fatores dos solos que influem no enraizamento...
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BROTAÇÃO
Antônio Carlos Machado de Vasconcelos Pesquisador Científico – Centro de Cana IAC
Em lavouras comerciais, a propagação da cana-de-açúcar é realizada
vegetativamente, ou seja, de forma assexuada a partir do tolete, que é uma parte da
planta contendo as gemas, reservas nutricionais, água e hormônios vegetais. A gema é
como se fosse um colmo em miniatura com seus órgãos mantendo-se em estado latente.
Havendo condições favoráveis, esses órgãos passam para o estado ativo de crescimento
e desenvolvimento devido às mudanças das reservas nutricionais pela atividade de
enzimas e reguladores de crescimento (DILLEWIJN, 1952).
A principal condição favorável é a adequada disponibilidade de água. Após o
momento em que o tolete é coberto com solo, se houver disponibilidade de água, inicia-se
o processo de ativação das enzimas e hormônios que controlam a divisão e o crescimento
celular, tanto da gema como também dos pontos dos primórdios das raízes na zona
radicular (Figura 1). Num período de aproximadamente 60 dias as reservas dos toletes
são fundamentais para a evolução do processo de brotação e essa relação de
dependência reduz-se gradativamente à medida que o sistema radicular se desenvolve,
aumentando a superfície ativa de absorção de água e nutrientes do solo.
Gema
a
Zona radicular
b
Figura 1. (a) Parte do tolete, com destaque p
raízes em processo de crescimento
F
ara a gema
inicial.
oto: Vasconcelos (2006)
e a zona radicular; (b) broto eOutros fatores também interferem na brotação e podem ser classificados em
ambientais, genéticos, fisiológicos e fitotécnicos. Na verdade, esses fatores são inter-
relacionados e podem atuar complementarmente.
1. FATORES AMBIENTAIS:
1.1. Classe de solo
Na classificação dos solos no nível hierárquico de ordem examina-se o gradiente
textural como um dos itens principais (PRADO, 2006). A proporção entre o teor de argila,
silte e areia afetam, entre outros fatores, a estrutura, a coesão e a estabilidade do solo.
Estes, por sua vez, interferem na resistência da camada superficial ao rompimento pelos
brotos primários. Isto é particularmente significativo por ocasião da ocorrência de chuvas
pesadas seguidas por períodos de veranicos, quando pode ocorrer a formação de dura
camada superficial de solo com crostas de alta resistência. Do gradiente textural e da
constituição geomorfológica depende também a capacidade de retenção de água do solo
que, por sua vez, afeta a brotação.
1.2. Umidade do solo
A água tem papel fundamental nos processos bioquímicos que ativam a brotação. A
deficiência hídrica no solo pode prejudicar ou impedir a brotação das gemas e isso
depende da intensidade e da duração do período de deficiência (Figura 2). Em condições
de sequeiro, no Centro-Sul do Brasil, o plantio de cana de ano é realizado nos meses de
outubro e novembro e da cana de 18 meses é, normalmente, realizado entre os meses de
janeiro e abril, períodos em que há boa disponibilidade de água. Porém, é comum
ocorrerem períodos de veranicos, os quais podem retardar ou reduzir a brotação. No caso
de veranicos curtos, o armazenamento de água e nutrientes nos toletes plantados pode
proporcionar a manutenção e a sobrevivência das gemas e dos brotos recém emitidos.
Com o retorno das chuvas, o processo de brotação é retomado, resultando apenas em
atraso da brotação. Caso o veranico seja prolongado, ou seja, caracterizado como
período de seca com elevada deficiência hídrica, poderá ocorrer morte de gemas e de
brotos, resultando em falhas na brotação. Por esse motivo os plantios realizados a partir
do mês de abril podem apresentar redução de estande devido às falhas na brotação.
Nessas condições, o ataque de pragas pode ser potencializado, como por exemplo, de
cupins que vão à procura da água armazenada nos toletes, aumentando os danos às
gemas e intensificando os efeitos da deficiência hídrica.
-100-50
050
100150200
set-98nov-98jan-99m
ar-99m
ai-99jul-99
set-99nov-99jan-00m
ar-00m
ai-00jul-00set-00nov-00jan-01
mm
Deficiência Armazenamento Evapotr. Real
Figura 2. Balanço hídrico em Tarumã (SP), entre set/98 e jan/01.
