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José Gilberto de Souza
''CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE"
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Dissertação de Mestrado apresentada ao Conselho do Curso de Pós-Gradu!lção em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia - FCT/UNESP - Campus de Presidente Prudente, como parte das exigências· para obtenção do Título de Mestre em Geografia.
Presidente Prudente - SP Setem bro/1994
unesp Universidade Estadual Paulista
''CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE"
Dissertação de Mestrado apresentada ao Conselho do Curso de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia - FCT/UNESP - Campus de Presidente Prudente, como parte das exigências para obtenção do Título de Mestre em Geografia. ·
Orientando: Prof. José Gilberto de Souza
Orientador: Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito
Presidente Prudente - SP Setembro/1994
À Mara Akiko, esposa, que jamais aceitou as renúncias impostas por este trabalho e que, nas cobranças · cotidianas, forjou-o comigo.
Para Giulia Akemi e Raquel Tiemi ("'lindas' mais que demais''), filhas, expressões mais sublimes desta palavra. Alentos do meu viver.
"Não é necessário aprender a 'desenhar' para servir-se pessoalmente das propriedades do tratamento gráfico, é suficiente aprender a ver! - Então, eu, que 'não sei desenhar', posso valer-me do tratamento gráfico e assim fazer avançar meus problemas? Sim! - " (Jacques Bertin). (grifo nosso).
I
AGRADECIMENTOS
A Eliseu Savério Sposito, meu orientador, há tempo, uma presença companheira em
minha vida.
Aos professores das escolas-padrão da DE de Presidente Prudente-SP, contribuição de
quem quer e fez crescer.
A Arthur Magon Whitacker, para quem a solidariedade é só mais uma de suas virtudes.
ÀAngelaMassumi Katutae LuizaHelenada Silva Christov, de quem recebi contribuições
e com quem dividi algumas destas descobertas.
A Moacir Telles Maraci, meu irmão, e Mara Lúcia Falconi da Hora, ajudas valiosas.
À Maria Encarnação Beltrão Sposito(Carminha), Jayro Gonçalves Melo, Sérgio Bráz
Magaldi, Márcio Antonio Teixeira e Messias Modesto dos Passos, por acreditarem no
valor da amizade.
Aos amigos do curso de pós graduação da UNESP de Presidente Prudente -SP, Maria
José (Zezé), Willian ("di Be Agá"), Lindomar, Adilson (Sampa) e Eliseu (Tocantins),
pela partilha na caminhada.
Aos amigos da Divisão Regional de Ensino de Presidente Prudente-SP, Cícera, Tieko,
Cida, Tereza, Augusta, Zé Carlos e Zaidel, pela colaboração.
À Mônica, Rosângela, Simone e Valéria, funcionárias das Faculdades Integradas
Riopretense (FIRP-São José do Rio Preto-SP), pela ajuda, na digitação e edição deste
trabalho, que foi por demais significativa.
Ao Dr. Halim Atique Júnior e Prof. Dr. Alvanir de Figueiredo, diretores das Faculdades
Integradas Riopretense (FIRP) e da Faculdade de Ciências e Tecnologia FCT /UNESP
p .Prudente, respectivamente, pela infra estrutura.
À minha esposa Mara Akiko e às minhas filhas Giulia e Raquel, por tomarem este
trabalho um fruto de todos nós.
A todos aqueles, iguais e importantes, que contribuíram.
RESUMO
A pesquisa discute os problemas relativos a
formação de professores em Geografia na área de Cartografia,
do ponto de vista técnico-pedagógico e do compromisso
político.
A partir de uma discussão sobre a Cartografia
e o Movimento de Renovação Geográfica no Brasil, procura-
se avaliar a qualidade de domínio conceptual cartográfico dos
professores de Geografia das escolas-padrão da Delegacia de /
Ensino de ~residente Prudente-SP, resgatando a importância/
da Cartografia no ensino de 1 º e 2ºGraus.
UNITERMOS:
- ensino de geografia
- cartografia geográfica
- formação docente
- domínio conceptual
-escola padrão
II
ABSTRACT
The present work discusses the problems related to
the teachers' graduation in Geography into the Cartography
area, taking into consideration technical and pedagogic aspects
and the political engagement.
From a discussion about Cartography and
Geographic Renew Movement in Brazil, we try to evaluate the
quality ofcartographic conceptual dominium ofthe Geography
teachers at the escolas-padrão that take part into Delegacia de
Ensino of Presidente Prudente-SP, bringing back the
importance of Cartography in the teaching of elementary and
high schools.
KEYWORDS:
Geography teaching
Geographic Cartography
Teachers' Graduation
Conceptual Dominium
Escola Padrão.
III
IV
APRESENTAÇÃO
Esta pesquisa se coloca como resultado final das atividades do Curso de Pós
Graduação em Geografia - Nível Mestrado - da Faculdade de Ciências e Tecnologia
FCT /UNESP - Campus de Presidente Prudente-SP. Trata-se do resultado de nossas
reflexões e inquietações sobre os caminhos da Cartografia no ensino de Geografia de 1 º
e 2° graus.
Seu objetivo mais profundo, aos discutir os aspectos do domínio conceptual
cartográfico dos professores de Geografia, reside no reconhecimento e na valorização
da atividade docente, como fundamento para a consolidação de uma sociedade mais
justa e fraterna.
Estes professores, sujeitos ou não desta pesquisa, deparam-se com um
contínuo processo de deterioração de seu trabalho, não apenas salarial, mas como
agravante maior, da deterioração dos meios que poderão resgatar o respeito e a
importância social de sua práxis, a formação, o domínio conceituai.
Neste trabalho, refletimos, à luz do Movimento de Renovação Geográfica,
sobre apenas um aspecto da formação/especialização do professor de Geografia, a
Cartografia, e sua importância no trabalho docente do ponto de vista da competência
técnico-pedagógica e de seu compromisso político. Esperamos contribuir no sentido de
que os profissionais de Geografia reflitam sobre os aspectos fundamentais da Cartografia
na formação docente e, por sua vez, no ensino de Geografia.
SUMÁRIO
Introdução ........................................................................................................ O 1
Capítulo 1 - A questão metodológica ............................................................ 09
Capítulo II - Cartografia: saber necessário(?) .............................................. 16
1. Geografia e representação .............................................................................. 19
2. A pesquisa em cartografia no Brasil: o estado da arte ................................... 22
3. Uma representação sobre a cartografia .......................................................... 26
Capítulo III - A formação do professor ......................................................... 3 8
1. Formação do professor: competência e compromisso .................................... 43
2. O saber do professor ...................................................................................... 50
Capítulo IV - O debate Geográfico ................................................................ 56
1. O debate Geográfico e a proposta da CENP .................................................. 58
2. Um saber que se propõe transformador ......................................................... 61
Capítulo V - O domínio conceptual do professor ......................................... 80
1. Realização do estudo ...................................................................................... 81
1.1. Caracterização geral ................................................................................ 81
1.2. A pesquisa de campo .............................................................................. 84
1.3. A escola padrão ....................................................................................... 86
1.4. Procedimentos ......................................................................................... 95
1.5. Caracterização dos sujeitos ..................................................................... 98
2. Formação geográfica e cartografia ................................................................. 99
2.1. Formação/Especialização ....................................................................... 99
2.2. Cartografia e formação ......................................................................... 103
3. Domínio conceptual cartográfico ................................................................. 106
3 .1. Plantas, cartas e mapas ......................................................................... 108
3.2. O mapa .................................................................................................. 112
3 .2.1. As perguntas que o mapa responde ............................................ 119
3.3. Implantações cartográficas ..................................................................... 122
3.4. Os elementos de um mapa ...................................................................... 125
3.4.1. Título ............................................................................................ 127
3.4.2. Orientação .................................................................................... 128
3.4.3. Sistema de orientação ................................................................... 130
3 .4.4. Data dos dados, fonte e encarte .................................................... 132
3.4.5. Legenda ........................................................................................ 133
3.5. A escala ................................................................................................... 135
3 .6. Simbologia ou semiologia gráfica ........................................................... 142
3. 7. Representação do relevo ......................................................................... 146
3.8. Sistema de referência geográfica ............................................................ 152
3.8.1. Coordenadas geográficas ............................................................... 152
3.8.2. Latitude e longitude ....................................................................... 153
3.8.3. Paralelos e meridianos ................................................................... 155
3.9. Fuso-horário ........................................................................................... 157
3.10. O atlas ................................................................................................. 160
3.11. Projeção cartográfica ........................................................................... 162
Considerações finais ...................................................................................... 167
Bibliografia ..................................................................................................... 169
Anexos
RELAÇÃO DE QUADROS E TABELAS
Quadro 1 - Formação de Professores por Instituição ......................................... 85
Quadro 2 - Implantação da escola Padrão .......................................................... 86
Quadro 3 - Coordenação escola Padrão ............................................................. 92
Quadro 4 - Caracterização dos sujeitos .............................................................. 97
Tabela 1- Cartografia fisica/humana .................................................................. 71
Tabela 2 - Situação profissional ......................................................................... 81
Tabela 3 - Instituição formadora ........................................................................ 82
Tabela 4 - Tempo de serviço no magistério ....................................................... 82
Tabela 5 - Número de escolas/leciona ............................................................... 82
Tabela 6 - Avaliação do trabalho ..................................................................... 1O1
Tabela 7 - Formação cartográfica .................................................................... 103
Tabela 8 - Planta .............................................................................................. 108
Tabela 9 - Carta ............................................................................................... 108
Tabela 10 - Mapa ............................................................................................. 108
Tabela 11 - Ensino de mapas e tabelas ............................................................ 112
Tabela 12 - Perguntas que o mapa responde .................................................... 119
Tabela 13 - Implantações cartográficas ........................................................... 124
Tabela 14 - Elementos do mapa ....................................................................... 125
Tabela 15 - Orientação ..................................................................................... 130
Tabela 16 - Norte/Sul ....................................................................................... 131
Tabela 17 - Pontos cardiais .............................................................................. 131
Tabela 18 - Legenda ........................................................................................ 133
Tabela 19 - Escala ............................................................................................ 135
Tabela 20 - Tipos de escala .............................................................................. 135
Tabela 21 - Simbologia/semiologia ................................................................. 142
Tabela 22 - Topografia .................................................................................... 146
Tabela 23 - Cota ............................................................................................... 147
Tabela 24 - Curva de nível ............................................................................... 149
Tabela 25 - Perfil topográfico .......................................................................... 149
Tabela 26 - Batimetria ..................................................................................... 150
Tabela 27 - Altimetria/hipsometria .................................................................. 151
Tabela 28 - Coordenadas geográficas .............................................................. 152
Tabela 29 - Latitude ......................................................................................... 154
Tabela 30 - Longitude ...................................................................................... 154
Tabela 31 - Paralelos e meridianos .................................................................. 155
Tabela 32 - Fuso-horário .................................................................................. 158
Tabela 33 - Atlas .............................................................................................. 160
Tabela 34 - Sistema de projeções ..................................................................... 163
Tabela 35 - Desenvolvimento das projeções .................................................... 163
Tabela 36 - Propriedades das projeções ........................................................... 163
RELAÇÃO DE ANEXOS
1. Apostila de Geografia: Programa de Capacitação degrofessores III
2. Diário Oficial do Estado de São Paulo DOE 19/05/1992
3. Questões de domínio conceptual cartográfico aplicado no concurso público para
Pill do ano de 1993
4. Programas de Ensino das disciplinas de cartografia da UNOESTE
5. Programas de Ensino das disciplinas de Cartografia da UNESP
6. Programa de Reforma do Ensino Público do Estado de São Paulo
7. Roteiro de entrevista
RELAÇÃO DE FIGURAS
1. Área de abrangência da DRE-1 O de Presidente Prudente-SP.
2. Localização da área de pesquisa - DE de Presidente Prudente-SP.
INTRODUÇÃO
"Idealistas também devem ser considerados todos quantos, dentre nós, sabem e dizem como poderosas são as consequências de uma atitude mental e quantos traços pode ela gravar na geografia de um país". (Pierre Monbeig)
Observamos que o trabalho em sua apreensão ideal e concreta é o
que toma a produção e a reprodução existencial dos homens contraditória, mas
que no limite, estas representações se revelam consensuais, hegemônicas e
unívocas. É no sentido de superar estas representações e resgatar os sujeitos desta
ciranda, que propomos esta reflexão.
Pensar a questão da formação docente neste país parece-nos tarefa
valiosíssima, sobretudo por conta de que as universidades públicas vêem-se
pressionadas pelo sucateamento material e humano, ao mesmo tempo em que as
escolas públicas de 1 º e 2° graus sofrem um processo semelhante, há mais tempo,
carregadas de desmoralização e com problemas sérios para serem resolvidos em
todas as áreas de formação (professores e alunos) e, inclusive, relacionados à
organização burocrática.
Diante destes problemas, pretendemos contribuir com nosso
trabalho ao atacarmos de frente as questões que afligem grande parte dos
profissionais de educação em geografia e, até mesmo, os cursos de formação da
universidade, bastando, para isto, verificar o interesse dos profissionais em
educação, no sentido de obterem informações a respeito de uma área do
conhecimento geográfico, a cartografia.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
2
E, por este interesse, as pesquisas sobre o ensino de geografia e
cartografia devem sofrer maiores reflexões.
SPOSITO, CARDOSO & SOUZA (1991 ), fazem as seguintes
considerações acerca das pesquisas no ensino de Geografia, que ora retomamos,
uma vez compreendermos que contribuímos nestas direções:
"1. Os estudos de temas educacionais (conteúdos programáticos,
livros didáticos, papel do professor) feitos à luz das determinações do modo de
produção capitalista, se, por um lado, no nível teórico já demonstraram avanços
importantes, com teses bem elaboradas, por outro lado, no nível dos estudos
empíricos ainda há muito por fazer;
2. Se, ainda relacionados aos aspectos teóricos dos estudos, o
entendimento das condições estruturais são bastante debatidas, não só nos textos
elaborados, como também em encontros de profissionais e congressos, aspectos
conceituais (veja-se o caso do conceito de trabalho no livro didático de
Geografia), ainda merecem estudos mais profundos, tendo, como ponto de
partida, os fatos reais do meio cultural da sociedade onde se manifestam;
3. É necessário todo esse esforço para os estudos dos problemas
educacionais brasileiros porque só assim, com novas idéias, novos
conhecimentos, é que se poderá propor transformações radicais (de raiz) e
imprescindíveis para a recuperação da educação como básica para a formação
de cada cidadão". 1
A partir destas referências, nosso trabalho tem os seguintes
objetivos:
1.SPOSITO, Eliseu S. , CARDOSO, Regina Helena Penatti & SOUZA, José Gilberto de - A ideologia do professor e o Livro Didático. Presidente Prudente: FCT/UNESP-CNPQ, 1991. p. 9. (Relatório de Pesquisa).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
3
1. Contribuir com o debate geográfico, na perspectiva de construir alternativas
metodológicas de pesquisa e ensino;
2. Apontar possíveis caminhos de pesquisa na formação de professores de
geografia;
3. Buscar a aproximação da produção científica em cartografia e o ensino
de geografia da realidade docente.
4. Indicar a importância da cartografia na formação do professor de geografia e
em seu trabalho;
5. Constatar o nível de formação cartográfica dos professores de geografia que
atuam na rede oficial de ensino, em especial nas escolas padrão da D.E. de
Presidente Prudente-SP;
6. Refletir alguns aspectos da proposta de Geografia da CENP, frente a questão
da formação e dos conteúdos cartográficos;
7. Refletir sobre a superação das deficiências de formação do professor.
A busca destes objetivos, reside na consciência que temos de que
discutir os problemas de formação cartográfica do professor de Geografia, é uma
tarefa que não se resume nela mesma. O trabalho de formação de professores não
se revela único do ponto de vista técnico, nem mesmo do ponto de vista político,
muito menos do ponto de vista teórico-prático. Caminhamos neste processo e
verificamos o privilegiamento de um ou de outro. Neste sentido cria-se
concepções de saber, seja técnico, seja político, seja teórico, seja prático, cujas
dualidades não apontam para a superação das problemáticas existentes. Saberes
estes que não superam a dimensão da prática discursiva, ou da reprodução
mecânica de conteúdos sem uma profunda reflexão. Este momento é que permite
a consolidação de um saber que rompa com estas práticas, quando se apresenta
construido na unidade do movimento teórico-prático.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
4
A pesquisa e o ensino de geografia se colocam nesse movimento,
mas têm andado, de certa forma por caminhos tortuosos, pouco precisos, não se
debruçando de forma clara sobre a formação docente. Não se trata do
privilegiamento técnico ou político da formação, como poderemos observar, mas
trata-se da unidade do trabalho docente, como unidade histórica do sujeito e sua
inserção na sociedade.
Não se trata de atribuir ao professor toda a responsabilidade sobre o
fracasso escolar e todo o conjunto de problemas que a escola pública atravessa,
reconhecendo, principalmente, que desde o momento em que iniciamos nosso
trabalho, passamos por quatro movimentos grevistas no Estado de São Paulo,
principalmente por melhores condições de trabalho e salário.
Não buscamos também, estabelecer nessa pesquisa a reprodução
dos modelos academicistas, reproduzindo práticas pouco colaboradoras com os
professores, como por exemplo o "cobaísmo", mas procuramos reconhecer o
professor como parte integrante deste processo, assim como nós o somos. Por
isso acreditamos que uma análise de classe é sempre mais dificil do que uma
interclassista, tendo em vista colocar em pauta a autocrítica, a auto-avaliação do
professor, enquanto uma categoria social e profissional e, portanto, de
reconhecimento das próprias limitações.
Antecipamos também, que não é nosso objetivo traçar um perfil
ideal de formação ou prática docente, pois para nós esta questão não se coloca,
uma vez compreendermos que se trata de um debate mais amplo, coletivo.
Trata-se esta pesquisa de um ponto de partida para o
(re)conhecimento da dimensão social do trabalho docente e que não se fixa ao
que se acostumou chamar de "modelo teórico marxista", ao contrário burla sua
gênese, porque não se trata aqui de discutir apenas os aspectos mais estruturais,
como fazem alguns autores ao colocarem a questão do trabalho docente e suas
deficiências somente sobre o plano da divisão do trabalho. Esta necessidade de
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
5
"modelo" reduz as compreensões e tráz implicações sérias ao método, aos
sujeitos e a história. Esta leitura, de certa forma, concorre com dois problemas: o
primeiro, isenta o professor de sua responsabilidade sobre sua prática, porque
não rompe com este "devir histórico linearizado" da divisão social e técnica do
trabalho; e o segundo, porque esta leitura como dimensão única para o
entendimento da questão, ao equaciona-la de forma imediata propõe a solução: o
"resultado" é a alienação do trabalho, o que não desconsideramos, mas não é o
lugar em que ancoramos nossas dúvidas, pensando termos achado o porto seguro.
Apresentamos sim, um outro questionamento, buscando superar
esta via de compreensão da especialização docente.
No atual momento, as universidades centram uma discussão
interdisciplinar como forma de superação da fragmentação do conhecimento, da
especialização docente. A pergunta que colocamos é anterior a esta: há
especialista na rede pública? Assumimos, nesta altura, que o caminho da
interdisciplinaridade é fundamental para romper as estruturas positivistas de
leitura da realidade - do conhecimento -, mas assumimos também que este
processo demanda reflexões para garantir um ponto de partida, uma
singularidade, uma formação como início de intervenção no cotidiano da história
no nosso caso a geografia.
A prática docente qualificada (especialização) permite este processo
e visualiza-lo integralmente é uma questão de método, é o que permitirá transitar
na formação e na prática docente (do técnico ao político, da disciplinaridade à
interdisciplinaridade, do teórico ao prático e vice-versa), e possibilitará uma
lucidez sobre nossa reflexão, sobre nossa intervenção e preocupação sistemática
com o fazer, com o produzir, com o conhecer (saber).
Saber que o saber é a lucidez científica e política do trabalho que se
constrói no coletivo.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
6
E, ao produzirmos essa pesquisa, percebemos que o discurso de
uma pedagogia crítica acabou "solapando" não só a pedagogia tradicional e
tecnicista, mas, sem pausa para análise, "solapou" também o conjunto de
conteúdos por elas propostos. Reconhecemos, que os conteúdos guardam certa
distância entre si, pois não são os mesmos, porque não é a mesma postura
metodológica, portanto visão de mundo, ciência, ideologia e filosofia, mas
reconhecemos também que, no limite, os conteúdos por elas ministrados não
podem ser ignorados, sob pena de adotarmos o preconceito como delimitador de
nossa leitura científica, e assumir o extermínio e o niilismo como respostas para o
amanhã.
A reflexão de MONBEIG (1994), citada na epígrafe, reabre a
discussão sobre as posturas teórico-metodológicas, ao reconhecer como
''poderosas são as consequências de uma atitude mental e quantos
traços pode ela gravar na geografia de um país "2
O termo utilizado pelo autor, os traços, nos aproxima deste debate,
a formação dos professores e a "representação" que se faz da cartografia -
objetos e objetivos desta pesquisa - e os caminhos traçados no ensmo e no
aprendizado da Geografia.
Por isso, o nosso olhar para dentro é como uma oportunidade sem
igual, como alguém que se preocupa com as questões relativas à pedagogia e à
geografia, buscando uma prática de docência e pesquisa de forma unificada.
* * *
2.MONBEIG, Pierre - "Os modos de pensar na Geografia Humana". ln: Boletim Paulista de Geografia -40 Anos. São Paulo:AGB (68):45:50, 1994, p.47.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
7
O presente trabalho se apresenta dividido em sete partes,
representadas pela Introdução, A questão Metodológica, Cartografia: saber
necessário (?), A formação do professor, O debate geográfico, O domínio
conceituai do professor e Considerações finais, além de Bibliografia e Anexos.
Na primeira parte, Introdução, apresentamos o trabalho e os
objetivos que nos levaram a realização da pesquisa, fazendo referências acerca da
formação do profissional em Geografia, no tocante à especialização, entendendo
esta como elemento fundamental de uma prática docente qualificada, capaz de
produzir saberes que contribdam com a formação discente e a própria Geografia.
No Capítulo I, A questão metodológica, fazemos referências às
pesqmsas em educação e os pressupostos que devem norteá-las quando seu
objeto e objetivo explicitam o compromisso com as transformações sociais, e
como elas se fundem com a prática cotidiana do trabalho, elemento essencial para
o desvendamento desse compromisso e interesse.
Por estas considerações, partimos para a reflexão sobre a
Cartografia como saber necessário (?) - Capítulo II -, onde firmamos nossas
posições sobre sua importância e articulação com a ciência Geográfica. Neste
capítulo, produzimos, ainda, uma breve consideração sobre o estado da arte das
pesquisas em cartografia (geográfica) no Brasil; e num terceiro momento,
colocamos nossas discussões acerca das representações que se construíram sobre
a cartografia, desenvolvidas no calor do debate do movimento de renovação
geográfica.
Ao efetuarmos este reconhecimento da produção e importância da
cartografia no ensino de Geografia, no Capítulo III - A formação do professor-,
passamos a refletir sobre as condições que o profissional do ensino de Geografia
apresenta para levar a cabo as metodologias e o desenvolvimento desta produção
cartográfica. Assim, traçamos discussões acerca da competência técnica e do
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
8
compromisso político, e como este debate influi nas dimensões do "saber
docente", e, portanto, em seu trabalho.
Nestas discussões, acabamos por nos deparar com o próprio debate
geográfico (Capítulo IV) que se estabeleceu no movimento de renovação. E,
analisando estas questões, buscamos refletir sobre as leituras produzidas pelos
professores sobre a proposta da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
do Estado de São Paulo-SP (CENP), para o ensino de Geografia de 1 º grau, onde
incluímos nossas considerações sobre este documento e as implicações de um
saber que se propõe transformador desta realidade.
No Capítulo V, nossas considerações estão relacionadas ao domínio
conceptual cartográfico dos professores de Geografia, das escolas-padrão da
Delegacia de Ensino de Presidente Prudente-SP.
Ao realizarmos as entrevistas com os professores desta DE,
passamos a discutir suas reflexões sobre a formação geográfica e a cartografia, e
o domínio dos conceitos cartográficos, "presentes" no ensino de Geografia.
E, finalmente, apresentamos nossas Considerações finais,
encerrando com a Bibliografia e documentos (anexos) que permitem uma
compreensão mais ampla de nossas reflexões.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
9
Capítulo 1
A QUESTÃO METODOLÓGICA
As pesquisas realizadas no ensmo são definidas por GAMBOA
(1989) como empírico-analíticas, fenomenológico-hermenêuticas e crítico
dialéticas, e estabelece a lógica e o contexto histórico que permitiram o
desenvolvimento de cada uma dessas abordagens. Afirma, ainda, que estas
abordagens se diferenciam nos aspectos técnicos, teóricos e gnosiológicos, e
define que as pesquisas crítico-dialéticas questionam fundamentalmente a visão
estática da realidade implícita nas outras duas abordagens.
"Sua postura, afirma o autor, marcadamente crítica expressa a
pretensão de desvendar, mais que o coriflito das interpretações, o conflito dos
interesses. Essas pesquisas manifestam um interesse transformador das situações
e fenômenos estudados, resgatando sua dimensão sempre histórica e
desvendando suas possibilidades de mudança". 3
SCHMIED-KOWARZIK, debatendo a questão metodológica da
pesquisa em educação argumenta que a ciência da educação é conduzida
3.GAMBOA, Sílvio A. S - "A dialética na pesquisa em educação: elementos de contexto". ln: FAZENDA, lvani - Metodologia da Pesquisa Educacional. São Paulo: Cortez Editora, 1989. p. 95.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
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''por um interesse libertário de conhecimentos voltados à
emancipação e libertação dos homens. Quando ela se torna consciente deste
interesse condutor do conhecimento, percebe-se dialéticamente envolvida na
teoria crítica da sociedade, pois o objetivo desta "teoria crítica" é a análise
reveladora de todas as imposições e mecanismos sociais que mantêm os
indivíduos não emancivados e sem liberdade". 4 ...
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(,11(
Afirma ainda, esse autor, que o pensamento 1precisa se fundamentar
dialéticamente, isto é,
''precisa se explicar numa reflexão filosófica fundamental em sua
relação com a prática. Por isso a pedagogia dialética não é apenas uma diretriz
no plano teórico da ciência da educação, mas a preocupação teórico cientifica
(filosófico-fundamental) da fundamentação da pedagogia como ciência que,
enquanto prática, não possui seu sentido em si mesma, mas na humanização da
práxis". 5
Revela esta assertiva que a opção metodológica, pretensa e
comumente marcada por jargões, não precisa se estabelecer como uma profissão
de fé, ao contrário, as próprias formas de tratamento das questões, a
problematização, as preocupações e o envolvimento concreto, quando apontados,
demonstram a trajetória que perseguimos. Significa dizer que) no centro desta
discussão, 1)r · • i Jlr \' 0 ; )e
// ''privilegiariiõs a dimensão do método como referencial mais
abrangente que possibilite o reconhecimento de ciência, ideologia e filosofia
4.SCHMIED-KOWARZIK , W - Pedagogia Dialética: de Aristóteles à Paulo Freire". São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 13-14.(grifo nosso).
5 .Idem, p. 15.
/ (
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
11
como modalidades de saber/conhecimento e suas possíveis articulações na
atividade cientifica". 6
Reconhecer isto é partir do princípio que ciência, ideologia e
filosofia, enquanto modalidades do saber, da consciência, objetivam, em comum,
referenciar intelectualmente as atividades humanas7, ou seja, referenciam o
concreto, e os embates que nele se estabelecem - os interesses.
Deve-se compreender que ignora~istência destas modalidades se
trata de uma questão de método, o que permite a unificação/articulação ou
separação/dicotomização da realidade, portanto, do conhecimento.
Assim, o problema metodológico se concentra não na separação
entre as modalidades, mas como argumenta LOWY (1991)8, no não
questionamento da própria indagação inicial que motiva a pesquisa e portanto
orienta o pesquisador no método. A separação identifica não apenas uma postura
teórica, mas uma prática de produção científica, que o autor qualifica como
positivista. Uma prática consoante e submissa à divisão do trabalho intelectual
científico, que não se restringe a ele próprio, mas contempla, também, sua
inserção no contexto social que a exige.
Questionar esta postura elimina a possibilidade de preconceitos e
desmistifica a coluna vertebral positivista: a neutralidade científica, que
fundamentou um modelo de geografia, e que se inscreve diretamente naquilo que
LACOSTE,já reconhecia em 1974.
6.SOUZA, José Gilberto de, & ALVES, Willian Rosa - "Geografia e Método: o pesquisador entre a janela e a calçada". ln: Universitas: Ciências Humanas e da Saúde. São José do Rio Preto-SP: Ed. Sociedade Riopretense de Ensino e Educação, 1994. Vol. 1 n.3. (no prelo).
7.JAPIASSU & MARCONDES - Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990, p. 127
8.LOWY, Michel - As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Muchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. São Paulo: Busca Vida, 1987, p. 43-55.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
12
"O problema ideológico parece estar no cerne do problema
epistemológico da geografia". 9
Reafirma-se, assim, que o problema da "crise geográfica", em
grande parte se debateu sob a ótica do aparente (físico-humano, a geografia física
e a geografia humana, ou a "geografia científica" e a "geografia política"), e o
problema se colocava um pouco mais além.
Tratava-se de reconhecer os posicionamentos metodológico
científicos dos trabalhos, a partir dos embates que a sociedade brasileira vivia e
vive, e como os resultados destas pesquisas traduziam, traduzem, transformam e
marcam (traços) esta realidade. O debate "crítico" sobre o humano x físico,
elaborou uma leitura imediata sobre a aparente crise da geografia.
''A rigor, o que ocorre, com mais sofisticação intelectual em alguns
casos e com o primarismo crasso do tabu em outros, é a crítica apressada de
quem vê a árvore mas não vê a floresta". 10
E também observamos, e temos tido o cuidado de reafirmar a
inserção deste trabalho em contextos mais amplos, em determinações outras, tais
como a questão salarial dos docentes, a desestruturação física e intelectual da
escola, as condições sócio-econômicas de alunos e professores. Questões estas
que aqui não se colocam em debate, mas respondem pelos apontamentos que
fazemos. Revela-se, portanto, nossa coerência metodológica ao reconhecermos
que o privilegiamento das categorias de análise devem representar a dimensão da
existência/realidade concreta e a dimensão ôntica possível, que é o trabalho
9.LACOSTE, Yves - "A Geografia". ln: CHATELET, F. (Org.)-A filosofia das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. p. 239.
10.MELO, Jayro Gonçalves - "O ponto de apoio". ln: Caderno Prudentino de Geografia. Presidente Prudente: AGB (13):6-9. jun/1991 p. 7.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
13
humano, interagindo com ela, num movimento constante e que sustenta o
método.
"Portanto, este método é o instrumento que permite compreender a
prática humana na sua integralidade, porque procura acompanhar o movimento
real, conduzindo-nos por ele e com ele, e não abstraindo/extraindo-nos a
possibilidade da consciência do trabalho, como no caso dos idealismos e dos
materialismos não dialéticos. Ou seja, comporta a práxis, a união possível e real
entre teoria/idéia e prática/concreto, o acompanhamento de uma realidade que
se experimenta"11,
e não apenas se "estuda".
Trata-se, portanto, de realizar conscientemente e ter consciência da
realização, e o princípio deste processo é a reflexão sobre o nosso trabalho, como
afirma Marx:
"(..) todos os mistérios ... encontram sua solução racional na práxis
humana e no compreender esta práxis". 12
A superação dicotômica requer a dimensão da prática e, assim, a
questão da formação dos professores se inscreve neste debate não apenas porque
o produto do trabalho do professor é a consciência que se constrói, mas porque é
este trabalho/práxis que pode construir uma outra consciência que permite
elaborar outros conceitos para transformar o real, a partir do entendimento das
determinações desse mesmo real. Assim, contemplar o real, interagir, buscar, ter
11 .SOUZA & ALVES, 1994. op. cit. p. 8 12.MARX, Karl apud CLARET, M (Coord) - O pensamento vivo de Karl Marx. São Paulo: Martin
Claret, 1985. p. 66.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
14
consciência do real (saber que sabe), é o que determina claramente que os
homens
"são produtos das circunstâncias da educação, e que, portanto,
homens diferentes são produtos de outras circunstâncias e uma educação
diferente (..), esquece-se que são precisamente os homens que modificam as
circunstâncias e que o educador precisa ser educado". 13
Educar o educador implica, portanto, em permitir que se discuta as
necessidades de sua prática e a dimensão que ela tem, afim de (re)construí-la na
dimensão da consciência de seus avanços e de suas deficiências. Esbarra esta
discussão no conteúdo, não somente naquele que se inscreve como específico,
mas sobretudo, naquele que se inscreve como instrumental de reflexão sobre a
prática.
"O conteúdo, então, é o fundamento original de uma ciênciai Jua ./
dimensão não pode estar congelada, abstrata, mas corresponder ao movimento.
Esta relatividade exige a identificação da especialidade do conteúdo e, portanto,
da ciência segundo sua especificidade". 14
Neste caso afirmamos que na condição de fundamento original da
ciência, é também o fundamento de quem a produz, que identifica o
posicionamento metodológico e permite diferenciar as modalidades de saber
abstraidas (ciência, ideologia e filosofia). Se concebermos a prática docente
como uma pesquisa cotidiana que raramente se escreve, observamos que o
conteúdo para o professor se coloca como fundamento de sua práxis.
13.MARX, Karl apud CLARET, M, 1985. op. cit. p. 62 14.SOUZA & ALVES, 1992. op. cit. p. 18.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
15
Para nós, significa dizer que o domínio conceptual (conteúdo)
cartográfico nada mais é que uma das especificidades da ciência geográfica, e
que também implica, necessariamente, no domínio do professor sobre seu
trabalho, sobre seu desvendamento acerca do real (a consciência da consciência).
Esta colocado, assim, o que buscamos.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
16
Capítulo II
CARTOGRAFIA: SABER NECESSÁRIO (?)
"O tratamento gráfico se aprende! Como acreditar nisso se na escola ninguém nos falou dele? " (Jacques Bertin).
