo
Maluf ajudou o tucano a ganhar a eleição
com folga no segundo turno
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luiz gonzalez – coordenador do programa de televisão
“A campanha de 1998 foi a mais sofrida. Mario Covas saiu em quarto
lugar, e a população o odiava. Fez o primeiro governo na marra,
brigando na rua, teve uma postura diferente da que o eleitor tinha
visto na campanha. Ele resolveu ir ver a primeira pesquisa qualitativa
e ouviu: ‘Esse é o maior ladrão que tem no país. Todo político rouba,
mas faz alguma coisa, esse não fez nada!’. O Covas ficou doido. Havia
muita pressão, e ele queria polemizar com Maluf. Na TV, Covas tinha 3
minutos e 14 segundos, e Maluf, 10 minutos, metade do tempo dando
pau no Covas. O Maluf colocou o Afanásio Jazadji para bater, atacava o Zuzinha e falava da CDHU. Em
resposta, o Woyle escreveu um texto violentíssimo. Covas chegou na produtora babando, mas quando
viu o texto, avaliou: ‘Não dá, isso aqui vai dar problema, direito de resposta e punição’. A maior briga
foi sobre a educação, a reorganização das escolas, a progressão continuada. Todo dia tinha crítica na
qualitativa. Fiz um texto para o Covas explicar o que estava acontecendo na educação, mas ele não
quis gravar porque parecia que estava pedindo desculpas. Foi uma briga danada, Covas dizendo que
o problema não era ganhar a eleição, mas ‘os companheiros que não acreditam na gente’. Ficamos os
três – Covas, Woyle e eu –, alucinados, gritando um com outro, parecia cais do porto. Com o Covas era
assim, e eu admirava isso. Quando tinha que brigar, brigava pela frente.”
Nos panfletos, a defesa das diretrizes para a educação, assunto polêmico na época
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 73
Mario Covas acabou reeleito governador do
Estado de São Paulo com 9.800.253 votos.
O segundo mandato não teria a duração
esperada, pois um câncer iria abreviá-
lo. Mesmo assim, enquanto teve saúde, o
governador Mario Covas trabalhou de forma
incansável para colher os frutos dos ajustes
realizados nos anos anteriores. O Estado de
São Paulo estava financeiramente saudável,
as dívidas haviam sido renegociadas de
forma positiva, e os serviços públicos tinham
nova forma e conceito desde a privatização
de setores outrora estatizados.
O governador Mario Covas Junior morreu
em 6 de março de 2001, vítima de câncer.
Em seu lugar, assumiu o vice Geraldo
Alckmin, que deu continuidade às mudanças
realizadas pelo antecessor, aprimorando-as
e consolidando cada uma delas.
Na convenção do PSDB, um abraço de Mario Covas em Geraldo Alckmin, novamente candidato a
vice-governador; ao lado de Geraldo, sua mulher, Lu Alckmin
Privilegiados entre os materiais da campanha
de 1998, os panfletos procuravam mostrar as
realizações de Mario Covas em seu primeiro
mandato à frente do governo do Estado
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A74
as principais realizações do segundo mandato
Das obras realizadas por Mario Covas
no segundo mandato, estão entre as
mais relevantes a criação da Fundação
Instituto de Terras do Estado de São
Paulo “José Gomes da Silva” (Itesp), que
consolidou a política agrária e fundiária
estadual com economia orçamentária, o
lançamento do Plano de Modernização
do Programa “Viva Leite” e do Programa
“Alimento São Paulo”.
Na área da Ciência, Tecnologia e
Desenvolvimento Econômico, em 2000,
iniciou-se o projeto Genoma Estrutural,
Após ser indicado candidato à reeleição na convenção do PDSB, Mario Covas discursa em
palanque montado na área externa da Assembléia Legislativa
através da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp). Na Cultura, houve a assinatura
do acordo de participações que instituiu
o Programa de Estímulo à Indústria do
Audiovisual do Estado de São Paulo.
Na Educação, ocorreu a assinatura do
protocolo de intenções entre o governo
do Estado de São Paulo, a Telefônica e
o Ministério da Educação referente à
implantação da rede de alta velocidade,
ampliando o uso da internet nas escolas
da rede pública de ensino e, logo depois,
o lançamento do Programa de Tecnologia
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 75
de Alta Velocidade para acesso à internet
nas escolas estaduais.