A umidade adequada para a brotação pode variar em função da região, da classe de
solo e, principalmente, de condições físicas do solo como aeração, densidade e
condutividade hidráulica. CASAGRANDE (1991) sugere que mais importante que aferir a
umidade do solo, de grande valia seria que se determinasse o potencial com que a água
está retida no solo. SING & SRIVASTAVA (1973) mostraram os efeitos dos diferentes
níveis de retenção de água no solo e seus efeitos no desenvolvimento inicial dos brotos e
raízes da cana-de-açúcar (Tabela 1). O potencial próximo de zero é equivalente à
condição de capacidade de campo, a qual proporcionou as melhores taxas de
desenvolvimento inicial. O potencial de 15 atm, equivalente ao ponto de murcha
permanente, resultou em uma porcentagem de brotação de 65,55% e redução na altura e
peso de brotos e matéria seca e comprimento de raízes.
Tabela 1. Relação entre o potencial de água do solo e o desenvolvimento de brotos e
raízes do tolete da cana-de-açúcar, após 140 horas do plantio.
Potencial de água no solo
% de brotação
Altura de brotos
Matéria Seca brotos
Mat. Seca raízes*
Comprimento de raízes*
(atm) (mm) (g) (g) (mm) 0 86,77 58,9 97,8 198,7 130,0 5 80,78 36,5 84,7 198,8 75,5
10 76,17 26,1 62,5 166,0 43,9 15 65,55 18,0 35,2 148,1 31,3 20 48,68 4,0 7,1 41,9 15,2 30 14,30 0,2 2,0 4,5 1,6
DMS 5% 6,33 12,8 9,5 17,1 10,4 * Referente às raízes de uma gema. (Fonte: SING & SRIVASTAVA, 1973)
1.3. Aeração do solo
Durante a brotação ocorre intensa atividade de divisão e crescimento celular, os
quais requerem elevado gasto de energia advinda do processo de respiração. Para que o
processo ocorra satisfatoriamente deve haver adequado fornecimento de oxigênio por
meio de uma boa aeração do solo. A aeração é intimamente relacionada à umidade, à
densidade e à porosidade. Com excesso de umidade, há redução da aeração, que
também pode ser resultante do aumento da densidade e redução da macroporosidade.
1.4. Temperatura do solo
A temperatura do solo interfere na velocidade das reações bioquímicas e na ação de
enzimas envolvidas na divisão, diferenciação e crescimento celular e, portanto, é um dos
fatores que mais interferem na brotação. WHITMAN et al. (1963) estudaram os efeitos da
luz, temperatura e água na brotação da cana planta. Eles enfatizaram que a temperatura
ótima foi ao redor de 30oC e significativa redução ocorreu abaixo de 22oC e nenhuma
brotação entre 10 e 16oC. Nas condições de Ribeirão Preto (SP), as temperaturas médias
diárias do solo a 5 cm de profundidade ficaram abaixo de 22oC entre os meses de maio e
setembro/2005, mas estiveram acima de 15oC. Alguns plantios, chamados, plantios de
inverno, são realizados nessa época e, portanto, a brotação nesse período ocorre mais
lentamente e, em geral, resulta em maior porcentagem de falhas. Dependendo da
deficiência hídrica, pode ocorrer redução drástica no estande. Para contornar
parcialmente esse problema, o plantio de inverno deve ser realizado utilizando-se de
maior quantidade de gemas por metro e em regiões com inverno relativamente úmido.
Temperatura do solo (5 cm)
0
5
10
15
20
25
30
35
19/1
1/04
19/1
2/04
18/0
1/05
17/0
2/05
19/0
3/05
18/0
4/05
18/0
5/05
17/0
6/05
17/0
7/05
16/0
8/05
15/0
9/05
15/1
0/05
14/1
1/05
14/1
2/05
13/0
1/06
12/0
2/06
oC
Figura 3. Temperatura do solo na profundidade de 5 cm, em Latossolo Vermelho, em
Ribeirão Preto, entre novembro/2004 e fevereiro/2006. (Fonte: Instituto
Agronômico).
1.5. Resistência à penetração de raízes
Como descrito detalhadamente no capítulo sobre o sistema radicular, um dos
atributos que mais interfere no seu desenvolvimento é a densidade do solo. A densidade
pode apresentar aumento de valores devido à compactação resultante de pressões
exercidas pelo tráfego de máquinas, veículos, implementos e animais. Um aumento na
densidade do solo ocorre simultaneamente à redução da macroporosidade, redução da
aeração, redução da condutividade hidráulica e gasosa e aumento da resistência à
penetração. A região de crescimento da raiz que vence a resistência das porções
compactadas do solo é a região da coifa, que é constituída de um conjunto de células em
pleno processo de divisão celular e crescimento de um tecido tenro e muito sensível às
barreiras físicas (figura 4).