Esta pesqmsa, como asseveramos, apresenta como preocupação
central o trabalho docente na perspectiva de sua formação em uma área específica
da ciência geográfica. Salientamos que não se trata de um trabalho de cartografia,
mas de reflexão sobre o domínio conceptual dos professores acerca dos
conteúdos que esta disciplina apresenta nos cursos de formação em geografia.
Nosso interesse pela temática (o ensino de geografia e suas
dimensões), iniciou-se ainda na graduação quando das discussões sobre os
avanços teórico-metodológicos desta ciência e seus reflexos sobre a prática
docente.
Num primeiro momento nossas preocupações estiveram voltadas à
"velha" discussão da dicotomia Física-Humana, e buscávamos refletir que
caminhos poderíamos propor para superar esta fragmentada leitura. Assim,
voltados para o livro didático, como objeto de discussão, colocávamo-nos, de um
lado, espreitados pela proposta Curricular de Geografia da Coordenadoria de
Estudos e Normas Pedagógicas -CENP, e de outro, pela importância significativa
que o material didático adquiriu frente ao trabalho do professor, e assumimos
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
17
que, para nós, o livro-texto "destilava" todo o "mal", e se tratava do grande
causador dos problemas do ensino de geografia no 1 º e 2° Graus.
Mediados por esta visão, iniciamos nosso trabalho de Monografia
de Bacharelado, e as discussões com o orientador nos conduziu para uma
reflexão sobre o conceito de trabalho15• A pesquisa nos deu margem para
iniciarmos algumas reflexões que apontaram para este tema, uma delas era a
questão do domínio conceptual do professor acerca daquilo que ele "ensina", e
outra, talvez a mais importante, era a compreensão de que o problema da
geografia não se encerrava nela mesma enquanto ciência, mas da prática
científica que a constrói, portanto, do trabalho e, imediatamente, no ensino e na
formação do professor.
A princípio formulávamos as seguintes indagações: o que é
formação docente ? E, em se tratando de Geografia, como transitar em uma
ciência tão ampla? Claro que as respostas apontavam para o método que poderia
possibilitar o recorte e pontuar as preocupações relativas à amplitude geográfica e
à formação docente.
Desta forma nossas reflexões começaram a buscar caminhos,
talvez, como disse Marx, pela imposição do reino da necessidade. Iniciamos por
realizar um levantamento bibliográfico (livros, teses, dissertações e artigos) sobre
formação docente, formação geográfica e trabalho docente, e percebemos que as
contribuições relativas à cartografia eram escassas. O interesse culminou com
nossa aprovação no Concurso de Provas e Títulos junto ao Departamento de
Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual
Paulista FCT /UNESP - Campus de Presidente Prudente, onde ministramos a
disciplina de Cartografia Geográfica (1992-1993). Sem sombra de dúvida, isto
fez com que nossas discussões ganhassem corpo, o contato com o ensino, os
trabalhos de orientação, e as discussões com professores nos cursos, por nós
15.SOUZA, José Gilberto de - O conceito de Trabalho no livro didático de Geografia - 1969-1979. Presidente Prudente: FCT/UNESP-CNPQ, 1991. (Monografia de Bacharelado).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
18
ministrados na universidade 16 e nos encontros da Associação dos Geógrafos
Brasileiros (AGB)17, foram alguns dos canais de reflexão.
Neste processo de desenvolvimento das atividades pudemos
perceber, de um lado, as deficiências de formação dos professores, e do outro, o
interesse destes em romper com as dificuldades, ao reconhecerem a importância
da cartografia no ensino de Geografia.
16.Referimo-nos ao Curso Preparatório para o Concurso de Professor III, organizado pela AGB Presidente Prudente, onde ministramos, junto com o Prof. Dr. Marcos Alegre, a frente de Geografia e Cartografia, e com a Prof. Luiza Helena S. Christov, a frente de Ensino de Geografia, tendo como base as indicações bibliográficas do DOE de 19/maio/1992 -Concurso PIII. O Curso de Pós-Graduação LatuSensu realizado pelo convênio UNESP/Fundação para o Desenvolvimento da Educação - FDE (180 horas), organizado pelo Grupo Acadêmico Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAsPERR), para professores de geografia da rede pública, onde estivemos como responsáveis pelo Módulo III Representação do Espaço, e ainda, as visitas realizadas nas escolas padrão, nos horários de HTP dos yrofessores, para realizarmos alguma discussão/orientação sobre Cartografia e ensino de Geografia.
7.A Associação dos Geógrafos Brasileiros desempenha importante papel na formação docente através de seus encontros, onde, juntamente com o Prof. Sérgio Braz Magaldi, tivemos a oportunidade de realizar Trabalhos Orientados (TOs) discutindo temáticas relativas ao ensino de geografia no 1° e 2° Graus, no IX ENG (Presidente Prudente-SP.) e no 1 ºFala Professor Paulista (Campinas-SP.).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
19
1.Geografia e Representação A cartografia é um dos nós da Geografia que se pratica, ou se trata de um conhecimento desnecessário ?
A cartografia atualmente é considerada uma ciência. Nasceu
efetivamente na segunda metade do século XIX, em virtude da diversificação e
da sistematização científica da própria geografia18 e cuja definição foi dada pela
Associação Internacional de Cartografia, como
"conjunto de estudos e operações cientificas, artísticas e técnicas
que permitem a partir de resultados de observação direta ou de exploração
documental, em vista da elaboração de cartas, plantas e outros modos de
expressão, assim como de sua utilização". 19
A originalidade da cartografia está desse modo exposta de tal forma
que, embora sirva como fonte de recursos para análises geográficas, contém todo
um desenvolvimento científico autônomo. Este mesmo desenvolvimento
produziu diversas concepções e definições:
"Conjunto coerente de idéias e diretrizes que permitem a utilização
racional de toda uma forma de processos e técnicas para se chegar a resultados
científicos". 20
18.A nossa observação se faz referente ao processo de sistematização científica ocorrido na segunda metade do século XIX, o que não significa desconsiderar os avanços acumulados pela ciência cartográfica, desde períodos mais primitivos conforme citam os trabalhos de CORTESÃO (1960), HAKIM (1991), HARLEY (1991), JOLY (1990), KATUTA (1992), LIBAULT (s.d.), RAISZ (1969) e WOOD (1987). 19.CUENIN, R. - Cartographie générale: notions générales et principes d'elaboration. Paris:
EYROLLES, 1972. p. 9. 20.RIMBERT, Sylvie - "Leçons de cartographie thématique. Paris: Sedes, 1968. p.13.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
20
''A Cartografia é a arte de conceber, de levantar, de redigir e de
divulgar mapas". 21
"Lato sensu, a Cartografia é a ciência ou o método de fazer mapas.
E o mapa é a representação da superficie da Terra, mediante certa escala. E esta
superficie da terra é o campo de estudo da Geografia. Assim a Cartografia
representa o que a geografia estuda". 22
Transparece assim um conceito comum para a Cartografia: arte,
método e técnica de representar o espaço geográfico e seus fenômenos.
Ressaltamos que enquanto arte, entendemos a qualidade plástica (estética) da
representação, da utilização das cores, as tramas, o traçado, etc.; enquanto
técnica, a precisão de seus traçados e de suas informações e enquanto método,
pela sua possibilidade de reflexão, análise e interpretação das informações
trabalhadas.
Procurando romper com os "velhos modelos" de definição o
cartógrafo russo K.A. SALICHTCHEV (1988), define cartografia a partir de
uma articulação com o conjunto das ciências naturais e sociais.
"ciência que retrata e investiga a distribuição espacial dos
fenômenos naturais e culturais, suas relações e suas mudanças através do tempo,
por meio de representações cartográficas - modelo de imagem-símbolo que
reproduzem este ou aquele aspecto da realidade de forma gráfica e
generalizada". 23
21 .JOLY, Femand-A cartografia. Campinas-SP: Papiros, 1990. p.7. 22.ALEGRE, Marcos - "As funções da Cartografia no curso de Geografia". ln: Boletim do
Departamento de Geografia. Presidente Prudente-SP: FFCL, 1969. p.66. 23.SALICHTCHEV, K.A. - "Algumas reflexões sobre o objeto e método da cartografia depois da sexta
Conferência Cartográfica Internacional" ln: Seleção de Textos: Cartografia Temática. São Paulo: AGB São Paulo. (18): 17-22 maio. 1988.p. 22.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
21
Esta definição do cartógrafo russo, apóia uma dimensão crítica da
produção cartográfica que vem ganhando espaço nos debates dos últimos anos.
As definições apresentadas, sobretudo a de ALEGRE (1969),
também demonstram claramente a proximidade, ou melhor o vínculo que se
estabelece entre a Cartografia e a Geografia, não apenas pela estrutura curricular
dos cursos de formação, mas principalmente pela importância que ela apresenta
no ensino e na pesquisa geográfica. É o que observamos nos cursos de
"reciclagem" ou "capacitação" promovidos pela Secretaria Estadual de Educação
- FDE-CENP, e nos encontros da AGB, a presença de um grande número de
professores e alunos de graduação em geografia que se interessam por esta
temática.
Com certeza este dado foi um dos que motivaram esta pesquisa,
além da constatação da quase inexistência de trabalhos nesta direção, o que nos
coloca alguns questionamentos que serão apontados a seguir.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
22
2. A pesquisa em cartografia no Brasil: o estado da arte
Vale reafirmar que ao optarmos pela discussão da formação de
professores em Cartografia pretendemos chamamos atenção para três frentes de
reflexão possíveis de ser desenvolvidas e partir deste trabalho: uma delas está
relacionada a própria pesquisa cartográfica indicando a necessidade de ampliar as
linhas de abordagem; a outra esta relacionada à importância da formação docente
e à qualidade do ensino de cartografia dispensado dentro das universidades
públicas e privadas, e a última, mas não menos importante, é como proporcionar
oportunidades para o professor romper com estas deficiências.
Os trabalhos realizados junto a área de Cartografia (geográfica) e
Ensino no Brasil, são poucos e vinculam-se basicamente a três grandes linhas24:
a- Metodologia de Ensino
b- Teoria da Aprendizagem
c- Técnicas e Comunicação Cartográfica
a) Metodologia de Ensino:
A linha de pesquisa em metodologia de ensino busca basicamente
discutir problemas ou elaborar técnicas de aprendizagem que facilitem a
construção dos conceitos geográficos e cartográficos junto aos alunos de pré-
24.Estabelecemos esta classificação para que os possíveis usuários deste trabalho possam reconhecer a produção cartográfica no Brasil. Não é nossa intenção, pelo menos neste momento, realizar uma análise mais profunda sobre esta produção científica, pois esta classificação se estabeleceu mediante estudos realizados não só para esta pesquisa, mas também da necessidade de preparação das aulas de Cartografia ministradas nos cursos de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia FCT/UNESP(Pres.Prudente) e das Faculdades Integradas Riopretense (FIRP-São José do Rio Preto), e cursos para professores, inclusive de pré-escola, este último junto as prefeituras de Presidente Prudente, São José do Rio Preto e Nova Granada-SP.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
23
escola, 1 º e 2° Graus. Os trabalhos produzidos, os quais os professores de
geografia têm tido acesso, são, principalmente, os de ABREU (1985),
ALMEIDA (1991), ANTUNES (1987), FADEL & ALMEIDA (1991), GOES
(1982), LE SAN (1985), PAGANELLI (1985), SIMIELLI (1986, 1992, 1993).
Há ainda algumas publicações estrangeiras de uso comum por alguns professores,
uma vez que terem sido publicadas em revistas especializadas no ensino de
Geografia, são os trabalhos de BERTIN & GIMENO (1982) e BONIN (1982).
b) Teoria da Aprendizagem:
A questão da aprendizagem ganhou importância sobretudo com os
trabalhos de Jean Piaget sobre psicologia genética que passaram a ser lidos e
discutidos no Brasil com maior entusiasmo a partir de meados da década de 70,
quando a proposta tecnicista de ensino já apresentava suas deficiências. As
pesquisas cartográficas nesta linha têm como marco inicial o trabalho de Livia de
OLIVEIRA (1978), e que praticamente a constituiu, na medida em que após seu
trabalho, orientou junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da
UNESP/Rio Claro, as pesquisas de CRUZ (1982), CECCHET (1982), GOES
(1982), além de outras publicações como: OLIVEIRA (1972, 1985), OLIVEIRA
& MACHADO (1985), MACHADO & OLIVEIRA (1980), e os trabalhos de
PAGANELLI (1985,1987), ALMEIDA & PASSINI (1989), e KATUTA (1992).
Estas pesquisas enfocam basicamente a construção de conceitos geocartográficos,
a partir dos trabalhos de Jean Piaget e, mais recentemente, das contribuições de
Vygotsky25•
25 .A título de referência, os trabalhos de PIAGET (1967,1975, 1976), PIAGET & INHELDER (1968, 1972) e VYGOTSKY (1991), este último traduzido e editado no Brasil a partir de meados da década de 80.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
24
c) Técnicas e Comunicação Cartográfica:
Esta linha de pesqmsa procura discutir duas questões
fundamentais: uma esta ligada à teoria da comunicação, à produção de mapas; e
a outra, às técnicas de representação cartográfica. Os trabalhos que se inscrevem
nesta linha têm como referência as pesquisas e publicações de ALEGRE ( 1964,
1970), DE BIASI (1970), DE BIASI & SIMIELLI (1977), BARBOSA (1963,
1968), SIMIELLI (1981, 1986), MARTINELLI (1984, 1985, 1987, 1988a,
1988b, 1990, 1991), OLIVEIRA (1993), DUARTE (1983, 1988), LE SAN (1983,
1984), SANTOS (1987), TEIXEIRA NETO (1982) e VASCONCELOS (s.d.).
Nossos questionamentos colocam-se não no confronto com as
produções destas pesquisas, mas sim num posicionamento claro: por quais
caminhos estas pesquisas poderão avançar ?
Se de um lado temos um conjunto de metodologias e técnicas sendo
produzidas para que o professor as desenvolva em sala de aula, até que ponto não
teremos nele um simples reprodutor de estratégias ? Qual a qualidade formativa
dos profissionais que deverão dar conta destas tarefas?
No tocante à construção de conceitos que são fundamentais ao
aluno em seu desenvolvimento cognitivo, psicomotor e afetivo, as questões que
apresentamos são: como poderá o professor propiciar a construção de conceitos
que não domina? A partir da cartografia através dos conteúdos geográficos, é
possível ao aluno adquirir/construir habilidades/conceitos básicos ao seu
desenvolvimento integral, tais como o domínio das relações espaciais
topológicas, projetivas e euclidianas, representação, orientação, localização,
generalização, abstração do concreto, etc.26 E pela dimensão do concreto, parece
nos ser este o ponto fundamental no processo ensino/aprendizagem, parte-se do
26.Dentre os trabalhos por nós citados na linha de pesquisa "Metodologia de ensino", inscrevem-se os trabalhos de ABREU (1985) e PAGANELLI (1985), que apresentam, sobretudo o último, os processos de construção destes conceitos e sua importância no ensino de geografia.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
25
concreto para a formulação do pensamento sobre o concreto e, posteriormente, o
concreto representado e transformado27• Como o professor de Geografia
permite/possibilita este reconhecimento espacial? O que percebemos é que os
conteúdos geocartográficos permitem a realização deste processo de crescimento
cognitivo, revelando-se, assim, como fundamentais ao ensino, não só de
geografia, mas de toda a aprendizagem em geral.
No conjunto, todas estas pesquisas, sobretudo as que pertencem as
duas primeiras linhas, acabam por questionar as condições formativas dos
professores para realizar tais tarefas, e até mesmo se este profissional tem
consciência da necessidade de sua concretização.
27.KATUTA (1992, Cap. IV e V), baseando-se em PIAGET, discorre sobre os conceitos de operação, percepção e representação, desenvolvidos e necessários a obtenção da noção de espaço e necessários para o trabalho com mapas.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
26
3. Uma representação sobre a cartografia
"Tudo isso é legível sobre a carta, mas como não é visível, ninguém vê." (Jacques Bertin).
No item anterior avançamos significativamente na formulação de
um conceito sobre cartografia, o que significa dizer que buscamos romper com
uma possível vinculação, estreita por sinal, da Cartografia com os modelos
tecnicistas. E o que poderemos observar em capítulos posteriores é que, apesar
de arraigada à cartografia esta visão tecnicista, a discussão da formação docente
a partir do domínio conceptual cartográfico não comparece, ainda que no limite
do técnico.
Assim, ao propormos este debate, a Cartografia no Ensino,
queremos resgatar a importância da formação cartográfica e os desvios que se
tem estabelecido, e como estas concepções podem ter marcado uma compreensão
(traços) sobre a cartografia e, por sua vez, ter influenciado a leitura dos
professores das contribuições efetivas deste conhecimento, ou desta "disciplina",
no processo de renovação geográfica.
Muitas das leituras que se fizeram da cartografia, sobretudo nos
últimos anos, com o intenso debate sobre a trilogia geográfica (o que, por que e
para quem), associaram-na com o poder estatal e colocaram-na, de certa forma,
como uma representação de um modelo de geografia que se praticou. Esta visão
produziu um completo abandono e porque não dizer, germinou um certo
preconceito em relação às disciplinas de cunho técnico.
Pensar em cartografia, dedicar-lhe importância junto a ciência
geográfica comprometia uma certa "conduta" de pesquisador-docente. Ou seja
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
27
como se a posição "política", "teórico-metodológica", ou melhor dizendo o status
quo pudesse ser abalado e não ser mais ser identificado como "marxista", de
esquerda, portanto, libertário e democrático. Passou-se a acreditar, ou a se criar
uma "cultura" de que para "ter/exercer" efetivamente estas posturas/posições
pudéssemos prescindir, sobretudo em geografia, de conhecimentos técnicos e
cartográficos.
Este conceito se propagou, como algo subrepitício, e mesmo as
citações, abaixo apresentadas, não permitem afirmar, categoricamente, que os
autores tinham de fato a intenção de dar tal tratamento a cartografia. O que
afirmamos é que foram importantes para criar esta espécie de (idéia)
"consciência coletiva".
VLACH (1992), em seu artigo "Da ideologia no ensmo de
Geografia de 1 º e 2º graus", apresenta algumas argumentações que justificam esta
nossa afirmativa.
''A 'vaga', no programa escolar, para a disciplina da descrição da
terra ('Geografia' etmológicamente, descrição da terra), portanto vinculou-se à
razão enquanto instrumento de dominação da burguesia (industrial>.
"(..) sem (nenhuma) importância, baseado na exigência da
memorização de informações e dados, obtidos em trabalhos de campo, desde os
mais simples (realizados no âmbito da escola), até os mais sofisticados
(patrocinados direta ou indiretamente pelo Estado). que se encarregavam do
levantamento dos diferentes lugares e de sua (meticulosa) cartogra_fia. 28
"o lugar, o conteúdo a priori (e de fora) determinado, que deveria
ser descrito e representado cartograficamente pelo professor. passou a ser
28.VLACH, Vânia Rubia - "Da ideologia no ensino da geografia de 1 º e 2º graus". ln: Revista Orientação. São Paulo: Instituto de Geografia /USP, 1992. p.30-31. (grifo nosso).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
28
objeto de estudo da Geografia (território, país, terra, espaço são outros termos
que aparecem com muita frequência como sinônimos)". 29
''Ao impor o seu poder espiritual, os intelectuais orgânicos da
burguesia encontraram no conhecimento geográfico um importante aliado. pois.
tradicionalmente esta vinha descrevendo a terra. sua população e suas
atividades econômicas. A(s) descrição(ções) permitiu(ram) a acumulação de
dados e informações, geralmente cartografados. tendo-se chegado a confundir
geógrqfo com cartógrafo durante muito tempo".
Ao argumentar sobre o território, o "facilmente cartografável", a
autora comenta:
"Coube-lhe um (determinado) lugar na estruturação do saber
(pedagógico e, portanto, hegemónico) na medida em que, tendo privilegiado as
chamadas bases físicas de um espaço nacional precisamente delimitado. sob a
ótica do determinismo (ou possibilismo), isto permitiu que a burguesiafizesse do
território (da terra nata() o sujeito da história". 30
CORRÊA (s.d.), em seu artigo "Da 'Nova Geografia' à 'Geografia
Nova"', afirma :
''A produção da Nova Geografia apresenta várias características a
saber:
- um domínio da descrição. ou seja. a produção de padrões
espaciais e classificações que são meras fotografias e que na melhor das
29. Idem, p.30.(grifo nosso).
30. VLACH, Vânia Rubia - "O ensino da Geografia e a imagem da pátria". ln: Geografia em debate.
Belo Horizonte: Ed. Lê, 1990. p. 58.(grifo nosso).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
29
hipóteses podem ser pontos de partida para a pesquisa geográfica; a ausência de
processos da história, marca esta descrição.
- uma consideração do espaço através, de um lado, de sua
representação matemática. onde o espaço é visto como um COf'lfunto finito de
vontos caracterizado vor um coniunto finito de atributos. servindo deste modo ...o. JL V D
para análises matriciais e confundindo o objeto com sua representação
matemática; de outro, enfatizando-se por demais o conceito de espaço relativo,
estruturado por custo de transferência, onde a distância - tempo ou distância -
custo passa a ser a variável mais significativa; ou ainda considerando-se o
espaço como mero palco, inerte, onde se desenrola a ação humana.
As características acima apontadas estão, em realidade
interligadas, e juntas definem uma ideologia, ou seja, nas palavras de Anderson
'um sistema de idéias que fornecem avaliações distorcidas e parciais da
realidade , com o efeito objetivo, e nem sempre pretendido de servir aos
interesses parciais de determinado grupo ou classe social', que é em realidade a
classe dominante". 31
VESENTINI (1992), menciona que
" A construção da geografia moderna dependeu em especial de
duas determinações essenciais: O "Estado nação - que sob a .forma de ''país".
com ênfase no seu território e desenho cartográfico. foi "naturalizado" - e o
"sistema escolar" - locus por excelência das práticas geográficas e grande
mercado de trabalho para os geógrafos. 32
31 .CORRÊA, Roberto Lobato, - "Da Nova Geografia à Geografia Nova". (mimeo) (s.d.) p. 9-10.(grifo nosso).
32.VESENTINI, José Willian, "O método e a práxis". ln: Para uma geografia crítica na escola. São Paulo: Ática, 1992. p. 51.(grifo nosso).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
30
Estas citações permitem perceber que a cartografia é de certa forma
vinculada a uma produção geográfica, e no momento do debate, no calor de
derrubar os pressupostos teórico-metodológicos espelhados pela geografia
tradicional, sobretudo a teórico-quantitativa33 (New Geography), e de fundar uma
"geografia nova", com base materialista, ou crítica, a cartografia acabou sendo
vinculada ao que era "velho", ou ao que não era "revolucionário".
O texto de LACOSTE (1974), "A Geografia", refere-se à existência
de várias geografias que
''persistem, discreta e relativamente eficazes, orientadas pelos
objetivos daqueles que exercem o poder, que estão estreitamente ligadas a uma
prática militar, política e econômica". 34
O que afirmamos, em cima da existência de outras leituras
geográficas, é que qualquer "geografia" que queira romper com um modelo
tradicional ou tecnicista não pode prescindir do conjunto de conhecimentos
produzidos sob o apanágio de Ciência Geográfica. A cartografia (geocartografia)
faz parte deste conjunto, e, assim, uma leitura apressada a associa não só a uma
prática científica (método descritivo) em geografia, mas também a um projeto
ideológico do Estado.
A cartografia passa a assumir para o professor não apenas os
problemas de ordem ideológica, mas também de ordem prática/formativa: o
domínio e ensino de seus conhecimentos.
BERTIN & GIMENO (1982), esclarecem a forma como se enxerga
a cartografia e destaca sua importância no trabalho docente:
33. Sobre a evolução do pensamento geográfico ver: MORAES (1984 ), QUAINI (1979), MOREIRA
p987, 1988, 1991). 4.LACOSTE, 1974, op. cit. p. 266.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
31
"Se a cartografia sempre foi considerada por muitos um tabu, o foi
por hábitos mal adquiridos durante todo o período de escolarização (da escola
primária à universidade), que pelo caráter 'técnico' desta ciência.
"descobrir as diferentes utilidades do mapa e fazer da aula de
cartografia, ligada a muitos outros domínios, se trata não somente de uma
atividade pedagógica, mas também uma aula alegre". 35
Assim, sobre a cartografia não caiu apenas o desprezo ao domínio
técnico, mas principalmente o preconceito: porque era "tão notório" que ela
representava a dominação.
A mais utilizada projeção em todo o mundo, a transversa de
Mercator, por exemplo, apresenta nas altas latitudes uma "deformação" -
principalmente no hemisfério setentrional por conta da continentalidade - e
"impõe" uma "grandeza" territorial, e portanto, "ideológica, política e
econômica", seja ela Norte Americana, Europeia ou Russa, sobre os países
meridionais. Além da representação setentrional estar colocada na "parte de
cima" do mapa (planisfério).36 Junte-se ao fato de que para o (novo) debate
geográfico o que se colocava como importante era a retórica marxizada e o
domínio do contexto (pelo menos no discurso) social, político e econômico do
país e do mundo. A compreensão de muitos foi de que nestas dimensões de
análise, a cartografia, não garantia ou contribuia.
A importância pedagógica da cartografia deixa de ser vista. Não se
percebe que os domínios conceituais e habilidades poderão se colocar como
importantes ao desenvolvimento dos alunos. Por isso levantamos outros
questionamentos, próximos a esta leitura de ciência geográfica, que também pode
35 .BERTIN, J. & GIMENO, Roberto - "A lição de Cartografia na escola elementar". ln: Boletim Goiano de Geografia. Goiania:UFGO, 1982 2(1) p.40.
36.o que evidencia esta questão é que , no calor do debate, a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), produz um planisfério com a projeção equivalente de Peters, "invertendo" as posições dos hemisférios norte e sul. Tratava-se do "contra discurso cartográfico" da Geografia Nova.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
32
ser considerada utilitarista: os conceitos cartográficos, tratam-se ou não de
domínios que são exigidos no mercado de trabalho e nos vestibulares ? Ou
mesmo: como pode um operário discutir política salarial "impedido" de realizar a
leitura de um gráfico, ou cartograma, que apresenta os salários pagos pela
empresa, ou por outras, em vários locais do país ou do mundo? O trabalho de
conscientização sindical e a visão histórico-política da sociedade, são
fundamentais, mas precisamos perceber que a instrumentalização (escola
elementar) do cidadão, como diz GRAMSCI(l982),37 é necessária ao "avanço", à
"transformação" social. O domínio dos conteúdos geocartográficos se colocam
neste processo de instrumentalização.
E se nos esforçamos para apontar a importância da cartografia no
ensino de geografia em todos os níveis, é também porque compreendemos que
ela tem uma relação direta com o movimento de renovação desta ciência e seu
distanciamento desse debate com certeza implicou também nas dificuldades de se
fazer avançar. É o que buscamos observar inclusive no que o relator Newton
Sucupira apresenta em seu parecer nº 412/62, aprovado em 19 de dezembro de
1962, que versa sobre a Geografia Habilitação Única: Licenciatura. Após elencar
um conjunto de disciplinas que compõem o currículo mínimo do curso de
Geografia, faz o seguinte comentário a respeito da cartografia:
''Ao lado destas matérias incluímos a Cartografia, por todos considerada
como indispensável. pois não se poderia compreender um professor de
Geografia que não soubesse fazer um croquis, nem ler ou interpretar cartas e
diagramas.
''A Comissão de Professores de Geografia organizada pela
Diretoria do Ensino Superior para a elaboração de um projeto de currículo
37.GRAMSCI, Antônio - Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982 - Ou mesmo o trabalho de LOMBARDI, Franco - Las ideas pedagógicas de Gramsci. Barcelona: A.Redondo, 1972.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
33
mínimo preferiu designar esta matéria 'Práticas de Cartografia'. Com este nome
quis a Comissão acentuar, assim me parece, que não se trata do estudo teórico
da Cartografia como especialidade em si mesma, mas seu estudo prático na
qualidade de instrumento necessário para a boa formação do professor de
Geografia. nos cursos médios". 38
Esta nossa preocupação com o ensino de cartografia nos cursos de
geografia, também fora pontuada por ALEGRE (1969), ao discutir a inclusão da
cartografia no currículo, e esclarece que a questão da formação nesta área não é
um problema recente da geografia:
"Certamente que não foi o fato de, por tradição, figurar ela (a
cartografia) nos currículos de Geografia antes da promulgação desta lez~ porque
certos cursos não a possuíam. Por outro lado se alguns cursos de Geografia
contavam com a cartografia e outros não, pode se pensar, que nem todos os
responsáveis pela ciência geográfica no país a consideravam indispensável à
formação do Geógrafo ou do Professor de Geografia. É possível também que na
falta de especialistas para seu ensino se explique sua ausência daqueles
cursos". 39
Estas questões nos permite visualizar a contribuição da formação
cartográfica para o professor de geografia, assim como o trabalho de
VASCONCELOS (s.d.), intitulado "Mapas e Gráficos na Imprensa", que
contribui para visualizar a importância deste resgate que se estabelece em nossa
pesquisa, ao enfocar a cartografia na formação docente. Esta contribuição se dá
38.CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO - Currículos Mínimos dos Cursos de Graduação. Brasília:MEC/CFE, 1981. p. 400-02.(grifo nosso).
Sobre a elaboração de um croquis, em nosso instrumento de pesquisa, que será trabalhado posteriormente, deixamos de solicitar a realização da última questão (Elaboração de um croquis), diante das dificuldades e negativas dos professores em realiza-lo. 39.ALEGRE, 1969. op. cit. p. 66.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
34
por dois motivos: o primeiro é porque seu trabalho identifica a enorme utilização
da linguagem gráfica e cartográfica nos meios de comunicação de massa, no
noticiário, na imprensa escrita e nas propagandas; e o segundo, porque aponta as
distorções que se faz no uso desta linguagem e somente seu domínio permite
identifica-las:
"Quanto aos problemas normalmente observados na utilização da
representação gráfica na imprensa, é possível resumir os seguintes:
a. distorção
b. imprecisão
c. omissão
d. erro
e. falsificação
f manipulação
Os quatro primeiros problemas listados podem ocorrer por serem
inevitáveis ou até mesmo necessários, propositalmente ou não. O que significa
que existem algumas razões que determinam o aparecimento das falhas
levantadas, as quais podem ser sintetizadas em quatro:
- desconhecimento, falta de preparo e treinamento para utilização
da linguagem gráfica;
- questões técnicas ou financeiras relacionadas com os
equipamentos e os recursos humanos disponíveis;
- desonestidade e manipulação;
- questões ideológicas e políticas".
Ao discutir estes aspectos, a autora, apresenta ainda algumas
questões:
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
35
"Qual a natureza e dimensão das distorções? Existe consciência da
questão?
Qual o papel das manipulações políticas ou econômicas?
Como e até que ponto os mapas e gráficos são instrumentos de
poder?40
Não é nossa preocupação dar conta destas questões levantadas por
VASCONCELOS, mas com certeza compreendemos que elas explicitam a
articulação da cartografia para uma educação que se quer transformadora.
O geógrafo francês Yvez LACOSTE (1974) faz referência a esta
investida que o mass media tem feito em relação à geografia e à cartografia.
"O recurso cada vez mais .freqüente do vocabulário e ao raciocínio
geográficos no discurso das ciências sociais deve ser relacionado, de um lado,
com a difusão do mass media, de uma gama incessantemente mais numerosa de
informações, de imagens, de clichês, de noções de argumentação, que são de fato
geografia.
''Nunca se compraram tantos cartões postais, nem se tiraram tantas
fotografias de paisagens quanto nessas férias em que, com matas e guias na mão,
'percorre-se' a Bretanha, a Espanha ...
"A Geografia dos professores sofre, de fato, a concorrência do
mass media; contudo, se os alunos recusam cada vez mais .freqüentemente a
primeira, não é porque eles se comportam como espectadores cansados diante
do 'já visto', mas, pelo contrário, porque o discurso geográfico tradicional
elimina aquilo que lhes interessa apaixonadamente, isto é, tudo o que faz da
geografia, atualmente uma das formas de representação preferencial dos
grandes problemas políticos do nosso tempo". 41
40.v ASCONCELOS, Regina - "Mapas e gráficos na imprensa". São Paulo: mimeo, (s.d.) p.3-4 41 .LACOSTE, 1974. op. cit. p. 230-234.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
36
Neste resgate conceptual da cartografia, inclusive na dimensão da
competência técnica, não se inscreve como objetivo retomar ou refazer uso de um
discurso tecnológico (ou tecnocrata), que sustentou uma das correntes do
pensamento geográfico (New Geography), como aponta OLIVEIRA (1984), ou
sobre um impressionismo pelo computador como cita GINZBURG (1987).
li que a utilização de um instrumental metodológico tecnicista
que revolucionou os métodos empiristas e experimentais de outrora, envolvendo
de forma cega aqueles que os operam e que na maioria dos casos no Brasil, mais
ficaram 'empolgados' com a 'máquina do século', o computador, do que com o
conhecimento produzido "42
Segundo GINZBURG (1987),
"O chiste de E.P. Thompson sobre 'o grosseiro e insistente
impressionismo do computador que repete ad nauseam um único elemento,
passando por cima de todos os dados documentais para os quais não foi
programado', é literalmente verdadeiro, já que o computador, como é óbvio, não
pensa, executa ordens". 43
Esta crítica também o cartógrafo russo SALICHTCHEV (1988) faz
a Morrison, porque este último "visualiza" a imparcialidade ou a
"desideologização" da cartografia inclusive pelo uso do computador.
42.0LIVEIRA, Ariovaldo Umbelino - "A Geografia no ensino superior: situação e tendências". ln.: Revista Orientação. São Paulo: Instituto de Geografia/USP, (5): 29-31, out/1984. p. 30 -
Não estamos desconsiderando a importância e o desenvolvimento tecnológico produzido nas ciências de maneira geral, pois poderíamos associar, também de maneira imediatista, a cartografia e a computação, e de forma maniqueista também condenar a primeira, por valer-se cada vez mais da segunda, como importante recurso tecnológico. 43.GINZBURG, Cario - O queijo e os vermes. São Paulo. Cia. das Letras, 1987. p. 28.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
37
As concepções de J.L.MORRISON citadas pelo cartógrafo russo
são basicamente de que a cartografia é a ciência da transmissão gráfica e que
pode apresentar um desenvolvimento independente das outras ciências, e que os
mapas são os meios dessa transmissão.