Na área do Emprego e Relações de
Trabalho, assinou-se a lei que cria
o Programa Emergencial de Auxílio
Desemprego e do decreto que o
regulamenta. Em Energia, foi inaugurada
a Eclusa e Usina Hidrelétrica Engenheiro
Sérgio Motta (Porto Primavera) e
assinado o termo de compromisso para
a implantação de Centrais Termelétricas
do bagaço de cana-de-açúcar. No Meio
Ambiente, foi lançado o “Selo Verde”,
para a identificação das empresas que
respeitam o meio-ambiente e realizou-
se o lançamento do Projeto Recuperação
No final do comício da Habitação, Mario Covas caminha satisfeito entre populares e candidatos
do PSDB a deputado federal e estadual, como Walter Feldman, Ricardo Tripoli, Alberto Goldman,
Juscelino Cardoso e Arnaldo Madeira
Ambiental e Reflorestamento das
Marginais dos rios Pinheiros e Tietê –
Projeto São Paulo Pomar Pinheiros -
Tietê: Mais Verde, Mais Vida.
Em Recursos Hídricos, Saneamento
e Obras, promoveu-se a assinatura
dos contratos de financiamento do
Banco Mundial, por intermédio do
Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD), para o Programa
Estadual de Microbacias Hidrográficas –
Uso e Manejo do Solo, e para o Programa
Integrado – PITU, Ligação Barra Funda.
Nos Transportes, o governo Mario Covas
promoveu a transferência gratuita entre
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A76
De frente para câmera de televisão, Covas defende seus pontos de vista no debate realizado
entre candidatos ao governo paulista na Rede Bandeirantes
o Metrô e a CPTM nas estações Barra
Funda e Brás. Em Habitação, oficializou-
se o convênio entre a Secretaria de
Desenvolvimento Urbano, a Caixa
Econômica Federal, a Secretaria de
Habitação e o CDHU, que firmou medidas
para a contratação e comercialização
mais rápida de empreendimentos
habitacionais por meio do Programa
Carta de Crédito e do Programa de
Arrendamento Residencial (PAR).
Na área da Justiça e Defesa da Cidadania,
dois Centros de Detenção Provisória
foram entregues à população: o de
Osasco e o de Campinas. Houve, ainda,
o lançamento do Plantão Eletrônico de
Segurança Pública. Na área da Fazenda,
começou a funcionar a Bolsa Eletrônica
de Compras – Projeto Governo Eletrônico
da Secretaria da Fazenda. Na Gestão
Estratégica, foi assinada a lei que dispôs
sobre a proteção e a defesa do Usuário do
Serviço Público do Estado de São Paulo.
Na área da Saúde, o segundo mandato de
Mario Covas promoveu a re-inauguração
do Centro Cirúrgico Ambulatorial do
Hospital das Clínicas de São Paulo, a
inauguração do Ambulatório de Saúde
da Mulher na zona central de São Paulo,
com capacidade para a realização de
2.300 atendimentos por dia, além da
criação do Comitê Estadual do Plano de
Reorganização de Atenção à Hipertensão
Arterial e ao Diabetes Mellitus.
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 77
O debate da virada com Paulo Maluf, no segundo turno da eleição a governador, realizado pela
TV Globo com a mediação do jornalista Carlos Nascimento
Mario Covas discursa em seu comitê de campanha política, depois de confirmada a sua reeleição
ao governo do Estado de São Paulo, acompanhado de sua mulher, Lila Covas
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A78
Ricardo Penteado,
advogado de Covas
o advogado ricardo penteado conta como a obediência de mario covas às leis mudou para sempre as campanhas eleitorais no país
a marca da legalidade
A campanha eleitoral de 1998 foi a primeira em que a legislação eleitoral brasileira permitiu a reeleição. Com muita cautela, Mario Covas candidatou-se ao seu segundo mandato consecutivo no comando do governo do Estado de São Paulo. Antevendo problemas com os adversários, Mario Covas licenciou-se do cargo de governador, não queria ser acusado de usar a máquina administrativa em sua campanha. Também lutou na Justiça Eleitoral para que cada candidato tivesse seu tempo na televisão respeitado. Essas e outras histórias são contadas a seguir por Ricardo Penteado, advogado de Mario Covas na campanha à reeleição.
