flor, gabriela. um estudo sobre brincadeiras cantadas da infância
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC CENTRO DE ARTES - DEPARTAMENTO DE MSICA
LICENCIATURA EM MSICA
UM ESTUDO SOBRE BRINCADEIRAS CANTADAS DA INFNCIA:
JOGOS DE MOS APRESENTADOS POR CRIANAS DE
FLORIANPOLIS
ALUNA: GABRIELA FLOR VISNADI E SILVA
ORIENTADORA: VIVIANE BEINEKE
Florianpolis, dezembro de 2004
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TRABALHO DE CONCLUSO DE CURSO apresentado e aprovado como pr-
requisito parcial para a obteno do ttulo de licenciada em msica pela comisso
de avaliao composta pelos seguintes professores:
______________________ Profa. Viviane Beineke ______________________ Prof. Srgio Paulo Ribeiro de Freitas ______________________ Profa. Cleidi Marlia Carvalho Pedroso de Albuquerque
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E se quisermos verdadeiramente fazer justia s crianas, teremos que desafi-
las em sua graa e poder, atravs de sua prpria cultura.
(Lydia Hortlio)
As fotografias deste trabalho foram tiradas pela autora e por Viviane Beineke.
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Dedico este trabalho a todas as crianas, especialmente quelas que me
ensinaram estes jogos de mos.
Agradeo s professoras das escolas que eu visitei, que tanto colaboraram
tanto nas entrevistas como no espao das suas aulas que me cederam.
Agradeo tambm s crianas da Escola de Educao Infantil Flor do
Campus, em Florianpolis, pela colaborao com as fotografias ilustrativas para
este trabalho.
Agradeo em especial minha amiga Viviane Beineke, que foi uma grande
orientadora no s neste, mas em muitos outros trabalhos que j fizemos juntas.
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SUMRIO
RESUMO ________________________________________________7
COMO SURGIU A IDIA... __________________________________1
1. BRINCADEIRA DE CRIANA... ____________________________4
1.1 O que brincar? 4 1.2 A importncia do brincar na formao da criana 9
2 MSICA E BRINCADEIRA _______________________________18
2.1 A msica da cultura infantil 18 2.2 Que caractersticas possuem as brincadeiras cantadas? 20 2.3 Sobre os jogos de mos 25 2.4 Contribuies das brincadeiras cantadas na formao integral da criana 30 2.5 As crianas ainda brincam com msica? 32
3 COMO ACONTECEU A PESQUISA ________________________36
3.1 Seleo das escolas a serem pesquisadas 36 3.2 Como foi o encontro e a negociao com as escolas selecionadas 39 3.2.1 Escola Bsica Vitor Miguel de Souza 39 3.2.2 Associao Pedaggica Praia do Riso - APPR 40 3.3 Conhecendo as crianas 41 3.3.1 Escola Municipal Vitor Miguel de Souza 41 3.3.2 Associao Pedaggica Praia do Riso - APPR 42 3.4 Cmera, ao! Chegou o dia da gravao 43 3.4.1 Escola Municipal Vitor Miguel de Souza 43 3.4.2 Associao Pedaggica Praia do Riso - APPR 45 3.4.2.1 Turma da 3. srie 45 3.4.2.2 Turma da 4. srie 45 3.5 Bnus: mais um encontro com as crianas da escola Vitor Miguel 46 3.6 Transcrio e anlise dos jogos de mos 47 3.6.1 Cdigo dos gestos 48
4 OS JOGOS DE MOS ___________________________________51
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4.1 Jogos apresentados por crianas da 2. srie da Escola Vitor Miguel de Souza 51 4.1.1 Batom 51 4.1.2 O Viado 54 4.1.3 O Trem Maluco 56 4.1.4 Tim, Tim 59 4.1.5 L em cima daquele morro 61 4.1.6 Cecerece Cec 62 4.1.7 O Mateus no lava o p 64 4.1.8 Adoleta 65 4.2Jogos apresentados por crianas da 3. srie da Associao Pedaggica Praia do Riso APPR 68 4.2.1 Parara 68 4.2.2 O Trem Maluco 69 4.2.3 Babalu 71 4.2.4 Adoleta 72 4.2.5 Fui ao Cinema 73 4.2.6 Fui China 74 4.2.7 Fui no cemitrio 76 4.3 Jogos apresentados por crianas da 4. srie da Associao Pedaggica Praia do Riso APPR 77 4.3.1 Com Quem? 77 4.3.2 Popeye 80 4.3.3 Olvia 81 4.3.4 Catchup 82 4.4 Jogos apresentados no segundo encontro com as crianas da Escola Municipal Vitor Miguel 82 4.4.1 Ana Banana 83 4.4.2 Soco, soco, bate, bate 83 4.4.3 Tim, tim castelo 84 4.4.4 Xuxinha 86
CONCLUSO ___________________________________________88
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS __________________________92
ANEXO 1_______________________________________________94
ANEXO 2_______________________________________________95
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RESUMO
Este trabalho um estudo sobre as brincadeiras cantadas infantis, desenvolvido
com o objetivo de conhecer jogos de mos praticados por crianas de escolas do
Ensino Fundamental de Florianpolis. Os dados foram coletados em turmas de
sries iniciais de duas escolas Escola de Educao Bsica Vitor Miguel de
Souza e Associao Pedaggica Praia do Riso. Foram realizadas filmagens dos
jogos de mos apresentados pelas crianas, os quais foram posteriormente
transcritos para partitura, tomando-se o trabalho de Gainza (1996) como
referncia. Cada jogo de mo analisado segundo a parte estrutural ou versos,
rtimica realizada com as mos, forma, combinaes e particularidades dos
diferentes jogos.
Palavras-chave:
1) Educao Musical
2) Brincadeiras cantadas
3) Jogos de mos
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COMO SURGIU A IDIA...
A idia para este trabalho surgiu em certa fase do projeto Produo de
Material Didtico para o Ensino de Msica na Escola, projeto do Programa NEM
Ncleo de Educao Musical, do Departamento de Msica da UDESC, que consiste
na pesquisa, estudo e produo de arranjos e composies de peas e atividades
voltadas para sala de aula, a partir de cantigas infantis e do folclore brasileiro. um
projeto de extenso permanente, no qual podem participar alunos, ex-alunos e
professores do Departamento de Msica.
No comeo do projeto, as atividades propostas enfocavam principalmente o
uso da flauta doce em arranjos de canes de poucas notas. Tambm foram feitos
trabalhos voltados para explorao da flauta doce, usando-a de diversas maneiras
no-convencionais. Depois, com maior uso da voz e percusso na sua produo de
arranjos, incluindo percusso corporal e o uso de instrumentos no-convencionais, o
grupo se interessou tambm por brincadeiras cantadas como jogos de mos e
copos. Reunimos alguns trabalhos publicados em livros e cds que encontramos
sobre o assunto, e em pouco tempo surgiu no projeto um captulo inteiro de arranjos
de brincadeiras cantadas em geral, resultando em um caderno de atividades.
Como participante do grupo, percebi ento a riqueza dessas brincadeiras,
tanto musicalmente como culturalmente. Pensei: Como seriam teis nas aulas de
msica, alm de bonitas e prazerosas, essas brincadeiras podem abrir vrias
possibilidades!. A ento surgiu a idia de pesquisar mais sobre brincadeiras
cantadas e descobrir um pouco do que as crianas esto fazendo atualmente. A
maneira mais eficiente e verdadeira seria buscar com as prprias crianas.
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Assim, decidi que o meu trabalho seria sobre esse aspecto da cultura infantil,
buscando conhecer um pouco da msica realizada nas brincadeiras infantis.
Lembrei-me ento, dos recreios da escola de primeiro grau onde estudei em So
Paulo, que eram repletos de jogos de mos. Assim, me propus a visitar os recreios
de algumas escolas de Ensino Fundamental de Florianpolis em busca de
brincadeiras cantadas.
Acredito que esse conhecimento tambm venha a complementar a minha
formao como professora de msica, me aproximando mais de um saber musical
que seja significativo para a criana.
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A brincadeira o caminho que percorremos felizes, expressando o que nos vai no
corao, revelando o nosso eu autntico, nosso modo livre e criador de curtir a vida;
viramos crianas quando j no o somos mais. A diferena para as crianas que
vivem ainda um tempo mesmo de ser criana, de brincar. (Maluf, 2004)
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1. BRINCADEIRA DE CRIANA...
1.1 O que brincar?
O termo brincar tem um universo de significados. Uma criana quando
convida vamos brincar?, pode estar representando inmeras idias e
possibilidades que o termo abrange. Jogos, brincadeiras, faz de conta, brinquedos,
criao, mgica... tudo pode se tornar brincadeira ou brinquedo para uma criana.
Um exemplo clssico so as linhas da calada, que se transformam em jogo no
olhar da criana. Eugnio Tadeu Pereira, professor de msica do Centro Pedaggico
da UFMG e coordenador do Grupo Rodapio, explica que a criana tem sua volta
inmeras possibilidades de formar uma brincadeira, seja com um brinquedo
tradicional, com um pedao de madeira, uma folha de rvore, uma tampa plstica,
um som, uma pessoa, muitas pessoas... e todos esto cheios de possibilidades e
sugestes que podem virar brinquedo, que vai ser diferente de acordo com cada
indivduo. Essa maneira de lidar com a realidade - transformar objetos, lugares,
inventar coisas, uma forma da criana se descobrir, compreendendo o mundo que
a cerca, (re) inventando-o e se encontrando nele; (...) e isso tem aspectos de
brincadeira. O autor cita ainda, que muito difcil encontrar uma criana que no
brinca, sendo algo at preocupante (Pereira, 2002). Segundo Gildo Volpato,
professor em cursos de graduao e ps-graduao na rea de Educao Fsica, o
jogo, a brincadeira e o faz de conta so as atividades que predominam na infncia,
como parte do desenvolvimento da criana. Nos parques, nas ruas, em casa, ou em
qualquer lugar, a criana quase sempre est jogando ou brincando de alguma coisa
(Volpato, 2002, p. 11). E s olhar com ateno para uma criana brincando que
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percebemos o quanto o brincar natural e significativo para ela, faz parte da sua
linguagem.
Sempre que uma criana seleciona algo com a inteno de brincar, e cria
uma situao de brincadeira com este objeto (ou pessoa), ela cria uma situao que
a faz sair do seu mundo, abrindo-se para as relaes. Brincar, ento, estar em
relao com algo diferente em ns e/ou fora de ns (Pereira, 2002). E essa relao
com o outro, leva a criana a um universo diferente daquele que costuma estar,
abrindo janelas para outras possibilidades.