Para SALICHTCHEV, esta concepção
"de cartografia limita seu papel a uma função puramente técnica e
de serviço, e conseqüentemente dilui grandemente os objetivos e tarefas da
ciência cartográfica, reduzindo-a ao nível de uma técnica pura e simples,
indiferente do valor intrínseco da iriformação cartográfica.
"É natural que uma interpretação técnica restrita da cartografia
vincula uma abordagem simplificada a outras concepções definitivas de
ciência. "44
Para nós esta questão esta superada. Reconhecemos, ao contrário
das leituras de MORRISON, que o computador ou a infografia, se colocarmos em
um plano mais abrangente, apresentam limitações e mais que a empolgação ou o
deslumbramento frente a máquina, está recolocado um modelo científico com
base filosófica positivista - a neutralidade científica.
No entanto, é necessário afirmar que a cartografia, instrumental
geográfico, não estabelece a priori o caráter ideológico de sua produção,
somente a partir de uma apurada análise é que se identifica estes elementos e uma
formação qualificada permite esta análise/reflexão.
44.SALICHTCHEV, K.A. 1988. op. cit. p. 18-19.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
38
Capítulo III
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR
"Corre-se o risco de estar sempre descobrindo o óbvio". (Carlo Ginzburg)
Ao longo dos últimos trinta anos, a educação brasileira debateu os
problemas acerca da questão teórico-metodológica, das questões relativas às
metodologias de ensino, às tecnologias, além de uma produção acerca do Estado
e da Escola no Brasil, da burocracia escolar, da estrutura e do aprendizado45• Nos
últimos anos, uma das temáticas mais empolgantes e que vem ganhando várias
contribuições é sobre a formação do professor.
Neste conjunto de produção científica, de problemas mais
estruturais, pareceu-nos mesmo que a temática de formação dos professores
deveria, a partir de então, sofrer um debruçar dos pesquisadores. No entanto, esta
inquietação só pôde ser colocada a partir do momento em que se percebeu que
aquela produção científica de ordem macro, estrutural diríamos, que foi gestada
nas universidades nunca, ou quase nunca, chegaram na ponta (na escola), tendo
em vista que raramente os professores partilhavam deste processo de discussão e
45.Referimo-nos aos trabalhos de ANDRE(1990), BOURDIEU & PASSERON (1975), CHAUI (1980), CURY (1992), GADOTTI (1986), GAMBOA (1989), GRÍGOLI (1990), KUENZER(l988), MELLO (1988), PAIVA (1984), PARO (1991), PEIXOTO (1991), RASIA (1989), RIBEIRO (1984), RODRIGUES (1987, 1988), SAVIANI (1980, 1983, 1991) e WERNECK (1982), que contribuíram em nossas reflexões.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
39
elaboração. E, por outro lado, o desejo de marcar posição trouxe equívocos sérios
sobre a figura do professor no tocante ao trabalho e sua formação.
É o que apresenta GATTI(l 992), ao afirmar que um dos problemas
sobre a pesquisa na rede pública é permitir que recaia sobre o professor críticas
gratuitas, uma vez que os trabalhos de formação docente colocam-no como
abstração, sem levar em conta as reais condições de trabalho e vida destes
sujeitos.
"Cremos que é preciso ir mais além e recuperar o arsenal de
experiências e conhecimentos que o professor acumulou, coisa que nenhum
estudo leva em conta, nem tentafazer. Fala-se do professor como tábula rasa". 46
Por outro lado, alguns trabalhos procuram enfoques diferenciados
para discutir a qualidade docente. PEIXOTO (1991)47, por exemplo, indica que
um dos problemas fundamentais da qualidade do trabalho docente, está centrada
na divisão técnica do trabalho, espelhada na escola através das funções e
hierarquias, (supervisores, coordenadores, diretores, etc.), determinando a divisão
entre o pensar e o executar.
O que afirmamos, é que a questão se coloca em um plano anterior, e
é, ao nosso ver, o que permite que a escola se estruture desta forma. Até por
conta de que a elaboração deste quadro (estrutura pedagógico-administrativa), se
dá a partir dos próprios professores (carreira do magistério público), ou seja, se
consolidou ao longo dos anos o adestramento do executar. Assim, não seria de
imediato que o pensar se fizesse presente apenas pela alteração da estrutura.
Ainda porque, as atividades destas funções, (coordenadores, supervisores, etc.)
estão muito mais vinculadas às normatizações - legislações, portanto, também ao
46.GATTI , B.A. - "A formação dos docentes: o confronto necessário professor x academia". ln: Cadernos de Pesquisa nº 81. maio/1992, p. 71.
47.PEIXOTO, Adão José - Alienação e educação: a divisão do trabalho como alienação da atividade docente. Campinas: PUC, 1991 (Dissertação de Mestrado).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
40
executar -, revelando que o "impedimento de pensar" se estabelece sobre
professores e também sobre os demais sujeitos da hierarquia.
Desta feita, parece-nos mesmo que a questão anterior está
relacionada a formação (graduação), ao domínio conceptual que o professor traz
para o seu "fazer" escolar. Preocupa-nos assim, os reflexos que a precária
formação dos professores tem trazido à escola, fazendo com que esta instituição
não responda às necessidades fundamentais da sociedade. Preocupa-nos em
particular esta questão uma vez concebermos a escola como instância se não
única, ao menos primordial ao processo de transformação da sociedade brasileira,
e para (re)conduzi-la neste caminho é necessário reconhecer e citar nominalmente
quem a constrói - o professor.
Esta leitura da escola, como dimensão de trabalho que pode ser
reconstruído, rompe com o modelo teórico rígido de BOURDIEU &
PASSERON48, classificado por SAVIANI (1983)49 como crítico-reprodutivista,
onde a escola comparece como um "Aparelho Ideológico de Estado", destinado a
reproduzir os modelos de dominação social. Ao contrário desta concepção,
enxergamos nela, no conjunto de seus sujeitos, seu caráter de "antiteticidade"5º.
Admitindo portanto seu movimento e contradição, imanentes, mas
que pela desqualificação ampla, quase não conseguimos perceber muitos
caminhos para superação. Talvez aí se inscreva um dos problemas da escola: o
professor exerce um papel fundamental, seu trabalho significa de fato uma
intervenção no cotidiano de milhões de pessoas, seu trabalho é mediado por uma
prática reflexiva. Mas com que qualidade se estabelece esta mediação ?
48.BOURDIEU, P. & PASSERON, J.C. - A reprodução: elemento para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.
Os autores baseiam sua argumentação nas formulações de Louis Althusser, presentes em sua obra intitulada Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Lisboa: Ed. Presença, 1980. 49.SAVIANI, Dermeval - Escola e Democracia. São Paulo: Cortez & Autores Associados, 1983. 50.A escola se coloca na dimensão da práxis de quem a realiza, a sociedade. Lukács ao analisar os fundamentos da teoria marxista resgata a dimensão de antiteticidade das formações sociais. LUKÁCS, George - Ontologia do ser social: os princípios ontológicos fundamentais em Marx. São Paulo: Livraria Ciências Humanas, 1979.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE
José Gilberto de Souza
41
"Na sala se aula a relação professor-aluno é mediada pelos
conhecimentos a serem transmitidos (construídos). O que se torna necessário
então, é que o professor domine estes conhecimentos, assim como a metodologia
de sua elaboração, para que possa exercer seu papel mediador, possibilitando
aos alunos tomarem consciência de sua condição de sujeitos, herdeiros dos
conhecimentos dos quais vão se apropriando, e responsáveis pelo seu avanço
histórico.
"O que ocorre, via de regra, é que o professor não está preparado
para desempenhar esse papel na sala de aula, devido a formação deficitária que
recebeu, que nem lhe propiciou o acesso aos conhecimentos necessários ao
domínio do componente curricular que leciona. nem lhe deu oportunidade de
desenvolver sua condição de sujeito. produtor desses conhecimentos e
responsávelpor seu avanço".n
Se as condições de trabalho se colocam neste prismas é necessário
reconhecer outros parceiros neste processo, pois não é só o professor, mas
também a universidade, responsável por essa escola. Temos, portanto,
professores e alunos em mesmo nível científico, o que implica na "mesmice" da
escola e portanto no desinteresse por parte dos alunos. É o que GATTI (1992),
afirma:
''A universidade não tem assumido sua responsabilidade nesta
formação com o vigor e a importância social que deveria ter e, nem mesmo, na
formação continuada. onde poderia desempenhar um papel crucial".
E por outro lado
51 .ANDRÉ, M.E.D.A. - "A Avaliação da escola e a avaliação na escola". ln: Cadernos de Pesquisa nº 74. ago/1990. p. 74. (grifo nosso).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
42
"Os professores em geral exprimem muita desconfiança quanto as
possibilidades de contribuição formativa das universidades".
Confirma assim, a autora, aquilo que temos afirmado acerca dos
problemas da formação docente:
''A crise na área de formação dos professores não é só uma crise
econômica. organizacional ou de estrutura curricular. É uma crise de finalidade
formativa e de metodologia para desenvolver esta formação. reestabelecendo a
relação de comunicação e de trabalho com as instâncias externas nas quais os
formandos vão atuar, ou seja, nas escolas em sua cotidiana concretude ". 52
Esta proximidade formação/aplicação, deve ser reavaliada pelas
universidades, responsáveis diretamente pela formação e, portanto, para resolver,
com os professores, as questões relativas a crise de finalidade formativa que se
instala no ensino superior e se reflete nos níveis anteriores.
52.GATTI, 1992, op. cit. p. 71.(grifo nosso).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
43
1. Formação do professor: competência e compromisso
Centrar nossas posições acerca da qualidade formativa, conduz-nos
à necessidade de destacar um dos debates da pedagogia. Os trabalhos produzidos
buscam uma análise da formação sob o aspecto do domínio técnico ou do
compromisso político do educador em sua prática. Recaem sobre estas questões a
estrutura da rede, a universidade, a organização escolar, a burocracia, os salários
dos professores (em qualquer nível), a formação de licenciandos e de
bacharelandos, a sindicalização, etc., ou seja, um conjunto de totalidades ou
determinações desta síntese.
Abrimos aqui um parêntese para afirmar que, neste trabalho,
inscreve-se também um cuidado: ao iniciarmos nossas discussões corremos o
risco de sermos rotulados as várias tendências que abordam a questão. E
confessamos ter buscado conscientemente um ponto de análise que dentro da
geografia é ou passa eminentemente pelo técnico, colocando-nos no limiar do
"tecnicismo", o que neste momento nos parece fundamental, e o é uma vez que a
especificidade do conhecimento geográfico e ao mesmo tempo sua amplitude
reforça esta necessidade.
Afirmamos esta necessidade, uma vez que outras pesquisas, acerca
do trabalho docente, têm caminhado pela análise da especialização ou da divisão
intelectual do trabalho. As perguntas que propomos, e, ao nosso ver, são
anteriores ao debate da especialização/divisão do trabalho, são: o professor é
especialista do que se propõe trabalhar? Está efetivada a especialização e
portanto há conteúdo para efetivar a mediação entre o pensar e o executar ?
Parece-nos que a questão da especialização não esta garantida,
ainda que no plano formal (histórico escolar e diploma universitário) ela esteja.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
44
Apenas recolocamos a discussão de que a universidade tem trabalhado uma certa
"teoria" e não instrumentalizando para o "trabalho". O que ocorre na maioria das
vezes é uma orientação para um discurso politizado (retórico) que mais
compromete sua formação política do que auxilia na reflexão sobre sua "prática".
A discussão que realizamos não reduz os problemas da formação
docente a uma visão técnica pura, unidimensional, pois reconhecemos a
importância e a contribuição das pesquisas apontadas. O que buscamos é
organizar prioridades.
Vários trabalhos consideram que a formação do professor
(especialização), bem como sua atuação, concretiza-se pela sua competência
técnico-pedagógica e de seu efetivo compromisso político. Nossa intenção é
colocar o debate. Não se trata de reconhecer estes elementos junto aos
professores, mas de verificar sua qualidade e importância na formação.
Em nossos estudos observamos que as discussões apontam para o
reconhecimento e a necessidade de se consolidar o compromisso político junto a
formação do professor, uma vez que se coloca a competência técnica como dada
(a priori), por conta de visualizar junto a rede de ensino uma escola tradicional -
conteudista e técnica, como responsável pela formação dos professores que nela
atuam.
O recorte específico da competência técnica e do compromisso
político nesta pesquisa, procura estabelecer um contraponto no tratamento da
questão da formação docente, uma vez que os trabalhos em sua ma10na
reproduzem uma retórica, ou uma "prática discursiva" no que se refere ao
compromisso político.
O trabalho de GOMES (1993 ), faz uma análise da produção
científica no período de 1986 a 1989, no tocante à formação de professores e
aponta duas linhas fundamentais. Não significa dizer que estas linhas ignorem os
aspectos totais da formação dos professores, mas partem de pontos diferentes. De
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
45
um lado discute-se a importância da competência técnica e de outro o
compromisso político.
A partir do trabalho de MELLO (1982)53 esta discussão toma corpo
e segundo GOMES:
"Tal debate suscita posições conflitantes, pois se por um lado Mello
(1982) defende a idéia de que pode-se chegar ao compromisso político a partir
de atitudes que exijam competência técnica, Nosella (1983), vê aí um risco ao
retorno as práticas pedagógicas tecnicistas, mascarando um problema mais
complexo, ou seja, a reprodução do autoritarismo da escola atual. Para esse
autor, há ênfase da bipolaridade entre o conceito de competência para a cultura
dominante e para as classes trabalhadoras, isto é, a primeira polaridade toma a
competência técnica como uma categoria acima dos interesses de classe,
enquanto que o autor em questão propõe que a questão da competência técnica
seja analisada à luz do horizonte político". 54
Reconhecemos, também em nosso trabalho, a preocupação de
N osella: em nosso caso seria o fortalecimento das tendências tecnicistas da
geografia, questão esta que se evidencia nos discursos da New Geography, mas
não é por conta das leituras "enviesadas" sobre a questão que iremos nos furtar
ao debate, tendo em vista, principalmente, que o problema não está superado.
SA VIANI ( 1991 ), esclarece a importância deste debate ao analisar
as contribuições de Mello e Nosella:
"o que Nosella teme, afirma Saviani, é a velha competência
técnica, aquela articulação com os interesses da burguesia. E ele aspira por uma
53 .MELLO, Guiomar de Namo - Magistério de lº grau: da competência técnica ao compromisso político. São Paulo: Cortez, 1988.
54.GOMES, Alberto Albuquerque - Formação de Professores: a dimensão do compromisso político. Marília-SP:FFC/UNESP, 1993. p.12 (Dissertação de Mestrado).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
46
nova competência técnica que seja produto das lutas do 'coletivo dos
professores, politicamente organizados' e articulados com os interesses dos
trabalhadores". 55
Ora, esta mesma compreensão sobre a competência técnica é a que
buscamos, não permitindo, por sua articulação, ou melhor, pelo seu compromisso
de classe - com os trabalhadores (ciência, ideologia e filosofia) - leituras
"recuperadoras" do tecnicismo, ou do jargão "competência técnica" para os
professores como reafirmação dos discursos governistas. É também a isto que
NOSELLA (1983), se contrapõe, ao afirmar que sobre as
"ruínas de excelentes tecnologias educacionais foram oferecidas
alternativas técnicas outras que de competente nada possuíam a não ser a
capacidade de mistificar, pulverizar, iludir e desanimar sob a aparência de
processos técnicos eficientes para o ensino-aprendizagem". 56
E mesmo a reconhecermos a existência de uma técnica, também
sem "competência".
Observamos que, se de um lado, se tem uma crítica e uma
preocupação constante com as distorções possíveis acerca da qualificação técnica
do professor, do outro, o que temos é uma espécie de priorização do discurso do
compromisso político e uma subordinação da competência técnica.
Dermeval Saviani, que reconhece a importância do patrimônio
cultural da humanidade como fundamento para as transformações sociais e
sobretudo a escola, afirma que a competência técnica e o compromisso político
passam pela elaboração de métodos para alcançar os fins que implicam
55.SA VIANI, Dermeval - Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Cortez & Autores Associados, 1991 p.47.
56.NOSELLA, Paolo - "O compromisso político como horizonte da competência técnica". ln: Educação & Sociedade nº 14. São Paulo: Cortez Editora, 1982.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
47
imediatamente em competência técnica e mediatamente em compromisso
político.
''A competência técnica é mediação. isto quer dizer que ela está
entre, no meio, no interior do compromisso político". 57
No entanto, o que percebemos é que as análises de maneira geral
procuram estabelecer bases em um ou outro ponto, e no geral a questão do
compromisso político recebe uma acurada e precisa discussão. Com isto dá-se a
impressão de que a questão da competência técnica está superada, associando
este tipo de análise a garantia de que ela está dada pela formação tradicional de
nossos professores e, portanto, pela linha formativa de nossas escolas, e que este
conjunto precisa ser transformado e este processo se concretizará se for mediado
por uma prática compromissada politicamente.
Ao nosso ver, residem nesta questão dois equívocos fundamentais:
primeiro, que a escola atual já não forma mais nos moldes de uma pedagogia
tradicional conteudista-tecnicista; e segundo que é preciso compreender o "tipo"
de formação que fora "dada" pela escola tradicional aos professores. Parece-nos,
então, que como um remendo acopla-se agora um compromisso político com
bases filosóficas, cremos, totalmente divergentes daquelas que sustentaram a
formação tradicional-tecnicista. Há portanto um descompasso entre estes
elementos. A superação desta questão se estabelece na qualidade de construirmos
uma outra dimensão de competência técnica e de compromisso político - para
romper com o dualismo.
É o que aponta SAVIANI(1991).
57.SAVIANI, 1991, op. cit. p. 41.(grifo nosso).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
48
"nós estamos ainda numa fase romântica da defesa do
compromisso político em educação. Nessa fase os elementos da luta contra a
concepção técnico-pedagógica restrita e supostamente apolítica se dilataram
mor bidamente por causa do contraste e da polêmica. É necessário passar a fase
clássica, encontrando nos fins a atingir a fonte para "a elaboração das formas
adequadas de realiza-los". 58
Necessário se faz reconhecer estes elementos e recoloca-los em
outra dimensão. SILVA( 1992), inicia este caminho aos afirmar que
"não são duas atividades que se unem, mas uma única, definida
simultaneamente pelo pedagógico e pelo político, por isso mesmo totalmente
pedagógica e totalmente política". 59
E o fato de colocarmos como objetivo fundamental em nosso
trabalho a formação técnica e cartográfica, não anula em nada a assertiva acima.
Ao contrário, buscamos reconhecer que uma não se coloca a priori e a outra não
se estabelece a posteriori.
No entanto, o que temos notado - sobretudo em geografia, e
afirmamos a partir de um modelo que nasce com os livros didáticos60, até uma
"assimilação" imediata da proposta da CENP - é que o compromisso político tem
assumido características que passam do objetivismo político ao panfletário.
"O compromisso político assumido apenas a nível de discurso pode
dispensar a competência técnica. Se se trata, porém, de assumi-lo na prática,
58 .Idem, p. 69. 59.SILV A, Jeferson 1. - Formação do educador e educação política. São Paulo: Cortez: Autores
Associados, 1992. p. 45. 60.vale a pena observar algumas produções didáticas de geografia que trazem "tudo pronto" para o professor e subscrevem suas coleções como "Geografia Crítica", ou aquelas que adotam uma retórica marxizada, distante do domínio conceptual do professor e dos alunos, para também toma-la crítica.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
49
então não é possível prescindir dela. Sua ausência não apenas neutraliza o
compromisso político, mas o converte em seu contrário". 61
Nisso reside alguns problemas fundamentais, como a incorporação
de jargões marxizados dentro da geografia sem o efetivo domínio conceptual.
Ocorre o que Silva aponta como
"uma das grandes ameaças do intelectual à causa revolucionária,
pois nem sempre a aproximação teórica vem acompanhada do compromisso
revolucionário". 62
A prática docente, no ensino médio e fundamental, tem revelado,
que o discurso assumido tem suplantado alguns saberes que para a geografia são
fundamentais e, por outro lado, não são trabalhados. Nas palavras dos
professores: 11 '1 ~ ~11
• Fundamentais, diga-se de passagem, inclusive aos
nossos alunos. Ao deixarmos de perceber estas questões corremos o risco de
pensar uma escola "discursiva" para trabalhadores, só que muito mais caótica do
que aquela proposta pelo ensino profissionalizante (Lei 5692171). Esta questão já
fora debatida por GRAMSCI (1968)63, ao pontuar a necessidade de uma escola
formativa elementar.
Forjar esta escola depende essencialmente dos professores e de seu
saber, de sua capacidade de transforma-lo e revelar seu aspecto emancipador.
61 . SA VIANI, 1991. op.cit. p.43 .(grifo nosso) 62. SILVA, 1992. op. cit. p.28. 63.GRAMSCI, Antônio - Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1982. "a escola é o instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis". p.9.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
50
2. O saber do professor
Quando abordamos esta questão não buscamos desconsiderar outros
fatores que interferem na prática docente, pois não se trata de abordar o professor
isoladamente em seu domínio conceptual. A questão desta análise centra-se
exclusivamente na compreensão de que a ausência do domínio conceptual
compromete o trabalho do professor de forma significativa.
A importância deste diálogo aberto é que ratifica o papel do
professor na escola e as contribuições que uma atividade docente qualitativa, traz
ao conjunto da sociedade. O trabalho do professor guarda assim elementos
intrínsecos que determinam seu fundamento, pois trata-se de
"uma atividade cujos instrumentos e cujo objeto e objetivo são de
ordem intelectual usa as idéias para atuar sobre as consciências que se
transformam não só no nível da aquisição de conhecimentos (nível cognitivo),
mas também no nível da orientação e produção de finalidades (nível
teleológico). 64
Neste quadro coloca-se a Geografia, pois residem em seu interior
questões importantes para o entendimento da realidade, da compreensão das
formas de organização sócio-espacial, e que pela sua concretitude, permite
avançar nas discussões por uma outra forma de vida e trabalho humano. No
entanto, acabam se delineando alguns caminhos pouco precisos, na medida em
que uma retórica se instala no ensino sem contribuir de forma significativa para a
formação dos estudantes.
64 . Idem, p. 33.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
51
MASSON (1990)65, em sua pesquisa, aponta as preocupações
acerca dos níveis de verbalização utilizados no ensino de geografia em França, e
chama atenção para o emprego de termos pouco precisos, ou até mesmo banais
( banalisé), junto aos estudantes, decorre deste processo uma não formação
correta de conceitos geográficos. Esta preocupação tamb~m está em LACOSTE
( 197 4 ), quando discute as questões relativas a carência de reflexão, e
"os efeitos do instrumental conceptual utilizado sobre as
construções parciais que se efetuam e que se consideram. erroneamente. como
expressão da realidade g_lobal"66
Ao nos debruçarmos sobre estas citações percebemos a importância
da questão da formação do professor e, em específico, dos conceitos
cartográficos, que não sofrem nenhum tipo de reflexão sobre seu uso.
Esta ausência de reflexão e importância, pode ser percebida na
análise do material de Geografia produzido pela Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo-FDE (anexo 1), com o intuito de "contribuir" para a
preparação dos professores para o concurso público de Professor III, conforme o
texto:
"Objetiva contribuir para a reflexão dos professores sobre temas
fundamentais que constam na indicação bibliográfica publicada no DOE de 19
de maio de 1992".67
65. MASSON, M. - "La géographie enseignée" science ou discours banalisé? Application de l'analyse des
contenus au discours géographique. ln: L'information Géographique. Paris: Armand Colin Edditeur, 1990 nº4. p. 168-71.
66.LACOSTE, 1974, op. cit. p. 270.(grifo nosso). 67.SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO/FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA
EDUCAÇÃO-FDE - Programa para o aperfeiçoamento de professores da rede estadual de ensino - Geografia. São Paulo:SE/FDE, 1992. (grifo nosso).
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52
O material, na descrição de seu objetivo, aponta para temas
fundamentais que constam na indicação bibliográfica publicada no DOE de 19
de maio de 1992, nossa indagação inicial era se na indicação bibliográfica havia
referências à cartografia.
No Diário Oficial do Estado (anexo 2) consta os conteúdos de
cartografia sob o item 8, citados na seguinte forma.
"8. Geografia e Cartografia:
8.1. - Mapas e gráficos: leitura análise e interpretação gráfica"68
Ao voltar à análise do material "de preparação" observamos que se
discute questões relativas a industrialização, a internacionalização da produção,
as questões energéticas e agrárias, a agricultura, a produção agrícola mundial, a
urbanização, a cidade, a divisão do trabalho, a produção da natureza, a questão
ambiental e a nova ordem mundial.
Apresenta-se um conjunto de temas, de reconhecida importância,
mas fechados em uma orientação teórico-metodológica, e que não inscrevem a
totalidade, ou melhor, o conjunto de temáticas (conteúdos) que o professor tem
que dar conta, e que lhes foram cobrados se nos determos em uma análise
detalhada da prova do referido concurso, para o qual o material de formação se
destinava69 . Como temos salientado, alguns conteúdos ou são colocados como
dados a priori, ou são considerados secundários na formação docente, talvez por
expressarem uma dimensão "técnica" e não "política" da ciência geográfica. (sic).
68.GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO - Diário Oficial do Estado. Seção 1, São Paulo, 102 (93). p.46, 19 mai. 1992.
69 . Junto ao instrumento de pesquisa utilizado (entrevistas) era nossa intenção proceder uma análise sobre o nível de acertos dos professores no Concurso de Professor III realizado em 1993. A análise seria baseada em algumas questões por nós avaliadas como de domínio conceptual cartográfico (anexo 3). No entanto, apesar de nossa insistência a Secretaria de Educação não permitiu o acesso às fichas respostas do referido concurso, alegando o arquivo ser de uso exclusivo daquela repartição. Em conversas informais com os professores percebemos que apresentaram grandes dificuldades na resolução destas questões.
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53
GOMES (1993), afirma que não se trata o conteúdo apenas de um
aspecto técnico do ensino, mas efetivamente de domínio do trabalho.
"Quando se pensa em profissionalização, não se deve vincula-la
apenas ao aspecto técnico, mas sim ao domínio destes conteúdos que
efetivamente devem ser ensinados na escola. A falta de domínio destes conteúdos
gera o que poderia ser chamado de desprofissionalização, já que se supõe que
em qualquer área do conhecimento, o profissional deve estar minimamente
capacitado a exercer suas tarefas". 70
Isto implica em dizer que existe um elemento mediador neste
processo que permite entender os elementos da formação docente sob o prisma da
totalidade e que, portanto, reconhece que uma prática transformadora deve levar
consigo a competência técnico-pedagógica, o domínio dos conceitos e um efetivo
compromisso com as classes trabalhadoras.71
li porque há um elemento de mediação significativo entre os dois:
a perspectiva ética". 72
A questão ética revela nosso compromisso com a transformação e,
portanto, a seriedade no domínio e preparo de nosso trabalho dentro e fora da sala
de aula.
Outro aspecto a considerar sobre as publicações do Governo do
Estado, através da SE/FDE, é a indicação bibliográfica, percebemos que no DOE
de 19 de maio de 1992, apresenta-se os trabalhos de ALMEIDA & PASSINI
7º.GOMES, 1993. op. cit. p.51. 71 .Acostumados a uma visão uniclassista, esquecemos que a simples afirmação compromisso político não revela com quem ele se estabelece, tendo que um certo "não compromisso político" é, também, um compromisso político. 72.RIOS, apud GOMES, 1993. op. cit. p. 44.
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54
(1989), JOL Y (1989), LIBAULT (1975), PAGANELLI (1985) E SIMIELLI
(1986), três destes estão relacionados ou apresentam em seu interior significativa
contribuição ao tema Cartografia e Ensino de Geografia. Uma análise dos
programas de ensino das disciplinas de cartografia das universidades (UNOESTE
e UNESP) (anexo 4 e 5), indica que somente o trabalho de LIBAULT (1975),
aparece como comum nas três indicações bibliográficas (do DOE e das duas
universidades), não existe junto as universidades nenhuma bibliografia
relacionada ao ensino da cartografia e, levando-se em conta que de 1980 a 1992,
a indicação bibliográfica da UNESP e alguns itens do programa foram apenas
reproduzidos ano-a-ano. Estes apontamentos revelam o porquê da "desconfiança"
da efetiva contribuição da universidade no aspecto formativo.
Por isso podemos refletir sobre as dificuldades de formação do
professor em cartografia e entendermos que é necessário romper com este círculo
formativo sem integração com as áreas de pesquisa e ensino. Nova formação,
com qualidade, requer a produção de novos paradigmas, mas que espelhem não
apenas uma visão de ciência, mas sobretudo de método. Muitos abordam esta
questão (o método), mas há distorções, e um exemplo, é entender que a produção
do material de "contribuição" para aos professores (anexo 1) fora produzido nesta
perspectiva de resgate "metodológico", no entanto, com os equívocos de quem se
propõe transformador da ciência geográfica ("críticos radicais". Mas, de raiz ?),
mas não a compreende como uma totalidade. 73
73.0 distanciamento que se coloca entre as concepções de Lenin e Luxemburgo são exatamente estas, a dimensão de totalidade é compreendida pela segunda, enquanto a dimensão de partes pelo primeiro. "Todo movimento é movimento de uma totalidade, pois se ele próprio é considerado uma totalidade em si mesma, não há movimento no interior da sociedade. Entre os leninista e/ou stalinistas, só é admitido como movimento real o movimento monolítico do proletariado - representado a partir da vanguarda overária. e não o movimento dialético que ocorre na contradição da sociedade capitalista, a luta de classes. Por isso, a aparente ruptura existente a partir da Revolução Socialista Russa, nos permite considerar que a totalidade foi perdida no discurso, para que o método se assumisse como ciência, determinante da ideologia e da filosofia verdadeiras para o proletariado e portanto para a humanidade. Não foi pueril a polêmica entre Lenin e Rosa Luxemburgo. .. . É necessária a unidade entre matéria e representação ideal - o trabalho visto pelo próprio trabalhador como práxis, o que coloca a necessidade de uma integridade/coerência do método, que indica que devemos nos preocupar com este para orientarnos nas indagações e respostas sobre as modalidades de saber nele envolvidos. Sem método, não se discute conceitos, categorias e/ou princípios, sejam eles cientificas, ideológicos e/ou filosóficos. Desta
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55
E após anos de crítica sobre a "geografia dos professores", a
"geografia da sala de aula", a comunidade geográfica acabou se envolvendo em
um projeto amplo de reformulação desta prática. O resultado obtido foi a
proposta de Geografia da CENP para o ensino de 1º grau, trata-se de um
documento que busca colocar o ensino exatamente na perspectiva de mediação
entre o compromisso e a competência. No capítulo que segue procuramos
discutir algumas das implicações deste novo saber geográfico.
maneira, a atividade cientifica, assim como qualquer outra, se torna preconceituosa, não contempla a existência e, portanto, não contribui para a superação das dificuldades que nela encontramos cotidianamente. (SOUZA & ALVES, 1994, op. cit. p. 14.).(o grifo em negrito é nosso).
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56
Capítulo IV
O DEBATE GEOGRÁFICO
"Bons mestres e bons livros já muito aconselham os geógrafos para que renunciassem às explicações simplistas. Suficientemente advertidos, não se cansam eles de assinalar a complexidade dos fenômenos em que participam as sociedades humanas. Tais advertências são reiteradas aos principiantes para que evitem os caminhos estreitos e os limitados até onde os conduziria uma observação parcial ou unilateral dos fatos." (Pierre Monbeig).
Mesmo a partir da elaboração da proposta de Geografia para o ensino
de 1 º grau, da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas do Estado de
São Paulo - CENP, o debate geográfico ainda não tinha abandonado/superado as
questões primeiras desta ciência (relações homem x meio). A visão dual
possibilista/determinista, ganhou o corpo de um debate mais sofisticado primado
pelo novo embate: geografia crítica x geografia tradicional, geografia crítica x
geografia quantitativa. Um debate que se sustenta, pelo menos dentro dos
discursos acadêmicos, sobre a questão do método. No entanto, na repercussão
deste momento de enfrentamento da proposta de Geografia, o discurso assumiu o
apanágio de uma outra dualidade. Uma dualidade que recaiu sobre a aparência do
objeto desta ciência, e mais, sobre o conteúdo de pesquisa da ciência geográfica:
as "partes" fisica e humana da geografia.
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57
O que se observava, é que na busca da hegemonia, o debate não
permitia (pelo menos na visão de alguns) a sobrevivência de uma geografia
unitária, e portanto, a dualidade permitia a divisão do conhecimento geográfico
entre aqueles que se dedicavam à geografia fisica e aqueles que se dedicavam à
geografia humana.
Na tentativa de ruptura da dualidade dos conteúdos surgem ou ganham
destaque as geografias ambientais, conceitos como formação sócio-espacial,
geossistema, território, etc. Mesmo assim a dualidade de conteúdos se instaura,
era como se nós tivéssemos dado uma grande volta para chegarmos no ponto
comum. Neste caso o ponto comum era a própria reflexão de LACOSTE (1974),
já citada neste trabalho:
"O problema ideológico parece estar no cerne do problema
epistemológico da geografia". 74
O rompimento do ponto comum não se estabeleceu, apresentamos
uma questão para tentar perceber de forma mais clara o que LACOSTE
propusera:
Em Geografia a dicotomia Física x Humana é verdadeira? Ou o
problema da geografia se estabelece pela visão social de mundo de seus sujeitos e
não pelo "objeto" desta ciência?
É este caminho que propomos a partir de uma análise em que
aproxima este debate da proposta de Geografia para o 1 º grau -CENP.
74.LACOSTE, 1974. op.cit. p. 239.