FMc – coMo Foi a sua entrada na
caMpanha eleitoral do Mario covas eM
1998?
ricardO PEntEadO – O Mario Covas não me
conhecia pessoalmente. Ele conhecia o
Arnaldo Malheiros, meu grande professor
e mestre no Direito eleitoral, que fora
advogado em todas as eleições anteriores
àquela. Não era nem do PSDB nem
advogado do Mario Covas, embora fossem
grandes amigos, porque os dois foram
sócios na Ductor, empresa de engenharia,
durante o período da cassação. Depois,
o Mario Covas saiu da empresa, voltou
para a política, e o Arnaldo Malheiros
permaneceu lá.
FMc – e coMo o covas reencontrou o
Malheiros?
ricardO PEntEadO – O Mario Covas, pela
primeira vez na sua vida, procurou o
Arnaldo Malheiros. Queria contratar o
grande especialista em Direito eleitoral
porque sabia que a campanha teria muitos
conflitos para resolver nos tribunais, e
teve mesmo. Acontece que, em 1996, o
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 79
Arnaldo Malheiros tinha advogado para o
Celso Pitta, candidato à sucessão do Paulo
Maluf na prefeitura de São Paulo. Em
1998, o Paulo Maluf voltou a procurar o
Arnaldo Malheiros e ele disse: “Não. Agora
quem vai disputar a eleição com você é o
Mario Covas, meu amigo, contra quem eu
jamais advogaria”. Quando o Mario Covas
procurou o Arnaldo Malheiros, ele se
sentiu na obrigação de dizer não também,
para não se indispor com seu ex-cliente,
e ficou fora do processo. O Mario Covas,
então, pediu pediu indicação de outros
nomes. O próprio Arnaldo Malheiros, o
Michael Zeitlein e o Zuzinha indicaram o
meu nome. Foi assim que comecei.
FMc – coMo o Mario covas recebeu você
na equipe?
ricardO PEntEadO – O Mario Covas pouco
me conhecia na época. Até senti que, no
começo, ele tinha alguma restrição, mas
uma coisa do tipo: “Vamos testar esse
moleque”. Ele era muito duro, incisivo,
exigente nas perguntas, nas satisfações
que buscava com os assessores, auxiliares
e prestadores de serviço.
Ao mesmo tempo, era uma pessoa que
dava total liberdade para eu fazer o que
eu tinha de fazer. Por incrível que pareça,
eu já ouvi dizer que algumas pessoas o
consideravam centralizador. Não acho,
de modo algum. Ele era exigente com
aqueles que estavam na equipe, mas, no
momento de a pessoa atuar, ele só queria
saber como a coisa ia.
FMc – o covas gostava Muito da área do
direito. coMo eraM as conversas que
vocês tinhaM sobre esse assunto?
ricardO PEntEadO – As conversas eram
ótimas. Mais de uma vez ele me falou que
sonhava fazer um júri. Talvez não quisesse
ser bacharel em Direito nem advogado,
mas uma experiência com júri ele queria
ter. O Mario Covas era um tribuno de mão
cheia, uma coisa que a história brasileira
está começando a registrar.
Nós temos poucos registros gravados,
mas muitos testemunhos de pessoas e
também aquilo que foi efetivamente
escrito no Congresso Nacional. Mario
Covas tinha uma compreensão muito boa
do sistema jurídico, era um engenheiro,
mas com uma cultura nessa área
impressionante. Evidentemente que o
Direito, como não é uma ciência exata,
abre campo para muita discussão, e nós
tivemos sim, boas e belas discussões, em
que ele apertava muito a gente.
FMc – quais eraM os Motivos das
discussões?
ricardO PEntEadO – A campanha de
1998 foi extremamente difícil. Diria que
foi uma das mais difíceis das quais eu
já participei como advogado, e eu estou
trabalhando nisso há vinte anos. Era uma
campanha que seria marcada por uma
legislação que não foi criada para aquela
eleição. Em todas as eleições, desde a
redemocratização do país, tínhamos
uma legislação especial para cada uma
e era normalmente uma coisa casuística,
arrumada. Essa, de 1998, aconteceu
subordinada a uma lei que ia reger
todas as eleições. O Mario Covas tinha
uma preocupação impressionante com
a legalidade, uma noção muito clara de
que a legalidade o favorecia e que era
essa a marca que ele queria ter. Acho que
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A80
ele levou isso tanto para a campanha e
o público eleitor, quanto às postulações
que fez nos tribunais.