O brincar para a criana algo altamente srio, no sentido de importncia,
compenetrao. Sobre isso Volpato cita Piaget: Nada mais srio do que uma
criana brincando (Piaget apud Volpato, 2002, p 85). A criana quando brinca est
concentrada, totalmente envolvida com a brincadeira. Brincar, no uma mentira,
uma atitude em que tudo est presente (Pereira, 2002). E quando est brincando, a
criana fica num estado entre o imaginrio e o real, um estado intermedirio. Sobre
isso, ngela Cristina Munhoz Maluf, citando Vygotsky, explica que o brincar difere de
outras atividades porque cria uma situao imaginria. A autora coloca o brinquedo
como a riqueza do imaginrio infantil (Maluf, 2003, p 48).
Froebel, considerado por Blow (1991) o psiclogo da infncia, concebe o
brincar como uma atividade livre e espontnea, responsvel pelo desenvolvimento
fsico, moral, cognitivo, e os dons1 ou brinquedos, objetos que subsidiam atividades
infantis (Froebel apud Kishimoto, 2004 e Maluf, 2003).
A brincadeira, de maneira geral, alm de espontnea, tambm vista como
uma atividade prazerosa (Maffioletti, 1992; Teles, 1999; Volpato, 2002; Maluf, 2003,
2004; Friedmann, 2004; Gainza, 1996). As crianas tm prazer em todas as
1 dons pequenos objetos de material e formas variadas, usados nos programas froebelianos, para serem utilizados em atividades orientadas (Kishimoto, 2004)
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experincias de brincadeira fsica e emocional (Winnicott apud Maluf, 2003 p. 20).
Para a educadora e terapeuta Maria Luiza Silveira Teles, o que move a criana no
brincar unicamente a paixo. Teles tambm fala no poder que possui o brinquedo
para uma criana, citando como exemplo, uma cena em que crianas brincam nos
escombros de uma guerra. Segundo a autora, quando est brincando, a criana est
imune a qualquer medo de conseqncias srias. como se estivesse de frias
com relao realidade social (Teles, 1999, p.18).
Uma caracterstica histrica dos brinquedos, jogos e brincadeiras, a ligao
com os costumes, tradies e transformaes sociais de um povo. O
desenvolvimento de tais atividades e objetos acompanha o prprio desenvolvimento
cultural, muitas vezes surgindo a partir de rituais ou objetos de crena religiosa, por
exemplo. A educadora Adriana Friedmann considera as brincadeiras e jogos
tradicionais infantis como um patrimnio ldico-cultural que pertence ao nosso
folclore (Friedmann, 2004 p.13). Para Volpato (2002), a criana e seus jogos e
brinquedos, necessariamente, se constituem e fonte de saber e conhecimento. O
autor faz um levantamento histrico sobre o assunto, mostrando como o brinquedo
um elemento cultural revelador dos valores e crenas de cada povo em diferentes
tempos histricos, cheio de simbolismos e significados, muitas vezes tendo sido
criado para o uso em atividades religiosas ou outros tipos de rituais, alguns
aparecendo primeiramente como objetos de culto, para depois se tornarem
brinquedos de crianas. Os jogos e competies, que sempre tiveram grande papel
social desde a sociedade antiga, se faziam muito presentes em festas sazonais e
tradicionais. Nestes tipos de atividades, participavam crianas, jovens e adultos em
p de igualdade, sendo que as crianas e jovens desempenhavam, nas festas,
importantes papis tradicionais. Ao olhamos para os brinquedos e brincadeiras da
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atualidade, perceberemos tambm caractersticas e valores do nosso tempo e
cultura. Afinal de contas, normal que a criana acompanhe as transformaes que
ocorrem no ambiente que a cerca. Algumas brincadeiras, porm, como o jogar, o
correr, o lutar, entre outras, continuam fazendo parte da vida das crianas, apesar
das mudanas que tenham ocorrido. (Volpato, 2002)
O brincar , de fato, a atividade predominante da infncia, estando muito alm
de ser apenas um entretenimento na vida da criana.
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O brincar um aspecto fundamental para se chegar ao desenvolvimento integral da criana. (Maluf, 2003)
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1.2 A importncia do brincar na formao da criana
Muitos autores colocam o brincar como uma das necessidades bsicas para o
desenvolvimento sadio da criana. Brincar, segundo Maluf, uma das
necessidades bsicas da criana, essencial para seu bom desenvolvimento motor,
social, emocional e cognitivo. A autora considera que, atravs do brincar, possvel
formar indivduos mais motivados e com maior autonomia, tambm sendo uma
forma de desenvolver a capacidade de manter-se ativo e participante, pois o brincar
exige participao e engajamento (Maluf, 2003, p 19-20). Para Teles, criana que
no brinca, no tem condies de se desenvolver de maneira sadia. A autora
tambm coloca o brincar como uma das necessidades bsicas da criana, sendo
indispensvel para uma infncia saudvel.
Para a autora, as brincadeiras tambm desenvolvem na criana a
compreenso da realidade, o sentimento de grupo, o respeito pelo outro, a
imaginao e a criatividade. A criana reproduz na brincadeira a sua prpria vida.
Atravs dela, ela constri o real, delimita os limites frente ao meio e o outro e sente o
prazer de poder atuar ante as situaes e no ser dominado por elas (Teles, 1999,
p15-16). Froebel (apud Kishimoto, 2004) refere-se ao brincar como:
a fase mais importante da infncia do desenvolvimento humano neste perodo por ser a auto-ativa representao do interno a representao de necessidades e impulsos internos, a atividade espiritual mais pura do homem neste estgio e, ao mesmo tempo, tpica da vida humana enquanto um todo. Ela d alegria, liberdade, contentamento, descanso externo e interno, paz com o mundo (...). Como sempre indicamos, o brincar em qualquer tempo no trivial, altamente srio e de profunda significao. (Froebel apud Kishimoto, 2004)
Maluf (2004) considera que as brincadeiras so admirveis instrumentos de
realizao para o ser humano, pois desenvolvem iniciativas, potencialidades e
capacidades, desempenhando um papel decisivo para converter as crianas de
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nossos dias em adultos maduros, com grande imaginao e autoconfiana (Maluf,
2004, p 13-14). Tizuko Morchida Kishimoto, professora da faculdade de educao da
USP, acredita que, o cotidiano infantil deve estar repleto de contos, lendas,
brinquedos e brincadeiras, para formar seres criativos, crticos e aptos para tomar
decises (Kishimoto, 2004). interessante essa relao que alguns autores fazem
do adulto resultante de uma criana que brinca ou no brinca. Teles comenta: No
existe adulto criativo sem criana que brinque (Teles, 1999, p 24).
O desenvolvimento da inteligncia criativa na criana tambm aparece muito
ligado ao brincar. Teles considera que o indivduo criativo muito importante para o
funcionamento efetivo de uma sociedade, o impulso criativo uma das molas-
mestras do ser humano. Ele o impulsiona ao construtiva e eficiente, gera prazer
e traz a auto-realizao (Teles, 1999, p. 21). A autora considera que o
desenvolvimento da imaginao e a compreenso da realidade so condies
bsicas para o ser criativo, muito estimuladas atravs das brincadeiras. A
brincadeira , alm dos muitos motivos de importncia na vida da criana, o
verdadeiro impulso da criatividade (Teles, 1999, p. 22). Maluf tambm valoriza o
brincar como ferramenta para o desenvolvimento do pensamento criativo. Para a
autora, a criatividade necessria para o indivduo tornar-se pleno e sincronizado
com a vida. Ela acredita que a criao de uma brincadeira s possvel se houver
um poder criativo, j que a brincadeira est cheia de criatividade. (Maluf, 2003).
Segundo Teles (1999), brincando que o beb e a criana pequena vai
aprendendo a separar o eu do no-eu. Maluf (2003) coloca tambm a importncia
do brincar para a criana como um meio para ela desenvolver a imagem de si e do
mundo que a cerca a partir de relaes cotidianas, que vo se organizando atravs
das brincadeiras. Comenta, atravs de citao de Bettelheim, que brincar estimula o
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desenvolvimento intelectual da criana, tambm ensina os hbitos necessrios a
esse crescimento. Segundo a autora, a prpria natureza curiosa e imaginativa da
criana faz com que ela explore todas suas possibilidades, adquirindo experincias e
exercitando suas potencialidades atravs das brincadeiras. Kishimoto (2004) explica
que, quando brinca, a criana explora os objetos que a cercam; movimenta-se em
busca de parceria, comunicando-se com seus pares; se expressa atravs de
mltiplas linguagens; descobre regras e toma decises.
Podemos dizer que o brincar tem sido alvo de estudos e investigaes nas
mais diversas reas, principalmente nas ltimas dcadas (Volpato, 2002; Pereira,
2002; Kishimoto, 2004), e unnime a importncia atribuda a essa experincia no
desenvolvimento sadio da criana, de maneira completa, como explica Maluf:
A criana, atravs das brincadeiras, assimila valores, assume comportamentos, desenvolve diversas reas de conhecimento, exercita-se fisicamente e aprimora habilidades motoras. No convvio com outras crianas aprende a dar e receber ordens, a emprestar e tomar emprestado, a compartilhar momentos bons e ruins, a ter tolerncia e respeito, enfim, seu raciocnio desenvolvido de forma prazerosa. A criana tambm encontra nas brincadeiras equilbrio entre o real e o imaginrio, alimenta sua vida interior, descobre o mundo. (Maluf, 2003, p. 94)
Para Volpato, os diferentes enfoques das diversas reas do conhecimento
acerca do brincar nos propiciam uma viso mais ampla sobre o tema, nos ajudando
a compreend-lo melhor, mesmo que possam parecer contraditrios. A
multiplicidade de olhares, por sua vez, pode tambm se complementar, contribuindo
para uma viso da totalidade que envolve a singularidade do jogo e do brinquedo
(Volpato, 2002, p. 9). Pereira tambm considera importante a contribuio de
diversas reas para a melhor compreenso do brincar e das suas vrias situaes.
Cada rea elege alguns pontos de seu interesse e aponta para uma direo,
interpretando a brincadeira a seu modo. Como exemplifica Pereira,
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(...) a Psicologia cuida dos significados que a brincadeira tem na formao da pessoa, e cada gesto e palavra observados trazem em si um tanto de elementos que dizem sobre quem est brincando. como se o brincar de casinha refletisse a maneira como a criana enxerga o mundo e como ela gostaria que fosse. Assim ela repete e tambm reorganiza uma possvel realidade. A Antropologia e Sociologia observam os contedos presentes numa brincadeira que mostram a organizao de uma cultura. Ali esto expostos os mitos, os ritos, as relaes de autoridade, dentre outros muitos aspectos. J na educao, as brincadeiras tm sido alvo de muitos estudos, principalmente como instrumentos pedaggicos. Em outros campos do saber humano, as brincadeiras tambm ocupam importantes lugares. Nas Artes, por exemplo, o brincar visto como algo semelhante ao fazer artstico, pois na atitude ldica que se concebe e se faz uma msica, um quadro ou um conto (...) (Pereira, 2002).