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58
1. O debate geográfico e a proposta da CENP
"O trabalho de reflexão crítica e de análise polêmica é um processo longo e deve-se desconfiar da pressa em supera-lo. Muitas manifestações de "saturação" de crítica e de polêmica, escondem um perigoso ativismo, quando não uma rejeição da emergência de novas hegemonias". (Paolo Nosella).
A partir da década de 70 a Geografia passa por um conjunto de
mudanças que refletiam o engajamento de seus pesquisadores junto aos
problemas da sociedade. As contribuições de Yves Lacoste, Pierre George, Max
Sorre, entre outros, constituíram um marco e passaram a influenciar o debate
geográfico brasileiro, aliadas ao resgate dos trabalhos de Elisée Reclus e de Piotr
Kropotkin.
Assim, a chamada Renovação da Geografia debateu-se num
pnme1ro momento entre o dualismo possibilismo x determinismo, um debate
baseado nas disputas territoriais francesas e prussianas. No Brasil a Geografia se
consolidou a partir do modelo francês, sofreu influências da renovação
tecnológica (Geografia Quantitativa) e se deparou com as questões apresentadas
pelo movimento de renovação geográfica, a partir da Geografia Crítica ou
Radical (a trilogia geográfica). Este debate, como asseveramos, culminou com a
dicotomia Geografia Física x Geografia Humana. Um debate, ao nosso ver, por
demais maniqueista não somente por apresentar os interesses mais individuais
dos debatedores, como também por assumir a impossibilidade de convivência
filosófica e portanto científica entre os expoentes. Constitui-se uma dimensão de
intolerância, não apenas por parte daqueles supostamente "não democráticos",
mas inclusive por parte dos "democráticos" da Geografia.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
59
Tratava-se de desfocar a questão. Não se trata de um problema de
objeto, mas de método e, portanto, de classe.
Claro que esta divergência normalmente se espelhava no plano
acadêmico e, assim, cada um procurando garantir ou fazer valer a sua visão de
mundo e de ciência (a busca pela hegemonia) - E, por ser ciência, a Geografia é
humana (sociedade) ou é fisica (natureza)? - fez com que as discussões acerca
desta problemática, além do desfoque, se vinculassem, ainda, a uma certa
carência da Geografia em se tomar "positiva", empírica, prática.
Nesta perspectiva, e em essência, o que tivemos em Geografia foi a
dissimulação da totalidade e da contradição pela dicotomia. Marilena CHAUI
(1990), nos indica que as leituras dicotômicas têm um suporte:
"O suporte desse procedimento dicotômico, é uma certa noção de
objetividade e, portanto, uma certa imagem de racionalidade que se torna
hegemónica, isto é, objeto de consenso, interiorizada e invisível como o ar que
respiramos "75.
Assim, objetividade e racionalidade - e em tudo que lhe são
imanentes - se tomam certos e verdadeiros, e se colocam como suporte pela
disputa hegemônica antre as "partes" da Geografia, sobretudo no ensino. O que se
consolida assim não é apenas a distinção entre um pólo e outro do conhecimento
geográfico, mas uma certa autonomia que se estabelece entre um e outro. É este
debate, que ao se consolidar como uma prática dicotômica, tenta elaborar na
aparência uma geografia unitária, na busca do consenso, ou melhor, na busca de
construção de uma hegemonia que pudesse abarcar uma nova leitura geográfica e
com a ansiedade de rompimento com a chamada "crise". Este conjunto de
proposições, de interesses, ao caminhar para a sala de aula, se perde no caminho.
75cHAUI, 1990, op. cit. p. 1
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60
Um dos canais condutores, e talvez o mais importante deste debate
para a escola foi, com certeza, a proposta de Geografia da CENP, pois ela
inaugura uma concepção de ciência geográfica que busca romper com os
dualismos e que também busca uma hegemonia. Ela elabora um saber que se
propõe "transformador", uma caminho dificil e que levanta a seguinte questão:
Quais as implicações de um saber que se propõe transformador?
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61
2. Um saber que se propõe transformador
"O esforço para penetrar e compreender as maneiras de pensar do grupo estudado toma-se ainda mais necessário se elas diferem das nossas" (Pierre Monbeig)
A proposta de Geografia da Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas do Estado de São Paulo - CENP foi produzida ao longo dos últimos
anos e por várias vezes discutida e reelaborada76. Sua chegada recebeu críticas,
elogios, criou expectativas. Neste conjunto as manifestações de alguns se
vincularam em total apoio, pois viram nela ressonância de suas concepções de
mundo e ciência; outros, por não enxergarem nela, por estreiteza metodológica,
um "seu pedaço" de ciência condenaram-na - retomando a falsa dicotomia tisica e
humana. Enfim a proposta sobreviveu e cresceu no debate, mas queremos
retoma-lo lembrando as reflexões de SAVIANI (1991), quando discutia um outro
dualismo - competência técnica e compromisso político.
"Com isso quero dizer que não é exato afirmar que o momento da
crítica já passou, tendo soado a hora da ação. Penso, isto sim, que são os
conteúdos tanto da crítica e da denúncia como da ação que estão mudando.
Importa, pois, aprofundar esse processo de modo a se atingir um novo
patamar77•
76.A proposta de Geografia da CENP, passou a ser produzida a partir de 1984, foi debatida por representantes dos professores, sendo um de cada Delegacia de Ensino, ao longo desses anos foi reelaborada, tendo sua última publicação revisada no ano de 1992. 77 SA VIANI, 1991, op. cit. p.69
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62
A proposta de Geografia foi produzida por um conjunto de
professores da rede e uma equipe de professores da CENP e das Universidades
Paulistas, mas mesmo assim se colocou distante da realidade dos professores de
sala de aula. Isto foi percebido e gerou preocupações por parte dos
Coordenadores e m1c10u-se um processo que posteriormente, se tomou um
complicador para o debate e avanço do ensino de geografia.
Colocamos este processo como complicador porque ao penetrar
mais diretamente nas estruturas burocráticas da Secretaria de Estado da Educação
de São Paulo, se estabelece um discurso e uma prática de implantação. O que
acaba por contradizer a proposta nos seus aspectos mais internos. Uma dupla
contradição: primeiro porque enquanto proposta não poderia ser implantada, a
ação do Estado em toma-la um manual do professor faz com que perca sua
essência de projeto alternativo; segundo, porque ao concentrar-se em uma base
filosófica transformadora, não pode ser imposta.
Ocorre, que a partir de nossas investigações, observamos que nos
processos de seleção das escolas padrão passou-se a exigir, nos planos de
trabalho dos professores, reproduções quase que literais da proposta.
Ao perguntarmos para os professores sobre seus planos de ensino
todos afirmaram que o documento básico era a proposta78:
11A ~ k ~ iMrv P wu QjlTJ; cima,~~~ ccnrP, ru:w
~ Jmb, ~, maJy ~ (); ~ F Y!; iMru, ~ ~ ~ (); ~·11
(22)(grifo nosso).
78.Uma análise e explicação detalhada do trabalho de campo realizado nesta pesquisa, será exposto no capítulo seguinte. No entanto, passaremos a indicar algumas respostas dos professores tendo em vista serem necessárias à elucidação de nossas considerações. É imperativo afirmar que sequer mencionamos, em nossas questões acerca da proposta, os aspectos relacionados ao construtivismo, ao interacionismo, ou seja, aspectos da psicologia da educação, que são necessários para uma reflexão profunda das questões pedagógicas do trabalho docente. (portanto do ensino/aprendizagem).
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63
"A/Ju C1' 8Qi YiJWu limu p YiJv C1' ~, rw, 20 h'l,(JJ), Mk ... ~ de,
~.11
(1) (grifo nosso).
E ao nos referirmos sobre suas impressões acerca da proposta
tivemos algumas sérias contribuições:
11'f/;M, ~mm QM0 ~ (Xwma;n;J;), w w ... ~ (9-~, evv
~ ~' wv ~ C1' ~ dJ:i,. L9 y~ ~ ~ ~ ~ ~ Q;
~ mm C1' ~ & Cf1U (9- alwru,, IK1i, ~· 11
(16).(grifo nosso).
11
h~, ~mm~~~~ da~ e; w ~ Cf1U
w~11
.(20).
11e u;ma, N+ ~li crn).
11ye;m ~ r Q)J; ~, Q; ~ r rwJ9- ~. ~ (9- ~
IJ1iwJ11 (17).(grifo nosso).
11!:2UJJNb (9- Cf1U C1' ~ui WJ; ~ & ~ C1' hoor+ Xwma;n;J;, C1'
hoor+ Y~ & ~· Je;m Cf1U ~. 'f/;M, ~mm QMlJJ ~· 'f/;M, w,
~ C1' ~ ~' (9- ~' ebv ~ ooÍJw, ~. bGVJ ~ C1' ~
dJ:i, 11 (7).(grifo nosso).
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64
11
A ~ fmk °' ~. ~ 'Â!W:1, ~ ~. ~ ~ ~ °' ~· fvm rrwib
~. JQ/IÁ,a, ~ ~ ~ ~ ~ wm ~ ~ ~"(12).
112~ ~ ~ °' ~· °' ~ ~ Q, + k
uD.!Uoh ~. ~ ~. 2Jiv ~ ~ ~ °' rr+ ~. °' ~. eJÁJ ~
~~~~~cb,~~.A~~~°'~·~ ~ CMM-~ k ~ ~ ~ ~ ~ ~. (pevik-6/l; cb,
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~ k ~ ~ ~. )Jq, ~ ~ ~ km ~ et, ~ ~ °' ~11(22).
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~ ~ °' ~ cb, c2nrP, ~ ~ Jewrrw;na,, ~·d&~ ~ ~. rP~ ~
~ ~ uwu a& ~ ~ ~ ~ l:vm1mm wnk ~ ~ 2~. A c2nrP
~ ~ °' Jú:,i,ca; ~ k ~km~ rU» ~· li (4).
110 ~ ~ °' Jú:,i,ca;. 2 ~ °' ~ ~ ~. 21), ~ ~
UJmQ; pa;ib ~ ~ ~. A Jú:,i,co; º' °' ~ fvm ~· º' ~ ~ ~ rnmb º'
aiJritb km, ~ eJÁJ ~ ~ Ü; Jú:,i,ca; ~ ~ wnk ~. ~ ~ ri&,
~ ~' rwm ~ 0; ~.11
(5).
Percebemos assim, pelos depoimentos, algumas de nossas
considerações acerca da implantação da proposta, veicula-se a idéia de algo
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE
José Gilberto de Souza
65
externo aos professores - Governo, Estado - apesar de ter sido produzida com a
participação de seus pares.
Outro aspecto importante que aparece nas respostas é a
representação do debate geográfico não a partir do método, mas sim a partir da
aparência e ou do privilegiamento de conteúdos - físico e humano. Uma última
consideração é a questão da necessidade de domínio e formação do professor
para dar cabo dos conhecimentos colocados na proposta, presente em várias
respostas dos professores. Além das próprias exigências cotidianas colocadas
para os alunos (vestibular, por exemplo) que estão além das leituras que se
realizam sobre a proposta.
Ao nosso ver, acontece agora, só que num tom de discurso
transformador, uma outra exigência de competência, a da "proposta".
''A ciência da competência tornou-se bem-vinda, pois o saber é
perigoso apenas quando é instituinte, negador e histórico. O conhecimento, isto
é, a competência instituída e institucional não é um risco, pois é arma para um
fantástico projeto de dominação e de intimidação social e política"79.
Temos clareza que quando se inicia um processo transformador,
diríamos revolucionário, acabamos por perder a dimensão de seu movimento e
das implicações que dele decorrem. Se consolidada esta exigência burocrática, a
proposta perde suas características e se distancia dos livros didáticos ou dos
programas oficiais do ensino, apenas pelo discurso, e a proposta caminha nesta
direção.
Não significa dizer que os trabalhadores no ensino de Geografia
que produziram a proposta, seja em que nível for, estejam todos colimados com
79CHAUI, 1990. op. cit. p.13
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
66
este processo. Pelo contrário, OLIVEIRA (1984), ao descrever a realidade do
ensino de Geografia apontava a necessidade de uma ação renovadora.
"Os professores e os alunos são treinados a não pensar sobre o que
é ensinado e sim, a repetir pura e simplesmente o que é ensinado. O que significa
dizer que eles não participam do processo de produção do conhecimento".
Não participar do processo de produção significa a negação do
trabalho como atividade criadora, e o autor está correto em afirmar que:
"isto se deve ao fato de que entre nós a divisão do trabalho
acadêmico também está presente. Uns produzem a teoria. outras ensinam.
portanto praticam a teoria. Esta divisão cria entre nós uma falsa dualidade entre
o professor e o pesquisador: ... Ou juntamos a teoria à prática e vice-versa, ou
certamente continuaremos a nos envolver com "as falsas questões" dualistas que
tem encontrado terreno fértil na geografia. O rumo à práxis é o caminho para
revolucionarmos a Geografia, ou melhor a sociedade80•
No entanto, aqui se coloca um problema. Uma análise detalhada da
citação acima, permite perceber que o autor admiti que existe uma divisão
acadêmica, e que uns produzem a teoria e outros a praticam. Até que ponto o
professor a partir da proposta reelabora a teoria na dimensão de sua prática ?
Justificar este processo apenas reforça o modelo criticado anteriormente. Aqueles
que "praticam" e "não produzem" a teoria, acabam por sua vez reproduzindo com
qualidade discutível o que foi pensado e, portanto, produzem uma teoria outra,
até mesmo contrária à primeira, uma vez que não foi mediada pela reflexão, mas
pelo pragmatismo e imposição do fazer (prática/implantação).
8º0LIVEIRA, 1984, op. cit. p.3 l(grifo nosso).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
67
Há, portanto, uma reprodução, frágil, pelos limites das leituras que
se realizam sobre a proposta, as compreensões dos professores, sem o
aprofundamento advindo do estudo e do debate, necessários a uma (re )criação
autônoma. É para o que nos chama a atenção GRÍGOLI (1990), ao afirmar que a
"ausência de preocupação em se evidenciar e explorar a
articulação entre essas duas instâncias - a teórica/doutrinária/ideológica e a
prática/metodológica/tecnológica - tem conduzido a concepções práticas
fragmentadas, às vezes contraditórias na medida em que, não apreendendo o
fazer didático do professor como parte de uma totalidade, não o focaliza como
um conjunto de decisões e ações que, ao produzirem o cotidiano da sala de aula,
reproduzem e concretizam uma visão de mundo, de homem, de sociedade, de
educação e de universidade81".
Não é nossa intenção engrossar as fileiras daqueles que apostaram
na crítica sobre a proposta a partir da concepção de doutrina marxista82• Como
nesta citação de VESENTINI (1992), em que afirma haver
"Supervalorização de conceitos já prontos - elaborados por Marx e
Lenin - que deveriam apenas ser "assimilados" pelos alunos, e participam como
burocratas em aparelhos de Estado encarregados de definir ''programas
oficiais" e .fiscalizar o seu cumprimento: esses são os principais efeitos
perniciosos do dogmatismo e da cooptação na educação em geral e no ensino de
geografia.
"Dogmatismo, no sentido de não se estudar Marx, por exemplo,
mas apenas "decorar" suas palavras, petrificando seus conceitos. Cooptação no
81GRÍGOLI, Josefa A.G. - A sala de aula na universidade na visão dos seus alunos: um estudo sobre a prática pedagógica na universidade. São Paulo: PUC/SP, 1990, p.92 (Tese de Doutorado).
82.0s trabalhos de VESENTINI (1989, 1992) e ARAÚJO & MAGNOLI (1991), fazem a crítica da proposta nesta direção.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
68
sentido de servir o Estado, atuando contra os interesses populares e em prol do
fortalecimento da máquina repressivo-ideológica. 1183
No entanto, não vamos desconsiderar a possibilidade de haver neste
processo de implantação, caminhos outros que podem levar a um desvio dos
objetivos básicos da proposta e da distorção das bases teórico-metodológicas que
a sustentam, principalmente se for imposta ao professor.
Nossas discussões não se constroem a partir da crítica à proposta
enquanto documento e projeto de Geografia, até porque não é o objetivo deste
trabalho, mas compreender alguns descaminhos que a proposta apresenta em sua
prática.
''A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade
objetiva não é uma questão teórica mas prática (..) a disputa sobre a realidade
ou não do pensamento isolado da práxis - é uma questão puramente
escolástica. 1184
Por conta destas questões não nos propomos a uma análise isolada
da proposta de geografia, partimos por reconhecer que
"É uma prova de mecanicismo dividir abstratamente em duas
partes e depois encontrar uma relação direta e imediata entre um segmento
teórico e um segmento prático. Essa relação não é direta nem imediata, fazendo
se através de um processo complexo, no qual algumas vezes se passa da prática
à teoria e outras desta à prática. "85
83 .VESENTINI, José Willian - Para uma geografia crítica na escola. São Paulo: Ática, 1992. p. 53-55. 84.MARX, K. apud VESENTINI, 1992. op. cit. p. 44. 85.VASQUEZ - Filosofia da práxis. Rio de Janeiro, 1977, p. 233.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
69
A dimensão de processo se inscreve em nossa crítica. Não se trata
do que a proposta coloca como proposição teórica, mas como na prática ela
postula uma nova teoria frente ao que se realiza na escola. São para estas
questões que os "reponsáveis" (institucionais) pela proposta devem atentar.
''A verdade de um conhecimento ou de uma teoria está determinada
não pela apreciação subjetiva, mas pelos resultados objetivos da prática social.
O critério da verdade só pode ser a prática social. O ponto de vista da prática é
o ponto de vista primeiro, fundamental, da teoria materialista dialética do
conhecimento. "86
Ora, se a prática é o condutor básico da reflexão sobre o real,
perguntamos: que prática se estabelece para uma proposta em implantação?
Nas questões por nós elaboradas, observamos que 100% dos
professores utilizam a proposta como documento básico de seu trabalho, mas
apenas 68% afirmam conhecê-la profundamente.
Aqui se inscreve uma questão fundamental, ela estabelece o grande
divisor de águas do dualismo geográfico, dualismo este fortemente utilizado para
combater a própria proposta. Refere-se às respostas obtidas sobre as impressões
dos professores em relação a proposta, estas vincularam-se basicamente ao
abandono da "Geografia Física".
Colocamos esta questão e não vamos discuti-la a fundo porque
ex1gma de nós uma análise da proposta à luz dos conceitos/conteúdos da
Geografia Física, mas percebemos o quanto esta questão esta arraigada na
compreensão dualista dos professores acerca dos domínios da ciência geográfica.
Na verdade esta resposta sobre oa bandono da Geografia Física, revela que destes
68%, que admitem ter profundo conhecimento da proposta, apresentam
86.TSE TUNG, Mao apud OLIVEIRA, 1984, op. cit. p.52.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
70
dificuldades claras em compreende-la do ponto de vista do método, que
permitiria a união/articulação dos domínios geográficos (físico/humano).
Por conta do resultado que obtivemos para o questionamento (A
cartografia é da área física ou humana da Geografia? - 32% responderam ser a
Cartografia da área física como demonstra o quadro abaixo-, é que nos propomos
a discutir a proposta apenas sobre as bases do domínio conceptual cartográfico.
TABELA! -CARTOGRAFIA : FÍSICA /HUMANA
Das duas 10 45% Física 7 32% Humana 3 14% Não respondida 2 9% TOTAL 22 100%
Objetiva-se com esta questão não a retomada do dualismo, mas
verificar o efetivo domínio conceptual que o professor tem de seu trabalho a
partir ou não da proposta.
O domínio que o professor demonstra sobre a proposta não nos
pareceu satisfatório, e o processo de implantação não resolve em nada este
problema. É este ponto que permite a crítica de VESENTINI (1992), crítica que
o próprio OLIVEIRA (1987), como Coordenador da proposta de Geografia da
CENP, já atentava, ao afirmar que uma nova trajetória se colocava para o ensino:
"Este caminho dialético pressupõe que o professor se envolva não
só com os alunos, mas sobretudo com os conteúdos a serem ensinados. ou seja, o
professor deve deixar de dar conceitos prontos para os alunos, e sim, juntos,
professores e alunos, participarem de um processo de construção de conceitos e
de saber. "87
87.0LIVEIRA, Ariovaldo U. - "Educação e Ensino de Geografia na realidade Brasileira". ln: Desalambar. Brasília: AGB-DF. (6), 1987. p .. 6 ..
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
71
A partir destas considerações indagamos se é possível o professor
de Geografia colocar em prática uma proposta que ele não reflete, mas reproduz
para um processo de seleção? Tem o professor o domínio conceptual do que se
inscreve na proposta? Consegue ele mediar esta proposta com a sala de aula e a
realidade de seus alunos?
Partimos de uma questão básica sobre todo este processo de
questionamento: a proposta não é a "realidade em si". E foram com estas
questões que a proposta se debateu, e a partir delas se propõe a efetiva melhoria
do ensino, principalmente do ponto de vista do método que a sustenta. O
caminho, parece-nos, que já fora indicado pelo próprio OLIVEIRA (1984), o
rompimento com a divisão técnica e com os dualismos, e no apelo deste autor
rumo à práxis (e não à prática), é aqui que (re)incorporarmos o debate e o estudo
como necessários a esta (re)criação autônoma do saber.
Colocamos estas questões porque reconhecemos a importância da
proposta para o ensino geografia e a evolução do pensamento geográfico no
Brasil, e este processo depende exatamente do reconhecimento de suas
proposições (filosofia, geografia e psicologia) - E por que não ciência e ideologia
? -. No entanto, ao se burocratizar (conteúdos/conceitos) o conhecimento passa a
se constituir normativo, e a prática docente perde em dimensão técnica e muito
mais em dimensão política88•
88 A crítica de ARAÚJO, R. & MAGNO LI, D. "Reconstruindo muros - Crítica à Proposta Curricular de Geografia da CENP". (Revista Terra Livre nº 8. São Paulo: AGB/Marco Zero, 1991, p.111-19). Chama nossa atenção para algumas questões, sobretudo ao pontuar o risco da oficialização da proposta. No entanto esta crítica revela uma certa pressa em superar a proposta, pois por uma estreiteza metodológica, os autores cometem dois equívocos: primeiro por não reconhecer as implicações e dificuldades de discussão de um projeto transformador; segundo, porque perdem de vista a importância e a dimensão histórica que esta proposta encerra no pensamento geográfico. Estes autores "Criam muros", interessados no "bem comum" da geografia (sic), LACOSTE (1974), afirma que a "multiplicação das referências e alusões geográficas no discurso político faz com que o exame e a crítica do discurso dos geógrafos se tomem uma tarefa cada vez mais necessária" LACOSTE, Y. - "A Geografia". ln: CHATELET, F. - A filosofia das ciências sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1974 p.235
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
72
No aspecto cartográfico, por exemplo, os professores afirmam que
ao deixar de lado a Geografia Física, a proposta deixou de lado também o ensino
de cartografia. Uma das respostas mais comuns, inclusive, foi a de que não se
trabalha com estes conceitos por causa da proposta:
llh~ ~~ ~ ~ ~ wmb. A~ ww, Í,e;m ~ ~
~·11(19).
É contraditória esta afirmação, porque ao ~esmo tempo em que o
professor afirma a importância da cartografia, ele não trabalha esses conteúdos
com os alunos. Deve se levar em conta que ao reconhecermos um conteúdo como
fundamento de uma ciência, como é a cartografia, o professor deveria, não
importando o que afirmam os compêndios, reunir esforços para que este conteúdo
fosse trabalhado, e isto implica em uma autonomia intelectual que se consolida
na prática ( no cotidiano) e na reflexão.
Nesta leitura do professor sobre a proposta há um equívoco, que só
se justifica pelo seu despreparo e desconhecimento, ao não enxergar/reconhecer
que há uma dimensão cartográfica na proposta, ainda que reconheçamos as
limitações desta dimensão. Este não reconhecimento é um reflexo de que o
professor, na maioria das vezes, está "praticando" um modelo teórico, e não
levando à práxis um projeto de ciência.
O próprio texto da proposta inscreve esta dimensão cartográfica e
sua importância no processo de ensino da geografia, além dos próprios
conceitos/conteúdos cartográficos, a saber:
"A territorialidade implica a localização. a orientação e a
representação dos dados sócio-econômicos e naturais. que contribuem para a
compreensão da totalidade do espaço. A construção desta base territorial
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
73
pressupõe a necessidade de conhecimentos desenvolvidos e incorporados ao
longo do processo de trabalho, isto é, conhecimentos necessários para a
apropriação da natureza. Localização/orientação/representação são portanto.
conhecimentos/habilidades integrantes do processo de trabalho. "89
Reforça-se aqui o fato do professor não visualizar instrumentos para
dar conta destas questões, e necessita de "modelos" (receitas ?) para aplicar em
sala-de-aula. Não vamos nos alongar e estabelecer esta .crítica ao professor sem
reconhecer que este processo esta relacionado a necessidade de superação
imediata de suas deficiências, afinal de contas o aluno está à sua frente. Outra,
que a imposição de uma rotina de trabalho massacrante, não apresenta muitos
mecanismos (materiais e financeiros) para elaborar, ele mesmo, as estratégias,
permanecendo ciclo vicioso da reprodução.9o
Podemos observar outro momento em que a proposta se coloca
frente a cartografia, ao mencionar alguns princípios que norteiam o processo de
construção de conceitos afirma-se:
li o confronto com essa realidade, a cada instante permite
desenvolver cada vez mais a capacidade de apreendê-la, daí o papel da
observação no meio. da sua localização/representação - ponto de apoio para a
dimensão geográfica. Ao mesmo tempo, da observação se passa para aos
diversos níveis de abstração.
"- abstrai-se em diversos níveis de comvlexidade. i
ao
compreender-se a estrutura da realidade observada, informando-se por esta. Isto
89.SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO - COORDENADORIA DE ESTUDOS E NORMAS PEDAGÓGICAS - Proposta Curricular para o ensino de Geografia 1° Grau. São Paulo:SE-CENP, 1990. p. 19.(grifo nosso).
90.Apesar destas questões não estamos com isso criando justicativas de "coitadização" destes sujeitos (professolatria), são necessários os princípios da dignidade e da indignação para a construção de outra condição de trabalho e vida. É sabido que colegas se negam ao debate, ao estudo e ao trabalho coletivo, justificando esta renúncia, muitas vezes, pelo salário recebido, não concordamos com esta premissa.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
74
é, trata-se de uma relação entre o real aparente e o concreto pensado, num
movimento constante entre ambos. 'm
Este último excerto da proposta pode com facilidade ser associado
às reflexões de Yves LACOSTE (1974), em seu artigo intitulado "A Geografia",
especialmente quando refere-se a escala geográfica como uma complexa rede de
níveis de análise:
"Convém tomarmos consciência de que a grande variedade das
representações cartográficas, no que se refere às escalas utilizadas, é, de fato,
significativa das diferenças existentes entre vários tipos de raciocínios
geográficos; e de que essas diferenças são em grande parte devidas ao tamanho
bastante desigual dos espaços que eles levam em consideração ,m
Em outras passagens da proposta podemos verificar também a
utilização do conceito de generalização:
"o que implica na formulação de nexos explicativos entre um
determinado lugar e outro, uma situação e outra resultando numa compreensão
crítica". 93
Este conceito de generalização que na proposta não assume a
característica específica da cartografia, é um exercício mental e pode ser
facilmente desenvolvido/construído a partir do domínio conceptual e da análise
cartográfica.
91 .Idem. Ibdem, p. 22. (grifo nosso). 92LACOSTE, 1974, op. cit. p. 252. 93 .SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO, 1990. op. cit. p. 22.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
75
"A técnica cartográfica chamada da 'generalização', que permite
estabelecer um mapa em pequena escala de uma 'região', a partir dos mapas de
maior escala que a representam de modo mais preciso, cada um para espaços
menos vastos, leva-nos a crer que a operação consiste apenas em abandonar um
grande número de detalhes para representar extensões mais vastas. É
efetivamente o que se passa quando esses mapas não têm por função senão
representar, sobre superficies mais ou menos vastas, fatos de mesma natureza.
Contudo, como certos fenômenos só podem ser apreendidos quando
consideramos vastas extensões, enquanto outros, de natureza completamente
diferente, não podem ser apreendidos senão por observações muito precisas que
visam superficies bastante reduzidas, o resultado é que a operação intelectual,
que consiste em mudar de escala, transforma, por vezes de modo radical, a
problemática que podemos estabelecer e os raciocínios que podemos formar. A
mudança de escala corresponde a uma mudança do nível de análise e deveria
corresponder a mudança no nível da conceptualização".94
A mudança e a própria formação de conceptualizações são
colocados como princípios da proposta, no conjunto buscam a formação mais
abrangente do aluno, e para isso é necessário desenvolver as mais variadas
formas de expressão deste conhecimento/conceito construído.
"É importante desenvolver as formas de expressão que traduzem
essa compreensão crítica. É nesse sentido que se colocam tanto a expressão oral,
como a representação gráfica. pictórica, painéis, cartazes, dramatizações, etc. 95
94.LACOSTE, 1974. op. cit. p. 253. O próprio conceito de generalização dentro da cartografia vem ganhando outras matizes. SALICHTCHEV (1988), por exemplo elabora uma crítica a J. Neumann, quando este ''propôs que consideremos a generalização cartográfica como apenas uma redução da quantidade de informação com a diminuição da escala do mapa, com a finalidade de preservar sua possibilidade de leitura ... Neumann, afirma o autor, leva-nos de volta a noções obsoletas de mais de meio século atrás" (p. 18). 95 N N
.SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇAO DE SAO PAULO, 1990. op. cit. p. 24. (grifo nosso).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
76
Reconhecemos também que as leituras que o professor faz da
proposta têm como nascedouro, em muitas das vezes, a própria universidade, e
sobretudo, as formas em que se colocaram/colocam o debate. Estas considerações
se justificam tendo em vista que o debate aparente da proposta (Físico-Humano) -
aparente porque em essência o que temos não é o efetivo estudo e debate, mas
uma busca de hegemonia calcada sobre um "método" - ganhou as páginas da
imprensa paulista e a crítica estabelecida pelos professores e geógrafos da própria
universidade, se deram a partir deste referencial aparente. E portanto, é preciso
perceber que estamos saindo da fase em que o debate perde "manchete", mas não
a paixão, ou seja, ganha-se razão. Neste momento o debate geográfico necessita
tomar uma outra orientação, como afirma SA VIANI (1991 ), e parafraseando-o:
''É necessário passar a fase clássica"
A fase clássica pode ser observada desde quando se estabelecia na
geografia
"um momento de embate teórico-metodológico e prático realizado
em três frentes: entre a New Geography'~ e a "Geografia Tradicional" de um
lado, entre a "Geografia Crítica" e a "Geografia Tradicional" de outro, e ainda,
e cada vez mais intensamente entre a ''New Geography" e a "Geografia Crítica".
E permaneceu com a necessidade de manter e reforçar uma das
frentes como a verdadeira geografia (entrincheirada).
O que percebemos na citação de OLIVEIRA (1984), é que este
último debate ainda se coloca com certa ênfase. No entanto, o que o distanciou da
escola foi a intensa busca de hegemonia da Geografia Crítica (manter e reforçar),
que avançou sobre os professores e nesta ansiedade fundou mecanismos para
colocar a proposta na rede estadual paulista. Esta ansiedade é responsável pelas
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
77
leituras equivocadas, por este atropelo, pela falta de tempo para amadurecimento
e estudo destes profissionais. A proposta não propõe apenas um novo método e
conteúdo para a escola, requer um novo professor.
Ao exigir este novo sujeito recoloca a questão da formação e as
divergências existentes entre as bases tradicionais e tecnicista que respondem em
uma grande parte pela formação destes professores, e a tentativa de se realizar
uma colagem de bases teórico-metodológicas "completamente" contrárias a
formação obtida pelos professores.
''Na prática, hoje não há condições de se afirmar que há
hegemonia desta ou daquela corrente. O que pode estar havendo é, em primeiro
lugar, a aparência de uma grande confusão entre a maioria dos professores de
geografia que se vê, de repente, envolta por uma discussão da qual não tem
participado; na verdade, registra-se a essência desse embate que parece
ampliar-se, ganhando a maioria dos professores de geografia. É pois na
ampliação deste debate que nascerá a hegemonia de uma ou outra corrente". 96
A busca pela hegemonia e o texto de OLIVEIRA (1984), é claro
neste aspecto, fez somente com que, nestes dez últimos anos, mudasse,
efetivamente, apenas a própria questão hegemônica. A Geografia Crítica
"ganhou" a maioria dos professores, e o que talvez não tenha mudado é a
grande confusão dos professores, envoltos por uma discussão da qual não têm
participado. Temos procurado atentar para o fato de que a consolidação desta
hegemonia não se coloque como uma camisa de força para o professor - que é
para onde tem acenado a prática da proposta.
O exercício teórico da proposta, mesmo na ampliação do debate,
não possibilitou ao professor uma crítica profunda de suas proposições. Talvez
96.0LIVEIRA, Ariovaldo Umbelino - "A Geografia no ensino superior situações e tendências". ln: Revista Orientação nº5. São Paulo: Instituto de Geografia/USP, out/1984. p. 29.(grifo nosso).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
78
tenha ficado na "aparência de uma grande confusão", e por falta de norte (ou sul),
acabou abraçando o que lhe colocaram à frente (a proposta). Talvez ... sem o
devido exercício teórico ...
"(..) o exercício teórico tem sentido e é necessário quando se
submete o conhecimento a uma crítica fecunda. . . . Só o compromisso com a
transformação da sociedade pode revolucionar o conhecimento 'm.
Parece-nos ser esta mais uma, das tantas já mencionadas,
implicações de um saber que se propõe transformador, é preciso colocar este
saber na dimensão de uma prática também transformadora. Implicando no que
SCHMIED-KOWARZIK (1983), chama de se obter um saber que apreenda a
prática:
"É claro que um saber, que sequer consegue apreender a prática
como fundamento do seu conhecimento, não só não tem interesse algum como
também nenhuma possibilidade de interagir com a prática. Certamente todo
saber, e portanto também aquele do conhecimento, pode de alguma maneira ser
útil à prática(..). A relação dialética entre teoria e prática reside justamente em
decisões e posicionamentos pedagógicos'f:J8
Este processo exige que os professores, efetivos (re )construtores da
proposta, possam apreender o conhecimento como fundamento de sua prática.
