inês de castro

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ANÁLISE DO EPISÓDIO INÊS DE CASTRO

NARRAÇÃO (canto III)

Passada esta tão próspera vitória, (Batalha do Salado, contra os

Mouros)

Tornado Afonso à Lusitana terra,A se lograr (gozar) da paz com tanta glóriaQuanta soube ganhar na dura guerra,O caso triste e dino da memória,Que do sepulcro os homens desenterra,Aconteceu da mísera e mesquinha (desditosa)

Que despois de ser morta foi Rainha.

118

119

Tu, só tu, puro Amor, com força crua,Que os corações humanos tanto obriga,Deste causa à molesta (perversa) morte sua,Como se fora pérfida (traiçoeira) inimiga.Se dizem, fero (cruel) Amor, que a sede tuaNem com lágrimas tristes se mitiga,É porque queres, áspero e tirano,Tuas aras banhar em sangue humano. (Foi o

Amor , unicamente, que deu causa à sua morte , como se ela fosse uma inimiga. Dizem que o Amor cruel não se contenta com as lágrimas: exige, como um deus despótico, vítimas humanas.)

Na estrofe 119, o Amor surge personificado como não só a causa da morte de D. Inês, mas também como causa de todos os males. Assim, o poeta invoca o Amor, caracterizando-o como contraditório: por um lado, o Amor é puro, por outro, age cruelmente.

120

Estavas, linda Inês, posta em sossego, (tranquila)

De teus anos colhendo doce fruito,Naquele engano da alma, ledo e cego, (apaixonada)

Que a fortuna não deixa durar muito, (A felicidade é efémera.)

Nos saudosos campos do Mondego,De teus fermosos olhos nunca enxuito, (lágrimas de saudade)

Aos montes insinando e às ervinhasO nome que no peito escrito tinhas. (A natureza surge como confidente dos desabafos amorosos de Inês.)

121

Do teu Príncipe ali te respondiamAs lembranças que na alma lhe moravam, (amor

recíproco)

Que sempre ante seus olhos te traziam,Quando dos teus fermosos se apartavam; (Respondiam-lhe, em pensamentos e em sonhos, as lembranças do Príncipe. D. Pedro nunca a esquecia quando estava longe.)

De noite em doces sonhos, que mentiam,De dia, em pensamentos que voavam.E quanto, enfim, cuidava e quanto via,Eram tudo memórias de alegria. (Jovem apaixonada e saudosa)

Estrofes 120 e 121

Vida feliz de D. Inês, em Coimbra, apenas ensombrada pelas saudades do príncipe, quando ele estava ausente.

122

De outras belas senhoras e princesasOs desejados tálamos (leitos nupciais) enjeita, (Rejeitou outros

casamentos) (D. Pedro recusou outros casamentos, porque o amor rejeita tudo o que não seja o rosto humano.)

Que tudo enfim, tu, puro Amor, desprezas,Quando um gesto suave te sujeita.Vendo estas namoradas estranhezasO velho pai sesudo, (D. Afonso IV) que respeitaO murmurar do povo, e a fantasiaDo filho, que casar-se não queria,

123

Tirar Inês ao mundo determina,Por lhe tirar o filho que tem preso,Crendo co'o sangue só da morte indinaMatar do firme amor o fogo aceso. (Julgava que o

sangue da mortye bastava para apagar o fogo do amor.)

Que furor (loucura) consentiu que a espada fina,Que pôde sustentar o grande pesoDo furor Mauro, fosse alevantadaContra uma fraca dama delicada? (Que fúria foi essa

que fez levantar contra uma débil mulher a espada cortante que derrotou o poder dos mouros?)

Estrofes 121 – 123

O pai de D. Pedro, para acalmar os ânimos do povo, que não via com bons olhos a relação do príncipe e D. Inês e que acreditava que só com a morte dela acabaria com o amor entre eles, determina que D. Inês seja morta.

124

Traziam-na os horríficos algozes (carrascos)

Ante o Rei, já movido a piedade; (Quando os

carrascos trouxeram Inês, já o Rei estava comovido e arrependido.)

Mas o povo, com falsas e ferozesRazões, à morte crua o persuade.Ela com tristes e piedosas vozes,Saídas só da mágoa, e saudadeDo seu Príncipe e filhos, que deixava,Que mais que a própria morte a magoava,

125

Para o Céu cristalino alevantandoCom lágrimas os olhos piedosos,(Os olhos, porque as mãos lhe estava atandoUm dos duros ministros rigorosos);E despois nos mininos atentando,Que tão queridos tinha, e tão mimosos,Cuja orfindade como mãe temia,Para o avô cruel assim dizia:

126

- "Se já nas brutas feras, cuja menteNatura fez cruel de nascimento,E nas aves agrestes, que somenteNas rapinas aéreas têm o intento,Com pequenas crianças viu a genteTerem tão piedoso sentimento,Como co’a mãe de Nino já mostraram,E c’os irmãos que Roma edificaram: (Lembrou-lhe

os animais ferozes e as aves de rapina que tiveram sentimentos de piedade, como o mostram o caso de Semiramis e o dos fundadores de Roma.)