FMc – a busca da legalidade chegou
ao ponto de ele ter se aFastado do
governo para disputar a eleição.
ricardO PEntEadO – Foi o único
candidato desde a reeleição que fez toda
a campanha licenciado. Teve gente que
tentou cassar a candidatura dele, dizendo
que esse afastamento era ilegal, que ele
teria abandonado o governo. Na verdade,
era uma postura não exigida pela lei
que ele se afastasse, mas era possível
desde que aprovada pela Assembléia.
A Assembléia aprovou, e ele fez toda a
campanha eleitoral como governador
licenciado. Isso implicou uma certa
dose de sacrifício, porque não é fácil
um governador se afastar. Mas ele tinha
um vice preparado para isso. O Geraldo
Alckmin não pôde se licenciar quando
terminou o mandato do Mario Covas,
porque ele não tinha um vice.
FMc – o Mario covas Foi MesMo o único
governador desde a reeleição que se
licenciou até hoje?
ricardO PEntEadO – Com certeza. Teve
gente que se licenciou em pedaços da
campanha, em momentos em que a
campanha o exigia. Mas ninguém fez
como o Covas, que se licenciou de um
cargo de governo antes de começar a
campanha eleitoral.
FMc – queM se licenciou eM partes da
caMpanha olhou seu interesse e não a
lisura do processo, é isso?
ricardO PEntEadO – O Covas se licenciou
por um princípio. Quanto aos outros,
cada caso é um caso. Eu certamente não
conheço todos aqueles que se licenciaram
no meio da campanha, mas sei que o
Mario Covas foi o único candidato que se
licenciou do cargo de governo desde o
primeiro instante de uma campanha.
FMc – a reeleição seMpre traz
essa questão do uso da Máquina
adMinistrativa. Foi Melhor para
o covas Fazer a caMpanha coMo
governador licenciado?
ricardO PEntEadO – Existe uma tentação
muito grande para aqueles que estão no
governo de resolver a eleição de uma
forma rápida. Muitas vezes é sedutor o
papel de governador, prefeito, presidente
da República. De uma forma ou de outra,
a máquina o favorece. Quando você se
afasta, de uma certa maneira perde a
chance de estar na mídia, por exemplo,
em inaugurações, em lançamento de
planos e outras tantas coisas. O Mario
Covas, licenciado, não podia nem fazia
aparições em eventos de governo. Creio
que boa parte do público viu isso como
uma coisa positiva, mas muita gente
menos informada perdeu a referência que
tinha na mídia do Mario Covas e passou a
vê-lo só na propaganda eleitoral, em pé
de igualdade com os demais candidatos.
FMc – houve prejuízo para ele?
ricardO PEntEadO – A busca pela
legalidade muitas vezes exigiu do
Mario Covas um certo sacrifício. Ele foi
corajoso ao assumir teses jurídicas que
moralizavam o processo eleitoral e que
ainda não tinham emplacado no Judiciário.
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 81
Ele levou aos tribunais e conseguiu,
por exemplo, a divisão do horário da
propaganda eleitoral. Atualmente, há um
tempo para deputado, outro tempo para
senador, outro para governador. Antes, o
manda-chuva do partido ocupava todos
os tempos. A propaganda do deputado e
a do senador só fazia a propaganda do
governador. Esse era o comportamento
de todos os
c a n d i d a t o s
adversários do
Mario Covas
em 1998, e ele,
quando viu isso na
lei, advertido pelos
advogados, disse:
“Vamos obedecer
a lei”. Durante
um bom tempo
ele discutiu com
outros candidatos
que o tempo do
governador era
muito menor
do que estava
sendo usado. E
ele, por coerência, só usava o tempo
que lhe era reservado. Os tempos de
deputado, senador, deputado federal,
deputado estadual eram reservados
para esses candidatos e, com isso, ele
tinha uma coligação ainda pequena. O
tempo de televisão no primeiro turno foi
extremamente sacrificado.