São por estas questões que analisamos o domínio conceptual cartográfico dos
professores de geografia, revelam estes discursos as dimensões políticas de suas
leituras "cartográficas", e as colocam como um dos elementos necessários à
97MARTINS apud OLIVEIRA, A.U. - "A Geografia no ensino superior: situação e tendências. ln: Revista Orientação n.5. São Paulo: Instituto de Geografia/USP, out/1984 p.29-30.
98SCHMIED-KOWARZIK, W. - Pedagogia dialética: de Aristóteles a Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1983. p.11 (grifo nosso).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
79
criação de um saber que interaja com a prática docente e que contribua na sua
reelaboração.
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80
Capítulo V
O DOMÍNIO CONCEPTUAL DO PROFESSOR
"É normal que o pesquisador se desinteresse pela sorte da população que investigou? É normal que esta permaneça na ignorância das pesquisas das quais foi objeto ? Este problema de responsabilidade do pesquisador face aos homens e mulheres que estuda e cujo território analisa( ... ) é preciso não parar a pesquisa, atitude negativa e perfeitamente imediatista, mas esforçar-se em comunicar os resultados aos homens e mulheres que foram delas objeto, pois estes resultados conferem poder a quem os detém". (Yvez Lacoste).
Nos capítulos anteriores pontuamos questões embasadoras das
análises que passamos a desenvolver. Ressaltamos que o objetivo fundamental,
sobretudo neste momento, não é o de colocar o professor em "xeque", mas
determinar o domínio conceptual cartográfico, objeto e objetivo da formação
docente. Temos consciência da complexidade da temática e é exatamente no
sentido de contribuir que propomos nosso trabalho.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
81
1. Realização do estudo
1.1. Caracterização Geral
A pesquisa foi realizada na Delegacia de Ensino (DE) de Presidente
Prudente-SP, localizada (sede) a 560 Km da capital do Estado (Mapa 1 ), sede da
1 Oª Região Administrativa, e da 1 Oª Divisão Regional de Ensino - DRE-1 O -
Presidente Prudente, segundo a estrutura da Rede Estadual de Ensino.
O trabalho de campo se restringiu a Delegacia de Ensino de
Presidente Prudente, que abrange 57 escolas dos municípios de Presidente
Prudente, Alvares Machado, Alfredo Marcondes e Santo Expedito), (Mapa 2)
sendo que 55 estabelecimentos atendem alunos de primeiro e segundo graus, 1 na
formação técnico agrícola e 1 na formação específica do Magistério (CEF AM).
O número de professores de geografia que atuam na DE de
Presidente Prudente no ano de 1994 é de 126 professores.
Apresentamos abaixo os quadros de informações sobre os
professores de Geografia da Delegacia de Ensino de Presidente Prudente-SP.
TABELA2-SITUAÇÃO PROFISSIONAL
Efetivos 43 34% Estáveis/ ACTs 83 66% TOTAL 126 100%
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
82
TABELA 3-INSTITUIÇÃO FORMADORA
UNESP 87 69% UNO ESTE 27 22% Outra Pública 04 3% Outra Particular 08 6% TOTAL 126 100%
TABELA 4-TEMPO SERV. MAGISTÉRJO
Menos de 3 anos 38 30% de 5 a 10 anos 31 25% de 10 a 20 anos 28 22% mais de 20 anos 29 23% TOTAL 126 100%
TABELA 5-NÚMERO ESCOLAS/LECIONA
1 escola 116 92% 2 escolas 7 6% 3 escolas 3 2% TOTAL 126 100%
Destacamos como aspectos fundamentais nestes dados, os
seguintes:
- O enorme percentual de professores cuja situação profissional se coloca como
estáveis e ACTs (66%). Este fato acaba por determinar um rodízio constante dos
professores entre as escolas e acaba dificultando o acompanhamento do trabalho
de formação dos alunos.
- O percentual significativo de professores formados por instituições públicas
72% (UNESP 69%, USP 3%), o que levanta para nós a questão da qualidade do
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
83
ensmo. Se a maior parte dos docentes obtiveram formação em instituições de
consagrada qualidade, afora as questões que passaremos a debater, apenas as
respostas discutidas ao nível da proposta nos faz refletir melhor sobre esta
conceptualização qualitativa, que se estabelece a priori em relação a universidade
pública. Nossa preocupação neste aspecto se estabelece porque foram estes
sujeitos, pelo menos em sua maioria, que estiveram próximos do processo de
renovação geográfica, uma vez que este processo iniciou-se dentro das
universidade públicas.
- Destacamos ainda que a maior parte dos docentes está atuando na rede há mais
de 5 anos (70% ), o que evidencia, por parte destes profissionais, uma experiência
no trabalho pedagógico, técnico e científico.
- É dado significativo observar que 92% dos professores atuam em apenas uma
escola, o que facilita o seu trabalho evitando dispendiosos deslocamentos e o
trabalho com realidades locais (bairros) muito diferenciadas.
Estas informações guardam importância, tendo em vista que se
colocam como indicativos de ordem qualitativa podendo significar uma melhor
formação e preparo, destes sujeitos, para a prática docente.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
84
1.2. A pesquisa de Campo
A partir desse levantamento mais geral, ficou-nos a questão da
pesquisa junto a este universo de professores. Como nossa preocupação se
concentra na questão qualitativa do trabalho docente a partir do domínio
conceptual cartográfico, optamos por entrevistar professores das escolas padrão
de Presidente Prudente. Esta opção se deu por três fatores. Primeiro, por termos
tido a oportunidade de discutir, nos horários de HTP (Hora de Trabalho
Pedagógico), aspectos ligados a cartografia e o ensino de geografia e pela
existência, na sede da DE de Presidente Prudente, do Centro de Aperfeiçoamento
de Recursos Humanos -CARH, o que significa condições físicas de participação
nos cursos oferecidos; segundo, por termos pontuado a questão da formação dos
professores e percebermos em nosso levantamento que as duas Instituições que
respondem pela formação da maioria destes profissionais na DE de Presidente
Prudente (Quadro 1), é a Universidade Estadual Paulista (UNESP- Campus de
Presidente Prudente), enquanto instituição de ensino público, e a Universidade
do Oeste Paulista (UNOESTE) instituição de ensino privado; terceiro e último
fator, é que com a chamada "Reforma no Ensino do Estado de São Paulo", a
escola-padrão apresenta algumas alterações de ordem organizacional que
possibilitam uma melhoria da qualidade formativa (em serviço) do professor, a
citar apenas uma delas a Hora de Trabalho Pedagógico (HTP).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE
QUADRO 1-FORMAÇÃO DE PROFESSORES POR INSTITUIÇÃO - 1980 - 1990.
ANO UNESP UNO ESTE 1980 22 -1981 15 -1982 20 -1983 08 -1984 22 -1985 30 64 1986 31 159 1987 32 68 1988 27 55 1989 44 60 1990 32 60 TOTAL 283 466
José Gilberto de Souza
85
TOTAL 22 15 20 08 22 94
190 100 82
104 92
749
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
86
1.3. A escola padrão99
Ao discutirmos questões relativas à escola padrão, optamos por
refletir a partir do documento lançado pelo Governo do Estado de São Paulo e
partindo dele pontuarmos nossas considerações.
Criada em 1991, com o Programa de Reforma do Ensino Público no
Estado de São Paulo, teve sua efetiva implantação no ano de 1992, com a
implantação de 306 escolas, sendo 198 na capital e 106 no interior do Estado.
Segundo dados da Divisão Regional de Ensino de Presidente
Prudente (DRE-1 O), a evolução do processo de implantação na Região de
Presidente Prudente e no Estado de São Paulo se deu da seguinte forma:
QUADR02-IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA PADRAO
Nº escolas implant./ano 1992 1993 1994 TOTAIS DE de P.Prudente 02 08 01 11 Coord. Educ. Interior 108 754 186 298 São Paulo - Capital 198 298 70 566 Estado de São Paulo 306 1052 256 1614 Fonte:Divisão Regional de Endino de Presidente Prudente-SP.
A escola padrão apresenta em seu processo de implantação
alterações de várias ordens na estrutura organizacional escolar, quais sejam:
autonomia administrativa, avaliação do sistema educacional implantado, a
capacitação docente, o calendário escolar, a jornada de trabalho, a questão
salarial, a rede fisica e os recursos materiais.
Em nossa pesquisa não temos por objetivo discutir os aspectos da
reforma do ensino, os problemas que a escola pública atravessa de maneira mais
99.As reflexões que apontamos neste item tem como base o documento da SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO - Programa de Reforma do Ensino Público do Estado de São Paulo (São Paulo: SE, 1991). Anexo 6.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
87
global ou específica, e reconhecemos que os problemas vividos por esta escola,
mesmo com a reforma, não foram sanados, e não o serão apenas por um projeto.
O que justifica nosso interesse pela escola padrão, e pelos sujeitos que a
constroem é que ela apresenta em suas medidas alguns fatores que podem
repercutir de maneira positiva na qualidade do ensino público.
As medidas por nós qualificadas com esta potencialidade, ainda que
estejam longe de sua concretização dentro da escola-padrão, a coloca como uma
realidade diferenciada dentro do conjunto de escolas comuns. As medidas são:
-avaliação do sistema: trata-se um ponto fundamental no
desenvolvimento de um projeto educacional qualitativo, apesar da incorporação
deste fator na escola padrão, observa-se que não se trata apenas de um problema
da relação ensino aprendizagem (aluno-conteúdo, aluno-professor-conteúdo
professor ), mas incorpora mesmo dimensões maiores. Reflete, portanto, questões
relativas a autonomia e a independência intelectual e a capacidade crítica do
professor.
As questões que mencionamos aqui não eram de fato objetivo de
nosso trabalho, pelo menos direto, mas, ao se apresentarem num momento de
coleta de dados optamos por registrar.
Ao visitarmos uma das escolas padrão, a coordenação colocava aos
professores de geografia alguns quadros de avaliação da escola padrão.
Observamos que os quadros resumiam aspectos relacionados aos alunos, a
estrutura fisico-administrativa e aos professores. Nos quadros relacionados aos
professores estes deveriam expor suas avaliações sobre o projeto.
A coordenadora ao solicitar a avaliação dos professores comenta:
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE
hnm;nf m / r~ IU a,v,,,
José Gilberto de Souza
88
11hwk. 1h ~ (9- r uoc&v ~ ~. ~ ~ ri,(M, ele& acaÍJwm CMrU (9-
Acdmmu CMrU (9- r (l; ~ &m... e~ rrwÁh ~ ~ r ~· .. ~ ri,iM, MÍi» tM, 'Llli!m .. .
11
(Coordenadora).
O professor de Geografia responde: 11
C~ f Jemu (l; Je:f(P r ~ fwm, e, (9-~ cb ~(reflete em um ganho de 30% sobre o salário) (19).
Outros professores argumentam, concordando com a lógica da Coordenadora.
Observamos que a situação do professorado é de tamanha
dependência e penúria que faz com que supervalorize aspectos mínimos de
ordem funcional que o impede de elaborar uma crítica profunda sobre os
problemas da escola como um todo. A avaliação do projeto escola padrão que
deverá ser divulgada em breve carrega em seu interior problemas de
desvendamento quanto sua real situação;
-capacitação: apesar de discordarmos da forma como o processo
tem sido conduzido reafirmamos que o investimento na formação docente (em
serviço) é fundamental para a obtenção de uma escola pública com qualidade. No
entanto, a questão da ("re")capacitação do professor foi colocada sobre o grande
elefante branco da educação, era como nós capacitadores de 1993 chamávamos o
prédio e a estrutura da Fundação para o Desenvolvimento da Educação -FDE,
localizado no bairro Bom Retiro, na Capital do Estado, onde se realizava os
projetos de capacitação para os diversos componentes curriculares. Como
capacitador/1993, observamos que muitos projetos estavam completamente
desarticulados. Alguns cursos se davam ao projeto a característica de uma grande
"colcha de retalhos", sem um sentido claro e evidente de sua condução e
aplicação.
O projeto que participávamos intencionava trabalhar com
professores de 3ª e 4ª série os conteúdos de Estudos Sociais, sem ao menos
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
89
discutir questões relativas à psicologia, à aprendizagem e à realidade dos alunos
destas séries e as dificuldades de trabalho do professor I entre outras.
O professor III passaria a discutir questões relativas ao ensmo
destas séries, sendo que grande parte não apresentava a mínima vivência com
esta clientela. Não foi surpresa verificar que os projetos apresentados no ano de
1993, que deveriam ser aplicados em dezembro daquele ano, foram transferidos
para os meses iniciais de 1994 e posteriormente foram abandonados.
No início do projeto de capacitadores/1994, os capacitadores
tiveram que elaborar um outro projeto para os cursos, que começam a ser
ministrados a partir do mês de setembro de 1994. Junte-se ao fato de que a
clientela a ser atendida foi expandida incluindo agora os professores do Ciclo
Básico - CB.
Um projeto de formação continuada dos professores do ensmo
fundamental, que deveria ser levado a cabo pelo Centro Específico de Formação
e Aperfeiçoamento do Magistério -CEF AMI0° - a partir das Áreas de Didática,
Psicologia e Metodologia de Ensino -, tendo em vista que foram realizadas, desde
a implantação deste Centro, um conjunto de reuniões junto a CENP, para dar
cabo das atividades de Aperfeiçoamento do Magistério, esforço que se perdeu,
sem chegar a se colocar junto a rede estadual de ensino.
No caso dos cursos da FDE, estes serão oferecidos pelos
professores capacitadores em suas respectivas Divisões de Ensino. O projeto
dava mostras, já em 1993, de estrangulamento, tanto que muitas das atividades
foram alteradas, o que acabou gerando insatisfação de muitos, inclusive nossa
desistência. Iniciamos o projeto com mais de 30, restam apenas 11 professores;
100.0 Projeto CEFAM, foi criado no ano de 1989, com o intuito de melhorar a formação dos professores do ensino fundamental CB, 3ª e 4ª séries do primeiro grau. Outro objetivo que constava junto ao CEF AM, se concentrava na formação de um verdadeiro Centro de Aperfeiçoamento de professores da rede, esta última fase nunca foi realizada pelo CEF AM, o regimento não foi elaborado e não foram criadas condições para esta etapa.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
90
-calendário escolar: este item em nossa opinião não trouxe
reflexos qualitativos, tendo em vista a forma de condução do processo, e que
revela, por parte da SE/SP, a falta de visão sobre o ensino público.
A imposição de 200 dias letivos para o ensino diurno e 250 dias
letivos para o ensino noturno, demonstra o quanto se ignora os problemas que o
ensino noturno carrega, face a jornada de trabalho que a maioria dos alunos deste
período realiza. A ilusão era de que o conjunto de problemas de ordem formativa
de nossos alunos seria resolvido com a simples alteração do calendário. A escola
atingiu esta situação caótica nos aspectos formativos por interesses de grupos do
ensino privado e pelo descaso e conivência do Estado, no que toca a
desestruturação do ensino público.
A imposição figurava ainda, para o professor, como uma camisa de
força, tendo em vista que nos últimos quatro ocorreram movimentos
reivindicatórios, por melhores salários e condições de trabalho. Movimentos
estes, que acabaram se constituindo em paralisação das atividades (greve), cujo
aumento dos dias letivos visava apenas diminuir a possibilidade de reposição dos
dias parados e, portanto, impedir a realização dos movimentos.
Pouco adiantou a medida de alteração dos dias letivos, por pressões
da APEOESP a Secretaria da Educação editou a Instrução Conjunta COGESP
CEI, de 20 de junho de 1994, publicado no DOE de 21/06, página 17, alterando o
calendário escolar de 200 e 250 dias, para 180 dias letivos como figurava
anteriormente.101 E, mais uma vez, notamos que atitudes impositivas,
autoritárias, sobretudo em questões que exigem o debate coletivo de professores,
pais e alunos, produziram apenas o desgaste, sem ganho algum de trabalho e
qualidade formativa para os alunos;
101. APEOESP - SINDICATO DOS PROFESSORES DO ENSINO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO - Jornal da Apeoesp. São Paulo: Artes Gráficas Guaru Ltda. nº199 - jun/jul/1994.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
91
-a nova jornada: para nós aqui se apresenta um dos aspectos mais
importantes do projeto escola padrão, pois a Hora de Trabalho Pedagógico
(HTP), coloca-se como um ganho qualitativo aliado a existência dos
Coordenadores de Área que, em alguns casos, era escolhido por seus pares. Esta
função foi suprimida a partir do ano de 1994, as escolas passaram a organizar as
coordenações a partir do número de horas aulas disponíveis, havendo portanto,
uma diversificação de áreas, conforme o quadro abaixo, em que apresentamos a
situação das coordenações nas escolas padrão da DE de Presidente Prudente
(Quadro 3). A figura do coordenador, na maioria das vezes, se reverte no
elemento aglutinador, de organização do trabalho, das discussões e análises dos
professores, sobre todos os aspectos pedagógicos envolventes no ensino.
Ao suprimir esta função perde-se mais uma vez na dimensão
qualitativa do trabalho e do estudo do professor.
A HTP, da mesma forma, também se reverte em fator importante
para nosso trabalho, não só porque estivemos por vezes visitando escolas padrão
nestes horários, discutindo questões relativas a cartografia e o ensino de
geografia em geral, mas sobretudo porque representa um espaço efetivo de troca
de experiência e possibilidade de estudo e portanto de formação qualitativa do
professor. (não capacitação). Estas questões é que nos levaram a trabalhar com o
professor de escola padrão, tendo em vista que o processo de seleção (apesar dos
problemas apontados) e outras considerações apresentadas, refletem condições
diferenciadas de trabalho.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
QUADR03-COORDENAÇÃO-ESCOLAPADRÃO
NOME DA ESCOLA AREASDECOORDENAÇAO EEPG FLORIV ALDO LEAL Ensino Fundamental (CB a 4ª série)
Ensino Fundamental ( S3 a 8ª série) CIC Curso Noturno
EEPG JOAO FRANCO DE GODOY Ensino Fundamental (CB a 4ª série) Ensino Fundamental ( 5ª a 8ª série) CIC Curso Noturno
EEPG DR JOSE FOZ Ensino Fundamental (CB a 4ª série) CIC Curso Noturno
EEPG PROF. MARIA LUIZA FORMOZINHO Ensino Fundamental (CB a 4ª série) RIBEIRO Ensino Fundamental ( S3 a 8ª série)
CIC Curso Noturno
EESG MONSENHOR SARRION Comunicação e expressão Matemática e Física História e Geografia Química e Biologia Magistério (HEM) CIC Curso Noturno
EEPG ANIBAL VITOR PAIVA Ensino Fundamental (CB a 4ª série) Ensino Fundamental ( S3 a 8ª série) CIC Curso Noturno
EEPSG PROF. ADOLPHO ARRUDA Ensino Fundamental (CB a 4ª série) MEL LO Ensino Fundamental ( 5ª s 8ª série)
Ensino Médio CIC Ensino Noturno
EEPG ANTONIO FIORA V ANTE DE Ensino Fundamental (CB a 4ª série) MENEZES Ensino Fundamental ( 5ª a 8ª série)
CIC Curso Noturno
EEPG CARMEM PEREIRA DELFIM Ensino Fundamental (CB a 4ª série) CIC Curso Noturno
EEPSG FILOMENA SCA TENA Ensino Fundamental (CB a 4ª série) CHRISTÓF ANO Ensino Fundamental ( S3 a 8ª série)
CIC Curso Noturno
EEPG CORONEL GOULART CIC Curso Noturno
Fonte: DRE de Presidente Prudente.
92
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
93
-questão salarial: com certeza este tema se coloca como um dos
nós da escola pública, a questão tem se tomado repetitiva e procuramos aqui
concentrar uma de nossas reflexões sobre o problema. A questão salarial, em
virtude das exposições no documento (anexo 6), em que afirma ser um fator
determinante na recuperação qualitativa da escola elimina em parte a discussão
do ponto de vista do Governo, pois está claro que não existe um compromisso
com o ensino público, haja visto os salários na ordem de 1,2 mínimos por mês,
talvez um dos mais baixos de toda a história do magistério público. Trata-se
portanto de um proselitismo político e não a efetiva preocupação do Governo em
resolver esta questão, a julgar pelos movimentos grevistas, dos anos de 91,92,93
e 94, que desgastaram professores, pais e alunos;
-rede física e recursos materiais: estas questões últimas recebem
como destaque os materiais que chegaram as escolas (livros, assinaturas de
revistas e jornais, fitas de vídeo e equipamentos), mais propriamente o conjunto
de livros e a ampliação dos prédios. No entanto estes fatores estão muito mais
ligados ao mercado das editoras que pressionam o Estado, e em conjunto as
empreiteiras, do que uma efetiva preocupação com o ensino público.
Porém, no conjunto, não se pode negar que existem alguns avanços,
e por reconhecermos estas questões é que realizamos nosso trabalho de campo
junto aos professores da escola padrão. Trata-se, em certa medida, de um espaço
diferenciado da massacrante rotina, daquilo que passamos a chamar de escola
comum (não padrão).
O sindicato (APEOESP) colocou-se contrário ao projeto, por
alegações várias, dentre elas a divisão dentro da categoria, pelos aspectos
funcionais e salariais. Verificamos que existem questões positivas e que devem
ser estendidas a todas as escolas e professores.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
94
Isto coloca como imperativo uma revisão de nossas posturas. Uma
delas, cremos, deve partir do próprio sindicato em conduzir uma discussão séria
acerca da qualidade formativa de nossos professores. Não é dificil ouvirmos
comentários como: "Ganham muito pelo pouco que sabem e fazem pela
educação".
Com isto, queremos afirmarmos que se esgota a questão salarial por
parte do Governo, e se efetiva a necessidade de abrir um novo debate, que integre
em definitivo a questão qualitativa do ensino com a questão salarial, pois nossos
discursos não atingem a comunidade, ou seja não está claro, para a população, a
relação salário x qualidade. Ao propormos estas questões, nos valemos da
seriedade em reconhecer que nossos movimentos de luta estão esgotados se
aqueles que dependem da escola pública não compreenderem esta relação. O
apoio que tanto desejamos aos nossos movimentos, se estabelecerá quando
colocarmos neles o sentido claro de duas mãos - salário e qualidade -, pois,
apesar de nossos discursos, temos sabido que a leitura e importância dada,
inclusive por nós, tem sido normalmente sobre o primeiro.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
95
1.4. Procedimentos
Os sujeitos envolvidos diretamente nesta pesquisa foram, como
apontamos, os profissionais que atuam em escolas padrão. Foram entrevistados
nos meses de maio, junho e julho de 1994, um total de 22 professores o que nos
permitiu cobrir oito das onze escolas padrão da DE de Presidente Prudente. A
intenção era atingir o número total de professores (são ao todo 28 professores),
mas houveram impedimentos aos quais associamos a entrada de férias dos
docentes, indisponibilidade e, no limite, a negativa clara ou subreptícia de
colaborar com o trabalho.
O tratamento dos dados foi feito em duas partes, a parte inicial do
Instrumento (anexo) denominada caracterização que foi destacada e indicados os
dados de ordem quantitativa e a parte denominada Cartografia e Geografia foi
reproduzida sem a identificação. O intuito foi de preservar o professor que
contribuiu com a pesquisa, tendo em vista que em nossa sociedade o não saber é
inadmissível e ao mesmo tempo um conceito irrelevante, porém, quando se trata
de investigar seus reflexos sobre as práticas cotidianas, o não saber demonstra ter
uma eficácia fundamental no desvendamento da realidade. O não reconhecimento
de sua existência é que permite o domínio da ideologia e sobretudo da
intransigência e da arrogância, questões que não se colocaram para estes colegas
que se prestaram a colaborar. Chaui nos ajudar a aclarar esta questão ao afirmar
que
"O saber é um trabalho. Por ser um trabalho, é uma negação
reflexionante, isto é, uma negação que, por sua própria força interna, transforma
algo que lhe é externo, resistente e opaco. O saber é o trabalho para elevar à
dimensão do conceito uma situação de não saber, isto é, a experiência imediata
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
96
cuja obscuridade pede o trabalho de clarificação (...). Ora para que a ideologia
seja eficaz é preciso que realize o movimento que lhe é peculiar, qual seja,
recusar o não saber que habita a experiência, ter a habilidade para assegurar
uma posição graças à qual possa neutralizar a história, abolir as diferenças,
ocultar as contradições e desarmar toda a tentativa de interrogação "102•
Esta negação reflexionante foi possível de ser observada na medida
em que a totalidade dos professores reconheceram que deveriam romper com as
deficiências apresentadas e avançar nos domínios conceptuais da própria
geografia.
A consciência do não saber é o fundamento para rompê-lo, para
construir um novo patamar de consciência. Observamos, também que aqueles que
se recusam ao debate, muitas vezes, elaboram um outro tipo e dimensão de
"saber" - escolástico. Neste caso salientamos que há "saberes" que negam o
trabalho.
Nas entrevistas por nós realizada, procurávamos pontuar questões
relativas ao saber e ao trabalho docente procurando ainda estabelecer um diálogo
tranqüilo e transparente, onde colocamos nossas preocupações e explicamos tanto
o instrumento, o porquê de sua estrutura e forma de aplicação. Percebemos que
aqueles que se proporam a conceder a entrevista colocaram um alto grau de
contribuição e valorização de seu/nosso trabalho.
Reconhecemos, e assumimos que o instrumento de pesquisa
utilizado era por demais conflitante, porque colocava o professor "tê te-à-tê te"
com o entrevistador, numa situação de confirmação do saber. É por esta questão
que reapresentamos, aqui, no início da exposição de nossa pesquisa de campo,
nosso agradecimento e nosso respeito, por conta de verificarmos que para realiza-
102. CHAUI, Marilena de Souza - Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Cortez, 1990, p-4-5.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
97
la o professor necessitava estar despojado de "autoridades", para falar com
autoridade sobre os descaminhos do saber geográfico.
QUADR04-
CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS PROF ANO INSTIT ESPEC LICENC POS- TEMPO NºESCOLA SERIES Nº SIT.
Nº FORM FORM. BACH. CURTA GRAD MAGIS LECIONA LEC. HTP FUNC T
1 74 1 2 N N 20 1 3 6 1 2 83 2 3 s N 05 1 1 6 3 3 74 1 2 N N 20 1 2 6 1 4 72 1 3 N N 24 1 2 6 1 5 85 1 1 N N 08 1 2 6 1 6 77 1 2 N N 16 1 2 6 1 7 80 1 3 N N 12 1 1 6 1 8 88 4 3 s N 05 1 1 6 3 9 86 4 3 s N 07 1 1 5 3 10 73 4 2 N N 24 1 2 6 1 11 89 4 1 s s 04 1 1 6 3 12 89 1 1 N s 04 1 1 6 3 13 93 1 1 N N 01 1 1 3 3 14 89 1 1 N N 05 2 3 6 3 15 75 1 2 N N 22 1 1 6 1 16 75 1 2 N N 22 1 2 6 1 17 86 4 3 s N 19 1 1 5 3 18 80 4 3 N N 13 1 1 5 2 19 85 4 3 s N 14 1 3 6 3 20 80 4 3 s N 15 1 1 6 3 21 74 1 2 N N 20 1 1 6 1 22 87 1 1 N s 02 1 1 3 3
INSTITUIÇAO BACH.ESPEC. SERIES SIT. FUNCIONAL 1- UNESP 1 - Realização de Pesquisa 1-lºgrau 1 - Efetivo 2- UNOESTE 2 - Título atribuído 2 - 2° grau 2 - Estável 3 - Outra Pública 3 - Não fez 3 - 1 º e 2° graus 3 -ACT 4 - Outra Particular
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
98
1.5. Caracterização dos sujeitos
Para este item as questões relevantes de caracterização dos sujeitos
(Conforme Quadro 4) em nossa pesquisa referem-se ao percentual de professores
formados pela escola pública 77%, o tempo de magistério, cuja maioria (81 %)
apresenta tempo superior a 5 anos, e os 81 % que cursaram a licenciatura plena,
apesar dos baixos percentuais relativos a realização de pós-graduação ou pesquisa
científica na graduação. Estas questões são importantes pois referem-se
diretamente à qualidade formativa dos docentes, pois os professores da escola
padrão, sujeitos desta pesquisa, apresentam um perfil diferenciado do conjunto
maior dos professores da rede estadual paulista, partindo do princípio da
formação pública, da experiência profissional e da obtenção do título da
licenciatura plena.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
99
2. Formação geográfica e cartografia
A partir deste item passamos a discutir a compreensão dos
professores acerca de dois pontos básicos de nosso trabalho: o primeiro refere-se
a uma discussão já iniciada por nós, trata-se do debate sobre a efetiva
especialização docente; o segundo, remete-nos a discussão dos aspectos
cartográficos e a formação docente.
2.1. Formação/especialização
Uma de nossas pnme1ras indagações junto aos professores foi
referente a questão da formação. O professor de geografia é especialista do que se
propõe a trabalhar? Aqui a palavra especialização se refere ao domínio de seu
trabalho em todas as dimensões técnico-pedagógico, conceptual e política.
Grande parte dos professores afirmaram que são especialistas de seu componente
curricular (60%).
Neste item observamos que a visão que se atribui a formação é
aquela vinculada aos aspectos formais da profissionalização, o "programa
curricular" e o "certificado de conclusão". Todas as respostas apontam para este
viés institucional.
Solicitamos ao professor que comentasse sobre a seguinte
afirmação: "O problema do ensino de Geografia é que o professor não tem
formação geográfica, ele não é um especialista". Observemos as respotas:
i1~ ~ m;rrw, ~ ek, Ff ~ ek, ri,M, ~ wm ~' l9 ~ ek,
h ru» ~ rk ~ (2)
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
100
~11(3)
A importância desta questão se coloca na medida em que
imediatamente os sujeitos se contradizem, principalmente ao percebermos as
dificuldades de domínio conceptual do professor.
Alguns professores apontaram em suas respostas para uma
relação/separação entre qualidade, prática cotidiana do saber e "reconhecimento
oficial" de especialização.
li()~ ck N+· aMiJm ~ ~ ~ ~ ~· riM &m
~•rktuk.A~s~~~~.~Q;~~
r ~. rrWlY ~ ~ ~. AF~~ rk ~ ~· éb
~ s ~ ~ r riM ~ Lk e, r ~ ~ ~ ~ ~-(l;~11. (5)
11/bM, ~ fW1r ~~ (l; ~ ~ ~ ~ ~·
~ riM &u ~km ~11
. (6)
11 Gm ;wik s ~. rwu • fncb, ~ ~ ~ riM JiM, ~ f1lú»
Wv wm ~11
.(14).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
101
Estas falas rompem com a dimensão exclusiva da competência
pelo viés institucional-burocrático e assume o patamar do sujeito em sua prática
de formação e trabalho docente.
Significa dizer que estabelecer a leitura pelo viés único da divisão
técnico-científica pode não apreender questões relativas a práxis do sujeito.
Por outro lado grande parte dos professores, afirmam que a
formação que obtiveram em nada tinha a ver com aquela geografia que praticam
na escola. Revela-se aqui uma contradição aparente, uma vez que, apenas alguns
reconheciam que da sala de aula, como aluno, para a sala de aula, como
professor, a formação universitária apontava para qualidades formativas
(método) da prática docente e não informativas (conteúdo).
Ao mesmo tempo em que se colocavam como especialista alguns
avaliaram seu trabalho como de nível médio. O que nos chamou atenção é que,
apesar de associarem do ponto de vista do conteúdo a falta de sintonia entre
Universidade e Escola, quando questionado sobre as dificuldades encontradas na
sala de aula, dificuldades estas que ele professor associava com as deficiências
de formação raramente as respostas estavam ligadas aos conteúdos e sim a
vivência de sala de aula, aos aspectos de ordem metodológica e a didática.
Como você avalia seu trabalho?
TABELA 6-
A V ALIAÇÃO DO TRABALHO
Ruim 1 5% Regular 6 27% Bom 5 23% Otimo 1 5% Não avaliou 9 40% TOTAL 22 100%
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
102
No tocante as dificuldades encontradas na prática docente aparece a
argumentação relativa à prática com o livro didático, uma vez que os professores
assumiam suas classes e deparavam-se com conteúdos pouco identificados com
aqueles trabalhados na universidade, a opção era estudar em livros didáticos, daí
o porque de vincularem as dificuldades aos aspectos didáticos, faltavam-lhes
"mecanismos" para ensinar os novos conteúdos.
Quais problemas você encontrou na prática de sala de aula que você
associa com sua formação universitária?
11Yaib ~ ~, Mt ~ da, ~ ~ rrwk ~· G
~' ~~, ~difd~~ll.(1)
11y~ ~ Cf»U ~ Cf»U ~ fwrik ÜJ U/m()J ~
~ Cf»U ~ 71,Q; ~11
• (20)
Observamos que no conjunto de respostas acima o enfoque
principal é quanto ao aspecto pedagógico, mas há considerações relacionadas ao
aspecto de domínio conceptual (conteúdo). Esta separação é possível de ser
realizada a "nível da análise", mas estas dimensões (pedagógica/conceptual) se
interpõem na prática docente de forma conjunta e quase que indissociável.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
103
11
A ~eh~~~· a1:v ~ &niimm wm
~~.~~,rrwbwm~~~~
~.1
'(22)
i 1 (9 ~ m ufil nGJ ~ eJW; wrrul! ~ ~ eh ~. ~ ~
~· CJ; ~ riJM, Jumm e; G- rneMnf9, ~ m ~e;~ rrwÁ!1 ~.11
(16)
Esta ausência de debate sobre o conteúdo, se estabelece tendo em
vista que o fazer do professor parte exatamente do domínio conceptual e não da
formação técnico-pedagógica. No entanto suas afirmações se fixam mais no
aspecto pedagógico, quando deveriam concentrar no domínio conceptual. O
domínio conceptual é que permite a construção de metodologias de
ensino/aprendizagem.