Volpato (2002) faz uma anlise das caractersticas da brincadeira e do jogo
infantil e das diversas formas de interpret-los, levando-os para o mbito da escola.
Considerando o jogo/ brincadeira como possibilidade de ser mediador no processo
de aprendizagem, o autor faz um levantamento de diferentes concepes sobre a
brincadeira e a escola. Conta tambm, que em vrios pases o brincar tem sido visto
como uma poderosa ferramenta para o aprendizado, pois contribui para que a
criana se aproprie do conhecimento de maneira significativa e prazerosa, sendo
recomendado nos currculos de ensino bsico.
As brincadeiras e os jogos so as formas mais originais que a criana tem de se relacionar e se apropriar do mundo. brincando que ela se relaciona com as pessoas e objetos ao seu redor, aprendendo todo o tempo com as experincias que pode ter (Volpato, 2002, p. 100)
Para o autor, os jogos e brincadeiras infantis devem ser concebidos como
recursos didticos importantes, sem que se faa distino entre o que jogo e o que
srio. O autor fala da importncia de se manter as caractersticas de brincadeira e
o carter ldico nas atividades propostas pelo professor, para que estas no deixem
de ser significativas para a criana. Quando perde sua dimenso ldica, a
brincadeira esvazia-se (...). Isso se d quando, em vez da criana aprender
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brincando, a criana levada a usar o brinquedo para aprender (Fontana e Cruz
apud Volpato, 2002, p. 97). Teles (1997) concorda que o ato de brincar uma
importante fonte de promoo do desenvolvimento sadio da criana, pois faz parte
da sua natureza. Logo, o que no ldico no prprio para a criana (Teles,
1997, p. 37). Teles baseia-se em Piaget e Vygotsky quando explica o papel do
brincar no desenvolvimento da criana. A autora conta que atravs da brincadeira
que a criana vai construindo o prprio saber, de acordo com as necessidades de
cada etapa do seu desenvolvimento. Sobre a questo da interao social defendida
por Vygotsky, onde fala que o desenvolvimento das estruturas mentais humanas s
vo se desenvolver pelo relacionamento com o outro, o ato de brincar com outras
crianas entra como principal atividade para este desenvolvimento. Sobre isso, Maluf
(2004) explica que, entender a brincadeira como uma estratgia de ensino e
aprendizagem compreender que a criana administra a sua relao com o outro e
com o mundo permeada pelo uso de brinquedos. A autora considera que o ldico
o parceiro do professor. Para ela, o brincar deve ocupar um lugar especial na prtica
pedaggica, tendo espao privilegiado na sala de aula. Brincar a forma mais
perfeita para perceber a criana e estimular o que ela precisa aprender e se
desenvolver (Maluf, 2003, p.31).
Tanto o brincar livre como o brincar dentro de uma atividade orientada pode
ser rico no processo de aprendizagem. Contrariando uma das caractersticas sobre o
brincar que levantou de alguns autores, Volpato considera que uma brincadeira
proposta pelo professor possa ser to significativa quanto uma escolhida pela
criana.
O que faz do jogo um jogo e o que caracteriza uma brincadeira a possibilidade que a criana tem de tomar decises, de combinar regras, de negociar papis, de agir de forma transformadora sobre contedos significativos para ela, de ter liberdade e prazer. Isso possibilita que a
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criana torne-se cada vez mais autnoma, mais consciente de suas aes. (Volpato, 2002, p.98)
Maluf (2003) considera que de responsabilidade do professor oferecer
oportunidades para que aconteam momentos ldicos dentro da sala de aula. Para
ela, o educador deve estabelecer uma conexo entre o prazer, o brincar e o
aprender. preciso que os professores se coloquem como participantes,
acompanhando todo o processo da atividade, mediando os conhecimentos atravs
da brincadeira, do jogo e outras atividades (Maluf, 2003, p. 33). Para Teles (1997), a
atuao do educador fundamental para que as brincadeiras tenham lugar
garantido na escola. A autora explica que importante que a criana tenha para isso
um bom espao disponvel, com possibilidades de mudar a organizao; alm do
tempo suficiente para que as brincadeiras possam surgir e se desenvolver.
Kishimoto tambm defende que um dever da escola proporcionar para a criana a
oportunidade de conhecer outros elementos da cultura que no a escolarizada
como o acervo cultural dos contos, lendas e brincadeiras tradicionais, para que
beneficie e enriquea o repertrio imaginativo da criana. Aprendizado esse, que
comea com brincadeiras em que se aprende a criar significaes, a comunicar-se
com outros, a tomar decises, decodificar regras, expressar a linguagem e
socializar (Kishimoto, 2004).
Volpato faz uma queixa sobre as prticas escolares, dizendo que a
importncia do brinquedo e do jogo no desenvolvimento cognitivo e corporal da
criana, apesar de ser defendida por estudiosos da Educao e da Psicologia, no
so efetivamente aplicados nas prticas escolares. O ensino dos contedos
escolares geralmente maante, srio e desvinculado da natureza da criana, no
valorizando-a como produtora de conhecimento. O que acontece um
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descontentamento por parte das crianas e tambm dos professores que, na
tentativa de manter a ordem para transmitir os contedos de maneira sria,
frustram-se com a ineficincia destes mtodos. Diante de uma escola que oferece
pouca alegria, os jovens do provas de crescente impacincia, e a resistncia
manifesta-se por meio da rebeldia, da apatia e at mesmo na recusa em freqent-
la (Volpato, 2002, p. 115). Sobre isso, Kishimoto (2004) conta que, apesar da
valorizao do brincar como principal atividade para o desenvolvimento infantil, as
instituies de ensino no se preocupam em oferecer oportunidades para que
aconteam tais atividades, tampouco se utilizam efetivamente do brincar na
construo de um saber significativo para as crianas. Poucos so os espaos para
brincadeiras livres. Os horrios so rgidos, com turmas homogneas, atividades
padronizadas e pouca escolha da criana (Kishimoto, 2004, p.). Para Teles (1997),
o modo de vida moderno, marcado pela pressa e pela competitividade acaba
refletindo de maneira negativa na educao. As crianas so preparadas para as
responsabilidades da vida adulta cada vez mais cedo, e o tempo de brincar vai
ficando cada vez menor. O resultado uma escola triste, que no motiva a criana
para estudar.
Volpato (2002) citando Paulo Freire explica sobre a importncia da alegria
dentro da escola. Se o educador e os educandos contam os minutos para sair da
monotonia da sala de aula, porque a escola est deteriorando a alegria de viver. A
alegria que a escola promete criana uma alegria que s pode ser desfrutada
depois de muito esforo, muita disciplina, muitas lies de casa, provas e
brincadeiras no brincadas (Volpato, 2002, p. 114). E do outro lado, quando
olhamos para uma criana brincando concentrada, inteira na sua brincadeira,
sempre vai haver motivao e um sorriso no rosto. Diante da necessidade de se
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apropriar do mundo, as crianas se motivam a jogar e a brincar. E ns, professores,
o que estamos fazendo diante dessa necessidade? (Volpato, 2002, p. 112).
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Entendendo-se cultura infantil como a experincia, as descobertas, o fazer das
crianas entre elas mesmas, buscando a si e ao outro em interao com o mundo,
ou seja, toda a multiplicidade e riqueza dos brinquedos de criana teremos que
buscar a compreenso da msica da cultura infantil dentro deste mesmo contexto,
como parte que de um mesmo corpo de conhecimento, nele includas,
naturalmente, a sensibilidade, a inteligncia e a vontade como dimenses da vida na
sua complementaridade e inteireza. (Lydia Hortlio)
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2 MSICA E BRINCADEIRA
2.1 A msica da cultura infantil
A msica da cultura infantil, como define a pesquisadora musical Lydia
Hortlio, uma msica para ser brincada, o que quer dizer, uma msica com o
corpo, que vive na inter-relao de palavra, msica, movimento e o outro (Hortlio,
2002). Por esse motivo, seria difcil represent-la atravs apenas da dimenso
sonora. Hortlio considera a msica tradicional da infncia como um importante
patrimnio cultural de um povo, onde encontramos arqutipos, caractersticas
estruturais e poticas da lngua me e da lngua me musical em seu nascedouro
(Hortlio, 2002). Reconhecendo ento a criana como produtora de cultura e
considerando a cultura como o conjunto de significaes produzidas pelo homem
(Bougre apud Maffioletti, 2004, p37) seus brinquedos e fantasias ganham forte
significado dentro da histria de sua sociedade. Afinal de contas, a capacidade de
simbolizar seus medos, sentimentos e conhecimentos atravs da msica e do
brinquedo exclusiva dos seres humanos (Maffioletti, 2004).
Valorizar as atividades espontneas infantis e perceber a criana como
produtora de cultura, implica em oferecer subsdios para que ela se desenvolva na
sua prpria natureza, produzindo e reproduzindo a sua cultura, que atenda suas
necessidades psicolgicas, intelectuais e sociais. Na ausncia dessas atividades, o
processo de desenvolvimento seria orientado exclusivamente do ponto de vista dos
adultos. Ao invs de compreender a vida por si mesmas, as crianas teriam apenas
os adultos como referncia (Maffioletti, 2004, p. 38).
Precisamos reconhecer que a cultura musical infantil existe e cumpre o importante papel de promover aprendizagens essencialmente humanas,
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porque esto apoiadas no desenvolvimento das interaes sociais e na musicalidade que nos caracteriza (Maffioletti, 2004, p. 38).
Para a educadora musical Teca Alencar de Brito, a criana est sempre
interagindo com o ambiente sonoro que a cerca e conseqentemente, com a msica.
A autora considera que desde o bero a criana comea seu processo de
musicalizao, atravs do contato com os sons do cotidiano, incluindo a msica.
Neste sentido, as cantigas de ninar, as canes de roda, as parlendas e todo o tipo de jogo musical tm grande importncia, pois atravs dessas interaes que os bebs desenvolvem um repertrio que lhes permitir comunicar-se pelos sons (Brito, 2003, p. 35).