Em compensação, a Justiça Eleitoral
reconheceu, quase no fim do primeiro
turno, que o Mario Covas tinha razão, e
aplicou algumas penas para os demais
candidatos, retirando deles o tempo que
fora utilizado a mais. Acho que o público
percebeu que muita gente estava sendo
apenada pela Justiça Eleitoral e tinha um
candidato que não sofria nenhuma pena,
que era o Mario Covas. Nós achávamos
que íamos brigar muito na propaganda
eleitoral, o que de fato aconteceu, e que
teríamos muito trabalho na discussão
sobre o uso da máquina. Mas contra o
Mario Covas não foi promovida uma única
representação pelo uso da máquina.
FMc – você tinha
autonoMia para
agir ou o Mario
covas queria
ser consultado
antes?
ricardO PEntEadO
– O candidato
adversário era
o Paulo Maluf,
que tinha mais
de um escritório
trabalhando pela
sua candidatura
e uma rede de
informações muito
grande. Nós trabalhávamos com um
escritório que era muito pequeno, com
dois advogados, eu e mais um outro mais
jovem, e um estagiário. Nós alugávamos
o que a gente chamava de mocó, que era
um escritório ao lado da Justiça Eleitoral
onde muitas vezes passamos a noite. Nós
tínhamos que fazer o acompanhamento
de tudo o que saía na mídia, em rádio,
TV, jornais etc. Lembro que o Mario Covas
teve que tomar decisões muito difíceis.
Algumas nós tomávamos e depois
reportávamos a ele, que eram as brigas
com os demais candidatos, para colocá-
los nos eixos. Essas, nós pouco ou nada
tínhamos que consultar, apenas informá-
“Nós achávamos que íamos
brigar muito na propaganda
eleitoral, o que de fato
aconteceu, e que teríamos muito
trabalho na discussão sobre o
uso da máquina. Mas contra o
Mario Covas não foi promovida
uma única representação pelo
uso da máquina”
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A82
lo logo em seguida. Com relação ao mau
comportamento da mídia, aí sim nós
tínhamos que consultá-lo. Nós tivemos
problemas graves com duas emissoras de
televisão, por conta do comportamento
de alguns apresentadores de programas
de auditório.
FMc – os coMunicadores...
ricardO PEntEadO – Sim. Nisso a
legislação tem que ser aperfeiçoada,
porque penaliza completamente a
emissora e dá pouca responsabilidade
ao comunicador. Devia pesar um pouco
mais para o comunicador. Nós tivemos
que entrar com medidas sérias, e duas
emissoras de televisão foram retiradas
do ar durante 24 horas. Isso nunca tinha
acontecido no Brasil, muito menos com
emissoras de televisão de porte.
FMc – a repercussão disso Foi grande?
ricardO PEntEadO – Virou notícia. Para
um candidato, por respeito à liberdade
de imprensa ou por interesse político,
não interessa calar a boca dos outros.
Ao contrário, ele quer aparecer e bem.
Ao retirar uma emissora do ar, você só
está comprando uma briga muito grande,
porque a emissora pode se irritar com
você e, sutilmente, começar a boicotar.
Quem ganhou com isso foi o Poder
Judiciário Eleitoral, porque foi provocado
quando tinha de ser provocado e tomou
providências que jamais tinha tomado até
então para fazer uma eleição legítima,
como foi essa.
FMc – a Mídia percebeu que precisava
toMar cuidado coM o que veiculava?
ricardO PEntEadO – Sim, a própria mídia
se reeducou para esse processo eleitoral.
As emissoras de rádio e televisão se
sentiam absolutamente licenciadas para
fazer propaganda de seus candidatos
prediletos, mas são concessionárias de
serviços públicos, ainda que possam
emitir opiniões editoriais etc. Se um
programa de auditório de televisão fizer
propaganda de um candidato, gerará
uma desigualdade que a lei não admite.
FMc – o trabalho coMo o advogado
que garante os direitos do cliente
está ligado à coMunicação. coMo era a
relação coM a coMunicação?
ricardO PEntEadO – Muito próxima.
O trabalho jurídico numa campanha
eleitoral não pode ser de gabinete,
exclusivamente técnico. É necessário ter
uma compreensão da dinâmica eleitoral
e, principalmente, da comunicação. Uma
coisa fundamental nesse processo é a
integração entre o marketing político e o
jurídico. Nós não só éramos obrigados a
assistir a todas as propagandas de todos
os candidatos como éramos convidados
– e aí havia uma equipe sensacional –
a participar do processo de elaboração
da campanha eleitoral. A partir de 1998
eu passei a conviver com marqueteiros
juristas, e eles, a conviver com o rábula
da propaganda, que sou eu. A partir de
então, a discussão respeita os limites
legais, seja na hora de escrever um texto
seja quando o candidato vai falar. É
preciso ter esse cuidado.