Por isso consideramos que a especialização se trata de uma
condição que se consolida a partir do efetivo domínio conceptual do professor na
área (ou componente curricular), em que se propõe a trabalhar. Uma condição
que não se estabelece a priori, pelo viés burocrático, mas pela efetiva exercitação
do saber e da constante reflexão sobre ele. A especialização se coloca como um
fator primeiro para o desenvolvimento de um conhecimento mais amplo, que
possibilite a construção de dimensões hoje perseguidas pelo debate universitário
(das ciências): a transdisciplinaridade, a multidisciplinaridade e a
interdisciplinaridade.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
104
2.2. Cartografia e formação
Ao discutirmos a cartografia e a formação, buscamos considerar em
que medida o professor de geografia compreende a cartografia como um dos
elementos de consolidação da especialização geográfica.
Quando em nosso instrumento de pesquisa passávamos as questões
relativas à cartografia ouvíamos sempre alguns suspiros e afirmações do tipo:
11 q_p ?li J&wm, ~·
Este tipo de comentário demonstra que se tratava mesmo de uma
situação conflitante, tanto para nós, como para os professores.
E iniciamos exatamente pela avaliação que os professores faziam de
sua formação cartográfica, e observamos que grande parte dos entrevistados,
64%, classificaram-no como ruim.
Como você avalia sua formação cartográfica ?
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
105
TABELA 7-FORMAÇÃO CARTOGRÁFICA
Ruim 14 64% Regular 4 18% Bom 4 18% Otimo - -Não avaliou - -TOTAL 22 100%
Por quais motivos ?
Os motivos apontados como justificativa para tal formação foram:
Dificuldades com cartografia:
Dificuldades da Universidade:
11 e; ~· rna6t füi0, ~. ~ ck Wv wm F fdwv, rna6t eJl)J; ~
~ ~ ciJU ~ Jn, Fr+ ~ º' ~ ~ cv pwik ~ ~. TIM dM:v
~ OJnM ~ ~ ~' füi0, ~ ~ i;n);J~ ~ ~
&v. e CMru cv ~ Jn, ~ ooci rUi0- ~.A llFr+ ~li eJl)J; ~.
~-~ Jn, ~ ~ maJVIÁMru9, - e~ xu;rrw;nafv- ~. e; ~ dM
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
106
~ fmF» ~ N+ e, fü]; ~ nM ~· e, fwm1mm ~ Frll.
(22)
11A ~ cÍJ» ~ ~ wúm. ~ ~ OJrlÁ9' ~ ~ ~. ~ ~
~ Y/, ~ ~ CJJJmj»... J~, ~· ~. ~ ~ f&, e, riM Y/, ~
~~~Ob~~. ~~~rJMUAf);m();~
e,~ UAf);-f& aft ~ ~ OJrlfo.11
(16).
11 2~ ~ (); ~ 'TTUllv 'iMTU ~ ~ Y/, apkvu. rPaM/J; ();
~ ~ (Jewrrw;na,), rnillb ~ ~ ~.11(19)
Observamos nestes depoimentos três questões importantes para as
discussões que temos apontado.
A primeira refere-se a visão técnica que a cartografia transparece
( 1cáiuJM, ~11
); a segunda, relaciona-se ao privilegiamento de
determinarmos conceitos em geografia ( 1
~ cÍJ» Fr+ ~11
-11
(paM/J; ();
~ ~ (/ewrrw;na,), rnillb ~ ~ (); ~11 ); e terceiro, vincula-se a
estrutura universitária e o tratamento cartográfico dispensado pela instituição
formadora que revela problemas de formação, tais como o isolamento da
cartografia na própria estrutura curricular (2~ ~ (); ~11
-11 2 ~
~ e/W; ~ CMTh ~~li - li~~ riM UMJm ();~li
_ 11
y~ ~ ~11
-
1
~ ~ ~11
), e a falta de vínculo entre a
disciplina e as atividades de pesquisa de alguns profissionais, fazendo com que o
ensino de cartografia seja uma atividade a parte de suas atividades acadêmicas.
Estas concepções têm trazido sérios prejuízos a formação de nossos
alunos, desde a formação elementar, até mesmo na universidade.
E os professores ao reconhecerem as suas limitações e dificuldades
da formação cartográfica, em contrapartida, reconheceram também a extrema
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
107
importância que estes conteúdos apresentam na formação dos alunos e no ensino
de geografia. Este último aspecto é que nos impele a buscar compreender o
efetivo domínio conceptual dos professores da rede pública, como base para
reflexões futuras e para pensar por quais caminhos poderemos avançar na
cartografia e na formação geográfica.
3. O domínio conceptual cartográfico
A princípio queremos deixar claro o que entendemos por domínio
conceptual cartográfico: trata-se, especificamente, da qualidade formativa do
professor e as condições que ele apresenta para construir estes conceitos junto aos
seus alunos. Por conceitos cartográficos entendemos, também, o conjunto de
conteúdos ligados a representação dos fenômenos da Terra. Conteúdos estes que
são trabalhados nas disciplinas de cartografia nos cursos de geografia (anexos 5 e
6 - Programas das disciplinas de cartografia ministradas no curso de geografia da
UNESP e UNOESTE), especificamente das universidades que formaram grande
parte dos entrevistados. Registramos que o tratamento ideal é domínio
geocartográfico, mas antecipamos, que ao mencionarmos conceitos cartográficos
não estamos nos referindo a cartografia em si, mas de conceitos relacionados a
geografia, objeto e objetivo de formação nos cursos de graduação - Licenciatura e
Bacharelado.
Os conceitos aqui privilegiados não procuram dar conta da
totalidade de conteúdos ministrados nas disciplinas de cartografia dos cursos
superiores em geografia, mas, estão sim, relacionados aos aspectos básicos de
domínio do conteúdo geográfico e sobretudo a partir de conceitos e habilidades
que devem ser construídas e/ou adquiridas pelos estudantes nos diversos níveis
de formação (ensino fundamental, médio e superior), aspectos estes de ordem
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
108
cognitiva, já pontuados anteriormente, e citados a partir do desenvolvimento das
linhas de pesquisa em cartografia e geografia.
Assim, esta parte do estudo tem por objetivo investigar o nível de
domínio conceptual cartográfico do professor de geografia, mas objetivamos
também pontuar as definições dadas por estudiosos de cartografia a respeito dos
conceitos. A intenção não é a desvalorização dos conceitos emitidos pelos
professores estabelecendo valores, mas sim, ao mesmo tempo em que clareamos
de forma precisa o conceito, construímos em nosso trabalho a qualidade de
referência, de consulta e estudo. Ao enviarmos nossa pesquisa as escolas, os
professores poderão ter a curiosidade de localizar suas respostas e confronta-las
(eles sim), e ter nesta pesquisa um material próximo, cuja identidade fora
construída de forma efetiva, porque intencionamos que se efetive esta reflexão.
Os conceitos aqui apresentados não seguirão a ordem do
instrumento de pesquisa, pois estarão agrupados, no sentido de estabelecer
relações entre conceitos próximos e interdependentes.
A questão que se aplicou no instrumento para estes conceitos foi:
Comente sobre ... (escala, planta, etc.). Isto possibilitou que o professor desse a
resposta que desejasse, permitiu-se ainda que o professor citasse uma palavra que
se relacionasse ao conceito, caso apresentasse dificuldades em discorrer sobre o
mesmo.
As respostas dos professores estão organizadas em quatro grupos:
Correta:
Relacionada:
a resposta que em nossa opinião reflete o domínio do
professor acerca do conceito envolvido, levando ainda em
consideração as publicações consultadas;
a resposta cujo conteúdo, ainda que não sistematizada,
apresenta relação com o conceito.
Não relacionada: a resposta cujo conteúdo em nada se aproxima do conceito.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
109
Não respondida: a questão que não apresenta nenhum comentário do
professor.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
110
3.1. PLANTAS, CARTAS E MAPAS
Pontuamos questões relativas aos documentos cartográficos tendo
em vista e grande confusão que se faz com estas terminologias.
TABELA 8-
PLANTA
Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL
TABELA 9-
CARTA
Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL
TABELA 10-
MAPA
Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL
3 14% 12 54% 6 27% 1 5%
22 100%
5 23% 9 41% 4 18% 4 18%
22 100%
10 45% 9 41% 3 14% - -
22 100%
As respostas obtidas para estes conceitos determinam a importância
de nossa investigação, tendo em vista que estão intimamente ligados ao trabalho
de sala-de-aula.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
111
Algumas respostas que classificamos como relacionadas exprimem
a dificuldade de domínio. Foram raras às vezes, não apenas para estes
conceitos/conteúdos, mas para os demais, em que os professores conseguiram de
forma clara, concisa e objetiva explicar estes conceitos.
Planta:
1 - 11(!2~ ck ~ cMuvll (1)
1 - 11~11 (2)
1 - llJ~ ~ ~ ~ eJíl!Wru9,ll (5)
1-11
~? JJei &s, ... e~~ ~11
(7)
Carta:
2 - 11(!2~ ck ~ ~, ~li (1)
2 - 1 1 rPbnb ck UJm(J; á;w,a;11
( 4)
2 - 1171;ro, U/.\,(9,11 (7)
Mapa:
3- 11(!2~ rwF ~ 1ww,11 (1)
3 - 11~11 (2)
3- li~~ á;w,a;, ~ ... (4)
A imprecisão conceptual é óbvia. Claro que os três conceitos pela
sua proximidade apresentam muitas relações, mas é fundamental ao professor de
geografia ter clareza das diferenças entre elas, ou pelo menos dos critérios de
classificação existentes.
Vejamos o que SANCHES (1973), comenta sobre estes conceitos
ao afirmar que:
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
112
"o vocábulo "mapa" é uma designação genérica entre os leigos,
pois cartógrafos e geógrafos reconhecem vários tipos de mapa".
E resume as definições mais usadas dos tipos de mapa da seguinte
maneira:
Carta. é toda representação de parte da superficie terrestre em
escalas geralmente grandes, portanto com algum detalhe. Essas representações
possuem como limites, a maior das vezes, as coordenadas geográficas, e
raramente terminam em limites político-administrativos. As observações e
informações tais como título, escala, fonte, etc. aparecem fora das linhas que
fecham o quadro de representação, ou seja, aquela linha preta que circunscreve
a área objeto de representação espacial
Mapa. como a carta, resulta de um levantamento preciso, exato, da
superficie terrestre, mas em escala menor, apresentando menor número de
detalhes em relação à carta. Os limites do terreno representado coincidem com
os limites político-administrativos, sendo que o título e as informações
complementares são colocadas no interior do quadro de representação que
circunscreve a área mapeada.
Cartograma. é um tipo de representação que se preocupa menos
com os limites exatos e precisos, bem como das coordenadas geográficas, para
se preocupar mais com as informações que serão objeto da distribuição espacial
no interior do mapa. Dessas considerações podemos concluir que o ideal sempre
será a elaboração de cartogramas tendo como base mapas. Como os mapas
resultam de levantamentos precisos, fornecerão o substratum ideal para o
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
113
lançamento das informações, das quais estamos interessados em verificar seu
comportamento espacial. Daí podermos afirmar que todo mapa pode ser
transformado em cartograma, mas nem todo cartograma é um mapa. Em síntese,
o que interessa especificamente ao cartograma é o conteúdo, ou seja, as
ieformações (população, uso do solo, indústrias, etc.) que vão ser colocadas no
interior do mapa. 11103
Como citamos anteriormente, os termos apresentam uma variedade
de definições, segundo o uso, a escala, etc. André Libault, por exemplo, apresenta
sua
classificação das cartas planimétricas segundo a escala:
''As escalas maiores, de 1: 5. 00 até 1: 5. 000 permitem desenhar os
planos cadastrais ou as plantas das cidades. A partir de 1: 5. 000, obtemos os
levantamentos de detalhe ou planos topográficos. Ao ultrapassar a escala de
1:25.000 (1:20:000) já encontramos as cartas topográficas que ocupam um
domínio bastante extenso, até 1:250.000 (1:200.000) De escala menor do que
1:500.000, as cartas podem ser chamadas corográficas, pois como que fornecem
uma visão global de uma região (core). Mas os países de área muito grande,
assim como os continentes, não podem ser completamente abrangidos, senão por
cartas gerais, de escala da ordem de 1: 5. 000. 000 até 1: 100. 000. 000 ou mesmo,
menos. 1º4
103. OLIVEIRA, Lívia - Estudo metodológico e cognitivo do mapa. São Paulo: Instituto de Geografia/USP, 1978 p. 18.
104. LIBAULT, André- Geocartografia. São Paulo: Ed. nacional/USP, 1973, p. 186.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
114
Assim, as classificações de plantas, cartas e mapas estão
relacionadas a escala, e entre cartas e mapas segundo o uso/finalidade. Outras
classificações como a de Oliveira (1993)1º5 também apontam nesta direção.
Para nós a questão que se coloca não é apenas apreensão do
conteúdo em si, mas do reconhecimento de sua importância para a formação e,
portanto, para o ensino/aprendizagem.
O mapa, por exemplo, é um conceito que está próximo ao
vocabulário do professor, em sua prática cotidiana, façamos algumas reflexões,
afim de elucidar nossa insistente afirmação sobre a importância destes conceitos
no processo de ensino e aprendizagem da geografia.
105. OLIVEIRA, André - Curso de cartografia moderna. Rio de Janeiro: IBGE, 1993a, p. 30-36.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
115
3.2. O MAPA
A importância deste conteúdo/conceito para o ensino aprendizagem
é inegável, pois encerra aspectos de ordem didática, não apenas para a geografia,
mas de análise da configuração espacial de uma área, país, etc.
Ao perguntarmos para os professores se eles ensinavam seus alunos
a lerem mapas e tabelas, a grande maioria, 77% respondeu que sim.
TABELA 11 -
ENSINO DE MAPAS E TABELAS
Sim 17 77% Não 2 9% Pouco 2 9% Não Respondida 1 5% TOTAL 22 100%
1 1 [' . e:__ ' . o . J (_ 1 1 (2) l/nJiAJM- rLQ; ~ WUJiJ ru ~ fJ.UrTIJMA/JJb ~ a, ºº" .
11!1~ ~ 'f1f9, fmk, Wmll. (7)
Em verdade o que ocorre ao longo dos anos, e já pontuados em
outros trabalhos, é que o mapa é um dos recursos subutilizados pelo professor, a
própria dificuldade de conceptualização expressa que os 77% que responderam
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
116
que ensinam seus alunos a lerem mapas devem fazê-lo de forma pouco precisa.
Assim o que passamos a questionar não é somente a quantidade de respostas ou
mesmo a interferência ou uso do material no trabalho de sala de aula (algo que
não foi objeto de nossas observações), mas sim o paradoxo entre o não domínio
do conceito por parte de 55% de professores e o índice de respostas em que
apontam para o ensino da leitura de mapas junto aos seus alunos, revelando
assim os problemas existentes com o ensino do mapa, em nossas escolas. É o que
nos coloca CECCHET (1982), ao afirmar que:
" No ensino, o mapa tem sido comumente utilizado como mais um
recurso didático para se ilustrar aulas expositivas, localizar determinados
eventos ou ainda como base para exercícios sobre o espaço. Essa situação
neutraliza o grande potencial de aprendizagem geográfica inerente ao mapa, que
deixa de se desenvolver devido a inexistência de uma metodologia especifica. "106
OLIVEIRA (1978), indica que
"A nosso ver, o problema didático do mapa é que, em nível de sala
de aula, o professor o utiliza como um recurso visual, com o objetivo de ilustrar
e mesmo "concretizar" a realidade; e recorre ao mapa, que já é uma
representação e uma abstração em alto grau do mundo real. Ao apresentar o
mapa ao aluno, o professor geralmente não considera o desenvolvimento mental
da criança, especialmente em termos de construção do espaço. 101
Este desconhecimento do professor dos aspectos cognitivos não foi
trabalhado junto a esta pesquisa, mas indicam que as dificuldades desse
!06. CECCHET, Jandira Maria - Iniciação cognitiva do mapa. Rio Claro: IGCE, 1982.(Dissertação de Mestrado) p.2.
101. OLIVEIRA, 1978, op. cit. p. 15.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
117
profissional em enxergar o mapa como um instrumento de ensmo cujas
facilidades apresentadas auxiliam seu trabalho, denunciam o distanciamento
existente entre o professor e os materiais comumente utilizados no ensino de
geografia. Segundo OLIVEIRA (1978).
" mapa - o apoio da memória e conservação do que registram
nossos sentidos, capaz também de suprir suas deficiências, por reduzir as
grandes distâncias, simplificar a complexidade dos fenômenos e facilitar a visão
de relações. 108
Ao estabelecermos as discussões da cartografia e a proposta de
geografia da CENP, tivemos a oportunidade de indicar a importância da
cartografia na construção de conceitos e na elaboração de uma análise crítica
sobre o espaço representado, e por outro lado OLIVEIRA (1978), expressa que o
domínio do trabalho com mapas revela-se, não apenas como uma exigência
burocrática curricular, mas como uma necessidade formativa de alunos e
professores.
"O mapa é inerente ao trabalho do geógrafo e por extensão ao do
professor de Geografia de qualquer nível de docência. E os geógrafos que
pesquisam no campo da educação não se tem preocupado diretamente com os
mapas da criança. mas sim com a manipulação dos mapas em nível de sala de
aula. O mapa é definido, em educação, como um recurso visual a que o professor
deve recorrer para ensinar Geografia e que o aluno deve manipular para
aprender os fenômenos geográficos; ele não é concebido como um meio de
comunicação, nem como uma linguagem que permite ao aluno expressar
espacialmente um conjunto de fatos; não é apresentado ao aluno como uma
108. Idem, p.9.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
118
solução alternativa de representação espacial de variáveis que possam ser
manipuladas na tomada de decisões na resolução dos problemas".109
Ao apontar estas questões, a autora, tece considerações acerca do
objetivo de formar professores com domínio cartográfico, o que representam
condições de utilização da cartografia no ensino de forma mais eficiente.
" Este objetivo representa nossa convicção profunda que somente
desta maneira se pode preparar o professor para crescer intelectualmente e
desenvolver métodos para transformar o ensino pelo mapa no ensino do
mapa ... 11110
''No ensino do mapa, três aspectos devem ser analisados: os tipos
de mapas escolares utilizados e disponíveis para o uso nas diversas escolas; a
seleção dos mapas e suas funções em sala de aula; e por último, mas de forma
não menos importante, o preparo dos professores no tocante aos mapas. "111
Reforça, assim, a autora, nossas considerações acerca da qualidade
formativa do professor para o trabalho de cartografia, em especial o trabalho com
mapas, atentemos para as considerações que seguem, e que envolvem os aspectos
didáticos do ensino de cartografia e da formação docente:
"O problema didático do ensino do mapa, como não poderia deixar
de ser, recai sobre a formação básica do professor. É um truísmo afirmar que o
ensino depende do professor. ".
109. Idem, p. 39. A partir deste trabalho de OLIVEIRA, muito se avançou na produção de pesquisas sobre os mapas (grifo nosso). 110. Idem. p.11. 111Idem. p.39.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
119
"Muitas vezes os professores de primeiro e mesmo de segundo
graus são inadequadamente preparados na área de Cartografia.... No entanto,
entre os principais objetivos da Geografia do currículo escolar figura um que diz
respeito a capacidade do aluno em leitura cartográfica, em termos de
desenvolvimento de habilidades de interpretação, manipulação e decodificação
dos símbolos, escala e projeção. "
"O ensino do mapa requer por parte do professor uma formação
muito mais dinâmica do processo de mapeamento. Queremos esclarecer que
nossa posição, ao defender o ensino do mapa, não inválida - ao contrário
reforça - o problema do ensino pelo mapa 11.112
Estas citações revelam ainda, a sintonia com que os problemas
relativos ao ensino vem aparecendo nas pesquisas de cartografia. Quando
relatamos este conjunto de citações e observamos as respostas emitidas pelos
professores, não apenas no tocante ao ensino dos mapas, mas sobretudo nas
conceptualizações por eles emitidas acerca deste documento cartográfico,
percebemos o quão longe estamos de desenvolver/aplicar as pesquisas realizadas
na área das metodologias de ensino de cartografia.
SIMIELLI (1986), ao explicar as causas de melhor desempenho dos
alunos em sua pesquisa , afirma que
"Se tivermos um professor que domine a linguagem gráfica e saiba
transmiti-la aos seus alunos este problema poderá ser aos poucos sanado, ao
passo que, se a situação for inversa e o professor não dominar esta linguagem,
ele não terá condições de fazer seus alunos se interessarem por mapas. O aluno
112. Idem. p.45-46.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
120
precisa, pois, conhecer e se familiarizar com o alfabeto cartográfico e isso é
tarefa do professor". 113
Quando pontuamos inicialmente a quantidade de professores de
Geografia, da DE de Presidente Prudente (Tabela 2), cuja situação funcional era
enquadrada como ACT ( 66% ), comentávamos sobre o problema que isto
representa pela falta de continuidade do trabalho. SIMIELLI (1988), em sua
pesquisa aponta para um outro dado, que esta pesquisa não procurou investigar,
mas que reflete diretamente na qualidade de formação dos alunos. Trata-se do
professor substituto que nesta estrutura de ensino contribui para fragmentação do
processo formativo.114
As considerações que fazemos são que o professor precisa
apresentar o domínio dos conceitos cartográficos, e isso se refere a formação dos
professores e a sua capacidade para usar o mapa como meio de comunicação dos
conteúdos geográficos.
Mas para o professor que, de maneira geral, depende do livro
didático para a realização de seu trabalho, e que este instrumento passa a ser, em
alguns casos, um certo "professor do professor", é necessário perceber a
qualidade do tratamento cartográfico no material didático. São estas as perguntas
que nos obriga a uma reflexão sobre o material didático: Qual a qualidade do
tratamento e dos conteúdos cartográficos destes materiais ? Este material
objetiva fazer com que o aluno se interesse pela representação cartográfica?
A pesquisa realizada por LE SAN (1985) esclarece que a
( . .) cartografia do livro didático nem sempre alcança estes
objetivos, haja visto os depoimentos de professores sobre as dificuldades e as
113. SIMIELLI, Maria Elena Ramos - O mapa como modo de comunicação. São Paulo: FFLCH (mimeo), 1986. p. 129. (Tese de Doutoramento).
114. SIMIELLI, 1986. op.cit. p. 130.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
121
atitudes negativas dos alunos em relação aos mapas e gráficos. Essa atitude
muitas vezes é uma resposta a má qualidade das ilustrações presentes no
material didático que os alunos têm acesso é um reflexo da atitude do professor
despreparado para ler, analisar e/ou construir documentos cartográficos". 115
Percebemos assim, que mesmo no tocante ao material mediador do
trabalho docente - o livro didático - não se pode prescindir da figura do professor,
sobretudo sob o aspecto qualitativo do ensino e da aprendizagem.
Se por um lado nos debatemos com a questão formativa e a
importância dos professores frente ao ensino do mapa, por outro lado, assim
como a cartografia, o mapa recebe um tratamento específico, é visualizado como
documento da dominação.
Segundo LACOSTE (1974)
"É neste ponto da reflexão que se torna indispensável falar do
mapa que é fundamentalmente, em nossos dias como outrora, um instrumento de
poder. (O Mapa, Formalização do espaço para a dominação do espaço). 116
"Esses mapas que concretizam para os geógrafos as diferentes
conceptualizações dos espaços, também são instrumentos de poder. Certamente,
todos os mapas não tem esta função, pois suas significações são muito
diferentes; assim, as imagens cartográficas que proliferam em nossa época,
reproduzidas pelos jornais, pela televisão ou pelo cartaz publicitário, tem outros
papéis, da mesma forma como os mapas rodoviários. vendidos aos turistas em
milhões de exemplares. Essa difusão maciça de representações cartográficas é
11 5. LE SAN, Janine Gizele - "A cartografia do livro didático de Geografia". ln: Revista de Geografia e Ensino. Belo Horizonte: UFMG, 1985. 2(7) p.4 (grifo nosso).
116. LACOSTE, 1974. op. cit. p. 243.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
122
um fato novo. Até época bastante recente, os mapas estavam entre as mãos
daqueles que participavam diretamente do exercício do poder". 11 7
Na verdade, por conta destas leituras, se aproxima a cartografia
com o Estado, e assim, com a dominação, este recorte ideológico produziu um
distanciamento da cartografia do movimento de renovação geográfica. Ao mesmo
tempo em que este documento (o mapa) passa por um maciço processo de
difusão. Mas, é o próprio Lacoste, que ao afirmar que se por um lado o mapa é
um instrumento de poder é também um instrumento de base geográfica:
( . .)"Em tudo o que acaba de ser dito sobre os geógrafos, não se
colocou a questão do mapa; ela não se impôs porque, de fato, o modo como os
geógrafos falam de sua disciplina dá muito pouco lugar aos problemas da
cartografia, que é habitualmente considerada como uma técnica (ou uma
ciência) nitidamente separada e distinta da geografia. No entanto, o discurso do
geógrafo refere-se continuamente a mapas (e não ao mapa), mas os geógrafos
não o proferem. Seria por ele ser demasiado evidente? Eles proclamam
freqüentemente seu gosto pelo "concreto" e sua desconfiança em relação ao
"abstrato", enquanto se referem ou deveriam referir-se ao mapa, isto é, um
conjunto de sinais, a certo abstrato que foi extraído do concreto. " A
formalização cartográfica é, pois, o lugar de uma experiência epistemológica
privilegiada" Georges Gusdorf, La Revolution Galiléenne Payot, 1969 p.367 -
Ela corresponde, de modo bastante surpreendente, à primeira etapa do
pensamento cientifico descrita por Gaston Bachelar nas primeiras linhas de ''A
formação do espírito cientifico " Tornar geométrica a representação, isto é,
descrever os fenômenos e ordenar em série os acontecimentos decisivos da
experiência, eis a primeira tarefa em que se afirma o espírito cientifico. É desta
117. Idem. p.244.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
123
maneira, com efeito, que se chega à quantidade figurada, a meio caminho entre o
concreto e o abstrato numa zona intermediária onde o espírito pretende conciliar
as matemáticas e a experiência". 11 8
O domínio da linguagem cartográfica revela-se em uma
necessidade do geógrafo, de referência intelectual e científica e que deve ser por
nós utilizado e reforçada sua utilização. As concepções elaboradas sobre a
cartografia, e o mapa em particular, devem ser consideradas à luz da história, da
evolução do pensamento geográfico no Brasil, é nesta dimensão que podemos
recuperar a importância da cartografia e mesmo as concepções produzidas, ambas
se constituem em fundamentos para a produção de novas leituras sobre a
cartografia e a geografia, seja no ensino ou na pesquisa.
3.2.1. As perguntas que o mapa responde
Preocupados com a utilização do mapa formulamos algumas
questões que poderiam evidenciar a forma e o domínio para utiliza-lo. Ei-las:
Quais as perguntas que o mapa responde (em relação ao que está representado)?
TABELA 12-
PERGUNTAS QUE O MAPA RESPONDE
Correta 7 32% Relacionada - -Não Relacionada 14 63% Não Respondida 1 5% TOTAL 22 100%
118. Idem p. 243-244
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
124
O percentual de respostas corretas foi extremamente baixo,
ainda que nos referíssemos, na explicação da pergunta, às três questões básicas de
representação de fenônemo ou objeto geográfico.
O espaço onde(?)ocorre o fenônemo, (o que ?) que tipo de
fenônemo e sua dimensão, o como(?) ele ocorre.
Esta resposta por nós considerada correta se distancia em muito de
respostas como.
llmk, ~li. (3)
Parece-nos que existe, por parte do professor uma confusão entre o
título do mapa e as questões elementares da representação. O percentual de
comparecimento das perguntas de representação foi o seguinte:
O que (está sendo representado)? - 14%
Onde (a localização do fenômeno)? - 22%
Como (situação do fenômeno)? -40%
Segundo LE SAN (1985):
"Os mapas temáticos, além de localizar com precisão os fatos,
introduzem outras informações de ordem quantitativa, ordenada ou qualitativa.
Esses mapas sugerem e respondem às questões: o que? onde? como? quanto?
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
125
quando? por que? Nesse caso, os mapas podem explicar os fatos e não apenas
descrevê-los.119
Para OLIVEIRA (1978), esta questão se inscreve não apenas sob o
aspecto representativo, mas trata-se de uma questão de ordem conceptual, que se
coloca sobre a formação geográfica:
"Quanto ao geógrafo, sua pergunta fundamental, para qual ele
procura uma resposta, é uma das questões básicas da humanidade: onde? Mas,
à questão: onde ? o geógrafo tem necessidade de acrescentar outras questões,
como: o que?, quando? como? e por que? - para explicar geograficamente a
ocorrência dos eventos da Terra.1 20
É neste plano conceptual que MARTINELLI (1991), também
argumenta:
"Fazer um mapa significa explorar sobre o plano as
correspondências entre todos os elementos de um mesmo componente da
informação - o componente locacional (O conjunto das coordenadas geográficas
das posições que se organizam no plano. Respondem ao "ONDE?" Caracterizam
a ordem geográfica: a localização de São Paulo não pode ser permutada com a
de Presidente Prudente.
" No caso dos mapas temáticos, a matriz coloca em
correspondência os lugares ou unidades observacionais do mapa base ( o
119. LE SAN, 1985, op. cit. p.6 120. OLIVEIRA, 1978, op. cit. p. 17.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
126
ONDE?" - as duas dimensões do X, 1) com os atributos do tema ("O QUE" EM
QUE ORDEM QUANTO'') os quais comporão os termos da legenda.121
A discussão sobre este questionamento (As perguntas que o mapa
responde) se coloca não sobre o aspecto técnico da representação, mas conceptual
como afirma OLIVEIRA (1978), e assim se inscreve uma vez que a superação
das deficiências formativas do professor passa pelo aspecto da representação.
No ensino, esta dupla reflexão comparece (representação/conceito)
pois a aprendizagem do e pelo mapa se consolida a partir da atividade de mapear.
121 . MARTINELLI, Marcelo - Curso de cartografia temática. São Paulo: Contexto, 1991. p.46.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
127
3.3. IMPLANTAÇÕES CARTOGRÁFICAS
Se as questões anteriores refletem aspectos de ordem conceptual de
formação geográfica, ou seja, são fundamentos para o ensino da geografia, são
também bases para os processos de elaboração/produção cartográfica, assim
como as implantações.
Para o professor, quando abordamos este tema, a consideração
inicial é de que se trata de um termo eminentemente técnico, mas se
compreendemos a atividade de mapear como um processo de construção de
linguagem e portanto de leitura sobre o cotidiano (espacialidade), mais uma vez
transitamos do aspecto formal/técnico da representação para o aspecto
formativo/intelectual da construção de conceitos.
A partir do nosso, levantamento bibliográfico notamos que as
contribuições de SIMIELLI (1986), PAGANELLI (1985, 1987), OLIVEIRA
(1972, 1978, 1985) e ALMEIDA & PASSINI (1989), mencionam que sobre o
problema da aprendizagem do e pelo mapa, esta colocado, fundamentalmente, a
dificuldade que o aluno apresentava na leitura e interpretação dos documentos
cartográficos. Este problema, segundo estas autoras, se estabece pelo fato do
aluno não ter elaborado mapas, não ser mapeador. Diante disto optamos em
verificar o conhecimento do professor sobre as formas de implantação
cartográfica (o como fazer mapas).
Segundo Lívia de Oliveira, a representação dos fenômenos
existentes, ou seja,
" Os lançamentos dessas irregularidades da crosta terrestre nos
mapas exigem um processo prévio de transformação, isto é, elas devem ser
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
128
transformadas em elementos do espaço - pontos, linhas e áreas - para poderem
ser representadas espacialmente. 122
Estes elementos do espaço é para JOL Y (1990), um conjunto de
símbolos, uma simbologia gráfica:
''A simbologia gráfica consiste, assim, num arranjo convencional
de manchas significativas localizadas em implantação linear, pontual ou
zonal. 123
Para MAR TINELLI ( 1991 ), as implantações se colocam como
significações que estão intimamente relacionadas com os componentes temáticos
a serem representados:
"Para dizermos "O QUE?", o "EM QUE ORDEM"? e o
"QUANTO?", que são componentes temáticos precisamos variar visualmente (Z)
a posição em (X JJ, a qual pode assumir significações de ponto linha e área,
como já anunciamos, em conformidade com a manifestação do fenômeno
abordado( . .)" 124
De maneira mais detalhada explica LE SAN (1985),
''A informação transmitida por um componente pode se referir a
uma localização precisa, a um limite ou percurso, ou ainda a numa superficie.
Essas três maneiras de colocar a informação no plano da folha de papel
representam os três modos de implantação a saber: pontual, linear e o zonal.
122. OLIVEIRA, 1978. op. cit. p. 35. 123. JOLY, Femand - A cartografia. Campinas: Papiros, 1990, p. 19. 124. MARTINELLI, 1991. op. cit. p. 16.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
129
" A localização precisa de uma indústria corresponde a uma
implantação pontual. O percurso de um rio ou um limite administrativo ou ainda
uma estrada, são exemplos da implantação linear. E a zonal é a implantação das
densidades de população, das produções agrícolas, entre outras. 125
TABELA 13 -
IMPLANTAÇÕES CARTOGRÁFICAS
Correta - -Relacionada 2 9% Não Relacionada 5 23% Não Respondida 15 68% TOTAL 22 100%
llÍMiiw, ~· ~li· (13)
Observamos assim que questões relativas ao mapeamento, a
formulação de mapas como base para o ensino dos alunos toma-se uma das
atividades complexas e distante da realidade dos alunos e professores (Tabela
13), reforça, assim, a necessidade de um domínio cartográfico por parte do
professor, domínio este que deve se estabelecer não apenas sobre os documentos,
mas sobre a elaboração cartográfica, sobre o domínio da linguagem gráfica e da
representação de seus elementos.
125. LE SAN, 1985. op. cit. p. 37.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
130
3.4. OS ELEMENTOS DE UM MAPA
A leitura e interpretação de um documento cartográfico exige em
primeiro momento o reconhecimento dos elementos fundamentais de um mapa.
Este ponto de partida é o que permite referenciar o professor sobre a qualidade e
finalidade do material cartográfico a ser utilizado em sala de aula.