Brito (2003) tambm explica que esse envolvimento do beb e da criana
pequena com a msica, proporcionando momentos de comunicao e troca,
favorece o desenvolvimento afetivo e cognitivo, bem como a criao de vnculos
fortes tanto com os adultos quanto com a msica. Mais especificamente se tratando
do dia a dia da criana pequena, percebemos grande utilizao da msica para
muitos fins, seja na mdia, na escola, em casa, nos parques, nas ruas ou em lojas de
produtos infantis, ou seja, sem dvida que existe grande produo musical voltada
para a criana. Ento, podemos chegar concluso que a criana, desde cedo,
vivencia uma srie de experincias de vrios tipos com a msica, entende diferentes
tipos de expresses musicais, reconhece inmeras melodias e tambm faz uso disso
nas brincadeiras, naturalmente.
Cantando e recitando versos, a criana compreende a estrutura da lngua materna, e aprende a reconhecer o significado das nuanas na sonoridade das palavras. Aprende que a entonao pode mudar o sentido e que o sentido importante na comunicao (Maffioletti, 2004, p. 38).
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Ento, podemos dizer que a criana capaz de construir sua prpria cultura
musical a partir das vivncias e experincias significativas que tenha vivido, alm da
natureza criativa e da necessidade de comunicao que prpria da criana.
Fatalmente, por culpa do processo de globalizao e desculturizao, as
brincadeiras mais antigas, ricas em folclore popular, as cantigas de tradio oral e os
contos e lendas vo deixando de existir para dar espao aos modelos de
brincadeiras e msicas importados, que pouco tem a ver com a cultura brasileira.
Observa-se, no entanto, que as crianas jamais pararam de cantar, apenas cantam
outras coisas (Maffioletti, 1992, p. 11). Inclui-se a todo o tipo de experincia musical
que a criana tem contato: os sucessos do rdio e da televiso, a msica tocada na
escola, as suas improvisaes e tambm canes folclricas. Segundo Maffioletti
(1992), a atividade folclrica ainda um fator de identidade entre as crianas, que
constatamos quando elas esto agindo espontaneamente. A necessidade de se
expressar continua; mudam as letras, variam os movimentos e encenaes, mas o
que as crianas fazem hoje, muito se parece com o que outrora faziam (Maffioletti,
1992, p. 11). Mais um motivo para prestarmos mais ateno nas manifestaes
espontneas das crianas, ou seja, nas suas brincadeiras.
2.2 Que caractersticas possuem as brincadeiras cantadas?
As brincadeiras cantadas fazem parte das brincadeiras tradicionais da
infncia. Geralmente realizadas entre duas ou mais crianas, essas brincadeiras
podem conter melodias, versos, canes folclricas, parlendas, improvisos, ritmos
feitos com o corpo, gestos, etc. So diversas as maneiras de se brincar com a
msica, podendo esta assumir diversos papis dentro da brincadeira, sendo por
vezes o elemento principal, por vezes no. Pode ter papel determinante na
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realizao de uma brincadeira, quando a letra dita suas regras, determinando uma
ao; como pode no influenciar nas suas aes.
Estas brincadeiras so, geralmente, de tradio oral e de carter folclrico,
havendo ento variaes de acordo com o contexto em que se encontra, j que, de
acordo com Brito (2003 p. 94), cada regio do nosso pas tem suas prprias
tradies (...), com caractersticas e significados legtimos.
Das brincadeiras cantadas mais comuns, podemos citar jogos de mos, de
copos, brincos, parlendas, adivinhas, acalantos, rimas, trava-lnguas e brincadeiras
de roda, que, de acordo com Maffioletti (1992), figura entre os brinquedos cantados
mais difundidos entre as crianas.
A relao ldica com a msica faz parte da vida da criana desde a mais
tenra infncia, considerando que os acalantos e canes de ninar tambm fazem
parte desse universo sonoro infantil. A cantiga de bero, o suave embalo e
aconchego nos braos das mes ou amas carinhosas, foi sempre, em todos os
povos, o primeiro gesto de solidariedade ao recm-nascido. (Melo apud Brito, 2003,
p. 97). Os brincos e parlendas so as brincadeiras rtmicas que, junto com os
acalantos, costumam ser as primeiras canes apresentadas para os bebs e
crianas pequenas. Brito faz uma diferenciao entre as duas brincadeiras,
explicando que as parlendas, geralmente, possuem rima sem msica, enquanto que
os brincos so cantados, mas com poucos sons (Brito, 2003 p 101). Nely Alves de
Almeida, no caderno Folclore Brasileiro Gois (1999), faz uma classificao
interessante sobre as parlendas:
Significam palavreado, palavrrio, e a cujo ramo pertencem as trava-lnguas, os brincos e as frmulas de escolha. So rimas infantis, imperfeitas, divertem e ajudam, muitas vezes, a memorizar nomes ou nmeros. Embora no tenham msica, as parlendas, em sua arrumao de palavras, oferecem a possibilidade de obedecer a um ritmo que vem
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justamente das slabas, numa espcie de metrificao (Almeida, 1999, p. 13-14).
Quanto aos brincos, Almeida comenta que trazem melodia de voz materna e
recordaes de infinita e ingnua alegria. Ao compararmos com a definio feita por
Brito, fica reforada a idia de que os brincos e parlendas fazem parte do repertrio
da criana pequena, e geralmente so aprendidas atravs de um adulto prximo.
Lydia Hortlio tambm coloca os brincos e parlendas como os primeiros gestos da
meldica infantil (Hortlio apud Brito, 2003).
Existem brincadeiras com msica cujo carter mais parecido com o do jogo,
nas quais as crianas desafiam uma(s) (s) outra(s). Aqui podemos citar as
brincadeiras onde existir um ou mais vencedores; tambm aquelas que podem ser
usadas como ritual de seleo para uma outra brincadeira, chamadas de frmulas
de escolha, que so preliminares para alguns jogos. Este ltimo caso, Adriana
Friedmann (2004) comenta que so ao mesmo tempo um jogo em si, que implica a
escolha para incluir ou excluir os companheiros dos grupos. Podem ter dilogos ou
monlogos, a partir dos quais as crianas, num tom ritmado, permanecem atentas
chance de serem escolhidas (Friedmann, 2004, p.19). claro que essas mesmas
brincadeiras podem ser realizadas com o fim nelas mesmas, sem necessariamente
ser preliminar para outra brincadeira; como tambm existem diversas outras
frmulas de escolha que no so cantadas.
Podemos relacionar o carter dos jogos e outras brincadeiras cantadas com o
que apresentou Volpato (2002), citando Huizinga, sobre os jogos infantis:
- uma atividade voluntria e prazerosa - as crianas brincam porque gostam
de brincar e o prazer por ele provocado o transforma numa necessidade;
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- possui carter no srio - no no sentido de julgamento de valor, mas sim ao
estado de esprito de quem est brincando, sendo que a brincadeira pode ser
bastante sria, j que a criana, quando brinca, faz de forma bastante
compenetrada (Kishimoto apud Volpato, 2002, p85);
- uma atividade livre, com liberdade de ao se imposta deixa de ser jogo.
O que importa para a criana o processo em si de brincar, sem visar
resultado final, sem preocupaes pedaggicas;
- h uma separao da vida cotidiana evaso da vida real para uma
atmosfera temporria de atividade com orientao prpria. A criana atua no
real, mas a partir de um distanciamento do prprio real (Fantin apud Volpato,
2002, p86);
- limitao do tempo e do espao o jogo possui um caminho e um sentido
prprio;
- existncia de regras;
- carter fictcio.
Existem tambm as brincadeiras cantadas que so puramente brincadeiras, sem
inteno competitiva como, por exemplo, muitas das rodas, que, segundo Renata
Meirelles, educadora e criadora do projeto BIRA,
ocupam um espao muito importante no repertrio ldico popular brasileiro. Fazem parte da chamadas brincadeiras tradicionais que, passadas de pai para filho, carregam fortes traos culturais caractersticos da regio de origem (Meirelles, 2004)
Encontramos muitas definies acerca das brincadeiras de roda, cantigas de
roda e cirandas. No projeto Canes do Brasil, Paulo Tatit e Sandra Peres
registraram um exemplo de brincadeira de roda, com a msica Igrejinha, no estado
do Tocantins.
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Os brinquedos de roda existem h muito tempo. As pessoas, adultos e crianas, brincam e cantam em roda de muitos jeitos: rodas com gente ao centro, rodas s em roda, roda aos pares, duas rodas, uma de dentro, outra de fora e at brincadeiras que no tm roda que algumas pessoas as chamam de brinquedos de roda (Peres, Tatit, 2002)
Adriana Friedmann classifica as brincadeiras de roda como jogos nos quais
as crianas, ao som de uma msica, cantiga ou rima, viram, mexem-se, falam e
representam. No ritmo das cantigas, dilogos e aes, as crianas giram em rodas
(Friedmann, 2004 p. 125). Sobre as cantigas de roda, Maffioletti diz :
As cantigas de roda so canes utilizadas em brincadeiras de roda cantadas, realizadas como forma de recreao por adultos ou crianas. Sua formao clssica consiste em formar uma roda de mos dadas, com o rosto voltado para o centro, movimentando-se para a direita ou para a esquerda, em andamento eleito pelo grupo. A roda figura entre os brinquedos cantados mais difundidos entre as crianas, embora a formao em fileiras ou pares tambm seja praticada. (Maffioletti, 1992 p. 15)
Tambm encontradas com o nome de rondas, as brincadeiras de roda so
populares em todo o Brasil, e como todo tipo de brincadeira tradicional, como cita
Meirelles, recebe influncias culturais de acordo com a regio e o contexto em que
se encontra. Alguns autores associam tambm as diferentes formas de se brincar de
roda com influncias estrangeiras, como vemos no Referencial Curricular Nacional
para a educao Infantil: as rondas ou brincadeiras de roda integram poesia,
msica e dana. No Brasil receberam influncias de vrias culturas, especialmente
da lusitana, africana, amerndia, espanhola e francesa (BRASIL, 1998, p. 71).
Sobre isso, Maffioletti explica que:
Muitas cantigas conservam resqucios de sua origem portuguesa, francesa ou espanhola. Fragmentos de romances, histrias, poesias, quadrinhos e relatos do cotidiano foram incorporados ao repertrio infantil e, devidamente aculturados, passaram a representar o folclore tipicamente brasileiro. De tanto ouvir e repetir os ritmos caractersticos destas rodas cantadas, as crianas vo assimilando e marcando com traos regionais a
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sua musicalidade e a produo musical de sua regio ou pas (Maffioletti, 1992, p. 15).
Nos jogos de mos, percebemos caractersticas bastante singulares. So
marcados pela mistura de ritmos, gestos e canes ou versos, executados em forma
de um jogo que envolve bastante troca com o outro, pois uma brincadeira
realizada necessariamente por duas crianas ou mais.