Portanto, o preparo do solo deve ser realizado de forma criteriosa no sentido de
destruir camadas compactadas, pois a presença dessas camadas impede ou reduz o
crescimento radicular para camadas mais profundas e resulta em um sistema mais
superficial tornando os processos de brotação e de desenvolvimento vegetal mais
suscetíveis aos períodos de estresse hídrico.
Foto: VASCONCELOS (2006)
Figura 4. Região da coifa de raiz de cana-de-açúcar.
É importante se ter em vista duas questões:
- Qual a força que uma raiz consegue exercer sobre o solo para vencer a compactação ?
- Qual o grau de compactação que é tolerável pela planta ?
Mas as respostas para essas questões não são tão simples, porque é difícil traduzir
em números o que a planta está “sentindo” abaixo da superfície. Em resumo, é
necessário determinar-se qual a densidade crítica para o desenvolvimento radicular nas
diversas classes de solo, em diferentes condições ambientais.
2. FATORES GENÉTICOS e FISIOLÓGICOS
2.1. Variedades
O controle das reações bioquímicas que regulam o processo de brotação é realizado
pelos genes. Se as condições do ambiente estiverem favoráveis para ocorrer a brotação,
tais reações serão predominantemente regidas pelo genótipo vegetal gravado no conjunto
de cromossomos de cada variedade de cana-de-açúcar. Cada uma se comporta
diferentemente quanto à capacidade de brotação (Figura 5).
0
5
10
15
20
25
30
35
40
jun/06 ago/06
núm
ero
de p
erfil
hos
por m
etro
line
ar
IACSP94-2101
IACSP93-3046
Figura 5. Número de perfilhos por metro linear no período de brotação da cana-planta,
com plantio realizado em abril/2006. (Fonte: Instituto Agronômico).
Também existem diferenças varietais quanto à brotação em cana-planta e em
soqueiras. Segundo CASAGRANDE (1991), nem sempre uma variedade cujos toletes
brotam bem, apresenta uma boa brotação de socas. São duas características bem
distintas para uma mesma variedade. È o caso da variedade SP71-799 cujos toletes
brotam bem, mas pode apresentar brotação irregular das socas se as condições
ambientais, pós-corte da cana, forem desfavoráveis. A recíproca também é verdadeira, ou
seja, existem variedades com brotação irregular dos toletes, em condições desfavoráveis,
mas com boa capacidade de resistir às condições adversas no período de brotação da
soca, como por exemplo a NA56-79. Atualmente, uma variedade com esse
comportamento típico é a RB855156.
2.2. Presença de bainha
A característica de “palha agarrada” de uma variedade ou a sua capacidade de
desfolha espontânea interfere na brotação. O termo popular “palha agarrada” se refere à
condição morfológica em que a bainha da folha envolve fortemente o colmo desde os
primeiros estágios de crescimento e, após estar seca, se mantém aderida ao entrenó.
Nesses casos, mesmo com a operação de desfolha da muda, a gema fica coberta pela
bainha que atua como uma barreira mecânica para a emissão dos brotos e das raízes e
para a condutividade térmica e hídrica do solo para a gema. A umidade e os
microrganismos do solo gradativamente causam a desagregação das cadeias de celulose
e lignina da palha facilitando a emissão dos brotos e das raízes (Figura 6). Porém, há um
atraso da brotação em relação aos colmos sem palha.
Figura 6. Emissão de broto e raízes a partir de tolete com palha agarrada. (Fotos:
Vasconcelos, 2006)
2.3. Tamanho das gemas
A ocorrência de gemas grandes e proeminentes é uma característica genética de
algumas variedades. Tais gemas estão mais sujeitas a danos mecânicos, tanto no
momento do corte, como também durante o carregamento, transporte, descarregamento e
distribuição no sulco. Tais danos podem inviabilizar a brotação da gema e tornam o ponto
danificado sujeito a entrada de patógenos.
2.4. Dominância apical
A dominância da gema do ápice do colmo é verificada pelo não desenvolvimento das
gemas laterais, que permanecem num estado de dormência. Quando a gema do ápice é
removida ou morta, as gemas laterais podem se desenvolver, produzindo brotos
(DILLEWIJN, 1952). Quando a planta está em crescimento ativo, a sua gema apical
produz auxinas que se translocam do ápice vegetativo para a base, induzindo a distensão
dos tecidos recém formados e o conseqüente alongamento. Dentre os reguladores de
crescimento que exercem considerável efeito auxínico, destacam-se o ácido indolacético
(AIA), ácido naftalenoacético (ANA), ácido indolbutírico e ácido diclorofenoxiacético –
2.4D (CASAGRANDE, 1991).