127

- Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito (Se de humano é matar ua donzela, Fraca e sem força, só por ter sujeito O coração a quem soube vencê-la),A estas criancinhas tem respeito, Pois o não tens à morte escura dela; Mova-te a piedade sua e minha,Pois te não move a culpa que não tinha.

128

- E se, vencendo a maura resistência,A morte sabes dar com fogo e ferro,Sabe também dar vida, com clemênciaA quem para perdê-la não fez erro.Mas, se to assim merece esta inocência,Põe-me em perpétuo e mísero desterro,Na Cítia fria (Sibéria) ou lá na Líbia ardente,Onde em lágrimas viva eternamente.

129

Põe-me onde se use toda a feridade,Entre leões e tigres, e vereiSe neles achar posso a piedadeQue entre peitos humanos não achei:Ali com o amor intrínseco (profundo) e vontadeNaquele por quem mouro, criareiEstas relíquias suas que aqui viste,Que refrigério sejam da mãe triste." (Que a

mandasse mesmo para junto das feras, onde procuraria a piedade que não encontrara entre os homens. Ali, por amor e bem querer daquele por quem morria, criaria os filhos, memórias do pai, consolação da mãe.)

Discurso de D. Inês ao Rei (126-129)

Argumentos utilizados em sua defesa:

• Se até os animais mais selvagens mostram afecto em relação aos humanos, D. Afonso IV, que sempre fora bom e piedoso, certamente não iria modificar a sua conduta; (126)

• Pede ao Rei que tenha pena dos netos, que ficariam órfãos sem terem culpa de nada; (127)

• Apela a clemência real que, tal como sabe determinar a morte com justiça, também deve saber quando é de direito viver; (128)

• Se, perante tudo, o Rei ainda hesitar, D. Inês pede-lhe que a desterre algures, pois o seu amor por D. Pedro dar-lha-á alento para criar os seus filhos muito amados. (129)

 

130

Queria perdoar-lhe o Rei benino,Movido das palavras que o magoam;Mas o pertinaz povo, e seu destino(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.Arrancam das espadas de aço finoOs que por bom tal feito ali apregoam.Contra uma dama, ó peitos carniceiros,Feros vos amostrais, e cavaleiros? (Bárbaro

assassínio de D. Inês)

131

Qual contra a linda moça Polycena, (Policena era

noiva de Aquiles; este morreu em combate, e o seu espectro, aparecendo a Pirro, seu filho, ordenou-lhe que a imolasse sobre o seu túmulo.)

Consolação extrema da mãe velha,Porque a sombra de Aquiles a condena,Co'o ferro o duro Pirro se aparelha; (Assim como

Pirro se prepara para matar Policena por ordem do espectr5o de Aquiles e ela, serenamente, se oferece à imolação, pondo os olhos na mãe, louca de dor…)

Mas ela os olhos com que o ar serena(Bem como paciente e mansa ovelha)Na mísera mãe postos, que endoudece,Ao duro sacrifício se oferece:

132

Tais contra Inês os brutos matadoresNo colo de alabastro, (pedra calcária muito branca) que sustinhaAs obras com que Amor matou de amoresAquele que despois a fez Rainha;As espadas banhando e as brancas flores, (maçãs do rosto)

Que ela dos olhos seus regadas tinha,Se encarniçavam, férvidos e irosos,No futuro castigo não cuidosos.

133

Bem puderas, ó Sol, da vista destes (O Sol encobriu-se)

Teus raios apartar aquele dia,Como da seva mesa de Tiestes,Quando os filhos por mão de Atreu comia. (Tiestes seduziu a esposa do seu irmão Atreu. Este, para se vingar convidou o irmão para um banquete e serviu-lhe de comer os flhos nascidos dos amores ilícitos. O sol escondeu-se perante tais horrores.)

Vós, ó côncavos vales, que pudestesA voz extrema ouvir da boca fria,O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,Por muito grande espaço repetistes!

134

Assim como a bonina, (flor) que cortadaAntes do tempo foi, cândida e bela,Sendo das mãos lascivas maltratadaDa menina que a trouxe na capela, (toucado)

O cheiro traz perdido e a cor murchada:Tal está, morta, a pálida donzela,Secas do rosto as rosas e perdidaA branca e viva cor, co a doce vida.

135

As filhas do Mondego a morte escuraLongo tempo chorando memoraram,E, por memória eterna, em fonte puraAs lágrimas choradas transformaram;O nome lhe puseram, que inda dura,Dos amores de Inês que ali passaram.Vede que fresca fonte rega as flores,Que lágrimas são a água, e o nome Amores.

Os Lusíadas

Lurdes Martins

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