2.3 Sobre os jogos de mos
Sobre os jogos de mos, tambm chamados de brincadeiras de mos, temos
como referncia o bonito trabalho de Violeta Hemsy de Gainza, intitulado Juegos de
Manos 75 rimas e canciones tradicionales com manos y otros gestos.
O jogo com mos, mmicas e outros gestos se executam geralmente a partir de uma rima ou de uma cano. Em alguns casos, constitui um aspecto inerente cano, tendo sido originado de maneira simultnea. Outras vezes, os gestos so agregados pelas prprias crianas a certas canes tradicionais (Gainza, 1996, p. 13).
As crianas executam com entusiasmo na rua, no recreio escolar, em todo
lugar. Geralmente realizados em pares, os jogos de mos tambm acontecem em
roda ou em formaes especficas - existem alguns que so criados especificamente
para serem realizados em par e outros para quatro crianas. Certos jogos incluem
saltos no lugar, com diferentes formas de ps, giros com todo o corpo e tambm
alguns breves deslocamentos. (Gainza, 1996, p. 15)
Gainza conta ainda que os jogos de mos e similares contendo canes e
rimas possuem carter universal, aparecendo em quase todos os pases e culturas
e apresentando, em alguns casos, caractersticas assombrosamente similares
porque respondem a certas necessidades funcionais comuns a todas as pessoas
(Gainza, 1996, p. 9). De acordo com a autora, a faixa etria das crianas que
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praticam jogos de mos muito relativa. mais comum entre crianas de cinco a
dez anos, porm em muitos casos essa prtica pode se estender a crianas bem
maiores de dez anos, que desenvolvem gestos cada vez mais rpidos e
complicados.
Gainza (1996) relaciona algumas caractersticas prprias dos jogos de mos:
- a sincronia entre o gesto e a palavra;
- o realismo ou o cmico da mmica e das onomatopias;
- os desafios de coordenao motora;
- a velocidade rpida ou crescente;
- a finalizao: bela, engraada ou inesperada.
A estrutura da maioria dos jogos de mos obedece a alguns padres. Gainza
(1996) conta que existem introdues que podem ser comuns a vrios jogos. Nas
finalizaes percebemos fatos inesperados ou engraados, e tambm so comuns
os sorteios, quando as crianas mostram os dedos num nmero qualquer para tirar
a sorte. Tambm se repete em vrios jogos o recurso de tirar rapidamente a mo ao
final dos versos recitados, para evitar ser palmeado pelo companheiro e, deste
modo, perder a partida e sair do jogo (Gainza, 1996, p. 15). A autora tambm fala
de frmulas pr-estabelecidas em relao a posies dos ps (saltos com pernas
abertas e cruzadas); alm do costume de somar vrios jogos independentes,
formando assim um pot pourri.
Sobre os textos utilizados nas canes ou versos recitados pelas crianas nos
jogos de mos, Gainza (1996) faz um levantamento de alguns temas encontrados
nestas brincadeiras:
- personagens de estrias infantis;
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- personagens humorsticos;
- personalidades do mundo do entretenimento;
- personalidades do mundo da poltica local;
- modismos;
- ciclo da vida e da morte, desmistificados atravs do humor;
- o desconhecido e o terror, como o diabo;
- transgresses, vistas atravs da tica infantil - como namorar, beijar, dar um
tapa no bumbum do colega;
- produtos do mundo do consumo;
- o extico, representado pela China e pelo Japo;
- fantasia pura - o sentido lingstico submetido rima e ao som das palavras;
- o inslito, a aventura.
A autora explica que muitas vezes o texto consiste em palavras sem sentido
ou um idioma inventado. Tambm encontramos palavras, frases e versos que nos
remetem a restos de um ingls passado de boca em boca (Gainza, 1996, p. 16).
Sobre a parte gestual, Gainza explica que o repertrio muito grande.
Registrou em seu trabalho mais de quarenta gestos, incluindo as diferentes
combinaes feitas com as mos, dedos, ps (saltos e giros), cabea, cabelos,
ombros, etc. Os gestos sonoros que prope Orff em seu Schulwerk, comparados
com esse riqussimo arsenal estritamente tradicional, resultam pobres e
estereotipados (Gainza, 1996, p. 18). A autora tambm conta que a maior parte das
canes e rimas so bem movidas ou aceleradas progressivamente e se encontram
em compasso de dois ou quatro tempos, muitas vezes podendo ser acompanhadas
por gestos de trs tempos. Os jogos mais modernos apresentam ritmo de swing e
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a combinao dos gestos pode produzir um efeito de contratempo sonoro (Gainza,
1996, p. 18).
Sobre a transmisso dos jogos, Gainza explica que as crianas aprendem de
maneira direta, por imitao e repetio a criana aprende na prpria ao,
praticando com outra que j sabe. Simplesmente imitam e repetem o modelo at
que os movimentos e as palavras se ajustem naturalmente (Gainza, 1996, p. 8).
Crianas de uma escola aprendem jogos praticados por crianas de outra escola, e
assim introduzem o novo jogo em sua escola. As crianas, ente elas, sabem ensinar
e aprender com surpreendente eficcia (Gainza, 1996, p. 19). A exatido dos
gestos e palavras depender de sua capacidade de memria, porm nenhuma
criana tem problemas com isso, pois se lhe faltar alguma parte ou detalhes de um
jogo, ela o completa sua maneira. A autora conta que para os adultos, os jogos de
mos geralmente so muito difceis de se realizar, como se fossem um emaranhado
de dificuldades. Isso se d pela maneira analtica de aprendizagem caracterstica
dos adultos, que para estes casos no rende bons frutos. A observao prvia de
partes separadas de um jogo s provoca confuso e perda de tempo.
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Brincar de roda, ciranda, pular corda, amarelinha, etc., so maneiras de estabelecer
contato consigo prprio e com o outro, de se sentir nico e, ao mesmo tempo, parte
de um grupo, e de trabalhar com as estruturas e formas musicais que se apresentam
em cada cano e em cada brinquedo (BRASIL, 1998, p.71).
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2.4 Contribuies das brincadeiras cantadas na formao da criana
Da mesma forma que as outras brincadeiras, as brincadeiras cantadas
tambm so valorizadas por seu papel na formao da criana, satisfazendo
necessidades afetivas, intelectuais, morais, sociais ou de expresso religiosa. As
crianas brincam com as canes e atravs delas entram no universo dos cdigos
sociais (Maffioletti, 2004, p. 36).
Possuem grande valor como mediadoras das relaes coletivas, envolvendo
o sentimento de estar-com, favorecendo aprendizagens de conceitos sociais e as
construes de sentimentos afetivos, tanto no pequeno grupo familiar como nas
experincias coletivas com outras crianas. Maffioletti (2004) cita o exemplo da roda
cantada, que para ela um espao privilegiado onde a criana consegue criar para
si o espao do brinquedo coletivo, cuja rea no est dentro da criana, nem fora
no mundo compartilhado, mas num viver intermedirio, onde os smbolos tm sua
origem e as aprendizagens sociais tomam significado (Maffioletti, 2004). A autora
valoriza tambm a brincadeira de roda como um espao coletivo onde a criana
sente-se nica e ao mesmo tempo parte do grupo. Nas cantigas de roda ela ora o
centro, ora o coro, apresentando o estado onde se fundem a independncia e a
necessidade do outro (Maffioletti, 1992, p. 9). A autora tambm fala que as
brincadeiras cantadas ajudam muito no processo de integrao da criana com um
grupo, diminuindo o tempo de adaptao social, possibilitando interaes em outros
nveis. O canto em grupo facilita as trocas sociais, aproximando as pessoas.
Os textos e as estruturas das cantigas e versos utilizados nas brincadeiras
cantadas possibilitam uma vivncia muito rica da lngua materna, de maneira
diferenciada da linguagem corrente.
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A questo espacial tambm bastante trabalhada, principalmente nas rodas.
De acordo com Maffioletti (1992), a formao em crculo faz parte das primeiras
experincias coletivas de explorao dos espaos. Os limites da roda funcionam
como fronteiras ou alicerces das noes que desenvolvem a partir da distino de
dentro e fora, pertencer ou no pertencer, ser ou no ser (Maffioletti, 1992, p. 17).
Enquanto gira e canta, organiza seus movimentos no espao, promove o desenvolvimento de estruturas temporais sem as quais no poderia sequer expressar-se de forma coerente. Deslocamento de acentos, seqncias rtmicas de variada composio completam e enriquecem suas experincias. (Maffioletti, 1996, p. 17)
Mais especificamente sobre os jogos de mos, Gainza (1996) explica que
atravs da sua prtica, as crianas alm de se divertir adquirem uma srie de
habilidades motoras, lingsticas e mentais, alm dos aspectos afetivos. A autora
valoriza tambm a contribuio dos jogos de mos no processo de musicalizao:
as crianas cantam, movem-se, incorporam padres musicais, fortalecem seu
sentido rtmico e o pulso musical (Gainza, 1996, p. 14). Os jogos de mos
desmentem as dificuldades de coordenao das crianas muitas vezes levantadas
em algumas prticas pedaggicas, explica a autora.
No conceber as brincadeiras cantadas como importantes experincias para
a formao completa da criana perder uma riqussima oportunidade de
compreender mais profundamente a criana, proporcionando a ela que se
desenvolva em sua integridade. Deixar de cantar ou cantar pouco as suas canes
tem como resultado o enfraquecimento dos traos culturais e a conseqente
fragilidade nos padres de identidade social (Maffioletti, 1992, p. 15).
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2.5 As crianas ainda brincam com msica?
Existe certa polmica sobre o assunto. Alguns autores dizem que as crianas
das grandes cidades esto cada vez mais afastadas das canes e brincadeiras
tradicionais infantis. Outros falam que as crianas continuam se expressando de
maneira muito parecida com o que se fazia antigamente, porm acompanhando as
mudanas sociais que vm acontecendo com o passar dos tempos. De qualquer
forma, impossvel fazer algum tipo de classificao generalizada, j que estamos
falando de um pas to diversificado em cultura como o Brasil.
Muitas brincadeiras possuem fortes traos folclricos e culturais, que por
serem de tradio oral, vo se modificando conforme os diferentes contextos
histricos e culturais, mas sem perder o carter popular. Existem tambm aquelas
brincadeiras que se modernizaram de tal maneira, atravs da influncia dos meios
de comunicao, que acabam tendo poucas caractersticas nacionais. Afinal de
contas, natural que a criana aprenda a se interessar pelo que os outros se
interessam, observando aquilo que percebe como muito valorizado sua volta
(Maffioletti, 1992).