FMc – coMo era a equipe?
ricardO PEntEadO – Era formidavelmente
bem integrada. Nós éramos muito bem
FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA p R opA g A nd A p ol í T Ic A 83
informados pelos assessores de imprensa
e assessores da propaganda a respeito do
que estava acontecendo, do que os outros
candidatos estavam fazendo, do que nós
queríamos fazer. Foi a primeira vez que
eu vi acontecer uma integração com tal
intensidade. A partir de 1998, eu diria
que as campanhas eleitorais mudaram e
muito no Brasil inteiro.
FMc – Foi possível evoluir e crescer
coM essa experiência?
as caMpanhas MelhoraraM?
ricardO PEntEadO – Melhoraram em
partes. Em várias eleições, vemos
imperfeições até da própria legislação
eleitoral. Por conta das dificuldades
políticas do nosso país, também está
sendo um pouco difícil a gente repensar
essa legislação eleitoral, naquilo que
realmente interessa. Hoje em dia as
pessoas se concentram muito na discussão
a respeito da propaganda eleitoral, mas
eu acho que o buraco está mais embaixo,
é mais do sistema eleitoral em si.
Nisso eu sinto muito a falta do Mario Covas,
porque ele era um grande personagem
político com quem era possível conversar
sobre os problemas jurídicos. Ele
compreendia a coisa com muita rapidez,
era um dos maiores negociadores que eu
já vi. Tinha a condição impressionante de
alinhavar todos os interesses e conseguir
liderar um resultado que fosse positivo.
Era um político de avanço. Nunca vi
alguma coisa na mão do Mario Covas ficar
parada. Ele sempre avançava, tornava
a coisa possível. Hoje nós estamos
discutindo uma reforma política, e o
Mario Covas faz falta. Ele congregava as
diversas opiniões.
FMc – você teve alguns eMbates coM
ele. e até onde sabeMos, o Mario
covas gostava de queM Fizesse o
contraponto. coMo era isso?
ricardO PEntEadO – O Mario Covas era
muito sacana. Eu diria que metade da
discussão era um exercício para suas
próprias convicções. A outra metade
era um teste das suas convicções na
convicção de seu interlocutor. Ele sabia
argumentar. Teve uma noite em que a
gente discutiu muito até a elevar a voz
um com o outro. No dia seguinte, eu não
era mais o advogado dele, mas percebia-
se que, naquele embate, houve uma
contraposição de posições que ele queria
ver em que resultava.
FMc – a discussão o ajudava a pensar.
ricardO PEntEadO – Ajudava sim. O
Mario Covas não estava lá só para ganhar
prêmio de bom comportamento, ele
estava lá para agir legalmente e ganhar
uma eleição. Ele pesava todos os lados
das questões, que são muitos, e colocava
a gente em xeque. Nós tivemos muitas
discussões bravas, bravas mesmo. Em
algumas delas eu cheguei a dizer: “Quem
mandou você votar essa Constituição?”
Mas no dia seguinte prevalecia alguma
ideia com a qual ou eu ou ele realmente
estávamos de acordo.
FMc – ele gostava de coMbater o boM
coMbate...
ricardO PEntEadO – Se o Mario Covas
tivesse mais tempo e menos coisas
importantes a fazer, obras a realizar,
eu acho que ele passaria o dia inteiro
discutindo com os outros.
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fundaÇão mario coVaSDIRETORIA
Presidente da Fundação Mario Covas Antonio Carlos Rizeque Malufe
Diretor Secretário Luis Sergio Serra Matarazzo
Diretor Tesoureiro Marcos Martinez
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Presidente Bruno Covas Lopes
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Secretário Marco Vinício Petrelluzzi
Membros Vitalícios Florinda Gomes Covas
Mario Covas Neto
Renata Covas Lopes
Rubens Naman Rizek
Membros Eletivos Edson Tomaz de Lima Filho
Edson Vismona
Fernando Padula Novaes
José da Silva Guedes
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Marcos Arbaitman
Marco Ribeiro de Mendonça
Mauro Guilherme Jardim Arce
Michael Paul Zeitlin
Osvaldo Martins de Oliveira Filho
Sami Bussab
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