TABELA 14-
ELEMENTOS DO MAPA
Correta 12 Relacionada 2 Não Relacionada 7 Não Respondida 1 TOTAL 22
54% 9%
32% 5%
100%
Em termos comparativos o índice de respostas corretas para os
elementos cartográficos é até mesmo satisfatório o que indica que se trata mesmo
de bloqueios formativos, ou seja queima-se etapas no processo de construção de
uma concepção ampla sobre os conteúdos/conceitos cartográficos. Vejamos as
respostas dadas pelos professores:
11~ ~ ~ ~ wm ~ ~: (9, fJLk, ~' ~
~e,~11.(6)
li~~.~· ~ ~, ??(20)
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
131
Para classificação destas respostas como corretas tomamos como
base aquelas que indicavam pelo menos dois elementos. LE SAN (1985), em sua
pesquisa sobre o tratamento cartográfico em livros didáticos, faz as seguintes
considerações ao explicar os elementos de um mapa.
"no documento são: título e subtítulo se necessário, a legenda, a
escala, a orientação, a data dos dados, a fonte e eventualmente (dependendo do
tipo de documento e sua finalidade) o autor, o órgão divulgador, a data de
publicação e um encarte (quando necessário). 11126
Observemos o percentual em que aparecem os elementos citados
por LE SAN, nas respostas dos professores, classificadas como corretas:
3.4.1. Título:
Data:
Fonte:
5%
5%
Orientação: - 14%
Título: - 14%
Escala: - 40%
Legenda: - 59%
"Um dos elementos mais importantes de identificação de um mapa
é o título que deve sintetizar o conteúdo da legenda. O subtítulo é utilizado para
precisar ou ressaltar um determinado aspecto do tema cartografado. Sendo a
primeira infàrmação procurada pelo leitor, ambos devem vir na metade superior
126. Idem, p. 37-38.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
132
da ilustração, utilizando-se letras caixa alta (maiúsculas). Por vezes os títulos
são muito mais abrangentes que os conteúdos das legendas" 127
No número de respostas corretas obtidas, o título foi citado em
14%, isto evidencia que para um documento que supostamente é levado para a
sala de aula há mesmo dificuldades na utilização deste material. Quando citado
pela autora acima, como primeira informação procurada pelo leitor, remete-se a
compreensão que a escolha/utilização de um documento se dá pela informação
que procuramos obter, a não inclusão deste elemento nas citações dos professores
reflete as dificuldades existentes na utilização deste material básico ao ensino.
Passemos a análise de outro elemento, a orientação.
3.4.2. Orientação:
Além desta questão estar relacionada ao item Elementos de um
mapa, solicitamos também que o professor nos respondesse em específico, uma
questão sobre o conceito de orientação.
A formulação destas questões se estabeleceram tendo em vista que
este conceito se coloca como base não apenas para a leitura de mapas (aspecto
cartográfico), mas sobretudo, para o desenvolvimento cognitivo dos alunos,
acerca da construção de seu domínio espacial. Sobre o aspecto cartográfico
tomamos as proposições de LE SAN (1985), ao realizar uma pesquisa sobre a
cartografia no livro didático de geografia.
"Considerando que o mapa é uma representação simplificada do
espaço geográfico, uma outra informação deve estar presente nos documentos
l27 Jdem,ibdem.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
133
cartográficos. Refere-se aos elementos de orientação que podem ser
apresentados pela indicação da posição geográfica dos lugares representados.
''A orientação deve ser colocada ao redor do mapa no caso de se
usarem as coordenadas ou perto da representação, de preferência na metade
superior da folha, se for o norte .
''Apenas 12% dos mapas analisados apresentam orientação
definida claramente. Nos outros casos, deve-se considerar o norte em direção a
parte superior da folha. O uso desse recurso, uma convenção estabelecida pelos
cartógrafos, não deve, entretanto, prevalecer nos livros didáticos, uma vez que
as representações dos limites de lugares geográficos não são muito familiares
aos alunos de 1 ºgrau. 1112&
Sobre o aspecto cognitivo do conceito de orientação observemos as
considerações de CALLAI & ZARTH (1988).
" A orientação é necessária para quando o aluno trabalhar com
mapas, cartas, maquetes, desenhos, mas é necessária também para que o aluno
saiba movimentar-se no espaço e no tempo em que vive seu dia-a-dia".
"O trabalho com mapa é importante mas, antes dele, é necessário
todo um trabalho que situe o aluno, que lhe permita vivenciar certas situações de
aprendizagem , que o façam exercitar na localização. São os exercícios feitos
com a realização e a representação de trajetos, o desenho da sala de aula ... Em
qualquer destes exercícios. "129
128. Idem, p. 23-26 129. CALLAI, Helena C. ZARTH, Paulo A. - O estudo do Município e o ensino de História e
Geografia. Ijuí:UNIJUÍ, 1988. p. 45-46.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
134
Observamos que para CALLAI & ZARTH (1988), o conceito de
orientação está relacionado com o de localização o que implica em operações
cognitivas amplas e interligadas a representação, estas dimensões estão longe de
serem consideradas pelos professores.
Passemos a verificar as respostas dos professores relativas a
orientação:
11~11(18)
TABELA 15 -
ORIENTAÇÃO
Correta 5 23% Relacionada 13 59% Não Relacionada 2 9% Não Respondida 2 9% TOTAL 22 100%
As respostas de maneira geral restringiram-se aos
pontos cardiais, e as afirmações: 11
lww,ç_, ~ YU ~.11
- 11
~, /Jul, k4, e,
~."
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
135
O conceito portanto exprime o aspecto de leitura de mapa, e do
domínio espacial representado, o sentido de locomoção, localização, direção no
espaço prático, parece-nos que este último se aproxima mais dos conceitos dos
professores. A dimensão do concreto é a mais evidente para o professor, isto se
evidência que se estabelece pela ausência de articulação entre formação docente e
prática docente.
Observemos outras questões que estão relacionadas a este conceito:
3.4.3. Sistema de Orientação:
Neste subitem reunimos questões relativas aos Pontos Cardiais e
Norte e Sul., como conceitos relacionados a orientação geográfica.
O que observamos é que ao ampliarmos os conceitos amplia-se a
imprecisão. Quando apresentamos os conceitos de Norte/Sul ou Pontos Cardiais,
muitos professores, perplexos, não sabiam o que responder.
TABELA 16-NORTE/SUL
Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL
TABELA 17-PONTOS CARDIAIS
Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL
5 23% 10 45% 4 18% 3 14%
22 100%
14 63% 3 14% 5 23% - -
22 100%
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
136
Gostaríamos de citar em pnme1ro lugar que estes conceitos são
elementares ao ensino de geografia e que apesar de um certo índice de acertos, as
respostas relativas a estes conteúdos continuam imprecisas.
Norte e Sul: 11 rPéJM b Wvw,, ~, n/JJ/i/íJ, ~? (6)
11~11(12)
ller ... 11 c10)
Pontos Cardiais:
11~11(2)
A definição dada por OLIVEIRA (1993b )é
''pontos cardiais. 1. Qualquer uma das quatro direções
astronômicas principais da superficie terrestre: norte, sul, este, oeste. "130
Observamos que o conjunto de conceitos expressos pelos
professores demonstram distorções acerca destes elementos, distorções estas que
130.0LIVEIRA, Ceurio - Dicionário Cartográfico. Rio de Janeiro:IBGE, 1993b p. 436.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE
José Gilberto de Souza
137
acabam se transferindo para os alunos. Nossas considerações acerca deste
conjunto de conceitos relacionados a orientação é que tanto do ponto de vista
cartográfico como do ponto de vista cognitivo - se é possível separa-los - quanto
maior o processo de verticalização da compreensão e relação destes conteúdos,
buscando tomar mais precisa a informação sobre o conceito (orientação), maior a
capacidade de visualizar os problemas de ordem formativo dos docentes.
3.4.4. Data dos dados, fonte e encarte:
Quanto a estes elementos, pela especificidade, não tínhamos
nenhuma expectativa que comparecessem nas respostas dos professores. No
entanto tratam-se de informações importantes, pois respondem pela atualização
dos dados, sua procedência e até mesmo os níveis de detalhe que se pode obter
sobre o fenômeno representado.
Observemos as considerações de LE SAN (1985), a respeito destes
elementos.
- " A data dos dados é um elemento fundamental nos mapas que
representam informações quantitativas e ordenadas mutáveis, pois orienta o
leitor a respeito da data em que foram obtidas aquelas informações. Embora
temas dessa natureza sejam freqüentemente representados nos documentos
estudas, apenas 5% apresentam a data dos dados.
- ''A fonte, é um outro elemento de identificação que também tem a
de orientar o leitor sobre as informações representadas nos mapas, esclarecendo
sua origem.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
138
- "O encarte é um recurso cartografico que permite ampliar uma
determinada porção do mapa, para facilitar a leitura dos símbolos muito densos
ou aproximar do espaço contínuo que está sendo cartografado um elemento
distante (por exemplo as ilhas Fernando de Noronha, no mapa do Brasil) ou
finalmente, localizar numa área maior a unidade espacial representada
(localização de Minas Gerais no Brasil). "131
Estes elementos pouco foram mencionados em nosso trabalho de
campo, mas guardam importância significativa para a análise geográfica.
3.4. 5. Legenda:
Assim como o conceito de orientação, e ainda preocupados com as
respostas obtidas sobre a leitura de mapas, também reforçamos nosso interesse
na compreensão dos professores sobre legenda. e este elemento compareceu na
questão relativa aos elementos do mapa, e em uma questão específica, uma vez
traduzir este conceito aspectos relativos a comunicação cartográfica.
Segundo LE SAN (1985), a legenda
" É o elemento mais importante do mapa pois compreende a
tradução dos símbolos utilizados na representação das informações. Um mapa
sem legenda não é uma representação cartográfica e pode ser considerado como
uma "obra de arte" que o leitor interpreta como quiser. "132
''Não basta porém que os mapas apresentem legendas é muito
importante que ela esteja bem organizada. Entende-se por organização da
131LE SAN, 1985. op. cit. p. 25-26. 132.LE SAN, 1985, op. cit. p. 27.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
139
legenda a apresentação dos componentes no caso do mapa representar mais de
um, agrupando-se os elementos de um mesmo tema sob um título. Esse cuidado
permite uma leitura mais rápida da legenda e facilita a compreensão do mapa,
além de permitir a especificação eventual de uma data ou qualquer outra
complementação relativa ao componente. "133
TABELA 18-
LEGENDA
Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL
10 46% 8 36% 4 18% - -
22 100%
Observamos no quadro acima que como recurso de extrema
importância para o ensino e leitura do mapa, o percentual apresentado para
respostas corretas é preocupante. Registrando-se, ainda, o número de respostas
classificadas como relacionadas que demonstram a dificuldade do professor em
organizar um conjunto de argumentações que desse conta de explicar o conceito e
a sua utilização.
133. Idem, p. 29.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
140
Evidenciamos que se tratam, em grande parte, de conceitos prontos,
com uma extrema ausência de articulação entre fim e meio de seu trabalho
docente. Nossas preocupações aumentam, voltando-se mais uma vez ao
percentual de respostas dos professores em que afirmavam ensinar seus alunos a
lerem mapas (77% ), tendo em vista que o reconhecimento destes elementos é que
permite a consolidação deste ensino.
Em conjunto aos elementos de um mapa, aparece o conceito de
escala que representa não apenas uma dificuldade técnica, mas sobretudo de
reflexão e análise geográfica.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
141
3.5. A ESCALA
As perguntas relacionadas e escala foram três: a apresentada
anteriormente "Elementos fundamentais de um mapa", onde compareceu com
40% das respostas corretas, e outras duas específicas:
O que é escala?
Que tipo de escala você conhece ?
Os resultados foram:
TABELA 19-
ESCALA
Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL
TABELA 20-TIPOS DE ESCALA
Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL
7 32% 13 59% 2 9% - -
22 100%
10 45% 4 18% 5 23% 3 14%
22 100%
O quadro 19, indica que apenas 32% dos professores conseguiram ·
explicar o que é escala, e no quadro 20, somente 45% dos professores,
responderam corretamente quais os tipos de escalas geográficas existentes. A
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
142
resposta relacionada deste último quadro refere-se a escala "numérica", quando
o professor afirmava conhecer apenas este tipo de escala.
Como asseveramos, pela importância e problemas apresentados
optamos por apresentar diversas discussões sobre escala, que colocam-na desde
o ponto de vista técnico, como de análise geográfica.
Janini LE SAN (1985), afirma que
''A cartografia está fundamentada em uma preocupação remota da
humanidade, a saber, a localização de objetos, fenômenos e fatos numa
representação simplificada do espaço geográfico - os mapas" .
"Na atualidade os mapas ainda têm essa finalidade, já que os
homens necessitam cada vez mais, de tornar inteligível o espaço geográfico. Ao
usa-los, os leitores comparam a sua imagem com a do espaço real, buscando
conhecer e/ou reconhecer os dados neles cartografados. Assim, uma informação
indispensável nos, mapas, independente do usuário e de sua finalidade, é a
escala.
Esse elemento é a chave para se identificar a proporção guardada
entre a distância no terreno e a representação no papel. Apesar de ser um dado
muito importante ela é pouco utilizada nos livros e aparece em apenas 29% dos
mapas analisados". 134
Observamos, mais uma vez, que os livros didáticos se colocam
como auxílio imediato do professor (apesar de não serem amplamente utilizadas
nas escolas padrão, segundo os depoimentos dos professores) e apresentam
grandes deficiências nos aspectos cartográficos. Em nossa pesquisa, atentamos
para as respostas dadas pelos professores sobre o material didático utilizado.
Todos os professores afirmaram não utilizar, ou pelo menos não adotarem um
134.Idem, p. 23.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
143
livro didático, tendo em vista que a orientação da escola-padrão é a utilização de
textos. Quando perguntávamos sobre se o material apresentava atividades de
cartografia 63% responderam que sim. Perguntamos ainda sobre a qualidade do
tratamento cartográfico, (Poderia avaliar a qualidade do tratamento cartográfico
?). Ao responderem detiveram-se aos aspectos gráficos do material, tendo em
vista que sua reprodução era feita por fotocopiadoras, ou seja, quase não
comparecem discussões acerca da análise do material do ponto de vista formativo
e informativo, tendo em vista a própria formação dos professores.
Discutindo questões relativas a escala JOL Y (1990), afirma que:
11 A escala de um mapa é a relação constante que existe entre as
distâncias lineares medidas sobre o mapa e as distâncias lineares
correspondentes, medidas sobre o terreno. 11135
Esta definição de Joly, de fácil apreensão, explica o conceito de
escala, já OLIVEIRA (1978), antecipa que a escala deve ser a primeira
preocupação do leitor, daquele que interpreta o mapa:
11 O tamanho da Terra é outro ponto que exige solução para que se
135.JOLY, 1990, op. cit. p. 20.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
144
processe a representação cartográfica. Este problema gera as preocupações com
a escala; o mapa sempre é uma representação reduzida da superficie terrestre 11
... Como toda representação, o mapa deve estar em uma proporção definida com
o objeto representado, isto é, a escala. A escala de um mapa é a primeira
preocupação do leitor, daquele que precisa interpretar a informação mapeada.
Para que essa proporção possa ser estabelecida é preciso conhecer as
dimensões exatas do real, para realizar o representado. 11136
Observamos assim que citações acima, se remetem aos aspectos de
ordem conceptual, diríamos de definição sobre escala.
Passemos, agora, a verificar as considerações sobre os aspectos
técnicos deste elemento, segundo alguns geógrafos e cartógrafos, citados nas
bibliografias dos programas de ensino de cartografia das universidades - UNESP
eUNOESTE.
11 A escala deverá ser sempre expressa por uma fração, pois
representa uma relação entre dois valores de mesma significação. Um
comprimento D do terreno será representado na carta por um comprimento
menor d A escala de representação será, portanto:
E=d/D
Para passar da carta para o terreno, deve-se multiplicar as
dimensões lineares por 1/E; ao contrário, para passar do terreno para a carta,
deve-se multiplicar as dimensões lineares por E.. Resulta daí que será mais
cômodo representar as escalas por uma fração de numerador 1. Assim quando
nos referimos à escala 1:25.000, isso significa que o comprimento 1 do mapa
representa 25.000 no terreno, sem prejuízo da unidade escolhida. Um centímetro
do mapa representa 25.000 centímetros do terreno, ou seja, 250 metros; 1
136.0LIVEIRA, 1978, op. cit. p. 35.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
145
polegada (inch) do mapa representa 25. 000 polegadas do terreno, etc.
Inversamente, passando do terreno para o mapa, devemos multiplicar as
distâncias por 1125.000 ou dividir por 25.000 Um quilômetro do terreno será
representado no mapa por:
1km/25.000=100.000 cm= 4 cm
25.000
É claro que o mapa será tanto maior quanto maior for o
denominador da escala for menor; portanto, 1: 2 5. 000 é maior que l: 5 O. 000. A
proporção das representações é igual à proporção inversa dos denominadores
da escala. Cinqüenta mil é o dobro de 25.000; a proporção inversa é 112. Na
carta a 1: 5 O. 000, todas as distâncias lineares serão a metade das da carta a
1:25.000. "137
A partir de LIBAUL T, observamos que as citações se tomam
repetitivas, enquanto que os autores colocam um outro aspecto novo sobre o
conceito. LACOSTE (1974), por exemplo, se preocupa com a confusão que se
estabelece entre os números grandes (pequena escala) e os números pequenos
(grande escala).
"A escala de um mapa indica a relação de redução existente entre
uma distância real e sua representação gráfica. Quanto maior for o número que
designa o denominador da fração, menor será a escala. Assim, um mapa em
111.000.000 é de menor escala que um mapa de 1110.000, mas o primeiro
representa extensões muito maiores que o segundo. "138
A preocupação de Lacoste se apresenta também em LE SAN
(1984), que além disso, a autora, indica as duas maneiras de representar a escala
137.LIBAULT, 1975. op. cit. p. 11-12. 138.LACOSTE, 1974. p. 253.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
146
cartográfica.
" O fato de se expressar por uma fração pode provocar a confusão
entre grande e pequena escala. Uma grande escala representa um espaço
restrito com muitos detalhes, enquanto a pequena escala mostra um amplo
espaço com poucos detalhes. Uma grande escala seria por exemplo 1110.000 e
uma pequena 1110.000.000 A primeira reação é considerar o contrário porque
1O.000. 000 é maior que 1O.000, porém, a fração inverte esta proporção
1110.000.000 é menor que 1110.000, como 114 é menor que 112. "139
''A escala pode ser representada no mapa de duas maneiras
diferentes: pela fração (ex: 1110.000), sendo neste caso chamada de escala
numérica, ou por um desenho ex. ~· º~-~·~1~º~º-~· 2~0~0~m=. A escala gráfica
apresenta a vantagem de permanecer exata no caso de ampliação ou redução do
documento. "140
LIBAULT (1975), ao também explicar os tipos de escala, menciona
que a escala gráfica apresenta o talão:
''A forma fracionária 1:25.000 chama-se escala numérica . Para
facilitar a leitura, é freqüente o aparecimento de outro aspecto da escala: a
escala gráfica . Um segmento de reta é dividido de modo a mostrar a relação
com as dimensões do próprio terreno. Assim, na escala 1: 5 O. 000, a barra será
dividida em espaços de 20mm, marcados sucessivamente 0,1.000 m, 2.000 m, etc.
Para medir as subdivisões, costuma-se acrescentar à esquerda uma parte
numerada em sentido contrário e com intervalos menores (por exemplo de 2mm,
marcados em hectómetros) chamada talão, cuja finalidade é a de possibilitar a
139.LE SAN, 1984. op. cit. p. 62. 14º.Idem, p. 62.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
147
realização de medidas menores. "141
Nas respostas dos professores comparece uma confusão entre os
tipos de escala:
li~ ... e Ü; ~? li c22)
ll~e;~ll(3)
Há portanto, um imbroglio conceptual e que confunde professores e
alunos. Na verdade estes aspectos técnicos, tão negligenciados por nós geógrafos
fazem a diferença de domínio conceptual, porque são elementos técnicos sim,
mas que são necessários à compreensão dos materiais que dispomos para
fazermos análises de cunho teórico-metodológico. É sobre este aspecto que
LACOSTE (1974), discute o conceito de escala, colocando-o como elemento da
análise geográfica, revelando a importância de seu domínio conceptual para a
leitura do espaço.
"Convém tomarmos consciência de que a grande variedade das
representações cartográficas, no que se refere às escalas utilizadas, é, de fato,
significativa das diferenças existentes entre vários tipos de raciocínios
geográficos, e de que essas diferenças são em grande parte devidas ao tamanho
bastante desigual dos espaços que elas levam em consideração".
Convém observarmos que as expressões correntes "fazer algo em
grande escala", "uma operação em grande escala", que implicam poderosos
141.LIBAULT, 1975. op. cit. p. 12.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
148
meios e uma ação exercendo-se sobre grandes extensões ou sobre um grande
número de pessoas, tem uma significação inversa à da expressão cartográfica.
Um mapa de grande escala representa uma extensão relativamente pequena.
Esta confusão, cujas origens não são claras, é muito .freqüente e numerosos
geógrafos também a fazem.
"A mudança de escala corresponde a uma mudança do nível de
análise e deveria corresponder a uma mudança no nível da conceptualização. "142
Nesta direção o autor ainda afirma que ao
"mascarar o problema primordial da escolhas da escalas ( o que
implica uma ruptura com a cartografia, reduzida ao nível de técnica, enquanto
seu estatuto epistemológico é, em muitos aspectos, melhor fundado) o prestigio
da abordagem vidaliana vai poupar aos geógrafos a preocupação de terem de
justificar os espaços aos quais se referem e as escalas que privilegiam
implicitamente seu raciocínio. "143
Ora, observamos que é neste momento que rompemos com aquela
aproximação tacanha que se fez entre cartografia e os modelos de geografia
(possibilista e ou determinista), ao colocar a cartografia sob os aspectos da
pesquisa e do ensino, e não sob o aspecto da representação e ou distribuição dos
fenômenos sem qualquer critério, ou análise geográfica, como simples
demonstração do "óbvio".
''Importa orientar a reflexão epistemológica, não somente sobre
todos os tipos de discursos e de representações concernentes ao espaço: a
geografia dos professores, a cartografia, mas também a pintura, as expressões
142.LACOSTE, 1974. op. cit. 252-253. 143.Idem, p. 262.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
149
literárias, as paisagens do filme e do cartaz. Importa dar atenção a todas as
manifestações da crise, não somente a crise urbana, a poluição, a acentuação
das desigualdades e da opressão, mas também as reações que ela provoca, de
tipo reformista ou revolucionário. "144
No entanto, as respostas dos professores sobre o conceito de
escala de certa forma se distanciam dos conceitos e leituras apresentadas, de
maneira geral se detêm ao aspecto técnico da escala cartográfica:
li~
~
Estas respostas de maneira geral, refletem a concepção técnica e
uma leitura fragmentada sobre o conceito, não ultrapassando a idéia do
isolamento conceptual possivelmente obtido na formação universitária.
Chamamos de isolamento conceptual, quando em determinado
conteúdo/conceito é adquirido/construído sem que tenha exercitado processos de
interação/interelação com outros conteúdos.
Este aspecto permite-nos retomar as compreensões dos professores
acerca da cartografia em seu processo de formação universitária, ou seja, o
144.Idem, p. 274.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
150
isolamento conceptual não se estabelece apenas a nível do ensino específico da
disciplina, mas das relações interdisciplinares no próprio curso de Geogfrafia que
não ocorrem, trazendo prejuízos à formação. Ass reflexões de LACOSTE (1974)
permitem verificar a importância deste conceito, para a formação do profissional
de geografia (bacharel ou licenciado).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
151
3.6. SIMBOLOGIA OU SEMIOLOGIA GRÁFICA
Os trabalhos de SIMIELLI (1986), OLIVEIRA (1978), apontam
para a necessidade de se formar junto aos professores um domínio sobre
comunicação/linguagem gráfica, citam estas autoras o trabalho de BALCHIN145,
intitulado "Graficacia". Além deste, a contribuição mais direta à cartografial46
foram os trabalhos de JACQUES BERTIN147 sobre Semiologia Gráfica.
O objetivo central de BERTIN era de criar um conjunto de signos
que expressassem as formas de comunicação cartográfica, na verdade, um
alfabeto cartográfico.
Esta questão está intimamente relacionada aos processos de
desenvolvimento intelectual dos educandos. A representação é pontuada por
estudiosos de psicologia (PIAGETNYGOTSKY)14B, como um dos
processos/ etapas fundamentais à aprendizagem.
Ao reconhecermos que o domínio da Linguagem Cartográfica é
fundamental à aprendizagem, através da leitura e interpretação dos mapas,
indagamos aos professores suas concepções acerca da semiologia ou simbologia
gráfica.
TABELA 21 -
SIMBOLOGIA/SEMIOLOGIA
Correta 7 32% Relacionada 7 32% Não Relacionada 1 04% Não Respondida 7 32% TOTAL 22 100%
145. BALCHIN, W.G.V. - "Graficácia". ln: Geografia. Rio Claro: AGETEO. 3(5):1-15. abr. 1978. 146.Não desconsiderando as contribuições de diversos autores sobre os sistemas de comunicação cartográfica, tais como Kolacny, Board, Salichtchev, conf. SIMIELLI (1986). 147. As bibliografias citadas apresentam as contribuições dos trabalhos deste pesquisador em cartografia. 148.Em capítulo anterior pontuamos os trabalhos destes pesquisadores.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
152
li~'~~ (J; ~li. (18)
li~' 'i/UUAflJQ;~~~~' ... (];~··· fvv~~·
l9 ~dá~~~ r rwu ~li (9)
Apesar de certa vaguidade das respostas, há alguma relação com a
função dos símbolos em um documento cartográfico. No entanto, estabelece a
necessidade do domínio, e esta ausência, não dos signos enquanto códigos, mas
da compreensão de seu papel na representação cartográfica, é decisiva para quem
tem a função de estabelecer a mediação entre a representação cartográfica e a
capacidade de leitura e interpretação junto aos seus alunos. Segundo OLIVEIRA
(1978),
"o processo cartográfico necessita de um código para se expressar,
implicando um processo de codificação e de decodificação. E, muitas vezes, os
próprios professores não dominam completa e profundamente todas as fases do
mapeamento. "149
149.0LIVEIRA, 1978. op. cit. p. 15.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
153
Considera ainda, a autora, que
"dentro da linguagem cartográfica, como na linguagem escrita,
também podemos distinguir dois constituintes do signo: o significante que são as
qualidades materiais, e o significado, que é o interprete imediato. Os signos
cartográficos também apresentam três variedades de representações: o ícone,
que representa por semelhança entre significante e significado (os mapas
pictóricos de distribuição de produtos agrícolas são exemplos deste tipo de
representação); o índice, que representa por contigüidade de fato entre
significante e significado (os mapas de superficie terrestre, que, através da cor
ou sombreamento, representam as formas do relevo, reproduzindo o relevo,
como um modelo tridimensional); e o símbolo, que representa por contigüidade
instituída, isto é, por uma regra convencional, entre o significante e o
significado. Neste caso se inclui a maior parte dos mapas - todos aqueles que
apresentam uma legenda, à qual o interprete necessita recorrer, conhecendo a
convenção do seu significado geral. São cartas do tempo, os mapas políticos, os
cartogramas de distribuição espacial, de fluxos e outros, que utilizam os pontos,
linha e áreas como símbolos convencionais para representar cidades, rios
estradas, campos de lavoura, etc. 111 so
SIMIELLI (1986), em seu trabalho, afirma que a leitura de mapa
inicia-se pelo entendimento da simbologia, pela decodificação das informações
representadas,
''pela percepção sensitiva do leitor, começando a leitura
150Jdem, p. 23.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
154
propriamente dita na decodificação, e encerrando-se o processo com a avaliação
e verificação ".151
Esses processos posteriores citados por SIMIELLI, são portanto
decorrentes de um entendimento primeiro da carta, da sua simbologia. JOL Y
(1993), apresenta uma definição de símbolo:
"conforme o Glossário francês de Cartografia, um símbolo é a
representação gráfica de um objeto ou de um fato sob uma forma sugestiva,
simplificada ou esquemática, sem implantação rigorosa".152
Estas questões colocam o mapa não apenas como um material
ilustrativo das salas de aula, nem mesmo como visão panorâmica de um lugar
ou região, mas efetivamente como um documento de comunicação
cartográfica153 .
Por isso, MARTINELLI (s.d.)., também argumenta sobre a
necessidade de se estabelecer um processo de alfabetização da representação
gráfica:
"Para que os mapas exerçam seu real papel como meios de
comunicação e esclarecimento da sociedade, é imperativo que haja o
aprendizado de sua particularidade.
Para este fim, é necessário introduzir o educando num domínio
mais amplo - o das representações gráficas. Estas fazem parte do sistema de
sinais que o homem construiu para se comunicar com os outros. Compõem uma
linguagem gráfica, bidimensional, atemporal, destinada à vista, de caráter
151.SIMIELLI, 1986. op. cit. p. 87. 152.JOLY, 1990. op. cit. p. 18. 153. SIMIELLI, 1986. op. cit.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
155
monossêmico. Como linguagem visual, tem supremacia sobre a linguagem
verbal: para ler a palavra ÁR-VO-RE são necessários três instantes de
percepção, enquanto que para ver a figura de uma árvore basta um instante só.
É universal. Todo mundo entende.
''A especificidade desta linguagem gráfica reside no fato de estar
fundamentalmente vinculada ao âmago da relação entre os significados dos
signos, como acontece com a matemática. "154
Observamos que é imperativo o domínio conceptual cartográfico.
Não estamos nos referindo ao domínio específico da cartografia, enquanto
ciência, mas de questões relativas ao cotidiano do trabalho do professor, e de seus
alunos. A representação cartográfica invade nossa vida comum, e este processo
de massificação das representações já foram evidenciados neste trabalho,
inclusive, a partir das contribuições de VASCONCELOS (s.d.) e LACOSTE
(1974).
154.MARTINELLI, Marcelo - "O bê-a-bá dos mapas: a alfabetização da linguagem da representação gráfica". São Paulo: (mimeo). (s.d.). p. 1-2.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
156
3. 7. REPRESENTAÇÃO DO RELEVO
Neste item concentramos os dados obtidos das questões relativas a
topografia, curva de nível, perfil topográfico, cota, altimetria e batimetria.
Em algumas respostas dos professores sobre a utilização de
documentos cartográficos em sala de aula, vinculavam a sua utilização nas aulas
cujos temas/conteúdos estavam relacionados à Geografia Física. Assim como a
interpretação dos mapas é fundamental, sobretudo no que se refere as formas de
representação do relevo é que optamos por dar ênfase a estes conceitos.
As questões formuladas para este item apresentavam um baixo
percentual de respostas corretas e relacionadas.
As respostas relacionadas a estes conceitos foram:
Topografia:
11~~~11.(4)
TABELA22-
TOPOGRAFIA
Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL
5 23% 12 54% 3 14% 2 09%
22 100%
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE
Cota
11!2~ eh~ ~li. (2)
TABELA23 -COTA
Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL
5 23% 10 45% 4 18% 13 59%
22 100%
José Gilberto de Souza
157
No Dicionário Cartográfico de Ceurio de OLIVEIRA (1993b),
topografia e cota aparecem como:
Topografia:
''A configuração da superficie da terra, incluindo o relevo, a
posição dos cursos d' água, as estradas, as cidades. O conjunto das
características naturais e fisicas da terra". 155
Cota:
"Número que exprime a altitude de um ponto em relação a uma
155.0LIVEIRA, 1993b. op. cit. p. 538.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
158
super.ficie de nível de referência.
Ainda, segundo OLIVEIRA (1993b ), a cota pode ser referenciada
como ponto de altitude:
"Ponto num mapa, cuja altitude está acima de determinada
super.ficie de referência, em geral sob a forma de um ponto, e o valor
correspondente. Altitudes são indicadas, sempre que possível, nos cruzamentos
rodoviários, declives, pontos culminantes, montanhas e passos, super.ficies de
lagos e lagoas, confluências, depressões e planícies. O mesmo que cota. ".156
A análise dos conceitos de topografia e cota, não se distanciam do
que temos observado, ou seja a vaguidade como são expostos e a não
articulação/sistematização das respostas.
Curva de Nível
As respostas que classificamos como não relacionada para este
conceito, estiveram em grande maioria ligadas a uma compreensão empírica do
conceito. O que pode estar vinculado ao fato de estarmos situados em uma
região, cuja maior parte da população tem sua origem no campo. Esta relação é
estabelecida na medida em que um grande número de respostas vinculam a curva
de nível que se faz para o controle de erosão nas áreas agrícolas, com a curva de
nível cartográfica.
Reconhecemos, no entanto, que mesmo do ponto de vista empírico
existe uma relação direta com o conceito da representação (isoipsas ), uma vez
que o trabalhador rural, ao realizar a construção das curvas, toma como base
pontos de mesma altitude do relevo. No entanto, esta relação não compareceu
156.0LIVEIRA, 1993b. op. cit. p. 129 e 432.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
159
para os professores tendo em vista que a resposta não estabelecia uma relação
lógica entre as concepções acerca da curva de nível (níveis de altitude), mas da
necessidade de realiza-la na propriedade rural - para o controle de erosão.
llCB~, ~ ~ ~ (l; ~·~·~li (S)
11~~~~~~~11 (1)
11ye/m; (l; ~ 'ifÍM, Q; (l; ~ ~· (l; ~ ~ ~ ~ (l; afiww, Q; (l;
~ ~ wm ~,al'.(22)
Após verificarmos o baixo índice de respostas corretas (Quadro 24),
passemos a conceptualização de OLIVEIRA (1993b), sobre curva de nível.