Observa-se, no entanto, que as crianas jamais pararam de cantar, apenas cantam outras coisas. Nestas outras coisas esto includas as msicas de sucesso de rdio e televiso, improvisaes e canes folclricas. (...), canes populares so, adaptadas, reinventadas, para serem assimiladas como brincadeira, mesclando-se no folclore j existente (Maffioletti, 1992, p11).
Esse trecho retirado do Referencial Curricular Nacional para a Educao
Infantil explica que:
Em todas as culturas as crianas brincam com a msica. Jogos e brinquedos musicais so transmitidos por tradio oral, persistindo nas sociedades urbanas, nas quais a fora da cultura de massas muito intensa, pois so fonte de vivncias e desenvolvimento expressivo e musical. Envolvendo o gesto, o movimento, o canto, a dana e o faz de
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conta, esses jogos e brincadeiras so legtimas expresses da infncia. (BRASIL, 1998, p. 71).
claro que as brincadeiras realizadas nos grandes centros so diferentes
daquelas realizadas em lugares menores, por exemplo. Mesmo dentro de uma
mesma cidade encontramos variaes na msica e na maneira de brincar. De
acordo com Renata Meirelles, pesquisadora e criadora do Projeto BIRA
Brincadeiras Infantis da Regio Amaznica, brincadeiras tradicionais como as rodas
esto cada vez mais raras nos grandes centros urbanos. Maffioletti (1992) coloca
que a rotina das crianas, hoje, muito diferente de tempos atrs. Os modelos so
outros os da televiso e a falta de tempo livre e espao acaba por diminuir as
brincadeiras coletivas poucas tm somente o colgio como ocupao diria, alm
das mudanas sociais que impossibilitam a expresso das mesmas coisas que
foram expressadas tempos atrs. (Maffioletti, 1992, p. 11).
Meirelles (2004) tambm afirma que falta para a criana urbana um espao
real de brincadeira, onde ela possa se expressar com seus amigos. Na sua opinio,
o modo de vida moderno acarreta em mudanas na rotina infantil, sendo a criana
constantemente treinada para encarar a vida adulta, sofrendo um bombardeio de
informaes. As brincadeiras tradicionais, pelo contrrio, tm o propsito nico de
brincar, permitindo a explorao e o prazer to caractersticos da infncia (Meirelles,
2004). J em regies mais afastadas, pequenos vilarejos e cidades de interior, a
cultura tradicional parece estar mais presente no cotidiano das pessoas em geral,
refletindo tambm nas manifestaes infantis, onde as brincadeiras envolvem
msicas, personagens tpicos e costumes da regio. Atravs da sua pesquisa em
vilarejos da Amaznia, Meirelles constatou que as brincadeiras de roda e outras do
gnero constituem a principal atividade infantil. A autora conta que em meio s
casas de madeira enfileiradas sobre as passarelas de palafitas, moram as famlias
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cujos valores morais, intimamente ligados aos recursos naturais estabelecem um
ritmo de vida determinado pela natureza.
As atividades infantis no escapam influncia dessa organizao social, e guardam fortes traos dos costumes locais. (...) Por serem transmitidas dessa forma, as brincadeiras tm um forte sotaque regional, como o caso das cantigas de roda, recheadas de nomes de frutas e animais da regio, alm de referncias a aspectos da vida cotidiana pedir a beno av e dormir na rede, por exemplo (Meirelles, 2004).
Sobre os jogos de mos, Gainza (1996) explica que, alm de continuarem
sendo bastante praticados por crianas em praticamente todos os pases, vm se
desenvolvendo conforme os avanos dos modelos de comportamento e
comunicao do mundo da tecnologia. Os jogos de mos que realizam as crianas
de hoje so incrivelmente mais ricos e complicados do que os aprendidos em nossa
infncia (Gainza, 1996, p. 9). A autora comprova, atravs de sua pesquisa, que as
crianas, alm de praticar e difundir essas brincadeiras, so tambm produtoras
ativssimas dos mesmos:
comeam inventando as partes que no se lembram de um determinado jogo seja no texto, na melodia ou nos gestos para continuar propondo arranjos ou variaes facilitadas para seus irmos menores ou complicando certa verso oficial para aumentar a diverso no jogo com seus pares (Gainza, 1996, p. 20).
Pelas prprias caractersticas dos jogos de mos s necessitam da voz e do
corpo para serem realizados, estas brincadeiras so feitas em qualquer lugar.
Gainza (1996) conta que, em entrevistas realizadas com crianas, percebeu que os
jogos aparecem em situaes diferentes. Nas escolas, nas ruas, como pura diverso
ou desafio e tambm para no se aborrecer quando no podem jogar com nada -
dentro de um carro, por exemplo (Gainza, 1996, p. 23). Como explica Gabriel
Vanasco (apud Gainza, 1996, p. 23), de oito anos de idade:
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So jogos simples, sem materiais nem nada fabricado por uma fbrica. S uma melodia. Qualquer cano se pode brincar com mos... lindo jogar assim aos 8 9 anos (ou aos 4 5 anos). Durante uma longa viagem de nibus, as crianas inventam sons para se divertir...
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3 COMO ACONTECEU A PESQUISA
Os dados para a realizao deste trabalho foram coletados atravs de
observaes e filmagens. Para definir as escolas a serem pesquisadas, foram feitas
observaes dos recreios e foram realizadas conversas informais com professores
das escolas. As observaes foram do tipo participantes (Estrela, 1994) dentro das
salas de aula, quando foram registradas imagens atravs de filmadora.
3.1 Seleo das escolas a serem pesquisadas
Para definio das escolas a serem pesquisadas foram realizadas observaes e
conversas informais com professoras e coordenadoras pedaggicas. Foi preciso
realizar alguns passos para a definio de quais escolas entrariam nesta pesquisa.
Achei que seria interessante a participao de realidades diferentes escola pblica
e escola particular, alm de localidades distintas dentro de Florianpolis, para
verificar se h existncia de rotinas e comportamentos diferentes, de acordo com
essas realidades. Por isso, visitei escolas estaduais, municipais e particulares.
Segue abaixo a relao das escolas visitadas durante o perodo de maro a maio de
2004:
- Escola de Educao Bsica Leonor de Barros, no bairro Itacorubi;
- Associao Pedaggica Praia do Riso - APPR, em Coqueiros;
- cola de Educao Bsica Prefeito Accio Garibaldi So Tiago, na Barra da
Lagoa;
- cola de Educao Bsica Henrique Veras, na Lagoa da Conceio;
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- Escola Sarapiqu, no Itacorubi;
- Escola Waldorf Anab, no Itacorubi;
- Escola Municipal Vitor Miguel de Souza, no Itacorubi;
- Escola Municipal Padre Alfredo Horn, no Crrego Grande.
Inicialmente foram feitas conversas informais com a direo e/ou
coordenao das escolas, onde me apresentei como formanda do curso de
licenciatura, expliquei o tipo de pesquisa, como esta seria feita e onde seria utilizada.
Tambm entreguei uma carta assinada pela orientadora do trabalho (anexo 1),
Viviane Beineke, confirmando que a pesquisa se tratava de um trabalho de
concluso de curso, e que para isso seria necessria a realizao de filmagens das
crianas dentro das escolas.
A idia inicial era conseguir informaes suficientes atravs dos prprios
professores/ coordenadores sobre a existncia e periodicidade de jogos de mos ou
outros tipos de brincadeiras cantadas presentes nos ptios das escolas, durante os
recreios. Dessa forma, eu j teria alguns dados para me apoiar ao fazer a seleo.
Porm, as informaes a esse respeito no foram muito consistentes, pois a maioria
dos professores no assistia aos recreios das crianas, sendo poucos os que
conheciam o recreio das crianas. Assim, me foi concedida permisso para observar
os recreios matutinos e vespertinos das escolas, verificando a ocorrncia dessas
brincadeiras.
Organizei o tempo de observao para que conseguisse acompanhar pelo
menos um recreio em cada perodo nas escolas que eu havia selecionado para
visita. Foi um processo demorado, pois na maioria das escolas o horrio do recreio
o mesmo, ento ficava difcil de acompanhar mais de uma escola por perodo. Mas
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isso foi interessante, pois assim consegui acompanhar todo o processo do recreio
desde o incio, quando as crianas vo para o ptio, lancham, caminham pelos
espaos da escola, se encontram nos seus grupos e brincam; at o final, quando
aos poucos, as crianas retornam s suas salas de aula. A minha inteno era
conseguir um repertrio de brincadeiras realizadas durante os recreios, de maneira
espontnea. Feitas as observaes, constatei que as brincadeiras cantadas,
naquelas escolas, no estavam muito presentes na rotina das crianas naquele
momento, o que me deixou um tanto angustiada. Eram poucas as ocorrncias
dessas brincadeiras nos recreios, no havendo freqncia suficiente para realizar a
pesquisa no tempo disponvel, pois elas aconteciam esporadicamente. De acordo
com algumas professoras e coordenadoras das escolas, os jogos de mos
apareciam em pocas isoladas, alternando fases de maior ou menor grau de
interesse por parte das crianas. Isso tambm acontece com outros tipos de
brincadeiras, que vem e voltam na rotina das crianas, como febres do momento.
Em uma das escolas visitadas durante este processo de seleo, a escola do
Crrego Grande, a informao era que as meninas costumavam brincar mais com
jogos de mos durante o inverno, quando se sentavam ao sol para aquecer-se.
Analisando a situao, percebi que a minha primeira idia seria invivel, mas
como eu no pretendia abandonar o trabalho, optei por realizar a pesquisa de
maneira a criar um ambiente aonde as brincadeiras viessem tona na memria das
crianas, ao invs de esperar que brotassem espontaneamente. No havendo
nenhum tipo de influncia sobre as brincadeiras apresentadas pelas crianas, a
pesquisa continuaria sendo verdadeira. Assim, selecionei duas escolas aps essa
primeira observao nos recreios, que foram:
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- Escola Municipal Vitor Miguel de Souza, no bairro Itacorubi, por haver grande
interesse por parte da escola em participar do trabalho, alm de confirmar
presena de jogos de mos nos recreios;
- Associao Pedaggica Praia do Riso (APPR), no bairro de Coqueiros, pela
receptividade e grande vontade em ajudar na realizao da pesquisa, pelo perfil
da escola o qual valoriza o brincar e as artes e pela presena de brincadeiras
cantadas na escola;
3.2 Como foi o encontro e a negociao com as escolas selecionadas
3.2.1 Escola Bsica Vitor Miguel de Souza
A Escola Vitor Miguel de Souza uma escola pblica da rede municipal de
Florianpolis e atende crianas de classe mdia a baixa.