2.5. Número de gemas por tolete
Estudando a brotação, CLEMENTS (1940) avaliou o efeito do corte dos toletes em
diferentes tamanhos e números de gemas (1 a 5 gemas por tolete). Encontrou melhores
resultados para menores tamanhos de toletes (com menos gemas). Entretanto, em
ambientes ou épocas de plantios favoráveis para o desenvolvimento de podridões, a
maior exposição de faces cortadas dos toletes pode aumentar a infestação e intensificar
os efeitos negativos dessas doenças.
O plantio da cana inteira também tem sido pesquisado com relação aos efeitos na
brotação e na produtividade da cana. Alguns trabalhos apresentam resultados positivos;
outros mostram resultados negativos. A verdade é que tais resultados dependem da
variedade e das condições ambientais (solo, disponibilidade hídrica, temperatura,
potencial de inóculo da área, etc. Tudo indica que cada caso é um caso e não existe um
padrão de comportamento quanto ao seccionamento ou não dos colmos no plantio.
2.6. Estado fitossanitário da muda
A atividade metabólica dos processos envolvidos na brotação requer “saúde” dos
toletes para que ocorra eficientemente. Algumas doenças têm efeitos diretos sobre a
gema e os toletes plantados, causando o apodrecimento dos tecidos e falência das
funções vitais. É o caso da podridão vermelha (Colletotrichum falcatrum), da fusariose
(Fusarium muniliforme) e da podridão abacaxi (Thielaviopsis paradoxa). A ocorrência
dessas doenças podem variar em função das condições ambientais e da época de
plantio. Segundo TOKESHI (1980), a podridão abacaxi, por exemplo, tem a ocorrência
favorecida nos plantios tardios ou em períodos de seca e já se observou canaviais com
área superior a 50 há totalmente perdidos após três plantios sucessivos onde, no primeiro
plantio, usou-se 10 toneladas de mudas por hectare e nos seguintes 20 a 30 t/hectare.
Outras doenças, como escaldadura (Xanthomonas albilineans) e raquitismo da
soqueira (Vírus) têm efeitos indiretos sobre a brotação, pois causam obstrução dos vasos,
prejudicando o transporte de metabólitos até os pontos de utilização.
3. FATORES FITOTÉCNICOS:
Os fatores fitotécnicos se referem às práticas agrícolas que podem interferir
positivamente ou negativamente na porcentagem e na velocidade da brotação. O efeito
de todas essas práticas têm uma explicação fisiológica para serem consideradas
favoráveis ou não.
- Preparo do solo e destorroamento;
- Intervalo de tempo entre o corte da muda e a distribuição no sulco de plantio;
- Intervalo de tempo entre a distribuição no sulco de plantio e a cobertura com terra;
- Tempo em que os sulcos ficam abertos;
- Número de Gemas;
- Posição da gema no plantio em relação ao solo;
- Embebição dos toletes em água;
- Embebição em compostos químicos;
- Tratamento térmico;
- Tratamento da muda com inseticidas e fungicidas;
- Aplicação de inseticidas no sulco de plantio;
- Aplicação de fertilizantes na formação da muda;
- Aplicação de torta de filtro;
- Profundidade de plantio;
- Compactação dos toletes;
- Herbicidas.
4. Referências bibliográficas
CASAGRANDE, A.A. Tópicos de morfologia e fisiologia da cana-de-açúcar. Jaboticabal: FUNEP, 1991. 157p. DILLEWIJN, C.N. Botanique de la canne a sucre. Wageningen: Veenman & Zonen. Holande, 1960. 591 p. PRADO, H. Saiba mais sobre a textura do solo. Disponível em http://www.pedologiafacil.com.br/textura.php Acesso em 26/09/2006. TOKESHI, H. Doenças da cana-de-açúcar. In: Galli, F. Manual de Fitopatologia. Piracicaba: Ceres, p. 141-206. 1980.
WHITMAN, PC; BULL, TA; GLASZIOU KT. 1963. The physiology of sugarcane; effects of temperature, light and water on set germination and early growth (Saccharum spp.). Australian J. Biological Science 15(2), 415-428.
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