''A curva de nível, que, a rigor, e teoricamente falando, é uma
isoipsa, constitui uma linha imaginária do terreno, em que todos os pontos da
referida linha têm a mesma (iso) altitude (hipsa), acima ou abaixo de
determinada superficie de referência, geralmente o nível médio do mar. "157
157.0LIVEIRA, 1993a. op. cit. p. 113.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
160
Apesar da última resposta dos professores ter sido a única a associar
a curva de nível com a representação de altitude e profundidade, o professor não
conseguiu responder as questões relativas a altimetria e batimetria. Observemos a
presença de lacunas de formação/construção de conceitos junto aos professores,
possível de afirmar diante da própria interdependência dos conceitos.
TABELA24-CURVADENÍVEL
Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL
3 14% 6 27% 10 45% 3 14%
22 100%
O relevo é, desta forma, representado por meio de uma rede de
isolinhas da altitude, cuja disposição, ou organização, se dá de forma a destacar
as características do terreno. São, como vimos acima, as curvas isoipsas.
Perfil topográfico:
llrPe;fí ~ ~11(1)
11c~~~11(2)
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
161
TABELA25-
PERFIL TOPOGRÁFICO
Correta 7 32% Relacionada 10 45% Não Relacionada 2 09% Não Respondida 3 14% TOTAL 22 100%
Nos cursos por nós ministrados percebemos a grande dificuldade
prática do professor em elaborar perfis. No entanto, em relação ao conjunto de
questões relacionadas a representação do relevo, conforme o quadro acima, o
perfil topográfico, foi o que apresentou, um dos maiores índices de acertos,
apesar de insatisfatórios. Observemos as considerações de KITIRO (1950), este
conceito:
"É uma representação do relevo através de uma secção vertical, no
mapa, ao longo de uma direção desejada. Para sua construção escolhe-se uma
escala vertical que será relacionada à escala do mapa, a proporção de no
máximo 15 vezes sobre a escala horizontal".158
Batimetria e Altimetria
A princípio, assim, como outros conceitos mencionados achávamos
que batimetria e altimetria não deveriam ser colocados no instrumento de
pesquisa. Esta idéia se baseava no fato de que todas as escolas visitadas
apresentam mapas hipsométricos em suas bibliotecas. No entanto, ao resolvermos
incluir estes conceitos e ao obtermos as respostas percebemos o quão séria é a
questão da formação do professor.
l58.KITIRO, Tanaka - The relief contour method of representing topography in maps Geographical review. (mimeo), 1950.p.455.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
162
O pnme1ro conceito, batimetria, apresentou apenas quatro
respostas que acabamos por classificar como relacionadas.
TABELA26-
BATIMETRIA
Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL
- -4 18% 4 18%
14 64% 22 100%
Segundo OLIVEIRA (l 993b ),
"batimetria. A ciência que determina e interpreta as profundidades
e a topografia dos oceanos. 2. Numa carta, é, em geral, o conjunto das formas de
representação do revelo submerso, como curvas batimétricas, pontos de
profundidade, colorido, etc. 11159
A classificação das respostas relativas a batimetria como
relacionadas deveu-se pela proximidade que se estabelece entre elas e as
proposições da citação acima.
Os conceitos de altimetria/hipsometria, apesar de apresentarem um
índice superior de acertos em relação ao conceito de batimetria, também
demonstram as dificuldades de entendimento do professor em relação as
159.0LIVEIRA, 1993b. p. 53.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
163
representações cartográficas do relevo. Junto aos professores obtivemos as
seguintes respostas:
TABELA27-
AL TIMETRIA/HIPSOMETRIA
Correta 9 41% Relacionada 1 5% Não Relacionada 2 9% Não Respondida 10 45% TOTAL 22 100%
OLIVEIRA, esclarece os conceitos de hipsometria e altimetria:
"hipsometria. A arte por meio da qual se determinam, seja qual for
o método, as altitudes da Terra, referidas ao nível do mar. "160
"altimetria. Arte ou ciência da medição de alturas ou de elevações,
bem como a interpretação dos seus resultados. 2. Numa carta é em geral, o
conjunto das formas de representação do relevo, como curvas de nível, cotas,
cores hipsométricas, relevo, sombreado, hachuras, etc. "161
160.Jdem, p. 253. l61Jdem,p.14.
Na última resposta dos professores, houve uma confusão entre
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
164
hipsometria com batimetria. O professor acabou por reconsiderar sua resposta a
partir do momento em que formulamos a questão relativa a batimetria.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
165
3.8. SISTEMA DE REFERÊNCIA GEOGRÁFICA 162
Destacamos para investigação junto aos professores os conceitos
relativos a coordenadas geográficas, meridianos, paralelos, latitude e longitude.
3.8.1. Coordenadas Geográficas:
Diante do conjunto de respostas dos professores relativas a
importância da cartografia no ensino de geografia, e que estas se baseavam no
aspecto de localização dos fenômenos geográficos, nossa expectativa em relação
a este conceito era de que seu domínio expressasse índices superiores aos
apresentados. Não apenas pela importância do conceito, apresentada pelo
professor, mas fundamentalmente, como pudemos observar em momentos
anteriores, pelo sentido que a localização dos fenômenos expressa dentro do
domínio geográfico.
TABELA28-
COORDENADAS GEOGRÁFICAS
Correta 13 59% Relacionada 7 32% Não Relacionada 2 9% Não Respondida - -TOTAL 22 100%
Segundo OLIVEIRA (1978) ,
"Um sistema de coordenadas aparece com o gregos; foram eles que
162.Com este item estava a questão sobre rede geodésica. Pela especificidade do tema optamos por não apresentar este conceito em nosso trabalho, tendo em vista que ele não se coloca próximo ao universo de trabalho do professor de geografia.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
166
formularam o primeiro sistema de coordenadas esféricas - latitude e longitude -
denominando Equador o círculo que divide a Terra em sentido transversal, e de
pólos extremos do eixo norte-sul. Essas coordenadas esféricas que passam a ser
conhecidas como coordenadas geográficas, vão corresponder as coordenadas
planas - abcissas, eixo horizontal x, e ordenadas, eixo vertical y. Também foram
os gregos os primeiros a denominar os círculos máximos da esfera terrestre de
meridianos, e os círculos paralelos ao Equador paralelos"163.
JOLY (1990), descreve de forma específica a importância da
coordenada geográfica, para definição de um ponto na superfície terrestre:
"De fato qualquer ponto da superficie da terrestre pode ser
definido com relação ao sistema de referências fixas que se chamam
coordenadas terrestres ou coordenadas geográficas. Essas coordenadas
compreendem:
- Os meridianos, grandes círculos da esfera cujo plano contem o eixo de rotação,
ou eixo dos pólos. A longitude de um lugar (x) é a distância expressa em graus,
minutos e segundos de arco, entre o meridiano do lugar e o meridiano de
Greenwich (perto de Londres - Inglaterra) tomando como origem. A longitude se
mede de Oº a 180º L ou O.
- Os paralelos, círculos da esfera cujo plano é perpendicular ao eixo dos pólos.
O Equador, que divide a Terra em dois hemisférios, é o único paralelo que é um
grande círculo e cujo centro é o centro da Terra. A latitude (y) é a distância,
expressa em graus, minutos e segundos de arco, entre o paralelo de um lugar e o
Equador, tomado como origem. A latitude é medida de Oº a 90º N ou S.
Estabelecer um ponto é determinar as coordenadas de um
lugar. "164
163.0LIVEIRA, 1978. op. cit. p. 35-36. 164.JOL Y, 1990.op. cit. p. 39.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
167
A partir das proposições de JOL Y, observamos o pequeno índice de
respostas corretas dos professores acerca de um domínio conceptual básico que é
lecionado, quase que geralmente, nas 5ª e 6ª séries do primeiro grau. O nosso
entendimento é que a imprecisão conceptual dos professores não se coloca como
agravante apenas sobre o aspecto formal do saber, mas acaba por definir e
corroborar com uma representação da fragilidade do sistema de educação, que
neste caso, é pública, e que se coloca não apenas para o ensino fundamental, mas
inclusive para o superior, tendo em vista que 77% dos professores foram
formados em instituições públicas.
Como observamos, este conceito, trata de um conhecimento básico
-localização geográfica - assim como latitude e longitude, que são, domínios
correlacionados às coordenadas geográficas e de extrema importância para a
geografia.
3.8.2. Latitude e Longitude:
Ao tratarmos de um conceito elementar de formação geográfica,
percebemos que as limitações em termos de utilização desta representação é
clara. Segundo LE SAN (1985), é
" através da latitude e longitude, todos os tipos de mapas procuram
situar com precisão os fatos. Quando o mapa se limita a localizar os objetos
geográficos respondem apenas às questões: o que e onde, num primeiro nível de
leitura. Uma análise dos fatos apresentados no mesmo mapa ou em mapas
diferentes pode também induzir a formulação de outra questão sobre o porque da
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE
localização desses mesmos fatos. "165
TABELA29-LATITUDE
Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL
TABELA30-LONGITUDE
Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL
10 45% 7 32% 4 18% 1 5%
22 100%
10 45% 5 23% 5 23% 2 9%
22 100%
José Gilberto de Souza
168
No entanto, esta dimensão de relação e análise, citada pela autora, e
necessária ao ensino, só é possível quando há um efetivo domínio conceptual, o
que não é possível afirmar, quando verificamos os quadros acima (29 e 30).
Para podermos concluir nossas considerações acerca do Sistema de
Referência Geográfica, passemos a analisar as questões relativas aos conceitos de
paralelos e meridianos, também intimamente relacionados aos anteriores
(coordenadas, latitude e longitude).
165.LE SAN, 1985. op. cit. p. 5.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
169
3.8.3. Paralelos e Meridianos
TABELA 31 -PARALELOS E MERIDIANOS
Correta 9 41% Relacionada 10 45% Não Relacionada 2 9% Não Respondida 1 5% TOTAL 22 100%
O índice de acertos para conceitos elementares continuam baixos,
as respostas classificadas como corretas não ultrapassam a seguinte reprodução
mecânica: 11
~ ~ Cf»2' dmtdwu a, /ww,11
• Uma reprodução advinda da
formação e que provavelmente tem sido repassada aos alunos da mesma forma.
O professor LIBAULT (1975), faz as seguintes referências em relação a estes
conceitos:
"É evidente que todos os planos que contêm o centro da esfera
determinam círculos máximos iguais; como nenhum círculo pode ter diâmetro
maior que o da esfera, estes círculos são círculos máximos. O arco do círculo
máximo que vai do Pólo Norte ao Pólo Sul chama-se meridiano. O meridiano é
assim a metade de um círculo máximo ..... A semi circunferência do círculo
máximo que lhe fica oposta, será o seu antimeridiano.
''A quantidade de meridiano é infinita; cada um acha-se afastado
do seguinte por um intervalo i"nfinitamente pequeno.
"Congresso Internacional de Geografia, em Londres, em 1895, que
decidiu aceitar como origem internacional de todas as longitude, o meridiano do
observatório de Greenwich (perto de Londres). Tal escolha não é melhor ou pior
do que qualquer outra; o importante é a adoção de um meridiano único de
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
170
origem. Em todo caso, hoje, as longitudes de todas as publicações
cartográficas são marcadas de Oº a 180~ para leste ou para oeste do meridiano
de Greenwich; o meridiano de 180~ ou o antimeridiano de Greenwich, passa
próximo à Nova Zelândia. "166
Afirma ainda, o autor, que
''Depois de definir a reta dos pólos, não há nenhuma dificuldade
em considerar o plano perpendicular a esta linha e igualmente distante de cada
polo. Tal plano passa pelo centro da esfera O e a seção será um círculo máximo
igual a qualquer meridiano, cortando a Terra em duas partes iguais (e latim
"equales''): a circuriferência desse círculo chama-se equador. Geometricamente
falando, podemos construir uma infinidade de planos paralelos ao plano do
equador os quais passarão todos, mais ou menos distanciados do centro da terra
, determinando circunferências chamadas paralelos Quando o plano se torna
tangente à extremidade do eixo polar, o círculo reduz a um ponto e corifunde-se
com o polo. O pólo pode ser, assim, considerado como o limite do paralelo, pois
o diâmetro deste vai se reduzindo, gradativamente a partir do equatorial, até
anular-se. 167
Segundo CAMPOS (s.d.), os paralelos e meridianos
"servem para localização de pontos do globo pelas coordenadas de
latitude e longitude respectivamente. Elas são medidas a partir do Equador e do
Meridiano de Greenwich. "168
166.LIBAULT, 1975. op. cit. p. 61e63. 167.LIBAULT, 1975. op. cit. p. 61. 168.CAMPOS, Mareio D'Olne - "A arte de sulear-se". Campinas: UNICAMP (mimeo). Apêndice 1. p.
A.1.6.(s.d.).
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
171
Ao classificarmos as respostas dos professores como reprodução
mecânica não estamos querendo com isso elaborar um conceito pejorativo.
Objetivamos, pois, evidenciar que trata-se de um ciclo de formação, e que serve
não apenas para argumentar sobre a formação deste conceito, mas também para
refletirmos sobre as considerações por nós realizadas acerca do tipo de formação
que o professor obteve na universidade (tradicional/tecnicista) - o que não diz
respeito somente a formação cartográfica - e cuja linha pedagógica e
metodológica da proposta, utilizada por todos os professores, se coloca de forma
diametralmente oposta. Esta reflexão exige o reconhecimento de que não se trata
apenas de novos paradigmas, mas da (re )construção de novos sujeitos.
A simples observação das respostas dos professores são argumentos
fundamentais para estas reflexões.
Para finalizar as questões relativas ao sistema de referências
geográficas, afirmamos que como fundantes da determinação de pontos, da
localização geográfica, esperava-se maior domínio destes conceitos por parte dos
professores.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
172
3.9. FUSO HORÁRIO
Este conceito, para nós que vivenciamos o trabalho de e com os
professores coloca-se como um dos grandes problemas, não apenas pelo seu
caráter abstrato, mas pela dificuldade que o professor -e o aluno - tem em
associar as distâncias longitudinais com a orientação tomada (Leste ou Oeste).
Outro aspecto fundamental é que quando se estabelece o ensino de fuso horário,
normalmente, prendemo- nos totalmente ao aspecto técnico do conceito ( 15º = 1
hora), desconsiderando por sua vez as convenções horárias assumidas pelos
países europeus, ou mesmo pelos estados dos países de grande expressão
latitudinal, como Brasil, EUA, Rússia, etc.
Outro fator bastante peculiar é que o ensino normalmente parte do
Meridiano de Greenwich, como longitude de Oº e que 15º a partir dele inicia-se
o outro fuso. Um problema básico de formação, uma vez que o fuso no qual se
encontra o GMT, vai de 7º30" W a 7º30" E.
Por outro lado, se percebemos um distanciamento do debate
geográfico em relação aos aspectos técnicos, observamos que o mercado de livros
didáticos está atento. Não apenas pelas publicações realizadas pelo JORNAL
FOLHA DE SÃO PAULO -Atlas do Times e JORNAL DA TARDE (Atlas
Melhoramentos), mas principalmente porque nos últimos anos, por conta das
transformações geopolíticas no leste europeu, tem aumentado o número de
publicações e o interesse pela nova configuração espacial do mundo (apesar de
ainda não definida). Um exemplo é a publicação do Atlas Atual GeográficoI69,
que traz um encarte sobre os conceitos cartográficos (Manual de Cartografia). No
entanto, o que pudemos observar é que, no caso dos fusos horários, o autor
reproduz cálculos com números múltiplos de 15, não permitindo considerar as
questões já mencionadas.
169.BOCHCCHIO, Vincenzo Raffaele - Atlas Atual Geografia, São Paulo: Atual, 1994. p. 9 e 10.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
173
Observemos a tabela 32, e as considerações de LIBAULT (1975).
TABELA32-
FUSO HORÁRIO
Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL
11 50% 7 32% 2 9% 2 9%
22 100%
Segundo LIBAUL T, os
''fusos horários dividem o globo em 24 regiões iguais, cada uma
com uma extensão de 15º de longitude. Considera-se como primeiro fuso
horário o situado de um lado e de outro do meridiano, de Greenwich, sendo os
seus limites 7º30" W e 7° 30" E. O fuso tem uma forma definida, sobre o
equador, sua largura é mais ou menos 1670 km., e vai diminuindo até se anular
nos dois pólos. Por isso quando se percorre um paralelo distanciado do equador,
a hora civil vai se alterando mais rapidamente do que no Equador. Na realidade
esta divisão em fusos só é valida em teoria; praticamente, é dificil cortar-se um
país em dois fusos, usando cada um tempo civil diferente. Ao contrário vários
países da Europa Ocidental uniram-se com o intuito de utilizar um tempo único.
Alguns países como a Índia, que abrange dois fusos horários (+ 5h e +6h)
adotaram um tempo civil médio, diferente de + 5h 30 min em relação ao tempo de
Greenwich. Os países de grande extensão em longitudes, porém, têm de ser
divididos em várias zonas horárias, cada uma diferenciada de 60 minutos. O
Brasil continental, por exemplo, abrange 3 zonas. 11110
170.0LIVEIRA, 1993a. op. cit. p. 70.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
174
OLIVEIRA (1993a), afirma que o fuso
"Compreende a área que, em qualquer lugar da faixa limitada por
dois meridianos, conserva a mesma hora referida ao meridiano de origem. Cada
fuso, tem geralmente, 15º de longitude, cujo centro é um meridiano cuja
longitude é exatamente divisível por 15~ Como o círculo terrestre tem 360~ e o
movimento de rotação é executado em 24 horas, temos 360 : 24 = 15, o que
significa que cada hora do Globo se acha situada numa faixa de 15º. Os fusos
são referidos ao Meridiano Internacional de Origem (O°), bem como ao
antimeridiano (180°), em torno do qual esta a Linha de Mudança de Data.
Devido ao movimento do planeta do ocidente para o oriente, de Oº a 180º (este),
as horas aumentam, e de Oº a 180º (oeste) diminuem. O sistema de fusos horários
foi estabelecido pelo Decreto nº 2.784, de 18 de junho de 1913, o qual define,
igualmente a hora legal, a qual, também, chamada hora oficial".
Completa sua explicação, o autor, ao expor que
"É preciso que se saiba que a hora de cada fuso tem, em seus
meridianos, limites teóricos. Em outras palavras, a hora é aparente. Nem sempre
uma linha imaginária sobre um país, pode marcar, sem embaraços, um limite
horário indiscutível." 171
O conceito de fuso horário está presente em nosso cotidiano,
evidenciando constantemente a necessidade de seu ensino, o que ocorre
normalmente de forma estática e com equívocos.
171.0LIVEIRA, l 993a. op. cit. p.53-54.
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175
3.10. ATLAS
O Atlas também se colocava entre aqueles temas que
considerávamos desnecessários. No entanto, ao observarmos o nível das
respostas, o conjunto de argumentações, a respeito de um instrumento usual,
sobretudo em nossas escolas, percebemos que a formação cartográfica dos
professores é de fato fundamental para a melhoria do ensino de geografia.
Queremos afirmar que o debate teórico deve se estabelecer no nível das
exigências práticas do cotidiano dos professores.
Deve-se levar em consideração que praticamente não existe no
início do período letivo, uma lista de material que não inscreva, como exigência a
compra de um Atlas. É sabido que ao mesmo tempo em que se coloca esta
exigência, ouvimos insistentemente os comentários dos alunos sobre sua não
utilização.
Mas, o que é um Atlas para os professores?
TABELA33-
ATLAS
Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL
12 55% 4 18% 6 27% - -
22 100%
11(8~11(12)
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176
Observemos, agora, as definições de LIBAULT (1975) e OLIVEIRA (1993b), sobre este conceito:
"Devemos destacar as cartas dos Atlas nas quais é indicado um número importante de localidades, e que dispõem de um índice remissivo dos topónimos: são as chamadas cartas de referência. Constituem a maioria dos Atlas gerais de informação. "172
"Chama-se classicamente Atlas uma coleção de cartas variadas sendo, cada uma relativa a um pais ou fração de país. Em função da estruturação das cartas pode-se distinguir vários tipos de atlas - referência, mistos, especiais, monográficos, de organização, escolares. "I 73
Em OLIVEIRA, O Dicionário Cartográfico registra sob este tópico, o seguinte:
''Atlas. 1. Segundo a lenda, o rei da Mauritânia, filho de Júpiter. Como houvesse negado a hospitalidade a Perseu, este mostrou-lhe a cabeça de Medusa, e metamorfoseou-o em montanha. Os mitológicos imaginaram que Atlas havia sido condenado a sustentar o Céu com os ombros. 2. Coleção ordenada de mapas, com a finalidade de representar um espaço dado, e expor um ou vários temas".
''Na última definição, o termo foi criado por Mercator, na segunda metade do século XVL com a sua obra extraordinária Atlas sive Cosmographicae Meditatione de Fabrica Mundi et Fabricat (Atlas ou meditações cosmográficas sobre a construção do mundo e afigura do construído).
Antes da denominação, inaugurada pelo célebre cartógrafo belga, as palavras tradicionais eram geografia, teatro e espelho. "174
Nas respostas dos professores, ainda se colocam as imprecisões e uma intensa dificuldade de elaboração e organização das argumentações sobre o conceito.
O Atlas, normalmente, é o primeiro contato do aluno com a representação cartográfica, sua utilização de forma precária, desinteressada, ou apenas sob a forma ilustrativa, contribui para o distanciamento dos alunos entre a
172.LIBAULT, 1975. op. cit. p. 186. 173.Idem, p. 222. 174.0LIVEIRA, 1993a. op. cit. p. 36-37.(grifo do autor).
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178
3.11. PROJEÇÃO CARTOGRÁFICA11s
O tema é aparentemente técnico, no entanto, ele se coloca com importância, partir do momento em que a representação cartográfica se constitui alvo dos discursos críticos produzidos pelo Movimento de Renovação da Geografia.
As criticas, já mencionadas, estiveram ligadas as projeções de Mercator, assim, para um discurso que se valeu deste conceito - projeção cartográfica - deveria, em contrapartida, permitir que o debate incorporasse também o aprendizado dos conceitos envolvidos.
Em nossa pesquisa de campo, procuramos discutir três aspectos básicos das projeções, o próprio conceito - projeção, o desenvolvimento a partir da figuras geométricas (plana, cilíndrica e cônica), e as propriedades das projeções (conformes, equidistantes, equivalentes e afiláticas ).176
As respostas obtidas refletem um baixo índice de acertos, e, porque não dizer, que por parte de alguns professores, um certo espanto sobre a questão,
com comentários do tipo: ~ ~ fJa;v (7).
TABELA34-SISTEMA DE PROJEÇÕES
Correta 1 5% Relacionada 8 36% Não Relacionada 5 23% Não Respondida 8 36% TOTAL 22 100%
175. No conjunto de conceitos relativos a representação do globo havia as questões relativas ao Sistema UTM, Base Cartográfica, Carta 1.50.000. Pela especificidade apresentada optamos por não trabalhar estes conceitos. A título de consulta apontamos os trabalhos de JOLY (1990) e OLIVEIRA (1993a), e indicamos abaixo as considerações de LIBAULT (1975).
"Em 1950, os Estados Unidos propuseram uma combinação que deve abranger facilmente a totalidade das longitudes. Baseado na projeção cilíndrica transversa conforme, o sistema foi chamado Projeção Universal Transversa de Mercator (UTM). O fracionamento é feito em fusos, de longitude determinada para não ultrapassar os limites aceitáveis de deformação. O Equador é divido em 60 arcos de 6° cada um com a origem localizada sobre o antimeridiano de Greenwich. Os pontos divisórios são projetados em um cilindro tangente ao elipsóide ao longo de seu meridiano central. Portanto, o cilindro será diferente em cada fuso. Todos os fusos são idênticos, de tal modo que o cálculo pode ser feito para um fuso padrão; os resultados são válidos para a totalidade da Terra. "(p.162-163). 176.Apesar de nossos esforços no levantamento bibliográfico, não localizamos nenhuma citação que pudesse evidenciar as questões relativas à projeção de Mercator, mas sabemos, e todos aqueles que frequentaram os encontros agebeanos (ENGs-AGB), ou debates sobre a evolução do pensamento geográfico, realizados nos últimos 1 O anos, sabem que estas questões foram colocadas.
Alguns autores incluem as projeções azimutais ou zenitais. Trata-se de uma projeção cuja propriedade é manter os azimutes ou as direções da superfície da Terra. Por se tratar de uma projeção muito específica, uma vez que sua utilização se dá quase que exclusivamente na elabopração de mapas especiais, construídos para fins náuticos ou aeronáuticos, resolvemos não inclui-la, pois estes produtos cartográficos raramente estarão disponíveis para professores e alunos.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
179
TABELA35-DESENVOL VIMENTO DAS PROJEÇÕES
Correta 4 18% Relacionada - -Não Relacionada 6 27% Não Respondida 12 55% TOTAL 22 100%
TABELA36-PROPRIEDADES DAS PROJEÇÕES
Correta - -Relacionada 1 5% Não Relacionada 6 27% Não Respondida 15 68% TOTAL 22 100%
As respostas dos professores:
Sistema de Projeção: 11
~ W, ~ rJMn,Q,, ÍMn, ~ CMTU ~ ~ ~. b~ ~ ~ ~
~~. nêM,ooÁ;fmvu~. rh~~r~~~~rw,&
~ ~· e~~ Fu ~ CMTU ~ ~.11
(22)
llc~ ~ r ~ ~ ~. Ü; ~ ~ wma, ~
CUIWDJ rU9-~ CMTU UWlv ~· 11
( 6)
Desenvolvimento das Projeções:
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Propriedades das Projeções:
llJipM ?11(2)
Nas respostas acima, observamos alguns fatores como
inconsistência, lacunas de aprendizagem e desconhecimento completo dos temas
envolvidos. Outras justificativas que norteiam os comentários dos professores,
principalmente os que ministram aulas para o 2º grau, é relacionado ao "desuso"
destes conceitos em sala de aula, sendo raramente trabalhados.
Para esclarecermos o conceito de sistema de projeção, nos
baseamos em OLIVEIRA (1978) e LIBAULT (1975).
" A forma do nosso planeta, sendo esférica, vai constituir um
conjunto de problemas, pois é preciso transformar a sua superficie curva em
outra plana. Este grupo de preocupações que os mapeadores sempre
defrontaram corresponde ao das projeções cartográficas. "177
LIBAUL T, menciona que
177.0LIVEIRA, 1978. op. cit. p. 33.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
181
"Uma definição universal do sistema de "Projeção" seria: uma
correspondência matemática entre as coordenadas planoretangulares da carta e
as coordenadas esféricas da Terra. Alguns sistemas correspondem a
combinações geométricas simples, mas, geralmente, trata-se de expressões
puramente abstratas. "
Este mesmo autor, apresenta as projeções segundo suas
propriedades:
"Conformidade quando um pequeno círculo da superficie esférica
continua a ser representado sob essa mesma forma, qualquer que seja seu
tamanho, todos os raios correspondentes de ambos os círculos formam os
mesmos ângulos tanto sobre a esfera quanto na carta ...... Assim os ângulos são
mantidos, e a qualidade é freqüentemente designada como "conservação dos
ângulos" É um verdade absoluta, pois sabemos que a alteração da escala não
altera os ângulos.... Por outro lado, a conformidade implica uma variação da
escala de um ponto do globo para outro, porque não há porque não há
possibilidade de conseguir que todos os círculos transformados fiquem iguais.
Equivalência A outra propriedade básica definida por Tissot é a conservação
das áreas. Contrariamente ao que acontece com os ângulos, esta conservação
das áreas, não significa que as áreas sejam iguais às da natureza . ... Na verdade
quer dizer que as áreas são proporcionais às da natureza, sendo a razão e a
proporcionalidade constante e igual ao quadrado da escala. "178
Além destas propriedades, OLIVEIRA (1993a), indica outras duas:
equidistantes e afiláticas.
178.LIBAULT, 1975. op. cit. p. 105-108.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
182
''A projeção equidistante é a que apresenta deformações lineares,
isto é, os comprimentos são representados em escala uniforme. Deve ser
ressaltado, entretanto, que a condição de eqüidistância só é conseguida em
determinada direção.
''A projeção afilática, é igualmente conhecida como arbitrária nos
Estados Unidos, não possui nenhuma das propriedades dos quatro outros tipos,
isto é, equivalência, conformidade, eqüidistância e azimutes certos, ou seja, as
projeções em que as áreas, os ângulos e os comprimentos (e as direções) são
conservados... Este tipo de projeção pode, entretanto, 'possuir uma ou outra
propriedade que justifique sua construção... a gnomônica... apresentando todas
as deformações, possui a excepcional propriedade de representar as ortodromias
retas ". 179
A proposta de incluirmos o tema das projeções deveu-se também a
grande utilização de mapas mundi em salas de aula. O fato de se tratar da
representação de uma superficie curva em um plano, poderia apresentar o
questionamento de algum aluno quanto ao processo de realização, e mesmo pelas
considerações a respeito da projeção do cartógrafo belga Mercator. O fato é que
diante de um questionamento, por parte dos alunos, raros seriam os professores
que poderiam resolver o problema.
A análise que fazemos é que estes conceitos/conteúdos
cartográficos, apesar de não expressarem a totalidade dos domínios apresentados
na formação do professor, permitem verificar as deficiências formativas
existentes. As respostas dos professores, neste caso, se certas ou não, é o que
menos importa. Importa antes de tudo é o reconhecimento que o domínio
conceptual cartográfico é necessário e importante na formação dos alunos, e este
179.0LIVEIRA, 1993a. op. cit. p. 62-63.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
183
reconhecimento se deu por parte dos próprios sujeitos entrevistados. Admitimos
até que alguns dos conceitos expressos não tenham uma relação direta com aquilo
que as pedagogias ativas têm se debatido, a realidade do aluno. Assim, muitos
dos conceitos propostos estariam desfocados deste projeto; no entanto, temos
dúvidas quanto ao "isolamento" conceptual que se pode produzir. O abandono de
conceitos mais amplos, que não estejam tão visivelmente vinculados ao universo
primeiro dos alunos, é também uma negação de um conhecimento acumulado ao
longo dos anos pela humanidade.
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
184
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões que apontamos ao final desta pesquisa estão colocadas
de certa forma, não apenas pelo que desenvolvemos até aqui, mas principalmente
ao que nos lança a este tipo de investigação.
Ao debatermos a cartografia, seu ensmo e sua formação,
recuperamos a dimensão necessária do entendimento de seus conteúdos dentro da
formação geográfica. Nesta perspectiva colocamos não apenas a elucidação de
um discurso que se fez pequeno (a cartografia é apenas uma técnica), mas
também os traços que esta visão incorporada e repetida marcaram na formação
dos professores de geografia. E os depoimentos dos professores nos mostraram,
que em certo momento da formação destes, a 11
~ da, h~ Jewrna;n;J; 11
acabou
solapando os domínios desta ciência, domínios estes tão amplos que a toma
necessária à sociedade brasileira.
Por isso, discutir os aspectos das representações sobre a cartografia
(geográfica), a aproxima do debate, do movimento de renovação geográfica, que
não parou, mas necessita incorporar o que deixou para trás. Não caminhamos ou
avançamos em partes, procuramos avançar na totalidade. Quando se rompe com
esta integridade, cria-se dualismos, preconceitos e uma distorção do método, e
ficando parte (ou partes), pelo caminho. Há muito mais o que resgatar na
Geografia.
Ao analisarmos o estado da arte da pesquisa no Brasil, percebemos
o quanto há por fazer: se de um lado pela qualidade dos trabalhos existem
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza
185
contribuições efetivas, de outro, pela quantidade, são ainda poucos se queremos
repensar a questão da Cartografia e a Formação Docente. A superação depende
em grande parte do professor. É este sujeito, de todos dos níveis, o responsável
por esta superação, pelo rompimento das leituras preconceituosas, unilaterais e
parciais que se fazem dentro da Geografia.
É a formação do professor que se inscreve como um dos trunfos
que temos para se chegar a uma escola de qualidade, não esquecendo que este
processo deve iniciar ou terminar com a escola fundamental, mas não poderá
apenas bater às portas das universidades brasileiras. Muito mais que isto, deve
rompê-las, verificar e transformar (os traços) o que efetivamente se pratica como
ensino em seu interior.
O que verificamos é que sobre o apanágio do "ensino público de
qualidade" muitas verdades se escondem, onde se produzem os vícios e
problemas do ensino nos níveis anteriores (não inferiores - médio e fundamental).
A questão se coloca, porque temos a presunção de que se forma melhor nas
universidades públicas do que nas particulares. Esta pesquisa revela que não, e
que se há uma diferença qualitativa é tão mínima, que não representa claramente
uma qualidade formativa diferenciada. Haja visto o tempo de formação quatro
anos (no mínimo), na UNOESTE os cursos formam após três anos com a opção
de habilitação em História ou Geografia (Curso de Estudos Sociais).
E que, portanto, competência e compromisso é uma discussão que
precisa ser projetada por quem, pelo menos em tese, pode realiza-la em conjunto
com os professores da rede, a universidade. Assim é que poderemos construir um
outro saber e uma outra formação, e que poderemos dialogar com os professores
sobre as formas de resolução deste problema formativo.
Este saber e formação incluem-se no debate, não pela hegemonia
que se deve impor, como tem sustentado a proposta de Geografia, mas pela
pluralidade e sobretudo pela reflexão do/no método, conduzindo estes elementos
CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE
José Gilberto de Souza
186
(saber e formação) à dimensão de transformadores e que se colocam, a partir dos
sujeitos, enquanto prática transformadora.
Estas questões apontam para uma superação das distorções e da
precária formação de conceitos revelados nesse trabalho, aqueles não de ordem
"puramente" cartográfica, mas principalmente, de ordem geográfica.
E, finalmente, procuramos alimentar uma reflexão séria sobre o
ensmo de cartografia no Brasil, com a posterior a ampliação deste debate e
análise. Uma reflexão que se estenda sobre sobre as linhas de pesquisa, a
proposição dos programas de ensino nos cursos de graduação, que são alguns
objetos do fazer necessário. Neste novo/outro fazer há responsabilidades, das
Universidades (UNESP e UNOESTE) e seus respectivos departamentos de
Geografia, dos professores (sujeitos ou não desta pesquisa), e da APEOESP, cuja
dimensão social (e não corporativa) de luta, precisa subscrever a "Qualidade do
Ensino" com maior clareza e amplitude.
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