J na primeira visita, houve grande interesse por parte da coordenao da
escola para que se fizesse um trabalho em conjunto com a turma da 2. srie, pois
havia certa compatibilidade entre o foco da pesquisa e o projeto para aquele
semestre da professora da turma, Maria de Lourdes. No primeiro encontro com a
professora, trocamos informaes sobre os nossos trabalhos - eu falei sobre a minha
pesquisa e ela me apresentou seu projeto, que consistia no resgate e valorizao de
brincadeiras e brinquedos de antigamente, j quase que esquecidos das crianas,
como parlendas, adivinhas, contos do folclore brasileiro, pies, pipas e muitos
outros. Como o assunto tambm era de seu interesse, a professora Lourdes ficou
bastante entusiasmada em incluir um captulo sobre brincadeiras cantadas, cantigas
de roda e jogos de mos em seu projeto, fazendo com que a coleta de dados para a
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minha pesquisa viesse a fazer parte dos contedos propostos a serem trabalhados
naquele perodo. Aps uma negociao de horrios e atividades, ficou estabelecido
que o trabalho seria melhor realizado se feito na prpria sala de aula devidamente
organizada, para que no houvesse disperso. A turma ficaria totalmente disponvel
para o trabalho. Em contrapartida, foi prometida uma aula de msica para a turma,
em outra data a combinar.
Era importante explicar para as crianas a natureza do trabalho, como ele
seria realizado e qual a sua finalidade, para que as crianas se sentissem vontade
em participar. Assim, numa data anterior data prevista para a pesquisa, foi feito um
encontro para conhecer as crianas da turma da 2. srie matutina da E. M. Vitor
Miguel de Souza.
3.2.2 Associao Pedaggica Praia do Riso - APPR
A APPR uma escola particular com excelentes instalaes fsicas, situada
em bairro nobre de Florianpolis e atende crianas de classe mdia a alta.
Esta escola tornou-se candidata a ser uma das escolas pesquisadas durante
uma conversa informal com a sua coordenadora pedaggica, professora Cludia,
que mostrou-se muito interessada na proposta do trabalho, ficando disposio
para qualquer necessidade. Ela me sugeriu uma visita na reunio pedaggica
mensal da escola, onde estariam presentes todos os professores, de forma que seria
uma boa oportunidade para conversar sobre o trabalho.
Realmente foi muito importante essa interao com o corpo docente da
escola, no sentido de conhecer a turma cujo perfil fosse mais adequado para
realizao da proposta. Em certo momento da reunio pedaggica, me apresentei e
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expliquei a todos os professores da escola um pouco do meu trabalho e o que eu
pretendia com a pesquisa, de forma que duas professoras se adiantaram, dizendo
que seria interessante realizar o trabalho com as suas turmas. Assim, o trabalho
ficou marcado com as professoras de 3. e 4. sries (vespertino), j com uma data
para conhecer as turmas e explicar sobre o trabalho (28 de abril de 2004) e uma
previso para as filmagens, que seriam nos dias 5 de maio - para a turma de 4.
srie e 11 de maio - para a 3. srie.
3.3 Conhecendo as crianas
3.3.1 Escola Municipal Vitor Miguel de Souza
Na data combinada para o primeiro encontro com a turma, compareci na
escola aps o recreio das crianas. O grupo era composto por vinte e quatro alunos,
na maioria entre oito e nove anos e alguns j com dez anos de idade. Aps
prazerosas conversa na sala de aula, mostraram-se muito receptivos e interessados
no trabalho proposto. Expliquei tambm que, se houvesse interesse, faramos juntos
uma atividade musical na escola, onde eu levaria alguns instrumentos e propostas
de msicas para tocarmos juntos. Todas as crianas ficaram muito interessadas,
aceitando a idia na mesma hora. Um garoto me perguntou se eu levaria uma
guitarra, outros dois me contaram que estavam na aula de msica do NEM Ncleo
de Educao Musical da UDESC e sabiam tocar a msica do Peixinho (Peixinhos
do Mar, domnio pblico). Combinamos ento que faramos as gravaes numa data
e a aula de msica em outra.
Foi entregue a cada criana uma carta onde pedia a autorizao dos pais
para que ela pudesse realizar a gravao (anexo 2). Somente com a carta assinada
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a criana poderia participar da atividade. Dessa forma, ficou marcada para 05 de
maio de 2004 a data para realizao das gravaes.
3.3.2 Associao Pedaggica Praia do Riso - APPR
Na data marcada, fui at a escola conhecer as crianas das turmas de 3. e
4. sries. Cheguei no horrio do recreio e esperei at que os alunos voltassem para
suas salas, aproveitando para observar as brincadeiras que aconteciam durante o
recreio. Algumas crianas vieram falar comigo, pois as turmas j sabiam que haveria
visita naquele dia. Comecei pelo grupo de vinte crianas da 3. srie - que
estavam na faixa dos nove anos de idade, explicando o trabalho e como ele seria
feito. Eu considerava sempre muito importante esse primeiro contato com as
crianas, tanto para nos conhecermos um pouquinho, como tambm para eu ter uma
noo do grau de interesse das crianas em me mostrar o que sabiam sobre jogos
de mos. Perguntei aos alunos se conheciam alguma brincadeira de mos e se
poderiam me ajudar na pesquisa. A maioria das meninas mostrou interesse, dizendo
que conheciam vrias brincadeiras e que concordavam em mostrar o que sabiam.
Por parte dos garotos, no houve interesse, pois achavam que aquilo era coisa de
menina. Sobre a aula de msica, toda a turma gostou da idia e quis participar.
Entreguei a carta para autorizao dos pais (anexo 2) e combinei a data para
gravao.
O grupo da 4. srie, com quinze alunos de dez anos de idade, me pareceu
mais disperso, mas algumas meninas gostaram da idia e fizeram questo de me
mostrar na hora alguns jogos de mos que lembravam. Essa segunda turma, neste
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primeiro contato, teve uma atitude mais desafiadora, no se envolvendo muito com a
idia e nem todas as crianas optaram por participar do trabalho.
3.4 Cmera, ao! Chegou o dia da gravao
3.4.1 Escola Municipal Vitor Miguel de Souza
Na data combinada - 05 de maio de 2004, s 8:00h, chovia intensamente, de
forma que remarquei esse encontro para o dia 10 de maio. No seria conveniente
percorrer na chuva todo o trajeto at a sala de aula com os equipamentos para
filmagem, alm do que, segundo a professora Lourdes, os alunos costumavam faltar
bastante nos dias de chuva.
No dia 10 de maio, o tempo estava bom e a atividade pode ser realizada. Foi
combinado que as filmagens seriam feitas nos ltimos perodos, aps o recreio.
Cheguei na escola por volta das 10:00 h e me dirigi sala da 2. srie, junto com a
professora Lourdes. Os alunos foram entrando curiosos com o que ia acontecer.
Alguns j se sentiram vontade para falar comigo e vieram fazer perguntas ou
contar alguma coisa. Fui montando a filmadora no trip enquanto a professora da
classe conversava com as crianas e pedia que ficassem sentadas em seus lugares.
As carteiras estavam arrumadas em pequenos grupos de trs a quatro crianas.
Achamos que o melhor lugar para a filmadora seria no fundo da sala, de modo que
as crianas apresentassem os jogos de mos na parte da frente, perto do quadro
negro, onde havia mais espao. A filmadora foi algo que despertou muita
curiosidade entre as crianas. Toda a turma queria saber como funcionava, se
amontoando em volta da cmera na tentativa de dar uma espiadinha no visor.
Expliquei para toda a turma que seria necessrio muito cuidado com aquela
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filmadora e fiz um rodzio entre as crianas para que todas pudessem olhar um
pouquinho, matando a curiosidade. A minha relao com as crianas era muito boa
e elas me travavam com bastante respeito. Nesse sentido, no foi preciso chamar a
ateno em nenhum momento.
Deixei livre para as crianas se organizarem com as brincadeiras,
perguntando quem gostaria de comear. A turma parecia muito feliz com a situao,
todos querendo participar da gravao. Conversei com a turma, pedindo apenas
que, durante cada apresentao, o resto da turma fizesse silncio, pois todos os
sons produzidos na sala iriam aparecer na gravao. Duas garotas j se
organizaram para comear, realizando alguns ensaios antes de me mostrarem seus
jogos de mos. As brincadeiras foram sendo mostradas uma aps a outra, algumas
saram bem na primeira gravao e outras foram gravadas mais de uma vez por
motivos de erros das crianas ou quando a voz estava muito baixa. Algumas
crianas iam treinar no corredor, outras queriam aprender na hora alguma
brincadeira para poder participar, e alguns meninos adaptaram canes que
conheciam com algumas batidas de mos e assim se apresentaram. Uma das
brincadeiras, Adoleta, era conhecida de toda a turma, de modo que todos queriam
apresent-la. Combinei com as crianas que faramos aquele jogo por ltimo, com a
participao de todos numa grande roda no meio da sala. Neste dia, foram
apresentados oito jogos de mos.
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3.4.2 Associao Pedaggica Praia do Riso - APPR
3.4.2.1 Turma da 3. srie
Na data combinada, 11 de maio, cheguei na escola perto das 14:00h. as
crianas j sabiam da atividade, mas nem todas iriam participar. Achamos melhor
fazer as gravaes dentro da sala, pois havia barulho no ptio e as crianas
poderiam ficar desconcentradas. Aqueles que no tinham interesse foram
dispensados, ficando livres para brincar no ptio. Dos meninos, apenas um ficou na
sala, o restante saiu para brincar.
A professora da turma me contou que naquela semana as meninas
comearam a brincar mais com os jogos de mos no ptio, provavelmente treinando
para a gravao. Algumas crianas se interessaram em aprender mais brincadeiras,
mas os meninos no se entusiasmaram com a idia. Esta turma apresentou quatro
jogos de mos.
3.4.2.2 Turma da 4. srie
No dia 5 de maio, data marcada para realizar as filmagens com a turma de 4.
srie, compareci na escola por volta das 17 horas, horrio combinado. Neste dia o
trabalho no pde ser feito, pois a maioria das crianas no havia trazido a
autorizao dos pais para as filmagens. Marcamos ento para a semana seguinte,
dia 12 de maio, no mesmo horrio.
No dia 12 de maio, ento, a filmagem pde ser realizada. Resolvemos fazer o
trabalho no ptio, pois havia crianas que no queriam participar. Reuni as meninas
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que queriam mostrar as brincadeiras e fomos juntas at um canto do ptio. Ali elas
comearam a brincar com os jogos de mos, sem muita inibio. Algumas faziam
com mais entusiasmo, outras mais desinteressadas. Foram quatro brincadeiras
diferentes, todas feitas em duplas, as quais as prprias garotas iam organizando e
escolhendo. O trabalho com essa turma foi bem rpido, no teve muitas brincadeiras
e a dinmica de troca dos pares foi rpida. Nenhuma foi preciso gravar de novo.
Neste dia, aconteceu algo interessante: algumas garotas da 3. srie me
chamaram, contando que haviam lembrado de mais jogos de mos e que queriam
me mostrar. Assim, me dirigi sala da 3. srie e filmei mais trs brincadeiras.
3.5 Bnus: mais um encontro com as crianas da escola Vitor Miguel
No momento em que transcrevia os jogos de mos apresentados pelas
crianas da 2a. srie da escola Vitor Miguel, senti necessidade de realizar mais um
encontro para conferir algumas palavras de jogos que eu havia ficado com dvidas.
Eu no tinha idia que esse encontro poderia render mais jogos de mos! Assim, em
meados de setembro resolvi fazer nova visita escola na tentativa de encontrar as
garotas que haviam me ensinado aquelas brincadeiras.
Conversei com a coordenadora pedaggica da escola, explicando minha
situao. Falei que seria uma conversa rpida e que eu no queria tirar as crianas
da sala de aula, por isso aguardaria o horrio do recreio. A coordenadora fez
questo de chamar as garotas na sala, dizendo que talvez no recreio elas no
quisessem conversar.
As garotas ficaram muito felizes ao me ver e me acompanharam at o ptio,
onde sentamos no cho e eu comecei falar sobre minhas dvidas em alguns jogos
de mos. As crianas no s me esclareceram as dvidas, como tambm realizaram
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uma poro de jogos novos, que no haviam apresentado no dia da filmagem. Como
eu j havia adquirido certa habilidade em entender e escrever os jogos, consegui
passar rapidamente as brincadeiras novas para o papel, aumentando ento, o
repertrio de brincadeiras para o meu trabalho.
3.6 Transcrio e anlise dos jogos de mos
Aps a coleta de dados, o prximo passo foi fazer uma anlise dos jogos de
mos apresentados pelas crianas. Para isso, transcrevi todas as brincadeiras,
baseada no trabalho de Gainza (1996), que foi muito til e facilitou bastante essa
parte do trabalho, no sentido de me ajudar com uma grafia bem especfica para
representar os gestos contidos nos jogos de mos. A autora explica que na sua
pesquisa teve de elaborar uma maneira eficiente para registrar os jogos que ia
conhecendo. Ela conta que muitas vezes se encontrava em lugares onde no
dispunha de papel e caneta, ou ainda que havia pouco tempo para registrar um novo
jogo que aprendia. Por isso, conta que foi muito importante o trabalho de criao de
uma escrita prpria para os gestos dos jogos. So mais de quarenta smbolos
diferentes para representar os gestos realizados pelas crianas nas brincadeiras, de
forma que, para a escrita dos jogos de mos que eu coletei, no precisei me
preocupar com a criao de um cdigo prprio, pois a grande maioria Gainza (1996)
j havia criado, sendo que foram poucos os que no estavam contidos no seu
trabalho.
Depois de transcrever as brincadeiras, analisei a parte estrutural das canes
ou versos junto com a parte rtmica realizada com as mos; a forma das brincadeiras
e as combinaes e particularidades dos diferentes jogos.
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Achei importante realar as clulas dos padres de acompanhamento antes
de algumas partituras, para facilitar o entendimento do ritmo executado pelas mos,
j que muitas vezes este no est no mesmo compasso da parte falada ou cantada.
3.6.1 Cdigo dos gestos
A partir da notao musical desenvolvida por Gainza (1996) para escrever os
gestos dos jogos de mos, neste trabalho foram utilizados os cdigos relacionados
abaixo para as transcries das brincadeiras coletadas.
Legenda:
: bater palma.
: a mo direita, com a palma voltada para baixo, desce e bate na palma
esquerda do companheiro que est voltada para cima. Ao mesmo tempo, a mo
esquerda voltada para cima, sobe e bate na palme direita do companheiro que
est voltada para baixo.
: as duas palmas, paralelas e verticais com os dedos apontando para cima,
batem contra as palmas do companheiro.
: bater com as costas das mos, paralelas e verticais dedos apontando para
cima nas costas das mos do companheiro.
e : de mos dadas com o companheiro, balanar os braos para um lado
e para o outro.
: os dois polegares apontam para trs, por cima dos ombros.
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e : levar o polegar at boca, como se estivesse bebendo algo direito e
esquerdo.
: levar as duas mos na cabea, imitando as orelhas de burro.
fazer o gesto de escrever com uma caneta.
e : com as mos dadas com o companheiro, puxar-se de um lado para
outro, como se estivessem dando beijos no rosto.
d : a palma da mo direita bate na palma da mo direita do companheiro.
e : a palma da mo esquerda bate na palma da mo esquerda do companheiro.
: fazer uma volta completa, parando no mesmo lugar.
: com as duas palmas unidas dedos apontando para frente, bater nas
mos do companheiro (em posio idntica), indo para um lado e para o outro.
: com as duas palmas unidas dedos apontando para frente, encostar as costas
das mos nas costas das mos do companheiro (em posio idntica), formando
assim um conjunto.
: no mesmo conjunto descrito acima, bater uma palma com a mo que est livre
(direita), sem desencostar as costas das mos do companheiro.
e : mantendo a posio do conjunto, bater palmas com a mo direita na
mo direita do companheiro, acima e abaixo do conjunto.
: fazer um arco com o brao direito, subindo e descendo para ...
: dar uma palmada na coxa.
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: estalar os dedos.
: com a mo direita, bater na mo direita do companheiro.
: com as costas da mo direita, bater nas costas da mo direita do
companheiro.
: levar a mo direita no ombro esquerdo e a mo esquerda no ombro direito.
e : dar um salto para frente ou para trs.
: balanar os quadris.
: pisar com o p direito frente
: balanar os braos, imitando uma galinha
: com os dedos indicadores, puxar o canto dos olhos.
: girar as mos, uma atrs da outra.
: dar um salto, caindo com as pernas abertas.
: com as mos fechadas, bater nas mos do companheiro, como se estivessem
dando soquinhos.
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4 OS JOGOS DE MOS
4.1 Jogos apresentados por crianas da 2. srie da Escola Vitor Miguel
de Souza
4.1.1 Batom
O primeiro jogo de mos foi apresentado por duas garotas, Larissa e Brbara.
Resolvi chamar de Batom, que a chamada para a msica, mas no sei qual
realmente o nome deste jogo. A letra uma brincadeira que conta uma estria
engraada sobre uma velha que caiu e um velho que viu sua calcinha verde e
amarela.
A turma toda ficou em silncio, respeitando a apresentao das colegas. As
meninas realizaram a brincadeira com bastante desenvoltura nos gestos, mas
cantaram os versos em voz baixa. Pedi s outras crianas que ajudassem a cantar,
para que pudssemos ouvir melhor as canes. Alguns me responderam que aquela
eles no conheciam. Aps essa primeira apresentao, a turma ficou entusiasmada,
batendo palmas e vibrando com a performance das colegas.
A clula rtmica utilizada no acompanhamento de mos desta msica est
logo abaixo, sendo que esta repetida at o fim da brincadeira, quando as crianas
fazem um breque.
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Batom
Introduo 1 estrofe 2 estrofe Coda
Batom,
Batom
Tira o ba,
Fica tom
Um dia desses
Eu conheci
Uma velha
Que se chamava
Dona Lea
Velha caiu
O velho viu
Calcinha dela
Verde e amarela
Cor do Brasil
Quem bater palma
Imita/vai ser
a velha
A cano utilizada nesta brincadeira formada por versos com rima e sem
melodia, acompanhada por um ritmo em compasso quaternrio, que permanece o
mesmo por toda a brincadeira. Possui uma introduo de quatro compassos, para
depois comear a estria. Depois, seguem duas partes, com momentos diferentes
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a apresentao da velha e o momento em que ela cai, quando o velho v suas
calcinhas, ambas formadas de cinco compassos, o que podemos chamar de forma
irregular. Temos ainda uma finalizao de dois compassos, que faz um breque e
um tipo de pegadinha para quem no estiver atento. interessante que a
introduo e a coda possuem um movimento meldico diferente do restante da
msica, que toda falada, sem melodia, o que nos d a idia de que se tratam de
partes distintas.
O acompanhamento realizado pelas mos um padro utilizado em outras
canes, como Flai si, si ol, citada por Maffioletti (1992), brincadeira popular nos
recreios de minha escola; tambm a cano argentina Ritmo, e a espanhola Em la
calle 24 (cuja letra muito parecida com a brasileira Rua 24), citadas por Gainza
(1996). Este mesmo padro tambm muito utilizado nas introdues de algumas
brincadeiras, como por exemplo, Xuxinha, brincadeira criada pelas meninas da
escola Vitor Miguel, Popeye, tambm apresentada pelas meninas da escola e a qual
eu brincava muito na infncia; Com Quem, apresentada por crianas na escola Praia
do Riso e as argentinas Mens e Me est persiguiendo um Chico, ambas citadas por
Gainza (1996). Nestes casos, comum que a introduo - que geralmente cita
algumas palavras da letra da msica, como uma chamada; venha seguida da
cano num andamento mais rpido, acompanhada pelo padro rtmico ternrio
muito comum nos jogos de mos.
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4.1.2 O Viado
Esta msica talvez no fosse apresentada se eu no insistisse um pouco.
Percebi que a turma estava pedindo alguma brincadeira que as meninas estavam
relutando em fazer. Uma das garotas no queria de jeito nenhum, e elas ficaram por
algum tempo discutindo qual seria a prxima msica. Eu fiquei bastante curiosa em
conhecer a cano proibida; percebi que havia algo envolvido, do tipo palavro,
ou alguma brincadeira estranha. Fiz questo que elas realizassem a brincadeira,
dizendo que no havia problema. Tentei deix-las bem vontade para mostrar
aquela msica, mas no foi preciso muita insistncia, pois logo j comearam a
cantar e toda a classe acompanhou cantando junto, todos bem entusiasmados. A
msica se tratava de um viado no nibus, que faz uma confuso com o cobrador e
o motorista. Como na brincadeira anterior, a ltima frase da msica uma
pegadinha, e quem no estiver atento pode ser alvo de gozao. Foi muito
interessante a execuo dessa brincadeira, o quanto todas crianas participaram e
levaram a srio. Tanto que resolvemos gravar duas vezes, com as duas verses
de finais diferentes uma delas a letra fala que o viado quer ficar sentado, ento
todos tm que se levantar rapidamente; a outra diz que o viado quer ficar em p, a
todos se sentam (na verso em que o viado tem que fi
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